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Extrato de alcaçuz (Glycyrrhiza glabra L.

): ação antimicrobiana sobre biofilme de


Staphylococcus aureus em resina acrílica

Kely Karina Belato, Jonatas Rafael de Oliveira, Cláudio Antonio Talge Carvalho,
Antonio Olavo Cardoso Jorge, Luciane Dias de Oliveira

Universidade Estadual Paulista – UNESP / Instituto de Ciência e Tecnologia


Departamento de Biosciências e Diagnóstico Bucal
Av. Eng. Francisco José Longo, 777 - Jardim São Dimas - 12245-000 - São José dos Campos, SP
kely_k@msn.com

Resumo – O presente estudo avaliou a atividade antimicrobiana do extrato glicólico de alcaçuz (G. glabra
L.) sobre biofilme de S. aureus em resina acrílica. Para tanto, um disco de resina acrílica foi depositado em
um poço de uma placa de 24 poços e recoberto por caldo Brain Heart Infusion (BHI) sacarosado (5% de
sacarose), em seguida, foi adicionada ao meio a suspensão padronizada de S. aureus (106 células/mL).
Após incubação de cinco dias a 37°C, o biofilme formado foi colocado em contato com o extrato de alcaçuz
(100 mg/mL) por cinco minutos, Em seguida, o biofilme foi desagregado do disco de resina acrílica, diluído
em solução salina (NaCl 0,9%), semeado em ágar BHI e incubado por 48 h. Pela contagem de UFC/mL,
observou-se que houve redução significativa (p<0,01) do biofilme de S. aureus de 0.726±0.295 log10, em
comparação ao grupo controle (NaCl 0,9%), sendo semelhante à redução apresentada pela clorexidina
(0,031%), com redução média de 0.973±0.537 log10. Desta forma, foi constatado que o extrato de alcaçuz
demonstrou efetiva atividade antimicrobiana sobre S. aureus com ação semelhante à clorexidina.

Palavras-chave: Glycyrrhiza glabra L.; alcaçuz; Staphylococcus aureus; biofilme


Área do Conhecimento: Ciências Biológicas - Microbiologia

Introdução Biofilme microbiano é um micro-ecossistema


formado por diversas espécies de micro-
Glycyrrhiza glabra L., conhecida popularmente organismos envolvidos em uma matriz extracelular
por alcaçuz ou raiz doce, pertencente à família constituída de polissacarídeos, acredita-se que um
Fabaceae, é uma planta medicinal que cresce em biofilme natural seja formado por cerca de 750
diversas partes do mundo. É uma das mais espécies diferentes de micro-organismos em
antigas plantas utilizadas como medicamento, e associação (JENKINSON; LAMONT, 2005). O
até mesmo, como condimento para disfarçar o crescimento do biofilme ocorre pela comunicação
sabor desagradável de outros fármacos (BIONDI intra e interespecífica apresentada pelos
et al., 2005). Também é utilizada como adoçante e indivíduos nesta comunidade, sendo importante
agente aromatizante em alimentos, doces, também para o desenvolvimento de infecções
dentifrícios e bebidas (WITTSCHIER et al., 2009). como cárie e periodontite (KURAMITSU et al.,
Em países como Índia e China, suas raízes e 2007).
rizomas são utilizados para fins terapêuticos Com o surgimento de cepas resistentes aos
(WITTSCHIER et al., 2009). antimicrobianos de uso convencional, capazes de
Numerosas atividades biológicas foram provocar inúmeras patologias, o estudo de
atribuídas ao alcaçuz, como antibacteriana, métodos alternativos para controle destes
antifúngica, anti-ulcerogênica, antitumoral, anti- patógenos, como a utilização de produtos
inflamatória, antioxidante, anti-aterosclerose, vegetais, é de grande importância. Diversos
hepatoprotetora, imunomoduladora, expectorante estudos tem sido elaborados no sentido de
e cardioproteroa (ASL et al., 2008; LAU et al., verificar a atuação efetiva destes produtos sobre
2010; OLIVEIRA et al., 2013). Estas atividades micro-organismos. Com isso, buscamos avaliar o
são desempenhadas por inúmeros compostos potencial antimicrobiano do extrato de alcaçuz
bioativos presentes em G. glabra L., como ácido sobre biofilme de S. aureus formado em resina
glicirrízico, glicirrizina, isoliquiritigenina, acrílica.
hispaglabridina B, paratocarpina B e glabiridina
(BIONDI et al., 2005; LIU et al., 2008)

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Metodologia

Foi utilizada uma cepa-padrão de S. aureus


(ATCC 6538) cultivada por 24 h em ágar BHI
(Difco, Detroit, MI, EUA) a 37°C. O inóculo foi
padronizado em solução fisiológica estéril (NaCl
0,9%) com auxílio de espectrofotômetro (Micronal
B-582, São Paulo, Brasil), com comprimento de
onda de 490 nm e densidade optica de
0,374±0,020, para obtenção da concentração final
6
de 10 células/mL.
Para a formação do biofilme in vitro (PEREIRA
et al., 2010), foram adicionados em placas de 24
poços estéreis com tampa (TPP, Suiça), 2 ml de
caldo BHI sacarosado (5% de sacarose), um disco
de resina acrílica estéril (Clássico, São Paulo,
Brasil) para a formação do biofilme e 100 µL da Figura 1 – Valores médios (±DP) das UFC/mL
suspensão padronizada de S. aureus, por poço. (log10) do biofilme de S. aureus apresentados pelos
Foram utilizados 10 discos para o grupo controle grupos Controle (NaCl 0,9%) e Tratado com extrato
(NaCl 0,9%), 10 discos para o grupo tratado com de alcaçuz (100 mg/mL) e reduções do biofilme
extrato de alcaçuz (100 mg/mL) e 10 discos para o *p<0,01; **diferença não significativa (p>0,05).
grupo tratado com clorexidina (0,031%). As placas (ANOVA e Tukey Test)
foram incubadas a 37°C por cinco dias. número de UFC/mL de 6.304±0.538 log10 e para o
Posteriormente, os discos passaram por três controle 7.278±0.011 log10 (Figura 1).
lavagens com solução fisiológica estéril, sob
agitação, a fim de remover células não aderidas. Discussão
Os grupos tratados foram submetidos ao
contato por cinco minutos com o extrato de De acordo com nossos resultados, o extrato de
alcaçuz ou com a clorexidina, em seguida, alcaçuz apresentou na concentração de
passaram por mais uma lavagem e foram 100 mg/mL efeito bacteriostático sobre o biofilme
colocados em tubos com solução fisiológica de S. aureus. No entanto, para formas
estéril. Para desagregação do biofilme, as planctônicas deste micro-organismo esta
amostras foram levadas ao homogeneizador concentração foi bactericida (OLIVEIRA et al.,
ultrassônico (Sonoplus HD 2200, 50 W, Bandelin 2013). Segundo Lewis (2001), os biofilmes são
Eletronic) por 30 segundos com potência de cerca mais resistentes à ação de antimicrobianos em
-1 -2
de 25%. Quatro diluições decimais (10 , 10 , 10
-3 comparação às culturas planctônicas. Esta
-4
e 10 ) das suspensões foram realizadas e 100 µL conformação também proporciona aos micro-
de cada diluição foram semeados em placas de organismos maior resistência aos diversos
BHI que seguiram para incubação por 48 h a componentes da imunidade do hospedeiro
37°C. Em seguida, foram contadas as unidades (LEWIS, 2001).
formadoras de colônia por mililitro (UFC/mL) e os Outro dado relevante do presente estudo é a
resultados foram convertidos em log 10. Os valores similaridade da ação antimicrobiana do extrato de
foram analisados estatisticamente pelo teste alcaçuz com a clorexidina, uma vez que, as
ANOVA, complementado por Tukey Test (p≤0.05). reduções de UFC/mL (log10) foram
estatisticamente semelhantes entre esses grupos,
Resultados sendo 0.726±0.295 log10 para o grupo tratado com
o extrato de alcaçuz e 0.973±0.537 log10 para o
O extrato de alcaçuz promoveu redução média grupo tratado com a clorexidina.
significativa (p<0,01) do biofilme de S. aureus de A ação antimicrobiana de G. glabra L. se
0.726±0.295 log 10, em comparação ao grupo estende a outras espécies de micro-organismos.
controle (NaCl 0,9%), uma vez que o valor de Estudos tem demonstrado que o extrato de
UFC/mL do grupo tratado com o extrato foi de alcaçuz também atuou sobre Candida albicans, C.
6.233±0.275 log10 e do grupo controle foi de glabrata, C. tropicalis, Streptococcus mutans,
6.959±0.273 log10 (Figura 1). Staphylococcus epidermidis e fungos filamentosos
A clorexidina reduziu em média 0.973±0.537 (MOTSEI et al., 2003; OLIVEIRA et al., 2013).
log10 (p<0,01), sendo observado no tratamento o Esta atividade biológica do alcaçuz foi atribuída
à presença de importantes compostos naturais
que este vegetal utiliza para se defender de

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patógenos, foram isoladas e identificadas diversas - KURAMITSU, H.K.; HE, X.; LUX, R.;
destas moléculas, como glabridina, hispaglabridina ANDERSON, M.H.; SHI, W. Interspecies
B (FATIMA et al., 2009) e ácido glicirretínico interactions within oral microbial communities.
(PELLATI et al., 2009). Foi demonstrado que o Microbiol. Mol. Biol. Rev. N.71, p. 653–670,
composto glabridina exibiu atividade inibidora 2007.
contra C. albicans (FATIMA et al., 2009) e também
contra S. aureus sensíveis e resistentes à - LAU, T.; YE, L.; LEUNG, L. The licorice flavonoid
meticilina (FUKAY et al., 2002). isoliquiritigenin suppresses phorbol esterinduced
Estudos devem ser conduzidos no objetivo de cyclooxygenase-2 expression in the non-
se verificar a biocompatibilidade destes produtos, tumorigenic MCF-10A breast cell line. Planta Med.
uma vez que, obtendo-se resultados satisfatórios N.76, p. 780–785, 2010.
de viabilidade para seres humanos, poderiam ser
aplicados em produtos como dentifrícios, - LEWIS, K. Riddle of biofilm resistance.
enxaguatórios bucais, saponáceos e até mesmo Antimicrob Agents Chemother. N.45, p. 999-
em medicamentos, no intuito de controlar micro- 1007, 2001.
organismos oportunistas causadores de infecções.
- LIU, B., YANG, J.; WEN, Q.; LI, Y.
Conclusão Isoliquiritigenin, a flavonoid from licorice, relaxes
guinea-pig tracheal smooth muscle in vitro and in
De acordo com os resultados obtidos, o extrato vivo: role of cGMP/PKG pathway. Eur J
de alcaçuz (G. glabra L.) apresentou ação Pharmacol. N.587, p. 257–266, 2008.
antimicrobiana, reduzindo significativamente a
quantidade de UFC/mL do biofilme de S. aureus - MOTSEI, L.M.; LINDSEY, K.L.; van STADEN, J.;
formado em resina acrílica, demonstrando JAGER, A.K.; Screening of traditionally used South
também, ação antimicrobiana semelhante à African plants for antifungal activity against
clorexidina. Candida albicans. J. Ethnopharmacol. N.86, p.
235–241, 2003.
Referências
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