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Aula Um

O Produto Audiovisual
Introdução - a realização audiovisual e a globalização – o audiovisual como comunicação - a
produção audiovisual – os gêneros cinematográficos - televisão, vídeo e cinema – definição de ‘obra
cinematográfica’.

Introdução:

Objetivos do ensino: preparar o aluno para ingressar no mercado de trabalho da produção


audiovisual independente com ênfase nos seguintes aspectos de sua formação pessoal e intelectual:

- compreensão do desenvolvimento científico-tecnológico do processo produtivo;


- criação de consciência crítica e criativa;
- fortalecimento da consciência ética e do exercício da cidadania.

O objetivo final do estudo da disciplina é contribuir para que o aluno se constitua como indivíduo e
consiga construir, por meio da atividade cinematográfica, um discurso que dê sentido ao mundo e à
vida.

A realização audiovisual e a globalização:

O criador ou autor da obra cinematográfica ou audiovisual é o Diretor ou Realizador. Para


compreendermos o que faz um criador de audiovisual é necessário tentar definir suas funções e
circunscrever seu campo de atuação. A produção audiovisual vive hoje intensas transformações em
função de mudanças profundas no plano econômico e social (a Globalização) e da revolução
tecnológica (a Informatização e a Digitalização). Essas transformações tendem a afetar o próprio
conceito de autor, diretor ou realizador de cinema e vídeo. Quando pensamos em nos
profissionalizar em cinema e vídeo, isto é, assumir uma atividade que, além de nos dar sentido à
vida, nos sustente economicamente, é importante examinar o panorama econômico e social do país
e do mundo. Vemos, por exemplo, que a noção de pleno emprego é cada cada vez mais relativa.
Ou seja, nenhum profissional, hoje, pode esperar conseguir um emprego e nele permanecer para
sempre até se aposentar ou, até mesmo, não se preparar para permanecer desempregado por
alguns períodos de sua vida. Isto é particularmente verdadeiro em profissões como de cineasta,
principalmente os que atuam na chamada “produção independente”, isto é, aquela não vinculada às
grandes corporações de produção: os grandes estúdios (em geral americanos) e as emissoras de
televisão. Ou seja, se preparar para conviver com uma situação de desemprego estrutural é um
dos grandes desafios da vida moderna. Esta é uma situação muito comum nas profissões altamente
competitivas da área de comunicação, em que um grande número atua como profissionais “free-
lancer”, isto é, sem vínculo empregatício. Isto significa que o profissional moderno precisa não
apenas ter uma profissão, uma especialização, mas também saber criar oportunidades de trabalho, o
que implica saber adequar os seus conhecimentos profissionais para áreas e objetivos diversos.

O cineasta, isto é, o criador audiovisual, necessita ter uma visão realista das condições de produção
do meio socio-econômico em que ele vai atuar. Ser diretor de cinema ou de vídeo era, até a década
de 90, algo perfeitamente claro e definido. Um profissional de cinema ou de vídeo era alguém que
trabalhava com a técnica de cinema e vídeo. Hoje o que vemos é uma interpenetração de recursos
técnicos, fruto da convergência da tecnologia digital e da combinação de técnicas que antes
permaneciam dissociadas. Foi isto que gerou a multimídia ou multimeios e a interatividade. Os
produtos, isto é, os filmes e programas audiovisuais, não são mais feitos a partir de técnicas únicas
que tendem a permanecer iguais por longo tempo. Um filme se fazia sempre a partir de película
cinematográfica por processos óticos e era exibido exclusivamente nas salas de cinema (o chamado
circuito cinematográfico) e, em seguida, nos circuitos da televisão aberta e do videocassete
doméstico (VHS), chamado “home-video”. Hoje, não. Além de variados recursos tecnológicos novos
para se produzirem imagens com som, os filmes ou programas audiovisuais, se veiculam tanto nos
circuitos convencionais (salas, TV aberta, home-vídeo, DVD), quanto em novos veículos de exibição,
como as TVs fechadas (pagas), os canais por satélite e, crescentemente, através da internet, em
escala planetária.
Tudo isso trouxe imensas transformações para a atividade profissional. O primeiro aspecto que se
deve levar em conta é que toda essa transformação só esta sendo possível graças à uniformização
das técnicas de produção pela digitalização. Todas as atividades produtivas estão sendo
uniformizadas pela tecnologia digital, através da convergência tecnológica, fator da mais alta
importância e que está levando a modificações profundas em toda a vida humana.

Hoje falamos no conceito de entretenimento digital no qual a interatividade permite o controle do


conteúdo e até da linguagem da programação pelo usuário. São aparelhos que gravam e transmitem
selecionando o conteúdo, a forma da programação e até a linguagem do programa (o
enquadramento e o ângulo de várias câmeras, por exemplo, em espetáculos esportivos) de acordo
com o desejo do usuário. O computador – a invenção determinante dos tempos modernos - permite
controlar a televisão, o telefone, o DVD, o videogame, o interfone, o CD e até a geladeira e o fogão.

Consequentemente, é necessário atentar para os efeitos da digitalização quando procuramos


aprender como se faz cinema ou vídeo principalmente quando queremos nos assumir como
profissionais nessas áreas da indústria audiovisual.

Dois aspectos são fundamentais nesse processo: a informatização da produção audiovisual tem
provocado uma considerável diminuição dos custos de produção. Primeiro, pelo aumento do nível
de qualidade técnica dos equipamentos de uso amador ou semi-profissionais. Por ex., uma câmera
digital de uso doméstico (mini –DV) rende uma qualidade de imagem e som de padrão praticamente
profissional. Segundo, pela diminuição do tempo para realização de tarefas técnicas, como a edição
(montagem) não-linear (= digital). Ambos os fatores vêm permitindo uma maior democratização de
acesso aos recursos técnicos de produção audiovisual com padrão de alta qualidade. Ao provocar a
redução dos custos de produção, a informatização abre a produção audiovisual a um número
crescente de pessoas. Esta redução de custos se opera tanto em nível de produção, quanto em nível
de exibição, o que já vem acontecendo desde a introdução do vídeo doméstico (VHS) e agora com o
DVD. Ambos, junto com a exibição nas televisões aberta e fechada, se tornaram grandes veículos de
escoamento da produção cinematográfica e audiovisual e constituem o chamado mercado eletrônico,
também chamado ancilar, que deverá ser incrementado numa escala infinita com as possibilidades
de veiculação em futuro próximo do produto audiovisual pela banda-larga da internet. Vale lembrar
que mesmo nas comunidades de baixa renda, como as favelas e bairros de periferia das grandes
cidades, é comum encontrar videoclubes, às vezes mais de um numa mesma comunidade, assim
como, nas residências, equipamentos de boa qualidade de recepção e reprodução de som e imagem
(videocassetes, TV a cabo e por satélite). Finalmente, o chamado Cinema Digital permitirá a criação
de circuitos de salas de exibição de baixo custo de instalação, operação e de distribuição dos filmes
que serão projetados pelos sistemas digitais de DVDs ou mesmo on-line via cabo ou satélite.

Outro aspecto importante resultante da revolução que vem acontecendo nos meios de comunicação
audiovisual por força da informatização é o surgimento de novos produtos audiovisuais. São novos
produtos que utilizam a imagem em movimento e o som, como CD-Roms e videogames.

Além disso, a diminuição dos custos e a crescente rapidez na realização de produtos audiovisuais
têm contribuído para ampliar o número de usuários do produto audiovisual, que, longe de servir
apenas como veículo de lazer, é cada vez mais utilizado por um número crescente de setores, como
indústria, serviços, comércio, religiões, profissões liberais, governos e partidos políticos, ONGs, sem
falar na Educação, onde reside o grande desafio das sociedades modernas e que tem na produção
audiovisual seu mais poderoso instrumento de disseminação. Para todos esses produtos
audiovisuais consumidos pela sociedade é necessário a criação audiovisual, que surgiu com o
cinema e a indústria cinematográfica há um século atrás, razão pela qual a familiarização com as
técnicas, os recursos e a linguagem do cinema é fundamental para o profissional de qualquer setor
audiovisual.

É nesse contexto amplo e em permanente mutação que se situa o profissional de audiovisual, em


particular seus produtores, criadores e técnicos, responsáveis principais pela realização audiovisual.

Ocorre assim uma transformação da natureza das funções do cineasta, do criador audiovisual.
As fronteiras entre as especializações profissionais estão cada vez mais difusas. O cineasta hoje, em
tese, tanto pode trabalhar num filme tradicional para exibição num circuito de salas em 35mm.,
quanto realizar um filme para ser exibido exclusivamente na internet ou até mesmo participar da
realização de um cd-rom ou de um videogame. Para isso, é necessário preparar uma nova
mentalidade profissional, o que implica rever conceitos estabelecidos. Só assim ele poderá extrair o
máximo proveito tanto em termos econômicos quanto criativos da atividade que escolheu para se
dedicar profissionalmente.

O audiovisual como comunicação:

Nesse contexto de conceitos que se superpõem e transformam a cada dia, é necessário não se
perder o enfoque de que a atividade audiovisual é basicamente comunicação na qual um
Emissor (fonte) transmite uma Mensagem (som + imagem em movimento) para um Receptor
(destinatário). Transmitem-se dados (informações) e emoção. Faz-se o receptor pensar e sentir e
com isso procura-se influenciar o pensamento e o sentimento daqueles aos quais a mensagem se
dirige. O cinema inaugura os meios de comunicação de massa audiovisuais que são uma
característica por excelência do século 20. A organização social do presente e do futuro tende
crescentemente a depender da comunicação social exercida pelos meios de comunicação de massa
audiovisuais.

Por isso, o controle da comunicação é (e sempre foi) sinônimo de poder e de todas as formas de
comunicação a mais poderosa é a audiovisual. A comunicação é um dos principais instrumentos
pelos quais determinados grupos humanos influenciam e consequentemente exercem poder sobre
outros grupos humanos. Assim, para suprir o papel de fator veiculador e de registro de mensagens,
fatos, dados e emoções, com economia de meios e tempo e com força persuasória desenvolveram-
se linguagens, que são formas pelas quais a comunicação se realiza e propaga. A história da
comunicação humana, e de certa forma da própria humanidade, é a história do desenvolvimento das
linguagens. Podemos falar na linguagem da prosa, da poesia, da pintura, da música, da dança, da
fotografia, da arquitetura, do cinema.

O termo “linguagem” é usado indiscriminadamente em várias acepções e sentidos. Do ponto de vista


das artes, isto é, da forma como as várias artes criam linguagens para se expressar, a linguagem é
um sistema articulado de signos, não só escritos ou vocais, como também visuais, fisionômicos,
sonoros, gestuais e etc., capaz de servir à veiculação da obra para as pessoas (o público receptor).
A linguagem verbal articulada constitui apenas um desses sistemas, o qual, por ser o mais
desenvolvido, serve de paradigma para o estudo dos demais sistemas de linguagem. A linguagem
verbal é estudada pela Lingüística, que, por sua vez, faz parte da Semiologia ou Semiótica (= estudo
dos signos). Assim, ao utilizarmos o termo “linguagem”, devemos sempre nos lembrar que ele
sempre pressupõe um “sistema de signos”. Quando falamos na linguagem de um filme, de um
cineasta, ou mesmo da fotografia, do som ou do figurino de um filme, devemos sempre incorporar na
nossa análise do filme, do cineasta, da fotografia, do som ou do figurino a conceituação de um
sistema de signos que é o que vai justificar o emprego do termo linguagem para exprimir a forma e
o conteúdo tanto da obra de arte, como um todo, quanto de seus elementos constituintes. Por isso, é
fundamental para o estudo da estética cinematográfica (a Crítica) o embasamento teórico que a
Lingüística fornece.

Foi a partir da invenção da tipografia com Gutemberg no século 15 (1450) que se ampliou a
capacidade da informação atingir um número cada vez maior de pessoas. Informação significa
esclarecimento, aumento da consciência e da capacidade de pensar e das pessoas ganharem um
domínio maior sobre seus destinos e suas vidas. Por isso a informação é associada à luz, porque ela
ilumina com o conhecimento a visão mental das pessoas como um facho de luz na escuridão. "E a
luz se fez" lê-se no monumento a Gutemberg em Estrasburgo, na Alemanha. A invenção da
tipografia trouxe uma revolução na disseminação do conhecimento. Inicialmente a expansão da
informação se fez exclusivamente por meio da palavra escrita (manuscritos) e das imagens fixas
(pintura, gravura, desenho, escultura, baixos e altos relevos). Com o advento da imprensa escrita e a
disseminação de livros, a alfabetização tornou-se universalmente um pressuposto para o
desenvolvimento da humanidade por ela dar acesso a um nível de informação quantitativa e
qualitativamente crescente e consequentemente a um maior poder de decisão sobre a realidade e o
próprio destino dos seres humanos.

É importante notar que, na Antiguidade, os reis e as religiões sempre exerceram intenso controle
sobre a produção das imagens. O Judaísmo e o Islamismo chegaram a proibi-la como pecado de
idolatria. Vide os Talibãs no Afeganistão destruindo ainda hoje imagens budistas milenares. Mas os
Estados modernos, mesmo democráticos, não são diferentes na ânsia de controlar a produção das
imagens ou de deixá-las serem criadas livremente pelo risco de contestação aos sistemas políticos
que representam. De variadas formas, indiretas e dissimuladas, os Estados continuam exercendo
controle sobre a produção e a circulação das imagens, como a história do cinema e da televisão
demonstram.

No século 18, com o surgimento dos regimes liberais e da democracia, a imprensa escrita ganha um
impulso muito grande e representa um momento importante no processo de esclarecimento das
massas.

Mas o sonho da retratação da realidade física por meio das imagens em movimento com sons
sincronizados sempre povoou a imaginação dos seres humanos, como provam a arte das
marionetes e a dos teatros de sombra que encontramos na cultura de muitos povos de todas as
épocas. Seria porém apenas no final do século 19, com a invenção do cinema, que a reprodução
fotográfica do mundo exterior, em movimento, com absoluta verossimilhança, se torna uma realidade
que passará a fazer parte do cotidiano da cultura ocidental difundindo-se por todo o mundo.

Já nas suas primeiras décadas, percebe-se que o século 20 representaria a era da comunicação
de massa. Lazer e informação, entretenimento e educação passam a ser condicionados pela
tecnologia audiovisual. Em 1914, o presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, ao assistir na
Casa Branca o filme “O Nascimento de uma Nação” de D.W.Griffith – considerado o pai do cinema -
exclama: “é como escrever a história com relâmpagos”. Nos anos 30, o cinema tornando-se sonoro
passa a reproduzir a fala humana e se consolida como o mais poderoso meio de comunicação de
massa jamais inventado. Nos anos 50, com o advento da televisão, a imagem sonora em movimento
penetra sem custo no interior da casa das pessoas. Hoje a televisão é uma presença constante nos
lares das pessoas, influenciando poderosamente opiniões, sentimentos, desejos e comportamentos.

O Direito à Informação (entendida aqui em sentido amplo englobando a educação e o


entretenimento) é um dos direitos fundamentais do ser humano, reconhecido nas legislações de
praticamente todos os países mas ainda lamentavelmente longe de ser uma realidade para a maioria
das pessoas. Ele se equipara ao Direito à Liberdade de Expressão e ao que modernamente se
chama de Direiro à Diversidade Cultural. Atualmente, na Europa unificada da Comunidade Européia,
vem ganhando impulso crescente nas políticas audiovisuais o movimento em defesa da Diversidade
Cultural, entendida como o direito dos povos de terem acesso às cinematografias de todos os países
em contraposição ao poder hegemônico que o cinema americano exerce em escala esmagadora nos
mercados de todo o mundo.

Quando falamos em cinema como comunicação e do ponto-de-vista estético, devemos atentar para
as influências que ele recebeu das e exerceu sobre as outras mídias, particularmente as que se
desenvolveram no século 20, como o rádio, o jornalismo, as histórias em quadrinho, as artes
gráficas. Estudar essas influências recíprocas permite que a gente adquira um conhecimento mais
apurado das particularidades da multiplicidade das linguagens audiovisuais.

Finalmente, numa fase de transformações como a que passa atualmente o audiovisual, é


imprescindível conhecer a evolução histórica da linguagem do cinema e do audiovisual para que se
possam avaliar corretamente as novas perspectivas que a tecnologia e os mercados oferecem e
principalmente não se repetirem erros cometidos em situações análogas do passado.

Por aí, pode-se ter uma idéia do papel social, político e histórico do produtor e do criador do
audiovisual hoje em dia. Quanto mais consciência tiver desse papel, mais o profissional poderá
contribuir para o progresso social de seu tempo assim como melhor se situar profissionalmente num
mercado em que novos desafios e oportunidades surgem a cada dia.

Outro aspecto a ressaltar é que por ser o cinema essencialmente uma atividade de comunicação,
como dissemos, o cineasta necessita em primeiro lugar saber comunicar-se, conhecer as técnicas
de comunicação (o que antigamente se chamava de Retórica) começando por saber escrever e falar.
A comunicação verbal, a fala e a escrita, são a base da comunicação humana. Saber escrever é
saber organizar os pensamentos e saber expô-los. Toda linguagem, a começar com a verbal, é,
como dizem os linguistas, um sistema de signos. Os estudos de linguística levaram modernamente à
descoberta de que não apenas a língua falada e escrita constitui um sistema de signos mas todas as
manifestações humanas tendem a estruturar-se em termos de linguagem. A linguagem audiovisual,
como veremos, é um veículo de comunicação extremamente rico e flexível que oferece infinitas
possibilidades expressivas e artísticas. Mas para dar-lhe o máximo de eficácia é necessário
conhecer-lhe os segredos com rigor e precisão. É necessário porém, em primeiro lugar, que o
emissor tenha com clareza o que dizer e a quem (o receptor) dizer.

Finalmente, cumpre lembrar que todo projeto audiovisual começa no papel. Por maiores que sejam
os avanços da tecnologia, a linguagem verbal escrita continua sendo e é cada vez mais a base de
todo projeto audiovisual, seja ele cinema ou vídeo. Dificilmente o que é mal expresso verbalmente
rende eficazmente ao ser transposto para a linguagem audiovisual. A linguagem audiovisual
pressupõe a verbal.

A produção audiovisual:

Atualmente, num ano como entre 1999 e 2000, se produzem no Brasil em média 40 filmes de longa-
metragem, 20 curtas-metragens, uma grande quantidade de documentários, vídeos de todo gênero,
filmes de publicidade, propaganda política, programas institucionais, educativos, científicos,
anualmente, ou seja, uma grande quantidade e variedade de produtos audiovisuais de todo gênero.

A produção audiovisual, particularmente o cinema, reflete um aspecto que envolve a dicotomia arte
versus indústria. Ao mesmo tempo em que ele gera um produto artístico, artesanal, autoral, de
maneira geral, se destina necessariamente a um público, seja um público específico, no caso dos
filmes de encomenda, seja o grande público do mercado comercial. O princípio geral é que em razão
dos altos custos da produção (principalmente cinematográfica) o filme precisa necessariamente
destinar-se a um mercado determinado de forma a amortizar seus custos de produção. Fazer um
filme não é igual a escrever um livro ou pintar um quadro, embora esta verdade tenda a perder
validade absoluta, na medida em que a tecnologia de produção audiovisual se democratiza, caindo
de custo, como vem se verificando. Nesta questão, reside o ponto central em torno do qual giram
todas as demais questões relativas à produção audiovisual e à indústria cinematográfica, inclusive
estéticas.

Todas as comunidades reconhecem a importância de ter suas unidades próprias geradoras de


imagens e sons que reflitam a realidade social e sirvam de instrumentos de lazer e comunicação
social. Veja-se a Constituição Brasileira, que, no Art. 221, determina a “promoção da cultura nacional
e regional e estímulo à produção independente que objetive a sua divulgação” (Inciso II) e a
“regionalização da produção cultural, artística e jornalística” (Inciso III). Poucas sociedades no
entanto conseguem exercer esse direito nas condições atuais, na verdade nenhuma o consegue no
grau desejável, em virtude de serem os mercados mundiais de cinema e televisão majoritariamente
dominados pela indústria norte-americana, tanto de cinema quanto de televisão, que impõe, ao
mundo todo, padrões de produção, distribuição e linguagem. É assim neste particular que devem
centrar-se nossas preocupações principais enquanto produtores de audiovisual na medida em que
nos cabe permanentemente procurar dar uma solução ao eterno impasse de criarmos uma indústria
audiovisual livre e independente mas economicamente auto-sustentável. Este é o maior problema
das políticas cinematográficas dos países que, como o Brasil, necessitam desenvolver sua indústria
cinematográfica e uma cinematografia que reflita a realidade do país. A identidade nacional de um
povo se constrói na medida em que ele é capaz de refletir criticamente sua realidade social. Esse é o
papel que cabe ao audiovisual nas sociedades modernas principalmente num momento em que o
fenômeno da Globalização tende a diluir e fragmentar as identidades sociais herdadas do passado.

Os Gêneros Cinematográficos:

São os seguintes: Ficção, que pode ser Drama, Comédia ou Musical. Ficção vem do latim fictione
que significa fingimento. A ficção cinematográfica é basicamente dramática no sentido amplo. O
escritor russo Maxim Gorki dizia que “o drama exige rigorosamente ação; somente cumprindo essa
exigência, o drama se transforma num veículo de emoções”. Cinema é arte do movimento e
movimento é sinônimo de ação. Mas não falamos apenas de um conceito exterior de ação (como é o
cinema da escola americana de violência). No drama de importância positiva, a ação está sempre
entrelaçada ao conflito, devendo ser o resultado natural e lógico do choque de personalidades.
Podem-se expressar cenas dramáticas violentíssimas com imagens estáticas e personagens
imóveis.
No desenvolvimento da narrativa dramática, verifica-se tradicionalmente a seguinte estrutura: (1)
Exposição: o trabalho de familiarização do espectador com os personagens mais importantes, com
o lugar da ação e a época. Conhecem-se os conflitos preliminares que conduzirão aos principais. É a
apresentação das circunstâncias que determinam o conflito. (2) Intriga: é o ponto de partida dado
pela violação das circunstâncias conhecidas na exposição e que provoca o conflito principal. Nesta
etapa se desenrola a ação que consiste numa série de momentos integrantes do conflito que se
complicam crescentemente. (3) – Clímax: é o momento de mais alta tensão na obra e precede
imediatamente ao desenlace. Coincide com a Catástrofe em que desemboca o desenvolvimento do
conflito vivido pelo personagem ou grupos de personagens principais. A Catástrofe (= reviravolta em
Grego) na tragédia clássica é o acontecimento principal decisivo e culminante da narrativa, no qual a
ação se esclarece inteiramente e se estabelece o equilíbrio moral. Aqui a solução final é preparada
sem ser anunciada. (4) – Desenlace: é a solução e o momento final do conflito ao fim do qual a obra
chega a seu fim. Atenção: na dramaturgia moderna esta estrutura não é considerada indispensável,
isto é, não é errado desconsiderá-la, embora sua eficácia em termos de envolvimento do grande
público seja incontestável. “Tudo bem que o filme tenha um começo, um meio e um fim, mas não
necessariamente nessa ordem”, já disseram.

Documentário – o termo vem do francês documentaire, que, etimologicamente, significa conduzir


(docere) a mente (mentis). Pode ser de vários tipos: antropológico, político, de propaganda,
institucional, educativo, musical e outros. É impossível estabelecer uma distinção rigorosa entre
ficção e documentário embora não seja difícil dizer quando estamos diante de um ou de outro. Dizer
por ex. que o documentário trata de fatos verídicos enquanto a ficção se serve de fatos inventados é
um equívoco. Na história do cinema ambos os recursos narrativos sempre se interpenetraram. Um
filme como O Encouraçado Potemkim de Eisenstein é normalmente estudado como documentário
(embora sua famosa sequência da escadaria de Odessa jamais tenha acontecido). E o Vento Levou
de Selznick/V.Fleming trata de um episódio histórico, a Guerra da Secessão nos Estados Unidos. A
ninguém ocorreria considerá-lo um documentário histórico. Nos anos 30, quando esta discussão
sobre documentário e ficção estava muito em voga, opunha-se “cinema documentário” a “cinema
comercial”, significando que este tinha uma preocupação básica com o mercado e o lucro enquanto
aquele com o esclarecimento e a conscientização das platéias. Um teria um compromisso com a
arte prioritariamente como instrumento de progresso social, o outro prioritariamente como
instrumento de lucro. Na verdade, a oposição não é entre ficção e documentário, pois como vimos
o documentário pode conter elementos ficcionais e vice-versa. A oposição é entre cinema com
compromisso social e crítico de esclarecimento das massas, o que o filme documentário
independente, ao longo da história do cinema sempre teve, e o cinema dito “comercial”, cujo objetivo
principal é oferecer ao público um entretenimento com fins basicamente comerciais. Na prática,
devemos atentar para não cair em discussões bizantinas sobre se um filme é de valor social e
cultural ou meramente comercial, até porque está provado que ele pode e deve ter como meta atingir
ambos os fins. Teorizações, tão a gosto dos críticos, são úteis mas devem ser utilizadas com
cuidado, devendo cada filme ser analisado individualmente em função de seus próprios dados e à luz
de critérios que, em princípio, não devem ser excludentes mas complementares. De qualquer forma,
sempre e cada vez mais, pode-se afirmar que o bom documentário é aquele que se constrói
mediante os recursos dramáticos da ficção. Até do bom jornalismo se diz isto hoje. Nada é mais
falacioso que um documentário que se pretende “verdadeiro” porque suas cenas todas “aconteceram
na realidade”. Para se provar esta tese basta que se vejam os filmes de propaganda eleitoral dos
partidos em época de eleição presidencial. Utilizando os recursos tradicionais do gênero
documentário, todos se apresentam com aparência de “verdadeiros”, mas, uma vez que todos têm
como principal objetivo transmitir as “verdades partidárias”, todos são necessariamente facciosos ou
parciais na apresentação dos fatos. Filmes de propaganda eleitoral são um rico material de estudo
sobre documentário, é uma pena que não sejam utilizados pelos cursos de cinema pois, muitas
vezes com grande talento e inventividadde, revelam a essência de qualquer filme documentário, que
consiste em estar sempre, quer o autor tenha consciência ou não, a serviço de um ponto de vista, de
uma tese que se quer demonstrar e de cuja “verdade” se quer persuadir o espectador. Ou seja, o
documentário deve sempre ser visto como filme de Propaganda, o que não se deve confundir com o
termo propaganda de sentido publicitário. Por outro lado, o movimento documentarista mundial,
desde as suas origens, sempre se bateu para que ao filme documentário fosse reconhecido o
mesmo status de obra de arte que se dá ao filme de ficção. Todavia, como o filme documentário, em
função de seu compromisso básico com a educação das massas, em geral é menos “comercial” que
o filme de ficção, ele tende a ocupar um plano secundário em relação a este. No entanto, sempre
que um filme documentário demonstra potencial de grande público, ele recebe o mesmo tratamento
em termos de divulgação e distribuição que os filmes de ficção. Exemplo recente mais notável disto
foi o filme Tiros em Columbine do americano Michael Moore, exibido e premiado na mostra
competitiva do Festival de Cannes de 2003, em geral restrita a filmes de ficção. Estas
considerações, longe de terem sentido meramente especulativo, são de grande alcance prático e
para as políticas de fomento cinematográfico. O Documentário, na sua origem, foi idealizado como
uma alternativa ao monopólio da indústria cinematográfica de cunho meramente comercial. Por seu
emprego de poucos recursos industriais, como estúdios e equipamentos custosos, assim como por
sua utilização da realidade factual (“o tratamento criativo da atualidade”), isto é, em virtude de seu
baixo orçamento de produção e do alto valor social que incorpora, o Cinema Documentário é de
importância primordial para os países ou as comunidades com poucos recursos financeiros para
investimento no estabelecimento de um cinema industrial. Em comunidades pobres, o documentário
viabiliza o surgimento do cinema, criando as bases, inclusive, para o cinema de ficção, que
desenvolve técnicas a partir dos métodos de produção e criação próprios do gênero documentário. A
escola do Neo-Realismo italiano, assim como os movimentos dos cinemas nacionais nos anos 60
(Cinema Novo, por exemplo) demonstram este pressuposto.

Atente-se que até aqui falamos do filme Documentário exclusivamente realizado para as telas do
circuito cinematográfico. Com a entrada porém em cena da televisão a cabo, abriu-se um divisor de
águas na história desse gênero cinematográfico que, até então, ocupou o papel do primo pobre da
indústria cinematográfica. A televisão a cabo, por suas características mais culturais e educativas
que a televisão aberta, abriu mundialmente um horizonte ideal para a veiculação do filme
documentário. A diversidade de canais voltados para uma grande variedade de segmentos de
público criou perspectivas infinitas para a realização de documentários dando origem a uma
indústria, com características próprias, próspera e dinâmica. Infelizmente, porém, no Brasil, as
políticas cinematográficas públicas, responsáveis pelo fomento do cinema no país, ainda não
dedicam a mesma prioridade ao documentário para televisão que ao cinema de longa-metragem. E
assim ficamos restritos a assistir nas tvs a cabo quase que exclusivamente aos documentários
estrangeiros.

Nos anos 30, a chamada Escola do Documentário Inglês do GPO (General Post Office), liderada por
John Grierson, foi responsável pela formulação das principais teses sobre Cinema Documentário e
pela consolidação do gênero. Uma das principais figuras desse movimento foi o brasileiro Alberto
Cavalcanti, que se tornou um dos grandes cineastas europeus da primeira metade do século 20.
Cavalcanti elaborou uma série de regras a serem seguidas na realização de um documentário. São
elas:

1. Não generalize; faça um filme sobre uma carta, não sobre os Correios.

2. Não fuja dos três elementos: o social, o poético, o técnico.

3. Não negligencie o argumento; quando estiver pronto, o filme está feito.

4. Não confie no comentário: irrita; comentário engraçado irrita mais; são imagens e sons que
contam a história.

5. Não se esqueça de que cada tomada é parte de um todo; a mais bela sequência fora do lugar
torna-se banal.

6. Não invente ângulos gratuitos de câmera; eles destroem a emoção.

7. Não abuse da montagem rápida; pode ser tão monótona quanto a arrastada.

8. Não abuse da música; ou a platéia deixa de ouvi-la.

9. Não abuse de efeitos sonoros; som complementar é a melhor banda.

10. Não abuse de efeitos óticos; fusões e fades são só a pontuação do filme.

11. Não abuse dos close-ups; guarde-os para o climax.


12. Não tema as relações; seres humanos são belos como outros animais.

13. Não seja confuso; conte a história clara e simplesmente.

14. Não perca a oportunidade de experimentar; sem experiência o documentário não existe.

Uma distinção bastante útil é a que os anglo-saxões fazem entre cinema ficcional (fiction) e não-
ficcional (non-fiction). Nesta última acepção se incluem todos os tipos de filmes que não sejam
apenas de entretenimento e finalidades comerciais e que contenham uma mensagem, um
ensinamento explícito ou implícito a ser difundido, propagado e que se destinam a influenciar o
comportamento e as atitudes do público, desde os filmes publicitários, até os filmes educativos, de
treinamento, científicos, de propaganda política, telejornais, cinejornais, inclusive o Filme
Documentário, que, por ser interpretativo, crítico e criativo, é o produto exponencial do gênero, quer
para cinema, quer para tv ou home-video.

Sobre o Filme Documentário vale citar a definição de John Grierson, para quem o método do
documentário seria o “tratamento criativo da atualidade” (creative treatment of actuality). Não
confundir documentário com material documental. Material documental é o registro de fatos que
aconteceram na realidade. É o que o jornalismo televisivo gera. Filme Documentário é sempre
aquele que contém uma interpretação criativa da realidade, tenham os fatos retratados acontecido ou
não, com personagens reais ou atores.

O “Euroimage”, que é um programa de apoio ao cinema da União Européia, em seus editais define o
“documentário criativo” como sendo aquele:

“1 – baseado num tema tratado pelos próprios autores, de preferência num roteiro, cuja forma e
estilo estampem de forma inegável a visão pessoal do diretor;

2 – que simplesmente não se limite a transmitir informação e que não seja feito para um programa
de atualidades;

3 – cujo assunto e meios pelos quais ganhará a forma de um documentário apresentem um certo
elemento de “eterno” e prevejam qualquer perda de interesse quando o evento com o qual está
relacionado não mais existir;

4 – cujo esquema de preparação demonstre, em particular, uma sólida preparação em termos de


tempo e um período significativo de tempo dedicado à pos-produção.”

O terceiro gênero cinematográfico clássico, que, como a ficção e o documentário, vigora na produção
audiovisual, é o Cinema Experimental que se caracteriza por apresentar formas e linguagens que
se aproximam da pintura, da música e da poesia e que, por se distanciar do cinema de estrutura
narrativa de conteúdo dramático, representa um gênero de particular importância na evolução das
linguagens cinematográficas de conteúdo mais audiovisual que dramático. O exemplo clássico do
filme experimental no cinema brasileiro é o filme Limite de Mário Peixoto.

Logicamente, a distinção clássica entre filme de longa, curta e média-metragem varia em função
dos gêneros acima referidos definidos em função da natureza cultural e estética de cada um.

Televisão, Vídeo e Cinema:

Televisão se distingue de Cinema na medida em que ambos são apenas dois modos distintos de
distribuição do produto audiovisual assim como o vídeo também o é.

Tecnicamente, Cinema é registro de imagem e som sobre película fotográfica para posterior
reprodução por exibição ótica.
Vídeo é registro de impulso eletrônico de imagem e som sobre suporte magnético para exibição por
reprodução magnética.

Televisão é impulso eletromagnético para difusão por via hertziana, ou cabo ou satélite.

Todas estas distinções sobre gêneros, formatos e veículos de produtos audiovisuais são importantes
atualmente, em virtude da existência de outros produtos audiovisuais, além do filme, que surgiram
com a televisão e o vídeotape, como seriados de televisão, novelas, programas educativos,
videoclips e novos produtos audiovisuais, como os DVDs, CD-Roms e Videogames, frutos da
digitalização. As políticas cinematográficas e do audiovisual oficiais precisam estar atentas para
estas distinções e transformações da natureza e do conteúdo dos produtos audiovisuais a fim de que
a sua economia e regulamentação legal se façam segundo a efetiva significação social, cultural,
política e econômica de cada produto, de cada mercado e de cada indústria.

Vejamos como a lei define o que é um filme, chamado "obra cinematográfica", de acordo com o
Convênio de Integração Cinematográfica Ibero-Americana, assinado em Caracas, em 1989:
"Considera-se obra cinematográfica aquela de caráter audiovisual registrada, produzida e difundida
por qualquer sistema, processo ou tecnologia." Por aí se vê que por essa definição CD-Rom e
Videogame seriam considerados obra cinematográfica.

Propomos a seguinte definição para filme ou obra cinematográfica: seria aquela de caráter
audiovisual, registrada, produzida e difundida por qualquer sistema, processo ou tecnologia, nos
gêneros ficção, documentário ou experimental. Como se vê, aplicamos não mais um critério
meramente técnico para definir o que seja filme ou cinema, mas introduzimos um dado cultural. Isto
é, o conceito de cinema hoje em dia, a nosso ver, deve referir-se a produtos audiovisuais
específicos, que se destaquem dos demais pela natureza cultural das três vertentes históricas de
expressão cinematográfica.

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