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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011 | 15:24

Justiça Federal transforma Edir Macedo em novo Roberto


Marinho e confirma o poder do deus Mamom ao reconhecer
que o “bispo” é o dono da Rede Record. Se pagou ou não com
dinheiro da Igreja Universal, diz a Justiça que o problema é da
seita e de seus fiéis.
Carlos Newton – Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro

O processo estava parado há 11 anos, e as sucessivas denúncias da Tribuna


da Imprensa (único jornal e blog a cobrir o assunto) serviram de subsídio para
comunicar ao Conselho NacionaCal de Justiça e à presidência do Tribunal
Regional Federal a absurda lentidão com que esse processo vinha tramitando.
O autor da ação contra o bispo Edir Macedo, a TV Record e a IURD – Igreja
Universal do Reino de Deus é o Ministério Público Federal de São Paulo,
representado inicialmente pela procuradora Maria Luisa Rodrigues de Lima
Carvalho Duarte.
O Ministério Público pretendia simplesmente que fosse declarada a
nulidade da transferência do canal 7, antes pertencente a Silvio Santos, para o
bispo Edir Macedo, que pagou na transação o equivalente a 30 milhões de
dólares.
Acontece que o bispo Edir Macedo, que não fez voto de pobreza, jamais
teve recursos para negócio de tal monta, realizado há 20 anos, em 1990. Segundo
o Ministério Público, o piedoso líder evangélico se apropriou dos milionários
dízimos entregues diariamente à IURD por milhões de evangélicos, que buscam
nessa igreja consolo, bênçãos e prosperidade.
A pergunta que o Ministério Público fazia é a seguinte: poderia o bispo
Macedo se apropriar desses milionários recursos, para, em seu nome e no de sua
esposa, Ester Eunice Bezerra, transformar-se no proprietário da segunda maior
rede de televisão do país, mediante a utilização dessa montanha de dinheiro
pertencente à IURD?
Ao julgar o processo hoje, em segunda instância, o Tribunal Regional
Federal de São Paulo, concordou com a sentença da então juíza Marli Barbosa da
Silva (hoje, desembargadora), que em 26 de janeiro de 1999, declarou
improcente a ação do Ministério Público.
Para a magistrada, “é intuitivo que os réus, ao se valerem de
empréstimos obtidos da IURD para a compra das ações do Grupo Record, cujos
valores foram obtidos através de campanhas junto aos fiéis da IURD, não
assumiriam em princípio que efetivaram as negociações para si mesmos, e não
para a IURD. Primeiro, porque isto poderia levar à descrença e à desmobilização
dos fiéis que, sentindo-se enganados, abandonariam a instituição religiosa.
Segundo, porque tal assunção poderia caracterizar o delito de apropriação
indébita, já que não necessitaram da aprovação de quem quer que seja para
obter os aludidos empréstimos da IURD. E terceiro, porque dizendo que
compraram as ações do Grupo Record para a IURD poderia esta continuar se
beneficiando da imunidade que a Constituição Federal lhe confere, subtraindo-
se todos aos efeitos da tributação”.
Caramba, a ilustre magistrada confirmou que os recursos eram da Igreja
Universal. E disse que foram usados dissimuladamente (com má fé, portanto) já
que Macedo e sua mulher “não assumiriam em princípio que efetivaram as
negociações para si mesmos, e não para a IURD”, destacando a juíza que “isto
poderia levar à descrença e à desmobilização dos fiéis que, sentindo-se
enganados, abandonariam a instituição religiosa”.
Disse também a juíza que o fato de Macedo e a mulher terem subtraído os
recursos da Tesouraria da Igreja Universal “poderia caracterizar o delito de
apropriação indébita, já que não necessitaram da aprovação de quem quer que
seja para obter os aludidos empréstimos da IURD”.
E disse mais a então juíza federal: “Se os empréstimos foram simulados –
e há indícios de que o foram – cabe uma única indagação a respeito: a quem
aproveita a simulação dos contratos de mútuo realizados entre Edir Macedo
Bezerra, Marcelo Bezerra Crivella, suas esposas e a IURD? À Igreja Universal do
Reino de Deus ou aos primeiros?
O Ministério Público Federal entende que tudo não passou de uma
simulação para que a Igreja Universal do Reino de Deus obtivesse a propriedade
e o controle acionário do Grupo Record, o que lhe é vedado pela Constituição
Federal. Tal tese, porém, como já mencionamos alhures, não ficou comprovada.
Há possibilidade de que os réus somente agora estejam dizendo a
verdade e tenham adquirido para si as ações do Grupo Record, porquanto
nenhuma prova produzida nestes autos teve o condão de infirmar suas respostas,
ao contrário da prova oral colhe-se a informação de que os empréstimos e a
compra das ações foram declarados pelos réus a um só tempo e os mútuos
devidamente contabilizados com correção monetária pela IURD.
Por todo o exposto, concluiu a juíza Marli Barbosa, não há como
prosperar o pedido de cassação judicial das concessões com base na simulação
dos contratos de mútuo, por total ausência de provas quanto à ilegitimidade dos
atos administrativos e, subjacentemente, dos atos negociais praticados na esfera
privada”.
E hoje a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal de SP concordou com a
sentença da juíza e negou provimento à apelação do Ministério Público federal.
Traduzindo: de fato, Edir Macedo usou o dinheiro da IURD para se transformar no
segundo mais poderoso homem de TV do Brasil, ,mas ninguém tem nada com isso.
Ou melhor, a única pessoa que poderia discordar dessa apropriação
considerada indébita pelo Ministério Público Federal, seria o próprio bispo
Macedo, por ser o líder da IURD. Parece brincadeira, mas é a verdade da
sentença e do acórdão.
Com a decisão de hoje, o Tribunal Regional Federal simplesmente admitiu
que uma pessoa sem recursos, possa adquirir uma rede de emissoras de televisão,
com dinheiro subtraído dos cofres de uma igreja, instituição que não paga
impostos. Para legalizar a “transação”, basta que anos depois o ardiloso
surripiador devolva o dinheiro, sem pagar juros, apenas com a correção
monetária. Um negócio dos deuses, diríamos, uma transação verdadeiramente
celestial.
O acórdão do Tribunal Regional Federal está transformando Edir Macedo
oficialmente e legalmente num dos mais novos e mais poderosos bilionários do
Brasil, inclusive com respeitável força junto ao Congresso Nacional – a conhecida
bancada dos evangélicos, que vota com o governo. Sem dúvida, a fé remove
montanha, faz milagres e até faculta a prosperidade – e ponha prosperidade
nisso.
Que Deus tenha piedade de nós.

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