Você está na página 1de 1

Glauber Rocha: Uma Estética da Fome http://www.dopropriobolso.com.br/index.php?option=com_content&v...

Glauber Rocha: Uma Estética da Fome


Avaliação do Usuário: /6
Pior Melhor

Uma Estética da Fome


Glauber Rocha

Apresentada e publicada em 1965, "Uma Estética da Fome", tese-manifesto de Glauber Rocha, foi e continua sendo um texto importante
sobre e para o cinema em geral e, em especial, o cinema dos países do Terceiro Mundo. Surgida num momento até certo ponto novo da
história brasileira - momento em que um sistema político-econômico-social começava a ser imposto e a fechar um período pleno de
inquietações manifestas -, provocou polêmicas em diversos níveis. Polêmicas que, de um certo modo, continuam existindo.

Em 1965 o movimento do Cinema Novo havia alcançado certo prestígio internacional e despertado o interesse de críticos e cineastas
estrangeiros que, até pouco tempo antes, mantinham-se distantes do cinema nacional. "Uma Estética da Fome" não era um estudo
analítico e/ou crítico desse movimento, mas uma definição de seus principais compromissos, objetivos e propostas. Glauber Rocha não
examinava detalhadamente os filmes que até então compunham o Cinema Novo, preferindo situá-los no panorama político-econômico-
cultural da época. Este panorama, aliás, é o ponto de partida para as reflexões e propostas do autor.

Como falar do Cinema Novo sem pensar na realidade cultural a que estamos submetidos? Como o mundo subdesenvolvido pode
desenvolver culturas que escapem das modernas formas de colonialismo? E como essas culturas podem expressar, tanto aos
"colonizados" como aos "colonizadores", a realidade em que foram desenvolvidas?

Estas são algumas das questões presentes em "Uma Estética da Fome". Exemplificando-o com elementos de filmes do Cinema Novo,
Glauber propõe um cinema revolucionário na forma e no conteúdo, entendendo-se isto como uma arte distante tanto das preocupações
mercantilistas quanto das puramente formais, uma arte comprometida com a verdade. Este cinema estaria à margem da indústria, pois,
como diz o autor, "o compromisso do Cinema Industrial é com a mentira e com a exploração".

Arte extremamente ligada aos processos industriais, o cinema encontra enormes dificuldades para ser revolucionário. Glauber afirma: "A
integração econômica e industrial do Cinema Novo depende da liberdade da América Latina". O impasse permanece. O cinema proposto
por Glauber continua enfrentando dificuldades para se desenvolver efetivamente. É evidente que os acontecimentos desses 13 anos
transformaram o significado que "Uma Estética da Fome" tinha no início, mas muitas das questões contidas no texto continuam
pertinentes, apesar da advertência de Glauber - por ocasião da publicação do texto pela Revista Civilização Brasileira (ano I, n.o 3,
Julho, 1965) - de que "a tese, a rigor, teve interesse apenas para a Mesa Redonda onde foi lida" (sobre Cinema Novo, por ocasião da
retrospectiva realizada na Resenha do Cinema Latino-Americano, em Gênova, janeiro de 1965, sob o patrocínio do Columbianum). E
conclui: "A publicação, hoje, comentada (em grifo), atende a um pedido de Alex Viany e tem objetivo informativo e polêmico".

Dispensando a introdução informativa que se tem transformado na característica geral das discussões sobre América Latina, prefiro
situar as relações entre nossa cultura e a cultura civilizada em termos menos reduzidos do que aqueles que, também, caracterizam a
análise do observador europeu. Assim, enquanto a América Latina lamenta suas misérias gerais, o interlocutor estrangeiro cultiva o sabor
dessa miséria, não como um sintoma trágico, mas apenas como um dado formal em seu campo de interesse. Nem o latino comunica sua
verdadeira miséria ao homem civilizado nem o homem civilizado compreende verdadeiramente a miséria do latino.

Eis - fundamentalmente - a situação das artes no Brasil diante do mundo: até hoje, somente mentiras elaboradas da verdade (os
exotismos formais que vulgarizam problemas sociais) conseguiram se comunicar em termos quantitativos, provocando uma série de
equívocos que não terminam nos limites da arte mas contaminam sobretudo a terreno geral do político. Para o observador europeu, os
processos de criação artística do mundo subdesenvolvido só o interessam na medida que satisfazem sua nostalgia do primitivismo; e
este primitivismo se apresenta híbrido, disfarçado sob as tardias heranças do mundo civilizado, heranças mal compreendidas porque
impostas pelo condicionamento colonialista. A América Latina (AL), inegavelmente, permanece colônia, e o que diferencia o colonialismo
de ontem do atual é apenas a forma mais aprimorada do colonizador; e, além dos colonizadores de fato, as formas sutis daqueles que
também sobre nós armam futuros botes. O problema internacional da AL é ainda um caso de mudança de colonizadores, sendo que uma
libertação possível estará sempre em função de uma nova dependência.

1 de 1 30/12/2010 09:08

Você também pode gostar