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Por Thoth3126@protonmail.ch
. . . O primeiro europeu a avistar o Roraima foi o poeta e explorador inglês sir Walter Raleigh (1552-1618). Em
“A descoberta da Guiana” (1596), o relato de sua busca do Eldorado, a lendária cidade de ouro perdida na
selva, Raleigh fala de
“uma “montanha de cristal”. Lá em cima, havia uma cachoeira. Penso não existir no mundo catarata tão estranha
nem tão maravilhosa ao olhar. Nenhum homem ascendeu ao topo da montanha. O caminho era intransponível”.
Intransponível é um certo exagero. Quase 300 anos depois, em 1886, o botânico inglês sir Everard Ferdinand
im Thurn descobriu um caminho para subir ao topo, pela Venezuela. O primeiro brasileiro a chegar lá em cima
foi o marechal Cândido Rondon. Em 1927, ele fincou ali a pedra que demarca a tríplice fronteira entre Brasil,
Guiana e Venezuela. Mas a imponência da montanha permaneceu um desafio para os escaladores por mais um
século. Só nos anos 1970 uma equipe inglesa conseguiu chegar ao topo pela parede.
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09/06/2020 Brasil, Monte Roraima – Uma escalada ao mundo perdido (Vídeo UFO) | Thoth3126
O feito foi repetido apenas duas vezes, por equipes americanas. Um grupo brasileiro também chegou ao topo,
em 1991, mas pelo lado nacional, onde a parede é bem mais baixa. Em janeiro, pela primeira vez um trio de
escaladores brasileiros conquistou a face mais desafiadora do Monte Roraima.
Há séculos a montanha fascina exploradores. Ela inspirou sir Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes,
na ambientação de O mundo perdido (1912), romance sobre uma expedição a um platô esquecido na Amazônia,
infestado por dinossauros. Para os índios pemons da Venezuela, o monte é Roraimu, o “gigante azul” (de rora,
azul, e imü, grande), o lar de Makunaíma, o deus da tempestade.
Em 2007, o fascínio do Roraima levou os desenhistas do estúdio de animação Pixar a viajar pelo topo (em
helicópteros) para estudar sua vegetação e relevo. O Roraima foi o modelo do Paraíso das Cachoeiras de Up –
Altas aventuras (2009), o cenário inóspito que o rabugento Carl e sua amada, Ellie, sonhavam explorar desde a
infância. “O Roraima é a parede mais exótica do Brasil. A montanha é mágica”, diz o paulista Eliseu Frechou, de
41 anos, 26 deles dedicados à escalada em rocha.
Frechou e seus amigos, o fotógrafo Marcio Bruno de Almeida, de 35 anos, e o empresário Fernando Leal, de 50,
embarcaram em 9 de janeiro num helicóptero Long Ranger na cidadezinha venezuelana de Santa Elena de
Uairén. Após uma hora de voo e 130 quilômetros de floresta, já no território da ex-Guiana Inglesa, o helicóptero
atingiu a base do maciço rochoso.
O piloto venezuelano, Rafael, flanqueou a falésia à procura de uma clareira. Não havia. Avistou uma brecha na
mata e gritou: “É aqui. Pulem que daqui eu não passo”. Os brasileiros jogaram 170 quilos de equipamento – e
saltaram. “A gente resolve a vida assim, em 30 segundos. O caminho é sem volta”, diz Frechou.
Em 2008, a equipe havia decolado num helicóptero de Boa Vista, em Roraima, mas não conseguiu pousar. “O
piloto deu para trás”, diz Frechou. “A montanha é assustadora. Está sempre coberta de nuvens. Estamos na
linha do Equador, tudo a nossa volta é tropical, mas o Roraima está sempre frio e com chuva. Rafael é o cara.” A
decisão de voar até a montanha pela Venezuela e escalar pelo lado da Guiana foi estratégica. “A parte brasileira
do monte fica num parque nacional, e para chegar nele é preciso passar pela reserva indígena Raposa-Serra do
Sol. É preciso pedir permissão à burocracia do governo”, diz Frechou. “Na Guiana não há nada disso. E as
paredes são maiores.”
Em 1996, foi ao Mali para subir em seis dias – a temperaturas de até 53 graus célsius – os 550 metros do Kaga-
Tondo, no Deserto do Saara. Frechou subiu dezenas de paredes no mundo. Faltava o Monte Roraima. Para
chegar à base da parede, os brasileiros cruzaram 1 quilômetro de pântano com lama pelas canelas.
Aproveitaram a luz da tarde para estudar a parede e, traçando rotas imaginárias no penhasco, escolher a que
parecia ser a melhor – ou a única viável. Em 10 de janeiro, o primeiro dia da escalada, acordaram às 4h30,
tomaram café, comeram frutas secas e cereais. Às 6 horas estavam na parede. Márcio Bruno liderava. “O
começo me aterrorizou um pouco”, diz. “Tinha muita rocha podre.
Passei a corda numa pedra maior que uma bola de basquete. Ela se mexeu. Devia pesar uns 40 quilos. Se
tivesse rolado, nos arrastaria parede abaixo.” Frestas e brechas com pedra solta, terra e sujeira – além de
escorpiões-negros que infestam toda a parede – eram uma constante.
Apesar da instabilidade da rocha, no fim do dia eles venceram os primeiros 120 metros. Dormiram num platô. No
dia 11, a parede deixou de ser vertical para ganhar inclinação negativa. Os homens, agarrados à rocha, viraram
lagartixas. Nos três dias seguintes, eles avançaram 200 metros. Paravam quando achavam um platô com
espaço para amarrar os equipamentos e a si próprios nos sacos de dormir. Dormiam enganchados à beira do
abismo.
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“Na tarde do quinto dia, o tempo ficou ruim. Começou a chover”, diz Frechou. No sexto dia, eles chegaram a um
platô de 4 metros quadrados. E ficaram. “Foram quatro dias amarrados na parede, dormindo um por cima do
outro, sem poder se esticar. Prendemos uma lona para nos proteger do vento, mas não havia jeito. A chuva era
torrencial. A água escorria pela parede. Ficamos encharcados.” A única boa lembrança daqueles dias foi a
comida liofilizada.
CASAS NA PEDRA – A equipe dorme em barracas presas na rocha do monte que inspirou o Paraíso das
Cachoeiras, de Up – Altas aventuras.
Eles ferviam água da chuva e enchiam saquinhos para reidratar o alimento. “Tinha peito de peru, mousse de
chocolate e açaí. Era bom para caramba!”, diz Frechou. O tempo era gasto em conversas ao som de iPods com
Neil Young, Nathalie Merchant, música eletrônica e trance progressivo. “Irado!”
No oitavo dia a chuva parou. “O plástico salvou nossa vida. Passamos mal, mas não adoecemos”, diz Bruno.
Com o céu azul, retomaram a subida. Mas, com a rocha ainda úmida, o avanço foi pequeno. A arrancada ao
cume começou no dia 19. Os últimos 200 metros de parede foram vencidos em 72 horas.
Às 12h45 de 22 de janeiro, Frechou atingiu o topo. A sua frente, e vários quilômetros além, estendia-se o cimo
da chapada. Lá em cima não há árvores, só arbustos, rocha e poças d’água. “Vimos pássaros, um gambá e
montes de caranguejeiras do tamanho de laranjas”, diz Frechou.
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O Roraima com os flancos cobertos por neblina, com seus quase 2.800
metros de altitude, sua formação geológica é considerada uma das
formações geológicas mais antigas de todo o planeta. Image by © Martin
Harvey/Corbis
“As aranhas eram atraídas pelo calor de nossos corpos e pelo sal do suor. Entravam nas roupas, nas botas e
meias. Mas não fomos picados.” Para chamar o helicóptero, dispararam o spot, aparelho que enviou um sinal
por satélite a Rafael.
Ele decolou ao raiar do dia. Às 7 da manhã, o helicóptero recolheu os brasileiros. Eles estavam magros, com as
mãos esfoladas, mas vivos. E sem fraturas. “Agora, meu sonho é Madagascar”, diz Frechou. “Em 2011, quero
subir os 800 metros do Tsaranoro.”
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