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2 As depoentes estão referidas por pseudônimos. Omitimos o nome da comunidade de que elas fazem parte com a finalidade de preservar
sua identidade, respeitando assim os preceitos éticos que norteiam a pesquisa realizada com seres humanos.
3 Optamos por conservar nos depoimentos/entrevistas a linguagem original das entrevistadas, sem a correção gramatical, no sentido de
preserva-lhes a autencidade e identidade.
Mulé, eu me acho feia, vou olhar nada, pra quê? Verifica-se nessa fala um exemplo de tratamento
(Mulher quilombola 13); diferenciado, eivado de preconceito, que é dado às
mulheres negras por alguns profissionais de saúde,
Nunca dei um abraço neu, nem sei disso (Mulher
que pode ser denominado racismo institucional.
quilombola 14),
Diante disso, é necessário, portanto, capacitação
Eita, agora lá tô eu me abraçando [risos], é bom dos profissionais sobre a questão racial, de gênero
(Mulher quilombola 15). e, principalmente, a imperiosa necessidade de cons-
Na fala dessas mulheres está evidente um sen- cientização desses profissionais para o desenvolvi-
timento de vergonha do corpo “seu corpo torna-se mento de uma práxis humanizadora no atendimento
dissidente de sua negritude” (Cavalleiro, 2001, p. às usuárias negras. O despreparo dos profissionais
167), visto que os padrões de beleza impostos pelo de saúde sobre a questão racial e de gênero constitui
modelo social e ideologicamente racista é o da es- o que Ribeiro (2004, p. 90) considera “preconceito e
tética branca, a mulher magra, cabelos lisos. Com discriminação não são questões apenas subjetivas,
isso, fica demonstrado que as mulheres negras se fazem parte da vida concreta dos indivíduos: expres-
veem sob outro prisma, assumindo a identidade do sam-se no corpo, no trabalho, no lazer etc. Assim,
branco dominador, bem como a internalização de crenças, estigmas, mitos e realidade se confundem,
valores repassados pela ideologia do embranque- provocando uma repetição de fatos que reafirmam
cimento e do mito da democracia racial, conforme a continuidade do racismo e do machismo”. Nessa
Carneiro (1999), e um desconhecimento da mulher linha de raciocínio constata-se que a discriminação
sobre seu corpo. racial se consolida cada vez mais de forma sutil e
As mulheres alegaram dificuldade de acesso perversa. E só quem padece desse mal pode avaliar
aos postos de saúde, acarretada pela distância e a dor que o preconceito racial provoca.
pela falta de recurso financeiro para pagamento de Pouquíssimas mulheres afirmaram ter feito
passagem, outras afirmaram nunca terem realizado mamografia, as que fizeram confessaram ter tido
exame ginecológico, pois sentem muita vergonha, grandes dificuldades: esperaram muito tempo para
embora tenham sido informadas pela agente de a realização do exame, tiveram de se deslocar para
saúde de sua necessidade. Em algumas comunidades outra cidade para realizá-lo, o aparelho quebrava,
em que a agente de saúde era quilombola, constatou- faltava profissionais. Outras não tinham sequer
-se maior compromisso dessas profissionais com conhecimento do que se tratava o exame. Conheciam
a comunidade; por causa delas algumas mulheres apenas o exame de citologia, que muitas já haviam
realizaram exames ginecológicos. Nessas comu- feito. Diante da roda de conversa sobre a importância
nidades, detectou-se que as mulheres tinham feito da realização do exame citológico e esclarecimento