Você está na página 1de 5

01/05/2020 "As cotas raciais são uma política liberal" - CartaCapital

POLÍTICA ECONOMIA SOCIEDADE JUSTIÇA MUNDO DIVERSIDADE EDUCAÇÃO

 M EN U Sexta-Feira, 1 de Maio de 2020


OPINIÃO BLOGS MAIS

POLÍTICA ECONOMIA SOCIEDADE JUSTIÇA MUNDO DIVERSIDADE ED

POLÍTICA

“As cotas raciais são uma p

12 de julho de 2017

      

https://www.cartacapital.com.br/politica/as-cotas-raciais-sao-uma-politica-liberal/ 1/5
01/05/2020 "As cotas raciais são uma política liberal" - CartaCapital

Professora do Departamento de Sociologia da Faculdade Filoso a, Letras e Ciências Humanas (FFLC


POLÍTICA ECONOMIA SOCIEDADE JUSTIÇA MUNDO DIVERSIDADE EDUCAÇÃO
Márcia Lima é uma das 120 negras que lecionam entre os 6 mil docentes da Universidade de Sã
Defensora incondicional da cotas raciais, Lima não considera esta política pública uma revolução.
OPINIÃO BLOGS MAIS
sempre que pontuar que essa é uma política liberal, pois isso é o princípio de uma sociedade de cla
uma sociedade individualista e capitalista.”

Signatária do abaixo-assinado que reuniu cerca de 300 professores da USP a favor da votação d
raciais no Conselho Universitário da instituição, Lima a rma que, além da necessidade de inclu
minorias, é preciso reconhecer a inexistência de uma elite negra no País, algo necessário para as p
gerações terem mais acesso a oportunidades.

Em entrevista a CartaCapital, a socióloga explica a necessidade da adoção da política e por qual m


produz impactos para além dos muros das universidades.

CartaCapital: Qual percurso histórico é importante recuperar quando falamos sobre políticas de cotas r

Márcia Lima: A decisão que iniciou o debate foi quando a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (U
tornou a primeiras universidade pública a adotar política de cotas. Nesse momento o moviment
dentro e fora da universidade começou a se organizar para que outras universidades seguissem o pro

Mas o fato que antecede foi a Conferência de Durban, em 2001, quando o Brasil foi signatário do tra
o compromete com o combate à discriminação e à xenofobia.  Desta conferência, é importante desta
coisas: houve um preparo do Brasil para participar da conferência e que essas discussões começ
governo do Fernando Henrique Cardoso. Em 1996, ele lançou um documento intitulado “Const
verdadeira democracia racial no Brasil”, onde ele criou o programa nacional de ações a rmativas.

Com certeza a forma como o ex-presidente Lula instituiu as ações a rmativas em seu governo pela
da Secretaria de Igualdade Racial, pela ideia de igualdade racial, foi um fator que realmente talv
presidente teria feito de outra forma. Mas nenhum presidente que assumisse naquele momento po
isentar de enfrentar essa questão.

CC: O discurso daqueles que são contra as cotas raciais é frequentemente baseado na meritocra
prejudica o debate?

ML: O que as pessoas chamam de mérito? Ninguém em sã consciência vai dizer que é contra a meri
Quando você nega o valor da meritocracia você diz que não importa o empenho, a dedicação.
políticas de cotas não se opõem a isso na medida em que sociedades muito desiguais não p
parâmetros para medir a meritocracia. Se você tem muita desigualdade de oportunidades, o result
cada um desses indivíduos alcança não é unicamente em função de seus próprios méritos.

E outro aspecto é que a política de cotas tem seu lado meritocrático. Primeiro porque as pess
competir para entrar na universidade, a reserva de vagas não elimina a competição. O terceiro asp
relação ao mérito é colocar o vestibular, no caso a Fuvest, como um balizador de mérito inquestio
vestibular é uma forma de seleção.       

https://www.cartacapital.com.br/politica/as-cotas-raciais-sao-uma-politica-liberal/ 2/5
01/05/2020 "As cotas raciais são uma política liberal" - CartaCapital

Os comentários negativos dizem coisas como não querer ser atendido por um médico que foi cotista
POLÍTICA ECONOMIA SOCIEDADE JUSTIÇA MUNDO DIVERSIDADE EDUCAÇÃO
advogado cotista. A Fuvest não diploma ninguém, quem diploma é a Universidade de São Paulo. Es
vai ingressar por um sistema de cotas mas vai passar pelas mesmas avaliações que qualquer alu
existe OPINIÃO BLOGS
um sistema MAIS
diferenciado, um conteúdo diferenciado. Se dá ao processo seletivo um pes
excessivo, e isso é um problema.

CC: Esses argumentos se so sticaram ao longo do tempo?

A PROFESSORA É A ÚNICA MULHER NEGRA A LECIONAR NO SEU


DEPARTAMENTO

ML: Os argumentos de fundo serão sempre os mesmos porque as pessoas são contra o princípio da
a rmativa. As políticas de ação a rmativas são políticas públicas ou privadas voltadas para corrigir
desigualdades relacionadas a determinados grupos. Esse é o princípio. A oposição é com a ideia de c
essa diferença, portanto o argumento de fundo não muda. A questão foi discutida e aprovada pelo Su
Tribunal Federal, então já é constitucional.

Você apelar pro princípio de igualdade numa sociedade que gera tanta desigualdade gera contrassen
tem como corrigir desigualdades tão profundas se você não atenuar especi camente nos grup
atingidos. Tem que melhorar a educação básica, tem que existir igualdade de direitos, mas enq
sociedade não produz direitos iguais ela tem que corrigir as formas de acesso à oportunidade.

CC: Outro ponto frequentemente levantado é a possibilidade de fraude na autodeclaração feita pelo c
para se adequar ao per l de preto, pardo ou indígena. Isso prejudica a política?

ML: A gente tem fraude em todos os programas, existe essa possibilidade. A exemplo do
desemprego. Ou seja, isso é residual na política, em todas as políticas que você tem. Existem
fraudadores nacionais da previdência, por aí a fora. Não é uma coisa que não dá pra controlar e não
controlar. Eu defendo radicalmente a autoclassi cação. O indivíduo tem que se autodeclarar, e a
momento que tem essa postura, ele lida também com as consequências da sua classi cação.

CC: A USP foi uma das últimas a adotar a política de cotas no seu processo seletivo. Como você e
demora da maior universidade do País a tomar essa decisão?

ML: Existe uma confusão muito grande na ideia de uma universidade de elite com uma universidade
econômica, de hegemonia branca e massivamente branca. A ideia de formar uma universidade de e
uma universidade de qualidade, que forma os principais pesquisadores, as principais mentes do paí
pessoas que formarão outras pessoas. A ideia de uma universidade
 de elite
  éde um
 ensino
 de po
 
recursos com condições de fazer diferenças na produção de conhecimento Uma universidade de el
https://www.cartacapital.com.br/politica/as-cotas-raciais-sao-uma-politica-liberal/ 3/5
01/05/2020 "As cotas raciais são uma política liberal" - CartaCapital
recursos, com condições de fazer diferenças na produção de conhecimento. Uma universidade de el
uma universidade
POLÍTICA racialmente
ECONOMIA hegemônica.
SOCIEDADE JUSTIÇA MUNDO DIVERSIDADE EDUCAÇÃO

Então, é assustador que a USP não tenha se preocupado de fato em entender o quão importante
OPINIÃO BLOGS
uma elite que conviva com MAIS
a diferença, com trajetórias diferentes, pessoas diferentes, origens s
econômicas diferentes. É uma resistência que passa por uma concepção equivocada do que é
universidade de elite.

CC: Um novo per l de estudantes vai começar a entrar na USP. A universidade terá que se adequar a e
per l?

ML: Isso é uma agenda para não repetirmos erros históricos. Espero que universidade esteja aberta p
um espaço de acolhimento. Mas tem-se a ideia que os alunos que vão competir para entrar na US
cotas não sabem falar, não sabem ler, não sabem escrever.

Eles já chegaram em algum lugar para poder estar ali. Sobreviveram dentro do sistema educacional b
o que não é pouca coisa. Eles vão acompanhar e se não acompanhar vão receber a nota de qu
acompanhou.

Mas é fato que a USP precisa pensar em políticas de permanência. A proposta de uma uma univ
mais inclusiva não termina no vestibular, começa nele. Ou seja, ela não está preparada mas terá que
como as outras aprenderam.

Muito obrigado por ter chegado até aqui...

... Mas não se vá ainda. Ajude-nos a manter de pé o trabalho de CartaCapital.

O jornalismo vigia a fronteira entre a civilização e a barbárie. Fiscaliza o poder em todas as suas
dimensões. Está a serviço da democracia e da diversidade de opinião, contra a escuridão do autorita
do pensamento único, da ignorância e da brutalidade. Há 25 anos CartaCapital exercita o espírito cr
el à verdade factual, atenta ao compromisso de scalizar o poder onde quer que ele se manifeste.

Nunca antes o jornalismo se fez tão necessário e nunca dependeu tanto da contribuição de cada um
leitores. Seja Sócio CartaCapital, assine, contribua com um veículo dedicado a produzir diariamente
informação de qualidade, profunda e analítica. A democracia agradece.

ASSINE

 ou, se preferir, Apoie a Carta.

      

https://www.cartacapital.com.br/politica/as-cotas-raciais-sao-uma-politica-liberal/ 4/5
01/05/2020 "As cotas raciais são uma política liberal" - CartaCapital

POLÍTICA ECONOMIA SOCIEDADE JUSTIÇA MUNDO DIVERSIDADE EDUCAÇÃO

POST TAGS COMPARTILHAR PO


OPINIÃO BLOGS MAIS

COTA S R AC I A I S FE RN A N DO HE N RIQ UE CA RD O S O

LUIZ I N ÁC I O LU L A DA SILVA LUL A

UNIV E RS I DADE D E SÃO PAU LO US P

REDAÇÃO CARTACAPITAL

Editora Con ança CartaCapital

CartaCapital Expediente

Carta Educação Política de Priv


   
Diálogos Capitais Termos de Uso
 
Media Kit

Apoie a Carta


https://www.cartacapital.com.br/politica/as-cotas-raciais-sao-uma-politica-liberal/ 5/5

Você também pode gostar