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proposta 3 mundo melhor Arte

Conviver com arte


Frequentar exposições de quadros ou fotos, investir em curso de artes,
chamar a atenção para o formato do brinquedo, o tom da luz que bate na
planta, a textura dos móveis da sala, as ilustrações dos livros infantis, as
canções do seu iPod. Há muito o que fazer quando o assunto é arte e
criança. É hora de experimentar!
SIMONE TINTI E FERNANDA CARPEGIANI

Espanto. É essa a sensação de uma criança diante de uma obra de arte. E ela se entrega. Não quer
saber o que os críticos acharam ou quem é o artista. Ela sente a obra, gosta ou não gosta,
interpreta da sua maneira. É livre para isso

Tinta, papel, melodia, emoção. Técnica, pensamento, habilidade, imaginação.


Prática, espontaneidade, gosto, representação. Criatividade, ritmo, limite, fascínio,
imitação. Estética, crítica, forma, dança, encanto, liberdade, descobertas... Mas
isso é arte ou infância? Difícil vai ser você achar duas palavras que se entrelacem
tanto. É tudo coisa de criança, é tudo coisa de artista. É tudo meio e é tudo fim. E
uma e outra acontecem sob regras e tendências, mas sempre com um quê de
natural.

Quando esquecemos de que somos seres prontos para nos emocionar, lá vêm as
crianças para nos lembrar. E por uma razão muito simples: as crianças ainda se
sentem livres para experimentar. Por isso elas querem se lambuzar de tinta, não se
importam de colorir o elefante de vermelho ou misturar xadrez e bolas no modelito
escolhido para ir à casa da avó. Elas estão provando. Olham à volta, percebem
tudo e não julgam. “A criança geralmente escolhe o que o adulto descarta, não dá
valor: pedrinhas da rua, caquinhos, restos de inseto, papel amassado. Aí elas
investigam, recolhem, combinam, descombinam, criam. Somos todos seres
criativos e estéticos por natureza e esta é a maneira de nos relacionar com o
mundo”, diz Sylvia Helena Boock, que há 31 anos desenvolve trabalhos de artes
com crianças em escolas e em seu ateliê.

Apesar de naturais, essas pequenas descobertas das referências estéticas – que


aparecem para as crianças desde bebês – também são passíveis da interferência
dos adultos, claro. Nós formamos os padrões e as regras e é bem fácil escorregar
no “certo” e “errado”, no “isso é bom” e “isso é ruim”. Nesse começo, o melhor é
dar as mãos e aproveitar: sentir junto as texturas, se sujar, experimentar muito. E
fomentar. O músico Hélio Ziskind, aquele que faz seu filho cantar e dançar com a
turma do Cocoricó, diz que incentivar a criança a conviver com a arte é como
colocar minhocas dentro de um jardim, condição fundamental para que ele seja de
fato um jardim fértil. E por dois motivos: o primeiro porque é prazeroso até quando
provoca a tristeza (o que tem de mau chorar com a animação UP – Altas Aventuras
ou com um filme de cachorro?). E o segundo, Hélio nos explica: “A música, a
literatura, o teatro, as artes visuais são como bichinhos que estimulam as crianças
a serem criativas e a expandirem suas visões de mundo”. Uma pesquisa do museu
Isabella Stewart Gardner, de Boston (EUA), comprova essa “fertilização”. Os
pesquisadores observaram cerca de 250 crianças de 3 a 5 anos e verificaram o
quanto o contato com as artes desenvolve o pensamento crítico e ajuda no
aprendizado. Notaram ainda um outro efeito colateral: ao conversar com seus
colegas, trocar gostos e impressões, as crianças aprendem a respeitar diferentes
opiniões e, portanto, a diversidade.

É COMO BRINCAR
Conviver com arte pode ser muito mais “cotidiânico” do que você pensa. Dar
repertório à criança é, sim, visitar uma galeria de arte ou assistir a shows e peças
teatrais. Mas é também dar lápis e tintas para o seu filho encher um papel, é
inventar com ele uma música na hora do banho ou criar uma história maluca com
seus personagens favoritos. “Para elas, fazer arte já é algo espontâneo, como uma
brincadeira. Elas desenham com um palito na areia da praia, gostam de música
desde bebês. Isso é maravilhoso”, diz Paula Ruggiero, psicóloga e coordenadora da
Escola de Artes Integradas Grão do Centro da Terra, uma parceria entre a escola
Grão de Chão e o Teatro do Centro da Terra, ambos de São Paulo. Esse contato
faz com que seu filho se desenvolva, aprenda a viver coletivamente, a expressar
suas opiniões, a ter mais concentração e a lidar com suas fantasias. “Ele vai se
tornar um adulto com mais jogo de cintura, com um olhar mais humano para as
coisas, não importa qual carreira for seguir”, diz Genny Chaves, psicopedagoga e
coordenadora dos cursos de pré-formação da escola de música Tom Jobim. Isso
mesmo: o contato com a arte não é só para o seu filho se tornar um artista no
sentido profissional. Faz parte de um desenvolvimento saudável. Por isso é preciso
ter espaço e tempo reservados. Ela quer ir ao casamento de chinelo? Você explica
que naquele momento não vai ser possível, mas negocia em seguida. Sugira uma
brincadeira com um amigo em casa depois usando somente suas roupas, por
exemplo. A criança tem que se sentir autorizada a ter seu próprio gosto, fazer
escolhas porque é com a ação que ela mostra seu jeito de pensar. “Assim ela vai
criar o que podemos chamar de um “estilo” de ser. Dar este espaço é permitir que
ela desenvolva sua sensibilidade para o mundo”, afirma Sylvia Helena.

É com a arte também que a criança experimenta outros jogos da vida. A escultura
de argila pode tomar a forma que quiser mas, se não tiver uma base sólida, pode
desmanchar toda. O desejo é desenhar uma menina com vestido vermelho e calça
marrom, mas se essas cores não estão na caixa de lápis, a solução é ter outra
ideia. “E qual é o instrumento básico da arte? A criatividade. E é ela que será
usada na hora de pensar em uma solução para algum problema, em uma situação
de emergência qualquer da vida”, diz Kátia Canton, escritora, ilustradora e PhD em
artes pela Universidade de Nova York.

Está ainda difícil de entender a importância desta relação? Olhe para você. Qual foi
a última vez que se surpreendeu com a arte? Que sentimentos provocaram em
você? Pode ser a maluca versão do filme Alice , de Tim Burton, ou a bolsa artesanal
da loja de esquina da sua casa ou uma poesia. É como tirar a venda dos olhos,
não? A gente aprofunda a percepção para tudo, vê mais. Olhamos para o céu e
não são mais somente nuvens: vemos um cachorro, um dinossauro, uma cadeira.
Nos damos conta de formas, cores, texturas e sentimentos que dançam ali à nossa
frente, nos provocam, fazem pensar.

TEMPO E SILÊNCIO
A ansiedade, porém, tem que ficar de lado. Quer conhecer todo o Museu de Arte
de São Paulo (Masp) de uma vez em meia hora? Saiba que nenhuma bailarina de
Edgar Degas e nenhum jardim de Claude Monet conseguem ser vistos
apressadamente. Sabe quando seu filho quer ver uma fileira de formigas tomando
seu rumo com as folhinhas nas costas e ele simplesmente para e vê? Apreciar uma
obra de arte também é assim: tem de desacelerar para contemplar. E não precisa
explicar cada obra ao seu filho, ficar falando sem parar. “Não é preciso ‘traduzir’ os
significados. A obra de arte já cumpre esse papel”, afirma Felipe Chaimovich,
curador do Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo. E não há problema se a
criança não prestar muita atenção – ela pode se entreter mais com as rampas da
galeria ou com o jogo de luzes. Se seu filho sair da exposição do Degas encantado
com a bailarina Marie do artista já valeu a pena, a experiência vai marcá-lo. E é
esse o papel da arte: nos dar a sensação de que nada será como antes.

COM A ARTE PASSAMOS A VER O QUE NORMALMENTE NÃO


VEMOS

AGORA É HORA!
• Acompanhe a programação de artes em sua cidade e varie o repertório de seu
filho, levando-o a exposições, espetáculos de teatro, dança e música.

• Mostre à criança as formas dos objetos, a beleza de uma fotografia, a mistura


de cores de uma roupa, por exemplo, ou a diferença de estilos musicais.

• Literatura infantil é um instrumento incrível. As boas obras mostram a arte de


usar bem as palavras e como elas nos emocionam. Já as ilustrações dão
referências estéticas.

• Deixe que seu filho viva a experiência artística sem querer interpretar tudo para
ele.

Cássio Vasconcellos trabalha para grandes


agências de publicidade, já participou de mais
de 130 exposições em 18 países e integra o
grupo do livro Blink, da Phaidon Press, da
Inglaterra, e que traz a série “Noturnos São
Paulo”.
Mistura aqui, mexe ali. Experimenta, apaga, testa de novo. Sente a textura. A criança prova arte
com o corpo todo e não tem medo de errar nem de se sujar. Ela vê algo, quer reproduzir e, antes
de mais nada, se divertir

FONTES: MARA RITA ORIOLO, COORDENADORA DO PROGRAMA SESC CURUMIM


NA UNIDADE DE PINHEIROS, EM SÃO PAULO; KEREN ORA KARMAN,
COORDENADORA DO TEATRO DO CENTRO DA TERRA E DA ESCOLA DE ARTES
INTEGRADAS GRÃO DO CENTRO DA TERRA.
AGRADECIMENTOS: MARCO GIANNOTTI, AUTOR DO QUADRO RETRATADO NA
FOTO
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