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Sandra Hill - O Viking Fugitivo
Sandra Hill - O Viking Fugitivo
Sandra Hill
Tão alta e atraente como as valkirias das lendas, a doutora Rain Jordan estava
orgulhosa de seus antepassados nórdicos apesar de seus costumes bélicos. Mas ela não
podia acreditar no que via quando um golpe na cabeça a transportou para um campo
de batalha de pesadelo e ela teve que salvar o bárbaro de seus sonhos.
Ele era um desenquadrado de olhar selvagem cuja espada mortal poderia matar uma
dúzia de saxões com um só movimento, mas Selik não podia controlar a descarada
jovenzinha que vinha do futuro. Ele considerava Rain uma prisioneira e desejava
aproveitar-se de suas habilidades médicas... e seu considerável conhecimento da
anatomia masculina. Mas a exasperante mulher tinha suas próprias idéias. Se Selik
não tomasse cuidado, a impressionante sereia certamente capturaria seu coração e o
converteria em um guerreiro do amor em vez de ser... o viking proscrito.
York, Inglaterra
1
Rain, o apelido de Thoraine, em inglês, quer dizer chuva, portanto o trocadilho.
Neve ou Água de Neve ou Lama? — Então ele acrescentou com desdém — Ou
Árvore?
Árvore! Eh!, isso era uma coisa permissível para uma criança que não sabia
o que dizer para insultá-la por causa de sua altura, mas para aquele viking a
quem faltava um parafuso, degenerado, e ao qual acabava de salvar a vida, não
era permissível!
— Seu bastardo ingrato! Apenas salvei sua vida — ela piscou para conter as
lágrimas que vinham a seus olhos.
Selik se levantou e estendeu seus braços amplamente para tirar as torções
causadas por sua longa cavalgada.
— Não me fez nenhum favor, moça — comentou ele secamente. — Seria
melhor que eu tivesse morrido. Esta vida não significa nada para mim.
Rain o olhou iradamente encarando-o embora ele pudesse humilhá-la se
visse suas lágrimas.
— Como valoriza sua vida tão pouco? Sabe quantos homens matou hoje?
— Muito bem. Quantos, não? — perguntou ele com um tom chateado de
voz pondo de novo a couraça. — Contou todas as mortes?
Rain sentiu como se o sangue chegasse com pressa a seu rosto.
— Não, mas com certeza são centenas. Não sente algum remorso por essa
carnificina?
— Muito bem. Por que deveria sentir? Eles mereciam tudo aquilo e muito
mais.
— Como pode dizer isso, sobretudo pelo jovem rapaz da bandeira que
matou perto do final?
— Matei um rapaz? — Selik inclinou a cabeça de maneira inquisitiva,
obviamente tentando recordar o incidente. Como podia alguém matar outro ser
humano e não lembrar?, perguntou-se Rain tristemente. Finalmente, Selik
sacudiu a cabeça como se aquilo não importasse. — Cada saxão é meu inimigo,
homem ou rapaz. Isso é o que dizem as palavras rúnicas sobre o poste do
desprezo eregido contra o Rei Athelstan há muito tempo — então ele a olhou
com desconfiança. — Por acaso é uma das amiguinhas de Athelstan?
—Amiguinha! — as faces de Rain se cobriram com um rubor inoportuno. —
Não, não sou uma prostituta ou um saxão. — Rain de repente compreendeu
que Selik montou no cavalo e se dispunha a partir. Sem ela!
—Espere! Não pode me abandonar aqui.
Selik arqueou uma sobrancelha e a olhou com atitude arrogante, e começou
a girar o cavalo.
—Não posso?
—Esse cavalo é meu —inventou ela rapidamente.
—Mentirosa —respondeu ele com uma risada que a enfureceu.
—Volte aqui!
—Pois bem, não o farei, bruxa, harpia —Ele sorriu abertamente. —Mas não
tenha medo, outros passarão por aqui. Talvez um daqueles soldados será mais
fácil de persuadir do que eu, e te ofereça sua proteção em troca de uma cama
quente para sua diversão que a mim, com a sede de sangue pela batalha, não
interessa.
Diversão! Rain se arrepiou com indignação.
—Está me insultando, porco. Eu não me ofereceria a prestar diversão a
homem algum, quanto mais um maldito bárbaro como você.
Selik somente riu, lhe fazendo uma deslumbrante demonstração de dentes
retos e brancos, um grande contraste com sua pele profundamente bronzeada.
O choque de sua deserção iminente a paralisou durante um momento.
Então Rain sentiu pânico quando Selik se dispôs a deixar a clareira. Os dedos
gelados do desespero acabaram com sua calma.
O que faria ela naquele tempo e lugar estranhos sem Selik como seu
asqueroso protetor, como ele era naquele momento? Ela torturou o cérebro
procurando uma solução e lhe chegou apenas uma idéia.
—Selik! —gritou ela desesperadamente a suas costas. —O que pensaria seu
velho amigo Thork se abandonasse sua filha?
Ele parou imediatamente.
Ah! O coração de Rain começou a martelar desordenadamente quando Selik
se voltou na sela e a perfurou com aqueles gelados olhos cinzas. Ele começou a
girar lentamente de volta para ela, e Rain sentiu a necessidade de se voltar e
fugir.
Tinha dúvida de que seus intintos protetores fossem seguros, porque Selik a
olhava como se fora matá-la. Seus músculos se ressaltaram com tensão em seus
braços, seus punhos apertados, seus ombros retesados. Seus lábios cheios eram
uma linha apertada de pálida fúria. Seus olhos brilhavam ameaçadores.
Pegando a adaga de seu cinturão, Selik deslizou do cavalo suavemente e andou
diretamente até ela. Rain, então realmente assustada, deu a volta e correu por
sua vida.
Capítulo 2
Amaldiçoando com ira, Selik perseguiu a alta mulher pelo bosque, correndo
para ficar a seu lado. Pelo sangue de Cristo! Ele estava perdendo um tempo
precioso com essa moça irritante.
— Alto lá!
O duende gigante de madeira respondeu lançando um galho para trás e o
bateu no rosto dele enquanto ria estridentemente, com uma nota de agudo
histerismo em sua voz. Sem parar, ela continuou lançando-se rapidamente pela
área densamente cheia de árvores, correndo com suas longas pernas cobertas
por inadequadas calças masculinas.
— Provoca muito ao reivindicar Thork como pai —gritou ele exasperado. —
Será um prazer arrancar sua pele a tiras, mulher mentirosa. — Quando ela não
respondeu e ainda o evitou, ameaçou-a — Tirarei sua língua mentirosa de sua
boca e a comerei crua.
Selik ouviu seu ofego ante suas últimas e ridículas palavras, ao dizer algo
tão incoerente como aquilo tinha soado — Eca ! — Uma risada lenta estendeu
seus lábios. Então pensava que ele era um bárbaro? Hah! Bem, ele lhe mostraria.
— Se parar agora — bajulou-a, cortando a distância — será uma morte
rápida. Talvez tão somente um limpo corte na cabeça. Desista dessa inútil
perseguição, ou me forçará a prolongar sua dor — aquilo deveria causar
algumas imagens muito vivas à moça.
— Vá para o diabo! — gritou a imprudente raposa.
Condenada impertinência! Aquela tola mulher não sabia o perigo que
enfrentava ao despertar sua índole? Ele tinha matado muitos homens por
menos.
— Talvez ache que seus olhos de ouro ficariam bem sem cílios — disse Selik
suavemente, enquanto respirava ofegante pelo esforço da busca e o cansaço
pelas seqüelas da batalha.
Ele franziu a testa. Olhos de ouro? Sagrado Thor, quando tinha notado a cor
de seus olhos? Sacudiu a cabeça para limpar a inoportuna imagem e distribuiu
golpes a direita e a esquerda sem piedade.
— Malditos sejam seus olhos! Talvez também poderia arrancá-los.
A mulher arfou com desdém, ou incredulidade, e outro galho se lançou
para trás, lhe batendo dessa vez no abdômen, abrindo a ferida de espada que
tinha recebido antes.
Agora sim estava realmente zangado.
O sangue gotejava do corte, e doía como o inferno, outra razão para bater
na impudência daquela amotinada idiota, descerebrada. Pela saliva de Odin!
estava esbanjando valiosos minutos perseguindo aquela tola criatura quando
precisava pôr tanta distância quanto pudesse entre ele e seus inimigos saxões.
Havia uma ameaça adicional naquilo, também. Selik tinha reconhecido o
homem que tinha matado antes, tão nobremente empalado sobre sua lança.
Aquele era Elwinus, primo de Athelstan. O rei tinha oferecido uma recompensa
pela cabeça de Selik antes da batalha; agora aquele bastardo saxão iria o querer
vivinho e abanando o rabo para torturá-lo o mais lentamente possível.
E pior ainda, Elwinus reivindicava ser irmão de Steven de Gravely. Inferno
maldito! Ele e Steven tinham muitíssimas razões para matar um ao outro sem
necessidade desse último combustível acrescentado à fogueira de seu ódio
mútuo. Steven estivera na batalha? perguntou-se Selik de repente e pensou em
voltar para terminar seu combate sanguinário de uma vez por todas.
Mas então Selik olhou para a louca moça que corria na frente dele. Não
podia desprezar a vergonhosa reivindicação da ardilosa moça. Sabia que não era
saxã. Sua estatura, os cabelos de claro tom de mel, seus finos traços contavam a
verdade sobre sua herança nórdica. Mas ela tampouco podia ser a filha de seu
amigo morto, Thork, e pagaria caro por desviar a verdade e pelo desnecessário
atraso.
— Basta! — rugiu Selik finalmente. A bruxa já o tinha incomodado muito.
Com uma poderosa investida, ele a abordou por trás. Ela caiu na terra com um
ruidoso “plaft” e ele conseguiu se pôr em cima dela.
A queda roubou o fôlego de Selik. Ele ficou imóvel durante vários segundos
com seu rosto enterrado nos cabelos brilhantes de ouro da garota, que caíam
frouxos de sua trança. Sua fragrância doce, sedutora, uma mistura ímpar de
flores e especiarias, oprimiu seus sentidos, fazendo-o esquecer
momentaneamente a brutalidade e o vazio de sua vida e lhe fazendo recordar
um tempo quando tinha gostado de ter tempo de sobra para apreciar as
pequenas coisas da vida. Como o aroma de uma mulher. Ou a sensação de
voluptuosas curvas femininas amoldando-se perfeitamente nos ângulos de seu
corpo.
O congelado coração de Selik degelou durante um segundo, com
sentimentos que fazia muito tempo se obrigara a desprezar. Ah, Astrid, pensou
de repente, e uma dor tão feroz que não podia suportar explodiu em seu coração
e ameaçou arrebentar de dor as paredes de seu peito. Sentia tanta falta. Surgiu
rasgando sua lembrança a última vez que viu sua esposa ensangüentada, e a
incrivel imagem o atormentava sem parar. Alguma vez ela iria embora?
Um toque suave o tirou de seu inoportuno sonho. O cavalo o tinha seguido
pelo bosque.
Pelo sangue de Thor! grunhiu com silenciosa auto-repugnância por seu
impressionável estado de sonho acordado. Fazia anos desde a última vez que
se permitiu tal extravagante auto-indulgência acerca de sua esposa morta.
Levantando-se sobre seus erguidos cotovelos, Selik compreendeu que a
mulher não se movia embaixo dele. Tinha morrido pela força de sua queda
sobre ela com seu peso substancial?
— Humph!
— O quê?
A moça levantou a cabeça e se queixou,
— Saia de cima, seu grande mal-educado. Deve pesar tanto quanto esse
cavalo, meu cavalo, a propósito. Quer me esmagar até a morte antes de poder
comer minha língua?
Com um sorrisinho suave, pouco disposto, Selik lhe permitiu voltar sobre
suas costas, mas a manteve presa à terra com a metade inferior de seu corpo.
— Sua língua rabugenta excede sua sensatez, moça. Acho que seria muito
ácida para meu gosto.
A erva e a sujeira cobriam seu rosto e lábios. Pedaços de ervas e raminhos
estavam presos a seus cabelos despenteados e a sua estragada camisa macia. Ela
cuspiu vulgarmente para limpar sua boca.
Selik momentaneamente esqueceu a razão de sua cólera, tão enfeitiçado que
estava pelo encanto da mulher que estava debaixo dele. Afastou várias mechas
frouxas de cabelos dourados de seu ombro. Eram como seda âmbar. Ele
esfregou os fios sensualmente entre seus calosos dedos.
Erguendo seus olhos, notou que tinha uma terrível contusão sobre a testa,
seus tons violetas se destacavam completamente contra sua pele cor de creme.
Selik não pôde evitar tocá-la com cuidado com seu indicador, e seus lábios
cheios, como pétalas de rosas esmagadas, separaram-se inconscientemente com
um suspiro sufocado de dor, mostrando extraordinários dentes brancos.
Os olhos de mel escuro da moça sustentaram seu olhar, interrogando-o
silenciosamente, provavelmente se perguntando o que ele faria depois, e
durante uns longos momentos Selik não pôde evitar olhá-la fixamente cheio de
desejo. O enorme vazio dentro dele de repente estava cheio e quente. Quando
havia se sentido assim? Astrid, pensou imediatamente e se repreendeu com
menosprezo outra vez.
De repente, Selik viu a insensatez de seu ato. Comportava-se como um
louco que se demorava com uma moça enquanto os cães sabujos saxões lhe
pisavam os calcanhares. Tirou a adaga de seu cinturão e segurou o gume da
navalha contra o pescoço dela.
— O que faz aqui, moça?
— O que me deixa fazer? Não posso me mover — resmungou ela.
— Deliberadamente confunde minhas palavras? Deve tomar sua situação
mais seriamente. — Ele pressionou a lâmina brilhante de modo mais apertado e
desenhou uma fina linha de sangue como um chuvisco de vinho na neve recém
caída. — Sua vida desprezível não significa nada.
—Ah, realmente! Não acha que é um pouco dramático?— disse a bruxa tola
com indiferença, como se não lhe temesse. — Além disso, seria menos asqueroso
se não cortasse minha jugular. Eu sugeriria aqui, no rim, ou aqui, no diafragma.
Ela indicou dois lugares em seu corpo que Selik sabia que lhe trariam a
morte imediata, assim como o grande ponto de bombeamento de sangue no seu
pescoço. Como uma simples mulher sabia de tais coisas? E o que era um
diafragma?
Rain viu a confusão no rosto de Selik.
Uma voz se repetia em sua cabeça, salve-o
Surpreendentemente sem medo então, olhou para o endurecido guerreiro
que estava sobre ela.
— Realmente me mataria, Selik?
—Rapidamente.
—Não acho que você faria isso — afirmou Rain com mais confiança do que
sentia. — E além disso, mesmo que aja como um urso, não tenho medo de você.
— Então te garanto que é realmente tola.
Rain se encolheu, tentando não fazer caso das palavras que se continuavam
se repetindo em sua cabeça, Salve-o, Salve-o, Salve-o,…
Selik franziu o cenho, parecendo desnorteado ante seu corajoso semblante.
Podia o idiota não ouvir o tiritar de seus dentes?
— Como sabe meu nome? Por que estava em Brunanburh?
— Não tenho certeza — admitiu Rain hesitante. —Acho... Acho que Deus
me enviou.
Selik arfou alto, incrédulo.
— Por que Deus faria isso?
— Para te salvar— propôs Rain de maneira débil.
— Eu? Deus não se preocupa em nada comigo — ele a inspecionou com os
olhos apertados enquanto embainhava sua faca, logo lhe perguntou a
contragosto, como se não pudesse acreditar nas palavras. —Me salvar de quê?
— De você mesmo.
Selik levou as mãos à cabeça com incredulidade. Ainda ajoelhado sobre ela,
jogou a cabeça para trás e gargalhou.
Rain sabia que Selik não acreditava. Quem o faria, dadas as circunstâncias?
Ela baixou seus cílios rapidamente para ocultar sua decepção, então esperou
pacientemente que Selik se recuperasse de seu ataque de risos.
Finalmente, ele limpou os olhos e sacudiu a cabeça maravilhado ante a
arrogância de suas reivindicações.
— Isto é demais! Essa moça se declara meu anjo da guarda. Doce Freya! A
batalha de hoje deve ter transtornado minha mente. Talvez bateram na cabeça
da moça também — ele olhou de forma significativa o hematoma na testa dela.
Ele mal sabia que ela havia se transportado mil anos para aquele lugar
desde um museu Viking. Ou aquilo tinha sido essa manhã? perguntou-se Rain
franzindo o cenho.
Selik continuou rindo em silêncio.
Rain estalou a língua, irritada agora pelo prolongamento de sua zombaria.
Meu deus!! Suas palavras não eram engraçadas.
Mas Rain realmente não estava irritada. Apesar do perigo pela perseguição
dos saxões e as ameaças de Selik, seu inquieto espírito estava tranqüilo, e ela
sentia uma estranha paz, que tinha muito a ver com aquele desumano viking,
como se finalmente tivesse encontrado seu lugar na vida.
E, além disso, racionalizou ela, Selik tinha passado por um inferno inteiro
aquele dia... e provavelmente vivia assim há vários anos. As cicatrizes e as mal
curadas fraturas e seus olhos vazios mostravam isso. Não importava quanto ela
odiasse sua brutalidade, Rain não podia deixar de admirar Selik, aquele homem,
que era como um animal ferido com um pedigree fino que tinha sido
maltratado, mas que ainda conservava sua beleza inata.
Salve-o.
Rain quase gemeu em voz alta ante a persistente voz interior. Como poderia
alguma vez ser capaz de penetrar o completo vazio que existia no fundo de seus
solitários olhos? Ele lhe deixaria alcançar aquela meta?
— Minha mãe tinha razão sobre você — sussurrou Rain com voz rouca,
ainda presa à terra pelo corpo dele.
Selik levantou uma sobrancelha.
— Você é magnífico.
Selik arfou de maneira grosseira.
— Isso não importa. E não se atreva a tentar empenhar seus desprezíveis
encantos sobre mim. Não funcionará. No mínimo, perdi qualquer beleza já faz
vários anos — então ele hesitou, como se considerasse algo. — Mencionou sua
mãe. A conheço?
— Sim. Seu nome era Ruby... Ruby Jordan... antes de se casar.
— Argh! — Selik se levantou de um salto deixando Rain no chão.
Então ele a puxou até deixá-la em pé, notando algo pela primeira vez. Seus
olhos se estreitaram com desconfiança, apontou o broche que brilhava em sua
gola e perguntou:
— Onde furtou isso?
— Minha mãe me deu.
— Isso é impossível — ele pôs uma mão sobre o rosto e o tocou, obviamente
preocupado. — Nem pensar, não de Ruby. Não pode ser sua filha. Ou de Thork.
Ele a olhou no rosto fixamente, procurando então quaisquer semelhanças,
que Rain sabia que reconheceria tão logo as visse. De repente, Selik pareceu
recordar algo. Antes de ela ter alguma possibilidade de reagir, ele tomou sua
blusa pelas lapelas e a rasgou, ignorando os rasgões ou os botões que
arrebentou.
— Como se atreve? — fuzilou Rain e tentou inutilmente manter as bordas
da camisa unidas. Selik bateu em suas mãos para afastá-las.
Ele olhou fixamente seus seios com incredulidade, mas não com luxúria.
— Pelo amor de Freya! Usa as estranhas roupas íntimas de Ruby. Roupas
íntimas, sutiã, ela a chamou.
— Esse não é o sutiã de minha mãe — Rain se abraçou e fechou sua
mandíbula insolentemente, logo exigiu saber —Como viu alguma vez as roupas
íntimas de minha mãe?
— Hah! Cada homem que esteve no tribunal do Rei Sigtrygg viu essas
roupas escandalosas quando tirou a couraça de cobre do traidor Brass Balls. Ela
até entrou no negócio fabricando roupas leves enquanto viveu entre nós.
Cristo! Selik repetia a mesma ridícula história que sua mãe tinha contado
durante anos. E ninguém tinha acreditado em Ruby, inclusive ela mesma.
Talvez isso não fosse um sonho, afinal de contas. Rain tapou a boca com ambas
as mãos, horrorizada.
Ah, meu Deus! Realmente as viagens no tempo eram possíveis?
— Escute, te asseguro que Ruby é minha mãe, e ela sempre dizia que Thork
era meu pai — Rain decidiu não lhe dizer, ao menos não agora, que sua mãe
também dizia que Jack Jordan também era seu pai. — Posso te dar todas as
explicações que quiser, mas não acha que deveríamos escapar daqui primeiro?
Se os saxões nos capturarem, não lhes importarão quem sou.
Selik maneou a cabeça a contragosto e assobiou entre dentes. O cavalo veio
andando até ele como um cisne doente de amor. Como Selik fazia isso?
Provavelmente era uma fêmea, decidiu Rain com aversão, perguntando-se se
teria o mesmo efeito sobre as mulheres em geral.
Selik pôs sua mão esquerda sobre a sela e saltou sobre o cavalo, então olhou
para ela inexpressivamente enquanto ela tentava reparar os estragos de sua
blusa o melhor que podia e fazia uma nova trança nos cabelos.
— Te levarei comigo, por hora, mas preste atenção, moça— disse finalmente
— se brincar comigo ou der um passo em falso, não hesitarei em te matar —
então se abaixou e a segurou por um cotovelo. Com um rude movimento, ele a
levantou em seus braços, como se ela não pesasse nada, e a colocou
comodamente em seu colo.
Rain esfregou o cotovelo desgostosa, mas decidiu não brincar com sua sorte
se queixando. Vaca sagrada! Além de sua desnecessária brutalidade, Rain se
impressionou por Selik poder levantá-la tão facilmente. Ela não podia recordar a
última vez que alguém a tinha levantado. Ela era muito alta. Ou não era?
— E não meneie seu traseiro como fez antes — ordenou Selik
insolentemente quando o cavalo começou a mover-se. — Suas indecentes
brincadeiras não lhe farão ganhar nada. Mesmo se eu tivesse tempo, não teria
ciúmes de alguém como você.
Rain não pôde permanecer calada dessa vez.
— Sua arrogância me revolta. Não tenho nenhum interesse, mas nenhum
interesse mesmo em fazer amor com você.
— Hah! O amor não tem nada a ver com sexo. Quando um homem sente a
necessidade de aliviar-se entre as pernas de uma mulher, é transa, pura e
simples. A maioria das vezes é mais simples fazer sozinho…
O lábio superior de Rain se levantou com aversão, e olhou para o céu.
— Tenho pena de você se vê o ato de fazer amor como uma função
fisiológica.
— Na verdade, no máximo é como urinar — persistiu ele.
Rain percebeu uma nota de humor na voz de Selik e se voltou para olhá-lo.
Seu rosto sem expressão não lhe dizia nada, mas um leve puxão em seus lábios
traía um sorriso mal reprimido.
— Humph! Bem, certamente é um homem totalmente diferente do que
minha mãe descreveu. Posso ouvi-la dizendo que tinha reputação de ser um
grande amante.
— Que tolice! Bom, talvez — admitiu ele pensando bem —Realmente eu
tive certo prestígio como amante uma vez, mas isso foi há muito —ele deu de
ombros. — Já não me importa.
Apesar de tudo, Rain riu tolamente.
— Não tem nem idéia do quanto essa conversa é estranha para mim. Com
minha lista de fracassos nas relações sexuais, não sou ninguém para criticar
outra pessoa.
— O que significa isso? Lista de fracassos? Não tem companheiro ou
marido?
— Não sou casada.
— Aaah.
— O que significa isso?
— Isso significa que agora entendo. É uma mulher solteira que transa com
homens.
— Pare, machista. Não faça nenhum julgamento imprudente. Não sou
promíscua, se isso é o que quer dizer.
— Não disse nada. Você é quem fala de transas ruins com homens com
quem não está casada.
— Quero que pare de usar essa palavra feia.
— Que palavra?
—Transa. Transar é para animais. Se não pode se referir a isso como fazer
amor, ao menos chame de sexo.
Selik riu outra vez, profundo e gutural, e o som ondulou melodiosamente
nos ouvidos de Rain.
— Com quantos homens fez sexo? — perguntou-lhe com um sorrisinho,
seus braços se apertaram ao redor dela imperceptivelmente como um casulo
quente.
— Não é da sua conta — Rain retesou as costas com indignação.
— Acho que não teve nenhum homem, moça, com essa língua afiada.
Nenhum homem arriscaria seu membro a ficar na beira de sua “lâmina de
barbear”.
Rain levantou seu queixo indignada.
— Não ache que só porque sou alta nenhum homem me desejou alguma
vez.
O bruto emitiu um pequeno som sufocado atrás de seu pescoço.
— Bom, agora que chamou minha atenção sobre isso, você é bem... grande.
Na verdade, alguns homens se sentiriam persuadidos por sua magnitude...
Me diga algo novo sobre isso.
— Tão poucos foram os homens que te desejaram?
Caramba! Ele tinha uma mente de uma só via. Ah, mas ela ia lhe fazer a
diferença, decidiu Rain.
— Quando eu tinha dezoito anos, tive uma experiência sexual realmente
ruim, só durou uma desafortunada noite. Nos doze anos seguintes, tive tão
somente dois casos sérios de amor. Eles não acabaram muito bem.
Selik permaneceu calado durante vários momentos, considerando suas
palavras.
— Então, você viu trinta invernos. Não acreditei que fosse tão velha.
— Não sou mais velha que você — replicou ela com veemência.
— Bem, então, ambos devemos ser velhos, doçura — concluiu ele com um
sorriso suave. Ele pressionou a face dela contra seu peito, sinalizando o final da
conversa, e destramente pôs o cavalo a um passo mais rápido.
Doçura! Rain se aconchegou mais perto e pôs seus braços ao redor de sua
cintura para equilibrar-se. O cansaço a atacou. Aquele tema de viagem no tempo
a tinha esgotado...
Antes de ela adormecer, de algum modo acreditou que Selik a protegeria de
qualquer perigo, Rain se perguntou como poderia ser alguma vez capaz de
salvar aquele selvagem escandinavo que se referia a fazer amor como transar,
que matava homens tão facilmente como se pisasse em formigas, e que logo se
mataria. Rain fez a promessa de ajudá-lo, Deus tinha decidido assim, e de algum
modo, durante o processo, ela esperava recuperar sua própria vida também.
Mas a pergunta era, estaria no passado ou no futuro?
Rain dormia placidamente até sentir que o cavalo subia por uma aguda
inclinação. O caminho seguia por uma impenetrável selva e videiras, que Selik
cortava quando era necessário com sua espada. Soldados ferozes, primitivos
estavam passando o tempo silenciosamente ao longo do caminho, agitando-se e
levantando-se quando reconheciam Selik, e logo foram seguindo seus passos
imediatamente depois. Logo surgiu diante eles um acampamento no alto do
topo da colina. Dali podiam ver várias milhas ao redor, obviamente era uma
posição muito boa e vantajosa para descobrir qualquer inimigo que os
perseguisse.
Rain se surpreendeu ao ver centenas de Vikings e seus aliados, incluindo
escoceses e galeses, que tinham evitado a investida saxã. Muitos dos homens
ainda usavam as roupas de batalha, enquanto outros se cobriam com peles de
lobo e outros animais enquanto a fresca tarde de outono se aproximava. Só
umas poucas mulheres estavam presentes, cozinhando sobre dispersos fogos
acesos.
Algumas tendas tinham sido erguidas, mas a maior parte dos homens
estavam deitados sobre a terra nua, descansando ou tratando as feridas. Ao
menos ela poderia ser de alguma ajuda como médica.
Rain girou para oferecer suas habilidades médicas e notou o jeito
orgulhoso, e arrogante dos ombros de Selik. Mesmo no meio de uma multidão,
sua presença era irresistível, mas boas-vindas algumas de seus espancados
companheiros saudaram Selik. Um ar de isolamento cercou seu solitário viking,
como se fosse um pária de alguma espécie.
Selik desmontou e ajudou Rain a descer do cavalo. Um número de homens
a olharam fixamente com curiosidade. Valha-me Deus, pelo aspecto geral, feroz e
barbárico deles, tinha aterrissado em um refúgio de chefes militares no Século
do Obscurantismo.
— Vá ajudar às mulheres — ordenou-lhe Selik de maneira cortante.
— Huh? Cozinhar? Eu?
— Meus ouvidos estão me enganando? Já está questionando minhas
ordens? — assobiou Selik apertando os dentes.
— Não, é só que pensei que precisaria de minhas habilidades médicas.
— Vá para as brasas da cozinha — explodiu ele com uma voz sufocada.
Alguns homens riram disimuladamente ante o interrogatório às suas ordens.
— Sou uma médica, pelo amor do céu — resmungou Rain irritada.
Selik agarrou sua trança e a puxou com força, puxando bruscamente suas
costas para trás.
— Ai! O que fiz agora? — ela sacudiu de um puxão sua trança das mãos
dele e ergueu insolentemente seus ombros, apesar do rosto tempestuoso dele.
— Sua língua provocadora desafia a razão, e te adverti a respeito de
mascarar a verdade. Primeiro, reivindica ser meu anjo da guarda. Agora, uma
curandeira. E depois o quê? A deusa Freya?
Rain fechou os olhos durante um momento e suspirou profundamente.
— Sou médica. Passei muitos anos estudando para ser uma doutora. Sou
cirurgiã no Hospital da Sagrada Trindade.
Rain ouviu os sons de incredulidade e de risadas ao redor dela, mas Selik
esfregou seu queixo e a olhou especulativamente.
— Uma médica!— queixou-se ele com uma sacudida resignada de sua
cabeça. — Inferno maldito! Os deuses certamente mostraram seu
descontentamento por mim vertendo essa praga feminina sobre mim nesse dia
— antes de que ela pudesse protestar, ele a agarrou pelo pulso e a puxou para a
tenda mais próxima, lhe exigindo —Me mostre.
Rain logo descobriu que as três tendas continham guerreiros feridos em
uma classificação baseada na severidade de seus ferimentos. Ainda trazia sua
mochila que continha um estojo de primeiro socorros, ela entrou na tenda onde
se encontravam os mais penosamente feridos. Durante horas, trabalhou como
uma autômata o melhor que podia, dados seus ferimentos e suas limitadas
provisões, suturando feridas, tratando golpes, e tentando evitar a infecção em
qualquer parte onde fosse possível.
A princípio, Selik montou guarda sobre ela, observando cada movimento.
Ele a deteve quando tentou dar pílulas a vários homens, mas a deixou continuar
quando lhe assegurou que só eram aspirina e Tylenol, analgésicos suaves, quase
a mesma coisa que as ervas que seus próprios curandeiros usavam. Deu Darvon
a alguns homens que necessitavam de um medicamento mais forte.
Quando terminou com todos os pacientes de sua tenda, Rain foi para fora e
estendeu as costas para tirar os torcicolos. Sabia que só tinha tratado algumas
das muitas vítimas. Ela ouvia gemidos ruidosos e gritos de outras tenda, onde
só Deus sabia que tipo de médicos primitivos torturavam as necessitadas
vítimas.
Selik estava sozinho, apoiado contra o tronco de uma árvore do outro lado
da clareira, além de seus companheiros militares. Seus olhares se encontraram
durante um segundo, e Rain se perguntou a respeito do que ele tinha estado
pensando, ali ao ar gélido da noite.
Ele necessita de você, disse a voz interior.
Hah! Ele necessita de um bom tiro de pacifismo. Isso é do que ele necessita.
Então Selik a olhou com um ar inquisitivo, como se lhe perguntasse por que
estava descansando quando tantos necessitavam de sua ajuda. Grosseiro!
Rain entrou de mau humor na tenda seguinte e olhou fixamente
horrorizada um jovem que estava deitado sobre uma longa mesa, protestando
audivelmente ante a contenção de vários homens que o mantinham preso. Rain
não podia acreditar no que estava vendo. Então, a vítima girou seu rosto para
ela, Rain gritou com horror. Era seu irmão Dave que estava sobre a mesa, e um
açougueiro do Século do Obscurantismo tinha uma faca do tamanho da folha
de um sabre, dispondo-se a lhe amputar a perna. O pior de tudo era o sangue
contaminado de outros pacientes que cobria o instrumento do curandeiro e seu
traje tradicional de clérigo, até sua tonsurada cabeça. Ao que parecia, tinha
usado a faca várias vezes sem limpá-la ou desinfetá-la.
— Pare! — todo mundo que havia no quarto girou para olhá-la quando ela
se atreveu. — Não se atreva a tocar meu irmão, açougueiro ultrajante — com
uma força alimentada pelo bombardeio da adrenalina, Rain afastou o
curandeiro, dando-se conta do problema médico imediatamente. A profunda
ferida em cima do joelho era ruim, e provavelmente teria algum dano
permanente no músculo, mas ela achou que seria capaz de lhe salvar a perna.
Certamente, tinha perdido muito sangue, e ela não tinha plasma, mas valia a
pena correr o risco. Não era certo?
— Não se preocupe, Dave, não deixarei que cortem sua perna.
O jovem ergueu seus olhos esperançosos e agarrou fortemente sua mão.
Evitando relaxar seu aperto, ele tentou falar, mas ela lhe disse que economizasse
suas forças. Certamente, esse não era Dave. Seu verdadeiro irmão mais velho
tinha quarenta e dois anos e provavelmente estava jogando golfe agora, já que
era sábado. Esse homem não podia ter mais de vinte. Ele devia ser um de seus
meio-irmãos da Idade Viking dos quais sua mãe lhe tinha falado.
— Você é Eirik ou Tykir?
— Tykir — falou com voz áspera.
— Bem, Tykir, sou sua meio-irmã Rain, e não deixarei que cortem sua
perna.
— Jura para mim? — perguntou ele, ainda agarrando sua mão.
— Prometo fazer todo o possível para salvar sua perna.
Ouvindo uma rajada de ruídos atrás dela, Rain girou para ver Selik furioso,
seus olhos ardiam com veemência. Ele estava em pé na entrada da tenda, ao
lado do curandeiro e dos homens que tinham estado prendende Tykir.
— Que tipo de problema está causando agora? — grunhiu ele, dirigindo-se
para ela, obviamente tinha a intenção de levá-la da tenda. Rain manteve sua
postura corajosamente, seus braços abertos de maneira protetora diante de sua
recém descoberta família.
Rain tremia pela cólera e o medo, mas sabia que tinha que falar
rapidamente.
— Eles o matarão se lhe amputarem a perna, sobretudo com essa lâmina
suja. Não deixarei que façam isso a meu irmão.
— Irmão? Que tolices está soltando agora?
— Tykir. Eles querem amputar sua…
Com um forte golpe, Selik jogou Rain no chão. O curandeiro riu
disimuladamente com a satisfação de ficar por cima dela.
Selik se inclinou ante o paciente com preocupação.
— Tykir? Ah, por tudo quanto é sagrado, rapaz, eu não sabia que estava na
batalha. Pensei que estava seguro na Noruega com seu Tio Haakon. Maldito
Ubbi por desobedecer minhas ordens.
— Não culpe Ubbi —sussurrou Tykir. — Foi idéia minha.
Rain ficou em pé e limpou a parte traseira das calças. Fascinada, olhou o
feroz Viking acariciar o rosto de Tykir com notável suavidade. Essa era a maior
demonstração de compaixão que tinha visto no frio escandinavo até então.
Talvez houvesse esperança para ele, afinal de contas.
— Deixe a mulher me curar — suplicou Tykir, elevando-se sobre seus
cotovelos. — Não me diga que não, Selik. Prefiro brincar com a morte com a
moça a perder um membro. Por meu pai, me conceda este favor.
Selik se voltou friamente para Rain.
— Realmente pode salvar sua perna?
— Acredito que sim... Se nos apressarmos. E contanto que obtenha toda a
ajuda e materiais que precise — ela olhou de forma significativa o zangado
curandeiro e os hostis homens.
Selik fez uma pausa, dividido entre o ultraje de seus companheiros e as
urgentes exortações de Tykir. Ergueu uma mão para deter as zangadas
sugestões dos homens.
— Calma! — bramou e deu a volta com decisão para Rain. —O que
necessita?
Rain poderia ter beijado o obstinado cavaleiro por seu apoio, tão
necessitado que era. Ela deixou de lado suas emoções, e exigiu:
— Muita água fervendo, agulhas, panos limpos. Ponham tudo na água para
esterilizar; então ponham os panos em algum lugar para secá-los onde não
toque nada infectado.
Ela deu ordens como um sargento de treinamento aos homens em torno
dela, querendo a mesa esfregada a fundo e dúzias de tochas acesas para ter
melhor visibilidade. Quando a mesa de operações estava preparada, tirou toda a
roupa de Tykir, para vergonha deste e consternação do clérigo, que proclamou
de mau humor:
— Isto é impróprio para uma mulher.
— Escute, irmãozinho, o que tem ou não abaixo da cintura é de pouca
importância aqui. Quer salvar a perna, não é?
Ele aquiesceu fracamente.
Rain acariciou sua cabeça de modo tranqüilizador. Senhor, era só um
jovem. Deveria estar desfrutando da vida, não lutando em uma guerra inútil.
Ela suspirou com cansada resignação. No décimo século ou na vida de nossos
dias, algumas coisas nunca mudavam. Uma guerra sem sentido depois de outra.
Rain decidiu não tirar o torniquete da ferida até o momento antes da
cirurgia, mas examinou a ferida mais de perto para determinar a profundidade
do corte. O dano do músculo poderia não ser muito ruim, mas algumas veias
tinham que ser unidas de novo o quanto antes para conseguir o fornecimento de
sangue outra vez antes que a perna atrofiasse. Aquilo levaria horas na melhor
das circunstâncias. Como Tykir poderia suportar a prolongada dor?
Rain revolveu seu estojo médico de primeiros socorros. Com certeza, ela
não tinha nenhum tipo de anestésico. E os calmantes mais fortes que tinha era
Darvon e Codeína, e só tinha uns poucos daqueles. Melhor usá-los depois da
cirurgia. Poderia acreditar que o álcool embotaria os sentidos de Tykir? Cristo!
Ela mataria seu irmão só ao sondar em volta daquela horrenda ferida.
Mas havia outro caminho, compreendeu Rain de repente. Ela teria a
coragem de tentar?
O Doutor Chin Lee, um colega de hospital, ensinara acupuntura durante os
anos passados como uma alternativa aos analgésicos e anestésicos tradicionais,
mas ela nunca tentara o procedimento sozinha. Inalou profundamente e tomou
uma decisão.
— Selik, pode me encontrar algumas agulhas longas com as pontas muito
afiadas?
Ele assentiu.
— Traga tantas quanto possa encontrar, e se assegure de pô-las na água
fervendo, também — ele a olhou com o cenho franzido por seu tom ditatorial,
mas teve a gentileza de esperar até mais tarde para repreendê-la. Quando tudo
estava preparado, ela exigiu — Todo mundo para fora dessa tenda.
— Não. Ficaremos para testemunhar suas atrocidades — protestou o
curandeiro.
— O rapaz terá que ser segurado — debateu um homem.
— Talvez ela pratique bruxaria — dispôs outro...
— Selik — suplicou Rain — se tudo for bem, Tykir não terá que ser
segurado.
— Hah! estará morto — declarou estridentemente o curandeiro, e outros
afirmaram sua acusação com muitas queixas.
Selik considerou suas palavras, logo tomou uma decisão:
— o Padre Cedric e eu permaneceremos para testemunhar seu trabalho.
Outros ficarão fora da tenda no caso de serem necessários.
— Bem, então, ambos têm que lavar as mãos.
— A moça exige demais — choramingou o Padre Cedric.
— Selik, meu irmão corre mais perigo pela infecção que pela ferida em si
mesma. A sujeira e o sangue infectado levam bactérias, uma assassina mortal
em feridas abertas.
A princípio, Selik a olhou irada e obstinadamente, mas então ele
contemplou o rosto suplicante de Tykir. E disse ao curandeiro em caráter
definitivo:
— Faremos como a moça diz por hora.
Abandonaram a tenda para lavar bem as mãos, murmurando maldições
quando ela acrescentou que deviam lavar sob as unhas também. Rain se voltou
para Tykir, que mal estava consciente.
— Carinho, vou fazer algumas coisas para diminuir a dor. Se sentirá melhor
em seguida, e até não deverá ser capaz de notar quando sondar sua ferida para
reparar o dano. Confia em mim?
— Preciso confiar em você — disse ele de modo incerto.
— Há uma coisa, Tykir... o modo que pararei a dor envolve agulhas
cravadas em sua pele em ao menos dez lugares diferentes.
Seus olhos se arregalaram, mas então ele esboçou uma débil risada, cheia de
dor, e riu em silêncio.
— Melhor me espetar antes de Selik voltar, a não ser que que queira que ele
arranque sua pele a tiras. Ele tem uma temível aversão às agulhas.
Agradecendo a Deus sua memória quase fotográfica, Rain mentalmente
repassou as lições do Doutor Lee sobre a antiga medicina chinesa. Imaginou os
meridianos que dividiam o corpo humano e os trezentos e sessenta e cinco
“fronteriras” ou pontos de alfinetadas onde os meridianos supostamente
surgiam à superfície. Mesmo o Doutor Lee, com toda sua mestria, não tinha
certeza de como trabalhar a acupuntura como anestésico natural, mas afirmava
que quando uma agulha era inserida com precisão no ponto correto isso enviava
uma mensagem ao cérebro que liberava opiáceos naturais, como endorfinas e
enquefalinas, para mascarar a dor.
Tykir estava assustado mortalmente, mas o rapaz valente apenas
pressionou seus lábios fortemente e fechou os olhos quando ela introduziu
várias das longas agulhas em diferentes partes de seu corpo, incluisive sua
cabeça. Então ele elevou os olhos maravilhado.
— É um milagre. Não sinto nenhuma dor.
Rain fechou os olhos durante um segundo. Obrigado, Deus!
— Não! — Selik e o curandeiro gritaram quando ambos entraram na loja e
viram o que ela tinha feito com as agulhas. A princípio, Selik se contorceu de
um lado para outro, seu enorme corpo ameaçava cair desmaiado ao ver as
agulhas. Então ele a levantou, suavemente sussurrando várias obscenas torturas
que lhe infligiria por fazer mal a seu amigo ferido, mas Tykir falou fracamente
— Incrível, Selik, as agulhas matam a ofensiva dor. Dei minha permissão para
fazer assim.
Selik olhou Tykir com receio e finalmente disse ao balbuciante curandeiro,
— Feche a boca, homem, ou vá embora.
A operação levou horas, com um pálido Selik segurando a lupa que ela
tinha comprado àquela manhã cedo para examinar o quadro do museu.
Fora realmente naquela manhã, ou há uma vida?
Apesar da acupuntura, Tykir compasivamente desmaiou no meio do
procedimento. Ao final, os dedos de Rain tremiam de tensão e de esgotamento
quando completou as suturas finais, enfaixou a perna, e lhe pôs as talas.
Sacudindo a cabeça, o Padre Cedric abandonou a tenda, resmungado:
— Bruxa! Feto do Diabo! Magia Negra!
Mas Selik só a olhou firmemente, profundamente abstraído em seus
pensamentos, quando ela recolheu suas parcas provisões. Ele deu um passo fora
e falou com alguém, logo voltou e a ajudou. Finalmente, ele a afastou
relutantemente do lado de Tykir, lhe assegurando que um homem faria guarda
durante a noite e a chamaria se houvesse qualquer mudança. Conduziu-a a uma
pequena tenda próxima e a empurrou a seu interior.
— É o melhor que pude fazer — desculpou-se ele, lhe indicando as peles
que estavam sobre a terra e a bacia com água para se lavar. Um cálice de água e
um prato de madeira com um pedaço de pão e várias fatias de carne assada ao
fogo que estavam sobre um pequeno tamborete. A consideração de Selik a
surpreendeu. Ela se voltou para lhe agradecer mas ele já partira.
Capítulo 3
Capítulo 4
Rain observou com desilusão como cada vez mais e mais soldados
desmontavam suas tendas, recolhiam suas peles de dormir, e deixavam o
acampamento com enérgica eficácia. Alguns foram sob o mandato militar dos
Reis Constantine e Anlaf. Outros foram sozinhos ou em grupos, gritando
promessas de se reunir depois nas terras do norte de Ardia, ou em Dublin onde
reinavam os noruegueses, ou em Jorvik, Rain não ouviu nada sobre York.
Em poucas horas, a parte superior da planície estava quase deserta.
Ubbi cuidava das brasas para cozinhar abandonadas pelas mulheres que
tinham escapado com seus maridos. Uma dúzia de desarranjados guerreiros
que tinham escolhido ficar com Selik limpavam os escombros e ajudavam Selik
a ocultar os rastros dos guerreiros que partiam.
— Por que nós não partimos também? — perguntou Rain a Ubbi.
— O amo nunca abandonaria Tyker, e transcorrerão uns dias antes de que
ele esteja bom o bastante para viajar.
— Vai ficar seguro aqui?
— Está louca? — perguntou-lhe Ubbi com um zombeteiro bufo. — Nunca é
seguro para meu senhor quando os saxões estão por perto. O rei Atherstan pôs
um grande preço sob sua cabeça faz muito tempo, mas agora sem dúvida
também vai quer seus olhos e língua.
— Por que?
— Vocês estiveram na Grande Batalha. Não viram o saxão que atravessou
com uma lança no fim, o que elevou em sua lança e o enterrou de modo que o
príncipe balançasse sobre ela?
Rain assentiu com a cabeça ansiosamente.
— Um príncipe saxão?
Ele sacudiu a cabeça com tristeza.
— Era o próprio primo do rei Athelstan, Elwinus — nervoso, apertou as
mãos. — E ainda pior, Elwinus é o irmão daquele bastardo, desculpe meu
vocabulário, milady, mas aquele miserável Steven de Gravely, odeia Selik
apaixonadamente.
—Oh, meu Deus! Então Selik deve partir agora. Ficarei e me encarregarei de
Tyker enquanto ele se recupera. Até sermos descobertos aqui, os saxões não têm
nenhuma razão para me ferir.
Os remelentos olhos de Ubbi lhe dispararam um olhar incrédulo.
— E o que acha que fariam a Tykir? O mimariam com caldo de galinha e
vinho doce? Hah! Rapidamente cortariam todos seus membros e o deixariam
morrer sangrado.
— Não me digam que também há um preço pela cabeça de Tykir.
— Não, ao menos isso não, mas luta do lado errado nesta batalha.
— Ainda acho que Selik deveria nos deixar aqui e escapar enquanto puder.
— Oh, querida, você não entende. Ainda se não fora por Tykir, meu senhor
não a abandonaria aqui. Agora lhe pertence.
Rain se eriçou.
— Eu? Pertencer a ele? Não!
— Agora, querida, não é da minha conta. O amo a capturou em combate, e
você é o butim, como se pode dizer. Me parece que ainda não a declarou como
refém, não?
—Não me capturou. De fato, o salvei. E vamos deixar uma coisa clara, não
sou prisioneira de ninguém. Nem preciso do amparo de um maldito viking
sedento de sangue.
— Se você diz — disse Ubbi duvidando — Mas o amo leva a sério suas
obrigações. Pelo menos, faz suas melhores tentativas de proteger seus homens e
mulheres sob seu escudo, sobretudo desde que Astrid… — as palavras de Ubbi
acabaram num múrmurio e ele olhou Selik culpadamente através do
acampamento como se se desse conta muito tarde de que tinha falado demais.
— Astrid? Quem é Astrid?
Ubbi gemeu.
— Por minha vida, milady, não mencione a milord seu nome. Por favor, se
aprecia minha vida.
Rain franziu o cenho.
— Me diga quem é ela, e prometo não dizer nenhuma só palavra a Selik —
e adicionou — Por outra lado, se não quer me dizer sempre posso perguntar a
Selik.
O terror fez com que o rosto de Ubbi empalidecesse. A curiosidade de Rain
tirou o melhor dela, e exigiu com voz dura:
— Quem é Astrid?
— Sua esposa — respondeu Ubbi com desagrado, depois partiu
rapidamente antes de que ela pudesse fazer mais perguntas
Sua esposa! O coração de Rain falhou um batimento e seus ombros cairam
bruscamente. Sua esposa! por que não tinha considerado a possibilidade de que
Selik fosse casado? E por que deveria lhe importar? Era apenas uma visitante
naquele primitivo período de tempo, uma viajante do tempo que certamente
voltaria para o futuro quando sua missão fosse cumprida, fosse ela qual fosse.
Não, não tinha importância para ela se Selik era casado ou não, disse Rain a
si mesma com desenvoltura, recusando-se a escutar seu dolorido coração, que
contava uma história diferente. Sua esposa!
Selik se aproximou nesse momento, mas ela esqueceu a dor e a raiva
quando percebeu que usava seu equipamento completo de batalha. O alarme a
percorreu enquanto pressionava a mão aberta sobre o peito para tranqüilizar
seu coração que pulsava rapidamente.
Não usava a cota de malha, como no dia anterior, mas usava uma capa de
couro grosso e protetor. A coisa de manga curta, com as laterais abertas, de
couro o protegia até a metade do pescoço e usava por cima uma túnica de lã até
os joelhos e calças negras e justas. Um cinturão largo de prata engastado com
uma fivela central enorme destacava sua cintura deliciosamente estreita,
atraindo seus olhos a seus quadris. O cinturão de metal devia pesar ao menos
quatro quilos e meio, pensou ela, e devia custar uma fortuna. Os braceletes de
prata combinando mostravam os músculos da parte superior de seus braços.
Trançara os cabelos, de um loiro escuro, em uma única trança que caía
sobre suas costas. Segurava entre as mãos um elmo de couro cónico e
impacientemente mudava o peso de um pé para o outro enquanto Ubbi lhe
levava Fury selado.
Ele era totalmente violento e sombrio, e o lado pacifista de sua mente
odiava isso no homem. E era completamente sedutor e fazia seus hormônios
cantarem, o que desejava o lado ilógico de sua mente, embora fosse só durante
esse período de tempo.
Sem pensar, inclinou-se para ele, ansiando tocar sua pele aquecida pelo sol,
até que se deu conta de que os cantos de seus lábios se elevavam em um sorriso
conhecedor. Cambaleou para trás.
— Mudou tão rápido de idéia? Deseja agora… fazer sexo?
— Não, não desejo.
Em um minuto de Nova Iorque, querido.
— Sério? Me olhava como um gato faminto no inverno que repentinamente
se vê na frente de uma tigela de leite.
— Você se ama demais.
Lambendo? Bem, isso apresentava algumas possibilidades interessantes.
— Imagino que podemos discutir sobre isso depois, quando… — suas
palavras se interromperam quando alguns de seus homens se aproximaram à
cavalo e esperaram suas ordens.
— Encarregue-se de Tykir e dos outros homens feridos enquanto não pode
se encarregar deste — a sedosa sedução tinha desaparecido de sua voz,
substituída por uma ordem fria.
Concordou, percorrendo com o olhar a única tenda que sobrava como
“hospital”. Depois as palavras de Selik penetraram em sua mente, e seus olhos
dispararam até ele ansiosamente.
— Vai nos deixar?
Ele inclinou a cabeça.
— Precisamos esconder melhor os rastros da montanha. E trazer comida se
pudermos encontrar algum animal insensato o bastante perto deste
acampamento. Senão seremos convertidos em pele e ossos pela fome.
Seus frios olhos percorreram seu corpo, como se a tivesse imaginando
transformada em pele e ossos, criticamente analisando-a dos pés à cabeça duas
vezes seguidas, enfatizando exageradamente seu tamanho.
Achou ter visto um brilho de admiração em seus olhos, e ruborizou. Deus!
Tenho trinta anos e ele me faz ruborizar como uma adolescente virgem.
— Vai estar aqui quando eu voltar — pediu em voz baixa, rouca.
— E para onde eu iria? — explodiu ela zangada, tão irritada consigo mesma
quanto com ele por se deixar cair tão facilmente em sua sedutora armadilha. —
Vai voltar?
— Já sente minha falta, moça?
Salve-o, disse uma vez dentro de sua cabeça.
Rain não podia ter certeza de ser sua voz interior falando com ela ou um ser
sobrenatural. Mas não gostava disso.
— Por que se sobressaltou? — Selik lhe pergunto-lhe suavemente enquanto
dava um passo se aproximando, de maneira que ela pôde sentir o cheiro do
couro de sua camisa e seu aroma masculino pessoal. Seu hálito quente lhe
acariciou o rosto enquanto ele se aproximava ainda mais — Não é por estar
nervosa?
— Não. Só acho que Deus falou comigo — sussurrou assustada — e me
assustei.
— Não ouvi nada — seus olhos dispararam para o céu antes de baixarem
para olhá-la com ceticismo. — Você fala com Deus freqüentemente?
Ela negou com a cabeça.
— Não, nunca fiz antes de depertar aqui…
— ...para me salvar — terminou ele por ela, movendo a cabeça
negativamente arrependido. Em seus olhos havia um brilho quase
imperceptível de esperança, depois ficaram indiferentes. — Por que está
insistindo nessa história tola? Não acredito mais em Deus, e com certeza ele mal
me suporta.
— Você é cristão? — perguntou surpresa.
— Não. Oh, eu fui uma vez. Ao menos, o arcebispo Hrothweard me batizou
na igreja romana de Jorvik, como muitos noruegueses que praticam o
cristianismo com uma mão e as antigas tradições com a outra. De fato, sou um
covarde.
— Um covarde? — Rain tremeu ante o desprezo absoluto por si mesmo que
havia em sua voz.
Selik deu de ombros.
— A palavra mais ofensiva. É o maior insulto para qualquer homem, viking
ou saxão. Uma pessoa sem redenção.
Rain moveu a cabeça com energia.
— Agora é você quem se equivoca, Selik. Não estou completamente segura
do porque de Deus me mandar aqui, mas sei de uma coisa com certeza. Deus
acha que você pode se redimir.
Por apenas um segundo, Rain viu um brilho de esperança em seus olhos
prateados, mas a luz se extinguiu quase imediatamente deixando seus
desolados olhos cinzas indiferentes. E Rain soube que tinha que trabalhar
aquilo.
— Não acredito na eternidade — disse ele, percorrendo com os nódulos de
sua mão direita a linha de sua mandíbula em uma carícia leve — mas ainda
aprecio momentos de prazer. Agora que vejo seus méritos como curandeira,
talvez te mantenha ao meu lado por mais tempo. E talvez compartilhemos um
desses momentos. Ou dois. Na verdade, faz muito tempo que não sinto esses…
desejos.
Uma emoção doce percorreu Rain diante as arrogantes palavras de Selik.
Antecipação. Imaginação. Fantasia. Lutou com todas as forças pelo controle, e a
lógica ganhou.
— Não há como ser um prazer momentâneo — especialmente com uma
esposa envolvida. — Melhor reprimir esses desejos.
Selik simplesmente riu, depois teve o decaramento de dar um tapa em seu
traseiro que parecia querer dizer “espere e verá”. Indignada pela liberdade que
ele tomou, tentou bater em sua mão, mas ele já estava além do seu alcance.
Tomando as rédeas que Ubbi lhe dava, Selik colocou o pé esquerdo no estribo e
de um salto, montando na sela com a graça de um atleta.
— Aqui está Fúria — disse Ubbi, dando a ele uma espada impressionante, a
mesma com que Selik tinha lutado no campo de batalha. — A amolei para você.
— Fúria! Pôs um nome na sua espada? Isso é um crime! Seria a mesma coisa
de eu dar um nome a meu bisturi. Na verdade pensei nisso algumas vezes —
disse ela sem cansar, tentando entender suas emoções turbulentas. — O paciente
teria que ser muito agradável, não acha?
Selik a ignorou completamente.
— Obrigado, Ubbi, por amolar a lâmina. Você é meu braço direito.
Ubbi resplandesceu como se Selik tivesse lhe dado o mundo com esses
poucos elogios, e Rain passou a acreditar que podia haver um lado terno
naquele viking feroz.
— Mantenha as peles de minha cama quentes para mim — disse depois a
Rain, a tirando de qualquer espécie de elogios que tivesse guardado para ele.
Então ele segurou seu olhar e lhe piscou um olho malevolamente.
Rain disse uma palavra extremamente vulgar, uma que nunca tinha usado
antes, mas que de certo modo parecia apropriada agora. Pelo visto, era um
termo anglo-saxão que tinha persistido através dos séculos porque os olhos de
Selik se abriram com surpresa e compreensão perfeitas, e Ubbi exclamou em
estado de choque:
— Milady?
Selik riu sufocadamente enquanto punha o elmo de couro.
— Lembrarei desse sentimento, doçura.
Doçura!
Rain observou zangada como Selik partia, rindo, com seus homens. Apesar
da irritação e o fato de que esse guerreiro miserável e provocador tinha esposa,
o som da palavra, doçura, esquentou durante muito tempo seu coração.
Durante o resto do dia, Rain atendeu Tykir e uma dúzia de soldados feridos
que tinham ficado para trás. Seu trabalho terminou com uma dúzia de homens
mortos antes dos exércitos partiram aquela manhã. Levaram seus feridos com
eles em trenós e grosseiras tipóias. Logo ficou evidente por que os escoceses e
noruegueses tinham deixado seus soldados feridos com eles. Nenhum tinha
alguma possibilidade de sobreviver.
Entretanto, Rain trabalhou desesperadamente para aliviar a morte deles, se
inclinando finalmente para a acupuntura quando o Davon e as aspirinas
terminaram. Três deles morreram antes do anoitecer. Um quarto não veria a
manhã chegar.
A escuridão já tinha descido quando Rain abandonou a tenda, sabendo que
Tykir dormiria durante toda a noite. Colocara nele várias agulhas de
acupuntura em lugares estratégicos do corpo para aliviar a dor, e como
precaução ordenara a um dos soldados de Selik que ficara prender Tykir
firmemente à mesa para que não as movesse acidentalmente enquanto dormia.
Quando caiu cansada no chão perto da fogueira usada para cozinhar, Ubbi
deu a ela uma tigela do guisado que tinha sobrado da manhã e um pedaço de
pão preto seco. Para Rain, estavam deliciosos, e teve que se refrear para não
lamber a terrina de madeira.
— Quer mais?
Ela negou com a cabeça.
— Não, guarde o resto para quando Selik e seus homens voltarem —
repentinamente se deu conta de quanto tempo fazia que tinham partido e olhou
em volta do acampamento, inquieta. Mais duas pequenas fogueiras ardiam
intensamente onde os homens tinham colocado suas peles de dormir, e onde
alguns soldados vigiavam lugares-chave ao longe. Exceto Selik. — Selik já não
devia ter voltado?
Ubbi encolheu os ombros.
O que faria se Selik não voltasse? perguntou-se Rain, dando-se conta de
que, apesar da natureza vulgar e violenta, Selik era sua âncora naquele salto
através do tempo. Sem ele, com certeza mergulharia no… no quê? A morte? O
limbo? A reencarnação? De todas as escolhas possíveis, em nehuma momento
Rain considerou a possibilidade de voltar para o futuro. De alguma maneira,
suspeitava que tinha sido enviada a essa época do tempo com um propósito.
Para salvá-lo.
Rain gemeu por causa da voz em sua cabeça, duvidando até que fosse seu
subconsciente quem falava ou qualquer outra coisa. Oh, Senhor!
Te escuto.
Rain andou cambaleando e seus olhos se lançaram em torno da fogueira
onde Ubbi trabalhava esforçadamente, pondo as brasas em um canto e
limpando os utensílios.
— Não acho que é engraçado, Ubbi. Nem caí nessa.
— Anh?
— Oh, não se faça de inocente. Sei que estava se fazendo passar por Deus,
falando com aquela voz profunda.
— Deus? — disse Ubbi com um ofego. — O que te disse, anh, Deus?
Ela se levantou zangada e lhe lançou um olhar enquanto ele a olhava
estupidamente através da fogueira, boquiaberto e incrédulo. Era óbvio que ele
não dissera nenhuma maldita palavra.
— Devo ter me enganado — resmungou ela enquanto se afastava da
fogueira, dando a volta depois abruptamente e voltando. — Onde dormirei essa
noite?
Ele encolheu os ombros.
— Na tenda de campanha de milord, é obvio.
— Humph! Ele não tem idéias geniais. Na verdade, se você o vir antes de
mim, diga a ele que ponha suas mantas de dormir aqui, ao lado da fogueira.
Não tenho intenção de voltar a compartilhar sua cama.
— Mas por que? — perguntou Ubbi, aparentemente aturdido por alguma
mulher considerar menos que uma honra compartilhar a cama de Selik.
— Nunca durmo com homens casados.
Ubbi moveu a cabeça de um lado para outro como se tentando entender as
palavras estranhas.
— Homens casados? Mas quem… querida, parece que não compreendeu
minhas palavras antes.
— Oh, as entendi perfeitamente, mas não se preocupe com isso. Esse
problema é meu, e pode ter certeza de que o resolverei.
— Mas quer que eu diga ao meu amo que durma aqui, no lado de fora, e no
chão? — perguntou completamente assombrado, depois zombou — Me
esmagaria com seu escudo por essa sugestão.
— Falarei com ele sobre isso amanhã — o reconfortou ela. — Mas enquanto
isso, somente lhe diga... —agitou a mão no ar, procurando as palavras
adequadas. — Oh, somente lhe diga que ronca muito e não quero ser
incomodada.
Voltou a mudar de direção, sorrindo, apesar de si mesma, pelo baixo som
sufocado que Ubbi fez atrás dela enquanto ia para a tenda de campanha.
Um soldado lhe falou sobre um pequeno lago alimentado pela primavera
na extremidade mais afastada da clareira, há um quarto de milha de distância.
Procurou no baú de Selik até encontrar uma túnica verde de lã velha e limpa,
um pouco de sabão, e tecidos que serviriam como toalhas. Meia hora mais tarde,
apesar da água e do ar frio, sentou-se molhada com a água até os joelhos, depois
de ter ensaboado e enxaguado os cabelos e o corpo várias vezes e ter lavado
suas roupas íntimas, suas calças e sua blusa. Depois de se secar, pôs um pouco
de um vidrinho de amostra de “Paixão” atrás das orelhas e na base do pescoço.
Era incrível o que um bom perfume podia fazer pela auto-estima de uma
mulher. E era uma ligação com o futuro que de alguma forma precisava nesse
momento.
Quando voltou para a tenda de campanha de Selik, ele ainda não tinha
voltado. Mordeu o lábio inferior com inquietação enquanto punha suas roupas
molhadas sobre o baú de madeira. Resmungou sem parar enquanto andava pela
pequena tenda de campanha, pegando objetos, arrumando outros, esperando
que seu viking proscrito voltasse.
Finalmente, bocejou amplamente e decidiu que era uma idiota por
continuar esperando. Tirou a túnica quente de Selik e a dobrou cuidadosamente
aos pés da cama, usando sua calcinha e seu sutiã delicados, que já tinham
secado. Deslizando sensualmente entre as peles, rapidamente adormeceu.
Como na noite anterior, dormiu profundamente. Nenhum guerreiro
primitivo lutou violentamente em seus sonhos, mas logo seu sono ficou
inquieto.
Como em um vídeo de Michael Jackson no qual os rostos se passavam se
misturando fantasiosamente de uma personalidade a outra, o herói do sonho de
Rain tinh alternadamente o rosto de Daniel Day Lewis, Kevin Costner e Selik.
Principalmente a imagem de Selik, mas era um Selik que ainda tinha que
conhecer.
Nem as cicatrizes ou o nariz quebrado prejudicavam a pureza de seu rosto.
Tinha desaparecido as linhas que a dor e a fúria tinham gravado sem piedade
nos cantos de sua boca sensualmente cheia e seus olhos com íres prateadas. Este
era o viking maravilhosamente belo que sua mãe lhe tinha descrito antes de que
as tragédias da vida o transformassem.
Em seu sonho, o homem Daniel/Kevin/Selik se ajoelhou no chão ao lado da
cama de peles cheia de palha, usando apenas uma rudimentar tanga. Ele se
deitou sobre ela, sussurrando palavras suaves, e extranhamente ela era incapaz
de se mover, com os braços imobilizados nas laterais. Com cuidado, ele se
curvou e seus compridos cabelos loiros, como uma malha de fios suave como
teias de aranha, roçaram-lhe o braço nu. Ela estremeceu pelo choque elétrico que
tinha sentido com a simples carícia em sua pele nua.
— Tão bela — sussurrou ele enquanto os dedos calosos de suas fortes mãos
roçavam seus braços, dos pulsos aos ombros.
Todos os rostos e corpos se juntaram nesse instante e se converteram em
um, seu viking proscrito.
Rain ronronou levemente, o que causou um sorriso de aprovação em seu
amante. Sentiu-se bela, provavelmente pela primeira vez na vida. Nem muito
alta ou ossuda ou pouco feminina. Simplesmente perfeita. Podia ver a
admiração, e algo mais, nos ardentes olhos de Selik quando se travaram nos
seus em uma arquejante pulsação. A terra se inclinou embaixo dela e pareceu se
deter.
As pontas de seus dedos roçaram as bordas suaves de sua clavícula,
delicadamente, depois avançaram até a linha de seus lábios entreabertos. Ela
desejou se erguer e beijar aqueles lábios firmes, sensualmente sublimes, que sem
parar se moviam sobre ela, mas não conseguia se mover. Só sentir.
Ele afastou a mão um pouco e Rain choramingou:
— Por favor. Não me deixe.
Seus olhos cinzas se encheram de ternura, e com uma voz que parecia
chegar de longe, sussurrou suavemente:
— Nunca. Até o fim dos tempos, meu amor.
Em seu sonho a pele de seu amante brilhou com vislumbres palidamente
dourados à luz trêmula da vela. Os músculos ondearam em seus ombros fortes e
em seu peito enquanto movia as mãos para explorar seu corpo tenso. E, Oh,
Amado Deus, o sangue corria em cada um dos lugares que ele tocava com a
leveza de uma pluma, acendendo pequenas fogueiras de desejo que
despertavam seu interior.
As mãos dele deslizaram por seu rosto, por seu pescoço, através do vale
entre seus seios presos pelo laço do sutiã cor de carne, queimando no caminho
até seu abdômen. As palmas abertas de suas grandes mãos acariciaram os
planos macios de seu ventre, desenhando círculos invisíveis de vertiginoso
prazer.
Depois voltou a subi-las, muito lentamente, e suavemente tocou seus
rígidos mamilos, fazendo-a gritar alto ao chegar ao topo do prazer.
— Shhh, doçura. Devagar. Devagar.
Mas Rain estava muito além do pensamento racional, além de poder frear
sua paixão acelerada ao máximo, muito além de tudo o que já tinha
experimentado ou acreditado possível que uma mulher respondesse. Com
algumas carícias, aquele homem a tinha transformado em uma contorsionante e
choramingante massa de carne desesperada para se unir-se àquele viking de
sonho, àquele guerreiro proscrito.
Ela baixou o olhar e viu sua ereção através do tecido da tanga. E seu desejo
por Rain a excitou ainda mais. Desejou tocá-lo, mas seus braços permaneciam
nos lados, no sonho.
Como se suspeitasse que ela não tinha o suficiente, Selik roçou os suaves
montes de seus seios até o v em suas coxas. Colocando a palma de sua mão
contra a fenda sedosa, com os dedos indicadores entre suas pernas, pressionou
uma vez, duas, mais, ritmicamente, até que seu corpo explodiu em um milhão
de pedaços, no clímax mais intenso que ela já tinha experimentado.
Quando sua respiração finalmente se acalmou, Rain disse em um receoso
sussurro ao homem cujo rosto já não variava, mas era o de Selik, somente o de
Selik:
— Estive te esperando por toda minha vida. Agora sei porque fui mandada
para aqui.
Repentinamente os olhos de Selik se encheram de um intenso desejo.
— Nunca esperei voltar a te ver, Astrid.
Ao princípio, a mente de Rain se negou a captar o significado das palavras
de Selik. Mas então, através do rugido em seus ouvidos, escutou uma só
palavra, repetidas vezes, ecoando em seu cérebro atordoado pela paixão:
— Astrid! Astrid! Astrid!
A esposa dele.
Selik se levantou e deixou cair o tecido, extremamente confiante em sua
masculinidade. Se dispunha a se unir a ela nas peles da cama, para fazer amor
com ela. Não, não com ela, Rain se deu conta… com sua esposa.
Seus trêmulos olhos cinzas vidrados e nublados chamaram sua atenção, e
percebeu a desorientação, quase idêntica a de ontem, quando o vira no campo
de batalha depois de seu louco ataque de violência.
Oh, não! Rain despertou rapidamente e logo se deu conta de que não era
um sonho.
Seus olhos examinaram a área da tenda de campanha e viram a razão de
seu estranho comportamento. Sua túnica ensangüentada e sua espada estavam
onde ele as tinha deixado na terra, ainda molhadas com o sangue dos que sem
dúvida tinha destruído esse dia. Era o desejo de morte o que o levou a ela, não a
luxúria por seu corpo. E certamente não o amor. Isso aparentemente reservava
para a esposa que prendia seu coração.
Rendera-se por completo à sedução magistral de Selik, deixando todas suas
defesas cairem como nunca fizera antes, mas ele não a queria. Pensara que ela
era sua esposa. Sua garganta doía pela derrota, e não podia falar sobre seu
intenso senso de perda.
Bruscamente, Rain se levantou e se afastou de Selik. Seu rosto ardia de
vergonha por sua fácil capitulação. Consciente do humilhante escrutínio de
Selik, soube o instante em que a violência e a fúria substituíram sua paixão por
causa do vermelho intenso.
— Esse é o tipo de jogos que faz com os homens, os que mencionou ontem,
esses das paixões ruins? Fica quente, depois fria, com todos seus homens? Ou
só comigo? É uma dessas mulheres que sente prazer ao brincar com os homens?
—Não — negou ela, encontrando finalmente a voz. — Estava dormindo…
sonhando. Você se aproveitou de mim.
Ele bufou grosseiramente, pondo calças frouxas, e erguendo uma
sobrancelha zombeteiramente.
— Lady, seu calor de mulher virtualmente queimou todos os pelos de meu
corpo.
Rain ergueu o queixo com rebeldia, não se escondendo atrás de falsa
modéstia.
— Você está certo. Eu te quis. Por um momento de loucura. Até que me
lembrei.
— Lembrou o que?
— Que é casado, bastardo trapaceiro — explodiu ela, chegando a seu limite.
— Que tem uma esposa, Astrid, que provavelmente está em uma casa em algum
lugar rodeada por um montão de crianças. Que não quis fazer amor comigo.
Pensou que eu era sua esposa.
Rain afastou com um tapa as lágrimas que ardiam em seus olhos e tentou
dar meia volta, sem querer que Selik continuasse presenciando sua humilhação.
—Vá embora. Apenas me deixe só.
Se seguiu um longo silêncio, no qual Rain não ouviu o sussurro de tecido
que indicaria que Selik deixara a tenda. Finalmente, começou a girar levemente
para ver o que ele estava fazendo.
Estava no mesmo lugar de antes, cravando simplesmente seus olhos nela,
horrorizado.
—O que sabe sobre Astrid?
Selik estava confuso e desorientado. Estivera fora durante todo o dia. Tanto
sangue. E assassinatos. Os prisioneiros. Os gritos. Seu cérebro zumbia por todo
aquele horror, pela violência com a qual estava incomodado, intranqüilo após
todos aqueles anos.
Ele passou as mãos pelos cabelos e os puxou, duramente, para clarear a
cabeça.
A alta mulher loira se elevava ante ele como uma deusa majestosa, com
seus cabelos de ouro desarrumados, caindo por suas costas, sobre seus ombros,
acariciando os montes sob a peça íntima da cor de carne. E o fita que combinava
com o material mal ocultava sua feminilidade claramente delineando a suave
curva de seus quadris e sua cintura estreita e atraindo a visão para as pernas
que eram extremamente longas e atraentes.
Aquela não era Astrid, sua esposa pequenina com ossos pequenos e
delicadas formas, tímida. Não, Astrid tinha morrido, e aquela mulher, aquela
mensageira dos deuses, ou era o que ela dizia, era escultural, com músculos
firmes, voluntariosa… uma mulher que estaria ao lado de um homem, não atrás
de seu escudo. Era magnifica.
— Não, não é Astrid — disse ele, dando-se conta muito tarde de que havia
dito as palavras em voz alta.
A dor que tinha nublado seus belos olhos doces se transformou
rapidamente em afronta. Encolerizada, ela se abaixou para pegar uma túnica
dele que estava perto de seus pés, lhe dando por um breve momento, antes que
se endireitasse, uma visão melhor de seus tentadores seios que pendiam seguros
nas taças de seu sutiã. E sentiu que sua virilidade ficava mais rija.
— Não me olhe assim, sapo luxurioso.
Sua boca se fechou de repente, e vestiu bruscamente a túnica. Sem cinturão,
a roupa de lã de mangas curtas caía até seus cotovelos e o meio do quadril. Por
alguma estranha razão, ele gostava da idéia de que ela usasse sua túnica.
Poderia cheirar seu perfume no tecido? Gostava da idéia de usar algo que
também havia tocado sua pele?
Pelo sangue de Thor! De onde vinham aquelas idéias? Essa moça estranha,
ou qualquer outra, não me importa em nada.
— Vejo que esteve fora saqueando e voltando a saquear — grunhiu ela,
apontando para sua espada e suas roupas ensangüentadas perto da entrada da
tenda.
— Não saqueando — sorriu ele aberta e zombeteiramente.
— E acha que isso desculpa sua violência? Maldito militar! Assassino!
Você…
— Como ousa me provocar me condenando? Simplesmente tenho razões
para matar. Não faço nada que não tenha sido feito repetidas vezes ao meu
povo.
— Oh, como odeio a guerra e a luta e os homens que perpetuam o princípio
de que se têm que fazer as coisas pela força!
Selik não podia evitar ver as lágrimas que nublavam seus luminosos olhos,
embora ela piscara repetidamente, tentando ocultá-las de sua vista, como se o
ato de chorar para uma mulher fosse uma fraqueza. Que moça estranha!
— Vá dormir. Sua língua ferina faz minha cabeça doer — disse ele enfim.
Aquele tinha sido um longo dia, e sua cabeça, de fato, martelava. Um toque de
defuntos, pensou arrependido. Por ele, ou pelos outros teve que matar nesse
dia? Esfregou o rosto com a mão. Pelo martelo de Thor! A moça enche meu saco com
sua conversa sarcástica.
— Não passarei a noite na mesma cama que você — declarou
veementemente ela, elevando seu queixo em desafio. — Se esqueça disso,
destruidor, se acha que vai poder continuar de onde parou.
— O que te faz pensar que te desejo? — ele disse com voz dura. Sua ousadia
não tinha mais graça.
— Vá para o inferno. Melhor, vá para sua esposa, seu… adúltero.
A moça o pressionava muito. Não gostava de falar sobre sua esposa.
— Te perguntei antes, quem te falou sobre Astrid?
— Você falou.
Ele arqueou uma sobrancelha incrédulo.
O rosto dela ficou corado.
— Disse seu nome quando… quando… Oh, sabe muito bem quando.
O rosado de suas faces tinha se aprofundado.
— Só que nunca mencionei que era… minha esposa.
— Oh, que importa? Ubbi me contou.
Selik fico rígido de cólera.
— Ele não fez bem — disse com uma voz gelada que prometia vingança.
Dando-se conta de que poderia ter posto Ubbi em perigo, acrescentou
rapidamente:
— Não foi culpa dele. O chantagiei para que me contasse. E não haja com
ares de superioridade comigo… ou com Ubbi. É o único que engana sua esposa.
— Nunca enganei minha esposa.
— Hah! Então tem uma estranha definição sobre enganar. Eu chamo o que
fez de enganar, e sem dúvida digo que o que teve intenção de fazer era enganar.
Onde desenha a linha fronteiriça, senhor?
— Neste momento desenho a linha em sua língua afiada — disse ele,
cansado das imprudentes recordações a respeito de sua amada esposa. — Deite
nas peles da cama. Agora.
De novo, o desafiou tolamente. Quanto mais ele se aproximava, mais ela se
afastava, pelos limites da pequena tenda. Espreitando com um sorriso feroz o
animal indefeso, a presa que ela era. Quando ela estava junto à entrada da
tenda, a ponto de saltar para fora, ele saltou num bote, agarrando-a pela cintura
e levantando-a facilmente em seus braços.
Durante um momento, ela não lutou enquanto sua boca se abria em um
claro assombro.
— Você me levantou.
— Que inteligente de sua parte ter se dado conta.
— Mas sou muito grande. Nunca ninguém me levantou.
— Olhe de novo, doçura. Seus pés fazem cócegas em minhas coxas.
Voltou a lutar contra ele, chutando, arranhando, empurrando, em vão. Com
um braço sob suas longas pernas, apertou-a contra seu corpo com uma pressão
de aço. O outro braço envolvia seus ombros, imobilizando-a contra seu peito
com o rosto firmemente metido no vão de seu pescoço. Inalou com força a
essência de flores sedutora que emanava de seu pescoço, o mesmo aroma que
tinha notado no dia anterior quando a tinha perseguido pelo bosque.
Com três passos longos, andou até as peles de cama, abaixou-se com
agilidade sem soltá-la, depois a obrigou a se deitar junto a ele. Cobriu a ambos
com as peles da cama.
Com um grunhido, pôs uma perna sobre as dela. Obrigou-a a pôr a cabeça
sobre seu braço esquerdo e pôs seu braço direito sobre seu busto.
Quando finalmente deixou de lutar depois de chamá-lo com um nome
estranho, “Imbecil!”, o que suspeitava não ser um elogio, começou a saborear a
doçura de apenas segurar entre seus braços uma mulher outra vez.
— Que perfume é esse? — sussurrou ele, lhe acariciando o pescoço com o
nariz.
— Talvez seu aroma corporal — explodiu ela.
Ele riu sufocadamente.
— Não, é um aroma doce. Parecido com o das flores. É especialmente forte
aqui — percorreu com a língua o longo caminho até onde se movia seu pulso,
na base de seu pescoço.
Ela arquejou, e Selik sorriu contra seu pescoço, dando-se conta de sua
involuntária resposta. Como aquela mulher podia dizer que não desejava ser
parceira de nenhum homem quando respondia tão rapidamente ao toque de
um?
— “Paixão”.
— O quê?
— É “Paixão”, tolo.
— Aah, agora entendo. Algumas mulheres exalam um almíscar de paixão
quando seus corpos se preparam para transar. Só que nunca ouvi falar de
alguma que cheirasse a flores.
— Oh, imbecil! Na verdade você é um egoísta. “Paixão” é o nome de meu
perfume.
Durante um momento, Selik não entendeu. Depois riu.
— Realmente, você é impressionante. Zomba de mim por eu pôr um nome
em minha espada, e põe um nome em seu perfume.
Rain lhe deu uma cotovelada nas costelas e se meteu nas peles da cama,
bocejando amplamente.
— Todos os perfumes têm um nome em meu tem… país. Não é o mesmo
que pôr um nome em uma arma ou bomba… ou uma estúpida espada —
explicou ela, bocejando.
— Deixe de se mexer assim — sorriu ele, sabendo que ela se indignaria
pelas coisas impiedosamente maravilhosas que fazia a sua virilidade. — E tente
não se incomodar com meus roncos. Isso é o que disse a Ubbi, não?
— Ubbi fala demais.
— Realmente, ele fala.
Quando ela passou muito tempo quieta, Selik disse suavemente:
— Rain?
— Hmmm?
— Está acordada?
— Mais ou menos.
— Astrid está morta.
Ao princípio, seu corpo ficou tenso e silencioso. Não teve certeza de que ela
lhe tivesse ouvido. Na verdade, não soube porque havia sentido a necessidade
de lhe dizer a verdade, para se redimir ante seus olhos.
Por fim, ela girou entre seus braços e o olhou através da luz trêmula da
vela. Parecia procurar em seu rosto as respostas que ele não podia dar.
— Oh, Selik — sussurrou com uma voz tão suave que mal a escutou.
Depois ela pôs o rosto contra seu peito e pôs seus braços ao seu redor. — Oh,
Selik.
Pela primeira vez depois de doze anos, sentiu as brumas das lágrimas em
seus olhos, e adormeceu, curiosamente consolado.
Capítulo 5
Quaisquer sentimentos por Selik que Rain pudesse ter desfrutado após
descobrir que sua esposa estava morta se desvaneceram no segundo em que ela
saiu de sua tenda na manhã seguinte. Quinze prisioneiros se sentavam no chão,
trêmulos, perto da grande fogueira feita para cozinhar, com os pés e mãos
atados, cada um unido ao outro por uma longa trela de corda, como contas de
um colar.
Vários dos soldados de Selik os guardavam de perto com letais espadas
preparadas. Não que algum dos prisioneiros parecesse capaz de oferecer perigo.
Estavam esquálidos, mal vestidos para a fria manhã outonal, machucados, e até
bem feridos. Com razão o sangue tinha manchado a espada e as roupas de Selik
na noite anterior. Aparentemente, não tinha estado caçando unicamente algo
para comer.
E, Oh, meu Deus, havia três mulheres atadas na trela de corda também.
Eu o matarei. Juro, jamais tive um pensamento violento em minha vida, mas
matarei esse maldito viking por isso.
Rain examinou o acampamento inteiro, mas não havia sinal de Selik nem
dos soldados que tinha levado com ele ontem em sua expedição de “caça”. Os
lábios de Rain se franziram de desprezo, e apertou iradamente os punhos em
seus quadris.
— Ubbi, onde está seu senhor? — Rain exigiu saber imperiosamente
quando investiu sobre o fiel servo, que estava mexendo uma bebida
horrivelmente mau-cheirosa sobre o fogo. Fosse o que fosse cheirava como se
tivesse grudado no fundo do caldeirão, e uma grande quantidade de óleo
flutuava na parte de cima. Maravilhoso! Guisado de animal esquartejado.
Ubbi ergueu o olhar e lhe perguntou agradavelmente:
— Dormiu bem ontem à noite, minha senhora?
Rain grunhiu impaciente ante sua incapacidade de responder sua pergunta.
— Voltou ao campo de batalha — manifestou a contragosto.
Essa não era a resposta que Rain esperava.
— Para quê?
— Para sepultar seus mortos.
Rain bufou ruidosamente, exasperada.
— Ele está completamente louco? Seus homens estão mortos. Não há mais
nada que possa fazer por eles.
Ubbi deu de ombros.
— O amo se culpa por levar os homens ao combate quando não tinha visto
corvos antes.
Rain se esforçou para permanecer calma.
— Ubbi, do que está falando?
— Bem, é algo sabido que quando há corvos por perto, os vikings serão
vitoriosos. E não se viu um só corvo durante todo o dia anterior nem durante o
Grande Combate — bateu no peito, como se estivesse compartilhando uma
grande sabedoria.
Rain bufou desdenhosamente.
— Que monte de superstições tolas!
— É verdade — insistiu ele obstinadamente.
— Isso não tem importância. Como pôde deixar que Selik voltasse ao
campo de batalha? Não estava preocupado com ele? Com certeza os Saxões
ainda guardam aquele lugar. Poderia ser assassinado — Rain não tinha certeza
por que ainda se importava com esse assunto. Afinal de contas, com certeza ela
mesma o tinha procurado com instinto assassino há pouco.
— É desonroso para um Viking deixar que os abutres façam um banquete
com as vísceras de seus companheiros caídos — lhe assegurou.
— E é honrável tomar prisioneiros? E maltratá-los tão horrivelmente? —
grunhiu Rain, fazendo um gesto com a mão para os presos próximos, que a
olhavam silenciosamente através da fogueira.
Os olhos nublados de Ubbi se ergueram para ela com surpresa.
— Não há desonra em tomar escravos depois da batalha. Os Saxões, com
toda certeza, pegaram uma quantidade eqüivalente de escoceses e Vikings
depois do Grande Combate. Pode ter certeza disso.
— Mas o que fará com eles?
Ubbi curvou seus ombros cheios de erupções.
— Talvez possam valer algum resgate para os Saxões, embora eu duvide, é
um lote sem valor.
Rain ergueu as mãos enojada.
— Oh, só me dê sua faca para eu mesma poder libertar os prisioneiros.
Ubbi retrocedeu um pouco, mantendo fora de seu alcance a afiada lâmina
que vinha usando para cortar o que pareciam ser vários coelhos esfolados.
— Não, não posso.
Um guardião ruivo, um homem com um enorme peito que parecia um
barril e que cestia uma túnica de couro e um desalinhado manto de peles, olhou
ameaçadoramente para ela.
— Qual é seu nome? — exigiu-lhe saber com mais auto-confiança da que
sentia.
— Gorm — grunhiu ele, erguendo-se ominosamente sobre ela, com uma
espada muito afiada em uma mão. O fétido aroma de carne sem lavar e o mau
fôlego assaltaram Rain, mas resistiu a retroceder nem um passo.
— Solte essas pessoas imediatamente.
O gigante com forma de urso sorriu zombeteiro.
— Não é condenadamente provável.
— Estou lhe dizendo isso, Worm1.
— Não é Worm, mas Gorm — a corrigiu com voz gelada, e deu um passo
se movendo para mais perto, tocando a lâmina com a mão.
— Sim, bem, Gorm, quero que esses prisioneiros sejam libertados. E quero
que seja agora mesmo.
Ele riu sufocadamente com zombaria e lhe deu um rude empurrão.
— Volte para a tenda de seu amo e mantenha as peles do leito quentes.
Você mesma é pouco mais que uma escrava. São apenas suas habilidades na
cama que a impedem de estar no mesmo lote que essas pessoas.
Rain olhou para Ubbi em busca de ajuda.
— Diga a esse imbecil que não sou uma escrava.
1
Trocadilho intraduzível entre os nomes de Gorm e worm, verme em inglês. (N.R.)
Para sua consternação, Ubbi baixou a cabeça, culpado, e murmurou:
— Bem, é mais uma refém que uma escrava.
— Ubbi! Pensei que fosse meu amigo.
Seus olhos se arregalaram como se estivesse se perguntando de onde ela
tinha tirado tal idéia. Afinal de contas, só a conhecia desde o dia anterior.
— Escrava ou refém, não importa para mim — declarou com desprezo
Gorm, lhe dando outro tranco, dessa vez mais forte. — Eu mesmo posso arar
seu traseiro magro.
— Não se atreveria.
— Não? Melhor que permaneça fora de meu caminho ou vai descobrir. De
qualquer modo, vá à tenda de seu amo, ou te prenderei com os outros
prisioneiros até seu senhor retorne.
— Não será preciso — argumentou Rain desafiante. — Eu mesma o farei.
Rain andou orgulhosamente até a linha de prisioneiros e se sentou no fim,
atando a extremidade da corda em seus tornozelos em um simbólico nó de
prisão. Ubbi ofegou e Gorm ficou boquiaberto, revelando que lhe faltava um
dente da frente. Rain não pôde evitar se sentir nobre, era como a vez em que ela
e seus companheiros pacifistas se prenderam à grade da Casa Branca para
protestar contra o incremente dos gastos militares.
— Gawd! É uma maldita idiota? — A corpulenta mulher próxima a ela se
moveu para tão longe dela como a corda permitiu.
— Não, sou médica e… — o tom amarelado da pele da mulher atraiu sua
atenção então, e lhe perguntou com interesse — Durante quanto tempo está se
sentindo doente? Talvez possa ajudá-la — Rain sabia que a cor da pele podia
indicar algo tão sério como um tumor ou um transtorno do fígado, ou apenas
uma deficiência em vitamina K, facilmente curável.
Os olhos da mulher se arregalaram horrorizados.
— Me afastem dela. Uma curandeira! Oh, Senhor, deve ser uma bruxa ou
uma feiticeira. Me ajudem! Provavelmente tem o olho do demônio.
Gorm se plantou firmemente e bateu nos dois lados da cabeça da mulher,
fazendo com que caísse fracamente no chão, onde gemeu alto.
Rain começou a protestar, mas ele sacudiu um imundo dedo diante seu
rosto.
— Se comporte, moça. Pode divertir o amo até que seu membro caia, mas se
não fechar a boca, te prenderei sobre a fogueira como a bruxa que essa feia velha
te acusa de ser.
Ubbi a estava olhando, com os olhos arregalados de consternação.
— Senhora, volte à tenda. O amo não gostará disso.
— Não. Se eu sou uma prisioneira, não quero ser tratada diferente de todo o
resto.
Ubbi ergueu os olhos para o céu.
Durante quase meia hora, Rain se sentou entorpecidamente em rigoroso
silêncio no chão frio, tremendo a cada vez que o vento soprava. Mesmo com a
túnica de lã de Selik jogada sobre suas calças e blusa de seda, começou a sentir
calafrios.
Enfim, aborrecida, seus olhos começaram a vagar por seus companheiros
prisioneiros. Inalou com força quando se depararam com um jovem Saxão, que
estava caido totalmente inconsciente contra a mulher que estava ao seu lado.
Gotejava-lhe sangue de uma profunda ferida do ombro onde sua armadura de
couro tinha sido cortada.
— Ubbi, venha e ajude a esse homem — gritou alarmada. — Precisa que
suas feridas sejam curadas.
Ubbi deliberadamente a ignorou, continuou com o olhar sobre a carne dos
coelhos mortos. Seu rosto vermelho delatava o fato de tê-la ouvido e escolhido
não lhe responder.
— Gorm, solte esse homem da corda e leve-o à tenda hospital para que seja
atendido.
Gorm, o insolente bastardo, lançou para seu lado um feio sorriso e cuspiu
no chão perto de seus pés.
Rain mordeu o lábio inferior, incapaz de ignorar um paciente que precisava
de sua ajuda tão desesperadamente. Finalmente, ficou em pé, irritando a mulher
que estava a seu lado, que ainda se encolhia de medo, e se queixou:
— Bem, se ninguém mais vai ajudá-lo, eu o farei — desamarrou as cordas
dos tornozelos e foi à tenda pegar seu exíguo estojo de primeiros-socorros.
Ubbi sufocou a duras penas uma risadinha de diversão ante a estranha
interpretação de prisão dela. Ela o olhou até ele baixar a cabeça, mas não antes
de que a sacudisse admirando suas bobagens.
Rain afrouxou as cordas do jovem, que mal parecia ter saído da
adolescência, e o ajudou a caminhar para a tenda. Apesar dos protestos do
guarda do hospital, logo ele teve o ferimento de espada limpo e suturado. Não
era tão grave como tinha pensado no começo.
Tentou acalmar seu paciente enquanto costurava o corte de dez centímetros
de comprimento.
— Como se chama?
— Edwin.
— De onde é, Edwin?
— De Winchester — respondeu ele cautelosamente.
— Lutou na batalha do Rei Athelstan?
Assentiu lentamente, como se não tivesse a certeza de poder confiar nela.
— Por que não voltou para Wessex com o rei e suas tropas?
— Porque fui um maldito imbecil — grunhiu. — Voltei para o
acampamento e por minha mulher, e ela não queria viajar no escuro. O escuro!
Agora temos muito mais a temer que a escuridão.
— Tenho certeza que tudo vai ficar bem assim que Selik voltar — lhe
assegurou ela.
— É a mulher do Proscrito? — perguntou, afastando-se um pouco dela.
— Não, o ajudei a escapar do campo de batalha e…
— Ajudou aquela besta a escapar?
Rain enrijeceu.
— Não chame Selik de besta. Eu não gosto.
O lábio superior do homem se curvou desdenhosamente.
— Falo sério, Edwin. Ele não é mais besta que você ou qualquer outro
homem.
Os olhos do Edwin se entrecerraram especulativamente enquanto a
estudava quando prendeu o fio e cobriu sua sutura com uma atadura limpa de
linho.
— Viu alguma vez um homem depois de um gentil Viking lhe arrancar o
couro cabeludo? Só uma besta arrancaria o couro cabeludo de um homem. E te
garanto que um homem tão cruel como o Proscrito não é diferente de outro
maldito Viking.
A princípio, Rain não podia entender o que Edwin queria dizer. Logo
ofegou e as lágrimas se acumularam em seus olhos.
— Está mentindo. Selik nunca faria algo tão desumano.
— Sério? — a fúria fez com que o imundo rosto de Edwin se transformasse
em uma feia máscara. — Quero que saiba, minha senhora, que será melhor que
a besta me mate, e logo, porque prefiro morrer a ser um escravo dele.
O guarda, cujos limites de tolerânica já tinha sido ultrapassados há muito,
não permitiria que o prisioneiro permanecesse na tenda com outros homens
feridos. Aturdida, Rain o guiou de volta ao seu lugar na cadeia de corda.
Quando ia voltar a prendê-lo a pedido de Gorm, Edwin a agarrou e lhe torceu o
corpo para puxar seus braços para trás das costas e com os dedos da mão direita
lhe agarrou a garganta, a estrangulando.
— Não se mova, mulher — advertiu, lhe apertando a traquéia até que ela
caiu de joelhos por falta de ar. — Não hesitaria em te matar imediatamente, se
não fosse porque ao meu entender seu amo te deve um favor. Talvez me libere
em troca de sua vida.
— E a sua mulher? — perguntou-lhe, baixando o olhar para a jovem que
ainda estava amarrada perto de seus pés, olhando com horror Edwin e ela.
— As do tipo de Blanche se safam por elas mesmas. É uma moça ardilosa
com talento para a cama. Não duvido que logo terá outro protetor — disse
depreciativamente, ignorando o grito de protesto de Blanche.
— E chama Selik de besta?
Edwin apertou de novo, e Rain perdeu durante um segundo os sentidos.
Um momento depois, escutou um agudo grito atrás dela, e Edwin soltou as
garras de seu pescoço. Mas teve só um momento para perguntar por que,
quando ele caiu sobre suas costas, arrastando-a ao chão. Quando Rain o afastou
de um empurrão e baixou o olhar viu um machado de batalha incrustado na
nuca de Edwin. Emanava sangue da ferida, e era óbvio mesmo antes de tomar
seu pulso que morrera imediatamente.
Clamou em voz alta
— Por Deus! Aterrissei em um manicómio da Idade das Trevas.
Olhou para trás de si para ver quem tinha lançado o machado, e se
surpreendeu ao ver Ubbi com as pernas separadas em posição de batalha e as
mãos nos quadris. O gentil duende se transformara em um feroz guerreiro. O
rosto do homenzinho estava nublado pela fúria, mas perguntou com gentileza:
— Senhora, está ferida? — ela sacudiu a cabeça, confusa e desorientada por
tudo o que lhe tinha acontecido momentos antes. Sangue fora derramado por
sua culpa, e precisava aceitar esse horrível pensamento.
— Foi sua maldita culpa — comunicou iradamente Gorm a Ubbi. — Nunca
devia ter soltado esse bastardo. Todos os saxões são iguais, desonestos até a
medula.
— O que esperava que fizesse, seu bruto? — lhe censurou Rain. —Estava
desesperado, e era sua única oportunidade de fugir.
Tanto Gorm quanto Ubbi a olhavam como se estivesse louca.
— Ele teria te matado — disseram ambos ao mesmo tempo.
— Isso não é desculpa — argumentou Rain, suas palavras soando pouco
convincentes mesmo para ela.
— Bem, graças aos deuses, você está a salvo — replicou Ubbi. —por que
não volta agora à tenda e descansa depois dessa dura experiência?
Rain viu que os prisioneiros a contemplavam com temor reverencial e
sacudiu a cabeça.
— Não, não posso.
Para mortificação de Ubbi, voltou a se sentar e prendeu de novo cordas
frouxamente em torno de seus pulsos. Gorm murmurou:
— Maldita fulana — enquanto arrastava o corpo de Edwin para além das
árvores, ordenando a alguns homens que o enterrassem — além disso, o mau-
cheiro do sangue Saxão arruína meu apetite.
Isso fez Rain lembrar que não tinha comido desde o dia anterior. Olhou o
heterogêneo grupo que compartilhava sua corda e compreendeu que
provavelmente eles tampouco tinham comido, e há muito mais tempo.
— Tem que alimentar essas pessoas — gritou para Ubbi, que tinha voltado
para o fogão. Este continuou assobiando despreocupadamente enquanto fazia
suas tarefas domésticas como se não tivesse acabado de matar um homem.
Sem levantar o olhar, contestou:
— O amo não deixou instruções para que os prisioneiros fossem
alimentados.
— Isso é ridículo. E se ele não retornar? — o coração de Rain se afundou
ante a recordação de suas anteriores preocupações por Selik. Tinha um montão
de recriminações para ele e muitas perguntas que precisavam de respostas, mas
não podia se imaginar vivendo sem ele. Que incrível, pensou, inclinando a
cabeça impressionada, que pudesse ter sentimentos tão intensos por um homem
que acabava de conhecer. Forçando-se a se concentrar no presente, acrescentou
—Quero dizer, e se não voltar até a noite?
Ubbi encolheu os ombros com indiferença.
Rain sacudiu a cabeça chateada ante sua difícil situação, logo murmurou
uma obscenidade em voz baixa, se soltou de novo de suas amarras e irrompeu
na área da fogueira usada para cozinhar.
As sobrancelhas de Ubbi se elevaram com diversão enquanto comentava
secamente.
— É assim como tomam prisioneiros em suas terras? Os prisioneiros podem
se prender e se soltar à sua vontade?
— Feche a boca, idiota.
Ele soltou uma risadinha e continuou cortando os ossudos coelhos, logo os
jogou formando uma pilha a seus pés
— É isso tudo o que tem? — perguntou, franzindo o nariz com desgosto
quando se inclinou sobre o caldeirão.
— Sim — respondeu timidamente. — Não sou muito bom na cozinha, mas
ninguém mais se encarrega da tarefa. Talvez você pudesse…
— Impossível! Eu não cozinho.
— Bom, que assim seja então — disse Ubbi, apontando o pestilento
caldeirão de sopa. — Queimou o fundo quando o fogo ficou muito forte.
— Cheira como o inferno.
Ele lhe sorriu.
— Sabe por acaso como o inferno cheira, já que vem do céu?
Rain fez um vulgar som de desgosto.
— Só perguntei. Não há necessidade de ser grosseiro. Talvez pudesse dar
essa lama aos prisioneiros para que possa de alguma maneira limpar a panela
para o jantar — apontou para a pilha de carne e ossos de coelhos a seus pés.
Sem outra escolha, Rain repartiu parcamente o conteúdo da panela em duas
terrinas de madeira e as levou alternadamente aos prisioneiros que eram
forçados a segurá-las com as mãos amarradas e beber nelas. Nenhum se queixou
da horrivel gororoba, estando muito famintos para se importarem e
perguntando-se se provavelmente seria sua última refeição.
Quando terminou, Rain ajudou Ubbi a esfregar o caldeirão perto do lago
com areia grossa. Logo voltou aos prisineiros e se aproximou de Blanche, a
mulher que estivera com Edwin.
— Sabe cozinhar? — perguntou-lhe gentilmente, sensível à tristeza da
jovem. Mas Blanche não parecia nem um pouco dolorida pela morte de seu
amante quando percebeu a possibilidade de um momento de alívio em sua
prisão.
— Sei, sim, senhora — respondeu de boa vontade. — E o coelho é minha
especialidade. Se me deixa colher algumas ervas naquelas árvores, sob guarda, é
obvio, posso fazer uma saborosa panela de guisado que agradaria até um rei.
Rain sinceramente duvidava, mas preferia tudo à culinária de Ubbi. Quase
não lhe custou convencer Ubbi que estivesse de acordo em dar a Blanche uma
oportunidade.
Rain ficou agradavelmente surpresa várias horas depois ao descobrir que
Blanche não tinha mentido. O guisado de coelho era espesso e saboroso, com
cebolas selvagens, cenouras e cogumelos, para não mencionar umas poucas
especiarias que não reconheceu. Blanche se aliviou, sabendo que ao menos por
um tempo sua pele estava a salvo.
Os olhos de Gorm brilharam com interesse lascivo quando Blanche se
inclinou sobre a fogueira. Rain lhe lançou um olhar que dizia claramente, Não se
atreva. Ele fez uma careta e lhe rebateu com um desafiante olhar lascivo
desafiando-a silenciosamente, Tente me deter.
Selik voltou ao acampamento tarde da noite, cansado de corpo e alma. Se
esquivar do guarda saxão que patrulhava o campo de batalha tinha requerido
um estado de alerta que Selik e seus esgotados companheiros não tinham, ainda
estando sem descanso da batalha.
Tinham enterrado tantos amigos ou conhecidos quanto puderam localizar,
uma tarefa horrível sob as melhores circunstâncias, uma tortura para a mente
quando tinham que lutar com os abutres carniceiros por suas presas. Os olhos
dos mortos eram a primeira coisa a serem devorados, algo particularmente
delicioso para os bestiais pássaros, sem dúvida, e Selik e seus valentes homens
se detiveram para vomitar numerosas vezes ante a visão de tantos corpos cegos.
Sem mencionar a carne meio devorada. Ou o mau-cheiro. Oh, Deus, o mau-
cheiro! Todo o tempo, lobos e outros predadores circundavam o campo,
esperando que partissem.
Por isso, Selik não estava em seu melhor aspecto quando entrou em sua
tenda, tirou suas botas de couro trançado e a armadura, e se deixou cair nas
peles do leito sem tirar a túnica. Levou apenas um minuto para se dar conta de
que a estranha mulher que tinha proclamado ser seu anjo da guarda tinha
sumido.
— Ubbi!
O homenzinho abriu a porta da tenda tão logo suas pequenas pernas
conseguiram atravessar o acampamento, onde tinha posto as peles de seu leito.
— Me chamou, senhor?
Selik soltou um palavrão e Ubbi se encolheu.
— Onde ela está?
— Quem? — Ubbi trocou o peso do corpo de uma perna para outra,
incômodo, sem querer confrontar seu olhar interrogativo.
— Sabe condenadamente bem de quem falo.
— Com os prisioneiros, meu senhor. Mas não por minha culpa. Nem pela
de Gorm — acrescentou rapidamente.
Selik suspirou alto e se forçou a não sacudir seu fiel servo. Cuidadosamente,
espaçou cada palavra ao falar.
— Por que ela está com os prisioneiros?
— Porque diz que é uma pacifista
— Pacifista?
— Sim, os pacifistas são contra todas as lutas, até…
— Malditos sejam os pacifistas!
Ubbi lhe lançou um enviesado olhar condenando a interrupção, e
continuou.
— Disse que era uma pacifista, e que se eu ou Gorm não soltássemos os
prisioneiros, então ela também queria ser uma prisioneira.
— Ela é uma prisioneira.
Ubbi levantou o queixo desafiante.
— Não, ela é uma hóspede. Isso é o que disse a ela. E há uma diferença,
meu senhor.
— Sim, é uma valiosa hóspede por suas habilidades médicas. Quero-a de
volta à tenda, onde possa guardá-la para que não fuja.
Ubbi ergueu uma sobrancelha com incredulidade ante seus motivos.
— Não me deitei com a garota — disse, curiosamente na defensiva.
— Eu disse que fez? — replicou imediatamente Ubbi, levantando as mãos
no ar, contestando.
— Bom, sei o que está pensando.
— Bom! Deus também fala com você? Está agindo tão mal como a moça —
disse Ubbi com uma trejeito convencido que irritou Selik ainda mais.
— Traga a donzela aqui — grunhiu.
Ubbi se afastou dele dando um passo atrás.
— Não, eu não, senhor. Ela já ameaçou me bater hoje. Melhor que a traga
você mesmo.
Olhando com o cenho franzido, Selik se dirigiu aos prisioneiros presos.
— Por que te ameaçou com danos físicos se é tão pacifista?
— Porque matei um dos prisioneiros, aquele rapaz arisco que estava
fazendo aquelas ameaças ontem à tarde.
Selik parou e olhou seu servo, que raramente se envolvia em lutas. Sabia
que Ubbi devia ter tido boas razões para matar um valioso escravo.
— Por quê?
— Estava estrangulando a senhora.
— Rain? — um terror gelado atravessou Selik ante as palavras ditas
despreocupadamente por Ubbi. Por que se sentia desolado ante a perspectiva de
perder uma simples donzela que tinha conhecido apenas no dia anterior?
Ubbi assentiu.
— É melhor que se prepare para a maior surra verbal de sua vida. Está
imensamente zangada com você.
— Bem, não estou com humor para ouvir suas reclamações irritantes sobre
o tema da escravidão essa noite. Talvez devesse encher sua boca mordaz com
um trapo e me aliviar em seu corpo até que esteja muito cansada para se queixar
de mais nada.
Ubbi fez um som que parecia cético, questionando a sabedoria de tal plano.
A lua cheia e as fogueiras do acampamento forneciam suficiente luz para
Selik ver os prisioneiros, que estavam na terra, a maioria deles dormindo.
Alguns o olharam com atemorizados olhos arregalados enquanto ele passava.
Teria que encontrar algumas roupas mais protegidas para o sarnento grupo pela
manhã ou nunca poderiam fazer a árdua viagem a Jorvik. E comida, seus
homens teriam que encontrar mais caça para engordar suas ossudas figuras, ou
não conseguiriam nada dos traficantes de escravos.
Selik achou finalmente a problemática moça no final da fila, encolhida como
uma bola, tremendo de frio mesmo enquanto dormia. Notou que tinha furtado
uma de suas túnicas de lã, embora não servisse de proteção contra os ventos
outonais. Em vez de estar zangado por seu roubo, sentiu uma estranha
satisfação de saber que sua túnica acariciava sua carne, como um pobre
substituto de seus braços.
— Maldição! — murmurou em voz alta. — A moça está me fazendo tão
idiota como um rapaz inexperiente ansioso por sua primeira transa.
Os olhos de Rain se abriram lentamente quando a voz de Selik entrou em
sua consciência. Ainda desorientada pelo sono, não protestou a princípio,
quando ele se inclinou e desatou os frouxos nós em seus pulsos.
— Pelos ossos de Deus! Grande prisioneira é, quando pode entrar e sair de
seus nós com tanta facilidade.
— São simbólicas — disse sonolentamente, e bocejou amplamente,
esquecendo de cobrir a boca com educação. Mas então se deu conta do sorriso
dele e franziu o cenho, tentando afastá-lo.
— São símbolos de quê? — perguntou, endireitando-se e olhando-a quando
ela se sentou e moveu os ombros. Sem dúvida, tinha conseguido algumas dores
por dormir sobre a dura terra. Um castigo bem merecido por sua cabeça-dura,
decidiu
— De meu protesto por seu feito bárbaro — seu rosto endureceu de repente,
quando pareceu totalmente acordada.
Ele elevou uma sobrancelha interrogativamente e cruzou os braços sobre o
peito. Até sua dura carne estava começando a sentir o frio.
— Que feito bárbaro?
— Capturar escravos, é obvio — gemeu. — Como pôde? Apesar de eu ódiar
a violência, posso entender que algumas pessoas podem justificar como
autodefesa. Mas tomar escravos fora do calor da batalha, bem, isso não é
civilizado.
— Não tenho que me defender diante você nem qualquer pessoa. E não
entende a civilização, harpia, se acha que os Vikings são os únicos que
consideram os prisioneiros um butim da guerra. É universal. Não sei de
nenhum país nem de ninguém que condene a prática.
— Mas, o que sabe dentro de seu coração?
Sua pergunta deixou Selik perplexo. Devia ter uma resposta simples, mas
não pôde formar as palavras que o defenderiam.
Um som sussurrante desviou então sua atenção, e Selik se deu conta de que
sua conversa tinha despertado todos os prisioneiros, que escutavam
atentamente o que devia parecer uma estranha conversa. Com um grunhido de
desgosto, inclinou-se e levantou a problemática moça.
Rain ofegou abruptamente pela surpresa de seu rápido movimento, mas
antes que pudesse protestar, ele colocou o rosto dela contra seu pescoço,
envolveu com um braço de aço suas agora esperneantes pernas, apertando-as
contra seu quadril, e lhe imobilizou ambos os braços contra o corpo
circundando-a com seu braço direito.
Selik sabia que Rain se considerava muito grande para que qualquer
homem a levantasse do chão, e estava encantado de que continuasse se
enganando. Fingiu dar um passo em falso e quase cair. Ela parou de lutar
imediatamente.
— Se não comesse tanto, poderia deixar de crescer.
— Argh! Me desça.
— Não, acho bom o exercício depois de um longo dia cavalgando. É quase
como levar meu cavalo.
Ela parou de repente, e lhe perguntou com voz fraca:
— Selik, onde está seu cavalo?
Surpreso por sua pergunta, respondeu hesitante:
— Está cercado com os outros cavalos perto do lago. Por quê?
— Me levaria para ver Fury? Por favor. É importante para mim.
Selik deu de ombros. Não via mal em deixá-la ver o animal. Além disso,
poderia aproveitar para tomar um banho rápido no lago. Pois lembrava, que seu
alforje com sabão e tecidos, estava no chão perto dos cavalos, onde o tinha
deixado. Mas não queria ceder tão logo.
— E por que o faria? O que me dará em troca desse favor?
Sentiu-a enrigecer imediatamente.
— Não tenho nada para dar.
— Oh? Não acho. Pode prometer calar sua língua de harpia. Ou jurar não
fugir — lhe ocorreu um imobilizante pensamento delicioso. — Ou...
— Ou?
— Ou poderia me beijar por vontade própria — sussurrou roucamente
enquanto lhe acariciava os cabelos com o nariz. Ainda cheirava a “Paixão”, o
perfume que usara no dia anterior. E ao seu próprio e doce aroma.
— Ora! Te dei muito mais do que beijos ontem à noite.
— Sim, mas não realmente por sua própria vontade, já que estava
adormecida. E, segundo minha lembrança, não houve beijos — com certeza
lembrava muito mais que aquilo.
Como era estranho, pensou, que a houvesse tocado tão intimamente e não a
tivesse beijado. Se houvesse realmente pensado que era sua esposa morta com
quem fazia amor em seu louco estado, por que não tinha provado seus lábios?
Talvez não estivera tão confuso quanto ambos pensavam. Podia ser que
soubesse exatamente quem estava em suas peles, mas subconscientemente
quisesse negar a traidora atração.
— Um beijo? Um beijo é tudo o que você quer?
Ele assentiu, soltando sua presa agora que tinham chegado ao lago. Ela
deslizou sensualmente para baixo em seu rígido corpo até que ficou em pé
encarando-o, à distância de apenas uma respiração, mas sem tocá-lo.
— E então vamos conversar?
Ele assentiu uma vez mais em silêncio, incapaz de se mover diante o feitiço
de sua prisioneirante proximidade. Devia ser mesmo uma feiticeira para
enfeitiçá-lo desse modo.
Rain pôs as mãos em seus ombros e se ergueu. Ele sentiu seu doce hálito
sobre os lábios antes que ela fechasse os olhos e roçasse seus lábios gentilmente
contra toda a extensão dos dele, como se saboreando aquela leve carícia. Mas o
efeito foi poderoso, aflitivo.
Ela gemeu.
Ele se conteve rigidamente, lutando contra o rugir do sangue em sua
cabeça, contra o selvagem batimento de seu coração. Era apenas um beijo.
— Selik — sussurrou implorante contra sua boca.
Moveu as mãos de seus ombros à nuca, acariciando os tensos músculos. E
se aproximou mais. Peito contra peito. Coxas contra coxas. Quadris contra
quadris. Masculinidade contra feminilidade.
Selik gemeu. Não pôde conter-se.
E ela moveu de novo os lábios, com mais firmeza desta vez, modelando,
encaixando. Mordeu levemente seu lábio inferior, e a seguir o sugou
suavemente. Ele ofegou de puro e absoluto prazer, e ela aproveitou a
oportunidade para deslizar a ponta da língua entre seus lábios. Uma breve
incursão. Tão rápida que podia pensar que tinha sonhado
E ela lhe dizia que não desfrutava particularmente dos assuntos ligados à
cama! O que faria se estivesse realmente excitada?
Selik se sentiu enrijecer e aumentar contra seu suave corpo. Bastava de
jogos e brincadeiras! Envolveu-a com os braços e a apertou com mais força
contra seu corpo. E tomou o controle do beijo.
Logo, colocando uma mão de cada lado de seu rosto, inclinou o rosto dela
para cima, à brilhante luz da lua, e notou com extrema satisfação os olhos
sonolentos e entrecerrados, os lábios úmidos e levemente entreabertos. Com
abandono delicioso, percorreu o contorno de seus lábios com a polpa do
polegar, e logo fez o mesmo com a ponta da língua.
Ela separou os lábios ainda mais, e parou seu coração. Esfregou-se
sedutoramente para frente e para trás contra ele, deixando ambos escorregadios
com os sumos de seu mútuo desejo. Pressionou com força, querendo tudo dela,
logo suavizou para um beijo leve como uma pluma, e com força de novo. Não
tinha o suficiente dela. Seu sabor era um afrodisíaco ao qual não podia resistir.
Quando o desejo inundou suas veias, não pôde resistir mais e deslizou a
língua na acolhedora bainha que era sua boca. A sugou, e sua rigidez sofreu um
espasmo como ato reflexo contra ela.
Uma maçante voz interior advertia Selik de que as coisas estavam
progredindo muito rápido. Esse intenso e maravilhoso desejo que não sentia há
tantos anos, talvez nunca, terminaria abruptamente quando derramasse sua
semente se não fizesse mais lento aquele jogo amoroso. retirou-se lentamente,
com relutância, e disse com áspera voz:
— Rain, vai me devorar com seu doce calor. Devemos nos acalmar um
pouco para que possamos saborear mais o prazer — ela se moveu contra ele em
protesto, e ele a reteve com firmeza. —Não, carinho, quero te amar por toda a
noite, e não suportarei um momento mais se não parar de me torturar.
— Eu? Te torturar? Não, não sou eu quem está ardendo — sussurrou
roucamente.
E Selik quase chegou ao clímax.
Pôs as mãos em seus ombros, e a manteve firmemente afastada. Logo fez
um áspero som nas profundezas de sua garganta quando notou a turva
sensualidade de seus olhos meio entreabertos e a inchada vermelhidão de seus
lábios. Lábios devorados por seus beijos, pensou com desmesurada satisfação.
Pelo sagrado Thor!
Obrigou-se a se inclinar e pegar seu alforje, que tinha deixado perto do lago
antes, e empurrou o aturdido e obviamente excitado corpo dela para a borda do
lago. Antes que ela pudesse adivinhar suas intenções, deixou a bolsa cair,
levantou-a do chão, e entrou no lago até que suas águas geladas chegaram à
metade das coxas. Então se sentou com ela ainda entre seus braços.
Ela arquejou.
Segurou-a com firmeza.
— Fique sentada, carinho. Nós dois precisamos esfriar nosso sangue quente
para a longa noite que temos pela frente. Além disso, estou cheirando como
Fury, e sem dúvida te impregnei com meu aroma.
— Selik, está gelada.
— Shh. Eu sei. Apenas agüente.
Quando fez o que lhe pedia sem seus habituais questionamentos nem
desafio, tirou-lhe a túnica, a camisa e os calções, os sapatos e a sensual roupa
íntima que tinha uma abotuadura secreta entre os seios. Ela ficou nua e
tremendo diante ele. Magnífica. Os cabelos dourados até a cintura. Longas
pernas. Quadris esbeltos. Seios altos e firmes. Como todas as suas fantasias de
como seria uma deusa Viking.
— Não se mova — ordenou asperamente, achando difício conservar o
fôlego. Deve ser o frio, disse a si mesmo.
Rapidamente, voltou ao alforje e tirou um pedaço de sabão e alguns panos
de linho, e a seguir tirou todas as roupas. Quando voltou, ela ficou no mesmo
lugar, escrutinando seu corpo tão intensamente como ele tinha feito com o seu.
— É tão formoso — sussurrou.
— Não, não mais. Deve estar cega — mas não pôde evitar que um sorriso
lhe suavizasse a boca.
— Minha mãe tinha razão. Parece um deus nórdico.
Selik maneou a cabeça diante a coincidência de seus pensamentos.
— Pode ser que o destino tenha decidido então que você seja a deusa para
este deus. Venha — ele a encorajou, e lhe ensaboou então todo o corpo dos
ombros às pontas dos pés, parando aqui e ali para mostrar sua apreciação em
cada lugar delicioso que descobria. Quando ensaboou as mãos e massageou as
duras pontas das esferas de seus seios, pressionando-as contra sua palmas, ela
ofegou guturalmente.
— Jamais, jamais, desejei um homem tanto como a você.
Selik queria zombar de suas palavras, mas o inexplicável prazer que elas lhe
trouxeram paralisou sua garganta. Sem palavras, estendeu-lhe o sabão, e ela lhe
devolveu o favor, ensaboando seu corpo. Suas delicadas mãos de cirurgiã
aliviaram gentilmente seus músculos e deram calidez a sua pele, mesmo às
partes geladas. Quando começou a fazer brincadeiras em sua masculinidade, ele
a parou a contragosto.
— Não, não posso suportar tanta pressão.
O sabão caiu entre eles, e Selik a atraiu uma vez mais para seus braços.
Seus corpos encharcados em sabão se moveram sensualmente um contra o
outro, e ambos sorriram.
— Oh — disseram em uníssono, e sorriram de novo.
Selik esfregou seu torso contra seus seios ensaboados e se regozijou quando
ela arqueou o pescoço, fechou os olhos, e se apertou com major força contra ele.
— Perco as forças por você — sussurrou.
— Basta! — deixou-se cair na água, arrastando-a com ele e enxaguou
impulsivamente o sabão de seus corpos, então a empurrou para as margens,
onde pegou um manto de pele que tinha deixado ali fazia pouco tempo, e a
envolveu nele, mas não antes de morder e beijar todas as sensíveis curvas de seu
delicioso corpo.
Ela suportou docilmente, erguendo o olhar para ele, excitada ao ponto da
inconsciência. Ele não estava em melhores condicões.
Selik retirou a água de seus cabelos, sacudindo-se como um cão peludo, e
logo pôs um braço em torno dos ombros de Rain, empurrando-a contra seu
flanco. Começou a caminhar para a tenda, sem se preocupar com sua nudez,
levando-a com ele.
Quase tinham passado pela zona onde os cavalos estavam cercados quando
Rain parou subitamente e sacudiu a cabeça como se quisesse clareá-la.
— O cavalo — disse com voz repentinamente fria. — Prometeu que eu
poderia ver seu cavalo.
Confuso por sua repentina mudança de humor, Selik assentiu com a cabeça
e a guiou até Fury, que relinchou suavemente em boas-vindas quando Selik lhe
acariciou a crina.
— Onde está a sela? — perguntou-lhe com voz estranhamente aguda.
— O que te preocupa, querida? — perguntou-lhe Selik, alarmado de
repente.
— Só me mostre sua sela.
Ele apontou para um lugar próximo e olhou com os olhos entrecerrados
como achava sua sela, inclinava-se para examiná-la, e logo se deixava cair de
joelhos. Pôde ver que estava chorando pelo sacudir de seus ombros.
Inclinando com espanto a cabeça, se aproximou.
— Me diga — urgiu ele, se deixando cair ao seu lado. Apesar de sua pele
nua, não sentia frio.
— Isso — disse ela sufocadamente. — Você os arrancou?
Viu a meia dúzia de couros cabeludos pendurada no arção da sela de
montaria e ficou rígido. Por todos os infernos! Tivera a intenção de destruir
aquelas coisas vis. Na verdade, nem sequer se tinha dado conta de que as
pegara durante sua desenfreada fúria daquele dia até quase estarem de volta ao
acampamento. Embora muitos de seus companheiros vikings pegassem couros
cabeludos depois de cada batalha, ele nunca tinha feito antes. O horror da
carnificina que presenciara devia ter revoltado sua mente. Mas recusou se
justificar ante a moça santarrã.
— Sim, é o behaettie, um nobre costume nórdico para evitar que nossos
inimigos entrem nas portas do céu.
Ela sacudiu a cabeça, em negação, e balançou para frente e para trás sobre
seus calcanhares, soluçando silenciosamente.
— Não é uma visão bonita, eu sei, mas não é pior que os troféus saxões. Eles
esfolam os Vikings vivos e prendem suas peles nas portas de suas Igrejas.
— Os homens violentos sempre encontram desculpas para sua bestialidade
— disse cansadamente, o olhando agora diretamente nos olhos. A tristeza de
sua condenação o gelou como nem a água gelada nem o ar frio conseguiram
fazer.
Ele tiritou e a dor sempre presente em sua alma perdida se abateu sobre ele
como uma nuvem de inverno.
Capítulo 6
Desanimada, Rain cambaleou sobre seus pés, segurando com força o
pedaço de pele ao redor de seu corpo nu. Tremeu, mas não de frio. Sua mente
titubeou diante o choque do horrível espetáculo dos couros cabeludos humanos
pendurando na sela de Selik.
Oh, Deus! Esse homem... Esse homem que de algum modo estava se voltando tão
importante para mim; não só toma vidas humanas, mas também guarda lembranças de
sua depravação.
Selik ficou em pé diante ela, nu e sem demonstração de arrependimento,
com sua cabeça inclinada de maneira inquisitiva. As tranças molhadas de seus
cabelos voaram levemente enquanto secavam na brisa da noite. Mesmo com a
luz da lua, ela podia ver que sua horrorizada reação diante os couros cabeludos
tinham transformado seus formosos olhos, que momentos antes estavam
luminosos de paixão, e retornavam à sua habitual expressão cruel.
Brevemente, seus olhos examinaram seu corpo de amplos ombros, além das
mãos apertadas em punhos sobre os estreitos quadris, seu estômago plano, seus
bem formados genitais, suas robustas coxas e pantorrilhas e seus pés nus.
Sacudiu a cabeça sobressaltada por sua beleza e pelo fato de que não se
importasse que ele fosse um animal magnífico. Porque essa era a palavra-chave,
animal. Ele era, de fato, um animal ferido.
— Sim, sou uma besta. Te preveni do fato, mas insistiu que poderia me
salvar — a voz de Selik soou densamente com desdém e auto-reprovação.
Rain não se dera conta de que dissera as palavras em voz alta, mas talvez
fosse melhor que Selik soubesse exatamente como ela se sentia. Não que isso
mudasse algo. Um homem que podia fazer uma coisa tão horrível era
irredimível.
Quem é você para atirar pedras? Perguntou uma voz na cabeça de Rain.
Fechou os olhos com cansaço, temendo vacilar à beira de um colapso nervoso.
Há algo bom em cada homem, somente tem que querer ver.
A mente de Rain oscilou ante a confusão. Aquela perfeita experiência de
viagem no tempo era provavelmente apenas uma invenção de sua imaginação.
Estava certamente sentada em algum Monty Python 1 do tipo instituição mental
com uma clássica camisa-de-força. Com um psiquiatra do tipo de Jack
Nicholson ao alcance da mão. Sim, tinha sentido. Toda aquela coisa Viking era
1
Comédia televisiva inglesa.
só uma fantasia. Não, um pesadelo. Pôs uma mão sobre sua boca para sufocar
uma tola risadinha histérica.
Selik suspirou com desgosto ante sua estranha distração. Ela lhe dirigiu um
olhar furioso que esperava ter a mesma dose de repugnância. Logo começou a
andar na frente dele, de volta para a linha de prisioneiros. Tinha que se afastar
do bárbaro para pensar.
Selik a agarrou pelo antebraço quando ela passou, detendo-a.
— Aonde pensa que vai?
— Não... me... toque — apertou os dentes ao dizer as palavras
espaçadamente. — Nunca... mais... me... toque.
Ele liberou seu braço e voltou um pouco para trás. Os músculos se
esticaram em sua mandíbula, sobressaindo-se, e disse com voz de aço:
— Os reféns não dão ordens.
Rain de de ombros abatida.
— Eu era uma tola por pensar que era algo mais. Era uma tola por pensar
que poderia te mudar.
Oh, um pouco de confiança!
— Pare — lançou um grito, pondo uma mão em sua dolorida cabeça
enquanto mantinha unidas as bordas da pele com a outra mão.
— Parar o que?
— Não me dirigia a você — resmungou. — É a maldita voz em minha
cabeça.
Selik quase pareceu divertido, mas o sorriso não alcançou seus frios e
impassíveis olhos.
— Deus outra vez?
— Sim. Não. Oh, não sei. É só provavelmente minha consciência ou algo
assim.
— Guarde sua consciência para pessoas que importam. — Comentou
desdenhosamente. — Ou para alguém que seja redimível. Eu não sou.
— Oh, cale-se. Não pode ver que tive bastante por um dia? — não fazendo
caso dele intencionadamente, começou a andar para os prisioneiros, logo parou
de repente e se dirigiu para a tenda de Selik. Acabava de se dar conta de que
precisava de roupas mais abrigadas.
Quando seus pés nus entraram em contato com a terra fria do caminho,
resmungou.
— Por Cristo! Serei a única médica no mundo com calos nas plantas dos
pés.
Um breve tempo depois, estava plantada ao lado de uma das arcas de Selik,
procurando uma túnica e umas perneiras “calças”, como Selik as chamou. As
usaria até que suas roupas secassem. Quando ergueu o olhar o viu se apoiando
contra a abertura da tenda, apesar de tudo seus olhos se arregalaram, o coração
deixou de pulsar, ao vê-lo gloriosamente nu.
Rain mal suprimiu um gemido. Me dê paz, Deus. Você não joga limpo.
— Agora rouba? — ele perguntou com secura, olhando as roupas em suas
mãos.
— Preciso de algumas roupas secas. Você pode ser insensível ao frio, mas
eu não vou dormir com o traseiro ao relento aí fora, sobre a terra fria.
— Tem razão. Você não vai dormir lá fora, sobre a terra fria.
Quando a implicação de suas palavras foi assimilada, Rain virou a cabeça e
ergueu os olhos para ele incredulamente.
— Não pode pensar que eu dormiria com você agora. Tem alguma idéia de
como me zanga? De fato, eu mesma me zango por ter permitido que suas mãos
me tocassem tão intimamente quando... quando… — ofendeu, incapaz
encontrar palavras para descrever suas atrocidades. Finalmente, esclareceu com
um dar de ombros cansado. — Sinto-me desonrada.
Rain o viu apertar fortemente a mandíbula, mas seus olhos não deixaram
revelar nenhuma emoção.
— Desonrada ou não, vai compartilhar minha cama de peles.
Ficou em pé furiosamente, mantendo seu manto de pele unido com uma
das mãos e uma túnica e um par de calças na outra.
Ergueu uma mão para fazê-la se calar.
— Não, não pense em me desafiar nisto. E, escute isso, moça, não tenho
nenhum desejo de ficar excitado esta noite. Mas se alguma vez o ardente desejo
me atingir em um momento de loucura, será minha decisão que vai ganhar, não
a sua.
— Então seria um estupro. Mas por que isso deveria te incomodar, com a
besta que é? Isso é só um pecado a mais a acrescentar a sua lista, e um menor,
acho, em vista de suas outras atrocidades.
Ele deu de ombros com desdém.
— Ah! — disse ela finalmente com exasperação, sabendo que era inútil
discutir com um bruto insensível. — Vire-se para que possa me vestir.
Não moveu um músculo, só cravou os olhos na parte de trás
insolentemente.
— Não, vai continuar a maneira Nórdica. Não usamos roupas na cama.
Pode usar minhas roupas pela manhã, mas não na cama de peles.
Com um grunhido incrédulo, deixou cair a capa de pele e deslizou para
baixo das peles da cama que estava sobre a terra, mas não antes de notar como
os olhos de Selik devoravam seus frios e erguidos mamilos. Uma leve contração
ao lado de sua boca anunciava, alto e claro, que sua nudez o afetava.
Castigando-se mentalmente por um rubor de prazer momentâneo diante
seu escrutínio apreciativo, Rain se afundou profundamente sob as peles,
ocultando seu ruborizado rosto do olhar muito observador de Selik.
Quando ele apagou a vela e deslizou para dentro, atrás dela, Rain se moveu
tão longe quanto pôde para que seus corpos não chegassem a se tocar. De
qualquer maneira, ela sentiu o calor de seu corpo e imaginou que seu hálito
quente fazia cócegas em suas omoplatas.
Despertou um pouco antes da alvorada e descobriu que girara e que estava
agradavelmente deitada em seus braços, sua face pressionava os pêlos sedosos
de seu peito; uma de suas pernas cruzada intimamente por cima das dele.
Durante um longo momento, ficou imóvel, sentindo o batimento de seu estável
coração contra seu ouvido, e em meio a sua letargia admitiu algo que não
poderia estando totalmente acordada. Não odiava aquele homem, não
importava o que ele fizesse ou planejasse fazer. Ela somente não podia odiá-lo.
Tinha que ajudá-lo, mas como?
Quando os raios de luz começaram a delizar pela abertura da tenda, Rain se
afastou com cuidado dos braços de Selik e saiu da cama de peles. Rapidamente
se vestiu com as malhas de Selik, indiferente ao fato de que eram uns quinze
centímetros mais longas e faziam volumes nos tornozelos. A túnica de lã era
muito grande, mas parecia quente e cheirava fracamente a uma nem um pouco
desagradável pele masculina, a mesma que aspirara a noite inteira.
Gorm estava postado perto dos prisioneiros, sentado dormindo com a parte
de tras de sua cabeça apoiada contra um tronco de árvore. sentou-se mais reto,
mas não a interrompeu quando ela procurou algo dentro dos utensílios que
Ubbi usava para cozinhar perto da fogueira. Quando finalmente encontrou o
que procurava, deu a volta estoicamente e se dirigiu aos cavalos.
Deveria conseguir dois pares daquelas asas de anjo, Senhor.
Selik dormiu a manhã até passar a alvorada, os ferimentos dos últimos dias
em seu corpo e mente finalmente o alcançando. A problemática moça estava
ausente de sua cama, mas aquilo realmente não o surpreendeu. A insensata
feiticeira não prestava nenhuma atenção a suas ordens e despreocupadamente
fazia o que gostava.
Selik se arrepiou quando pensou na dura condenação de Rain sobre sua
posse de cabeleiras na noite anterior. Ela o tinha chamado de Besta. Bem, de fato
ela tinha razão. Mas afinal de contas, a moça era crítica em tudo o que fazia.
Agia como se ele fosse um gatinho travesso e ela sua proprietária. Ah! Melhor
faria se tomasse cuidado ou descobriria que tinha um tigre em seus domínios
que ela seria o delicioso pedaço que ele jantaria. Selik riu de sua própria
brincadeira mental.
De fato poderia repetir a ela mais tarde, mas tinha dúvidas de que
entenderia a piada. Sobretudo se seu humor não tivesse melhorado durante a
noite. Selik emergiu da cama de peles, imaginando que ainda conseguia cheirar
a tentadora “Paixão” de Rain. Sacudiu a cabeça admirado com a estranha
mulher que tinha entrado em sua vida. Fazia só três dias? Parecia que sempre
conhecera. E que criatura tão estranha ela era! Imagine, pôr nome em um
perfume! Punha nome em seus sabões também? Perguntou-se, sorridente. Ou em
seus pentes?
Selik bocejou enormemente e coçou o peito enquanto vestia um malhas
limpas e uma túnica azul escura. Colocou um cinto amplo engastado em prata
na cintura e uns braceletes grossos que Astrid lhe dera uma vez sobre a parte
superior de seus braços, acariciando afetuosamente com o indicador o fino
trabalho gravado.
Ele se aproximou da fogueira da cozinha onde a jovem moça saxã que tinha
feito prisioneira mexia uma panela. Ela tirou várias fornalhas de pão chato para
fora das brasas e as pôs em uma rocha para que esfriassem. Por ter ignorado as
cãibras de fome de seu estômago vazio durante muito tempo, pegou um dos
pães e o jogou de uma mão a outra para esfriá-lo mais rapidamente.
Não disse nenhuma palavra à criada que trabalhava silenciosamente.
Tampouco comentou sobre sua liberação da corda dos prisioneiros. Assumiu
que Ubbi tinha deixado de boa vontade suas tarefas de cozinha a ela.
Separando um pedaço do excelente pão branco, comeu avidamente
enquanto se dirigia aos cavalos, onde Ubbi repartia em pequenas quantidades a
preciosa comida que ele havia trazido a noite passada.
— Encontraram Sveinn? — perguntou Ubbi, elevando a vista para ele
enquanto trabalhava.
Selik assentiu com a cabeça.
— E Ragnor?
— Sim, e Tostig, Jogeir e Vigi, também— respondeu cansadamente.
— Foram todos enterrados?
— Estão todos enterrados. Era o melhor que podíamos fazer. A cerimônia
do fogo teria atraído muitos saxões sobre nossas cabeças. Como se fosse... —
suas palavras morreram, mas não precisava terminar. Ubbi tinha estado com ele
tempo suficiente para saber que muitos saxões tinham vindo e morrido em suas
mãos mais de uma vez.
— Com todo respeito, meu senhor, isto tem que parar.
— Homem tolo, sou o senhor de ninguém. Sou um covarde manchado de
sangue.
Ubbi inspirou bruscamente ante o choque desse auto-insulto extremo. E,
bom Senhor, as lágrimas brilharam nos olhos de Selik. Lágrimas! Estavam todos
perdendo o juízo?
— Não me importa o que digam — disse Ubbi com veemência. —Você é tão
nobre quanto o melhor deles. É uma luta em que se equivocou ao jogar uma
pedra fundamental cheia de ressentimento em seu caminho. Embora se fará da
melhor maneira. Apenas lamento.
— Pedras cheias de ressentimento! Melhor, penhascos! — depois olhou em
torno. — Onde se esconde meu anjo guarda até agora?
Ubbi lhe lançou um olhar culpado, logo evitou seus olhos.
— Ah, divino Thor! Agora o que foi?
— Acho que deveria reprimir melhor o braço direito da Fúria 2, mestre. Me
parece um carrapato irritado.
— Onde está?
2
Da Mitologia Clássica: Monstro com três cabeças de serpente que perseguia os criminosos impunes.
Chamavam-se Alecto, Megera e Tisiphone.
— Quem?
— A serva de Deus! Quem demônios acha?
— Realmente pensa que o Senhor a enviou?
— Não, penso que Loki está me fazendo uma grande brincadeira ao enviar
Rain para que me incomode.
Ubbi pareceu ferido, logo jogou um olhar em todas as direções para se
assegurar de que não fossem ouvidos por acaso antes de lhe contar em um
sussurro cheio de pavor.
— Achei uma pena em sua cama de peles ontem quando arrumei sua tenda.
Selik franziu o cenho ao pensar. Não podia ver a relação entre a descoberta
de Ubbi e Rain.
— Não vê, mestre? Sem dúvida veio de suas asas, que esconde de nossos
olhos mundanos.
— Ah, pelo amor de Freya — Selik gargalhou, incapaz de acreditar na
ingenuidade de Ubbi.
Quando estava enxugando a as lágrimas de riso de seus olhos um momento
mais tarde, Selik notou que Rain se ajoelhava sob uma árvore no outro lado do
pequeno manancial; parecia cavar um buraco.
Ubbi pôs uma mão no braço de Selik quando se dispunha a ir.
— Mestre, não seja duro com ela. Não entende nossos costumes.
Selik olhou o rosto preocupado de seu leal criado e se retesou. Rain tinha
tramado algum problema outra vez, sem dúvida, e o homem tolo tentava
protegê-la de sua ira.
Sem outra palavra, Selik girou sobre seus calcanhares e abriu caminho até o
corpo que se ajoelhava. Quando ficou mais perto, viu que sua cabeça estava
inclinada em uma atitude piedosa e que resmungava algumas palavras em voz
alta; algo sobre que o Senhor era seu pastor e que se deitava em seus pastos. Um
monte de sujeira recente estava diante ela.
Era uma espécie de ritual religioso? Ou tinha roubado algum objeto de
valor de sua tenda para escondê-lo até sua fuga?
Exasperado, Selik a agarrou pelo antebraço e a atirou a seus pés. A pequena
pá de suas mãos soou com estrépito na terra ante o brusco movimento. A boca
de Rain se abriu pela surpresa.
— Ah! Me assustou.
Então, como se houvesse voltado a memória a lembrança do persistente
aborrecimento contra ele, lutou para evitar seu apertão.
— Que demônios está fazendo?
Ela ergueu o queixo de modo desafiante e evitou responder.
— Te fiz uma pergunta — disse ele com frieza, apertando seu aperto na
parte superior do braço até um ponto doloroso.
— Responda ou juro que quebrarei seu braço.
Viu as lágrimas brotarem em seus olhos, uma mescla de dor e orgulho
ferido, mas não se preocupou. O tinha pressionado além dos limites de sua
resistência.
— Planejava fugir ?
Seus olhos se arregalaram de surpresa.
— O quê?
— Eram minhas moedas de ouro o que enterrava, ou uma faca afiada, para
te ajudar em sua fuga?
— Não, estúpido bruto, estava enterrando seus mortos.
Seu suspiro saiu com rapidez em uma sonora exalação, e Selik a liberou. As
impressões de seus dedos já tinham machucado sua suave carne.
— Que mortos? — disse sufocadamente. — Certamente meus homens
enterraram o prisioneiro que Ubbi matou ontem.
Lhe lançou um olhar incrédulo.
— É o homem mais idiota que jamais encontrei. Pensa seriamente que
poderia ter cavado um buraco grande o bastante para sepultar um homem do
tamanho de Edwin com esta pequena pá?
Ele olhou a pequena escavação terminada e se deu conta de que, na
realidade, não pensara com clareza. Se freie, disse a si mesmo. Não permita que
suas emoções controlem sua cabeça. Pense.
— Me diga então — disse mais tranqüilamente.
Ela sustentou fixamente seu olhar, seus doces olhos cintilantes com o
desafio.
— Estava enterrando os... —engoliu em seco várias vezes antes de
continuar — Os couros cabeludos que pegou ontem. — seus olhos cintilaram de
modo desafiante enquanto esperava sua habitual explosão de zanga.
Os couros cabeludos. A maldita bruxa está tentando se opor ao behaettie.
Deus, ela não deixa nunca de me surpreender.
— Ah, sério, feche a boca, Selik. É realmente deselegante.
Fechou seus frouxos lábios de uma vez com desgosto ao ser pego olhando
estupidamente.
— Essas palavras que estava recitando... Eram um encantamento? —
perguntou ainda cético.
A princípio, suas sobrancelhas se franziram de desconcerto. Logo ela riu;
um claro som surpreendentemente agradável que se transmitiu através do
espaço aberto. Ele viu Ubbi erguer esperançosamente a vista de seu trabalho
com os cavalos, como se agradecesse que ainda não tivesse lhe cortado a cabeça.
Maldito Inferno!
— Estava fazendo algumas orações, Selik — finalmente explicou com
suavidade. — Orações cristãs para o enterro.
— Rezaria pela salvação de meus inimigos? — perguntou glacial.
— Rezaria por qualquer um, Selik. Até por você. Sobretudo por você.
— Guarde suas orações. Não tinha nenhum direito de pegar o que me
pertence. Ou enterrar sem minha permissão.
Por Thor! A mulher devia ter a coragem de um guerreiro experiente para
ter manejado os objetos sangrentos. E enfrentar sua temível fúria.
— Fiz o que tinha que fazer. Vai me castigar?
— Quer ser castigada?
— É obvio que não. Mas tive muito tempo para pensar sobre tudo isso do
princípio ao fim enquanto roncava a noite inteira.
— Não ronco — Mesmo? Ninguém jamais o fizera notar antes.
Seus formosos lábios se moveram nervosamente nos cantos quando tentou
sem êxito esconder um amplo sorriso.
— Como um urso.
Afastando-se da estranha tumba, com a mão Rain indicou a Selik que a
seguisse.
Surpreso de que lhe desse ordens, estava igualmente incrédulo de tal
maneira que a seguiu como um manso cachorrinho. O passo seguinte seria lhe
lamber o rosto. Aaah! Agora levantava algumas possibilidades interessantes. Sorriu
abertamente, apesar de sua irritação. Depois balançarei meu rabo. Prorrompeu em
uma risada sufocada de auto-mordacidade ante essa esperança.
— O que é tão engraçado?
— Você. Eu. Minha vida.
Rain inclinou sua cabeça de forma inquisitiva e se deixou cair de todo perto
do pequeno lago. Deslizou suas longas pernas sedutoramente delineadas pelas
malhas em toda seu glorioso comprimento, de modo que seu queixo descansava
em seus joelhos e seus braços estavam envolvendo suas pantorrilhas.
Ele teve dificuldade para engolir com sua seca garganta.
Deslizando para baixo ao lado dela, descansou suas costas contra uma
árvore. Não muito perto. Sua proximidade o desarmava poderosamente e devia
permanecer alerta com a moça ardilosa.
— Selik, parece que não tenho outro remédio a não ser estar aqui com
você , mas temos que chegar a um acordo.
Esperou que se explicasse.
Ela lambeu os lábios com a ponta da língua como se cogitasse suas idéias; e
ele lembrou como se sentira dentro de sua boca ontem noite. Involuntariamente,
seu corpo traidor se sacudiu em um premente conhecimento.
— Quero que me prometa que nunca, jamais tirará o couro cabeludo de
outra pessoa outra vez.
Sentou-se reto.
— Não tem nenhum direito de me fazer exigências.
— Não estava exigindo — o corrigiu. — Observe que pedi. Mas com mais
amabilidade, acho.
— Por que eu deveria parar?
— Bem, desejo que pare só porque te pedi, mas é óbvio que minha opinião
não é o bastante importante para você.
Ela ruborizou quando ele deixou passar aquela impressão. Na realidade, ela
estava se voltando muito importante.
— Selik, praticava semelhante barbárie quando Astrid estava viva?
Atirou-se imediatamente sobre ela, permanecendo em cima de seu corpo.
Ela não fez uma pequena careta de dor.
— Não, não fiz, mas eu era um homem diferente naquele tempo. Tinha uma
alma. E um coração. Agora não tenho nenhum dos dois. Tampouco os quero.
Ela pareceu ferida por suas palavras. Maldito Inferno! Por que ela se
preocupava tanto?
— Selik, eu gostaria de fazer um pacto com você.
— Espero sua petição. Mal posso esperar para ouvir o que tem a oferecer.
— Se você prometer que jamais escal... escal... bem, voltará a fazer essa coisa
horrível outra vez, prometo que nunca tentarei fugir.
Ele a observou com receio.
— Então estava planejando fugir?
— Não, isso não é o que eu disse — explodiu com impaciência —Mas eu
poderia se quisesse; ao final das contas — disse, movendo seus cílios — tenho
Deus ao meu lado.
— Pensei que negou ser um anjo.
Ela afastou o olhar com ar de culpa.
— Sim, bem, jamais saberá, não é?
Estava mentindo através de seus dentes. E tão mediocremente que não
podia olhá-lo nos olhos ou esconder o rubor de vergonha em suas formosas
faces.
— Ubbi encontrou sua pena na cama de peles — indicou com humor seco.
— Minha pena?
— Ele pensa que é de suas asas. Já sabe, as asas que pode abrir ou esconder
sob sua pele à sua vontade.
Ele sorriu abertamente ante a surpresa de seu rosto intrigado.
Então ambos puseram-se a rir.
—Bem, concorda com minha oferta? —perguntou finalmente.
Selik realmente odiava o behaettie, e sempre o deixava doente. Mas mais
ainda, detestava sua fúria enlouquecida da manhã do dia anterior quando tinha
visto os corpos meio corrompidos, cego aos corpos de seus bons amigos caídos
no campo de batalha como se fossem lixo.
— De fato, o que promete exatamente?
— Nunca tentarei fugir.
— E se divergir de algo que faça no futuro? — perguntou ceticamente.
Ela ergueu uma sobrancelha tristemente.
— Baterei em sua cabeça ou te darei algo de minha mentalidade, mas não
partirei.
— Isso é importante para você, não é?
— Sim. Oh, sim — disse, fechando os olhos brevemente antes de falar. —
Quando era uma menininha, meu irmão Eddie era um soldado. Foi assassinado
em uma luta que mais tarde até o governo admitiu que foi inútil.
— E foi quando se tornou uma paci... pacifista?
Concordou com a cabeça.
— Mais tarde me tornei médica e comecei a trabalhar em um hospital do
centro da cidade. Os assassinatos e as mutilações que esses jovens de gangues
inflingiam uns aos outros é um poderoso argumento contra a violência.
— Mas algumas confrontações não podem ser evitadas — discutiu ele.
— Pode ter razão sobre isso. Não sei. Mas voltando ao tema da fuga. Se
fizer isso por mim, ao menos sentirei que dei um pequeno passo para te ajudar.
É importante para mim, Selik.
— Então concordo. Enquanto estiver comigo, não pegarei mais behaettie.
Rain apertou os lábios outra vez pensativamente.
— Sobre os prisioneiros...
— Não brinque com sua sorte.
A envergonhada moça só deu de ombros, como se não devesse culpá-la por
fazer a tentativa.
— Bem, temos um trato então. — sorriu amplamente, e o coração de Selik se
comprimiu de forma estranha em seu peito, logo pareceu expandir-se
rapidamente. Não gostou da sensação.
Ela levantou-se e lhe ofereceu sua mão de lado, a palma aberta. Ele
contemplou-a, aturdido. Queria que a segurasse?
Ela pareceu entender seu desconcerto e explicou:
— Em meu tem... meu país, estreitamos as mãos quando fechamos um
acordo. Como este — colocou sua palma direita contra a dele e fechou os dedos
de ambos levemente no aperto, logo lhe mostrou como sacudir vivamente para
cima e para baixo. Mas tudo em que Selik podia se concentrar era no intenso
choque de prazer gerado por sua pele contra a dele. Nunca queria que se fosse.
Ofegou bruscamente sem poder romper o contato com seus luminosos
olhos, que mostravam com muita clareza que ela estava igualmente afetada.
Rapidamente deixou cair sua mão, como se sua carne de repente tivesse se
queimado. Murmurou sob seu fôlego:
— A bruxa me enfeitiçou.
Mas Rain escutou as palavras pronunciadas audivelmente.
— Se há um encantamento, então sou uma escrava também — respondeu
ela roucamente.
Maravilhoso! Podemos deixar perplexa esta vida de pesadelo que dirijo sob a
maldição desse bagunceiro deus Loki. Ou o próprio Deus cristão de Rain. Ou o diabo,
por tudo que eu saiba. Maldito Inferno!
Sentindo-se muito contente consigo mesma pelo resto do dia, Rain
cantarolava quando trabalhava com os feridos na tenda de campanha de
hospital. Não se enganava pensando que Selik fazia algum salto gigantesco para
sua reforma repentina. Aquilo era uma pequena vitória, mas cada viagem
começa com o primeiro passo, lembrou-se.
Capítulo 7
Quando Selik deslizou nas peles ao lado dela essa noite, como insistia em
fazer todas as noites, Rain viu Blanche os observando especulativamente. Nada
escapava ao discernimento dessa mulher. Ela sabia que Selik compartilhava
suas peles de cama e nada mais e simplesmente esperava seu momento. Mas
por hora, Rain adorava a proximidade de Selik, o calor de seu corpo contra suas
costas, seu quente hálito contra seu pescoço.
— Está pronta para abrir seu buraco, meu doce? — brincou Selik. Acariciou
com o nariz seu pescoço, e ela sentiu como o prazer vertia até a ponta dos
dedos de suas mãos e pés.
Rain disse uma palavra vulgar, moderna. Ele riu, compreendendo
perfeitamente. Pelo visto, algumas palavras não precisavam ser explicadas.
Rain mentalmente se recriminou pela piora de seu comportamento. Em
outras duas semanas e já ameaçaria, como Selik fazia normalmente, e usaria
uma linguagem que nunca tinha usado antes. Era por completo culpa de Selik,
decidiu ela irracionalmente. Em vez de ela mudá-lo, ele a fazia descer ao seu
nível.
Talvez precisse descer de seu pedestal.
Oh, grande.
— O que disse? — perguntou Selik, seu hálito quente brincando com os
cabelos de sua nuca.
Ela gemeu.
— Nada.
— Deus outra vez?
Quando ela se negou a responder, Selik riu.
— Pois bem, dê ao seu ser divino boa noite pela parte de ambos.
Durante outra semana viajaram escondidos durante a noite.
Surpreendentemente, só toparam com alguns soldados saxões, e puderam evitar
a luta. Aparentemente, estavam tão cansados pela batalha quanto os
noruegueses e os escoceses e tinham voltado para suas casas. Alguns soldados
que fugiram disseram a Tykir que os homens do rei Athelstan o caçavam na
Cúmbria, achando que tinha fugido com o rei Constantine.
Um dia, quando se detiveram em uma granjinha para os cavalos
desacansarem, Rain conseguiu seu primeiro vislumbre da obsessiva aversão de
Selik pelas crianças, sobre a qual as mulheres lhe tinham falado antes. Dois
garotinhos e uma menina, nenhum com mais de cinco anos, brincavam no barro
ao lado de um poço enquanto sua mãe saxã pegava o balde para colocar água.
Quando Selik viu as crianças, ordenou a todos que saíssem do curral, negando-
se a descer e saciar a sede. Não se desculpou por sua falta de consideração,
apesar de ter levado outras duas horas para voltar a encontrar água. Foi a
última vez que se detiveram em uma propriedade que tinha casa e terras
durante o dia.
Apesar da relativa segurança, viajavam lentamente por culpa dos escravos,
que tinha que caminhar, embora alguns dos homens concordaram em servir
Selik para se libertarem e montavam com seus soldados. Bertha, a mulher
corpulenta que tinha chamado Rain de louca quando voluntariamente ela se
uniu à cadeia de corda, ajudava Blanche, queixando-se sem parar. Rain tinha o
prazer de ver que o leve caso de ictérica de Bertha tinha regredido, graças ao
novo regime que ela tinha lhe receitado, que incluía grandes quantidades de
verduras e fígado, quando fosse possível. Uma terceira mulher, Eadifu,
preguiçosa, de uns trinta anos, mulher de lábios grossos, gastava quase todo seu
tempo no bosque, favorecendo qualquer homem com inclinação de saborear
seus duvidosos encantos.
Quando finalmente chegaram a Ravenshire, a ancestral casa de Tykir, Rain
a olhou com excitação, apesar de seu cansaço. Ouvira tanto sua mãe falar
daquela casa, mas aquele torreão desmoronado não podia ser a mesma fazenda
próspera. Não só os terrenos estavam não-arados e descuidados, mas também
as cabanas dos servos, mais parecidas com barracões, estavam vazias e se
desmoronando. O primitivo castelo de pedra e madeira parecia mais com um
forte do oeste americano, com sua alta paliçada sobre uma colina, chamada
Motte. Rain maneou a cabeça pela súbita desilusão ante a negligência e a
destruição.
Ela perguntou a Tykir, cuja expressão triste refletia seu pesar.
— O que aconteceu?
Ele deu de ombros.
— Meu avô Dar e minha avó se mantiveram firmes contra a invasão saxã
por tantos anos quanto puderam sem meu pai ou Eiriz ou a mim para ajudar.
Ambos estão mortos agora.
— Ainda é seu?
— Sem dúvida, ou pelo menos de Eirik. Sendo o mais velho, mantém os
direitos da herança, e desfruta dos favores do rei Athelstan. Os saxões não se
atreveriam a roubar sua herança. Agora a mim — acrescentou com um sorriso
aberto — esse é outro caso. Se pudesse, o rei saxão destruiria a mim e ao torreão.
— Oh, Tykir. Toda esta luta e ódio! Por quê?
— Não tem que existir uma razão, irmã. Logo aprenderá isso. Os saxões
odeiam os pagãos noruegueses. Os noruegueses odeiam os sangrentos saxões. É
a natureza das coisas, e sempre será assim até que um ou outro desapareça da
face da terra.
Rain maneou a cabeça com tristeza. Poderia dizer a Tykir que os vikings
perderiam aquela batalha contra os saxões, mas não era seu dever intervir na
história.
— Estará a salvo aqui?
— Por um tempo. Até que esteja completamente recuperado.
— E depois?
— Talvez visite meu primo Haakon. É o rei da Noruega agora e sempre
pode utilizar bons soldados na retaguarda ainda enquanto seu irmão Eric
Bloodaxe cobice o trono. Ou talvez me converta em uns dos guardas Varangian
do imperador bizantino. Não, melhor, posso me unir a Selik para enviar mais
alguns saxões para o túmulo.
Rain ficou sem fôlego.
— Tykir! Não, você também?
Ele descartou sua preocupação com um movimento da mão, depois
acrescentou com um rápido movimento de seus travessos olhos cor de café:
—Por outro lado, poderia visitar sua terra. Se as mulheres dali forem tão
intrigantes como você e sua mãe, sem dúvida posso me convencer a deixar de
lutar por um feitiço.
Agora essa era uma imagem arrebatadora, Tykir mostrando seus encantos
escandinavos às mulheres modernas, liberadas. De fato, Rain tinha algumas
amigas que comeriam o viking em um segundo. Ou vice-versa.
Mas por suas anteriores conversas com Tykir sabia que não acreditava que
viesse do futuro, somente de uma terra longínqua.
— Não, não pode ir a meu país, Tykir. Por desgraça, não tenho nenhuma
orientação de como desfazer a viagem.
— Então como chegou aqui? Não, não me diga. Temo que me dirá que voou
até aqui com asas de anjo.
Rain sorriu e lhe deu um beliscão de brincadeira nas costelas.
— Ubbi esteve balbuciando de novo, pelo que vejo.
— Como um retardado — Tykir lhe devolveu o sorriso com calor fraternal.
Montaram pelo pátio deserto e Selik ajudou Tykir a descer do cavalo, lhe
dando uma muleta de madeira. Selik deu ordens para cuidarem dos cavalos e
pôs alguns homens para caçar e procurar entre os restos penso para os animais.
Quando entraram no grande vestíbulo do torreão, Rain soube que ela e os
escravos teriam trabalho. Os morcegos penduravam das vigas, compartilhando
o espaço com ninhos de aves. A palha do chão estava tão suja que se
aglomerara. Ela estremeceu sob o horrível aroma de mofo e de decomposição.
Embora preferisse comer e dormir ao ar livre, vira o olhar angustiado no
rosto de Tykir ante o deplorável estado de sua mansão. E na verdade também
era sua herança. Rain tinha que ajudá-lo.
Decidiu que a cozinha e os dormitórios viriam primeiro. Acompanhou
Blanche através do corredor fechado que dava na cozinha depois de ordenar a
Berhta e Eadifu que levassem todos os colchões e lençois ao pátio para lavá-los.
Os antigos habitantes tinham desmantelado completamente a cozinha.
Nenhuma panela, concha de sopa, cadeira ou um pouco de comida tinha sido
deixado para trás pelos servos quando abandonaram o Castelo. Apenas uma
grande mesa com cavaletes ficara no centro da cozinha, e uma dúzia de duras
barras de sabão na despensa. A mesa, por provavelmente ser muito grande para
que os ladrões a levassem. E pela experiência de Rain com as pessoas do século
X, o sabão não era um artigo muito apreciado.
Rain passou duas cansativas e penosas horas esfregando o chão e a mesa, e
tirando as teias-de-aranha das paredes e do teto, enquanto Blanche trazia as
provisões e utensílios que levaram com eles de Brunanburh. Logo tinham a
cozinha em um estado razoavelmente limpo e o último pedaço de carne de
veado assando sobre o fogão da cozinha.
Ela saiu ao pátio da cozinha para ver como iam Bertha e Eadifu, que
ferviam os poucos lençois que tinham encontrado, junto com a roupa suja de
todos, em grandes caldeirões com sabão.
— Isto está errado — se queixou Bertha enquanto Eadifu levantava uma
ensopada peça da água com sabão com uma longa vara, jogando-a
descuidadamente em um caldeirão com água limpa, criando um atoleiro de dois
metros de barro em torno, depois o pendurando em um arbusto próximo. —
Deve espremer a maldita peça, estúpida. Acha que temos uma semana para
secá-las?
— As enfie em seu traseiro, velha musaranha — replicou Eadifu. — Tenho
coisas melhores com que ocupar meu tempo — olhou para o final do pátio onde
um soldado esperava, um brilho lascivo em seus olhos e uma horrível
protuberância em suas calças.
Bertha notou a presença de Rain e saiu em sua ajuda.
— Querida, diga a alcoviteira que mantenha suas pernas no chão, em vez
de erguidas.
— Edifu — avisou friamente Rain — se você se atrever a abandonar o pátio
antes de que todas as peças estejam lavadas, juro que te prendo na masmorra —
tinham masmorras? perguntou-se preguiçosamente antes de continuar. — E não
comerá durante uma semana.
Aquela era uma que Rain começava a pensar que não lhe incomodaria se
fosse vendida como escrava.
Edifu resmungou algo que soava como “maldita cadela”, mas voltou mal-
humorada ao trabalho.
— E faça o trabalho bem, da maneira que Bertha te ordenar.
Bertha brilhou como a lua cheia ao ser posta no comando.
— Se diverte tolamente a cada vez que um homem esteja vestido de couro e
cheirando — ela escutou como Bertha insultava Eadifu enquanto se dirigia à
cozinha.
— Essa é a causa de você não ter valor — se recuperou rapidamente Eadifu.
Rain escutou um forte som de água se espalhando e esperou que Bertha
houvesse jogado a prostituta no buraco da água fria. E isso sendo pacifista.
Quando se apartava a ajuda a empurrões, parecia que seus princípios se
mostravam flexíveis.
Mais tarde, depois do jantar básico, Selik entrou na cozinha e lhe disse que
ele, Tykir e os homens iriam a um lago próximo se banharem.
— A menos que queira que te espere, e possamos ir de mãos dadas — lhe
ofereceu com voz grave, rouca ao ouvido.
O olhar de águia de Blanche observava com interesse da outra ponta do
cômodo.
— Não — respondeu rapidamente Rain, sua pele ardendo quando recordou
a última vez que se banharam.
Os olhos cinzas de Selik ficaram enevoados quando também lembrou a
paixão, e os cantos de seus lábios cheios, sensuais se ergueram em um aberto
sorriso perceptivo.
— Ah, bem, talvez da próxima vez.
Naquela noite quando Rain subiu os degraus que davam no corredor do
segundo andar, todos os músculos que tinha doendo, não pensava na Escola de
Medicina. Tykir já dormia em seu quarto, exausto pela viagem e a ferida ainda
cicatrizando.
Selik estava no cômodo, despindo-se quando ela abriu a porta. Ela pensou
em fechar a porta imediatamente e descer as escadas ante a visão de seu
magnífico corpo semi-vestido. Engolindo em seco, tentou não cravar os olhos
em seus cabelos limpos que caiam sobre os ombros, suas costas nuas,
musculosas, e sua cintura ressaltada pelas calças baixas até os quadris. Bendito
Céu!
— Feche a porta — pediu ele, já a tendo visto. — Isso está mais frio que o
peito de uma bruxa.
Sem olhar para os lençois da cama, Selik tinha jogado as mantas sobre o
chão na frente do fogo da lareira. O ventilado dormitório só estava quente na
frente da lareira, e Rain já tremia por seu banho recente. Mas ainda se mantinha
em pé diante a porta.
— Se aproxime.
Rain arrastou os pés até o fogo… e Selik. Tinha dormido ao lado daquele
homem durante as duas semanas anteriores, conhecia o aroma de sua pele, o
som de sua respiração, o calor de sua carne. E apesar disso, estar no pequeno
cômodo com ele era diferente. Mais íntimo.
Até o ar do quarto se fechava, enchendo-se de tensão.
Ela podia ver nas ardentes profundidades dos olhos cinza que observavam
cada movimento seu com a intensidade de um falcão, seus lábios abertos
sedutoramente, e a excessiva excitação em seu corpo.
Ele deixou cair as calças e se manteve diante ela, as mãos nos quadris, as
pernas levemente separadas, completamente nu. Rain não podia afastar o olhar.
Doce Senhor! O homem não jogava limpo.
Fechou os olhos para ganhar forças. A luz do fogo criava sombras oscilantes
em seus cabelos loiro-platinados, e um brilho dourado nos planos duros como
uma tábua em seu peito e abdômen. Ele exsudava energia e poder.
— Dispa-se, querida — disse com voz crua.
Rain o olhou horrorizada.
Ele deslizou a língua pelos lábios e riu.
— Não vou te forçar. Apenas dormiremos… se esse é seu desejo.
— Hah! — disse Rain com voz trêmula, apreciando intensamente sua
enorme ereção. Ele cresceu ainda mais sob seu olhar.
— Oh— gemeu suavemente ela, sentindo como suas defesas se debilitavam.
E Selik se aproximou mais, tentando alcançá-la.
Ela foi para trás.
Ele ergueu as palmas da mão em sinal de rendição, repetindo:
— Não vou te forçar.
Depois se abaixou nas peles da cama para demonstrar suas boas intenções,
cobrindo-se.
— Deite-se, Rain. Foi um longo dia, e ambos estamos cansados.
Rain não acreditou nem por um minuto que estivesse tão cansado.
— Selik, não é boa idéia durmirmos juntos.
— Isso é algo que disse várias vezes antes.
— Acho que eu deveria descer as escadas e dormir junto a Blanche.
— O que te faz pensar que Blanche dorme sozinha?
— O quê?
Selik deu de ombros.
— Aproximou-se de mim várias vezes. Não posso acreditar que seja o único
que convida para sua cama.
Pode acreditar, pensou Rain com o coração encolhido, perguntando-se
quanto tempo seria necessário antes de Selik renunciar ao celibato ante a
insistente tentação de Blanche. Oh, maldição!
— Não há escolha. Deite-se comigo — ele declarou firmemente, dando
palmadas nas peles a seu lado. — É minha refém.
Ela gemeu.
— Selik, não vou fazer amor com você. Por que se tortura?
— E a você também? — ergueu a sobrancelha esquerda em um segundo de
dúvida.
— E a mim também.
Ele sorriu com irritante satisfação ante sua admissão.
Dando-se por vencida, começou a se abaixar para as peles mais próximas
do fogo.
— Não. Se dispa antes.
Rain deu um passo atrás e lhe disse com fúria:
— Passei as noites com minhas roupas nos acampamentos durante nossa
viagem até aqui.
— Aquilo era então. Isto é agora. Tanto vindo do futuro, como declara,
quanto da maldita lua, adotará nossos costumes enquanto estiver vivendo entre
nós.
Selik se endireitou e cruzou os braços sobre seus joelhos elevados,
observando-a fixamente quando ela começou a se despir.
Rain sentiu como seu rosto ardia, mas não o deixou ver seu nervosismo
acerca de se despir diante um homem arrogante. Meu deus, era muito alta,
também grande e grosseira. Nas únicas vezes em que estivera com um homem
no passado, despira-se no escuro para ocultar a vergonha de seu desajeitado
corpo. Não tinham prestado atenção.
Os únicos sons no quarto eram o crepitar do fogo e a ofegante respiração de
Selik enquanto ela se erguia ante ele usando apenas seu sutiã cor de carne e sua
calcinha. Seus olhos extremamente ardentes faziam sua pele arder. Quando
cruzaram com os dela, ela cambaleou ante a descarga de calor elétrico que
transmitiam.
Mas Selik não zombava dela. Seus olhos acariciavam cada centímetro de
seu corpo. Em qualquer parte que seus olhos tocavam, Rain sentia um
formigamento quente que começava a arder e esquentar sua pele. Pela primeira
vez em sua vida, sentiu-se atraente.
— É a mulher mais bela que jamais vi — sussurrou ele com receio.
As lágrimas emanaram dos olhos de Rain.
— Não faça isso, Selik. Não zombe de mim.
Ele inclinou a cabeça interrogativamente, depois levantou as peles da cama
a seu lado, insistindo para ela se unir a ele.
Quando ela estave deitada, tendo certeza que seu corpo não a tocava, Selik
lhe disse suavemente:
— Os homens de seu tempo devem estar loucos para te fazer se
envergonhar de seu corpo. Realmente, Rain, você é bela — muito docilmente,
afastou algumas mechas de seu rosto.
— Acho que você deve estar louco — disse ela com uma risada nervosa,
contente apesar de que provavelmente ele somente tentava seduzi-la.
Realmente, queria ser bela para Selik. — Além disso, me comparou a uma
árvore e um cavalo algumas vezes, se recorda.
Selik riu sufocadamente, seguindo com um dedo a linha de seu ombro. Rain
estremeceu ante o doce prazer que a percorreu, tão intenso que era insuportável.
— Ah, pois bem, é um fato sabido que tenho apego aos cavalos e às
majestosas árvores.
Ela começou a bater nele por atiçá-la. Um engano fatal! Seus seios rasparam
o braço dele, e ele inalou fortemente ante o contato eletrizante. Rain
imediatamente voltou o olhar e o afastou dele, olhando o fogo para silenciar o
efeito daquele simples contato sobre seus sensíveis mamilos.
Repentinamente, Rain não podia evitar as silenciosas lágrimas que
deslizavam por seu rosto. Desejava tanto Selik, e estava cansada de lutar
consigo mesma.
— Rain, porque está chorando? Não farei amor com você, se não deseja.
Homem tolo, não sabe que é isso precisamente o que quero que faça?
Ele deslizou carinhosamente uma mão por seu braço, os calafrios dirigindo-
se a cada lugar erótico de seu corpo.
— Tem medo de engravidar? Te asseguro que não receberá minha semente
— ele lhe ofereceu suavemente enquanto beijava a linha de seus ombros até sua
nuca. Com cada rítmico fôlego que tomava, seu pênis roçava contra a separação
de seu traseiro.
Rain riu trêmula.
— Agora isso é algo original. Como pode garantir? Tem um preservativo?
— Não, não utilizo nenhuma dessas ridículas capas que sua mãe
mencionou — ela o sentiu sorrir contra seu pescoço. — Sigo o método do bíblico
Onan… verter a semente fora do corpo — quando ela bufou incrédula, ele riu.
— Está a ponto de fazer um bate-papo sobre o controle da natalidade, como sua
mãe fez com as mulheres do rei Sigtrygg?
— Minha mãe fez o quê? — exclamou Rain, começando a ver o sorriso no
rosto dele. — Oh, não importa — realmente ela tinha ouvido suficientemente
sobre a conduta escandalosa de sua mãe — mas não vejo como pode ter certeza
de que nunca teve filhos… usando esse método, digo.
— Te animo, senhora, não tenho filhos vivos.
— Pois bem, pode ser verdade, mas é simples sorte, se têm praticado tirar
antes do clímax.
Selik fez um som sufocado de incredulidade.
— Que espécie de mulher você é que fala tão diretamente?
— Médica, pelo amor de Deus. E te digo, Selik, que alguns momentos antes
do sêmen sair de seu pênis…
Selik fez um ruído do fundo de sua garganta, e arqueou as sobrancelhas
admirado, provavelmente por sua atenção aos detalhes.
— De qualquer modo, se fez amor com uma mulher depois, mesmo quando
saiu de seu interior e chegou ao clímax fora de seu corpo, ela ainda pode ficar
grávida.
— Devo supor que o homem e o pênis fazem isso? — perguntou secamente
ele. Inclinando a cabeça, continuo: — Mas como se pode conceber se a semente
fica fora do corpo da mulher?
— Porque se engana, simplesmente a mínima quantidade que cai no corpo
da mulher é suficiente para deixá-la grávida.
— São histórias. Isso não é verdade.
— Sim, é, Selik. Como médica, te digo isso, vi a prova várias vezes.
Horrorizado, cravou os olhos nela com incredulidade, que logo se
converteu em alarme.
— Nunca soube — sussurrou ele, concluindo com aversão. — Tenho sorte
de não ter tido mais bebês.
Para o desgosto de Rain, Selik lhe voltou as costas então.
Capítulo 8
— Me escute bem, Rain. Ficará aqui em Ravenshire com Tykir até que eu
volte — ordenou Selik na manhã seguinte em seu dormitório enquanto
empacotava suas coisas em uma bolsa de couro.
Rain se rebelou, não estava de bom humor depois de uma inquieta noite de
pouco sono, estimulada, sem dúvida, pela frustração sexual, um problema que
Rain nunca tivera antes. E a incomodava escutar Selik falar tão serenamente, e
seu comportamento não afetado enquanto pegava seus pertences.
Usando apenas uma brynja, a fina túnica que protegeria seu peito de
irritações sob o metal da armadura, e um par de calças de grossa lã que se
uniam a suas musculosas coxas, Selik fazia uma tentativa de ignorá-la.
— Por quê? Por que devo ficar aqui? Aonde você vai? Quando vai retornar?
Ouça, não está pensando em se desfazer de mim aqui? De modo algum!
Selik pôs as duas mãos nos ouvidos com asco.
— Pelas tetas de Freya! Se tornou uma megera com suas perguntas
intermináveis. Simplesmente aceite minhas ordens e fique tranqüila, ao menos
uma vez.
— Eu? Megera? Hah! E, a propósito, não aprecio essas suas cruéis
expressões Vikings. Nem sua mordacidade.
Os olhos cinzas de Selik se abriram com exagerada surpresa.
— Desaprova minhas vulgaridades quando você me disse faz só alguns
dias atrás, com um mau-gosto mesmo para mim, exatamente o que eu poderia
fazer comigo mesmo? Para te lembrar, muito claramente você me mandou
tomar...
— Não tem que lançar minhas palavras na minha cara como um maldito
papagaio — Rain ergueu o queixo atrevidamente e tentou demonstrar que seu
rosto quente não era por um rubor, que não se envergonhava de sua língua cada
vez mais afiada, e algumas vezes vulgar. Meu deus! Estava se convertendo em
uma mulher que não era capaz de reconhecer. — Pois bem, você me provocou.
Sua desculpa soou fraca incluso ao seus próprios ouvidos.
— Tem uma resposta para tudo, moça.
Não para tudo, Rain pensou desolada. Observou com total desamparo como
Selik dobrava várias tiras de tecido que usava como tanga. Repentinamente,
uma imagem brilhou em sua mente, uma imagem tentadora de Selik de cuecas.
Hey, Selik com boxers não ficaria tão mal, tampouco, pensou Rain.
— Por que está sorrindo abertamente? Está tramando alguma travessura
para atrapalhar minha vida?
— Não — disse Rain com um sorriso. — Somente te imaginava com roupas
íntimas modernas, do tipo que usam os homens em meu país — descreveu
todos os diferentes estilos a Selik, mas ele não ficou impressionado.
— Por que um homem se preocuparia em usar isso ou uma tanga de linho?
Ou usarem etiquetas de marcas desse homem Calvin? — zombou ele.
— Porque querem impressionar às mulheres.
— É o que está dentro da tanga o que importa, moça — afirmou Selik, lhe
piscando um olho com grande arrogância.
— Sim, bem, até digo que você ficaria melhor que Jim Palmer nas bermudas
de jóquei. Ouça, ainda melhor — acrescentou ela, abanando o rosto
dramaticamente — em roupas íntimas comestíveis.
Selik deixou de guardar coisas e pregou os olhos nela. Ela tinha toda sua
atenção.
— Agora sei que está brincando comigo. Pessoas comendo roupas íntimas?
— Use sua imaginação, Selik. Você, o suposto deus do sexo da Idade das
Trevas, deveria ter uma idéia de como se utilizariam.
Rain soube o momento em que Selik a entendeu. Seu pescoço se tingiu e o
rubor subiu lentamente por seu rosto. Amava-o! Depois seus lábios se moveram
com um aberto sorriso juvenil.
— Um deus do sexo! Nunca pretendi ser algo semelhante.
— De qualquer forma, nunca provei roupas íntimas comestíveis, mas pelo
que entendo vem em diferentes sabores, como morango ou limão. Aposto que
há algumas que têm sabor de cerejas Salva-vidas.
— Mesmo?
— Você gostaria disso? — perguntou ela rindo.
Selik negou com a cabeça, convencido de que ela mentia agora.
— Realmente, me assombra, mulher. Fica a noite toda inventando esses
contos escandalosos para me escandalizar?
— Está escandalizado?
— Não. Me desconcerta, e esse é, sem dúvida, seu propósito. Não permitirei
que tire o sarro de mim, entretanto. Preste atenção em mim, ao menos em uma
coisa. Jurou não fugir, e cumprirá seu juramento. Fique em Ravenshire com
Tykir.
— Vai voltar?
Selik a olhou carrancudo, evitando responder.
— Mas aonde…
— Aonde eu vá ou se voltarei é da minha conta. Simplesmente siga minhas
ordens. E permaneça perto do torreão. Há saxões por perto, aposto, e os
bastardos cortariam sua formosa cabeça em um abrir e fechar de olhos, sem te
perguntar por que está viajando com O Fugitivo. Será suficiente que pensem
que eu gosto de sua companhia. Atribuí a Gorm velar por você…
— Não se atreveria. Não quero aquele balde de lodo nem a uma milha de
distância de mim.
O rosto de Selik ficou rígido pela ameaça.
— Todos meus homens têm ordens de te proteger. Gorm fez algo para te
machucar? Juro que esfolarei vivo o cão sem valor se houver tocado sequer um
cabelo de seu formoso corpo.
Formoso? Rain guardou esse irrelevante elogio despercebido. Selik a tinha
chamado de bonita aquela noite, mas ela tinha duvidado de sua sinceridade. Era
possível que esse não fosse seu estilo? Ele podia cuidar dela? A emoção que ele
demonstrava nesse momento era um sinal de sentimentos mais profundos?
Mas depois o coração de Rain se afundou ante suas outras palavras, esfolar
vivo a um homem.
— Selik, por favor, me diga que não esfola as pessoas.
Ele sorriu abertamente.
— Era simplesmente uma expressão, meu doce. Ainda desenho uma linha
em algum lugar.
Ela riu tremulamente.
— Pois bem, sei disso.
Ele lhe dirigiu um olhar de divertida incredulidade.
— Admite alguma vez estar equivocada?
Pouco tempo depois, Rain observou com súbita desilusão os passos que
conduziam até o grande vestíbulo e Fury montado por Selik. Aquele era um
Selik de campo de batalha, o guerreiro pintado de Brunanburh, o homem que
enfeitiçou seus pesadelos durante anos, trazendo-a através do túnel do tempo.
Usando apenas uma túnica à altura das coxas de cota de malha flexível
sobre uma túnica de lã e malhas apertadas, Selik manipulou destramente as
rédeas do cavalo enquanto se exibia nervosamente perto do muro exterior do
castelo esperando a meia dúzia de homens que viajariam com ele. Embainhou
sua letal espada, Fúria, ao seu lado, e pendurou a lança e seu casto na cela de
montaria.
Seus olhos, distantes e frios, estavam centrados em Rain. Agora não havia
um laço emocional. Rain se deu conta, com pressentimento, de que seu lado
louco tinha tomado o controle.
— Tenha cuidado — sussurrou Rain com voz suave, trêmula.
Selik não pareceu ouvir suas palavras enquanto ficava com o olhar fixo e
inexpressivo à frente, ignorando-a, mas então ela notou o movimento de seu
pomo de adão várias vezes como se ele tentasse, mas fosse incapaz de falar. A
impressionou inclinando a cabeça. Depois, sem falar, se foi.
Observando-o partir, Rain se deu conta de que ele levara uma parte dela.
Era incompreensível para ela como um homem que tinha conhecido há tão
pouco podia tê-la tocado tão profundamente. Começava a pensar que nunca
poderia retornar ao futuro se isso significasse deixar Selik para trás.
No momento em que Selik desapareceu de sua vista, Rain foi em busca de
Tykir, decidida a conseguir respostas para algumas de suas perguntas. Como
podia ajudar Selik, se não sabia nada sobre ele?
Encontrou Tykir em seu dormitório com Ubbi exercitando sua perna. Os
homens tinham improvisado uma primitiva forma de fisioterapia atando um
pequeno saco de farinha ao tornozelo de Tykir. Deitado sobre a cama, ele movia
a perna para cima e para baixo em lentas repetições.
— Nadar é um bom exercício para fortalecer os músculos da perna também,
Tykir. E a massagem. De fato, poderei trabalhar em seus músculos quando tiver
terminado com as elevações.
Tanto Tykir quanto Ubbi a olharam enquanto se aproximava da cama,
arqueando uma sobrancelha com ceticismo.
— Nadar nesta época do ano? Acho que não, irmã. Parece que a perna
somente teria cãibras.
— Poderia te servir de maneira maravilhosa, fazendo mais rápido o
processo de cicatrização, sério. E para você, também, Ubbi — disse ela, voltando
sua atenção para o pequeno homem. — Tive a intenção de falar com você a
respeito de sua artrite. Depois de terminar com Tykir, quero te examinar. Acho
que posso te ajudar.
Ubbi se afastou dela.
— Ar… tri… te? — depois se levantou e arqueou os ombros para trás com
desafio. — Me examinar? Não, não tocará meu corpo. É até impróprio para uma
moça pensar algo semelhante.
— Oh, Ubbi, vi centenas de homens nus, e seu corpo não é diferente,
acredite em mim.
— Centenas de homens nus! — exclamaram ao mesmo tempo Ubbi e Tykir.
— Senhorita, que vergonha! Você não deveria faltar com a verdade. Uma
dama de sua virtude nunca teria compartilhado a cama com centenas de
homens.
Tykir somente sorriu abertamente enquanto soltava o peso de farinha de
seu tornozelo. O tolo se divertia com a idéia de uma irmã tão promíscua.
— Não seja tolo, Ubbi. Queria dizer que como médica, examinei muitos,
muitos homens em meu hospital.
— Hmmm. Há um hospitium em Jorvik. Seu “hospital” é o mesmo? —
perguntou cautelosamente Ubbi.
— Há uma faculdade médica em Jorvik? — perguntou Rain excitada.
— Sim, no monastério de São Pedro. Interessam os doentes moribundos de
seu hospitium aos curandeiros, os monges.
— Oh, isso é maravilhoso. Quando poderemos ir? É perto?
— É a um dia daqui, mas não pode sair até que Selik retorne — explicou
Tykir, seus longos cabelos caindo para frente quando se apiou na muleta de
madeira, tentando se levantar da cama. — Selik deu algumas ordens, e terá
minha cabeça, como também a sua, se desobedecer.
— Não, não se levante — disse ela a Tykir, o pressionando para que
voltasse a se deitar. Começou a massagear sua coxa através das calças. A
princípio, seu toque íntimo o fez passar vergonha. Depois a amaldiçoou
enquanto trabalhava cada doloroso tendão.
— Oh, querida mãe de Thor! Salvou minha vida só para me mandar para o
túmulo?
— Não seja bebê.
Mais tarde, ele disse suspirando de prazer ante a perita manipulação dela,
seus cílios escuros se fechando um pouco sobre seus grandes olhos cor de café
como os do irmão dela, Dave:
— De verdade, você tem dedos mágicos, irmã.
De repente, Rain notou como Ubbi ia avançando pouco a pouco e com
dificuldade para a porta aberta.
— Não te dei permissão para se ausentar do exame. Terminei o tratamento
de Tykir por hoje, e agora é sua vez.
Ubbi começou a dirigir seus olhos suplicantes para Tykir, mas seu irmão só
riu.
— Deixe a bruxa trabalhar suas coisas em você, Ubbi. Quem sabe? Talvez
suas mãos deixarão sua carne boa.
Tykir coxeou saindo do quarto com sua muleta provisória, rindo sufocada e
divertidamente pelo aparente desconforto de Ubbi de ficar sozinho com Rain.
Ela teve que adular, ameaçar e subornar Ubbi para que tirasse as roupas, mas
ainda assim ele apenas ficaria com a tanga. Ela mal reprimiu um ofego de horror
pelo estado deformado de seu corpo.
— Ubbi, durante quanto tempo teve artrite? — ante seu olhar confuso, ela
rapidamente perguntou com outras palavras. — Que idade tinha quando sentiu
o primeiro encavalamento dos tendões? É mais doloroso algumas vezes que
outras?
Enquanto lhe fazia perguntas, Rain analisou cada polegada de seu corpo
explorando com os dedos, dos seus ombros aos seus pés nodosos, excetuando, é
claro, sua área genital. Sabia que Ubbi nunca permitiria que ela examinasse ali.
Finalmente, obrigou Ubbi a se deitar de barriga para baixo sobre a cama,
apesar de seus protestos e sua óbvia humilhação. Alternando firmeza e
suavidade nas pressões e dobradura dos dedos, logo relaxou seus músculos
dolorosamente nodosos.
— Oh, senhorita, não me sinto tão bem desde que era um menino — disse
Ubbi com um suspiro, sua voz transbordando adoração.
Rain sorriu, feliz de ajudar o agradável homem.
— A partir de amanhã, farei as massagens duas vezes ao dia. Seria genial se
pudéssemos encontrar algum óleo. Também, te darei alguns exercícios para
fazer. E até poderíamos pegar algumas ervas para aliviar a dor. Oh, e acho que
talvez… a argila quente no corpo.
Ubbi gemeu, mas seus remelentos olhos deram indícios de seus sinceros
agradecimentos.
— Pensa de verdade que podem fazer melhorar?
— Não, não posso te curar, Ubbi — disse Rain, lhe batendo amavelmente no
ombro. — Não se pode corrigir a artrite, mas há coisas que podem ajudar uma
pessoa para que fique mais flexível e livre da dor.
— É um milagre — declarou Ubbi, e Rain soube que seu estado como anjo
ante os olhos de Ubbi somente tinha subido outro grau. Ele virtualmente saltou
do quarto.
Repentinamente, Rain se deu conta de que tinha esquecido a razão de subir
ao dormitório de Tykir em primeiro lugar, conseguir respostas para suas
perguntas sobre Selik. Indo outra vez a procura de Tykir, encontrou-o no
vestíbulo, levando alguns dos prisioneiros para dentro para limpar os juncos
sujos e esfregar a fundo as mesas.
— Tykir, tinha a intenção de te perguntar algo antes. Aonde Selik foi?
— Ele não lhe disse?
— Não. É um segredo?
— Não — respondeu cuidadosamente sob seu atento escrutínio. — Ele está
viajando através das terras do norte para as terras do Alvorada do Rei
Constantino.
— Escócia? Mas Ubbi disse que não era bem recebido ali.
Tykir deu de ombros.
— Realmente, os escoceses somente o empurrariam para outro lugar, mas
ele foi um bom camarada. Com boa consciência não podem afastá-lo de suas
portas.
— Então por que ele vai para lá?
— Para me proteger, e a Ravenshire.
— O quê ?! — nunca tinha ocorrido a Rain que Selik pudesse ter uma causa
nobre para agir. O que isso dizia sobre ela? E sua fé no homem que tinha sido
enviada para salvar? Rain não gostou dela mesma nesse momento.
Tykir baixou seu corpo a um banco próximo, esfregando a perna dolorida, e
Rain se abaixou a seu lado.
— Me diga — lhe urgiu ela.
— Quando voltávamos ontem pela manhã, encontrei uma mensagem de
Eirik escondida em um esconderijo especial que tínhamos quando crianças.
Advertia-me que o Rei Athelstan planeja uma caça maciça de homens em busca
de Selik e que assolará Ravenshire até os alicerces se descobrir Selik em
qualquer lugar dos arredores.
O sangue de Rain gelou em suas veias e seu coração foi até O Fugitivo, que
realmente não tinha casa, não era, de fato, bem-vindo em lugar algum.
— Por favor, continue — ela respirou tremulamente.
— Selik acreditou que se mostrsse seu rosto na terra dos escoceses, até
agora aqui, o Rei Athelstan dirigirá suas forças para lá. Os saxões não terão
razões para invadir Ravenshire. Não sou uma presa o suficientemente grande
para que enviem uma tropa de soldados.
— Então ele tem a intenção de mostrar seu corpo como uma maldita
bandeira diante seus inimigos para te salvar — disse Rain, consternada.
— Nos salvar — corrigiu Tykir, seu rosto avermelhando ante o velado
insulto. — Se os saxões viessem aqui, não somente destruiriam a propriedade,
mas quem está nela. Isso me inclui , a você , a Ubbi, todo mundo.
— Mas podíamos ter saído com ele — protestou Rain. — Por que que não
nos deu uma escolha?
Tykir maneou a cabeça tristemente.
— Quis que ficássemos. Eu lhe disse que seria assim. Acha que me importa
um pedaço de pedras desmoronando e uma parcela? Mas Selik tem costumes
arraigados.
— E eu que o considerava uma besta brutal e só interessado em sua
violência! — Rain começou a pensar que ela tinha muitíssimo que aprender
sobre o mal e o bem. Talvez aquelas pessoas primitivas poderiam ensinar a ela,
com toda sua avançada educação, algumas lições que de algum modo, estavam
equivocadas em sua vida moderna.
— Ele é brutal, minha irmã. Nunca ache que não seja. A verdade de seu
louco comportamento não pode ser adoçada, mas é um bom homem no fundo.
— Por que ele é assim, Tykir? Por favor, me diga o que lhe aconteceu para
que mudasse de um jovem despreocupado como minha mãe o descreveu a esta
casca atormentada de homem?
Tykir ficou rígido e seu rosto ficou inexpressivo.
— Não, não discutirei sobre o passado de Selik. É algo que ele deve revelar,
ou se apoiar em sua alma, se ele escolher.
— Mas se não o detiver, se alguém não ajudá-lo logo, certamente morrerá.
— Sem dúvida, fará. Durante muito tempo, Selik tem corrido para o
Valhalla rapidamente, sem se preocupar com sua mortalidade, desejando
apenas levar tantos saxões quanto possa com ele.
— Que triste ter como meta uma vida de violência!
Tykir deu de ombros e se levantou, apoiando-se em sua pessoa.
— É isto, para os saxões Selik pode ser apenas um berserker. Um louco
demônio banhado em sangue, limpando a Nortúmbria como eles tentam limpar
todo os noruegueses de seu território. Mas para um bom número de
noruegueses, Selik é um valente cavaleiro em busca de nobre vingança. Faria
bem lembra disso.
— Mas…
Tykir ergueu uma mão para deter suas seguintes palavras.
— Não, isso é tudo o que direi sobre o tema. Pergunte a Selik quando ele
voltar.
Mas ele voltaria? Pergunto-se com inquietação Rain quando os dias, depois
as semanas, se passaram sem notícias de seu primitivo companheiro de alma.
Cada vez mais, enquanto ela, os prisioneiros e os soldados de Selik que ficaram
trabalhavam para limpar o lugar desmoronado (uma batalha quase perdida por
seus escassos recursos) Rain reviveu em sua mente suas noites juntos. Se ele
morresse — Oh, por favor, Deus, não deixe que acontecça! — Rain soube que
sempre se arrependeria de não ter tido uma noite de amor com ele.
Quando se passou um mês e não houve nenhum sinal de Selik, o pânico se
estabeleceu. Rain começou a roer as unhas, um hábito nervoso que achava que
tinha dominado. Opondo-se a seu fraco apetite, perdeu peso, e não menos de
quatro quilos e meio. Tykir e Ubbi, e mesmo Blanche e Bertha, evitavam sua
companhia porque estavam loucos de suas intermináveis perguntas sobre a
segurança de Selik e sua volta.
— Maldição! Acho que vomitarei se ouvi-la perguntar uma vez mais
quando o sangrento Fugitivo vai voltar — se queixou Bertha com uma voz de
lamento enquanto ajudava Blanche a preparar o cervo morto em uma caçada
recente. Gorm, um dos mais fervorosos pretendentes de Blanche, o havia trazido
de uma caçada diária e o tinha colocado aos pés de Blanche no pátio como se
fosse uma dúzia de rosas. Mulher sábia, a ardilosa Blanche tinha agido
devidamente impressionada e piscado seus cílios para Gorm com tácita
promessa.
Quando Rain disparou um desaprovador olhar para Blanche, que preferia
lançar sua rede na direção de Selik, a criada deu de ombros, sem culpa, e tinha
comentado:
— Uma mulher deve cobrir todas as opções. Vai superar o que pensar sobre
isso, também, minha senhora, no caso de O Fugitivo não voltar.
Rain estudou Bertha depois, muito contente com a cor melhorada de sua
pele, graças ao regime alimentício que lhe tinha prescrito. Graças aos céus era
apenas uma falta de vitaminas e não um tumor ou enfermidade do fígado o que
tinha causado aquele tom amarelado em sua pele.
— Assegure-se de guardar um pedaço do fígado para você. Ainda precisa
de ferro.
Bertha assentiu com a cabeça para Rain, sem protestar pelos conselhos
médicos desde que presenciou sua melhoria de saúde.
— Quer que te ajude a cortar isso? — perguntou, engolindo em seco ante a
perspectiva desagradável de manejar a res morta e sangrenta. Não era
vegetariana, mas com tantas vezes fazendo operações em corpos humanos,
resistia a tocar a carne crua de um animal. Provavelmente uma associação
infantil com Bamby, ela decidiu.
— Não, vá e continue desgastando as táboas das muralhas, esperando a
volta de seu amante — explodiu Bertha com um comentário suavemente
sarcástico. Blanche apenas sorriu para a descarada criada.
— Selik não é meu amante.
— Não por culpa dele, aposto. Nem por falta de vontade — disse sarcástica
e sabiamente Bherta.
— Você é grosseira!
— Não use esse tom comigo, milady — afirmou a impertinente criada. —
Posso ser uma criada de nível baixo, mas é tão simples como a verruga no nariz
de uma bruxa, que você é como uma égua no cio. E o Fugitivo, pois bem, ele é a
serpente para você, esperando o momento certo para dar o bote.
— Bertha! — exclamaram Rain e Blanche.
Rain não pôde ajudar mas riu com a imagem.
— É isso de verdade o que pareço, uma égua no cio? Bom Deus!
— Não — respondeu Bertha, mais amavelmente. — É que é sabido no
mundo a maneira de ser dos dos homens e das mulheres e suas naturezas
luxuriosas. Vejo os sinais melhor que a maioria, afirmo.
Rain maneou a cabeça com incredulidade ante o fato de estar em pé ali
escutando a pequena mulher gordinha com dentes podres lhe dando conselhos
sobre o amor.
— Pelo menos, não posso compreender porque você não simplesmente
agita as asas e vai voando ajudar seu amante, se está tão preocupada —
acrescentou Bertha, gargalhando de sua própria piada.
Blanche sorriu zombeteiramente, acrescentando:
— Oh, e pode perguntar a Deus se pode mandar uma vaca e galinhas
poedeiras para eu poder fazer um pudim para o jantar?
Aparentemente, Ubbi espalhara suas histórias sobre o anjo outra vez, mas
ninguém mais acreditava nelas.
Rain deixou a cozinha zangada, sabendo que suas dúbias artes culinárias
não eram desejadas. Foi, certamente, às muralhas, onde observou o horizonte.
— Oh, Selik, onde você está? Querido Deus, por favor envie de volta meu
seguro. Prometo fazer uma tentativa mais dura para ajudá-lo.
Sua oração foi respondida imediatamente pelo trovejar dos distantes cascos,
seguido pelo contorno pouco definido dos cavaleiros no horizonte de uma
colina perto de uma milha de distância. Rain revirou os olhos para o céu, dando
um silencioso obrigado quando virtualmente voou para baixo pela escada de
madeira do muro externo do castelo.
Quieta no estábulo, Rain ficou com o olhar fixo, aturdida, na porta pela qual
Selik tinha saído, suas palavras resmungadas ecoando em seu cérebro.
Duvidava que ele soubesse até que tinha falado em voz alta.
O corpo de sua esposa violado e mutilado. O crânio de seu filho em uma
lança saxã.
Todas as peças do quebra-cabeças que constituía a tortura de Selik se
juntaram com compreensão horripilante no cérebro entorpecido de Rain. Não
era estranho que ele se tornara cruel, firmemente decidido em sua vingança.
E ela, que sempre estivera orgulhosa de sua sensibilidade como médica e
humana, atrevera-se a julgá-lo e achá-lo deficiente. O quanto ela era moralmente
arrogante! Por um momento cegante, perguntou-se qual era a besta à vista, e a
resposta não foi Selik.
Ubbi entrou no primitivo estábulo depois, guiando um dos cavalos dos
soldados. Imediatamente começou a partir dando a volta quando viu o olhar
dela o confrontando.
— Não saia — pediu ela, levantando-se e apoiando o pequeno homem
contra a parede do edifício com um dedo pressionado no seu peito.
Nervosamente, Ubbi deixou cair as rédeas e o cavalo perambulou de volta ao
exterior.
— Miladi, tenho tarefas…
— Eu sei, Ubbi. Sei sobre Selik.
— O que quer dizer?
— Sei sobre sua esposa e seu bebê. Agora vai me dizer o resto dos detalhes.
— O amo te falou de como Astrid e o bebê morreram… Oh, Senhor… ele
falou também de Thorkel?
Rain inclinou a cabeça sinistramente.
— Oh, querida, o que fez para obrigá-lo a revelar tanto? — Ubbi se afundou
no piso sujo e colocou seu rosto entre as mãos nodosas. Quando finalmente
voltou a olhá-la, seus olhos nublados estavam cheios de lágrimas. Maneou a
cabeça cansadamente. — Essas não são boas notícias. Não, só pode significar
problemas, se ele lembrou os horrores de seu passado.
Rain se afundou ao lado de Ubbi e pegou uma de suas deformadas mãos
nas dela.
— Me conte.
Ubbi engoliu em seco visivelmente.
— Já se passaram mais de dez anos. Selik já não era um cavaleiro viking, e
tinha se casado com Astrid havia dois anos. Ah, ela era uma doce donzela.
Bonita como a primavera. E jovem… sem ter visto mais de dezoito invernos.
Rain sentiu o derramamento de macabros ciúmes através de suas veias pela
mulher e sua relação com Selik.
— Os dois eram inseparáveis. Sempre tocando um ao outro. Nunca indo
embora e deixando o outro sozinho. Mesmo quando ela estava grávida, e depois
do bebê nascer. Para que compreenda, Selik nunca teve uma casa, ou uma
família com quem falar. De modo que amou muito Astrid, e a seu filho ainda
mais. Mas Selik finalmente fez uma viagem a Hedeby. Deixou Astrid e Thorkel
na elegante casa que construiu para eles em Jorvik, eles estavam seguros, mas…
— Os saxões chegaram — terminou Rain por ele. Ubbi inclinou a cabeça,
seu amável rosto ficando horrível pela cólera suscitadas pelas lembranças que o
mantinham escravizado.
— Você estava com Selik? — perguntou Rain suavemente enquanto
acariciava tensamente sua mão.
— Sim — a única palavra cheia de horror disse tudo. Engoliu em seco com
dificuldade várias vezes, depois continuou. — A casa estava queimada até os
alicerces, mas encontramos o corpo de Astrid no jardim. Ela estava nua, e suas
pernas estavam abertas e cobertas de sangue da parte superior de suas coxas até
os tornozelos. O sangue e a semente de todos os homens que a tinham
violentado.
Rain pôs um punho contra seus lábios para reprimir seus soluços.
— Nunca esquecerei, até o dia de minha morte, a imagem de meu amo
embalando Astrid em seus braços, roçando os traços ensangüentados de seu
rosto, repetindo seu nome docemente várias vezes. Com certeza, foi a última vez
que o vi chorar.
O rosto de Ubbi se obscureceu com uma aguda cólera enquanto recordava
outras coisas.
— Quando colocou de novo o corpo de Astrid na terra, depois vi… — as
palavras de Ubbi se desvaneceram enquanto tentava controlar suas emoções.
Finalmente, acrescentou. — E em seu peito o saxão tinha gravado suas siglas,
uma em cada seio, S e G… Steven, Conde de Grevely.
Rain não quis escutar mais. Não podia compreender como um ser humano
deliberadamente torturaria outra pessoa dessa maneira. Então algo dentre
outras coisas que Ubbi dissera começou a penetrar.
— Steven de Gravely? Não era o irmão de Elwinus, o nobre que Selik matou
em Brunanburth?
Ubbi assentiu com a cabeça.
— E é por isso que a vingança entre os dois continua sem parar.
— Como começou tudo isso primeiro?
— Steven de Grevely não precisa de desculpas para fazer suas maldades.
Realmente é um homem cruel. Mas acusa Selik da morte de seu pai, o velho
lorde.
— E Selik matou seu pai?
— Talvez. Houve uma batalha. Muitos saxões e normandos morreram nesse
dia. Pode ter sido Selik, ou qualquer outro, mas Steven precisava um alvo para
seu ódio, e escolheu Selik.
— Mas o que ele fez à esposa de Selik… Oh, Ubbi! Não é estranho que Selik
seja tão amargurado!
O pequeno homem se voltou para ela depois e a apunhalou com seus
desafiantes olhos.
— Certamente ele está amargurado, e com razão. Mas isso não é tudo o que
o utrajante demônio fez naquele dia. Deixou o corpo esmagado, sem cabeça do
bebê sobre o terreno perto do corpo de sua mãe. Foi preciso semanas para que
Selik descobrisse onde estava a cabeça.
Rain então lembrou as palavras de Selik.
— Este Grevely levava a cabeça de Thorkel em sua lança, não?
— Certamente esperava levar Selik à morte. Finalmente, conseguimos
recuperar a cabeça purulenta do pobre bebê e a enterramos com o corpo, mas
Selik ainda tem que capturar o esquivo Steven… e qualquer outro sangrento
saxão que se cruze seu caminho.
Rain baixou o olhar e viu uma mancha escura no frente de sua túnica e se
deu conta de que estivera chorando e suas lágrimas tinham caído num fluxo
constante por seus seios — a túnica de Selik — como sangue, pensou ela.
Oh, querido Deus. Agora sei porque me enviou aqui.
— Então agora que sabe — disse por fim Ubbi com desafio enquanto se
levantava e tentava se endireitar. — Poderá ajudar o rapaz?
— Não sei, Ubbi. Simplesmente não sei, mas vou fazer uma tentativa.
Ele sorriu então, um sorriso que não chegou aos seus tristes olhos.
— Vai fazer, se alguém puder, te asseguro — a observou se levantar e
passar as mãos pels roupas para tirar a sujeira. — O amo foi ao lago. O encontre,
moça. Parece que ele necessita de você.
Capítulo 9
1
Tradução literal do inglês “enviado de Deus”.
— Obrigada, Selik, por me consentir ir com você a Jorvik.
Seus olhos se abriram com surpresa ante as suaves palavras ditas. Sem
dúvida ela queria um favor.
— A razão pela que supliquei que me levasse com você a Jorvik foi por que
poderia ser capaz de entender melhor porque fui enviada aqui. Se puder parar
no mesmo ponto onde o museu estará no futuro, talvez poderia…
Selik fez um forte grunhido de incredulidade.
— O quê? Receber uma mensagem de Deus?
— Você é impossível!
Ele se voltou e a olhou, sacudindo sua cabeça incredulamente.
— O roto falando do esfarrapado... 2
Rain sorriu, e seu coração pareceu se expandir no peito, quase asfixiante.
— Oh, Selik, eu te…
Ele levantou uma mão para deter suas palavras seguintes, sabendo que ela
tentaria de novo lhe dizer que o amava. E que Selik não podia permitir. Olhou a
tentadora moça, sendo difícil para ele resistir às suas palavras tentadoras. Tivera
êxito até agora, desde aquele dia no lago, evitando lhe permitir repetir aquelas
preciosas palavras. Enquanto ele não escutasse aquelas palavras ditas em voz
alta, de alguma maneira ele poderia negar o crescente vínculo entre eles,
poderia se enganar que não lhe importava. Cerrou os olhos cansadamente só
por um momento.
Oh, Deus, ou Odin, ou qualquer ser que se encontre aí fora, por favor, não
me torture assim. Não posso suportar amar de novo. E perder. É mais do que
um homem pode suportar.
Ele endireitou seus ombros com determinação.
Confie em mim.
— O que disse? — perguntou Selik alarmado.
— Quando?
— Bem agora, algo a respeito de confiar — ainda enquanto falava, Selik
sabia que não tinha sido a voz de Rain em sua cabeça. Oh, maldito inferno! Ela
realmente o estava virando ao avesso e o deixando sensível como um idiota.
Seus maravilhosos olhos dourados se arregalaram e pareciam brilhar com
encantamento.
— Escutou a voz, também, não é?
2
Expressão substituída na revisão, por uma mais brasileira. No original “ É como o rio chamando o oceano de
molhado”.
— Não. Não escutei nada.
— Mentiroso.
— Homens morreram por insultos menores que esse.
— Não tenho medo de você.
— Deveria.
— Por quê?
— Argh!
— Selik, realmente deveria ter cuidado em perder seu temperamento forte.
A cada vez que se zanga comigo, uma veia pulsa de repente em sua testa. Pode
ter um ataque.
Ele grunhiu.
— O único ataque que vai ocontecer será o de minha espada quando cortar
sua língua solta.
Ubbi guiou seu cavalo para frente.
— Meu senhor, gostaria que eu amordace a dama para que assim não o
incomode mais? — perguntou Ubbi a Selik com enjoativa consideração. Ele
havia virtualmente dançado com prazer desde que Selik lhe havia dito na
véspera anterior que poderia acompanhá-lo a Jorvik.
Selik ergueu uma sobrancelha ante a tentadora imagem.
— Valeria uma fortuna em ouro ver você tentar. E valeria o dobro da
fortuna ter você dois com as bocas fechadas e costuradas, dando ao mundo um
pouco de paz.
Os ombros de Ubbi caíram e seus lábios baixaram com aflição pelo insulto,
mas Selik pôde jurar que viu o traidor piscar de olho conspirativo para Rain.
Maravilhoso! Os dois bobos são cúmplices.
— Todos estão preparados para partir — anunciou Ubbi então.
Selik olhou ao redor consternado para o variado grupo de criados e
parasitas que ele tinha conseguido acumular. Embora tivesse ordenado a uma
meia dúzia de capitães permanecer com Tykir, junto com Bertha para cozinhar
para eles, Selik ainda tinha duas dúzias de soldados e seis prisioneiros em seu
grupo de viajantes. Sete dos homens escravos tinham optado por se unir às
linhas de seus seguidores. Todos viajariam a cavalo, inclusive Blanche. De
algum jeito seus homens tinham encontrado cavalos suficientes no campo para
roubar.
Selik estava a ponto de dar o sinal para sair da muralha quando seus olhos
se congelaram na última pessoa do séquito. Pessoas, melhor dizendo,
imediatamente se corrigiu. Uma moça carregando um bebê em seus braços
viajava montada no último cavalo.
— Tire-os de minha vista — ordenou Selik a Gorm através dos dentes
cerrados.
— Mas, amo — interveio Ubbi — seu marido foi um trabalhador em
Ravenshire por muitos anos. Morreu ontem pela manhã de febre, e ela deve
encontrar sua família em Jorvik.
— Não me importa se seu marido era o maldito Rei. Não quero um be… —
suas palavras se acalmaram por um momento enquanto procurava controlar a
instabilidade em sua voz; depois se corrigiu — Não quero outra irritante e
rabugenta mulher que só diga disparates, em minha companhia. Tenho mais
que suficiente com essas duas — disse, ondeando uma mão para Rain e Blanche.
— Graças aos deuses terminarei com elas quando chegar a Jorvik.
— Mas, amo, é cruel deixá-la aqui sem um companheiro que a proteja e lhe
dê o sustento.
— Permita que ajude Bertha na cozinha. Ou permita que se vá ao maldito
inferno. Não é problema meu — Selik levantou sua cabeça para Gorm, que
seguiu suas ordens arrancando rudemente a mulher e seu choroso bebê de cima
do cavalo. Selik ignorou as lágrimas se derramando pelo jovem rosto da mulher
e voltou seu cavalo para a entrada, liderando a fila de cavalos sobre a ponte.
Costas rígidas, nem uma vez se voltou para olhar o choroso bebê ou sua
soluçante, abandonada mãe.
E Selik se negou olhar para Rain, sabendo a condenação que veria em seu
rosto.
Acaso sua própria mulher procurou escapar antes de os saxões chegarem? E se lhe
foi negada ajuda, como a essa mulher? disse a voz.
Selik engoliu em seco fortemente, sob o nó em sua garganta. O que estava
lhe acontecendo? Um mês antes, um ano antes, ele não teria titubeado em enviar
a mulher e seu maldito bebê fora para que se arrumassem por si mesmos. De
fato, ele mesmo os teria arrancado do cavalo.
Sem olhar para Ubbi, que montava a seu lado, procurou na sua túnica e
puxou um pequeno saco de moedas. O lançando ao sobressaltado servo, lhe
ordenou com voz áspera:
— Dê à criada e que ela organize depois seu transporte.
Os olhos nublados de Ubbi se iluminaram, e voltou seu cavalo para a
Ravenshire, sem perguntar uma só vez a que criada se referia, nem seus
motivos. Mas Selik pensou que ouviu Ubbi murmurar:
— Sabia que faria. Realmente sabia que faria.
Selik não gostava do rumo que sua vida tinha tomado ultimamente. Faltava
controle. Muitas pessoas estavam se unindo por si mesmas a ele. Decidiu ele
mesmo se desfazer completamente do montão de sanguessugas quando
chegassem a Jorvik.
Uma vez fora ele poderia ir outra vez em sua busca de vingança contra seus
inimigos saxões. E Steven de Gravely.
Sozinho. Esse era o caminho que tinha escolhido muito tempos atrás. Não
havia volta, nem desvio para ele em seu caminho pela vida. Não permitiria.
Hah! A simples palavra ecoou em resposta a seus pensamentos.
Selik desprezou a maldita voz em sua cabeça. Maldito inferno! Se era Deus,
então tinha uma malvada e sarcástica língua. Voltou-se rapidamente para ver se
alguém tinha falado perto dele, mas seus companheiros olhavam diretamente
para frente, concentrando-se no difícil caminho. Deu de ombros, negando-se a
acreditar no impossível, sem dúvida ele tinha falado em voz alta. Sim, foi isso.
Não podia aceitar que aquela voz estivesse em sua cabeça de novo. Nunca
poderia acreditar que fora Deus, que todos os Santos conservassem sua
prudência!
Melhor seria que acreditasse.
Grunhiu e Ubbi olhou para ele, levantando uma sobrancelha
interrogativamente. Selik disse uma palavra obscena e esporeou seu cavalo para
diante, sentindo a necessidade de um bom galope para clarear seus sentidos.
Rain quase não podia conter sua emoção quando chegaram a Jorvik na
manhã seguinte. Os homens de Selik os rodeavam e mantinham um estranho
olhar sobre os soldados saxões enquanto cruzavam a ponte sobre o rio Ouse,
depois seguiram o trânsito movendo-se na rua que Ubbi a identificou como
Micklegate ou Grande Rua.
A mãe de Rain lhe havia dito não fazia muito que Jorvik, o nome de York
no século X , era o portal entre a Escandinávia e a Inglaterra anglo-saxã. Suas
rotas comerciais chegavam até a Irlanda, as Shetlands 3, as Rhineland4, o Báltico e
ainda mais longe.
Sua cabeça girava sobre o pescoço enquanto ela tentava absorver tudo dos
maravilhosos lugares enquanto se moviam através das estreitas ruas para o
mercado do povo, sombreadas pelos beirais de palha sobressalentes dos
edifícios de adobe5.
As antigas paredes romanas, com suas oito maciças torres que rodeavam a
cidade, e alguns dos edifícios, permaneciam em ruínas, graças ao ataque saxão
dos anos recentes, mas Ubbi lhe disse que nenhum Rei Norueguês governava no
momento, e onde um ar de reconstrução e prosperidade prevalecia, a rápida
mistura do novo com o velho. Como as pessoas, pensou Rain, uma grande
variedade de noruegueses, ingleses, islandeses, normandos, francos, germanos,
russos, inclusive comerciantes de culturas orientais.
A divergência em suas musicais, e algumas vezes guturais, línguas trazia
um fundo discordante como os sons de uma cidade populosa. Comerciantes e
marinheiros praguejavam fluidamente em várias línguas enquanto
descarregavam artigos exóticos das amplas barrigas dos navios de carga que
afluiam dos rios Ouse e Foss, artigos que Ubbi identificou como vinhos finos da
Frísia6, âmbar, peles e ossos de baleia do Báltico, Soapstone 7 da Noruega, lava
querns8 de Rhineland e sedas das cores do arco-íris do Oriente.
Artesãos ofereciam suas mercadorias de onde estavam sentados em postos
na frente de suas primitivas casas, vendendo seus artesanatos (pentes de
marfim, patins de gelo de osso, broches de bronze, fivelas para cinturões e
braceletes, cordões de cristal e contas negras, tigelas de madeira e utensílios de
cozinha, jóias de prata e ouro incrustadas de pedras preciosas). Curiosamente,
cada uma das ruas — ou entradas como os noruegueses as chamavam —
3
Ilhas conectadas por ferry a Escócia, Noruega e às Ilhas Feroe e a Islândia.
4
Lugar ao norte da Alemanha.
5
O tipo de moradia que se encontra em algumas regiões da Europa, conhecida como “Wattle and Daub”, onde
um marco de madeira se enche com estacas cobertas com barro, semelhante às construções de jijolos crus.
6
Frísia (em holandês: Friesland, em frísio: Fryslân), a província maior do Reino dos Países Baixos.
7
A pedra natural é uma das possibilidades para revestimentos e pavimentos. Soapstone é uma pedra natural
composta por talco, dolomita e magnésio. Esses componentes lhe proporciona características únicas e exclusivas.
O talco proporciona à Soapstone um tato suave e muito agradável, e lhe dá a sensação esponjosa do sabão,
enquanto o magnésio o faz resistente e de grande durabilidade.
8
Se refere a alguma espécie de rocha vulcânica.
parecia conter o comércio de um produto em particular; havia uma rua de
carpinteiros, outra de joalheiros, até outra de fazedores de vidro.
— Isso é como um festival gigante de artesanato — disse Rain
impressionada enquanto se detinha perto de Selik, ele a estivera ignorando
desde o dia anterior, mas não se afastou agora.
— Sim, os artesãos impressionaram sua mãe, também — recordou ele,
parecia se divetir com sua fascinação pelo encanto das ruas da cidade. — Isso é
Coppergate, a rua onde muitas das oficinas estão situadas.
Captando sua atenção, Rain olhou a artéria principal que cruzava ao longo
da cidade do século X, sabendo que em algum ponto daquela via pública estava
o lugar onde depois se encontraria o museu Viking.
— Selik, este foi o ponto de partida de minha viagem no tempo.
Ele grunhiu ante sua menção da viagem no tempo, a qual aceitava a
contragosto, mas não queria discutir com ela.
— Sem dúvida espera se deter em Coppergate no minuto em que eu der as
costas e então voar através do ar com suas asas de anjo para seu próprio tempo.
Por favor, minha senhora, espero que me convide para ser testemunha desse
assombroso evento.
— Não seja sarcástico. Não disse que queria voltar para casa — Poderia ter
pensado em algum momento, mas não mais, não se você é o que quero agora.
Seu séquito fez uma paradada repente enquanto uma carroça de burros
passava em frente a eles. Os soldados de Selik, que montavam guarda antes e
depois do grupo de viajantes, observavam alertas procurando sinais de perigo.
— Eu adoraria ter um cordão dessas contas de âmbar — comentou Rain
casualmente sobre as pedras amarelo-alaranjadas citrinas que estavam sendo
cortadas e polidas por um altamente habilidoso joalheiro que estava sentado
perto em um tamborete. Depois riu. — Acha que aceitariam um cheque?
Selik sorriu analisando-a com o que somente poderia se chamar de carinho,
e o coração de Rain saltou. Ela se deleitou com o raro momento de
companheirismo e desejou poder se inclinar-se através do pequeno espaço que
os separava e roçar seus soltos e belos cabelos, afastando-os de seu rosto. Ou
riscar o contorno de seus lábios firmes, curvados agora em um encantador
sorriso, mas ele provavelmente repeliria seu gesto ou faria algum comentário
sarcástico.
Mas Selik a surpreendeu com um rápida piscadela de conhecimento e se
voltou para o artesão. Lançando uma moeda ao jovem homem que abriu muito
os olhos, indicou a gargantilha de âmbar que tinha nas mãos. O joalheiro a
lançou, agradecendo com um gesto de cabeça.
Encantada, Rain estendeu a mão para a gargantilha, murmurando:
— Oh, obrigada, Selik. É preciosa.
Mas ele a manteve fora de seu alcance e exigiu zombeteiramente:
— Quero uma daquelas salva-vidas em pagamento.
Um pedaço de doce em troca de uma gargantilha sem preço? Não era um
trato ruim.
— Te disse que acabaram.
— Mas mentiu.
Rain riu.
— Está bem, mas só uma — ela pegou sua mochila e sacou um tubinho
fechado de Frutas Tropicais, depois deu a ele uma amarela.
— O que é isso? Prefiro a vermelha.
— Dei as últimas de cereja a Tykir e Ubbi. Esse é de abacaxi, acho.
Selik lançou um olhar de desgosto para ela como se ela tivesse se desfeito
de seus pertences pessoais. Depois ceticamente pôs o círculo de doce em sua
língua. Um momentâneo olhar de surpresa cruzou seu rosto ante o que tinha
sido um exótico sabor novo para ele.
— É boa, mas prefiro a vermelha — assegurou provando, depois pegou e
deslizou a gargantilha sobre a cabeça dela, ajustando-a sob sua simples trança.
— Combina com seus olhos dourados, doçura.
Ele gosta de meus olhos.
— Te disse o que me faz quando usa essa palavras de amor? — disse ela
roucamente, inclinando-se para mais perto.
Mas ele a empurrou de novo para seu cavalo.
— Palavras de amor? Que palavras de amor?
— Doçura, carinho.
— Hah! Essas não são palavras de amor. São apenas… — ele se deteve.
A carroça tinha liberado a rua, e Selik moveu seu cavalo para frente.
Ela urgiu seu cavalo para seguir Selik na frente e logo o alcançou.
— Selik, obrigada. Vou cuidar da gargantilha. Sempre — porque veio de você.
— É somente uma bagatela. Ter te dado de presente não significa nada.
— Oh! Você dá com uma mão e tira com a outra. Por que continua me
afastando de você?
— Por que continua se aproximando de meu rosto?
— Por que fui enviada…
— Por Deus para me salvar — ele terminou por ela com uma sacudida de
irritação da cabeça. — Por favor, me deixe, moça, e seja o anjo da guarda de
mais alguém por um momento. Melhor ainda, por que não voa e pousa nos
telhados de uma dessas Igrejas cristãs — disse, ondeando sua mão para indicar
as numerosas casas das oficinas que passavam. — Seu grasnido poderia
combinar muito bem com todos os pombinhos.
Rain começava a lhe dar a língua, mas se deteve a tempo. Em lugar disso,
franziu o nariz para ele, zombando.
— De fato, não posso acreditar em quantas Igrejas há por aqui. Acho que
passamos ao menos por uma dúzia. Aí está São Pedro, que tem um hospício
junto?
Selik indicou a alta agulha à distância.
— Me levaria lá?
— Poderia ser… sim, levarei.
— Eu poderia ser capaz de praticar a medicina lá.
Ele sorriu.
— Isso seria digno de ver, eu irrompendo dentro da catedral e oferecendo
seus serviços para os Santos companheiros de Deus. Falando de veias
sobressalentes. Poderia causar um broto lotado de copos sangüíneos.
Rain sorriu.
— Bem, melhor que se una a eles que a mim — disse Selik bruscamente. —
Você se converteu em minha maldita sombra. Você e esse maldito do Ubbi.
O coração de Rain se quebrou com as palavras de Selik. Por acaso aquele
homem que ela estava começando a amar a considerava nada mais que um
grande aborrecimento? Ela esperava que não.
— Hoje? Vai me levar hoje?
Ele sacudiu sua cabeça, rindo ante sua pressão.
— Devo descarregar todos esses prisioneiros hoje e me liberar de Ubbi e dos
soldados.
— Descarregar? Quer dizer vender? — queria perguntar Rain. E eu? Mas
temia sua resposta.
— Aonde vai?
Deu de ombros.
— Pode ser ao sul, até Wessex.
Rain esteve a ponto de repreendê-lo uma vez mais por sua contínua busca
de vingança quando o mas horrível dos aromas assaltou seus sentidos.
— Oh, meu Deus, o que é esse cheiro?
— É pavimento, a rua um não será esquecida logo. Você está, sem dúvida,
recebendo o cheirinho dos açougueiros e curtidores. Olhe para lá — Selik
indicou alguns edifícios onde todo tipo de animais mortos penduravam de
ganchos gigantes, as vísceras e o sangue estavam sendo lançados dentro de
sarjetas ou afluindo para o rio que se movia lentamente atrás deles.
Trabalhadores industriais despojavam a pele dos cadáveres com restos de
osso, depois as cobriam com o que parecia ser bastante esterco de frango.
Tranqüilamente outros trabalhadores estavam curtindo as peles, que já tinham
apodrecido em algum momento nas crescentes filas de frangos atirados,
molhando-os com o que parecia um fermentado suco de bagos. Finalmente, viu
o produto terminado sendo estirado nas molduras de madeira e transfomado
em sapatos, casacos e cinturões.
Pelas mulheres e crianças que ela podia ver nos pátios de trás, os edifícios
deveriam combinar lares e oficinas. O aroma não parecia incomodá-los nem um
pouco. Gansos e frangos rondavam à vontade nas propriedades cercadas,
enquanto porcos grunhiam ruidosamente em pequenos currais. Várias crianças
sentadas brincavam com flautas de Pan feitas de madeira9.
Na totalidade, os artesãos, mercados e famílias se combinavam para formar
um quadro de pacífico folclore. Não como a imagem que as pessoas modernas
tinham dos vikings ou saxões da Idade das Trevas.
Aquela não era a impressão que tampouco ela tivera, desde sua exposição
da batalha de Brunanburh, e Selik. Sua mente começava a trabalhar um tempo
extra, tentando encaixar seu viking fugitivo dentro daquela tranqüila cena
doméstica.
— Selik, o que você seria se não fosse um guerreiro?
9
As Flautas de Pan se distinguem de todas as outras categorias de flautas pela presença de vários tubos,
orenados em uma ou duas filas, sobre um mesmo plano reto ou ligeiramente curvo. Cada tubo é feito para
produzir uma só nota, segundo seu tamanho, e portanto não tem orifício lateral. O fundo dos tubos está fechado,
o que permite afiná-los preenchendo-os levemente com um conglomerado. Seu nome vem da mitologia grega, a
lenda diz que o deus Pan, deus dos rebanhos e pastores, a criou.
— Anh?
— Quero dizer, quando minha mãe te conheceu, você não era forçado a
uma vida sanguinária, ou era?
Ele sorriu ante suas escolhidas palavras.
— Eu já era um Jomsviking10, mesmo nesse tempo.
— Sim, sim, eu sei, mas não foi alguma coisa você que tentaria fazer pelo
resto de sua vida. De fato, uma vez você me disse que deixou de fazer algo,
antes de… bem, disse que deixou de fazer algo.
— Um comerciante.
— Um comerciante? Quer dizer, como essas pessoas que vendem suas
mercadorias ao longo das ruas?
Ele sacudiu a cabeça.
— Não, eu tinha cinco navios comerciais. Viajava várias vezes por ano para
Hedeby e até para Micklegaard, comprando e vendendo.
Um terrível pensamento ocorreu a Rain. Oh, por favor Deus, isso não.
— Que tipo de produtos transportava?
Ele deu de ombros.
— Tudo — ele a estudou de perto e pareceu entender seu susto. — Não,
minha moça desconfiada, não era um comerciante de escravos.
Rain suspirou de alívio.
— Sim, posso te ver em um navio Viking, viajando de um centro comercial
a outro.
— Fico tão contente que você aprove — disse ele com uma inclinação
zombeteira de cabeça. — Mas realmente era um tipo de artesão naquele tempo.
Fazia… — ele se deteve bruscamente, seu rosto se tingiu de vermelho enquanto
de repente parecia se dar conta do quanto revelara.
— O quê? Não se atreva a parar agora. O que fazia?
— Animais — admitiu ele cortantemente. — Esculpia animais de madeira,
mas raramente os vendia. Geralmente só os dava às crianças da família ou
amigos que os admiravam.
Crianças. Ele dava seu trabalho manual para crianças. Hmmm. Outra pista.
— Eu gostaria mesmo de vê-los alguma vez. Tem algum com você?
Seu rosto então se endureceu.
10
A mais alta hierarquia entre os vikings guerreiros.
— Não. Não tenho nenhum. Destruí todos. E já não me incomodo mais com
passatempos frívolos — a olhou direto nos olhos. — Minhas mãos estão muito
ensangüentadas.
Moveram-se para fora da parte mais congestionada da cidade naquele
momento e foram para os subúrbios, onde as casas eram maiores e mais
afastadas umas das outras, mais prósperas. Ubbi levou seu cavalo junto ao dela,
e Selik o empurrou para trás para falar com Gorm. Rain podia dizer pela
maneira cansada como Ubbi mantinha seus ombros que a longa viagem desde
Ravenshire tinha cobrado um doloroso pedágio à artrite do pequeno homem.
— Ubbi, notei quando viajávamos através do pavimento que os açougueiros
estavam matando gado. Acha que poderia me trazer aqui amanhã para falar
com eles?
— Por quê? Está com fome?
Rain riu.
— Não, mas se eu pudesse conseguir algumas glândulas suprarenais,
poderia ser capaz de fazer um tipo primitivo de cortisona. Isso faria maravilhas
absolutas para sua artrite.
A princípio, o rosto dele se iluminou com esperança, mas rapidamente a
expressão mudou para horror quando Rain explicou o que era suprarenal.
— Quer pôr vísceras de vaca em meu corpo?
— Não, homem tolo, teria que receber internamente.
Ele pensou por um momento, pesando suas palavras.
— Por internamente, não está querendo dizer que tenho que comer pedaços
ensangüentados.
— Sim, mas…
— Nunca! Minha senhora, permito-lhe massagear meu corpo da maneira
mais indecorosa. Me fez do bobo de Ravenshire ao me lubrificar com argila
quente, e não protestei. Bem, não muito. Até nadei na água gelada do lago para
satisfazer seus caprichos, sem mencionar os banhos ferventes que me forçou a
suportar. Mas me nego a comer vísceras cruas de vaca. Até eu tenho meus
limites.
Rain explodiu em gargalhadas pelo longo e irado discurso de Ubbi.
— Ubbi, não estava querendo dizer que as comesse cruas. Ao menos, não
acho que trabalhem dessa maneira. Embora…hmmm. Em qualquer caso, estava
pensando em uma mistura de glândulas frescas com algo mais, depois
comprimi-las em uma pílula. Não tenho certeza de que isso pode ser feito.
— Hah! Mas me faria ser o… como me chamou quando estávamos
experimentando com diferentes exercícios? Jenny Pig!
— Porco da Índia — Rain o corrigiu com um sorriso. Ela alcançou Ubbi
para dar uma palmada na mão torta. Realmente ele tinha sido mais que
cooperativo em suas várias tentativas para aliviar sua condição. E algumas delas
tinham ajudado, também.
— Selik!
Rain e Ubbi se voltaram para ver uma pequena mulher de cabelos cinzentos
gritando calorosamente para Selik da porta da grande casa. Estava separada dos
vizinhos por uma ampla extensão lateral de jardim e cercas de madeira, sua
forma retangular seguia o estilo viking com tetos de palha. Finalmente símbolos
nórdicos esculpidos decoravam a grande porta de carvalho e as molduras das
janelas. Vários homens armados montavam guarda na entrada, e Rain viu ainda
mais um lado e atrás da casa.
— Mãe! — Selik saudou a mulher com uma voz cálida enquanto
desmontava e entregava as rédeas a Gorm.
— Mãe? — Rain perguntou a Ubbi. — Pensei que Selik tinha dito que não
tinha parentes.
— Ela é Gyda, a mãe de Astrid. Ele é como um filho para ela.
— Estávamos tão preocupados. Especialmente quando ouvimos sobre a
Grande Batalha. Por que não nos enviou notícias sobre seu estado, seu
miserável? — a mulher repreendeu Selik antes de lançar-se em seus braços. Ele
a levantou da terra em um abraço de urso enquanto ela o apertava
calorosamente, seus braços gordinhos se envolvendo em torno de seu pescoço.
— Selik, meu filho — disse ela suavemente enquanto deslizava de volta
levemente e examinava seu rosto amorosamente, sem dúvida procurando novas
cicatrizes. — Me desça agora, grande casca-grossa, e me deixe alimentá-lo. Não
está nada mais que pele e ossos.
Selik riu calorosamente, pondo-a gentilmente na terra, e lançando seu
braço direito sobre o ombro de Gyda. Ela mal lhe chegava ao peito.
— Quero que conheça alguém — ele fez um gesto para que Rain
desmontasse e se aproximasse.
Quando Rain parou perto de Selik, se destacando sobre a diminuta mulher,
Selik disse:
— Lembra de Ruby Jordan? A esposa de Thork?
— Sim, é claro — disse Gyda vacilando, suas sobrancelhas se franziram com
mistério pela estranha pergunta.
— Esta… convidada… é sua filha, Thoraine. Seu outro nome é Água de
Neve, quero dizer Rain.
Rain lhe lançou um olhar de desgosto ante sua brincadeira, a qual ela não
achava em nada divertida.
— E seu outro nome é imbecil — murmurou ela em um tom mais baixo
para Selik.
Mas Gyda levantou a cabeça, seu rosto alegremente iluminado com
compreensão.
— Conheço essa palavra. Imbecil. Sua própria mãe me ensinou ela. — Ela se
voltou para Selik, meneando um dedo em seu rosto. — E chegou a ser muito
útil, devo te dizer, Selik, em algumas ocasiões com todos estes guardas que você
insiste em deixar aqui comigo. Pelo sangue de Deus! Não posso dar um passo
fora da latrina sem tropeçar com um ou outro deles. Mas uma filha nascida de
Ruby! Depois da morte de Thork? Como, ela é muito velha! É incrível! É tão
gigante!
Rain tentou escutar o longo irado discurso de Gyda, mas a mulher
norueguesa falava muito rápido.
— O que ela está dizendo? — perguntou Rain a Ubbi.
— Parece que sua mãe ensinou a palavra imbecil a Gyda, que Selik deixou
muitos guardas, que Gyda tropeça com eles, e que ela acha difícil de acreditar
que sua mãe desse a luz a um bebê de Thork depois de morto.
— E ela me chamou de gigante, também, ou não? — perguntou Rain,
sentindo que Ubbi estava protegendo seus sentimentos.
— Sim, chamou — admitiu ele — mas qualquer um mais alto que um
bezerro é um gigante para ela.
Gyda se aproximou e estendeu sua mão em boas-vindas para Rain. Falando
mais devagar, disse:
— Bem-vinda, Rain. Qualquer filho de Thork e Ruby é amigo desta casa.
Os olhos de Rain procuraram os de Selik, que a ignorou estudadamente
enquanto levava seu cavalo para o estábulo, mas qualquer palavra cortante que
ela quisesse lhe dizer foi impedida pela chegada da mais formosa e jovem
mulher que Rain vira em toda sua vida.
— Selik! — gritou a beleza loira, perto dos dezessete anos, como boas-
vindas antes de se lançar entusiasticamente nos braços abertos de Selik. Ele a
girou no ar formando um círculo enquanto a abraçava com igual entusiasmo.
O imbecil!
— Tyra — ele exclamou admiradamente quando finalmente a desceu de
novo, observando-a com audácia da sua loira cabeça até seu voluptuoso e
redondo busto, logo sua diminuta cintura e estreitos quadris, até seus
irritantemente deliciosos e pequenos sapatos. — Você se converteu em uma
mulher durante minha ausência. Uma formosa mulher.
Tyra pôs uma delicada mão no peito dele, lhe oferecendo um sensual olhar
através de seus asquerosamente longos cílios, e anunciou:
— Então já é tempo para nosso casamento.
Capítulo 10
Capítulo 11
1
Aqui, a expressão era queimadura no traseiro, “quemadura em el culo” no original, mas decidi pôr uma
expressão mais tipicamente do português brasileiro.
Rain estava achando muito mais que difícil se impedir de bater na cabeça
dele. Apertou os punhos tão fortemente que suas unhas se cravaram na carne
suave de suas palmas.
Os olhos de Selik brilharam, sabendo o que acontecia.
Tyra olhava de lá para cá entre Rain e Selik enquanto eles trocavam
insultos, parecendo confusa.
— Selik, eu achava que ela era uma refém. Por que permite falar assim com
você? Não deveria cortar a língua dela?
— Essa é uma idéia interessante.
— Sei que pensa trocá-la pela liberdade com o Rei Athelstan, se alguma vez
ele te capturar, Deus não o permita, mas talvez você deveria se liberar da bruxa
agora. Evite a irritação. Não acha que um comerciante de escravos a compraria
para um dos haréns do Oriente? Se sabe que eles procuram a singularidade de
vez em quando, e talvez seu tamanho não fosse uma desvantagem — Rain
começava a odiar a moça nórdica outra vez.
Selik inclinou a cabeça e pareceu considerar seriamente a sugestão de Tyra.
— Sim, agora que menciona, já posso imaginá-la em nada mais que uns
leves véus. Talvez recostada em travesseiros de seda ao lado de uma piscina
com fundo de mármore à espera do capricho de seu mestre. Inclusive ela
poderia até…
— Argh! — grunhiu Rain entre os dentes apertados, achando cada vez mais
difícil conter sua língua, sobretudo quando sabia que Selik só a estava testando.
Ela pôs suas mãos em seus ouvidos para não escutar as provocativas palavras
dele.
— Então, Selik, vai voltar ao porto para vendê-la?
Ele olhou Rain diretamente nos olhos.
— Me diga, moça, promete corrigir suas maneiras grosseiras?
Rain mordeu a língua e afirmou com a cabeça.
— Prometerá, se te levar ao hospital, que só falará quando eu permita e
obedecerá cada ordem? — Rain vacilou, mas finalmente concordou com outro
movimento de cabeça.
— Assim seja. Mas primeiro, venha comigo. Devo enfaixar seus seios.
Rain o olhou fixamente depois de sua saída. Ele tinha pegado um longo
tecido marrom de um banco e estava já na metade de caminho para cima dela
quando ela compreendeu suas palavras.
Enfaixar meus seios?
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
A primeira coisa que Rain fez pela manhã foi pegar Ubbi e arrastá-lo ao
solar privativo de Gyda. Esperava recrutar sua ajuda no transporte do peso
morto de Selik da casa de Gyda ao celeiro de Selik fora da cidade.
— Ubbi, tenho uma confissão a fazer. Realmente sou um anjo da guarda
enviado por Deus — Rain bateu na madeira atrás de suas costas pela sua
deliberada mentira, então cruzou suas pernas também, para desencargo de
consciência.
Os olhos turvos de Ubbi se arregalaram com pratos.
— Bem, eu já sabia, senhora. Disse ao amo, repetidas vezes, disse, mas ele
não acreditou em mim. Você vem da adição de um país idiota com pessoas
idiotas e costumes idiotas, mas eu sabia. Tenho um sentido para tais coisas,
tenho.
— Bem, Ubbi... a propósito, você é cristão?
Ele pareceu hesitante.
— Fui batizado, bem quando o amo foi, mas ainda adoro os deuses
nórdicos, também — ele abaixou a cabeça com vergonha ante a admissão.
— Está bem — disse ela, acariciando-o no ombro. — Deus o entende.
— Ele entende? — perguntou Ubbi com esperança.
— Sim, e Ubbi, Deus me deu uma mensagem para você — Vou arder no
inferno por isso, Deus?
Não.
Rain revirou os olhos e olhou para Ubbi, cuja mandíbula tinha caído
praticamente em seu peito.
— Deus me enviou uma mensagem? — perguntou ele, engolindo em seco,
temeroso.
— Sim, ele disse que deveria me ajudar a estabelecer um orfanato para
todos as crianças pobres, sem lar de Jorvik.
— Realmente? Onde?
— Na velha fazenda de Selik.
Ubbi ofegou e se apoiou contra o braço de uma cadeira próxima, como se
suspeitasse que ela estava a ponto de pedir que lhe fizesse algo que não gostaria.
— O amo não vai permitir que ninguém esteja naquela terra. Além disso, a
casa foi incendiada.
— Vamos usar o celeiro. Já tem um novo teto desde ontem, e Gyda e Ella
vão enviar alguns móveis e provisões para lá hoje.
— E milord Selik esteve de acordo com tudo isso? — perguntou ele,
piscando incredulamente.
— Bem, não exatamente.
Ubbi estendeu seu pescoço para cima para conseguir olhar melhor para o
rosto dela, logo gemeu e pôs uma palma aberta sobre seu coração.
— Oh, Senhor, Oh, Senhor, Oh, Senhor. O amo não sabe, não é?
Rain sacudiu a cabeça.
— Vai me ajudar?
— O amo me matará, com certeza — gritou ele, puxando desesperadamente
seus cabelos rebeldes com ambas as mãos. — Tem certeza de que Deus pediu
que eu te ajudasse? Talvez fosse algum outro Ubbi.
Rain sorriu.
— Não, ele expressamente te mencionou. A menos que você negue, é obvio.
— Como posso repudiar um dos próprios anjos de Deus? É uma posição
injusta a que está me colocando, senhora.
Se você ao menos soubesse!
— Há até mais, Ubbi, mas tem que me prometer que até se decidir se vai ou
não me ajudar, não tentará destruir meus planos.
— De... destruir seus planos — ofegou Ubbi. — Como ainda pode pensar
que eu o faria?
— Bem, Ubbi, tenho um artigo muito grande para enviar à granja. Vai me
ajudar a subi-lo em uma carroça e logo até o desvão do celeiro?
— Um grande... O que é? — perguntou ele com receio.
— Venha comigo — disse ela, lhe fazendo gestos para cima. Quando
chegaram ao dormitório, ela retrocedeu e deixou o pequeno homem entrar
primeiro, pondo suas mãos sobre seus ouvidos para amortecer os gritos de
alarme de Ubbi.
— Oh, meu Deus! Oh, sagrado Thor! O amo está morto — chorou Ubbi,
lançando-se ao corpo de Selik, que ainda estava perfeitamente estendido na
cama, inconsciente e gelado.
— Não está morto, Ubbi — assegurou-lhe Rain rapidamente. — Só está
dormindo.
Incrédulo, Ubbi sacudiu os ombros de Selik, em vão.
— O amo está morto, o amo está morto. O que você lhe fez você? Aconteceu
durante a cópula?
— Ubbi! Tenha vergonha! — disse ela, apontando um dedo para seu rosto.
— E Selik só está dormindo, te juro. Eu, bem, dei-lhe algumas ervas para fazê-lo
dormir.
— Por quê? — perguntou ele, erguendo os ombros.
— Para salvá-lo.
Ubbi se deixou cair na borda da cama ao lado de Selik.
— Acho que não quero ouvir isso.
— Agora, Ubbi, lembra quando nos encontramos à primeira vez? Você
estava agradecido então de que Deus me enviasse para salvar Selik.
— Sim, mas…
— E você sabe o quanto é inseguro para ele viajar pelo território saxão,
sobretudo desde que esse desprezível Gravely está lá.
— Sim, mas…
— A raiva que ele tem de Steven o cega aos perigos.
— Sim, mas…
— O ponto fundamental aqui, Ubbi, é que eu realmente, realmente acho
que Selik será assassinado se for atrás de Steven de Gravely agora. Quando falei
com Selik ontem à noite, acho que ele tinha o mesmo pressentimento. E esta é a
verdade honesta de Deus.
Ubbi descansou seus cotovelos em seus joelhos e pôs seu rosto em suas
mãos durante muito tempo. Quando finalmente elevou a vista, sustentou seu
olhar e perguntou:
— Quanto você acha que ele vai dormir?
— Um dia inteiro. Dei-lhe bastante suco de papoula de ópio para derrubar
um elefante.
— Melhor que comecemos, então — disse ele, sacudindo a cabeça com
aversão ante a parte que ele ia tomar no plano dela.
Selik sentiu que alguém estava aos pés de sua cama, mas manteve os olhos
fechados. Senhor, estava cansado de discutir durante os cinco dias anteriores
com Rain sobre sua libertação. Se ouvisse lhe dizer mais uma vez que o tinha
feito porque o amava, achou que vomitaria. E Ubby — o imbecil — acreditava
que Deus lhe tinha enviado uma mensagem pessoal pedindo um orfanato.
O celeiro estava surpreendentemente tranqüilo, embora não fosse ainda o
meio-dia. Rain, sem dúvida, partira para o hospitium em Jorvik, onde realizava
suas boas ações entre os frades. Hah! Lhe mostraria suas boas ações quando
suas mãos estivessem livres, apostava que ela nunca mais leria seus malditos
manuais médicos. E Ubbi, que tinha estado cuidando de suas necessidades
corporais, com muita humilhação para Selik, teria algumas torções mais em seus
músculos nodosos quando terminasse com ele.
Finalmente, ainda sentindo uma presença no quarto, a curiosidade de Selik
venceu e ele abriu um olho o bastante apenas para ver quem se atrevia a
interromper sua paz, embora fosse pouca. Pelos ossos de Cristo! Aquela era uma
dos órfãos a quem Rain tinha dado as boas-vindas em sua propriedade, a
menina que eles tinham visto fora do hospitium fazia uns dias.
Embora as roupas da garota pendurassem em farrapos de seu fraco corpo,
Rain tinha conseguido de algum jeito banhar a marota de modo que podia ver
até as sardas ponteando seu nariz ridiculamente pequeno. E ela trançara seus
cabelos loiros em um longo rabo que caía por suas costas.
Selik ergueu uma sobrancelha, tentando lembrar o que o tolo irmão da
menina lhes dissera naquele dia. Ah, agora lembrou, algo sobre o comerciante
de escravos, Aslam, querendo os irmãos para algum sultão do Oriente. Sim, em
suas viagens ele tinha ouvido de muitos homens que praticavam tais
perversões. Seria uma vergonha ver aquela menina inocente sujeita a tais coisas,
mas aquilo não lhe concernia. Muitos horrores enchiam o mundo, e ele se opôs a
ser o cruzado que Rain queria que ele fosse, corrigindo todos os males do
mundo.
Avançando pouco a pouco para mais perto, a menina descalça, que não
podia ter mais de quatro anos, contemplou-o com grandes olhos celestiais, com
seu pequeno polegar dentro da boca o tempo todo.
— Vá embora — grunhiu ele, abrindo ambos os olhos.
A menina se sacudiu com surpresa ante sua voz brusca, mas em vez de
escapar com medo, moveu-se ainda para mais perto. O único sinal de seu
nervosismo foi ter começado a chupar ritmicamente seu polegar. A garota subiu
na cama e se sentou perto de sua cintura, contemplando-o com um olhar que só
podia ser de saudades.
Selik fechou os olhos durante um momento, fortificando-se contra o
impacto das emoções que começaram a atacá-lo. Sua pele explodiu em um suor
frio, e seu coração bateu com um doloroso canto fúnebre como sempre fazia
com a proximidade de pequeninos e com a lembrança de tudo o que perdera.
Ele não podia se permitir pensar em seu filho morto e em como Thorkel poderia
ter sido na idade de cada maldita criança que cruzava em seu caminho.
Sentiu uma pequena mão, não maior que sua palma, pressionar suavemente
contra seu peito, e abriu seus olhos de repente com consternação. A imbecil
repugnante ainda tinha seu polegar entre seus lábios que faziam bico, mas
pusera a outra mão sobre seu peito.
— Tome cuidado, idiota, mordo os pequenos cachorrinhos como você.
Mastigo-os ruidosamente e os cuspo para comida de aves — ele obrigou sua voz
a parecer profunda e feroz.
Em vez de retroceder com medo, ela riu tolamente.
Senhor, minha vida está se convertendo num pesadelo. Estou orgulhoso da
minha fama mundial como um guerreiro valente, mas já não posso assustar nem
mesmo um pequeno ácaro irritante.
— Rain! Ubbi! — gritou. — Afastem esta maldita menina repulsiva de mim!
Silenciosamente, a menina se aproximou, colocando sua face em seu peito,
chupando alto agora. Ele se balançou de um lado para outro, tentando fazê-la
cair, mas ela só agarrou sua túnica fortemente em um punho e o agarrou como
se daquilo dependesse sua vida. Ele achou ter ouvido sua risada suave. Sem
dúvida ela pensava que ele brincava com ela.
Finalmente, incapaz de desalojar a pequena sanguessuga, ele olhou
atentamente para baixo e viu seus olhos piscarem sonolentos. Uma vez, antes de
se fecharem completamente, ela sussurrou com adoração:
— Pa — e se aconchegou mais perto.
Sagrado Inferno maldito! A garotinha pensa que sou seu pai.
O aroma de sua pele de bebê envolveu seus sentidos, lhe recordando dias
melhores e tempos mais felizes em sua vida, e Selik sentiu as lágrimas
molharem seus olhos. Piscou rapidamente para conter o fluxo, praguejando
contra Rain outra vez por torturá-lo assim. Ficou tão rígido como uma táboa
durante mais de uma hora enquanto a menina dormia profundamente em seu
peito.
— Adela! Adela! Onde você está?
Os olhos de Selik se abriram de repente. Devia ter adormecido.
Os passos bateram pela escada que conduzia ao desvão, seguido do rosto
imundo do garoto que ele tinha encontrado a um passo da catedral.
— O que está fazendo com minha irmã, sua doninha maldita?
— Adam... — disse a garotinha, despertando devagar de seu sono
profundo. Ela se sentou e olhou fixamente para seu irmão, estendendo seus
braços para ele, então imediatamente pôs na boca o inevitável polegar quando
ele a pegou. Sagrado Thor! O rapaz praticamente cambaleava sob o peso de sua
irmã, que tinha posto suas pernas em torno de sua cintura.
— Se fizer mal a mim irmã, pestilento proscrito, juro…
— Cale-se — espetou Selik, já tendo tido bastante de crianças por um dia. —
Vós dois saiam de minha vista e não voltem.
— Adela, ele tocou suas partes íntimas? — perguntou-lhe Adam, e a
menina sacudiu sua cabeça veementemente de um lado para o outro.
Tocado suas...?
— Faria melhor se tirasse seu corpo asqueroso daqui, seu rato de esgoto —
espetou Selik. — E se alguma vez fizer essa acusação outra vez, juro que vou a…
— O quê? — O pequeno sodomita o desafiou, pondo Adela no chão e se
pavoneando perto da cama como um galo arrogante. Seus cabelos castanhos,
Selik assumiu que eram castanhos sob toda a sujeira, sobressaíam em cinqüenta
direções diferentes, de muitos comprimentos devido ao mau corte. O preço dos
meses de sujeira e crostas cobria seu rosto e braços, e sua túnica e braies estavam
rígidos de gordura e só Deus sabia que outras substâncias. — O que me fará,
preso? Não é um guerreiro tão temível agora, não é, meu bravo cavaleiro?
Selik teria rido se não estivesse tão zangado.
— Se afaste, pequena toupeira maldita.
— Hah! Talvez você gostaria de tentar e fazer, sendo um soldado tão feroz e
tudo mais — ele zombou.
Com seu rosto ardendo de cólera, Selik resistiu contra suas cordas. Matarei
Rain por isso. Juro.
— Nem sempre estarei contido, idiota, e quando estiver livre, melhor que
faça muito tempo que você tenha ido, já que quero deixar sua pele cheia de
bolhas, de forma que não possa se sentar durante uma semana.
Adela puxou a manga de seu irmão, apontando para Selik.
— Pa — disse ela, e Adam bufou com repugnância.
— Esse desprezível proscrito não é seu pai, Adela. Nosso pai era um feroz
soldado, não um indefeso.
— Ubbi! — gritou Selik, pressionado além de seus limites pela boca
grosseira daquele esquálido pretexto de garoto.
Seu leal — não, desleal — criado se apressou a subir a escada tão
rapidamente como suas curtas pernas podiam. Imediatamente fazendo cargo da
situação com as crianças, ele pediu perdão.
— Peço perdão, amo, tive que fazer um monte de pedidos da senhora, e o
trabalho que foi, também, arrastar uma dúzia de jovens atrás de mim, e…
— Uma dúzia? — Selik se engasgou. — Tem uma dúzia de órfãos em meu
celeiro, em minha propriedade, contra meus desejos? Rain disse que havia só
seis.
— Bem, isso foi há dois dias — confessou Ubbi envergonhado. —Cada vez
mais e mais desses pobres pequeninos vêm para cá a cada dia quando ouvem
falar de nosso orfanato.
Selik gemeu, logo pediu:
— Tire esses dois cachorrinhos irritantes daqui. Agora! E se assegure de que
não voltem.
— Sim, amo, tudo o que disser — concordou Ubbi solicitamente,
afugentando os jovens para baixo da escada. Então se voltou para Selik. —
Talvez precise do penico?
— Arghhhh!
— Eu somente perguntei — queixou-se Ubbi enquanto ele, também, descia
a escada.
Rain deliberadamente se afastou de Selik durante os dois dias seguintes,
incapaz de enfrentar suas contínuas ordens de que o liberasse, seguidas de suas
palavras mórbidas sobre todas as coisas diabólicas que tinha a intenção de fazer
a ela qando fosse livre. As emoções conflitantes a rasgavam, a culpa por ter
traído seus desejos ao seqüestrá-lo e um medo persistente por sua segurança.
De forma que agora ela o evitava e deixava Ubbi se encarregar de todas
suas necessidades físicas, inclusive o banho e a alimentação. Às crianças,
ordenou que ficassem embaixo. E as crianças! Oh, Senhor! Seu número só
continuava crescendo e crescendo. Rain sabia que teria que começar a enviar
alguns deles para longe logo, já tendo diminuído o fornecimento de dinheiro
que Gyda e Ella tinham lhe dado. Entrou no hospitium a cada dia para trabalhar,
e os monges, como pagamento, a contragosto lhe passavam bolsas de tecido
cheias de alimentos para seus órfãos. Mas o faziam da maneira menos caridosa,
e muitas vezes, quando Rain chegava em casa, descobria que a carne estava
rançosa e o pão, mofado.
Estava sentada na entrada do celeiro, olhando a brincadeira das crianças,
quando divisou Adam. Devagar, levantou-se e se aproximou da borda da
clareira onde as crianças brincavam de uma forma primitiva de “Seu Rei
mandou Dizer”. O asqueroso Adam a tinha evitado durante dias, resistindo a
tomar banho, e Rain tivera o bastante de sua boca vulgar também. Quando
conseguisse pegá-lo, tinha a intenção de esfregá-lo de dentro para fora.
Adam dava ordens às outras crianças em sua maneira habitual, até àqueles
mais velhos e maiores que ele, quando Rain se colocou atrás dele e agarrou o
desgraçado mau-cheiroso pelas costas da túnica.
— Me deixe ir, sua bruxa maldita — gritou ele.
Rain mudou seu agarre e lhe passou os braços em torno do peito em um
apertão parecido a uma pinça. Mesmo que desse chutes e a chamasse por cada
nome ordinário de seu vocabulário vulgar, não o liberaria.
— Ubbi, consiga para mim sabão e tecidos de linho e lave as roupas para o
pequeno ranhoso sujo.
Aproximando-se do coxo dos cavalos, que tinha se enchido de água de
chuva no dia anterior, deixou Adam cair, logo o manteve sob a água durante
um momento para se assegurar de que seus cabelos oleosos se molhavam. Ele
saiu chispando da água lhe lançando nomes mais asquerosos que um
marinheiro curtido. Ubbi lhe deu um pedaço duro de sabão, e a ajudou a despir
o escorregadio maroto e segurá-lo.
Depois de meia hora que pareceu meio-dia, finalmente liberaram o menino
brilhantemente limpo da água gelada. Ele sacudiu seus cabelos molhados do
rosto, logo pôs as mãos sobre os quadris magros e a fulminou com o olhar,
totalmente não coibido por sua nudez.
Rain e Ubbi ambos contemplaram o pequeno garoto com assombro, se
voltando um para o outro ao mesmo tempo.
— É bonito — sussurrou Rain com surpresa.
— Você é uma chupa-bacalhau, uma lambe-traseiros, sem tetas, feia harpia
como uma cadela — exclamou Adam, empurrando Rain pelo peito — e eu…
— Os soldados saxões estão vindo! Os soldados saxões estão vindo! — uma
das crianças gritou, precipitando-se para eles pelo caminho. — Bjorn os viu de
cima da colina.
Rain e Ubbi trocaram olhares rápidos de consternação, mas então
imediatamente disseram às crianças que seguissem o plano que tinham
praticado repetidas vezes para tal emergência. Adam rapidamente pôs suas
roupas secas e juntou em manada as crianças dentro do celeiro como um
sargento de treinamento, cuspindo ordens a direita e a esquerda, e partiu.
Graças a Deus os homens de Selik e seus cavalos estavam ainda em Jorvik.
Nunca teriam sido capazes de escondê-los.
Rain e Ubbi se precipitaram para cima.
— Selik — gritou Rain quando ela e Ubbi começaram a puxar feixes do feno
perto da cama para cobri-lo. — Os soldados saxões estão vindo — disse ela
ofegante. — Temos que te cobrir enquanto eles estiverem aqui.
— Me solte — exigiu ele.
Quando ela só seguiu amontoando o feno sobre a cama, ele mostrou os
dentes e grunhiu:
— Me solte, maldita seja! Ao menos me dê a dignidade de eu mesmo me
defender se me descobrirem.
Rain vacilou só um momento e olhou para Ubbi, que tirou uma faca da
bainha em seu cinturão e deixou Selik livre.
— Por favor, se deite e nos deixe te cobrir, entretanto, Selik — suplicou
Rain. — Por favor — ele lhe jogou um olhar de desprezo, mas,
surpreendentemente, obedeceu, dizendo a Ubbi:
— Não tente enfrentar esses bastardos. Sobretudo, não quero que tome
medidas extremas para me proteger. Está me entendendo, Ubbi? Não me
importa se tiver uma maldita mensagem do Papa.
Ubbi aquiesceu.
— Volte para baixo, Adela — disse Selik suavemente com um tom irregular
na voz. Ele olhava para trás de Rain.
Rain deu a volta para ver a menina contemplar Selik com olhos grandes,
assustados, seu polegar foi à boca como de costume.
— Tire-a daqui — pediu Selik a Rain, mas a menina gemeu e se precipitou
para frente, com seus braços estendidos para Selik. — Inferno maldito! —
blasfemou Selik, logo levantou Adela. Ela rodeou seus braços fortemente em
torno de seu pescoço, resistindo a ir, mesmo lhe dizendo que estaria a salvo
indo para baixo com Rain e Ubbi.
O ruído dos elmos dos cavalos ressonou no caminho próximo, quase a uma
jarda, e Selik repetiu:
— Inferno Maldito! — rendeu-se, deitou-se no cama de armar com Adela
estendida em seu peito, seu rosto cravado em seu pescoço. Rain e Ubbi
rapidamente jogaram o resto do feno sobre a cama de armar, tomando cuidado
de pô-la solta sobre seus rostos.
Quando os soldados assaltaram o celeiro pouco tempo mais tarde, todos as
crianças estavam sentadas à uma mesa de cavalete longa comendo bolos de
aveia e pão de centeio. Aquele patife de Adam fazia um trabalho excelente
conseguindo que os jovens obedecessem suas ordens.
Os soldados que pareciam ferozes, vestidos para a batalha, com as espadas
sacadas, fizeram uma parada abrupta na entrada do celeiro. Pelo visto, não
tinham esperado uma cena tão doméstica.
O comandante, um homem grisalho, ruivo, andou para frente.
— Onde está ele?
— Quem? — perguntou Rain cortesmente.
— Selik. O Proscrito. Quem mais? — espetou ele, vindo mais perto. — Esta
é sua propriedade, verdade?
Rain deu de ombros.
— Não conheço ninguém com esse nome. O celeiro estava abandonado, e
todos esses órfãos sem lar não tinham nenhum lugar para ir, então...
— Eles são nada mais que dinamarqueses pagãos sem valor — cuspiu ele
no chão recém varrido aos pés de Rain, e ela mordeu o interior de seu lábio para
evitar dar ao folgazão um pedaço de sua mente. — Quem é você? — perguntou
ele de modo ameaçador, andando mais perto e agarrando a frente de sua túnica
com um puxão de modo que ela tropeçou e caiu contra seu peito de barril.
Rain o empurrou com força, apartando-o de sua presa.
— Sou Rain Jordan, e você não tem nenhum direito de irromper em nossa
casa dessa maneira.
O soldado, então, lhe deu uma pancada com o reverso da mão no rosto com
força. Seu lábio se cortou e seu nariz começou a sangrar. Atordoada, Rain pôs
uma mão em sua boca machucada. Ninguém jamais, em toda sua vida, tinha
batido nela. Mas tentou conseguir controlar seu gênio quando viu as crianças
erguerem o olhar para ela com medo. E o tolo de Adam parecia que ia
apunhalar o soldado com sua pequena faca. Por sorte, Ubbi viu Adam ao
mesmo tempo e o obrigou a se sentar.
— Procurem! — pediu o líder aos soldados, e com a indiferença dissoluta
pela pobre propriedade, começaram a derrubar os baús e barris no celeiro. A
farinha se derramou no chão sujo. Um montão de roupas foi rasgada em
fragmentos pela espada de um soldado. Dois pares de sapatos de couro das
crianças foram lançados ao fogo da lareira. Enquanto alguns homens foram para
fora procurar nos bosques, um soldado jovem subiu a escada para o desvão.
Rain forçou seus olhos a baixarem, com medo de olhar Ubbi se por acaso
seu medo se mostrasse em seus olhos. Por favor, Deus, eu te peço. Por favor,
não deixe os soldados machucarem Selik. Por favor. Ela ouviu um som de
tamborilar e elevou a vista. O soldado jovem baixou a escada, coçando suas
axilas indolentemente.
— Nada no desvão exceto um montão de feno mofado.
— Poderíamos usá-lo para nossos cavalos? — perguntou o líder, e as
pontadas de medo voltaram para a pele gelada de Rain.
— Não. Cheira como se estivesse aqui há anos. Sem dúvida daria cãibras no
estômago dos cavalos — o soldado jovem bocejou extensamente com
aborrecimento, e Rain sabia que o preguiçoso jovem não queria ter que recolher
o feno do desvão para seus colegas.
O comandante se elevou sobre Rain outra vez e a agarrou por ambos os
braços, levantando-a nas pontas dos pés. Ela mal se conteve de cuspir no rosto
dele, mas seu desprezo devia ter se mostrado em seu rosto porque o homem
corpulento pressionou com força. Rain sentiu como se seus braços fossem se
quebrar, e não pôde impedir que as lágrimas enchessem seus olhos ante a
intensa dor.
— Preste bem atenção, moça. Meu nome é Oswald. Eu estarei nos quartéis
militares em Jorvik. Se ouvir algo acerca do Proscrito, deve se pôr em contato
comigo imediatamente. O rei Athelstan quer a cabeça do bastardo em uma
bandeja, e tenho a intenção de entregá-la — com essas palavras, ele a empurrou
com força e ela caiu no chão.
Rain ficou onde estava. As crianças e Ubbi congelaram no lugar também até
que o ruído dos cavalos dos soldados se desvaneceu. Finalmente, Rain ficou em
pé e olhou em tornou, para a confusão. E entendeu como Gyda se sentiu ante a
destruição de sua casa. Todos estavam seguros, e era a coisa mais importante.
Ela olhou, então, seus braços nus pela túnica de mangas curtas. Os sinais de
dedos arroxeadas marcavam sua carne branca praticamente dos cotovelos aos
ombros.
O silêncio começou a se romper, então, quando uma primeira criança, logo
outra, começaram a gemer e gritar. Rain ouviu outro ruído. Passos. Olhou para
a escada para ver Selik surgir do desvão com a menina embalada em um braço,
as fibras de palha os cobriam da cabeça à ponta dos pés.
— Adela! — gritou Adam com alívio e se aproximou para tomar a sua irmã
de Selik, abraçando-a carinhosamente e lhe falando suavemente.
Os olhos despertos de Selik exploraram o quarto.
— Todos estão a salvo? — perguntou a Ubbi, que aquiesceu.
Ele voltou os olhos zangados para Rain então, e, pela primeira vez, Rain se
deu conta da implicação da presença de Selik no nível inferior do celeiro. Ao
libertá-lo para se defender contra os saxões, também o tinha libertado para
inflingir sua vingança contra ela pelo seqüestro. Ela tinha pensado que teria
mais tempo para pacificá-lo, para convencê-lo de seu amor, para fazê-lo
perceber que o que tinha feito era pelo próprio bem dele.
— Rain — disse Selik com uma voz sedosa que gotejava ameaça. — Venha
aqui — dobrou um dedo, lhe fazendo gestos para ele, mas o olhar de Rain
estava cravado no desprezo de seus olhos cinza de aço.
Ela retrocedeu um passo.
Selik avançou um passo.
— Selik, por favor, entenda... — Rain sentiu atrás dela a porta do celeiro e
abriu caminho através da abertura.
— Oh, entendo, moça — zombou ele, espreitando-a com uma intensidade
selvagem.
Ela se perguntou naquele momento se seu maior perigo estava com os
soldados saxões ou Selik enfurecido. Decidiu não correr nenhum risco.
— Oh, infernos! — exclamou Rain, e deu a volta para correr aos bosques e à
segurança.
Capítulo 15
Rain correu tão rápido como pôde para o bosque, mas se viu impedida pelo
crescente vento, que arranhava as contusões que tinha sobre o rosto e braços. E
também doía seu quadril onde se batera quando o comandante saxão a lançou
ao chão.
— Isto é ridículo — murmurou, pensando que estava de novo ao ponto de
partida de sua viagem no tempo. No primeiro dia que ela “chegou” à Grã-
Bretanha medieval, tinha fugido do brutal bárbaro Selik. Agora escapava de
Selik, o homem que amava.
Ela parou de repente e deu a volta. Selik parou em seco diante dela.
— Se decida, moça. Corre de mim, ou para mim?
Rain não vacilou.
— Para você.
De repente aflita por sua milagrosa escapada dos soldados saxões e a
ansiedade de saber Selik preso durante a semana passada, lhe passou os braços
em torno do pescoço, abraçando-o calorosamente.
— Ah, Selik, agradeço a Deus que esteja a salvo — ficando nas pontas dos
pés, beijou-lhe o pescoço, o queixo e seus firmes lábios.
Quase imediatamente percebeu que ele estava em pé com as mãos nos
lados, rigidamente insensível.
— Não pense que me influenciará com seus sedutores truques. Nunca te
perdoarei, Rain. Nunca.
Ela se retirou levemente, sentindo um pressentimento, ao olhar seu rosto.
Como lanças de aço cinza, os olhos de Selik a apunhalaram com fúria, e sua
mandíbula saiu para fora com a raiva mal controlada.
— Selik, me deixe te explicar. Sei que está zangado, mas…
— Zangado! Senhora, isso não é um nome para a fúria que sinto por você.
Mas se inteire disso, zangado é uma atenuação muito lamentável — seus olhos
se arregalaram levemente quando exploraram seu rosto. — Você está
sangrando.
Rain passou a ponta de um dedo pela face e sentiu os cós do dedo em seu
rosto e uma dor perto do nariz.
— Um soldado me bateu. Isso é somente uma hemorragia nasal, acho.
Selik aspirou fôlego levemente, a única indicação de que se preocupava de
uma maneira ou outra por lhe terem feito mal. Seus olhos cinzas ainda a
olhavam com um desprezo absoluto.
Ele nunca me perdoará agora, concluiu Rain tristemente.
—Venha — ele lhe ordenou com voz gelada. — Tratarei com você e seus
traidores atos lá dentro — ele agarrou seu braço e começou a puxá-la para o
celeiro.
— Não! — gritou Rain. Flechas de tormentosa dor que iam do pescoço aos
dedos se cravavam nela pelo seu apertão de ferro sobre o machucado na pele de
seu braço.
— O que foi? — perguntou ele, sua testa se franziu pela confusão. Deixou
cair sua mão quando viu as púrpuras contusões sobre ambos os braços.
— Ah, infernos — disse ele monotonamente quando seus ombros caíram.
Rain não podia parar as lágrimas que caíam de seus olhos ao transbordar a
intensa dor que sentia, tanto em seus braços como em seu coração ante o óbvio
ódio de Selik por ela.
Seus compridos cabelos loiros flutuaram sobre seus ombros e fibras de
palha flutuaram em cima de sua túnica, mas ele olhava fixamente seus braços
com uma ilegível expressão em seu rosto. Levantando um braço, ele remontou
os escuros hematomas com seu indicador, suave como uma pluma, como se
quisesse apagar sua dor. De repente a suave expressão de seu rosto mudou para
a mais absoluta perplexidade.
— O que é isso? — perguntou ele, indicando a pequena cicatriz situada
perto da parte anterior de seu cotovelo.
— Um implante contraceptivo.
— Um o quê?
— Implante contraceptivo. Fiz isso faz dois anos quando pensei que ia me
relacionar com um homem, mas então... não aconteceu — disse ela com um dar
de ombros, apartando seu braço dele.
— Exatamente o que faz um implante contraceptivo?
— Impede a concepção — Selik realmente falava sobre contracepção
quando tudo no que ela podia pensar era em seu mundo se quebrando como
cristal fino pelo seu destrutivo desprezo?
— Perdão?
— Isso é um dispositivo para contracepção. Sei que parece difícil de
acreditar... Podemos falar disso em outro momento? Não quero fazê-lo agora.
— E por que não compartilhou essa maravilhosa informação comigo antes?
Surpreendida ante o sarcasmo que gotejava de sua voz, Rain respondeu
sinceramente:
— Nunca perguntou.
Selik fez um som que gorjeou sob seu fôlego.
— E quanto tempo faz que tem esses… essas implantações?
— Aproximadamente cinco anos.
Selik então riu amplamente.
E Rain tremeu porque sua risada não tinha rastro algum de seu calor
habitual ou afeto. Aquela era uma risada perigosa, uma risada mortal, a de um
predador sexual.
A confusão caiu sobre Rain.
— Selik, por que evitou fazer amor comigo? Me disse que era porque os
guerreiros tinham que economizar suas forças antes de uma batalha.
Ele tomou seu braço agora com mais cuidado.
— Venha, Rain. Temos um longo negócio atrasado para resolver, e já não
pode esperar outro momento.
Quando entraram no celeiro, Rain viu que Ubbi já tinha as crianças
trabalhando com aplicação, limpando a confusão feita pelos soldados. As
crianças olharam para ela e Selik com curiosidade, e outros com medo nos olhos
pela segurança dela.
— Ubbi, junte esses ratos cheios de insetos da rua e leve-os a casa de Gyda
em Jorvik.
— Por quanto tempo? — Perguntou Ubbi, não se incomodando em
perguntar por que.
— Até que eu mande dizer que podem voltar para minha casa.
— Mas e o que acontece se Gyda protestar?
— Isso não me preocupa. Assumo que Gyda já tem muito por fazer com
meu seqüestro. Deixe a sua inteligência um modo de tratar com os resultados.
Ubbi se encolheu para trás ante a cólera na voz de Selik.
— Sim, melhor que se jogue longe de mim, meu traidor amigo. Me traiu
ajudando meu inimigo — disse ele, agitando uma mão para Rain. — Falaremos
mais tarde.
— Eu... traidor? Ah, nunca pense isso de mim, amo. Fiz só o que Deus
mandou que fizesse por seu próprio bem.
Selik deu um passo se aproximando, apontando um dedo de maneira
ameaçadora ao rosto pálido de Ubbi.
— Bem, aqui está outra mensagem para você, Ubbi. Vá para o inferno,
longe de minha presença, antes que eu retorça seu fraco pescoço.
Ubbi saltou para trás e começou a guiar as crianças para a porta,
impulsionando-as a juntar seus pertences para uma longa visita.
Os despertos olhos de Selik exploravam o grande espaço e notaram Adam,
que deslizava de uma maneira clandestina para a saída. Lançou-se para ele
antes que pudesse escapar, agarrando-o pelo cinturão e levantando seu pequeno
corpo, dando chutes e se retorcendo, no ar.
— Você é o tolo mosquito que zombava de mim com asquerosas palavras
quando estava preso?
— Não — mentiu Adam com audácia, tentando perfurar os ombros de Selik
com seus braços. — Está me confundindo com outro. Eu apenas sou um garoto
necessitado, sem mãe para cuidar de mim e de minha pobre irmã.
— Necessitado! Hah! Talvez seja necessitado desde o dia que saiu berrando
do útero de sua mãe — ele se sentou em um banco então e pôs Adam sobre seu
colo. Rápido como um relâmpago, bateu em seu traseiro, logo o pôs no chão
diante dele, segurando-o firmemente pelos ombros.
Adam cuspiu em seu rosto.
Os olhos de Selik se arregalaram incrédulos, e sacudiu sua cabeça ante o
atrevido garoto.
— Seu orgulho faz de você um idiota, garoto. Melhor aprender a escolher
suas batalhas mais sabiamente.
Seus lábios se franziram com gravidade, e puxou Adam ao seu regaço e lhe
bateu outras cinco vezes, dessa vez um pouco mais duro. Quando o rapaz ficou
em pé ante ele essa vez, as lágrimas enchiam seus olhos e seus obstinados lábios
tremiam. Conhecendo Adam, seu orgulho doía mais que seu traseiro.
— Está me entendendo agora? — exigiu Selik.
Adam pareceu pensar em se rebelar outra vez, mas finalmente aquiesceu.
— Vá com Ubbi agora e cuide das outras crianças — disse ele empurrande
Adam ao grupo que tinha os olhos muito abertos. — Ubbi precisa de alguém
valente para ajudá-lo.
A princípio, Adam somente olhou para Selik. Quando por fim
compreendeu o elogio, sorriu abertamente com um ar travesso e correu para
seus companheiros órfãos gritando ordens.
Selik fechou a porta atrás deles e se voltou para Rain.
— Suba ao desvão.
Rain explorou o inexpressivo rosto de Selik, tentando entender suas
intenções, esperando algum gesto de abrandamento para ela. Não havia
nenhum.
Com resignação, ela subiu a escada do desvão. Ouviu Selik, que se movia
de um lado para o outro embaixo. Insegura ante o que ele queria que fizesse,
decidiu reunir o feno que ela e Ubbi tinham jogado sobre a cama para cobrir
Selik e Adela. Quando terminou, sentou-se sobre as peles de cama e esperou. O
que lhe faria? Como executaria sua vingança por seu seqüestro?
Muito logo, conseguiu a resposta.
— Se dispa — ordenou Selik quando subiu a escada do desvão.
— Por quê?
— Não me desafie mais, moça. Faz como digo. Agora.
Rain a contragosto tirou a longa túnica de bezerro e as calças que usava
embaixo. Ela vacilou em tirar o sutiã e a calcinha.
— Tudo — bramou ele.
Quando ela estava em pé nua ante ele, a cabeça baixa ante a vergonha,
começou a tirar o colar de âmbar.
— Fique com as contas — disse ele bruscamente.
Sua cabeça se ergueu rápida, mas ele já dera a volta longe dela. Por cima de
seu ombro, instruiu-a:
— Deite-se sobre a cama.
Com temor, Rain fez o que ordenava. Ele andou para a plataforma devagar,
seus olhos percorreram cada polegada de seu corpo desde seus dedos dos pés a
seus compridos cabelos, que tinham se soltado da trança e caíam sobre seus
ombros. Quando ele pegou as cordas, ainda atadas às colunas da cama, Rain
soube o que ele ia fazer.
— Não, Selik, por favor, não faça isso. Eu tinha boas razões para minhas
ações. Só quis te manter a salvo.
Ele não fez caso de suas súplicas e a escancarou sobre a cama, atando-a bem
aos quatro cantos. Sentando sobre a borda da cama, olhou-a com desprezo,
perguntando com fingida consideração:
— Quer usar o penico?
O rosto de Rain ardeu e ela piscou contendo as lágrimas ardentes que
surgiam em seus olhos.
— Isso é degradante.
— Sim, é — ele concordou com frieza. — Sobre isso, ao menos,
concordamos.
Ele começou a se afastar dela, então, e Rain o chamou se dando conta que
tinha toda a intenção de abandoná-la sozinha:
— Selik, estou com frio — o vento se elevou e se escutavam trovões à
distância, pressagiando a vinda de uma tormenta.
— Não será por muito tempo — informou-a sardonicamente, mas então
lançou uma capa sobre ela, o lado de pele contra sua pele. Com cuidado,
assegurou-se de que a cobria dos dedos dos pés aos ombros. — Descanse, anjo.
Vai precisar.
Selik ficou longe tanto tempo que eventualmente Rain cochilou. Quando
despertou, sentiu a frieza do vento, a tormenta rabiava forte lá fora, a chuva
golpeava contra as táboas do celeiro. Embora fosse apenas a última hora da
tarde, o interior do desvão estava escuro e sombrio. Ou estaria, se não fora por
uma dúzia de velas que iluminavam intensamente em volta de sua cama.
E ela estava nua, a manta tinha sido lançada à parte.
Seus olhos se abriram exageradamente, procurando Selik. Ele estava
sentado em um tamborete perto da borda do círculo de velas, suas longas
pernas estendidas casualmente, cruzadas nos tornozelos, e seus braços cruzados
sobre o peito. Olhou-a como um abutre, mas as sombras ocultavam as
expressões de seu rosto.
— Me diga — disse ele com uma voz impessoal quando comprovou que
estava acordada — o que te incitou a trair minha confiança?
Rain estremeceu dolorida ante sua condenação, mas considerou
francamente.
— Nunca te traí, Selik. Eu tentava te proteger — continuou lhe explicando
tudo o que Gyda e Ella disseram e por que se sentiu obrigada a tomar tais
drásticas ações. — Irá atrás de Steven agora? Irá às terras de Gravely em
Wessex?
Ele sacudiu a cabeça devagar de um lado para o outro.
— Não. Enquanto você dormia, consegui a palavra de meus homens em
Jorvik, os que ainda são leais a mim. Steven foi visto subindo um navio em
Londres.
Ela suspirou aliviada.
— Não pense que me deteve com seus atos traidores. Só me atrasou. Ainda
irei atrás de Steven.
— Selik, por favor tente entender. Eu te amo. Tive medo.
— Não — interrompeu-a ele. — O amor não seqüestra o amante. Realmente
me considera um guerreiro tão fraco que não possa me defender contra um
fraco tão diabólico como Steven de Gravely?
— Esse não é o ponto. Gyda me disse…
— Desista de lançar a culpa na outra. Você e só você, tomou a decisão de
me drogar e me refrear. Você decidiu brincar de homem e determinar meu
destino. Como me desafiou? Como?
— Sinto muito — disse ela fracamente.
— E não pense em me abrandar com lágrimas. Te asseguro que não o farão.
Mas Rain chorou de qualquer maneira, a união das lágrimas transbordou
em correntes silenciosas descendo por seu rosto, queimaram-na quando tocaram
as orlas de seu nariz machucado. Ela sabia que devia apresentar um aspecto
lamentável. Um lado de seu rosto provavelmente estava todo vermelho, e seu
nariz torto. Ah, Senhor, aquela era a menor parte de seus problemas. Selik se
moveu silenciosamente para a cama e se sentou. Inclinou-se para o chão e pegou
um pequeno pote de cerâmica. Molhando seus dedos dentro, começou a aplicar
o mau-cheiroso ungüento sobre as contusões de seus braços. Quase
imediatamente, Rain sentiu que a dor remetia e logo desaparecia.
— O que é isso?
—Linimento de cavalo.
Rain se sufocou quando inalou o cruel aroma, mas cheirava igual ao queijo
limburger.
— É uma receita especial de Ubbi — disse ele com uma risada severa,
reconhecendo seu desconforto e, sem dúvida, achando prazer naquilo. — O
aroma desaparece quase imediatamente.
Usou um pano molhado de linho para limpar o sangue, os rasgões e as
lágrimas de seu rosto, logo aplicou o mesmo linimento às feridas em sua face.
Ela achou que podia desmaiar pelo desagradável mau-cheiro tão perto de suas
narinas.
— Sabe o nome do soldado saxão que te fez isso? — perguntou ele com voz
rígida.
— Ele disse que seu nome era Oswald, o líder de uma guarnição saxã
recém-atribuída a Jorvik, acho.
— Não viverá para celebrar outro Natal — proclamou Selik com um
objetivo mortal enquanto deixava o pote de cerâmica no chão e limpava o
linimento de seus dedos com um pano de linho.
Então a surpreendeu desatando as cordas que a retinham, lhe ordenando:
— Vá se lavar — disse, lhe indicando um canto onde uma jarra de água
estava sobre um quadrado de feno. — E se alivie se precisar, também —
acrescentou com seco humor. — Acho o ato de segurar um penico até mais
degradante que usá-lo.
Rain se sentiu abatida ante o aborrecimento gelado de sua voz, mas se
apressou rapidamente para frente das velas para ir ao canto escuro, frio.
Quando terminou, voltou para a cabeceira. Selik ainda estava sentado sobre a
cama, sua expressão sombria destacada pelo tremeluzir das velas.
— Sente-se — disse ele, indicando seu colo.
O coração de Rain se lançou a um rápido galope, mas ela não fez perguntas
a respeito de sua ordem.
— Não, assim não — disse ele, girando-a para sentá-la montada em seu
colo.
Rain se sentiu exposta e vulnerável, sentada em tal posição, nua, enquanto
Selik estava totalmente vestido com a túnica, as calças e as botas de couro. Ela
abaixou a cabeça pela vergonha, logo ofegou quando sentiu que o frio ar
golpeava as dobras internas de seu corpo quando Selik abriu suas pernas.
Selik sorriu abertamente, quase como se não pudesse ajudá-la. Então ele
remontou a cicatriz do interior de seu cotovelo.
— Devia ter me dito que não podia ficar grávida.
— Não pensei que fosse importante.
— Por que acha que me abstive de penetrar seu corpo durante aquele
combate ridículo de beijos que durou uma hora?
Rain saltou surpresa, procurando seus olhos.
— Acreditei no que me disse a respeito de que o sexo debilita os soldados
antes de uma luta. E porque... porque pensei que não me achava o bastante
atraente.
Selik inalou bruscamente e ela sentiu sua ereção crescer e se endurecer
contra seu centro.
— Estas louca?
Rain sorriu provisoriamente, pela primeira vez começando a pensar que
Selik não a castigaria fisicamente, ao menos não dos tortuosos modos que
imaginara.
— Acha que sou atraente?
— Você é uma bruxa. Nem pense que pode se fazer passar por um anjo. Eu
vejo o brilho diabólico da sedução em seus olhos de mel. Acha que me distrairá
de minha cólera com suas artimanhas sensuais — bruscamente, ele pressionou
sua feminilidade contra sua furiosa ereção. — Durante semanas, fantasiei sobre
todas as coisas que eu gostaria de fazer a seu corpo, mas não podia fazer devido
às tolices que disse a respeito das gotas de sêmen.
Rain riu, mas sua risada logo se apagou quando ele mencionou algumas de
suas fantasias em abafados sussurros enquanto a ponta de seu dedo ainda
remontava círculos eróticos em torno da cicatriz de seu braço. Rain ficou
impressionada pela criatividade de sua mente. Quando ele levantou seu braço e
passou a ponta de sua língua úmida pela cicatriz, Rain sentiu como um poço de
umidade, quente e fundida, se criava entre suas pernas. Ela apertou suas coxas
resistindo.
Os olhos de Selik brilharam. Ele sabia o que lhe fazia. Ah, sim, ele sabia. E
desfrutava disso.
— Selik — sussurrou ela em uma súplica rouca — tire a roupa, você
também.
— Não, essa é uma viagem que tenho a intenção de começar totalmente
vestido.
— Uma viagem?
— Sim, vamos em uma aventura Viking, a uma exploração —embora a
cólera e o dano de sua traição ainda retesavam seu rosto, Rain percebeu o brilho
travesso de seus olhos.
— Que tipo de exploração? O que procuramos?
— Seu Ponto G.
— Ah, Selik — ela riu. — Isso não é necessário.
— Sim, é — divergiu ele. — E até poderia te mostrar o Ponto S secreto se for
capaz de apaziguar minha cólera por você.
— Ponto S? — perguntou Rain com receio, não tinha certeza de se ele estava
brincando.
— Sim, não me diga que há algo que suas famosas exportações sexuais com
esses malditos manuais não sabem.
Rain caiu para trás se engasgando de riso.
— Expertos — corrigiu ela — não exportações.
Ele agitou uma mão com desdém.
— Isso não tem nenhuma importância. A verdade é que primeiro os sultões
descobriram o Ponto S secreto em seus haréns. Uns invasores Vikings
aprenderam o segredo e aperfeiçoaram a arte. Sem dúvida, a informação nunca
alcançou seu país...
Os lábios de Selik se distenderam em um sorriso. Rain não tinha certeza de
se ele falava a sério ou não. Não se importou. Naquele momento, tudo o que lhe
importava era Selik e o amor que ela sentia por ele.
Selik passou suas mãos por seus joelhos, perto de seus quadris, e correu
seus calosos dedos em uma lenta varredura por suas coxas.
— Por que suas pernas estão tão ásperas?
— Porque não me depilo há semanas.
— Ah, sim, as pernas depiladas, sua mãe mencionou.
— Sabe muito bem que estou um pouco farta de ouvir todas as coisas
vergonhosas que minha mãe disse e fez.
— Bem, talvez possa depilar as pernas mais tarde com minha faca. Está
muito afiada e é com o que estou acostumado a barbear meu rosto. Certamente,
te observarei para que faça corretamente.
— Ah, Selik, eu o…
— Não — deteve-a bruscamente. — Já provou ser de pouca confiança. Não
me lance suas mentirosas palavras. Além disso, não é isso o que quero de você.
Suas palmas abertas se moveram então sobre seus quadris, pela frente da
curva de sua cintura, sobre seu busto. Quando seus polegares se estenderam e
roçaram a parte inferior de seus seios, ela suspirou.
— Assim, não? — perguntou ele com uma sorrisinho. — E como sente isso?
As palmas de suas mãos levantaram o peso de seus seios cheios e a
sensação de seus dedos sobre eles, tocando por toda parte exceto onde ela mais
queria ser tocada. Então, por um só instante, seus dedos beliscaram seus
mamilos para frente e para trás.
Intenso, o tiro de prazer erótico de seus seios tinha alcançado o centro de
sua dor, e ela fechou com força as pernas mais apertadas.
— Mais — suplicou em um sussurro rouco. Mas Selik retirou as mãos de
seus seios e as colocou sobre suas costas. Puxando-a para ele, ajustou-a de modo
que sua fenda montasse sobre seu pênis erguido. Então suas mãos se moveram
para cima, misturando-se em seus cabelos, segurando seus cabelos em um firme
apertão.
Ela o olhou com olhos ardentes e pediu:
— Me beije. Por favor.
— Pensei que nunca me pediria — disse ele com voz crua quando baixou
seus lábios aos dela. Ele angulou sua boca aberta sobre a dela, então, sem
nenhum suave preliminar, inundou sua língua em sua boca, chamuscando-a.
Ela sentiu um poço quente líquido em seu centro, explodindo e se abrindo.
Lentamente, ela o montou com impulsos desiguais de seus quadris até sentir
seus eletrificantes espasmos de prazer por ela. Ela tentou lhe dizer que queria
tudo dele, mas não podia falar por causa da sua língua quente, que imitava os
movimentos de seus quadris na bainha lisa de sua boca. Suas mãos seguravam
seus seios, acariciando de um lado para o outro seus mamilos, esfregando-se
abrasivamente contra a lã de sua túnica.
Ela gemeu, logo explodiu em um milhão de faíscas, maravilhosas faíscas do
prazer mais intenso que jamais experimentou em toda sua vida.
E ela queria mais.
Durante um momento, ela descansou sua cabeça contra o ombro de Selik.
Ela sabia que ele não tinha culminado. Ainda sentia sua dureza apertando-se
contra ela e pelo ofego de seu fôlego perto de seu ouvido, seu controle de ferro
estava se desvanecendo.
Rapidamente, antes que ele pudesse protestar, Rain se separou dele e
deslizou de seu colo, para ajoelhar-se entre suas pernas. Ela começou a abrir o
broche de seu cinturão, logo ergueu sua túnica para cima, impulsionando-o com
silenciosos movimentos a se levantar ligeiramente para acomodá-la.
Ela não pôde parar de tocá-lo então. Passou sua palmas abertas sobre os
escuros pêlos loiros de seu peito, ao longo de seus amplos ombros, pelos seus
planos mamilos masculinos. Sentiu os estremecimentos que percorriam seu
corpo tenso e ergueu a vista. Seus formosos olhos cinzentos tinham o olhar
ausente da paixão, e a brancura de sua cicatriz se destacava cruamente contra
sua pele avermelhada.
— Eu te amo.
Ele pôs uma mão sobre seus lábios e sacudiu a cabeça. Não queria suas
proclamações de amor. Bem, pois as daria de qualquer maneira, mas sem
palavras, com seu corpo.
Este é meu bem amado. As palavras Bíblicas sacudiram Rain dentro de sua
cabeça.
Ela não tinha certeza se eram seus próprios pensamentos, ou Deus que
falava por ela, mas pareceram descrever seus sentimentos completamente. E um
sentido maravilhoso de plenitude a alcançou.
Tirou as botas dele e desatou a corda de seus tornozelos, atirando-a para
longe de suas pernas. Quando ele ficou totalmente nu, seu olhar o varreu com
amor.
— Você é tão formoso. Tira o meu fôlego.
Ele riu, e Rain se sentiu reconfortada.
— Não sou, mas se te agrada, pode pensar assim.
Ela se inclinou para baixo, então, e posou seus lábios, com amor. Ele ofegou,
afastando-a rapidamente.
— Não, doce bruxa, não vai terminar esse jogo de amor antes que tenha
começado.
Ele a levantou, então seus seios ficaram ao mesmo nível de seu rosto e
começou a lhes dedicar uma deliciosa comemoração, os lambia de maneira
estalada com sua língua, logo tomou seus mamilos entre seus molhados lábios e
chupou.
— Ah... ah... ah—hh!
— Sou muito rude? Paro?
— Não se atreva — disse ela entrecortadamente.
Selik tornou à cama, então, arrastando-a com ele, não podia esperar. Ela se
sentou montada sobre ele e dirigiu sua rígida ereção para seu corpo, que deu as
boas-vindas ao seu com suaves e fechados espasmos.
— Inferno maldito, maldito! — gemeu ele. — É muito cedo. Você está tão
apertada... Não, não se mova. Ainda não. Quero saborear este momento tanto
quanto seja possível... sempre.
— Selik...?
Ele baixou os olhos preguiçosamente, expondo a profundidade de seu ardor
no fundo dos olhos cinzas que quase pareceram formar redemoinhos de
necessidade, e uma boca entreaberta pela paixão.
— O quê? — sussurrou ele densamente.
— Eu te amo — disse ela, apesar de suas ordens ao contrário, e levantou seu
corpo sobre seu membro, então devagar se afundou, tornando-se para trás.
— Não — protestou ele, mas pôs suas mãos em seus quadris para regular
seu ritmo.
— Eu te amo — repetiu ela contra seus lábios separados e tentou lhe fazer
chegar a intensidade daquele amor, com o carinho de seus beijos.
— Não, o que eu mais gosto é me sentir dentro de você.
Rain riu triunfantemente.
— Sim, isso também.
Ela apenas riu, ofegava ante seus impulsos cruelmente lentos.
— O que mais você gosta? — sussurrou quando acariciou os mamilos de
seus seios com as pontas dos dedos.
— Eu gosto disso — disse ela, ofegando. — E disso também — acrescentou
ela quando ele tomou um seio em sua boca e roçou seu mamilo com as bordas
de seus dentes. Ela arqueou as costas, puxando sua cabeça, e começou a emitir
um gemido baixo como a tormenta que se rebelava entre suas pernas, fazendo
com que sua cabeça desse voltas sem controle.
Colocando seu dedo do meio contra o broto pulsante, Selik percorreu seus
lábios para cima e para baixo até que ela gritou:
— Não posso... Não posso... ah, Deus, pare... não, não quero parar...
Quero...
Ele a atirou à cama, ainda dentro dela, e fez subir seus tornozelos e cruzá-
los sobre suas costas. Então a atormentou puxando para fora de seu corpo até
que a ponta de sua ereção ficasse embutida contra sua dobra mais sensível. Ela
tentou se mover contra ele, puxá-lo de volta para dentro dela, mas ele não
permitiu.
— Me diga que é o que quer — exigiu ele com voz tão rouca pela paixão
que ela mal pôde entender as palavras. Rain podia ver que ele estava tão tenso
quanto ela, mas de qualquer maneira ele a atormentou, retendo-se.
— Eu te amo, e quero que me ame, também — disse ela, expressando seu
mas fervoroso desejo.
Rain viu a surpresa refletida em seu rosto. Aquelas não eram as palavras
que ele tinha esperado. Mas ele fechou os olhos, como se a negando, e se
empurrou de repente dentro dela.
— Eu te amo! — gritou ela, e a cada um dos maravilhosos impulsos que o
introduziam em seu corpo, ela repetiu as palavras, várias vezes. — Te amo, te
amo, te amo, te amo, te amo, te amo, te amo, te amo, te amo, te amo, te amo!
As veias se destacaram no pescoço de Selik quando se incrustou nela uma
vez mais chegando quase ao útero, e gritando sua própria explosão culminante
de prazer, antes que ela se unisse a ele em um rompimento catastrófico dos
sentidos, convulsionando-se e convulsionando e convulsionando em torno dele,
até que finalmente se quebrou em pequenas contrações.
O peso do corpo de Selik a pressionou na cama, e lhe agradou seu calor
doce na luminescência de seu ato amoroso. A princípio, ele ofegou, logo
respirou uniformemente contra seu pescoço.
— Está dormindo? — perguntou ela suavemente, passando uma mão
acariciante sobre seus sedosos cabelos.
Ele fez um pequeno som estrangulado sob sua garganta, logo levantou sua
cabeça e riu.
— Melhor, estou morto.
Ela riu também e sentiu que seu coração se inchava de amor, se
compadecendo. Nenhum tortura estragava agora seu formoso rosto. As linhas
do sofrimento e da amargura que no general cruzavam seus olhos e rosto se
derreteram com sua paixão.
— Por que me olha fixamente? — perguntou ele, lhe puxando o queixo.
— Como?
— Como um urso que de repente tropeça com um tigela de mel, quando
não deveria estar em seu caminho — disse ele com um grunhido. Aproximou-a
de seu lado, então rapidamente se apoiou e lambeu os lábios dela. — Hmmm.
Sim, realmente acho que estou provando mel. Me deixe comprovar mais longe.
Quando finalmente arrancou seus lábios dos dele, respirando
desigualmente, ele beliscou seu ombro e comentou:
— Não terminamos nossa exploração Viking.
— Não terminamos? — exclamou Rain, e a nota de assombro de sua voz
desenhou uma sorrisinho em Selik.
— Não, ainda tenho que te mostrar seu Ponto G — disse ele, sentando-se
em cima da cama, e logo se movendo-se para se ajoelhar entre suas pernas. Ele
se sentou sobre seus calcanhares, logo pressionou os joelhos dela em seu peito,
mantendo-os ali com a pressão de seu braço esquerdo.
Colocando seu polegar sobre seu osso pubiano, ele estendeu outros dois
dedos longos dentro dela de modo que encontrassem o polegar do interior.
Então ele começou um rápido e forte bombeamento que continuamente o
devolvia àquele ponto sob o polegar.
Um estremecimento de ferocidade intensa começou no ponto em que seu
perito amante deslizava seus dedos, ajudados pela umidade gerada pela paixão
anterior.
— Selik, não sei se eu gosto disso — disse ela vacilante.
— Você vai gostar.
À diferença do outro clímax, que abrangeu todos seus sentidos, aquele
ardente entusiasmo se centrava unicamente em um ponto. Quando os
primeiros espasmos de prazer começaram a sacudi-la, tentou fechar as pernas,
com medo de aumentar um cataclismo tão poderoso, que não tinha certeza de
aonde a conduziria. Mas ele forçou as pernas a ficarem abertas com seu braço e,
quando as primeiras convulsões de prazer a atingiram, ele não parou. Seguidas
vezes, seus hábeis dedos esfregaram abrasivamente aquele sensível ponto
interno até que ela girou de um lado para o outro, tentando escapar. Ela se
elevava e se elevava em uma maré de paixão até que de repente se sacudiu e
sentiu como um jorro de líquido saía dela, com uma exclamação.
Selik liberou suas pernas então e entrou nela com seu longo e grosso
membro, enchendo-a. Ele a acalmou com suaves sussurros, e com um
deslizamento dentro e fora, os impulsos de seu corpo atrozmente lentos,
acariciando-a.
— Shh, vai ser bom. Você é maravilhosa. Magnífica. Pode fazer outra vez,
doçura, comigo dentro de você? Pode? Pode?
E ela pôde.
Capítulo 16
— Estou com fome — disse Rain ofegando várias horas mais tarde, e seu
estômago trovejou enquanto fazia essa declaração. Se aconchegou ainda mais
entre os braços de Selik, esgotada, exausta, apagada emocional e fisicamente, e
mais feliz do que jamais estivera em toda sua vida.
— Eu também — grunhiu Selik e se lançou a toda pressa a mordiscar seu
ombro de brincadeira.
— Não esse tipo de fome. Selik, pare — gritou ela agudamente quando ele
começou a mordiscar, mais e mais abaixo. — Se detenha ou sua preciosa
virilidade vai diminuir por lhe dar tanto uso.
A cabeça dele subiu rapidamente e seus olhos se abriram alarmados.
— Não, não acredito. Um de seus manuais sexuais afirma que o galo 1 pode
cair por ter um excesso de desenfreio sexual?
Rain riu.
— Não, mas pode acontecer, de qualquer maneira há cirurgiões que podem
costurar um pênis de novo em seu lugar.
Selik avançou pulando em posição vertical e bufando sons de
incredulidade.
— Que vergonha, Rain! Essa declaração é tão escandalosa que não merece
sequer ser considerada.
1
Galo queria dar a entender a palavra garanhão (um galo apenas serve para muitas galinhas)
— Escute, Selik, houve uma mulher maltratada que cortou totalmente o
pênis de seu marido2...
Quando Rain completou sua explicação, Selik cravou os olhos nela, tinha os
olhos e a boca abertos de assombro.
— E pôde se conduzir bem como antes do corte?
— Pois bem, ninguém sabe com total segurança, mas os médicos pareciam
pensar que ficaria bem com o tempo.
— Não acredito em você. Isso bem poderia ser um conto que você inventa
para rir de mim — declarou Selik com ferocidade, recostando-se ao lado dela. —
Sem dúvida vai se divertir muito contar tudo o referente a esta brincadeira a
seus amigos quando retornar a seu mundo, como fez de idiota um viking tolo.
Rain se incorporou a seu lado, olhando o rosto de Selik, e colocado sua mão
em suas faces, percorrendo sua cicatriz carinhosamente com as pontas dos
dedos.
— Selik, não vou voltar. Não vou te deixar, nunca.
— Não faça promessas que não possa cumprir — disse ele brusco e se
soltou de seu abraço, pregando suas mãos sob sua cabeça e cravando
sobriamente os olhos no teto do celeiro. — Além disso, não te disse que ficasse.
A tormenta tinha acabado, mas o constante repicar das gotas de chuva
contra as juntas do celeiro fez com que sua pequena cama de palha tivesse a
aparência de um casulo de lagarta brando, cheio de paz e amor. Mas Rain sabia
que aquilo era apenas um alívio temporário do perigo e do ódio, e ela tinha que
convencer Selik de seu amor enquanto tivesse oportunidade.
— Posso te prometer que não darei um passo para o lugar de Coppergate
em Jorvik — reconheceu ela fervorosamente. — Posso prometer ficar com você,
se você assim quiser. Posso prometer te amar para sempre. Posso…
— Não faça isso — protestou Selik com um gemido de desespero, voltando-
se para confrontá-la. Seus olhos tristes e seus lábios apertadamente pressionados
davam leves indícios de suas conflitantes emoções. Finalmente, incapaz de
manter sob controle seus sentimentos por mais tempo, atraiu-a de volta a seus
braços e a abraçou apertadamente. — Ah, Rain — disse ele com um suspiro de
absoluto desespero.
Quando se apartou, seus olhos cheios de dor apunhalaram Rain. Lhe disse
com voz trêmula:
2
Se referia ao caso de Lorena Bibbit.
— Não posso te proteger. Não pude proteger minha esposa e filho. Não
posso prometer que farei melhor com você.
— E quem te nomeou meu protetor? Quem disse que é o responsável pela
segurança do mundo? Oh, Selik, não pode compreender? Não foi sua
responsabilidade Astrid e Thorkel falecerem. Deixe de se atormentar com o
passado e siga vivendo. Vivendo. Não só existindo. Não simplesmente subsistir
para morrer — Rain parou de repente, dando-se conta de que provavelmente
tinha ido muito longe.
Mas por uma vez Selik não pareceu zangado quando ela mencionou Astrid
e seu passado. Ele a contemplou pensativo, logo disse:
— Talvez, isso é certo. Se tivesse podido aceitar que estava livre da culpa
anos atrás, pouco tempo do acontecido, talvez tivesse podido viver uma vida
normal. Mas ocorreram muitas coisas depois, muitas mortes, de ambos os lados
— Mas se deixar a Grã-Bretanha, poderia começar em qualquer outro
lugar…
— Pare já, Rain. Não posso descansar até que Steven esteja morto, e
Athelstan nunca me permitirá continuar vivendo com o sangue de tantos de
seus soldados em minhas mãos.
— Mas nós...
— Não, carinho, nós não temos futuro — disse ele, aproximando-a de si e
apoiando sua cabeça contra seu ombro, acariciando seus cabelos
carinhosamente. — Só temos o presente. Vamos passá-lo o melhor que
pudermos.
Mais tarde, depois de terem dormido por um tempo, Selik tremeu e sacudiu
Rain para despertá-la. A seqüela da tormenta tinha deixado o celeiro ventoso,
com ar muito frio.
— Inferno maldito! Isso está mais frio que o traseiro de um caçador de
baleias em uma geleira. Melhor mudamos a cama de palha para o andar de
abaixo perto da lareira ou seus seios podem se parecer com umas bolas de neve.
— E seu pênis com uma raquete de neve? — perguntou Rain
descaradamente e se afastou rapidamente da cama para evitar que lhe desse um
tapa com a palma da mão. Ele teve uma boa idéia do significado de raquete.
Moveram-se escada abaixo e se asseguraram de que as portas do celeiro
estivessem bem fechadas, a espada de Selik estava perto, no caso do saxão voltar
com seus soldados.
Depois de comerem a eles mesmos, devoraram não importava que comida,
empanado de porco, carne de veado fria, todo isso regado a hidromel,
colocaram a cama perto do rugente fogo e puseram vários caldeirões de água
para esquentar para tomar um banho. Sentaram-se juntos envoltos em uma
manta grande de pelos, alimentando as chamas com pedacinhos de madeira
enquanto esperavam que a panela começasse a ferver.
— Admite que antes mentiu para mim?
— A respeito do quê? — Rain o olhou de relance para ver que cara ele
apresentava.
— A respeito de suas más experiências com os homens.
Rain lhe deu uma cotovelada nas costelas e ele fingiu que ela o tinha
machucado.
— Nunca usei essas palavras. Disse, e lembro perfeitamente, que podia ou
não sexo, e que tinha uma opinião muito fraca dos homens devido a minhas
relações sexuais com eles.
— Ainda sente o mesmo?
— Está procurando elogios? — perguntou-lhe, erguendo uma sobrancelha
zombeteira.
— Não, sei que sou um prodígio — gabou-se ele. — Só queria que admitisse
que estava equivocada ao menos uma vez.
— Não menti, Selik. Sei que não quer ouvir, mas te amo. E acho que isso é o
que marcou a diferença ao fazer amor com você.
Na verdade, ele não prestou mas atenção em suas palavras agora. Os
sentimentos dela realmente esquentavam sua alma e o fizeram sentir-se mais
vivo do que se sentiu em anos.
— E se não me amasse, acha que teria desfrutado menos de nossa união? —
perguntou, mordendo o lábio inferior com fruição.
— Não sei — admitiu Rain honestamente. — Talvez estaria bem. Tudo o
que sei é que desde a primeira vez que te vi, bem antes da Batalha de
Brunanburh, quando enfeitiçou meus sonhos, há uma conexão especial entre
nós. E ontem à noite, bem, era como dois pedaços de um todo arruinado que
finalmente foram conectados. Isso soa realmente melodramático, não?
— Melodramático? Não sei o que quer dizer essa palavra, mas eu gosto
dessa parte a respeito de estar acoplado — disse ele com um sorriso, logo
recuperou seu fôlego ante a manifesta aparência de adoração que luziam os
olhos de Rain.
— Não disse acoplado, sapo corno. Disse conectados. Diabos, me deixe ver
se esta água está o suficientemente quente antes de que me distraia.... outra vez.
Quando terminaram seus banhos, ela ajudou Selik a barbear o rosto e ele
não a ajudou a raspar as pernas, em vez disso, durante todo o tempo ficou
fazendo comentários eróticos e procurando em seu embornal um pente. Selik se
penteou e logo penteou os cabelos dela, suspirando sensualmente enquanto a
secava. Rain olhou em sua bolsa no caso de poder encontrar um preservativo
solto que tivesse deixado passar em branco. Nem indício. Mas ela encontrou
algo interessante.
— Selik, você gosta de morangos?
— Gosto bastante, mas a fruta não estará madura até a próxima primavera.
Rain abriu o pequeno tubo de metal e aplicou o brilho para lábios com
sabor de morango. Logo se voltou e tomando o pente das mãos de Selik disse:
— Tenho um pequeno presente fora de temporada para você, bebê.
Um pouco mais tarde, Rain sussurrou:
— Espero que não tenha alergia a morangos e tenha uma má reação como
algumas pessoas.
Ele replicou com um estertor de prazer:
— Santo Thor! Se fosse assim, terei pruridos em certas partes que serão
difíceis de explicar.
Já era tarde quando Selik despertou de um sono profundo, tinha o braço de
Rain através de seu peito e seu joelho entre suas pernas. Ele não queria abrir os
olhos, queria ficar naquela acolhedora toca e aconchegar-se sob a manta de
pelos quente cujos sedosos pelos acariciavam seus corpos nus.
Mas algo lhe tinha despertado. Um sexto sentido, talvez. Selik se sentiu
repentinamente alerta e cuidadosamente pegou sua espada. Logo deslizou para
olhar cuidadosamente os arredores.
Doze pares de olhos lhe devolveram o olhar com manifesta curiosidade.
— Ubbi! Onde diabos está, tolo?
Ubbi deu um passo adiante imediatamente.
— Sim, amo, você chamou?
Rain se incorporou sentando-se a seu lado, as peles escorregando pelos
ombros nus, expondo seu corpo nu ao ar fresco.
— Eu não te ordenei que voltasse para ficar com Gyda?
— Na verdade, fez. Certamente fez, m'lorde. Mas Gyda nos fez ir embora.
Nos disse que ela tinha criado oito bebês dela e era muito velha para ter esses
indesejáveis ruidosos, irritantes, sujos, destruindo tudo a seu alcance em sua
casa. Oh, e de bocas grandes, assim os chamou também — acrescentou Ubbi,
dirigindo um olhar de aparente condenação para Adam, que olhava com
estúpido interesse o corpo exposto de Selik.
Selik se precaveu e com um gemido, colocou as peles sobre sua
masculinidade ocultando-a e olhou furiosamente para Rain, de cujo tolo cérebro
tinha partido a idéia de abrir um orfanato.
— E outra coisa — Ubbi olhou ofendido para Rain. — Ella se atirou para
mim como um cão faminto a um osso. E ela ofereceu a si mesma, que acha? Eu
devo ser trocado por meia cabeça de gado?
— Rain! Oh, não, não me diga que tentou unir Ubbi e Ella? — disse Selik
assombrado. — Acaso não sabe que Ubbi vem escapando dela e seus ataques
durante anos? — mas então lembrou como seu leal criado o traíra ultimamente e
adicionou — por outro lado, talvez precise de uma mulher fornida para te
controlar melhor, Ubbi.
Ubbi inspirou agudamente afrontado.
— Então vocês gostam de meter a dureza nisso nelas? — cortou-lhes o fio
Adam, enquanto perguntava com atitude ociosa, com uma mão no proeminente
quadril e seus olhos fixos com interesse indevido nos seios meio-expostos de
Rain onde a manta que a cobria tinha escorregado. Ela, dando-se conta, voltou a
se cobrir imediatamente.
Todos os olhos se fixaram em Adam, incapazes de acreditar que tivesse
feito uma pergunta tão rude.
— O que foi? Por que todos me olham assim, como se eu fosse um tolo? Era
só uma pergunta. Pedaços de gelo malditos! Como um menino pode aprender
mais coisas se ninguém responde nenhuma pergunta honestamente?
— Alguém deveria lavar sua boca com sabão — declarou Selik
negligentemente.
— Isso já foi feito, a bruxa — explodiu Adam, fulminando Rain, logo se
voltou para Selik. — Também lavo sua boca com sabão? Usa as mesmas
palavras que eu.
— Tenho que fazer “pi-pi” — disse Adela repentinamente ao lado de
Adam. Ele pegou sua mão, e a conduziu até o urinol em um canto afastado.
— Pi-pi? — Selik se sufocou de riso.
Adam olhou Selik sobre seu ombro.
— A bruxa disse que não podemos falar mijada nunca mais. Que é muito
cru — a voz do garotinho gotejava aversão. Ele ajudou sua irmã a ajustar a
túnica e limpou com serenidade sua parte de trás, deixando o grupo
boquiaberto, acrescentando desdenhosamente — O pi-pi é pouca coisa,
deveriam ouvir como ela chama isso.
— Como? — perguntou Selik, arrependendo-se quase imediatamente de tê-
lo feito.
— Cocô — disse Adam terminantemente, olhando como Ubbi ria entre
engasgos. Cruzou seus braços através de seu peito, e lançou a Rain um olhar de
“vou contar tudo” antes de inclinar a cabeça com auto-satisfação. — E também
nos disse que tínhamos que nos lavar por completo cada maldito dia, e também
lavar nossos dentes, e dizer nossas orações, e aprender a ler e escrever, e
cumprir com nossas tarefas, e com tantas malditas regras que nos dava voltas na
cabeça.
Selik olhou o ruborizado rosto de Rain logo mexeu nos cabelos e gemeu.
Sua bem ordenada vida se desmoronava ante ele. Recentemente, tudo o que
queria era matar Steven de Graveley e talvez alguns saxões a mais, logo
morrer. Agora, estava logado a um anjo da guarda vindo do futuro, um criado
que acreditava escutar mensagens de Deus, uma dúzia de filhos bastardos, e um
menino que tinha que ser descendente do próprio Lúcifer. Como se livraria
alguma vez daquela areia movediça em que se convertera sua vida?
Levantou a cabeça e viu Adam se sentar-se diante da lareira, alimentando o
fogo, para logo proceder a ignorar todos eles e brincar ociosamente com o Cubo
de Rubik que Rain trouxera.
E, para horror de todos, solucionou o enigma.
Na tarde seguinte, Selik insistiu em acompanhar Rain ao hospitium para sua
ronda diária. Ambos puseram hábitos de monges, como antes.
Selik não estava de muito bom humor. O clima se tornara muito frio
durante a noite, frio mesmo para ser novembro, e ainda por cima ele e Rain
tornaram a passar a noite no desvão. O que queria dizer que doze esquilos
tinham estado gritando agudamente perto deles e ao final dormiram a seu lado,
sem mencionar os fortes roncos de Ubbi em um cama de armar próxima. E Selik
ainda não queria pensar a respeito de Adela, quem tinha avançado a rastros na
cama de palha entre ele e Rain durante a noite e havia se aconchegado contra
seu peito como um gatinho assustado.
— Ainda é muito arriscado que ande rondando as ruas da cidade com
tantos soldados saxões por aqui por perto — queixou-se Rain pela centésima
vez.
— Antes enfrentaria uma tropa de saxões malditos que permanecer nem
um minuto a mais naquela casa de loucos.
— Você esteve inquieto o dia todo, Selik. Tenho medo de te perguntar isso,
mas irá logo? — ela o olhou das sombras do capuz de monge que levava com
olhos tão esperançosos que Selik teve que se refrear para não agarrá-la em seus
braços e lhe prometer tudo que desejasse. Mas isso era algo que não podia fazer,
e não só porque a vista de dois monges se abraçando perto da igreja do
monastério horrorizaria todo mundo.
— Espero que hoje Gorm me diga em que lugar está Steven. Ele vai me
encontrará na loja De Ella.
Viu o medo refletido nos olhos de Rain, mas ela mordeu seu lábio inferior,
restringindo assim seus usuais protestos. O coração de Selik se encolheu ao ver
que ela tentava reter sua língua ferina para benefício dele.
— Bom, não vou brigar com você mais por essa questão. Oh, não se sinta
tão contente consigo mesmo. Ainda não estou de acordo. Mas não quero
desperdiçar mais do pouco tempo que nos resta juntos.
— O que vai fazer depois que eu vá? Vai voltar para sua casa?
O desespero brilhou brevemente pelo seu rosto antes de que camuflasse e
levantasse seu queixo corajosamente.
— Não, enquanto souber que está vivo em algum lugar, ficarei.
Provavelmente continue indo ao hospitium a cada dia e dirigindo o orfanato, se
quando nos deixar podermos ficar em sua propriedade.
— E se eu jamais retornar?
Os olhos desolados de Rain paralisaram nos dele e lhe custou engoliar em
seco antes de falar.
— Não sei — logo ela reuniu as poucas forças que lhe sobravam, dado seu
estado de ânimo, e atiçou um dedo em seu peito. — Mas se inteire disso, viking
teimoso, se estiver vivo em algum lugar e se esconder de mim, te encontrarei.
Talvez te seqüestre outra vez.
— Não, não te atreveria a me fazer novamente algo semelhante. A proíbo.
— Nem sequer porque assim poderia te capturar com meu corpo? —
perguntou ela, o fazendo sentir um violento golpe de calor.
— Bem, se for assim, talvez — fez-lhe a concessão com um sorriso aberto.
Pouco antes de que entrassem pela porta lateral do hospitium, Rain pôs uma
mão em sua manga para pará-lo, e lhe disse nervosa:
— Antes que entremos, há um pequeno presente que te farei para te
distinguir.
Ele entrecerrou os olhos suspeitosos. Cada vez que Rain usava esse tom de
voz e mencionava “um pequeno presente”, normalmente queria dizer que
queria um favor, ou que ele não ia gostar do que ela ia dizer.
— Bernie está louco por mim — disse ela, ruborizando-se.
A princípio, a boca dele se abriu de assombro. Ele a fechou de repente com
um grunhido de repugnância. A moça, de verdade, tinha a habilidade de
assombrá-lo.
— Acho que posso adivinhar por que — comentou quando finalmente pôs
seu assombro sob controle. — Mas quem em nome de Thor é Bernie?
— OH, lembre-se, é o Padre Bernard — suspirou. — É o jovem sacerdote
que encontramos no primeiro dia, que tem acne por todo o rosto.
— E já tem tanta intimidade que o chama de Bernie?
— Não, não é intimidade, na verdade. Ele é tão jovem. Só sigo a corrente
em seu afeto, mas não quero que você se incomode se o vê pondo as mãos em
mim.
— Rain, não tenho nem a mais remota idéia do que está querendo me dizer.
Mas se ele se atrever a colocar um só dedo sobre você, terá todos seus dentes
podres caídos aos dedos de seus pés.
Ela começou a protestar, mas Selik a fez passar o portal e deu em sua
cintura um apertão possessivo. Infelizmente, o Padre Bernard estava em pé ali,
para saudar o alvo de seus ataques febris, em seus olhos se refletiam a dor que
sentia ao contemplar a mão de Selik intimamente posta nela. Com deliberada
diabrura, Selik olhou o monge fixo nos olhos e fez sua palma se mover mas e
mais baixo até chegar aos glúteos de Rain, os quais agarrou sugestivamente.
Rain saltou e se voltou contra ele. Lhe disse francamente:
— Imploro seu perdão, Irmão Godwine. Tentava de alcançar a maçaneta da
porta.
Sua falsa inocência não enganou Rain, embora o Padre Bernard aceitasse a
explicação de Selik. Na primeira oportunidade que teve, ela sussurrou a Selik:
— A maçaneta da porta? Hah! Como se sentaria se eu agarrasse sua
maçaneta?
— Eu gostaria muito — disse ele com uma piscadela. — De fato, pode
bombear minha maçaneta a qualquer hora que queira.
— Tsk! Se comporte, Selik, ou nunca conseguirei terminar o trabalho daqui
hoje — disfarçando sua voz, entoou com voz rouca — Padre Bernard, se lembra
do Irmão Ethelwolf?
Bancando o surdo, o jovem sacerdote ignorou Selik e se voltou para Rain:
— Você não veio durante dias — queixou-se. — O Padre Theodric esteve
perguntando por você. Não lhe prometeu que discutiriam sobre febres
cerebrais?
— Sim, mas estive ocupado no orfanato e não pude vir trabalhar até hoje —
Rain tinha que fazer sérios esforços para conservar baixo o tom de voz mistura
de ronco e cachorro São Bernardo para ocultar seu sexo.
— Esse orfanato! Por que desperdiça seus talentos com esses sujos
dinamarqueses? Não são nada mais que pequenos pagãos — choramingou ele, e
Rain sentiu como Selik ficava rígido atrás dela. Ela beliscou seu braço avisando-
o que se contivesse.
— São filhos de Deus, Padre — ela castigou o jovem sacerdote. — Sem
importar suas origens.
— Pois bem, ainda digo que deveria residir na igreja do monastério. Com
certeza poderíamos encontrar um lugar para que pudesse dormir.
— Aposto que ele poderia — sussurrou Selik perto de sua orelha. — Sob
seu corpo fraco e ossudo.
Transmitiu a Selik um olhar de advertência, assustada ante a possibilidade
que ele deixasse trasparecer seus disfarces.
— Irmão Godwine! Irmão Godwine! — gritou o Padre Rupert para Rain.
Quando se aproximaram da cama de palha, ele se ajoelhou, e ela viu que a
garota que antes estava mortalmente doente agora ficava direita.
O Padre Rupert resplandeceu ante Rain.
— Estava certo. Uma mudança de regime era tudo o que Alise precisava.
Seu pai virá levá-la para casa hoje.
Rain se ajoelhou ao lado do Padre Rupert e examinou a garota que tinha
sido diagnosticada com a Enfermidade Celíaca no seu primeiro dia no
hospitium. Alise estava ainda muito magra, mas com cuidados, recuperaria-se
sem efeitos secundários.
— Agora entende, Alise, que não pode, pelo resto de sua vida, comer grãos 3
outra vez? Só uma mordida num pão poderia começar de novo sua
enfermidade.
— Jamais vou melhorar? — perguntou a garotinha chorosa.
Rain negou com a cabeça.
— Mas isso não é um pequeno preço a pagar para ficar saudável outra vez?
Alise inclinou a cabeça, e Rain disse ao Padre Rupert que teria que se
assegurar que o pai da garota entendia a enfermidade e a importância de um
regime estrito.
Durante horas, ela trabalhou braço a braço com os curandeiros, examinando
os pacientes, ouvindo para diagnosticar e receitar, muitos dos preparados
provinham do reverenciado Calvo Leechbook, que tinha aproximadamente
vinte e cinco anos. Surpreendentemente, muitas das receitas resultaram ser
efetivas, até para os padrões modernos, especialmente as herbáceas. A arruda
era usada como um agente capilar para conter as hemorragias. O henbane era
conhecido pelos médicos modernos por suas propriedades em bloquear fibras
nervosas e para induzir a um sono hipnótico. O poejo curava o estômago. A
aspérula4 e a salsinha, ambas ricas em tanino, aliviavam as queimaduras quando
eram aplicadas em forma de pomada junto com a raiz de certo lírio.
Sua queixa maior era contra a propagada prática de sangria para quase
todas as doenças. Mas ela seguiu o conselho de Selik, de observar oferecendo a
eles um conselho menor, sem fazer nada que chamasse a atenção para si mesma
como médica moderna. Ocasionalmente, ela se esquecia de que Selik a
acompanhava e quando erguia o olhar repentinamente e o via apoiado
preguiçosamente contra a parede, seu corpo primoroso, um magnifico exemplo
de viking que oferecia um quadro espetacular, até com o traje de monge. Como
3
Os doentes Celíacos não conseguem digerir o glútem existente nos cereais.
4
Aspérula (Galium odoratum) é uma planta de propriedades medicinais indicada para combater dilatação do fígado, dor
de cabeça, ferida, hidropsia, icterícia, inchaço.
podia alguém não perceber seu rosto belamente esculpido, seus dedos
graciosamente longos, seu belo sorriso?
— Que maravilhoso perfume é esse? — perguntou repentinamente o Padre
Bernard, farejando perto do capuz dela.
— É a “Paixão” do Irmão Godwine — respondeu Selik diabolicamente
quando tomou seu braço e a moveu como uma penugem ao corredor.
O Padre Bernard ficou de queixo caído atrás deles, balbuciando:
— Você... você... disse... sua paixão? — ele praticamente babava
incontrolavelmente.
Finalmente, aborrecido ante os sarcásticos comentários de Selik, o Padre
Bernard fez comentários mal-humorados sob seu fôlego:
— Por que este enorme conglomerado não fica de joelhos e ajuda, em lugar
de permanecer por aí, ocioso?
Mas Selik o ouviu e continuou fazendo comentários atrevidos:
— Comentário de Bernie, para nosso livro.
O rosto do Padre Bernard se ruborizou, ressaltando as acne cheias de pus
pulverizadas por seu rosto.
— Parece ser tanta a arrogância do Padre Ethelwolf que resulta imprópria
para um sacerdote — pigarreou ele para Rain. — E, francamente, me parece que
ele comenta mais do que deveria — Rain o buscou com o olhar e notou, igual ao
Padre Bernard, que os apreciativos olhos de Selik estavam fixos em seu traseiro
quando ela se abaixou para pegar um montão de roupas brancas.
Ela assobiou para obter a atenção de Selik, mas em lugar de se envergonhar
quando o apanhou no ato, ele lhe piscou um olho. Ela ouviu o Padre Bernard
fazer um ruído, sufocando um som, e Rain se precaveu que tinha que parar
Selik antes de que ele se desse conta e os expulsasse.
— Nós temos que ir, Padre Ethelwolf — anunciou Rain repentinamente,
pondo sua mão em cima da manga de Selik. — Acabei de lembrar que temos de
parar nos mercados para comprar mais tecidos para as túnicas das crianças.
— Oh, mas não pode sair ainda — protestou o Padre Bernard. —O Padre
Theodric estará aqui em pouco tempo.
Isso era justo o que metia medo em Rain, especialmente com Selik sendo tão
patente em sua atração por ela. O inteligente Padre Theodric veria rapidamente.
Já fazia perguntas que ela não podia responder a respeito das pessoas que
curava em Frankland, cujos nomes ela não sabia, tentando saber como ela tinha
ganhado seus vastos conhecimentos médicos, e até a respeito de suas
características femininas.
— Você deve pedir a Deus e este lhe ajudará a controlar seus instintos mais
baixos — lhe havia dito uma vez depois que ela gritou como uma moça quando
um camundongo saiu rapidamente junto a seus pés no herbanário da igreja do
monastério. Ele se referia ao que devia considerar sua natureza efeminada. Se a
visse com Selik, a química sexual que havia entre eles cada vez que se moviam a
pouca distância jogaria fumaça e indubitavelmente fixaria com cimento tal idéia
em sua cabeça.
— Diga ao Padre Theodric que o verei amanhã, e poderemos discutir sobre
as febres cerebrais e as vacinações que já lhe mencionei. Terei um montão de
tempo, dado que o Padre Ethelwolf será incapaz de me acompanhar.
— Anh? — perguntou Selik, erguendo a vista da sacola de comida que
examinava perto da porta. — Por que serei incapaz de vir com você?
— Transcreverá todas suas notas mentais no pergaminho. Para nosso livro.
Lembra-se?
Ele agitou uma mão no ar sem dar importância.
— Ah, posso fazer isso em qualquer momento. Trocaremos opiniões
posteriormente — recorreu logo ao Padre Bernard. — Agora quero saber quem é
o responsável pela imunda porcaria de comida que você esteve dando ao Irmão
Godwine como sua retribuição por seu trabalho de médico — Rain olhou Selik
com surpresa. Ela não se dera conta de que ele sabia da purulenta comida que
os sacerdotes enviavam às crianças do orfanato.
O rosto de Padre Bernard ficou de um vermelho forte.
— Essa não é a retribuição de um médico, simplesmente um presente, um
favor do ministro para os filhos da terra.
— Você está dizendo, Bemie, que as habilidades cicatrizantes do Irmão
Godwine não têm nenhum valor?
— Não, nunca disse algo semelhante. Mas, pois bem, há coisas muitos boas
no lote — ele falou entre dentes defensivamente, indicando a comida. — Pelo
menos é a mesma comida que nós, os sacerdotes, comemos todos os dias.
— Ah, então isso é diferente — disse Selik com um tom de resignação que
Rain sabia ser falso. — Você então não se incomodaria de comer um pouco de
comida desse tipo — ele pegou a sacola de tecido e arrancou um pedaço de
carne de porco que cheirava horrivelmente.
O Padre Bernard foi para trás, mas Selik continuou empurrando a carne
podre em seu rosto, contra seus lábios.
— Selik — Rain protestou, contente de que ele a defendesse, mas assustada,
já que atrairia atenção indevida sobre eles.
Selik ignorou as mãos que tentavam retê-lo e disse ao Padre Bernard
friamente:
— Não se atreva a dar ao Irmão Godwine tal lixo de comida passada outra
vez. Jogue isso no fossa do lixo. Nem sequer é boa o bastante para os cães da
rua.
Ele afastou de um empurrão o sacerdote, que tremia colérico, e agarrou o
braço de Rain, puxando-a pela porta.
— Selik, nós temos que levar comida para as crianças. Tenho certeza de que,
procurando naquela sacola, poderia ter encontrado algumas coisas boas.
— Não, não vai fazer. Não precisa se converter em mendigo aceitando
caridade de semelhantes míseros clérigos. Comprarei tudo o que precisa.
E para deleite dos comerciantes de Jorvik, assim fez. Ao final, alugou um
comboio para levar todos os artigos de volta à granja — carne vermelha fresca,
dez galinhas poedeiras vivas, uma vaca leiteira, verduras frescas, maçãs
crocantes, hidromel, mel e farinha.
— Selik, essa pessoas vão se perguntar de onde um monge conseguiu tanto
dinheiro — sussurrou ela inquieta quando ele sacou outra vez sua bolsinha de
moedas ante um comerciante.
Ele respondeu em um tom suficientemente alto para que o comerciante
ouvisse mesmo que não quisesse:
— Irmão Godwine, você está de verdade desgostoso porque roubei o
tesouro do bispo quando ele estava economizando para comprar um novo cálice
adornado com jóias? — quando ela o olhou, ele continuou. — Deve admitir que
os filhos da terra não podem comer ouro e finezas.
O comerciante resmungou baixo sua concordância:
— Esses sacerdotes Malditos! Tentam conseguir mais jóias da miséria dos
pobres — para mostrar sua adesão, jogou dentro das compras duas barras de
pão de presente.
— Para que veja. Tenho alguns usos — gabou-se Selik quando se
encaminhou para a loja de Ella.
Rain não podia deixar de sorrir e logo Selik se voltou para ela lhe
mostrando toda sua gloriosa beleza. Seu coração se encheu de todo o amor que
sentia por ele. Queria lhe dizer tantas coisas, mas não sabia como. Tantos
sentimentos floresceram dentro dela. Ela queria gritar ao mundo seu
maravilhoso amor por aquele homem, e recordar a si mesma degustando tal
segredo. Aquele era amor para toda uma vida ou para que durasse mil vidas
mais!
Era por aquilo que ela tinha sido enviada àquele tempo? Tinha pensado que
fora enviada para salvar Selik, mas talvez aquele amor fosse simplesmente um
presente de Deus. Se fosse assim, como devia ajudar Selik?
O amor.
Rain se encolheu ante o retorno da voz em sua cabeça. O amor? Isso é tudo?
Como o amor pode salvar Selik?
O amor gera o bem amado, a criança. O amor gera o bem amado.
Rain gemeu em voz alta.
— Tem outra vez aquela expressão em seu rosto, doçura, e está
resmungando. Falando com Deus, outra vez? — Rain lançou a Selik um olhar de
desaprovação ante sua perceptiva observação.
— Sim, e ele enviou uma mensagem para você.
— Oh, mesmo! — riu Selik. — Não me diga que Ubbi e eu somos
abençoados com essas mensagens milagrosas.
— Não seja tão sarcástico.
Quase tinham alcançado a loja de Ella, e Selik estava a ponto de abrir a
porta lateral quando perguntou:
— Então, o que dizia a mensagem? Quer que faça penitência arando os
campos virgens de um de seus anjos?
Rain maneou a cabeça como se ele estivesse além de toda esperança.
— O que Deus disse, carinho, foi, Diga a esse menino mau do Selik, que se
agarre bem a suas calças porque o envio ao bote do amor.
Selik explodiu em risos e passou um braço ao redor de seus ombros,
abraçando-a calorosamente contra seu lado. Rain não podia resistir a passar
seus braços em torno de sua cintura e tomar parte de suas risadas.
Quando ambos mudaram de direção, Ella e todos os trabalhadores de sua
loja cravavam os olhos neles com os olhos arregalados e as bocas abertas pelo
assombro.
— Os sacerdotes se abraçaram um ao outro. Oh, Senhor santo! — Exclamou
um jovem cheio de sardas, fazendo o sinal da cruz.
— Ai, Deus! Sem dúvida, o Todo-poderoso enviará uma maldição a ess loja
de herbanário ante tais ações — exclamou outra mulher. — Rãs, sem dúvida. O
Senhor tem uma fraqueza pela maldição das rãs, e amaldiçoará a todos.
— Não aceitarei tais perversões se vierem às compras — declarou Ella
veementemente, aproximando-se de modo ameaçador deles com a vassoura nas
mãos. Foi só quando se aproximou mais de Rain que os reconheceu. Ela fez um
alarde para seus trabalhadores. — Entrem em minha antecâmara e me digam
que negócios faremos. Logo irei até vocês, sodomitas.
Quando Ella fechou a porta atrás deles em seu primitivo “escritório”,
enfrentou-os colérica.
— Estão como a macaca? Querem que me expulsem do mercado? Se os
cidadãos ouvissem que consinto tais depravações, fugirão de mim como se eu
fosse um verme em um pudim de Natal.
Selik afastou o capuz para trás de sua cabeça e se sentou sobre um
tamborete alto, sorrindo abertamente para Ella.
— Não pense que pode me convencer com um desses sorrisos tão atraentes
— queixou-se Ella. — Já passei da idade de me sentir atraída pelos homens, seja
um de pernas tortas ou um ímpio de aparência agradável.
— O ímpio de aparência agradável sou eu? — perguntou Selik, agitando
seus longos cílios para ela.
— Não, quando me referia a você, era o das pernas curvas, tolo.
— Ella, Ubbi te disse o que lhe daria se me ajudasse? — perguntou Rain.
O rosto de Ella ficou rosado.
— Sim, e o que importa se não fiz? Me cansei de esperar que viesse cumprir
o que prometeu.
— Disse que diria palavras a seu favor, e que não te entregaria à lei em
bandeja de prata.
— Me tomaram, sim, a bandeja de prata, muito obrigado!
— Quando as duas moças derem a rixa por terminada, poderíamos
completar nosso negócio para que possamos retornar àquela casa de loucos
antes que escureça?
Demoraram uma hora para escolher os diferentes tamanhos de tecido de lã
quente para as túnicas das crianças e os mantos, roupas brancas para tangas e
pequenas camisolas, linha para serem costuradas meias três-quartos, e um
pouco de seda fina de Damasco que Selik insistiu que era para fazer peças de
vestuário para Rain. Ela também concordou em avisar um curtidor próximo que
fizesse uma dúzia de pares de sapatos para as crianças. Tudo estaria terminado
em poucos dias.
— E quem vai me pagar por todos esses artigos? — perguntou Ella
astutamente.
— Eu pagarei — disse Selik, e arrancou seu saco que estava já quase
esgotado de moedas. — A propósito — disse, parando por um momento de
contar o dinheiro, — devolveu a Rain o dinheiro que guardou para sua mãe
quando ela partiu inesperadamente?
O rosto de Ella ficou de um vermelho brilhante e ela mudou de posição
nervosamente de um pé para outro.
— Para que saiba, Ruby investiu dinheiro em uma empresa comercial com
Ella anos atrás — explicou Selik a Rain, seus olhos brilhavam trevessos. — Sem
dúvida Ella esqueceu de devolver.
Rain olhou para Ela.
— É mesmo?
— Na verdade, foi só um pouquinho. Aproximadamente…
— Cem mancusos, ao menos5 — terminou Selik por ela.
Ela faiscou com indignação.
— Não, seriam algo como cinqüenta.
— Pois bem, tenho certeza que o devolverá a Rain logo que seja possível —
disse batendo em sua mão indulgentemente.
Ella retirou sua mão com desgosto, lhes dizendo que se apressassem a
voltar. Ela poderia prescindir desse tipo de negócio, as moedas que lhe tinham
dado eram muito menos que os cinqüenta mancusos que teria que dar a Rain
agora.
Rain e Selik partiram ambos risonhos quando deixaram a loja. Rain desejou
poder deter o tempo, pelo que poderiam permanecer tão felizes e
despreocupados como eram naquele momento.
Mas sua paz foi arrancada imediatamente com a aparição de Gorm em um
beco próximo. Ele lhes indicou uma rua quase fora da cidade, e o seguiram até o
portal de um edifício abandonado.
5
Moeda que foi chamada assim por Canute, Rei da Inglaterra (1016 a 1035).
— Eirik enviou palavra do tribunal de Athelstan em Winchester. Steven
está em Frankland, visitando seu Tio Geoffrey em Rema.
Selik inclinou a cabeça visivelmente desagradado.
— Oswald e seus soldados patrulham Jorvik como animais carniceiros
furiosos, matando e mutilando qualquer um que pareça um dinamarquês em
idade de lutar. Deveríamos deixar Northumbria a toda pressa. É apenas questão
de tempo para que eles nos descubram.
— Sim — Selik concordou, e o coração de Rain caiu até os dedos dos pés. —
Me encontre amanhã à noite com todos os homens dispostos a arriscar sua sorte
comigo. Vá à granja, e sairemos de lá.
— A cavalo?
— Claro, traga Fury com você.
Quando Gorm partiu, Selik se voltou para Rain e passou a ponta do dedo
por seu rosto, apagando as lágrimas que seus olhos gotejavam.
— Shh, carinho — disse suavemente, abraçando-a. — Sempre soube que era
questão de tempo.
— Mas é antes do tempo — chorou ela. — É antes de tempo.
Capítulo 17
Capítulo 18
Uma nuvem pairou sobre a pequena granja durante as semanas seguintes
enquanto o clima se tornava amargo e cinzento. Todos os habitantes do
abarrotado celeiro trabalhavam sobriamente em suas tarefas atribuídas, como se
sentissem o destino iminente. Raramente tranqüilos, as crianças seguiam
cortando a madeira e empilhando-a, lavando as roupas, ordenhando a vaca,
recolhendo ovos e limpando o celeiro. Rain quase esperava com ilusão seus
antigos gritos e travessuras infantis.
Até Adam se converteu em uma criança-modelo. Bem, isso era um exagero,
emendou-se imediatamente. Sua boca suja continuava cuspindo palavrões, mas
agora freqüentemente se desculpava depois. Brincava como um tirano com as
outras crianças, naturalmente dedicando-se a um papel de líder, mas agora se
esforçava para adoçar as ordens com elogios. Tocou-lhe profundamente o
coração, e a assustou, ver a preocupação por Selik em seus grandes olhos cor de
café.
Depois de duas semanas de irritabilidade e interminável caminhar, Rain
decidiu fazer uma continuação a uma antiga idéia sobre a varíola que
freqüentemente assolava às pessoas medievais. Não queria fazer nada para
mudar o curso da história médica, mas não via que mal podia fazer vacinando
sua pequena prole. Pediu a Ubbi sua ajuda.
— Bem, agora sei que definitivamente está louca — exclamou Ubbi, jogando
no chão a roca com que estava acostumado a afiar as facas e espada. Estava
chateado desde que Selik se foi porque seu amo lhe ordenou ficar e proteger
Rain e os órfãos. E sua artrite estava agindo. Agora seu pedido não ajudava.
— Foi coisa de Deus me enviar o pedido de seqüestrar o amo. Mas ir e
pegar a substância das úlceras das vacas com varíola? Não, não vou fazer.
— Ubbi, carinho…
— Não me venha com doçuras — a avisou ele, cruzando os braços sobre o
peito inflexivelmente.
— Eu posso ir — Adam se alistou como voluntário.
— Não vai! — exclamaram horrorizados Rain e Ubbi.
— Pois bem, se Ubbi tem medo das vacas ensangüentadas…
— Melhor ajudar sua irmã a esvaziar esse penico que leva de um lado para
outro — gritou Ubbi. — Para que se mantenham sua cara na correria. E se
mantenha afastado das vacas… Qualquer vaca — se voltou para Rain sacudindo
a cabeça. — Meu Deus!
Me chamou?
— Ouviram isso? — gritou Ubbi. — Ouviram? Oh, agora você me fez isso!
Deus voltou para mim, voltou!
Rain sorriu. Às vezes o que Deus fosse era conveniente.
Quando Ubbi voltou ao cair da noite estava resmungando porque tinha
percorrido vinte hectares de terras de lavoura antes de encontrar um lugar com
uma vaca doente.
— Usou as luvas? E tem certeza de que a boca estava coberta quando
drenou as úlceras? A vaca estava completamente morta?
— Sim, sim, sim — disse Ubbi com cansaço.
Algumas vezes Deus vinha convenientemente.
— Não se sente — ela gritou o pedido — e não toque em nada.
Ubbi saltou de onde estivera a ponto de se sentar cansadamente sobre um
banco ante o fogo.
— Agora o que é?
— Tire todas as roupas para eu poder queimá-las. Não quero correr
nenhum risco de contágio.
Ele estava muito cansado naquele momento para discutir.
No dia seguinte, vacinou todas as crianças, junto a horrorizados Ubbi e
Blanche, que havia se tornado sem dúvida hostil com ela desde que tinha
chegado ao celeiro. Utilizando uma faca muita afiada, Rain fez um pequeno
corte no braço de todos e introduziu uma pequena quantidade da substância da
varíola, o suficiente para caber na cabeça de uma agulha. Nos dias seguintes,
além de febres leves e um pouco de náusea, todo mundo pareceu sobreviver ao
teste muito duro sem nenhum dano duradouro.
Satisfeita com os resultados do projeto, decidiu retornar ao hospitium. Além
disso, precisava comprar fornecimentos na cidade –tecidos pesados e linha
grossa para fazer mais mantas para as camas de palha, os temperos especiais
que Blanche lhe pediu, mais colheres e pratos grosseiros de madeira, e mais fio
de lã para tecer as meias três-quartos das crianças. Gyda tinha prometido ir em
vinte e quatro horas para instruir às garotas naquele fino ofício, do qual Rain
não sabia nada.
Ubbi, atiçado por suas constantes perguntas sobre Selik e seu destino, a
animou.
— Por favor, vá. Nos dê um pouco de descanso das constantes perguntas
sobre o amo. Ele se preocupa com os parentes, eu te juro.
Adam insistiu em ir protegê-la. Ela começou a protestar, mas decidiu que
não lhe faria mal ver o hospitium. Poderia até ajudar. Mas antes tinha que
adverti-lo de que não desmentisse seu disfarce de monge. Ele achou que era
uma grande brincadeira com os sacerdotes do monastério, muitos deles eram
menos que generosos com os órfãos.
As habilidades de rua de Adam acabaram se mostrando sem preço. A levou
através de todos os atalhos da cidade, e lhe mostrou uma loja afastada do
caminho especializada em importações do Oriente, o que incluía coisas exóticas.
Mais tarde, ele se sentou em um tamborete alto na loja de Ella, esperando
que os trabalhadores da loja amarrassem os volumes de tecido e os
trespassassem como Rain ordenara, comendo ruidosamente bolos de mel e
bebendo hidromel como um senhor de castelo.
— Alguém devia bater no pequeno sodomita uma ou duas vezes — se
queixou Ella enquanto Adam repreendia um de seus trabalhadores por ser
excessivamente miserável ao medir o tecido, mas sua voz tinha também uma
nota de admiração. — Valha-me Deus, se o cachorrinho chegar à idade viril,
será digno de ser visto.
Rain concordou, sobretudo quando foram ao hospitium. Adam a seguiu por
toda parte, não como um filhotinho, mas como um colega. Era como um medico
pequeno que absorvia tudo o que via ao seu redor com fascinação, fazendo uma
pergunta inteligente atrás da outra, e parecendo brilhar pela admiração.
Rain viu um médico trabalhando. Também era ruim que Adam nunca
pudesse ter a possibilidade de fazer realidade aquele sonho naquele sociedade
primitiva.
O Padre Bernard não ficou tão contente com a presença de Adam.
— Realmente, Irmão Godwine, deve trazer todos seus companheiros sobre
a base sagrada da igreja? Primeiro o gigante bruto, o Irmão Ethelwolf. Agora,
esse pequeno rato sórdido e pagão.
— Quem é pagão? — grunhiu Adam atacando. — Rezo todas as noites. E
além disso, sou em parte saxão, como você, Bernie. Sua mãe era uma puta,
também? — perguntou ele com a inocência em seus grandes olhos de gato bem
alimentado.
O Padre Bernard gritou e quase se engasgou com sua língua indignada.
— Por que, você, pequeno… — agarrou o braço de Adam, com a intenção
de lhe ensinar uma lição.
— O Irmão Godwine disse que ele pulverizou varíola de vaca sobre a pele
dos órfãos?
— O quê? — o Padre Bernard deixou cair o braço de Adam como se fosse
uma brasa ardente e correu ao banheiro, onde começou a esfregar suas mãos
várias vezes, resmungando. — Deus está me castigando por meus pecados. Oh,
devo me confessar imediatamente.
Rain sentiu que não seria bem-vinda no hospitium por um tempo. Dirigiu
um olhar de desgosto a Adam, não realmente zangada. Com certeza, começava
a pensar que poderia ajudar mais abrindo sua própria clínica na primavera. E
tinha o suficiente que fazer se preocupando durante o inverno dos órfãos. E de
Selik.
Passou-se mais de um mês, e Selik ainda não havia retornado. Rain seguiu
com sua vida “normal” — cuidar das necessidades das crianças que tinham
transformado o cavernoso celeiro em um lar mais real para ela que seu luxuoso
apartamento no futuro, ir ao hospitium quando o clima tempestuoso do inverno
permitia, e visitar Ella e Gyda.
Rain tentou manter a esperança enquanto o Natal se aproximava, contando
às crianças todos os contos natalinos que recordava de sua juventude. “Uma
Canção de Natal.” “A Véspera do Natal.” “O Gelado Boneco de Neve.”
“Rudolph, a Rena do Nariz Vermelho.” E para seu deleite, convenceu um
resmungão Ubbi a ajudá-la a trazer um enorme pinheiro para dentro do celeiro,
onde o decoraram com pinhas e cordas de azevinho com bagos.
Em sua última viagem a Jorvik, encontrou um comerciante que vendia
açúcar, um artigo de comércio muito caro naquela sociedade primitiva que
confiava no mel para adoçar. Repentinamente inspirada, se desfez de moedas
preciosas e levou para casa o açúcar, abraçando-o contra o peito, junto com um
potinho de barro com cerejas em conserva de Gyda e outro com mel. Se Selik
chegasse no Natal, como esperava, teria um presente especial para ele.
— Está louca? — perguntou Ubbi mais tarde naquele dia enquanto ela
vertia todos os ingredientes em uma panela com água sobre o fogo. —
Desperdiçar todo esse açúcar! Em quê?
— Salva-vidas — disse Rain, erguendo o queixo defensivamente. — Vou
fazer salva-vida de cereja para Selik no Natal.
Sua primeira tentativa foi um desastre. Não só pela aparência, que ao se
verter em um pedaço oleoso de mármore, pareciam-se com tudo, menos
círculos, e não endureceram corretamente, e eram horríveis.
Escutou Adela murmurando ao ouvido de Adam que Tastes gostava dos
excrementos das galinhas, antes de disimuladamente jogar no penico.
Rain e sua mãe tinham feito pirulitos uma vez quando ela era criança.
Tinham saído incrivelmente bem, e achara que os Salva-vidas seriam iguais. A
receita de sua mãe requeria glucose de milho, entretanto. Talvez fosse o mel
com o qual a substituira. Ou talvez não usara as quantidades adequadas. E
talvez uma fogueira não fosse o melhor método de cozinhar.
Então voltou a tentar. Agora as bordas ficaram duras, mas tinham mais
gosto de mel que de cereja, e não eram o suficientemente doces.
Experimentou repetidas vezes, esbanjando o tão necessário dinheiro
enquanto comprava mais e mais açúcar até que Ubbi a freou.
— Basta! Se não gosta desses, é uma parte do corpo a que me respeitar.
Além disso, os pequeninos estão doentes com tudo esse doce.
Rain sorriu timidamente. Ele estava certo, e ela sabia que a maioria das
crianças fingiam gostar somente para evitar ferir seus sentimentos. Realmente a
última vez não foi muito ruim, e envolveu várias dúzias de forma embaralhada
em grosso pergaminho, amarrou-o com uma fita brilhante, e o pôs sob a árvore.
Quando chegou o Natal e todos se sentaram ante o fogo, a árvore iluminada
com velas fazendo uma bonita visão em um canto, um banquete maravilhoso ao
fogo, suas esperanças começaram a se desvanescer. Selik ainda não tinha ido
para ela.
Passaram os dias, depois semanas. O vento de inverno uivava lá fora, e a
árvore de Natal, que tenazmente ela se negou a desmontar, soltava mais e mais
agulhas, um sombrio aviso de suas esperanças moribundas.
Ubbi e as crianças afastavam seus olhares de lástima quando ela passava, e
Rain começou a aceitar o que já sabiam. Selik não retornaria. Jamais.
Duas semanas depois do Natal, quando voltaram para a granja depois de
uma viagem a Jorvik para visitar Gyda, seus piores temores se fizeram
realidade. Gorm estava ferido e perturbado ante o fogo, sendo servido por
Blanche e Ubbi. Todos as crianças estavam assustadas ao fundo, apinhadas com
o rabo entre as pernas.
— O que aconteceu? — gritou ela, correndo até seu lado. Tirou seu manto e
começou a examinar suas feridas. Nenhuma era séria, salvo por algumas
costelas fraturadas, que apertou fortemente com tiras de linho, mas os
machucados e cortes cobriam todo seu corpo da cabeça aos pés.
— É ruim, milady — ele lhe disse, erguendo seus olhos sombrios aos dela
enquanto ela cuidava dele. — O que aconteceu… é muito ruim.
Rain não fez perguntas sobre Selik. Temia a resposta.
— Os homens do rei Athelstan estavam esperando perto de Humber onde
os mestres estavam escondidos.
Rain inspirou bruscamente. Por favor, meu Deus. Por favor!
—Mataram três de nossos homens no ato. Outros dois foram torturados até
a morte — Gorm engoliu em seco várias vezes como se tentasse conter a bílis, e
seus olhos se abriram e vidraram pelas horríveis imagens em sua mente.
Rain apertou fortemente os punhos, as lágrimas descendendo por seu rosto,
assustada de saber o destino de Selik, mas ao mesmo tempo, precisando saber.
— Deram-me por morto, mas todo o sangue em meu peito não era só meu,
era também de Snorr. Oh, meu Deus, era de Snorr. Fui confinado em uma
cabana com febre nos últimos meses.
Seus olhos se mantiveram em Rain depois, quase com piedade, e ela se
preparou para o que viria depois.
— Capturaram o senhor. Fizeram-lhe coisas horríveis antes de pegá-lo por
completo. Oh, santo Thor, o que lhe fizeram. Se eu tivesse podido matá-lo antes
que partíssemos, teria feito e com gosto. Pois ele estaria realmente melhor morto
que nas mãos desses vilãos.
Rain se adiantou por uma única coisa. Selik estava vivo. Obrigado, meu
Deus!
— Onde o pegaram? — perguntou ela, sua mente catalogando já tudo o que
necessitaria para preparar sua viagem.
— Winchester. Pelo rei Athelstan.
Rain inclinou a cabeça, tendo esperado muito.
— Preciso ir a Winchester. Talvez possa convencer o rei Athelstan de soltar
Selik. Ele sempre disse que o rei sente uma grande admiração pelos curandeiros.
— Mas odeia ainda mais Selik — notou Ubbi com pesar. — Deve saber isso.
— Sim, mas ouvi que é um rei compassivo, disposto a escutar ambos os
lados.
Ele negou com a cabeça duvidando.
— Ubbi, vá a Jorvik e diga a Gyda que preciso de dois cavalos, assim Gorm
e eu poderemos ir para Winchester.
— Três cavalos — interrompeu Blanche. — Eu também vou.
Todos a olharam surpreendidos.
— Conheço os arredores de Winchester. Vivi lá durante a maior parte de
minha vida.
Rain pensou durante um segundo, depois concordou.
— Três cavalos. Também, Ubbi, diga a Gyda que envie mais dinheiro de
Selik, e lhe pergunte se ela ou Ella podem te ajudar com as crianças.
— Não ficarei dessa vez — declarou Ubbi veementemente.
— Tem que ficar, Ubbi — implorou Rain. — Quem mais se encarregaria de
todas as crianças?
— Eu me encarregarei — disse Adam elevando a voz. — E não é que não
possa fazê-lo, de qualquer maneira. Se me deixarem umas poucas moedas,
conduzirei os órfãos.
Provavelmente seria capaz, mas ela não permitiria que um menino de sete
anos fiscalizasse uma dúzia de crianças, algumas delas bem maiores que ele.
— Ubbi, tem que ficar. Seja realista. Sua artrite está tão ruim esses dias, com
o clima úmido, que algumas manhãs mal que pode se mover da cama. Como
poderia montar a cavalo tanto tempo?
A contragosto, ele finalmente concordou.
— Acho que os atrasaria. Devo pensar no que for melhor para o amo.
Ela o abraçou agradecida e se aproximou do desvão para empacotar seus
poucos pertences. Fazendo um tipo de pacote em torno de sua cintura, jogou
seu colar de âmbar, o broche de dragão que não usara desde sua chegada e o
resto das moedas que Selik lhe tinha deixado. Sobre ele, pôs duas calças de lã de
Selik e duas túnicas longas, um manto de pele, luvas e a túnica de monge.
Capítulo 19
Rain não falou com o Rei Athelstan no dia seguinte. Nem no seguinte. Cada
vez sua entrevista era adiada, de repente tinha outro encargo mais urgente,
uma sessão para um retrato, uma audiência com um representante do Rei
Frankish, uma partida de xadrez. Rain deveria ter se contentado por Eirik ter
conseguido sua libertação, mas cada minuto desperdiçado que passava, deixava
Rain no imenso desespero sobre a condição em que Selik se encontrava e se ele
estava sendo torturado novamente. O castelão de Winchester se opôs a
permissão para que ela ou Eirik pudessem ver Selik outra vez. Os rumores de
uma surra pública e no futuro próximo uma execução voaram.
Ela estava sentada no solar das senhoras de terceira idade, agitando-se
nervosamente, lutando para controlar seu temperamento ante a tediosa
conversa das damas da corte que falavam sobre sua costura. Costura! Hah! A
única costura que interessava a Rain naquele momento era a que pudesse fechar
algumas bocas.
Lady Elgiva, uma impressionante viúva, de cabelos negros como corvos, da
Mércia, aproximou-se dela, vestia um fino traje de samite lavanda que formava
redemoinhos sobre sua deliciosa figura quando caminhava. Ela era uma das
poucas mulheres que se incomodaram em tratar Rain com alguma consideração,
provavelmente porque seu lugar na corte saxã era tão instável como a dela.
Alguns diziam que Elgiva estava apaixonada sem esperanças pelo rei
celibatário.
Elgiva perguntou cortesmente:
— Posso acompanhá-la?
Rain assentiu com a cabeça para o assento na janela a seu lado.
— Ainda não teve sua audiência com o rei? — perguntou ela.
— Não — disse Rain com um suspiro. — Se apenas pudesse falar com o Rei
Athelstan, penso que poderia ser capaz de convencê-lo libertar Selik. — Está me
escutando, Deus? — ouvi que ele é um homem justo.
Elgiva ergueu uma sobrancelha perfeita.
— Ser justo é uma coisa, mas o rei não é nenhum tolo. Ele não confiaria em
Selik. O fugitivo provavelmente se voltará e o apunhalará nas costas ou mataria
mais de cem soldados saxões.
Rain sentiu seu rosto ruborizar de cólera.
— A palavra de Selik vale ouro. Se ele fizesse um juramento, mesmo a um
rei saxão, o manteria.
Elgiva tocou com dedo indicador elegante contra sua face pensativamente.
Rain nunca tinha visto uma cútis tão formosa e cremosa em sua vida inteira, e se
perguntou como o rei poderia resistir à beleza daquela mulher.
— Você ama Athelstan? — perguntou Rain de repente, incapaz de controlar
sua curiosidade.
Elgiva elevou um olhar calculista para Rain, parecendo pesar suas palavras
com cuidado. Finalmente, ela ergueu seu queixo arrogantemente e confessou
com uma voz suave:
— Sim, amo.
— E é verdade que ele tomou um voto de celibato para proteger a linha
sangüínea real para seus jovens sobrinhos?
As lágrimas se reuniram nos olhos cor de avelã de Elgiva, e assentiu com a
cabeça.
— Ele a ama?
— Sim, ama. Nos conhecemo desde que ele era um criado na corte de sua
tia, a Rainha Aethelflaed, na Mércia. Mas não há nenhuma esperança para nós
— disse ela, sua voz se quebrava com a emoção.
Rain pôs uma mão suavemente sobre a de Elgiva.
— Entendo perfeitamente o que é amar um homem e saber que não há
nenhum futuro.
Sentaram-se silenciosamente durante vários momentos. Rain riu levemente
então.
— É uma pena que não tenha trazido algumas pílulas anticoncepcionais
para você do fut… de meu país.
A postura de Elgiva ficou de repente alerta.
— Pílulas anticoncepcionais?
Rain lhe explicou sobre todos os métodos disponíveis para mulheres. Elgiva
se mostrou muito interessada.
— E você disse que o emplastro sob sua pele te protege de conceber uma
criança?
— Sim. As implantações são ainda um pouco experimentais, mas
supostamente duram aproximadamente cinco anos.
Os lábios exuberantes de Elgiva formaram uma “O” perfeito de assombro.
— Eu poderia ter uma? — sussurrou ela com esperança.
Rain sorriu.
— Não, infelizmente não tenho nenhuma idéia de onde conseguir outra.
— Terei o seu, então — disse ela imperiosamente.
— Não, não seria seguro.
Os ombros de Elgiva caíram.
— Não espero nada do futuro, então. Posso voltar também para minha casa
na Mércia. É uma tortura estar perto de Athelstan e não estar com ele.
— É engraçado, mas quando eu falava com Selik e Eirik no outro dia, rindo
mencionei fazer uma vasectomia no rei.
— O que é uma vasectomia...?
Embora seu rosto empalidecesse quando Rain explicou as complexidades
da operação, Elgiva perguntou:
— E o homem pode ainda... você sabe... funcionar? — Rain assentiu com a
cabeça. — E o prazer é o mesmo? — perguntou ela incredulamente.
Rain assentiu com a cabeça outra vez.
— Você poderia fazer em Athelstan?
— Oh, não! Eu apenas estava brincando. Seria impossível sem anestésicos e
analgésicos — Rain de repente pensou em Tykir e a operação que lhe tinha
realizado com a acupuntura.
— Pode ser feito! Vejo em seu rosto. Eu tinha ouvido que você era uma
curadora, mas isso, Oh, a faria mundialmente conhecida.
— Oh, não, não — objetou Rain rapidamente. O que ela não queria era
fama, ou mudar o curso da história. — Eu não poderia fazer.
— Você já realizou alguma va… vasectomia?
— Bem, sim, mas... — Rain achou impossível explicar as instalações
médicas modernas àquela senhora da Idade das Trevas, e Eirik lhe tinha
advertido sobre falar sobre o futuro ou viagens no tempo, ou suspeitariam que
ela fosse feitiçeira. — Além disso, você acha francamente que o rei — qualquer
homem daqui, de fato — me deixaria alterar sua virilidade? Os homens são
realmente delicados sobre tais assuntos, mesmo em meu país.
— Athelstan faria se eu lhe pedisse — afirmou Elgiva, sua leve risada a
traía.
— Há dor e desconforto durante uns dias depois da operação. O rei
pensaria que eu o teria mutilado.
— Você poderia explicar.
— Elgiva, é indiscutível.
— Se você diz — concordou Elgiva muito rápido.
— Teríamos uma melhor possibilidade para Selik contando ao rei como
encontrar seu ponto G — comentou Rain com secura, logo deu cobriu sua boca
com a mão, desejando tê-la mantido fechada.
— O que é um ponto G? — Elgiva exigiu saber.
Rain gemeu, logo explicou, apesar das interrupções constantes que Elgiva
fazia para perguntar:
— E o que se diz sobre o significado de ejaculação? Ou orgasmo? Você diz
que as mulheres em seu país exigem os mesmos prazeres que os homens? —
quando ela deixou de falar, Rain olhou em torno horrorizada ao ver que várias
das outras senhoras se moveram sigilosamente mais para perto, escutando a
conversa delas às escondidas com ávido interesse.
— Humph! É típico dos homens guardarem tal informação das mulheres —
queixou-se Elgiva. — Eu tive um marido uma vez que se considerava o amante
perfeito, mas ele nunca mencionou qualquer ponto G. Sem dúvida ele guardou
esses prazeres para sua amante.
Então Elgiva sorriu misteriosamente, e um pressentimento arrepiou em
ondas a pele de Rain.
— Estou farta da corte do Rei Athelstan — queixou-se Rain a Eirik mais
tarde nesse dia. — E estou ainda mais doente por todas as pessoas inúteis que
estão em pé em volta dele adotando uma postura e rogando por seus favores.
Eirik só sorriu condescendentemente para ela, tendo ouvido bastante suas
queixas nos dois dias anteriores para sabê-las de cor.
Estavam sentados junto com outras cento e tanto pessoas em uma das
numerosas mesas de cavalete no grande corredor de Athelstan, onde outro
banquete transcorria. Foram colocados tão longe do banquete que ela mal podia
ver o rei ou seus conselheiros mais próximos. A abundância de fumaça das
lareiras mau-ventiladas em ambos os cantos da parede não ajudava muito,
tampouco.
Mesmo para os padrões modernos, a comida superava, a suntuosa enguia
assada ao forno, vitela e bolos de carne de vaca, natilla — doce de ovos, leite e
açucar — pudim de pescoço de cisne, lentilhas e cordeiro, pombas ao molho de
uvas fervidas rapidamente na mostarda, codorna cheia de tâmaras, os lados
guarnecidos com carne de vaca e veado. E era só o prato principal. Os criados
também levaram bandejas enormes de couve com tutano, alcachofras cozidas,
creme de chirivías1, cogumelos recheados, creme de verduras, alcachofras com
arroz de arándano, até uma salada medieval que consistia em nabos, couve
picada, frutas secas, mostarda, açúcar mascavo e mel. Para a sobremesa, havia
pudim da flor de gilia2, creme de amêndoas, mingau, ensopado de frutas e bolos
de mel. E barris e barris de vinho e hidromel.
Rain teria dado tudo por uma pizza de pepperoni e cogumelos. E uma
Coca-cola light.
O rei e seus amigos íntimos se levantaram, para irem do tablado para seu
entretenimento da tarde (música, contar histórias, jogo de dados e jogos de
mesa). Rain aceitou que outro dia se foi e Selik ainda estava naquele horrível
calabouço. E ela não tinha conseguido nada. Não haveria nenhuma outra
oportunidades àquela noite para se aproximar do rei.
— Pssst!
Rain se voltou, procurando a fonte do ruído.
— Pssst! — ouviu outra vez e olhou para o outro lado, notando um brilho
de um material lavanda nas sombras de um vestíbulo. Levanto-se, dizendo a
Eirik que tinha que ir ao lavabo, e caminhou até Elgiva, que pôs um dedo em
seus lábios para indicar silêncio, então torceu seu dedo para que Rain a seguisse.
Uma vez que tinham baixado vários corredores tortuosos, ela parou e sussurrou
— Você tem vários minutos para apresentar seu caso ao rei.
Rain pegou ambas as mãos de Elgiva nas suas e as apertou.
— Oh, obrigada, obrigada. Como você conseguiu convencê-lo a me ver?
— Bem, não é exatamente uma audiência o que consegui — disse Elgiva,
piscando um olho com astúcia.
— Exatamente o que você conseguiu? — perguntou Rain com receio.
— Falei com ele hoje sobre a vasectomia, não está ainda convencido. Para
falar a verdade, ele disse, “no dia em que eu deixar a moça do fugitivo ao
alcance de dois dedos de meu membro, podem me declarar louco e me tirar o
trono”, ou alguma tolice assim. Eu acho que precisarei de mais tempo para
persuadi-lo.
Rain gemeu, sentindo o caso de Selik escapulindo devagar.
1
Chirívia, chirivia, cherovia, cherivia, cherívia, cheruvia ou pastinaga (Pastinaca sativa) é uma raiz que se usa como
hortaliça, semelhante a cenoura, embora mais pálida e com sabor mais intenso do que esta. O cultivo remonta a tempos
antigos na Eurásia: antes do uso da batata, a cherovia ocupava o seu lugar.
2
Gilia é uma planta do género botânico pertencente à família Polemoniaceae.
— Elgiva, vou direto ao ponto. Você disse que eu teria uma oportunidade
de falar com o rei.
— Sim. Athelstan tem a intenção de visitar sua sala de escrituras para ver os
manuscritos completados hoje por seus tabeliães. Se apenas resultar que
passemos ao mesmo tempo, ele não pode nos evitar. Ou sim?
Rain fechou os olhos e rangeu os dentes, lutava pela coragem e as palavras
certas para usar no que poderia ser sua única oportunidade de falar com o Rei
Athelstan.
Está aí, Deus? Eu poderia precisar um pouco de ajuda aqui.
A maldita voz interior permaneceu em sepulcral silêncio.
O rei Athelstan examinava um manuscrito ilustrado enquanto um alto
monge indicava os detalhes mais finos. Dúzias de velas iluminavam o quarto
bem ventilado, que tinha vários tamboretes altos diante altas escrivaninhas ao
estilo suporte de livros que continham pergaminhos e tintas coloridas.
— Elgiva! — exclamou o rei com prazer, só notando ela na entrada. —
Pensei que você se retirou para passar a noite.
— Não, eu não estava cansada e decidi passear um pouco — ela colocou
ambas as mãos nas do rei, e Rain viu o amor que eles compartilhavam com
apenas aquele gesto.
Athelstan era um homem bonito, de estatura média, aproximadamente
quarenta anos. Seus cabelos muito loiros, com toques de luz dourada, brilhavam
à luz vacilante da vela, e Rain não podia menos que admirar o magnífico casal
que aquelas duas formosas pessoas faziam.
A emoção encheu os olhos do rei, que se inclinou para Elgiva, roçando seus
lábios contra os dela levemente. Ele pareceu ignorar o sacerdote que se movia ao
fundo. Rain se manteve em pé nas sombras perto da entrada.
Rain se afastou da cena íntima e caminhou de escrivaninha a escrivaninha,
admirando um pouco as cópias de ilustrações belissimamente detalhadas,
cópias de outros livros, outras de composições originais. Infelizmente, a maior
parte daqueles inestimáveis livros não sobreviveria ao desgaste dos séculos .
— Querido, eu queria que conhecesse minha nova amiga, Rain — disse
Elgiva, indicando ao rei onde Rain estava de pé. — Ela é quem falei
anteriormente.
O rei ergueu uma sobrancelha e foi para mais perto, com Elgiva agarrada
em seu braço.
— Ah, a autoproclamada médica — seus lábios estavam levemente
estendido num sorriso, e Rain de algum jeito sabia que ele pensava em
vasectomias.
— Não autoproclamada — afirmou ela. — Tenho a educação de muitos
anos e a experiência em alguns dos melhores hospitais de meu país.
— Você quer dizer asilos?
Rain deu de ombros.
— São a mesma coisa.
— E esses asilos em seu país permitem que as mulheres estudem?
— Sim, somos completamente... capazes.
— Hmmm — ele a estudou com olhos que Rain podia ver que eram muito
inteligentes. — Tenho um manuscrito médico aqui no qual um de meus
tabeliães trabalha — disse ele, aproximando-se de um tomo enorme. — Está em
latim.
Rain olhou algumas páginas.
— É formoso, mas não sei ler em latim.
— Ah — disse ele, disparando um “eu te disse” ao olhar para Elgiva. Pelo
visto, se supunha que todos os curadores sabiam latim.
Sua condescendência irritou Rain, e ela soltou:
— Alguns desenhos estão equivocados — e imediatamente lamentou seu
arrebatamento.
Rain ouviu o grito sufocado do sacerdote pelo ultraje atrás deles, e os
ombros do rei ficaram rígidos ante seu valor.
— Me mostre — exigiu o rei.
Rain contemplou Elgiva procurando conselho em como seguir com o rei,
mas o silencioso rosto da mulher saxã disse muito. Rain estava sozinha.
— Não quero alterar essas formosas ilustrações. Me dê um pedaço em
branco de pergaminho e uma pena, e lhe mostrarei — com uns golpes rápidos
na tíbia, que banhou na espessa tinta negra, Rain desenhou o interior do corpo,
mostrando a posição dos pulmões, coração, fígado, estômago, pâncreas,
intestinos delgado e grosso. — Veja — indicou-lhe. — Sua ilustração tem o
fígado e o estômago nos lugares incorretos. Também — acrescentou, fazendo
outro esboço, desta vez do coração — assim que o coração realmente se é
quando diseccionado. Há quatro seções, duas em cima que chamamos de átrios,
e dois em baixo, os ventrículos, e o sangue é bombeado para dentro e para fora
do coração por essas veias e artérias.
Ela se deteve, de repente consciente do sinistro silêncio no quarto. O
sacerdote olhava sobre o ombro do rei, e ambos os homens a contemplavam
como se ela acabasse de ganhar um halo. Lamentava não tê-lo. E um par de asas,
também, seria prático naquele momento. Senhor, quando aprenderia a manter a
boca fechada?
— Padre Egbert, é possível que o que a moça diz seja verdade? —
perguntou o rei.
— Não, é obvio que não.
Mas todos puderam ouvir a vacilação na voz do clérigo.
— Talvez você pudesse voltar amanhã e falar sobre isso comigo? — pediu o
Padre Egbert a Rain especulativamente. — Seu esboço é, é óbvio, incorreto, mas
eu estaria interessado em escutar mais sobre suas teorias. Onde disse que
estudou?
Mas o rei interrompeu, estreitando seus olhos, enquanto perguntava:
— Você mencionou dissecação. Você certamente não cortou o corpo aberto
de um homem para sua inspeção.
Oh! Rain sentiu que pisava em solo lamacento.
— Disse dissecação? —disse ela, esperando que o calor em seu rosto não a
delatasse. — Devo ter querido dizer inspeção.
O rei a observou especulativamente.
— Exatamente quem é você?
— Rain, Thoraine Jordan. Acho que você conheceu minha mãe uma vez,
Ruby Jordan.
As sobrancelhas de Athelstan se franziram em concentração, logo a
expressão dele clareou.
— A senhora que disse ter vindo do futuro? Com as roupas íntimas
escandalosas?
— Não me diga que minha mãe lhe mostrou sua lingerie, também?
O rei sorriu abertamente.
— Não, mas sua fama se estendeu amplamente — ele fez gestos ao clérigo
para que os deixassem sozinhos, lhe dizendo que falaria sobre os manuscritos
com ele na tarde seguinte. Então se voltou para Rain, obviamente fascinado. —
E quem foi seu pai?
— Thork… Thork Haraldsson. — Rain bateu na madeira atrás de suas
costas, mas sem entusiasmo. Ela realmente começava a acreditar nas absurdas
declarações de sua mãe de que tinha sido concebida no passado e nascido no
futuro.
— Aaah, então Eirik seria realmente seu meio-irmão, como ele proclama.
— Sim.
— Agora entendo a preocupação dele por você. E o fugitivo? Que relação
você compartilha com essa fera pagã?
Rain cravou as unhas nas palamas, os punhos fortemente apertados,
tentando controlar seu gênio diplomaticamente. Finalmente, ela sustentou seus
olhos francamente e anunciou orgulhosamente:
— Eu o amo.
O lábio superior do rei se estendeu com desprezo.
— Então você é uma tola, já que ele é um homem morto.
Rain lambeu os lábios secos e procurou as palavras certas.
— Rei Athelstan, em meu tem… em meu país, as pessoas o consideram um
rei justo. Você tem muitos títulos. O Rei Guerreiro. O Rei Erudito. O Rei de Toda
Grã-Bretanha. Mas o recordam ainda mais como um rei justo, um soberano que
daria até ao criminoso mais endurecido uma segunda chance se ele se
arrependesse.
— Você desperdiça seu fôlego, minha senhora, se pensa ganhar uma
segunda oportunidade para o fugitivo. Você tem alguma idéia do que ele fez a
meu primo Elwinus em Brunanburh?
— Realmente, tenho. Eu estava lá — ela não fez caso de seu suspiro
sufocado pela surpresa e continuou. — Mas tão horrível como foi, você tem
alguma idéia do que a família de Elwinus tem feito a Selik?
Os olhos do rei se abriram com interesse.
— Explique-se.
Rapidamente, Rain resumiu tudo o que ela sabia do irmão de Elwinus,
Steven de Gravely, e o que ele tinha feito à esposa de Selik e a seu bebê. Ela viu
lágrimas nos olhos de Elgiva ante a menção da cabeça do bebê levada na ponta
de uma lança. Mas os olhos do rei cintilaram furiosamente.
— É o ponto de vista de Selik sobre o acontecimento. Ele sem dúvida
provocou Steven.
Rain quis perguntar que provocação possível poderia haver para tal
brutalidade, mas conteve sua língua.
— E isso não é uma desculpa para os dez anos de guerra que ele
empreendeu contra mim e meus soldados, que não tinham nada a ver com tal
acontecimento.
— Concordo. Não há nenhuma desculpa para a violência. Mas houve
ultrajes de ambos os lados, e a única desculpa de Selik consiste em que ele virou
um guerreiro depois de encontrar sua esposa e seu bebê. Esse foi o único modo
no qual ele podia sobreviver sem ficar louco.
Rain não sabia mais o que dizer. Por favor, Deus, me ajude a encontrar as palavras
certas. Deixe o rei entender.
Ela suspirou profundamente e continuou:
— Me deixe dizer só uma coisa mais. Se você não fosse um rei, e se casasse
com uma mulher parecida com Elgiva, por exemplo — especulou Rain, e viu o
rápido olhar de tristeza que Athelstan e Elgiva trocaram. — Como você se
sentiria se voltasse para casa um dia para encontrar o corpo dela violado e
mutilado e o corpo sem cabeça de seu filho atirado na sujeira? E considere mais
a fúria que lhe daria ouvir que a cabeça de seu bebê estava sendo levada na
ponta de uma lança por seu inimigo. O que você teria feito? — Rain teve que
engolir em seco fortemente. Em um sussurro sufocado, ela repetiu — O você
que teria feito?
As lágrimas se derramaram pelo rosto de Elgiva, mas os lábios do rei se
esticaram furiosamente, e ergueu o queixo em defenva, quase como se ela fosse
pessoalmente a responsável por aqueles ultrajes.
— Não libertarei o fugitivo — jurou ele — não importa o quanto
eloqüentemente você advogue seu caso. Agora, fora daqui — ele agitou
desdenhosamente a mão para a porta. — Desejo falar com Elgiva em particular.
No dia seguinte Eirik se foi para Ravenshire, tendo ouvido boatos que
bandidos rondavam em sua propriedade. Designando um guarda para
acompanhá-la e uma criada para dormir na antecâmara, prometeu a Rain que
estaria de volta o quanto antes.
Rain viu Blanche de vez em quando com Herbert, que aparentemente
pousou a seus pés ou suas costas, para ser mais exata. Ela ignorava Rain
desdenhosamente sempre que ela se aproximava.
Elgiva advertiu a Rain que não pressionasse o rei com seu caso. Ele tinha
ouvido suas súplicas, e sendo um homem justo, atuaria em conseqüência.
Desse modo, Rain passou seus dias suplicando aos guardas do castelo para
que a deixassem ver Selik e falando durante horas com o Padre Egbert sobre seu
manuscrito médico. O Padre Egbert a tinha apresentado, por sua parte, ao
curador pessoal do Rei Athelstan, que se sentiu ofendido e, ao mesmo tempo,
fascinado por suas teorias médicas “escandalosas”.
Ela se dirigia outra vez para a dependência que alojava a prisão quando um
homem magnificamente vestido se aproximou dela. O homem, de mais de um
metro e oitenta de altura, usava uma longa capa de lã negra da mais suave
qualidade, delineada em ouro e com a mais fina pele de raposa. Seus cabelos
negros como a meia-noite estavam esplendidamente sedosos debaixo de seus
ombros. Seus olhos azul-claros a olharam fixamente com diversão, claramente
consciente de sua apreciação por sua beleza. De fato, o homem se parecia muito
com seu irmão Eirik, salvo que seus traços eram mais sutilmente afilados, quase
perfeitos demais.
Ele se inclinu levemente e tomou sua mão.
— Você é Lady Rain?
— Sim.
— Ouvi tanto sobre você. Por acaso poderia ser de ajuda em seus esforços.
— Mesmo? — perguntou Rain com esperança, sem se preocupar por ele ter
segurado sua mão por muito tempo, ou pela maciez de seus dedos acariciando
sua palma.
— Gostaria de ver o prisioneiro, Selik?
— Sim. Oh, sim. Você pode me ajudar a entrar?
— Pode ser. Me pergunto... — disse ele, olhando-a de uma maneira
estranha. — Me pergunto se você vai pagar o preço.
— O pr... preço? Ah, sim, é óbvio. Tenho dinheiro comigo. Quanto?
O magnífico homem desprezou sua preocupação.
— Podemos falar sobre isso mais tarde. Essa é a pergunta, embora: está
disposta a pagar qualquer preço para ganhar a libertação do fugitivo?
— Sim — afirmou ela veementemente. — Qualquer preço.
Ele sorriu então, mas Rain tremeu. Aquele não era um sorriso agradável.
— Venha — disse ele, enlaçando seu braço no dele. — No momento,
visitaremos seu amante. Ele é seu amante, ou não?
Rain assentiu com a cabeça, avermelhando ante sua intensa observação.
— Bem. Sim, isso é muito bom.
O homem maravilhosamente vestido a conduziu alegremente até Herbert,
que sorria de modo reconciliador, e os guardas que tinham evitado antes sua
entrada. Eles não questionaram o nobre.
— Que nome você disse que era o seu?
Ele acariciou sua mão.
— Mais tarde. Vamos falar de tudo isso mais tarde.
Chegaram à porta da cela de Selik. Quando estavam dentro, ela tentou tirar
seu braço da curva do braço do homem, mas ele a segurou rapidamente. Rain
começou a perguntar sobre o ato dele, mas se deteve completamente quando
viu Selik. Agradecia então o apoio do braço do homem.
O corpo de Selik estava meio nu, estava meio sentado sobre o banco. Ele
parecia imune ao ar frio. Novos cortes e contusões danificavam seu belo corpo.
Seus cabelos curtos se abriam em sujas mechas espigadas, expondo seu couro
cabeludo. Cordas atavam suas mãos atrás das costas, amarradas a um gancho
na parede. E um trapo asqueroso em sua boca evitava qualquer palavra.
Mas seus olhos gritavam sua fúria.
Ele ficou em pé repentinamente, tremendo de raiva, e tentou se precipitar
para eles, mas o curto comprimento da corda que o unia à parede o conteve.
Rain estava mal consciente de que o homem tinha posto um braço em torno
de seu ombro e a tinha estreitado fortemente contra seu peito até que ela tento
se aproximar de Selik. Queria abraçá-lo fortemente e assegurá-lo que estava
fazendo o melhor que podia para ganhar sua liberdade.
Os olhos de Selik brilhavam furiosamente enquanto olhava para ela e para o
homem, e grunhidos ininteligíveis emanaram de sua mordaça. É obvio, Selik
estava furioso com ela. Havia lhe dito que deixasse Winchester, que temia por
sua segurança.
Ela lutou contra o afeto do homem e se deu conta de repente de que ele a
impedia de ir para Selik. Ela levantou os olhos interrogativos, mas antes que
pudesse falar, ele baixou sua boca na dela e beijou sua boca entreaberta
apaixonadamente.
Em um movimento rápido, com sua boca ainda cobrindo a dela, ele a voltou
para a porta e a fixou contra a parede de corredor fora da linha de visão de
Selik, segurando-a com uma mão como braçadeira sobre sua boca. Então,
bastante alto para que Selik pudesse ouvi-lo pela entrada aberta, ele disse:
— Está vendo, meu amor, o fugitivo é só um animal. Eu te disse que não
tinha que gastar sua preocupação por tal sujeira. Venha, permita que voltemos
para minha antecâmara, e te mostrarei outra vez como um verdadeiro homem
atende as necessidades de sua mulher.
Rain ouviu um grunhido forte, estrangulado pelo ultraje dentro da cela. E o
homem ao lado dela riu com diabólico prazer quando a retirou da entrada da
prisão com sua mão ainda segurando-a e tapando fortemente sua boca.
E Rain soube que estava nas garras do demoníaco Steven de Gravely.
Capítulo 20
Selik escutou a batida, mas a princípio achou que era em sua cabeça
embotada pelo hidromel. Tentou se endireitar várias vezes, sem êxito.
Olhou a seu lado e deu um salto. Uma mulher nua jazia a seu lado entre as
brancas roupas franzidas. Ele gemeu. Era Blanche.
Franziu o cenho, tentando recordar. Tinha bebido muito a noite anterior,
mas sabia que foi a sua cama sozinho. O que a moça trazia entre as mãos?
Esfregou os olhos com cansaço, repentinamente lembrando porque tinha
bebido muito na noite anterior. O bastardo do rei o tinha solto ontem pela
manhã, sem explicações. Tinha recebido a ordem de pagar uma enorme multa,
voltar para sua propriedade na Northumbria e a ordem de não voltar nunca
mais a Grã-Bretanha.
Não se importava.
Tinha perdido muito, muito mais.
Rain! Sua mente atormentada chorava, como fizera durante dias. Rain...
Rain... Rain... Rain...
Como ela pôde? Manteve-se perguntando repetidas vezes. Não havia
resposta, simplesmente os fatos incontestáveis. Estivera com seu pior e mais
odiado inimigo, Steven de Gravely.
Gravely era lixo ante seus olhos, e agora Rain era também. Nunca, nunca a
perdoaria por sua traição.
O tamborilar na porta continuou. Selik se esforçou para se levantar da cama
e cambaleou até a porta, sem se preocupar com sua nudez. Sem dúvida
Athelstan tinha enviado outro mensageiro lhe recordar de sua viagem aquela
manhã. Não poderia ser muito logo para ele.
Sem estar preparado para a visão de Rain erguendo-se ante ele na porta,
apoiou-se contra a porta para se sustentar. Maldito inferno! Ela parecia um anjo
em pé ali vestida de branco, o contemplando com seus olhos dourados cheios de
lágrimas. Usava sua jóia de âmbar como um maldito símbolo de seu amor.
Maldita. Esforçou-se para não tentar alcançá-la, lembrando-se que ela estava
muito longe de ser um anjo. Um anjo sombrio, imaginou, pois qualquer
bondade que tivesse havido nela certamente se sujara por sua união com Steven
de Gravely.
— Selik! — exclamou ela com um rouco sussurro e estendeu ambos os
braços para abraçá-lo.
Ela estava louca? Realmente esperava que lhe desse as boas-vindas de novo
a seus braços amorosos como se nada tivesse acontecido?
Moveu-se para um lado quando ela tentou alcançá-lo, retrocedendo no
quarto. Ela entendeu e viu o corpo nu de Blanche em sua cama pela primeira
vez.
Ela ficou sem fôlego e pôs uma mão sobre sua boca horrorizada, ficando
com o olhar fixo nele, acusando-o.
Como ela o desafiava acusando? Mesmo se houvesse tocado um só fio de
cabelo do corpo atraente de Blanche, como ela se atrevia a reprová-lo?
Blanche se endireitou e dirigiu a Rain um olhar desafiante, triunfante.
Deixou que as roupas caíssem até sua cintura, expondo seus seios cheios com
altivez.
— Despachem a cadela — disse a prostituta. — Volte para a cama, querido.
— Cale-se.
Blanche choramingou por suas rudes palavras, e Rain o contemplou com
esperança.
— O que deseja? — exigiu saber de Rain, pondo uma calça.
— Você — disse ela em voz baixa, lançando um olhar a Blanche, depois de
novo para ele, hesitando. — Você.
— Jamais.
— Por quê?
— Como pode me perguntar isso? Nunca tomaria os restos de Steven, e
entendo que isso é precisamente o que você é. Os servos dizem que ele partiu há
vários dias, sem dúvida antecipando minha libertação. Seu amante se negou a te
levar com ele.
— Ele nunca foi meu amante. Nunca — disse Rain com veemência.
Pela primeira vez em dias, Selik sentiu a esperança crescer como a água em
sua alma ressecada. Pôs as mãos em seus braços, notando o sobressalto dela. Seu
contato lhe dava asco, agora?
— Então o quê? Está me dizendo que não estava com Gravely
voluntariamente?
Rain vacilou e seus olhos lhe suplicaram de uma estranha maneira. Selik
sentiu que suas esperanças morriam.
— Saia — exigiu ele, lhe voltando as costas.
— Selik, não é o que acredita — lhe implorou ela, gemendo como se a
tivesse chutado no estômago.
— Como foi isso? — explodiu ele, voltando-se contra ela com sua fúria mal
controlada. Naquele momento, poderia tê-la estrangulado sem pesar por toda a
dor ardente que fizera a sua alma.
Seus ombros caíram bruscamente e as lágrimas emanaram de seus olhos.
Ela não respondeu, e aquela foi toda a resposta que ele precisou.
— Eu te amo, Selik — disse finalmente ela.
— Eu te odeio. Não quero te ver de novo — declarou ele friamente,
cravando as unhas nas palmas das mãos. — Jamais.
— Não pode simplesmente confiar em mim, Selik? — implorou ela. — Não
pode lembrar de nosso amor, e simplesmente ter confiança?
Seus suaves soluços lhe quebraram o coração, mas não podia se render a
seu tipo de amor traidor. Com determinação, caminhou até a cama e se meteu
sob os lençois brancos com Blanche, voltando o rosto para Rain. Durante um
tempo muito longo, escutou Rain em pé na porta, chorando desesperadamente.
Quando finalmente a porta se abriu e se fechou com um som surdo, ele
empurrou Blanche com desagrado e lhe ordenou abandonar sua ante-câmara.
Choramingando e depois amaldiçoando, ela saiu do quarto batendo a porta.
Selik se endireitou depois, pondo ambas as mãos no rosto.
E chorou por tudo o que perdera.
Capítulo 21
Fim
Salva-vidas (Lifesavers):