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O Viking Fugitivo

Sandra Hill

The Outlaw Viking — 1995

Tão alta e atraente como as valkirias das lendas, a doutora Rain Jordan estava
orgulhosa de seus antepassados nórdicos apesar de seus costumes bélicos. Mas ela não
podia acreditar no que via quando um golpe na cabeça a transportou para um campo
de batalha de pesadelo e ela teve que salvar o bárbaro de seus sonhos.
Ele era um desenquadrado de olhar selvagem cuja espada mortal poderia matar uma
dúzia de saxões com um só movimento, mas Selik não podia controlar a descarada
jovenzinha que vinha do futuro. Ele considerava Rain uma prisioneira e desejava
aproveitar-se de suas habilidades médicas... e seu considerável conhecimento da
anatomia masculina.  Mas a exasperante mulher tinha suas próprias idéias. Se Selik
não tomasse cuidado, a impressionante sereia certamente capturaria seu coração e o
converteria em um guerreiro do amor em vez de ser... o viking proscrito.

Disponibilizaçao em Esp: Sagas Y Series


Tradução: YGMR
Revisão: Analine
Pesquisa de Expressões: Suzana Pandora
Revisão Final e Formatação: Gabi
PROJETO REVISORAS TRADUÇÕES
Nota da Autora

Um museu Viking existe realmente em York, tal como foi representado


neste romance. Ele comemora a grande escavação arqueológica de Coppergate,
onde foram desenterrados muitos tesouros relacionados à Idade dos Vikings na
Inglaterra (800—1000 d.C.), dando uma nova luz aos orgulhosos e ferozes
escandinavos.
Entretanto, a maciça pintura a óleo da Batalha de Brunanburh, que
terminou de maneira brutal com a dominação dos Vikings na Inglaterra, com
meu herói devastado pela guerra, Selik, no centro, é pura ficção.
Ou não?
Os cientistas modernos apenas começam a entender a memória genética e,
verdade seja dita, minha árvore genealógica pelo lado de meu pai pode ser
remontada diretamente de volta aos tempos dos Vikings por trinta e três
gerações ao grande Cilindro Viking (ou Hrolf o Ganger).
Talvez as cenas que descrevo na Inglaterra Viking sejam apenas invenções
de uma imaginação hiperativa baseada em uma atração inata por esta magnifica
raça que é uma parte biológica de mim. A lógica diria certamente isso.
Por outro lado, podiam eles não ser mais que isto?
Talvez, em algum lugar em um castelo antigo desmoronado ou um
corredor de museu por muito tempo descuidado, esteja pendurado apenas um
retrato da história de um Viking. Eu gosto de pensar nisso.
Coisas mais estranhas aconteceram.
Capítulo 1

York, Inglaterra

— Mamãe, afaste a senhora alta. Não consigo ver.


Thoraine Jordan sentiu que seu rosto estava consumido por chamas de
vergonha ante o ruidoso choramingar do menininho que estava atrás dela.
Sentiu como as pessoas ao seu redor se viravam para olhar o objeto digno
daquela observação, e logo viu como tinham a necessidade de esticar seus
pescoços.
Alta! Era a palavra chave.
Rain gemeu. Depois de todos esses anos, essa cruel palavra não deveria
machucá-la, mas sempre acontecia.
Suspirando cansada, olhou para sua mãe, Ruby, cujos lábios formavam uma
linha fina de cólera suprimida. Rain apertou sua mão de modo tranqüilizador,
não queria que sua mãe super-protetora dissesse algo que criasse alguma cena.
Dando a volta para olhar o menino que tinha feito o comentário com
cortante inocência, Rain disse:
— Passe na nossa frente, querida. Não temos pressa alguma.
— Ah, não, Madame — protestou rapidamente a mãe do menino. — Ele
não fez por mal. Está só cansado por esperar tanto tempo.
A multidão acompanhou o bate-papo com curiosidade, e Rain desejou
desaparecer ali mesmo.
— Está bem. Não nos incomodou — disse à jovem.
Depois de a senhora e o menino se colocarem envergonhados na frente
delas na longa fila que se estendia diante o museu Viking, a mãe de Rain
sussurrou:
— Você é muito amável. Deveriam ensinar as crianças pequenas que certos
comentários são completamente inadequados.
—Ah, mamãe! Ele apenas comentou um fato óbvio. Tenho um metro e
oitenta e três de altura. Não há como fugir disso.
Sua mãe dispensou suas palavras com um seco gesto da mão.
— Doçura, você é uma mulher bonita. Pensei que já tinha superado o
problema da sua altura, pois já faz muito tempo. Não tem nenhuma razão para
se sentir mal.
Rain pôs um braço em torno do ombro de sua mãe e lhe deu um beijo
rápido na face.
— Tenho trinta anos, e ainda se preocupa com meus sentimentos quando
me magoam. Isto é lindo.
— Humph! Para mim, você ainda é meu bebê. Não me importa que seja
médica ou que tenha trazido ao mundo alguns bebês. Sempre pensarei em você
como minha garotinha.
Rain lançou sua longa e loira trança sobre o ombro e olhou seu corpo
significativamente.
— Pequena? Com certeza!
A boca de sua mãe se franziu indignada.
— Você é muito amável, só é um pouquinho alta, Rain, como seu pai.
Nunca foi muito gorda.
Mudando de assunto, para um já velho e usado, Rain brincou:
— Que pai, mamãe?
Um enigmático sorriso se esboçou no rosto de sua atraente mãe. Isso fora
uma brincadeira de família durante os anos em que sua pouco ortodoxa mãe
afirmava ter realizado uma viagem no tempo trinta anos atrás, quando ela tinha
encontrado Thork Haraldsson, uma versão viking de tamanho muito grande do
seu marido, Jack Jordan. De fato, sua mãe afirmava que Rain fora concebida no
passado e nascera no presente. Ainda pior, sua mãe insistia que, quando seu pai
Viking, Thork, morrera antes de Ruby voltar ao futuro, ela partira deixando lá
os meio-irmãos Vikings de Rain, Eirik e Tykir.
Uau!
— Não comece, senhorita — sua mãe a repreendeu, balançando um dedo
indicador na sua frente com fingida severidade. — De certa forma, Thork e Jack
são ambos seus pais. Eles eram muito altos e aparentemente idênticos, mas seu
pai Viking tinha mais músculos.
Rain revirou os olhos diante aquela imagem tão atraente. Seu pai fora um
homem bonito. Com um corpo musculoso, teria sido de matar.
Sua mãe pegou o broche antigo de dragão que Rain levava na gola de sua
blusa branca de seda.
— Gosto disso, ver você usar o broche que Thork me deu.
— Só o uso porque combina com o vestido, mas isso não significa que eu
acredite em você.
Sua mãe puxou seu queixo brincalhonamente.
— Sei disso, sua tola. — ela acariciou o broche com amor, uma sonhadora
expressão nublava seu rosto. — Pergunto-me o que aconteceu ao outro broche
com que faz par, Thork o usava sobre a ombreira de sua capa.
Rain riu ante a expressão voluntariosa que o rosto de sua mãe apresentava,
logo hesitou antes de dizer as seguintes palavras:
—Nunca acreditei em todas essas suas tolices. Ainda não acredito, mas
ultimamente... realmente estive confusa e bem... não sei.
Sua mãe levantou uma sobrancelha interrogativamente.
— O pesadelo voltou.
Um suave ofego de consternação saiu dos lábios de sua mãe.
— Ah, querida, sinto muito. Eu não sabia. Estive tão preocupada desde a
morte de seu pai.
Rain dispensou a preocupação de sua mãe com um gesto de mão, lhe
explicando:
— O sonho não é nada novo. Tive-o regularmente desde que era cariança, já
que Eddie morreu naquele bombardeio libanês. — Rain tinha só doze anos
quando seu irmão mais velho, um marinheiro, morreu em Beirut, mas isso tinha
mudado sua vida para sempre. —Não tenho o sonho há muito tempo, mas
voltou como se fosse uma vingança.
— O mesmo sonho?
— Sim, mas... mais gráfico e intenso. Às vezes parece que estou presa em
um canto do desenho de algo ou alguém com necessidades terríveis ou dores.
Esse é meu caminho, é por isso que decidi me tornar médica, já sabe disso. Os
quadros de morte e desespero que vi em meus sonhos foram interpretados
como uma espécie de chamado à profissão de médica.
— Isso e seu maldito pacifismo.
Rain riu, sabia que sua liberal mãe não compartilhava suas opiniões sobre a
não-violência.
— O que tampouco ajuda é o fato de você trabalhar nesse hospital desse
bairro, já sabe disso. Falando todos os dias sobre uma dose diária de violência
desnecessária!
Rain decidiu dirigir a conversa para longe daquele tema. Sua mãe preferia
que sua filha exercesse o cargo de cirurgiã residente a salvo, em um bairro
agradável, mais perto de casa.
— De qualquer maneira, mamãe, os sonhos acontecem agora quase todas as
noites. Odeio adormecer. Acordo a maioria das vezes com uma cruel enxaqueca.
Pergunto-me se…
Suas palavras se detiveram quando um grupo de turistas saiu do Museu
Viking Jorvik e a fila na qual Rain estava começou a desfilar alguns centímetros
para frente. Depois de a mãe de Rain ter lido na Coppergate Arqueológico que
havia escavações ali fazia anos, tinha devorado a revista e seus artigos, que
detalhavam os milhares de artefatos encontrados nas jazidas, que davam uma
nova idéia a respeito da raça indomável e orgulhosa que tinha prosperado ali
sob uma série de reis Vikings de 850 a 954 Depois de Cristo. Ela tinha desejado
voltar de novo a viajar no tempo.
Após pagar suas entradas, entraram no edifício, e os guias as fizeram entrar
em “carros do tempo” que as levariam mil anos atrás através da reconstrução de
uma rua real no Jorvik, Viking Velha York. Estava cheia de figuras de tamanho
natural dos primitivos escandinavos. Seus sons e cheiros eram os mesmos do
mercado de uma cidade no período da Alta Idade Média.
Para comentar os dioramas tão maravilhosamente feitos, Rain olhou para
sua mãe e se alarmou ao ver sua face branca e as mãos apertadas no peito.
— Mamãe! O que está acontecendo com você? — a médica que havia em
Rain surgiu imediatamente. Sua mãe tinha sessenta e oito anos de idade e lhe
preocupava que sofresse dores no peito.
— É do mesmo jeito que era — sussurrou Ruby agitada.
— O que é do mesmo jeito que era?
— Esta rua de Coppergate. Viu os tetos de palha, as casas de barro e a lama?
Ah, Rain, isto me transporta de volta com tanta nitidez!
Rain deu um suspiro de alívio já que sua mãe não estava doente.
Pessoalmente, considerava as casas bastante ordinárias e não compartilhava o
entusiasmo de sua mãe, mas guardou seus pensamentos para si mesma.
Seguiram adiante e contemplaram um corpulento ferreiro que fabricava as
estimadas espadas Vikings. Trabalhava com cinco barras de metal em cordas
fortemente torcidas, então as martelava, limava-as e soldava outra vez até que
estivesse forjada a arma mortal. Explicaram-lhes que o processo inteiro para
forjar aquele modelo durava umas cem horas somente para uma espada e que
os Vikings as valorizavam tanto que davam nomes a elas, como Corta-pernas ou
Víbora.
O vagão se movia ao longo das instalações devagar, atormentando com
música medieval que impregnava o ar, flutuando docemente através de um
primitivo berrante esculpido que um rapaz de cabelo loiro tocava. De fato, todas
as figuras que estavam expostas tinham os cabelos claros, cheios de matizes
luminosos que iam da platina ao vermelho ardente. Os homens eram enormes,
com cheias e bem cuidadas barbas, bigodes, e os cabelos lhes chegavam abaixo
dos ombros. A maior parte das mulheres e moças usavam tranças, algumas
roçando a cintura, e outras usavam debaixo de limpas toucas de tecido.
Laboriosos artesãos trabalhavam diante das casas, esculpindo boliches de
madeira, polindo pedras de âmbar, ou trabalhando o cobre. Desmentiam com
seu trabalho a imagem tradicional dos vikings como aves de rapina, ferozes e
saqueadores de gente pacífica.
Rain inalava profundamente, percebendo os aromas de palha fresca, aparas
de madeira, fumaça das brasas das lareiras, brisas procedentes do mar e alguns
aromas desagradáveis que tinham existido em uma cidade primitiva daquele
tamanho.
Depois de completar a viagem de uma hora pelo museu Viking, deram um
passeio de braços dados ao redor do hall, vendo os desenhos e fotos da
escavação arqueológica.
— Ah! — exclamou sua mãe, parando bruscamente.
Estavam paradas na frente de um mural que representava a Batalha do
Brunanburh, em 937 Depois de Cristo, que tinha terminado para sempre com o
predomínio viking na Nortúmbria, conforme estava no pequeno cartão sob o
quadro. Os cavaleiros do Século do Obscurantismo lutavam sobre uma colina
vulcânica perto do Rio Solway. A enorme pintura detalhava artisticamente os
milhares de guerreiros cansados, incluindo cinco reis Vikings e sete jarls, um
filho do Rei escocês Constantine, dois primos, dois condes, e dois bispos do Rei
saxão de Athelstan.
A voz arrastada de sua mãe vinha até Rain, mas ela não a ouvia. Uma frieza
percorria seu corpo, e uma terrível dor de cabeça fez seus olhos se fecharem de
repente. Lágrimas caíam, derramadas em um silencioso caminho por seu rosto.
O pesadelo de Rain tinha revivido.
Durante anos, como pedaços de palavras cruzadas, ela tinha visto as partes
dessa cena de batalha em seus sonhos : a terra ensopada pelo sangue, feridas
profundas, corpos cortados em diferentes lugares, cavalos relinchando
assustados e bramando pela matança. Não era de se assombrar que se tornara
pacifista, havia se oposto a todas as insensatas guerras depois de ver aquela
tragédia humana vezes sem conta.
Até o homem que estava no centro da pintura lhe era familiar. Um gigante
loiro em pé com as pernas estendidas e cobertas com botas de couro. Muitos dos
homens que estavam ao seu redor usavam elmos de couro ou de metal com
protetores de nariz, mas os cabelos compridos platinados do formoso viking
balançavam livremente ao vento. O sangue ensopava sua curta túnica de couro
e gotejava da espada e do escudo que ele segurava em seus braços,
contemplando em prece o sombrio e cinza céu, como se chamasse Odin em sua
angústia. Seu rosto devastado, desesperado se apresentava a Rain, e quase
pareceu atirá-la no quadro, no meio do horrível torvelinho.
Rain se distanciou bruscamente para evitar o puxão magnético da cena. O
quadro a assustava.
O rosto de sua mãe se mostrava esgotado, exangue, e seus lábios tremiam
quando exclamou:
— Ah, meu Deus! Este é Selik.
— Selik? — sussurrou Rain, mal podendo conter a crua emoção que a
embargava. — Quem é Selik?
— Não lembra que te falei que ele era um jovem cavaleiro de Jomsviking,
com seu pai Thork?
Ah, não! Não a viagem no tempo outra vez!
Mas Rain apertou os olhos, tentando ver melhor o desenho central do
quadro.
— Não era aquele que seduzia todas as mulheres, que sempre fletava com
você e brincava com as crianças?
— Esse mesmo. Era tão bonito, como um deus nórdico. E encantador! Ele
apenas sorria, e as mulheres se derretiam.
— Não sei — disse Rain com ceticismo. — Este homem parece muito severo
e tem muitas cicatrizes de batalha para ser a mesma pessoa. Deve estar se
confundindo.
Sua mãe a olhou fixamente, pensando com o rosto franzido.
— Talvez tenha razão. Selik era um amante, não um assassino.
Rain tremeu.
— Vamos, mamãe. Já tive muitos vikings por hoje.
Sua mãe riu, e andaram de volta a seu hotel, só alguns quarteirões além.
Nessa noite o pesadelo de Rain voltou, mas agora todos os pedaços do
quebra-cabeças vieram juntos em uma batalha horrível e espantosa, com os sons
e cheiros da guerra. Quando ela viu seu guerreiro solitário levantar sua espada e
escudo ao céu e o grito cheio de agonia por seus companheiros cansados, Rain
gritou também, acordando sua mãe e provavelmente metade do hotel. Depois
de se acalmar e enviar sua mãe de novo à cama, Rain se aconchegou em uma
poltrona na frente da varanda e olhou a rua fixamente às cegas, sabendo que
não voltaria a dormir outra vez nessa noite.
Depois do amanhecer, vestiu-se e partiu, deixando um bilhete para sua
mãe, e percorreu as vazias ruas de York durante horas. Era a primeira da fila
quando as portas do museu se abriram às nove.
Foi direto ao hall onde estava o quadro a óleo. Uns andaimes foram
erguidos durante a madrugada, e havia pessoas trabalhando ruidosamente,
reparando o alto teto de gesso. Rain não se incomodou com a barreira posta
para manter os turistas longe da área de trabalho e se colocou tão perto da
imagem como possível. Então tirou uma pequena sacola de papel da mochila
que levava sobre ao ombro. Desempacotou a lupa que tinha acabado de
comprar em uma loja de presentes turísticos e examinou cuidadosamente o
irresistível soldado viking Selik, assim o tinha chamado sua mãe. Ela fez girar o
nome suavemente sobre sua língua.
Rain não tinha dúvidas agora. Selik era o espectro que a atormentara em
seus sonhos durante anos. Ela franziu a testa, confusa. O que significava isso?
Possuía uma espécie de habilidade telepática? O sonho era uma mensagem ou
uma advertência de algum tipo?
— Ei! Senhora, olhe…
Rain olhou o homem que lhe gritava do andaime. Ao mesmo tempo, ouviu
um forte ruído. Não teve tempo de sair do caminho do bloco de pesado gesso
do teto que caía sinistramente em sua direção.
Rain não sentiu uma dor aguda sobre sua cabeça, nada. A médica que havia
nela tinha compreendido imediatamente que era um golpe fatal. Então,
milagrosamente, Rain se moveu como um espírito sobre o enorme montão de
escombros que cobria seu corpo, contemplando a cena desinteressada. Os
trabalhadores tentavam desesperadamente chegar a ela, mas Rain não se
preocupou.
Uma brilhante luz branca se aproximou, e Rain riu, sentindo que uma paz
incrível a envolvia.
O quanto morrer é maravilhoso!
Mas então a formosa luz branca formou uma nebulosa imagem, em formato
de corpo, e a cabeça que se movia levemente de um lado para o outro, parando
seu progresso. Sua mão apontou para outra direção.
Rain reconheceu o engano, o cheiro a deixando imediatamente mal. Ela
estivera em muitas emergências no hospital e em salas de operações alagadas
pela força da vida de incontáveis vítimas, que se ia, para permanecer ignorando
o cheiro da morte.
Ela sentiu a umidade sobre seu rosto e o sufocante peso do gesso caído. Ao
que parecia, não tinha morrido, afinal de contas. Levantou o pesado objeto de
seu peito e rosto, então devagar abriu os olhos para ver melhor.
— Socorro! — gritou Rain horrorizada ante a visão. Não era o gesso o que a
colava à terra, mas sim um homem muito grande que estava sobre ela. Não
tinha reparado que outro turista tinha estado junto a ela no museu antes do
acidente. Ou era um trabalhador? E a pegajosa umidade que cobria seu rosto e
seu casaco de linho era seu sangue ou o dele?
Gritou outra vez enquanto a tristeza e o desespero abriam caminho com
agudas garras em sua garganta. Sentia como se a tivessem enterrado viva.
Quando não veio nenhuma ajuda, Rain forçou firmemente seus pés sobre a
terra, dobrou seus joelhos, e colocou sua palmas sobre o peito do homem. Com
um poderoso impulso, levantou o corpo de cima dela e o sacudiu.
Atordoada, alcançou às cegas sua mochila e pegou alguns lenços para
limpar o sangue seco e o rosto. Olhou ao redor, e rapidamente fechou os olhos
para evitar o horror esmagador que a rodeava.
Devagar, a contragosto, com uma dor embotada de maus presságios, os
abriu outra vez, temendo o que veria. Algum caminho, algum louco e intrincado
caminho humanamente impossível, e ela tinha aterrissado no meio de seu sonho
— na Batalha de Brunanburh em 937 Depois de Cristo, há mais de mil anos, bem
no lugar que ela tinha visto no quadro do museu.
Olhou para baixo e viu que o homem vestia uma couraça que cobria seu
rosto e peito, tinha a cabeça meio cortada no pescoço. Isso considerando todo o
sangue. Havia outro homem perto de seus pés, com uma formosa juventude,
cujo corpo estava protegido só por um elmo fortemente embutido e um grosso
espartilho de couro sobre uma túnica que lhe chegava às coxas, e que ainda
estava junto a seu peito. Seus olhos abertos, de um pálido azul, olhavam
fixamente por cima dela.
As náuseas rebelaram o estômago de Rain e se elevaram até sua garganta.
Inclinando-se, vomitou repetidamente até que a amarga bílis se esgotou. Lançou
seu casaco manchado de sangue ao chão e usou o resto de seus lenços para
limpar a boca, e logo se voltou estoicamente para ver o que havia em torno.
Milhares de homens estavam caídos, mortos ao redor dela sobre a planície.
Weondun, o cartão do museu a tinha denominado assim, como uma planície
composta por pedras vulcânicas, ou “A Colina Santa”. Melhor “A Colina
Impiedosa,” pensou Rain, recordando que em algum momento tinha sido o
lugar onde se erguia algum templo pagão.
Se alguma vez se sentiu justificada por sua tendência pacifista, era agora.
Para todo lado que olhava via provas da desumanidade dos homens ao chegar
àquilo. Alguns soldados tinham sucumbido imediatamente sob os rápidos
ataques de uma espada ou uma lança de batalha; os outros estavam mutilados
de forma grotesca e lhes faltavam diferentes partes do corpo, braços, pernas,
cabeças.
Rain olhou outra vez, então pegou sua mochila e se moveu com cautela
entre os guerreiros caídos. Escorregou freqüentemente no lodaçal que se
compunha de enormes quantidades de sangue e vísceras humanas.
Embora a batalha aparecesse como uma vitória clara dos saxões, a julgar
pelo número desproporcional de grandes soldados vikings que jaziam sobre o
campo, vestidos com seus elmos cónicos e suas curtas túnicas, a morte tinha
cobrado seu pedágio sem critério entre os milhares de guerreiros naquele dia.
Escandinavos loiros, saxões que falavam inglês, galeses de olhos negros,
escoceses em suas capas de viagem com as cores de seu clã, e irlandeses com
suas túnicas cor de açafrão, todos tinham caídos costas contra costas.
Rain quis desesperadamente acreditar que isso era tudo um sonho... um
pesadelo, mas a dura realidade que a rodeava falava outra história. Apesar de
sua resistência, começava a acreditar que tinha viajado atrás do tempo tal qual
sua mãe tinha proclamado todos aqueles anos.
A miséria de Rain caía pesadamente sobre seus ombros. Por que tinha sido
enviada ali? O ela que podia fazer?
A distância que a separava do selvagem corpo a corpo entre combatentes,
que ainda estava acontecendo entre centenas de soldados sobre o lado mais
afastado do que fora uma planície verde, era considerável. Rain podia ver as
tropas saxãs com suas paredes de escudo movendo-se com uma força mortal
para seus inimigos. As fileiras vikings lutavam corajosamente compondo uma
formação de cunha defensiva, com chefes na frente e as fileiras inferiores
estendendo-se de forma parecida a um leque atrás deles.
Por razões que não compreendia não estava assustada, mas repugnada.
Um suave som chamou sua atenção, e deu a volta para ver um enorme
cavalo que estava à margem do campo, sua sela vazia e suas rédeas arrastando
sobre a terra. O cavalo deu uma batidinha no sangrento peito, vestido com a
couraça, de um cavaleiro que estava caído na frente dele, logo levantou seus
emotivos olhos até Rain, como se ela pudesse ajudá-lo a fazer seu amo subir.
Rain limpou o nariz e olhou de novo o campo de batalha com um soluço.
Necessitavam de suas habilidades médicas, muito mais do que qualquer médico
pudesse dirigir. E as feridas requeriam muito mais que os poucos artigos
médicos que ela levava em um compacto estojo de primeiro socorros em sua
mochila. Sacudiu a cabeça, desesperada.
Com um profundo suspiro, Rain começou a mover-se pouco a pouco pela
margem do campo de batalha, parando em qualquer lugar onde sentisse que
podia ser de alguma ajuda. Aplicou um torniquete no braço de um suplicante
cavaleiro escocês que tinha um profundo corte no cotovelo, usando uma tira do
cordão de couro de seus sapatos. Ela não sabia se aquilo serviria. Ele tinha
perdido muito sangue.
Rain seguiu adiante entre as dúzias de homens, ignorando sua
nacionalidade, cuidando de feridas, tirando espadas, segurando uma mão,
fechando os olhos dos mortos. Finalmente ficou de pé, aliviando suas doloridas
costas. O desespero de seus esforços a afligiu. Começou a ir longe do campo,
logo gemeu quando bateu contra um corpo duro. Ela riu tolamente, quase
histericamente, quando compreendeu que o cavalo a tinha seguido em torno do
campo de batalha. Rain passou seus braços ao redor do pescoço dele e pôs seu
rosto contra a espessa crina branca.
—Ah, cavalinho, o que devo fazer?
Como em resposta, ouviu-se um rugido de ruidosas maldições e metal se
entrechocando, estalando atrás dela, e Rain compreendeu que
inconscientemente se moveu para mais perto da luta.
Então viu Selik.
Ah, por Deus! Um pobre viking abandonado que estava sozinho e excedido
em número, tentando se defender contra uma dúzia de saxões armados como
cavaleiros com a intenção de matá-lo.
Muitas facções ainda lutavam em combate corpo a corpo pelo campo,
guiando espadas e machados de batalha, e longas lanças. Selik estava sozinho
entre os vikings caídos de sua tropa, bramando de raiva aos atacantes saxões.
Segurando seu escudo com a mão esquerda, balançava destramente sua espada
com a outra, destruindo um por um os soldados saxões que tentavam alcançá-
lo. Finalmente, exasperado pela lentidão de seus esforços, tirou o elmo de sua
cabeça, soltando seus longos cabelos loiros. Lançou seu escudo à terra e pegou
uma lança e um machado de batalha para o combate final.
Com uma raiva fanática, ele tomou a ofensiva. Desatendendo sua própria
mortalidade, Selik perseguiu os saxões restantes até que tiveram um final
sangrento, esquecendo-se da matança que ele colhia. Alguns dos soldados
fugiram para longe, os olhos cheios de medo, mas Selik não deu mostras de
piedade. Usando ambas as mãos, seguiu adiante, cortando com o braço direito e
criando um limpo caminho até chegar ao garoto saxão que levava uma bandeira
cujo brasão era um dragão de ouro. Cortou o cabo da bandeira com um corte
rápido de seu machado, então o matou lançando a lança no seu pescoço. O
sangue fervia da artéria talhada do pobre rapaz.
Rain estremeceu com horror ante a carnificina de Selik. Esse homem tinha
atormentado seus sonhos durante anos. Algum elo os tinha conectado através
dos séculos , mas como podia estar unida a uma besta tão brutal?
Finalmente, só um inimigo permanecia de pé, o príncipe saxão que estava
perto de Selik, com um belo escudo extremamente frágil e um elmo em relevo
com a mesma insígnia que decorava a bandeira que estava a seus pés.
— Faça suas orações, vira-lata saxão. Hoje vai se encontrar com seu deus —
grunhiu Selik com uma voz áspera, enquanto ele e o cavaleiro saxão começavam
a trocar golpes com suas armas. Pareciam estar nivelados na mestria com que
guiavam suas armas.
Um golpe entrou na perna do saxão, mas esse não fez caso da ferida.
— Melhor, pagão ofensivo, você vai se unir a Odin, embora o mais provável
seja que um caldeirão ardente espere sua negra alma!—Ao golpe seguinte Selik
escorregou e chego a cortar um pedaço da armadura do saxão bem acima da
cintura.
— Diga a seu deus que hoje foi Selik, o Proscrito, quem o enviou a sua
viagem final.
Um severo sorriso aparecia cruelmente nos lábios de Selik, como se ele
desfrutasse dessa mortal atividade.
O saxão empalideceu, como reconhecendo o nome do tão notório viking.
Então um sorriso ladino se estendeu por seu rosto.
— Você é o filho da puta de quem meu irmão Steven matou a esposa e o
filho?— zombou maliciosamente. — A carne dela era tão suave quando Steven a
reclamou, abrindo suas coxas antes de sua morte e…
Suas palavras morreram em seus lábios quando Selik, explodindo com uma
força sobre-humana que crescia por sua fúria, enfiou sua lança claramente no
peito do saxão, levantando-o no alto sobre a lança. Então pregou a base do cabo
na terra de modo que o nobre jovem morresse sobre a lança à vista de todos
seus horrorizados companheiros.
Selik cambaleou ao pegar seu escudo e sua espada, limpando a folha
ensangüentada nas suas roupas. Parecendo momentaneamente atordoado, ele
passeou o olhar ausente à dor da matança que havia ao seu redor,
compreendendo pela primeira vez que estava sozinho. Explorou o campo
solenemente com torturada incredulidade, reconhecendo a esmagadora derrota.
Então, em pé sobre suas pernas abertas, levantou sua espada e escudo ao
céu, seus braços abertos, gritando sua desolação de uma maneira crua e
primitiva. Seus claros cabelos voavam suavemente ao vento enquanto seus
músculos duros pela tensão se enrijeciam sob sua túnica.
— Odin! Pai! — gritou. — Me leve a Valhalla. Não me abandone.
Rain ouviu um ruidoso estalo e compreendeu que alguns saxões zangados
tinham abandonado as escaramuças que ainda continuavam do outro lado da
planície e tinham juntado forças para vir até Selik. Ele necessitava de sua ajuda
desesperadamente.
Engolindo um áspero soluço, Rain gritou:
— Selik! — mas ele não a ouviu, mesmo ela estando somente a algumas
jardas. — Selik!
Ainda nenhuma resposta.
Rain se voltou procurando desesperadamente algum meio de fuga, e viu o
fiel cavalo atrás dela. Meu Deus, obrigada! Ela se precipitou para trás e pegou as
rédeas.
Não montava um cavalo há vinte anos, desde os dias no acampamento do
verão, e aquele não era um pony. O desespero lhe deu coragem.
— Venha, vamos, doçura — cantarolou ela para o volúvel animal. — Tem
que me ajudar — depois de várias tentativas fracassadas e algumas opções
diferentes nas palavras dirigidas ao cavalo quando se movia, subiu torpemente
na enorme garupa e o guiou com cuidado até Selik.
— Selik, venha comigo. Depressa! — ordenou-lhe.
A princípio, ele somente baixou seu escudo e espada e a olhou fixamente,
confuso. Seus olhos refletiam toda a extensão de sua torturada alma depois de
uma luta furiosa.
— Depressa! Temos que escapar — disse Rain, lhe oferecendo sua mão.
De repente o alarme soou na cabeça de Selik ao vislumbrar como se
aproximavam os guerreiros inimigos, e cautraseirou o perigo com um olhar.
Com a agilidade de um relâmpago subiu bem atrás dela, pegou as rédeas e pôs
o cavalo rapidamente a galope. Eles logo se afastaram dos saxões que os
perseguiam a pé, mas Rain sabia que havia outros saxões a cavalo, implacáveis e
cruéis, que seguiriam-nos logo. Não tinham muito tempo.
Durante mais de uma hora, galoparam rapidamente em silêncio. Quando
passaram por outros soldados em sua fuga ao longo do caminho, a maioria a pé,
Selik gritou em todas as direções com sua voz brusca, profunda e de bom timbre
o lugar onde se reuniriam eventualmente.
A dura viagem machucou o traseiro de Rain e roçou a pele do interior de
suas coxas estendidas dentro de suas calças de linho, mas uma parte dela se
deleitava ante a ímpar comodidade de estar entre os braços de Selik. Uma
auréola de paz caiu sobre ela, irradiada pela força do corpo de Selik, e seu
desespero diminuiu no sentimento indefinível de estar no lugar certo. Apesar da
horrenda crueldade que acabava de vê-lo mostrar, Rain sentiu este feroz Viking
como a chave de seu futuro e a razão de sua viagem através do tempo.
Rain tentou falar várias vezes, mas sua voz saía rouca e sem fôlego devido
às sacudidas do galope do cavalo e sua incapacidade de dar a volta e perguntar
a Selik sobre suas inquietações. Já fazia um tempo considerável agarrada à crina
do cavalo. O silêncio de Selik ergueu outra barreira a mais para manter uma
conversação.
Então Rain se deixou cair contra o forte peito maciço do viking, sentindo os
batimentos de seu forte coração até pelas faixas de pele flexível de sua
armadura. Uma sensação de inexplicável orgulho a percorreu quando olhou os
fortes músculos de seus antebraços flexionando-se quando movia as rédeas para
guiar o caminho pelo aparentemente impenetrável bosque que agora
atravessavam.
Selik finalmente deixou descansar seus arreios. Seu enorme corpo deslizou
facilmente do cavalo, que deixou à beira de um regato. Então habilmente tirou o
espartilho de pele, sob o qual usava uma túnica ensopada de suor. Caindo de
joelhos, bebeu com gula a água clara antes de molhar seu rosto, sacudindo sua
cabeça como um cão peludo. Então molhou seus antebraços até a túnica. Rain
olhava, fascinada, como seus músculos se ondulavam atraentemente pelas
costas de suas roupas fortemente apertadas. Seu pulso se acelerou quando ele
ficou de pé e estendeu seu poderoso corpo, então se sentou graçiosamente sobre
a terra. Ele apoiou sua cabeça contra um amplo tronco, fechando os cansados
olhos.
Nenhuma só vez olhou para Rain ou lhe ofereceu ajuda para descer do
cavalo, que pastava prazerosamente à margem da água. Ela bem podia ser
invisível. Rain desmontou torpemente com uma maldição suave e se ajoelhou. A
água gelada que levou à boca entre suas mãos em concha tinha gosto de néctar
dos deuses. Ela bebeu até encher, lavou o rosto e as mãos, e se dedicou a tirar
algumas manchas de sangue da gola de sua blusa com um cachecol umedecido
com água. Então deu a volta para olhar para Selik.
Apesar de seu esgotamento, Selik irradiava uma magnética vitalidade. Sua
complacência por ele desafiava toda razão, mas Rain entendia perfeitamente sua
atração física. Ele tinha aproximadamente trinta anos, sua própria idade, mas
era ao menos uns oitenta centímetros mais alto. E que musculatura! Aparentava
um certo ar criminoso como se fosse um ladrão de bancos. Seus cabelos
compridos e claros estavam suados sob suas omoplatas, mas Rain sabia que
seriam lindos quando estivesse limpos.
A dor tinha esculpido ásperas linhas em seu rosto. O nariz parecia que
tinha se quebrado tempos atrás. Feias cicatrizes e contusões arroxeadas, velhas e
também recentes, danificavam seu bronzeado rosto, seus braços e pernas,
qualquer lugar onde sua carne estivesse exposta, incluindo uma linha
particularmente espantosa, curada há muito tempo, branca e ziguezagueante do
olho direito ao queixo. Grandes braceletes primorosos brilhavam em seus fortes
braços, mal visíveis sob as mangas de sua túnica, indicando alguma riqueza ou
posição.
Ele levantou uma mão para tirar o cabelo molhado do rosto, e Rain ofegou
quando notou a palavra “Raiva” esculpida em seu antebraço. As brancas
cicatrizes deviam ter sido feitas com uma afiada faca há muito tempo. O que
significava aquilo?
Rain o olhou no rosto. Sua beleza a aprisionou totalmente, mesmo
reconhecendo que muitas mulheres modernas o considerariam muito rude e
musculososo para ser esteticamente bonito.
Selik pareceu sentir seu olhar. Abriu os olhos preguiçosamente, e Rain
facilmente poderia ter se afogado em suas mutantes profundidades cinzentas e
verdes. Mas nenhuma emoção emanou de seu rosto, exceto uma desalmada
ausência de interesse.
— Quem diabos é você?
Que boas-vindas!
Mas ao menos Rain entendia sua língua. Tinha se preocupado de não ser
capaz de se comunicar com aquelas pessoas primitivas. Na realidade, Selik
deveria falar alguma forma de inglês medieval, Rain franziu o cenho. Inferno,
ele provavelmente o fazia, mas Deus, ou quem quer que fosse o cérebro daquele
fiasco, tinha adicionado a seu cérebro algum tradutor. Se aquilo fosse um sonho,
a ausência de barreiras idiomáticas seria compreensível, raciocinou Rain. Se
aquilo fosse uma viagem no tempo, a língua seria a menor de suas
preocupações.
Ela sacudiu a cabeça para esclarecer a mente e respondeu à pergunta sobre
seu nome:
— Rain¹. Rain Jordan
— “Chuva”?1 Que tipo de nome é esse? — zombou com desdém enquanto a
olhava devagar, insultantemente, da cabeça aos pés várias vezes. — Por que não

1
Rain, o apelido de Thoraine, em inglês, quer dizer chuva, portanto o trocadilho.
Neve ou Água de Neve ou Lama? — Então ele acrescentou com desdém — Ou
Árvore?
Árvore! Eh!, isso era uma coisa permissível para uma criança que não sabia
o que dizer para insultá-la por causa de sua altura, mas para aquele viking a
quem faltava um parafuso, degenerado, e ao qual acabava de salvar a vida, não
era permissível!
— Seu bastardo ingrato! Apenas salvei sua vida — ela piscou para conter as
lágrimas que vinham a seus olhos.
Selik se levantou e estendeu seus braços amplamente para tirar as torções
causadas por sua longa cavalgada.
— Não me fez nenhum favor, moça — comentou ele secamente. — Seria
melhor que eu tivesse morrido. Esta vida não significa nada para mim.
Rain o olhou iradamente encarando-o embora ele pudesse humilhá-la se
visse suas lágrimas.
— Como valoriza sua vida tão pouco? Sabe quantos homens matou hoje?
— Muito bem. Quantos, não? — perguntou ele com um tom chateado de
voz pondo de novo a couraça. — Contou todas as mortes?
Rain sentiu como se o sangue chegasse com pressa a seu rosto.
— Não, mas com certeza são centenas. Não sente algum remorso por essa
carnificina?
— Muito bem. Por que deveria sentir? Eles mereciam tudo aquilo e muito
mais.
— Como pode dizer isso, sobretudo pelo jovem rapaz da bandeira que
matou perto do final?
— Matei um rapaz? — Selik inclinou a cabeça de maneira inquisitiva,
obviamente tentando recordar o incidente. Como podia alguém matar outro ser
humano e não lembrar?, perguntou-se Rain tristemente. Finalmente, Selik
sacudiu a cabeça como se aquilo não importasse. — Cada saxão é meu inimigo,
homem ou rapaz. Isso é o que dizem as palavras rúnicas sobre o poste do
desprezo eregido contra o Rei Athelstan há muito tempo — então ele a olhou
com desconfiança. — Por acaso é uma das amiguinhas de Athelstan?
—Amiguinha! — as faces de Rain se cobriram com um rubor inoportuno. —
Não, não sou uma prostituta ou um saxão. — Rain de repente compreendeu
que Selik montou no cavalo e se dispunha a partir. Sem ela!
—Espere! Não pode me abandonar aqui.
Selik arqueou uma sobrancelha e a olhou com atitude arrogante, e começou
a girar o cavalo.
—Não posso?
—Esse cavalo é meu —inventou ela rapidamente.
—Mentirosa —respondeu ele com uma risada que a enfureceu.
—Volte aqui!
—Pois bem, não o farei, bruxa, harpia —Ele sorriu abertamente. —Mas não
tenha medo, outros passarão por aqui. Talvez um daqueles soldados será mais
fácil de persuadir do que eu, e te ofereça sua proteção em troca de uma cama
quente para sua diversão que a mim, com a sede de sangue pela batalha, não
interessa.
Diversão! Rain se arrepiou com indignação.
—Está me insultando, porco. Eu não me ofereceria a prestar diversão a
homem algum, quanto mais um maldito bárbaro como você.
Selik somente riu, lhe fazendo uma deslumbrante demonstração de dentes
retos e brancos, um grande contraste com sua pele profundamente bronzeada.
O choque de sua deserção iminente a paralisou durante um momento.
Então Rain sentiu pânico quando Selik se dispôs a deixar a clareira. Os dedos
gelados do desespero acabaram com sua calma.
O que faria ela naquele tempo e lugar estranhos sem Selik como seu
asqueroso protetor, como ele era naquele momento? Ela torturou o cérebro
procurando uma solução e lhe chegou apenas uma idéia.
—Selik! —gritou ela desesperadamente a suas costas. —O que pensaria seu
velho amigo Thork se abandonasse sua filha?
Ele parou imediatamente.
Ah! O coração de Rain começou a martelar desordenadamente quando Selik
se voltou na sela e a perfurou com aqueles gelados olhos cinzas. Ele começou a
girar lentamente de volta para ela, e Rain sentiu a necessidade de se voltar e
fugir.
Tinha dúvida de que seus intintos protetores fossem seguros, porque Selik a
olhava como se fora matá-la. Seus músculos se ressaltaram com tensão em seus
braços, seus punhos apertados, seus ombros retesados. Seus lábios cheios eram
uma linha apertada de pálida fúria. Seus olhos brilhavam ameaçadores.
Pegando a adaga de seu cinturão, Selik deslizou do cavalo suavemente e andou
diretamente até ela. Rain, então realmente assustada, deu a volta e correu por
sua vida.

Capítulo 2

Amaldiçoando com ira, Selik perseguiu a alta mulher pelo bosque, correndo
para ficar a seu lado. Pelo sangue de Cristo! Ele estava perdendo um tempo
precioso com essa moça irritante.
— Alto lá!
O duende gigante de madeira respondeu lançando um galho para trás e o
bateu no rosto dele enquanto ria estridentemente, com uma nota de agudo
histerismo em sua voz. Sem parar, ela continuou lançando-se rapidamente pela
área densamente cheia de árvores, correndo com suas longas pernas cobertas
por inadequadas calças masculinas.
— Provoca muito ao reivindicar Thork como pai —gritou ele exasperado. —
Será um prazer arrancar sua pele a tiras, mulher mentirosa. — Quando ela não
respondeu e ainda o evitou, ameaçou-a — Tirarei sua língua mentirosa de sua
boca e a comerei crua.
Selik ouviu seu ofego ante suas últimas e ridículas palavras, ao dizer algo
tão incoerente como aquilo tinha soado — Eca ! — Uma risada lenta estendeu
seus lábios. Então pensava que ele era um bárbaro? Hah! Bem, ele lhe mostraria.
— Se parar agora — bajulou-a, cortando a distância — será uma morte
rápida. Talvez tão somente um limpo corte na cabeça. Desista dessa inútil
perseguição, ou me forçará a prolongar sua dor — aquilo deveria causar
algumas imagens muito vivas à moça.
— Vá para o diabo! — gritou a imprudente raposa.
Condenada impertinência! Aquela tola mulher não sabia o perigo que
enfrentava ao despertar sua índole? Ele tinha matado muitos homens por
menos.
— Talvez ache que seus olhos de ouro ficariam bem sem cílios — disse Selik
suavemente, enquanto respirava ofegante pelo esforço da busca e o cansaço
pelas seqüelas da batalha.
Ele franziu a testa. Olhos de ouro? Sagrado Thor, quando tinha notado a cor
de seus olhos? Sacudiu a cabeça para limpar a inoportuna imagem e distribuiu
golpes a direita e a esquerda sem piedade.
— Malditos sejam seus olhos! Talvez também poderia arrancá-los.
A mulher arfou com desdém, ou incredulidade, e outro galho se lançou
para trás, lhe batendo dessa vez no abdômen, abrindo a ferida de espada que
tinha recebido antes.
Agora sim estava realmente zangado.
O sangue gotejava do corte, e doía como o inferno, outra razão para bater
na impudência daquela amotinada idiota, descerebrada. Pela saliva de Odin!
estava esbanjando valiosos minutos perseguindo aquela tola criatura quando
precisava pôr tanta distância quanto pudesse entre ele e seus inimigos saxões.
Havia uma ameaça adicional naquilo, também. Selik tinha reconhecido o
homem que tinha matado antes, tão nobremente empalado sobre sua lança.
Aquele era Elwinus, primo de Athelstan. O rei tinha oferecido uma recompensa
pela cabeça de Selik antes da batalha; agora aquele bastardo saxão iria o querer
vivinho e abanando o rabo para torturá-lo o mais lentamente possível.
E pior ainda, Elwinus reivindicava ser irmão de Steven de Gravely. Inferno
maldito! Ele e Steven tinham muitíssimas razões para matar um ao outro sem
necessidade desse último combustível acrescentado à fogueira de seu ódio
mútuo. Steven estivera na batalha? perguntou-se Selik de repente e pensou em
voltar para terminar seu combate sanguinário de uma vez por todas.
Mas então Selik olhou para a louca moça que corria na frente dele. Não
podia desprezar a vergonhosa reivindicação da ardilosa moça. Sabia que não era
saxã. Sua estatura, os cabelos de claro tom de mel, seus finos traços contavam a
verdade sobre sua herança nórdica. Mas ela tampouco podia ser a filha de seu
amigo morto, Thork, e pagaria caro por desviar a verdade e pelo desnecessário
atraso.
— Basta! — rugiu Selik finalmente. A bruxa já o tinha incomodado muito.
Com uma poderosa investida, ele a abordou por trás. Ela caiu na terra com um
ruidoso “plaft” e ele conseguiu se pôr em cima dela.
A queda roubou o fôlego de Selik. Ele ficou imóvel durante vários segundos
com seu rosto enterrado nos cabelos brilhantes de ouro da garota, que caíam
frouxos de sua trança. Sua fragrância doce, sedutora, uma mistura ímpar de
flores e especiarias, oprimiu seus sentidos, fazendo-o esquecer
momentaneamente a brutalidade e o vazio de sua vida e lhe fazendo recordar
um tempo quando tinha gostado de ter tempo de sobra para apreciar as
pequenas coisas da vida. Como o aroma de uma mulher. Ou a sensação de
voluptuosas curvas femininas amoldando-se perfeitamente nos ângulos de seu
corpo.
O congelado coração de Selik degelou durante um segundo, com
sentimentos que fazia muito tempo se obrigara a desprezar. Ah, Astrid, pensou
de repente, e uma dor tão feroz que não podia suportar explodiu em seu coração
e ameaçou arrebentar de dor as paredes de seu peito. Sentia tanta falta. Surgiu
rasgando sua lembrança a última vez que viu sua esposa ensangüentada, e a
incrivel imagem o atormentava sem parar. Alguma vez ela iria embora?
Um toque suave o tirou de seu inoportuno sonho. O cavalo o tinha seguido
pelo bosque.
Pelo sangue de Thor! grunhiu com silenciosa auto-repugnância por seu
impressionável estado de sonho acordado. Fazia anos desde a última vez que
se permitiu tal extravagante auto-indulgência acerca de sua esposa morta.
Levantando-se sobre seus erguidos cotovelos, Selik compreendeu que a
mulher não se movia embaixo dele. Tinha morrido pela força de sua queda
sobre ela com seu peso substancial?
— Humph!
— O quê?
A moça levantou a cabeça e se queixou,
— Saia de cima, seu grande mal-educado. Deve pesar tanto quanto esse
cavalo, meu cavalo, a propósito. Quer me esmagar até a morte antes de poder
comer minha língua?
Com um sorrisinho suave, pouco disposto, Selik lhe permitiu voltar sobre
suas costas, mas a manteve presa à terra com a metade inferior de seu corpo.
— Sua língua rabugenta excede sua sensatez, moça. Acho que seria muito
ácida para meu gosto.
A erva e a sujeira cobriam seu rosto e lábios. Pedaços de ervas e raminhos
estavam presos a seus cabelos despenteados e a sua estragada camisa macia. Ela
cuspiu vulgarmente para limpar sua boca.
Selik momentaneamente esqueceu a razão de sua cólera, tão enfeitiçado que
estava pelo encanto da mulher que estava debaixo dele. Afastou várias mechas
frouxas de cabelos dourados de seu ombro. Eram como seda âmbar. Ele
esfregou os fios sensualmente entre seus calosos dedos.
Erguendo seus olhos, notou que tinha uma terrível contusão sobre a testa,
seus tons violetas se destacavam completamente contra sua pele cor de creme.
Selik não pôde evitar tocá-la com cuidado com seu indicador, e seus lábios
cheios, como pétalas de rosas esmagadas, separaram-se inconscientemente com
um suspiro sufocado de dor, mostrando extraordinários dentes brancos.
Os olhos de mel escuro da moça sustentaram seu olhar, interrogando-o
silenciosamente, provavelmente se perguntando o que ele faria depois, e
durante uns longos momentos Selik não pôde evitar olhá-la fixamente cheio de
desejo. O enorme vazio dentro dele de repente estava cheio e quente. Quando
havia se sentido assim? Astrid, pensou imediatamente e se repreendeu com
menosprezo outra vez.
De repente, Selik viu a insensatez de seu ato. Comportava-se como um
louco que se demorava com uma moça enquanto os cães sabujos saxões lhe
pisavam os calcanhares. Tirou a adaga de seu cinturão e segurou o gume da
navalha contra o pescoço dela.
— O que faz aqui, moça?
— O que me deixa fazer? Não posso me mover — resmungou ela.
— Deliberadamente confunde minhas palavras? Deve tomar sua situação
mais seriamente. — Ele pressionou a lâmina brilhante de modo mais apertado e
desenhou uma fina linha de sangue como um chuvisco de vinho na neve recém
caída. — Sua vida desprezível não significa nada.
—Ah, realmente! Não acha que é um pouco dramático?— disse a bruxa tola
com indiferença, como se não lhe temesse. — Além disso, seria menos asqueroso
se não cortasse minha jugular. Eu sugeriria aqui, no rim, ou aqui, no diafragma.
Ela indicou dois lugares em seu corpo que Selik sabia que lhe trariam a
morte imediata, assim como o grande ponto de bombeamento de sangue no seu
pescoço. Como uma simples mulher sabia de tais coisas? E o que era um
diafragma?
Rain viu a confusão no rosto de Selik.
Uma voz se repetia em sua cabeça, salve-o
Surpreendentemente sem medo então, olhou para o endurecido guerreiro
que estava sobre ela.
— Realmente me mataria, Selik?
—Rapidamente.
—Não acho que você faria isso — afirmou Rain com mais confiança do que
sentia. — E além disso, mesmo que aja como um urso, não tenho medo de você.
— Então te garanto que é realmente tola.
Rain se encolheu, tentando não fazer caso das palavras que se continuavam
se repetindo em sua cabeça, Salve-o, Salve-o, Salve-o,…
Selik franziu o cenho, parecendo desnorteado ante seu corajoso semblante.
Podia o idiota não ouvir o tiritar de seus dentes?
— Como sabe meu nome? Por que estava em Brunanburh?
— Não tenho certeza — admitiu Rain hesitante. —Acho... Acho que Deus
me enviou.
Selik arfou alto, incrédulo.
— Por que Deus faria isso?
— Para te salvar— propôs Rain de maneira débil.
— Eu? Deus não se preocupa em nada comigo — ele a inspecionou com os
olhos apertados enquanto embainhava sua faca, logo lhe perguntou a
contragosto, como se não pudesse acreditar nas palavras. —Me salvar de quê?
— De você mesmo.
Selik levou as mãos à cabeça com incredulidade. Ainda ajoelhado sobre ela,
jogou a cabeça para trás e gargalhou.
Rain sabia que Selik não acreditava. Quem o faria, dadas as circunstâncias?
Ela baixou seus cílios rapidamente para ocultar sua decepção, então esperou
pacientemente que Selik se recuperasse de seu ataque de risos.
Finalmente, ele limpou os olhos e sacudiu a cabeça maravilhado ante a
arrogância de suas reivindicações.
— Isto é demais! Essa moça se declara meu anjo da guarda. Doce Freya! A
batalha de hoje deve ter transtornado minha mente. Talvez bateram na cabeça
da moça também — ele olhou de forma significativa o hematoma na testa dela.
Ele mal sabia que ela havia se transportado mil anos para aquele lugar
desde um museu Viking. Ou aquilo tinha sido essa manhã? perguntou-se Rain
franzindo o cenho.
Selik continuou rindo em silêncio.
Rain estalou a língua, irritada agora pelo prolongamento de sua zombaria.
Meu deus!! Suas palavras não eram engraçadas.
Mas Rain realmente não estava irritada. Apesar do perigo pela perseguição
dos saxões e as ameaças de Selik, seu inquieto espírito estava tranqüilo, e ela
sentia uma estranha paz, que tinha muito a ver com aquele desumano viking,
como se finalmente tivesse encontrado seu lugar na vida.
E, além disso, racionalizou ela, Selik tinha passado por um inferno inteiro
aquele dia... e provavelmente vivia assim há vários anos. As cicatrizes e as mal
curadas fraturas e seus olhos vazios mostravam isso. Não importava quanto ela
odiasse sua brutalidade, Rain não podia deixar de admirar Selik, aquele homem,
que era como um animal ferido com um pedigree fino que tinha sido
maltratado, mas que ainda conservava sua beleza inata.
Salve-o.
Rain quase gemeu em voz alta ante a persistente voz interior. Como poderia
alguma vez ser capaz de penetrar o completo vazio que existia no fundo de seus
solitários olhos? Ele lhe deixaria alcançar aquela meta?
— Minha mãe tinha razão sobre você — sussurrou Rain com voz rouca,
ainda presa à terra pelo corpo dele.
Selik levantou uma sobrancelha.
— Você é magnífico.
Selik arfou de maneira grosseira.
— Isso não importa. E não se atreva a tentar empenhar seus desprezíveis
encantos sobre mim. Não funcionará. No mínimo, perdi qualquer beleza já faz
vários anos — então ele hesitou, como se considerasse algo. — Mencionou sua
mãe. A conheço?
— Sim. Seu nome era Ruby... Ruby Jordan... antes de se casar.
— Argh! — Selik se levantou de um salto deixando Rain no chão.
Então ele a puxou até deixá-la em pé, notando algo pela primeira vez. Seus
olhos se estreitaram com desconfiança, apontou o broche que brilhava em sua
gola e perguntou:
— Onde furtou isso?
— Minha mãe me deu.
— Isso é impossível — ele pôs uma mão sobre o rosto e o tocou, obviamente
preocupado. — Nem pensar, não de Ruby. Não pode ser sua filha. Ou de Thork.
Ele a olhou no rosto fixamente, procurando então quaisquer semelhanças,
que Rain sabia que reconheceria tão logo as visse. De repente, Selik pareceu
recordar algo. Antes de ela ter alguma possibilidade de reagir, ele tomou sua
blusa pelas lapelas e a rasgou, ignorando os rasgões ou os botões que
arrebentou.
— Como se atreve? — fuzilou Rain e tentou inutilmente manter as bordas
da camisa unidas. Selik bateu em suas mãos para afastá-las.
Ele olhou fixamente seus seios com incredulidade, mas não com luxúria.
— Pelo amor de Freya! Usa as estranhas roupas íntimas de Ruby. Roupas
íntimas, sutiã, ela a chamou.
— Esse não é o sutiã de minha mãe — Rain se abraçou e fechou sua
mandíbula insolentemente, logo exigiu saber —Como viu alguma vez as roupas
íntimas de minha mãe?
— Hah! Cada homem que esteve no tribunal do Rei Sigtrygg viu essas
roupas escandalosas quando tirou a couraça de cobre do traidor Brass Balls. Ela
até entrou no negócio fabricando roupas leves enquanto viveu entre nós.
Cristo! Selik repetia a mesma ridícula história que sua mãe tinha contado
durante anos. E ninguém tinha acreditado em Ruby, inclusive ela mesma.
Talvez isso não fosse um sonho, afinal de contas. Rain tapou a boca com ambas
as mãos, horrorizada.
Ah, meu Deus! Realmente as viagens no tempo eram possíveis?
— Escute, te asseguro que Ruby é minha mãe, e ela sempre dizia que Thork
era meu pai — Rain decidiu não lhe dizer, ao menos não agora, que sua mãe
também dizia que Jack Jordan também era seu pai. — Posso te dar todas as
explicações que quiser, mas não acha que deveríamos escapar daqui primeiro?
Se os saxões nos capturarem, não lhes importarão quem sou.
Selik maneou a cabeça a contragosto e assobiou entre dentes. O cavalo veio
andando até ele como um cisne doente de amor. Como Selik fazia isso?
Provavelmente era uma fêmea, decidiu Rain com aversão, perguntando-se se
teria o mesmo efeito sobre as mulheres em geral.
Selik pôs sua mão esquerda sobre a sela e saltou sobre o cavalo, então olhou
para ela inexpressivamente enquanto ela tentava reparar os estragos de sua
blusa o melhor que podia e fazia uma nova trança nos cabelos.
— Te levarei comigo, por hora, mas preste atenção, moça— disse finalmente
— se brincar comigo ou der um passo em falso, não hesitarei em te matar —
então se abaixou e a segurou por um cotovelo. Com um rude movimento, ele a
levantou em seus braços, como se ela não pesasse nada, e a colocou
comodamente em seu colo.
Rain esfregou o cotovelo desgostosa, mas decidiu não brincar com sua sorte
se queixando. Vaca sagrada! Além de sua desnecessária brutalidade, Rain se
impressionou por Selik poder levantá-la tão facilmente. Ela não podia recordar a
última vez que alguém a tinha levantado. Ela era muito alta. Ou não era?
— E não meneie seu traseiro como fez antes — ordenou Selik
insolentemente quando o cavalo começou a mover-se. — Suas indecentes
brincadeiras não lhe farão ganhar nada. Mesmo se eu tivesse tempo, não teria
ciúmes de alguém como você.
Rain não pôde permanecer calada dessa vez.
— Sua arrogância me revolta. Não tenho nenhum interesse, mas nenhum
interesse mesmo em fazer amor com você.
— Hah! O amor não tem nada a ver com sexo. Quando um homem sente a
necessidade de aliviar-se entre as pernas de uma mulher, é transa, pura e
simples. A maioria das vezes é mais simples fazer sozinho…
O lábio superior de Rain se levantou com aversão, e olhou para o céu.
— Tenho pena de você se vê o ato de fazer amor como uma função
fisiológica.
— Na verdade, no máximo é como urinar — persistiu ele.
Rain percebeu uma nota de humor na voz de Selik e se voltou para olhá-lo.
Seu rosto sem expressão não lhe dizia nada, mas um leve puxão em seus lábios
traía um sorriso mal reprimido.
— Humph! Bem, certamente é um homem totalmente diferente do que
minha mãe descreveu. Posso ouvi-la dizendo que tinha reputação de ser um
grande amante.
— Que tolice! Bom, talvez — admitiu ele pensando bem —Realmente eu
tive certo prestígio como amante uma vez, mas isso foi há muito —ele deu de
ombros. — Já não me importa.
Apesar de tudo, Rain riu tolamente.
— Não tem nem idéia do quanto essa conversa é estranha para mim. Com
minha lista de fracassos nas relações sexuais, não sou ninguém para criticar
outra pessoa.
— O que significa isso? Lista de fracassos? Não tem companheiro ou
marido?
— Não sou casada.
— Aaah.
— O que significa isso?
— Isso significa que agora entendo. É uma mulher solteira que transa com
homens.
— Pare, machista. Não faça nenhum julgamento imprudente. Não sou
promíscua, se isso é o que quer dizer.
— Não disse nada. Você é quem fala de transas ruins com homens com
quem não está casada.
— Quero que pare de usar essa palavra feia.
— Que palavra?
—Transa. Transar é para animais. Se não pode se referir a isso como fazer
amor, ao menos chame de sexo.
Selik riu outra vez, profundo e gutural, e o som ondulou melodiosamente
nos ouvidos de Rain.
— Com quantos homens fez sexo? — perguntou-lhe com um sorrisinho,
seus braços se apertaram ao redor dela imperceptivelmente como um casulo
quente.
— Não é da sua conta — Rain retesou as costas com indignação.
— Acho que não teve nenhum homem, moça, com essa língua afiada.
Nenhum homem arriscaria seu membro a ficar na beira de sua “lâmina de
barbear”.
Rain levantou seu queixo indignada.
— Não ache que só porque sou alta nenhum homem me desejou alguma
vez.
O bruto emitiu um pequeno som sufocado atrás de seu pescoço.
— Bom, agora que chamou minha atenção sobre isso, você é bem... grande.
Na verdade, alguns homens se sentiriam persuadidos por sua magnitude...
Me diga algo novo sobre isso.
— Tão poucos foram os homens que te desejaram?
Caramba! Ele tinha uma mente de uma só via. Ah, mas ela ia lhe fazer a
diferença, decidiu Rain.
— Quando eu tinha dezoito anos, tive uma experiência sexual realmente
ruim, só durou uma desafortunada noite. Nos doze anos seguintes, tive tão
somente dois casos sérios de amor. Eles não acabaram muito bem.
Selik permaneceu calado durante vários momentos, considerando suas
palavras.
— Então, você viu trinta invernos. Não acreditei que fosse tão velha.
— Não sou mais velha que você — replicou ela com veemência.
— Bem, então, ambos devemos ser velhos, doçura — concluiu ele com um
sorriso suave. Ele pressionou a face dela contra seu peito, sinalizando o final da
conversa, e destramente pôs o cavalo a um passo mais rápido.
Doçura! Rain se aconchegou mais perto e pôs seus braços ao redor de sua
cintura para equilibrar-se. O cansaço a atacou. Aquele tema de viagem no tempo
a tinha esgotado...
Antes de ela adormecer, de algum modo acreditou que Selik a protegeria de
qualquer perigo, Rain se perguntou como poderia ser alguma vez capaz de
salvar aquele selvagem escandinavo que se referia a fazer amor como transar,
que matava homens tão facilmente como se pisasse em formigas, e que logo se
mataria. Rain fez a promessa de ajudá-lo, Deus tinha decidido assim, e de algum
modo, durante o processo, ela esperava recuperar sua própria vida também.
Mas a pergunta era, estaria no passado ou no futuro?
Rain dormia placidamente até sentir que o cavalo subia por uma aguda
inclinação. O caminho seguia por uma impenetrável selva e videiras, que Selik
cortava quando era necessário com sua espada. Soldados ferozes, primitivos
estavam passando o tempo silenciosamente ao longo do caminho, agitando-se e
levantando-se quando reconheciam Selik, e logo foram seguindo seus passos
imediatamente depois. Logo surgiu diante eles um acampamento no alto do
topo da colina. Dali podiam ver várias milhas ao redor, obviamente era uma
posição muito boa e vantajosa para descobrir qualquer inimigo que os
perseguisse.
Rain se surpreendeu ao ver centenas de Vikings e seus aliados, incluindo
escoceses e galeses, que tinham evitado a investida saxã. Muitos dos homens
ainda usavam as roupas de batalha, enquanto outros se cobriam com peles de
lobo e outros animais enquanto a fresca tarde de outono se aproximava. Só
umas poucas mulheres estavam presentes, cozinhando sobre dispersos fogos
acesos.
Algumas tendas tinham sido erguidas, mas a maior parte dos homens
estavam deitados sobre a terra nua, descansando ou tratando as feridas. Ao
menos ela poderia ser de alguma ajuda como médica.
Rain girou para oferecer suas habilidades médicas e notou o jeito
orgulhoso, e arrogante dos ombros de Selik. Mesmo no meio de uma multidão,
sua presença era irresistível, mas boas-vindas algumas de seus espancados
companheiros saudaram Selik. Um ar de isolamento cercou seu solitário viking,
como se fosse um pária de alguma espécie.
Selik desmontou e ajudou Rain a descer do cavalo. Um número de homens
a olharam fixamente com curiosidade. Valha-me Deus, pelo aspecto geral, feroz e
barbárico deles, tinha aterrissado em um refúgio de chefes militares no Século
do Obscurantismo.
— Vá ajudar às mulheres — ordenou-lhe Selik de maneira cortante.
— Huh? Cozinhar? Eu?
— Meus ouvidos estão me enganando? Já está questionando minhas
ordens? — assobiou Selik apertando os dentes.
— Não, é só que pensei que precisaria de minhas habilidades médicas.
— Vá para as brasas da cozinha — explodiu ele com uma voz sufocada.
Alguns homens riram disimuladamente ante o interrogatório às suas ordens.
— Sou uma médica, pelo amor do céu — resmungou Rain irritada.
Selik agarrou sua trança e a puxou com força, puxando bruscamente suas
costas para trás.
— Ai! O que fiz agora? — ela sacudiu de um puxão sua trança das mãos
dele e ergueu insolentemente seus ombros, apesar do rosto tempestuoso dele.
— Sua língua provocadora desafia a razão, e te adverti a respeito de
mascarar a verdade. Primeiro, reivindica ser meu anjo da guarda. Agora, uma
curandeira. E depois o quê? A deusa Freya?
Rain fechou os olhos durante um momento e suspirou profundamente.
— Sou médica. Passei muitos anos estudando para ser uma doutora. Sou
cirurgiã no Hospital da Sagrada Trindade.
Rain ouviu os sons de incredulidade e de risadas ao redor dela, mas Selik
esfregou seu queixo e a olhou especulativamente.
— Uma médica!— queixou-se ele com uma sacudida resignada de sua
cabeça. — Inferno maldito! Os deuses certamente mostraram seu
descontentamento por mim vertendo essa praga feminina sobre mim nesse dia
— antes de que ela pudesse protestar, ele a agarrou pelo pulso e a puxou para a
tenda mais próxima, lhe exigindo —Me mostre.
Rain logo descobriu que as três tendas continham guerreiros feridos em
uma classificação baseada na severidade de seus ferimentos. Ainda trazia sua
mochila que continha um estojo de primeiro socorros, ela entrou na tenda onde
se encontravam os mais penosamente feridos. Durante horas, trabalhou como
uma autômata o melhor que podia, dados seus ferimentos e suas limitadas
provisões, suturando feridas, tratando golpes, e tentando evitar a infecção em
qualquer parte onde fosse possível.
A princípio, Selik montou guarda sobre ela, observando cada movimento.
Ele a deteve quando tentou dar pílulas a vários homens, mas a deixou continuar
quando lhe assegurou que só eram aspirina e Tylenol, analgésicos suaves, quase
a mesma coisa que as ervas que seus próprios curandeiros usavam. Deu Darvon
a alguns homens que necessitavam de um medicamento mais forte.
Quando terminou com todos os pacientes de sua tenda, Rain foi para fora e
estendeu as costas para tirar os torcicolos. Sabia que só tinha tratado algumas
das muitas vítimas. Ela ouvia gemidos ruidosos e gritos de outras tenda, onde
só Deus sabia que tipo de médicos primitivos torturavam as necessitadas
vítimas.
Selik estava sozinho, apoiado contra o tronco de uma árvore do outro lado
da clareira, além de seus companheiros militares. Seus olhares se encontraram
durante um segundo, e Rain se perguntou a respeito do que ele tinha estado
pensando, ali ao ar gélido da noite.
Ele necessita de você, disse a voz interior.
Hah! Ele necessita de um bom tiro de pacifismo. Isso é do que ele necessita.
Então Selik a olhou com um ar inquisitivo, como se lhe perguntasse por que
estava descansando quando tantos necessitavam de sua ajuda. Grosseiro!
Rain entrou de mau humor na tenda seguinte e olhou fixamente
horrorizada um jovem que estava deitado sobre uma longa mesa, protestando
audivelmente ante a contenção de vários homens que o mantinham preso. Rain
não podia acreditar no que estava vendo. Então, a vítima girou seu rosto para
ela, Rain gritou com horror. Era seu irmão Dave que estava sobre a mesa, e um
açougueiro do Século do Obscurantismo tinha uma faca do tamanho da folha
de um sabre, dispondo-se a lhe amputar a perna. O pior de tudo era o sangue
contaminado de outros pacientes que cobria o instrumento do curandeiro e seu
traje tradicional de clérigo, até sua tonsurada cabeça. Ao que parecia, tinha
usado a faca várias vezes sem limpá-la ou desinfetá-la.
— Pare! — todo mundo que havia no quarto girou para olhá-la quando ela
se atreveu. — Não se atreva a tocar meu irmão, açougueiro ultrajante — com
uma força alimentada pelo bombardeio da adrenalina, Rain afastou o
curandeiro, dando-se conta do problema médico imediatamente. A profunda
ferida em cima do joelho era ruim, e provavelmente teria algum dano
permanente no músculo, mas ela achou que seria capaz de lhe salvar a perna.
Certamente, tinha perdido muito sangue, e ela não tinha plasma, mas valia a
pena correr o risco. Não era certo?
— Não se preocupe, Dave, não deixarei que cortem sua perna.
O jovem ergueu seus olhos esperançosos e agarrou fortemente sua mão.
Evitando relaxar seu aperto, ele tentou falar, mas ela lhe disse que economizasse
suas forças. Certamente, esse não era Dave. Seu verdadeiro irmão mais velho
tinha quarenta e dois anos e provavelmente estava jogando golfe agora, já que
era sábado. Esse homem não podia ter mais de vinte. Ele devia ser um de seus
meio-irmãos da Idade Viking dos quais sua mãe lhe tinha falado.
— Você é Eirik ou Tykir?
— Tykir — falou com voz áspera.
— Bem, Tykir, sou sua meio-irmã Rain, e não deixarei que cortem sua
perna.
— Jura para mim? — perguntou ele, ainda agarrando sua mão.
— Prometo fazer todo o possível para salvar sua perna.
Ouvindo uma rajada de ruídos atrás dela, Rain girou para ver Selik furioso,
seus olhos ardiam com veemência. Ele estava em pé na entrada da tenda, ao
lado do curandeiro e dos homens que tinham estado prendende Tykir.
— Que tipo de problema está causando agora? — grunhiu ele, dirigindo-se
para ela, obviamente tinha a intenção de levá-la da tenda. Rain manteve sua
postura corajosamente, seus braços abertos de maneira protetora diante de sua
recém descoberta família.
Rain tremia pela cólera e o medo, mas sabia que tinha que falar
rapidamente.
— Eles o matarão se lhe amputarem a perna, sobretudo com essa lâmina
suja. Não deixarei que façam isso a meu irmão.
— Irmão? Que tolices está soltando agora?
— Tykir. Eles querem amputar sua…
Com um forte golpe, Selik jogou Rain no chão. O curandeiro riu
disimuladamente com a satisfação de ficar por cima dela.
Selik se inclinou ante o paciente com preocupação.
— Tykir? Ah, por tudo quanto é sagrado, rapaz, eu não sabia que estava na
batalha. Pensei que estava seguro na Noruega com seu Tio Haakon. Maldito
Ubbi por desobedecer minhas ordens.
— Não culpe Ubbi —sussurrou Tykir. — Foi idéia minha.
Rain ficou em pé e limpou a parte traseira das calças. Fascinada, olhou o
feroz Viking acariciar o rosto de Tykir com notável suavidade. Essa era a maior
demonstração de compaixão que tinha visto no frio escandinavo até então.
Talvez houvesse esperança para ele, afinal de contas.
— Deixe a mulher me curar — suplicou Tykir, elevando-se sobre seus
cotovelos. — Não me diga que não, Selik. Prefiro brincar com a morte com a
moça a perder um membro. Por meu pai, me conceda este favor.
Selik se voltou friamente para Rain.
— Realmente pode salvar sua perna?
— Acredito que sim... Se nos apressarmos. E contanto que obtenha toda a
ajuda e materiais que precise — ela olhou de forma significativa o zangado
curandeiro e os hostis homens.
Selik fez uma pausa, dividido entre o ultraje de seus companheiros e as
urgentes exortações de Tykir. Ergueu uma mão para deter as zangadas
sugestões dos homens.
— Calma! — bramou e deu a volta com decisão para Rain. —O que
necessita?
Rain poderia ter beijado o obstinado cavaleiro por seu apoio, tão
necessitado que era. Ela deixou de lado suas emoções, e exigiu:
— Muita água fervendo, agulhas, panos limpos. Ponham tudo na água para
esterilizar; então ponham os panos em algum lugar para secá-los onde não
toque nada infectado.
Ela deu ordens como um sargento de treinamento aos homens em torno
dela, querendo a mesa esfregada a fundo e dúzias de tochas acesas para ter
melhor visibilidade. Quando a mesa de operações estava preparada, tirou toda a
roupa de Tykir, para vergonha deste e consternação do clérigo, que proclamou
de mau humor:
— Isto é impróprio para uma mulher.
— Escute, irmãozinho, o que tem ou não abaixo da cintura é de pouca
importância aqui. Quer salvar a perna, não é?
Ele aquiesceu fracamente.
Rain acariciou sua cabeça de modo tranqüilizador. Senhor, era só um
jovem. Deveria estar desfrutando da vida, não lutando em uma guerra inútil.
Ela suspirou com cansada resignação. No décimo século ou na vida de nossos
dias, algumas coisas nunca mudavam. Uma guerra sem sentido depois de outra.
Rain decidiu não tirar o torniquete da ferida até o momento antes da
cirurgia, mas examinou a ferida mais de perto para determinar a profundidade
do corte. O dano do músculo poderia não ser muito ruim, mas algumas veias
tinham que ser unidas de novo o quanto antes para conseguir o fornecimento de
sangue outra vez antes que a perna atrofiasse. Aquilo levaria horas na melhor
das circunstâncias. Como Tykir poderia suportar a prolongada dor?
Rain revolveu seu estojo médico de primeiros socorros. Com certeza, ela
não tinha nenhum tipo de anestésico. E os calmantes mais fortes que tinha era
Darvon e Codeína, e só tinha uns poucos daqueles. Melhor usá-los depois da
cirurgia. Poderia acreditar que o álcool embotaria os sentidos de Tykir? Cristo!
Ela mataria seu irmão só ao sondar em volta daquela horrenda ferida.
Mas havia outro caminho, compreendeu Rain de repente. Ela teria a
coragem de tentar?
O Doutor Chin Lee, um colega de hospital, ensinara acupuntura durante os
anos passados como uma alternativa aos analgésicos e anestésicos tradicionais,
mas ela nunca tentara o procedimento sozinha. Inalou profundamente e tomou
uma decisão.
— Selik, pode me encontrar algumas agulhas longas com as pontas muito
afiadas?
Ele assentiu.
— Traga tantas quanto possa encontrar, e se assegure de pô-las na água
fervendo, também — ele a olhou com o cenho franzido por seu tom ditatorial,
mas teve a gentileza de esperar até mais tarde para repreendê-la. Quando tudo
estava preparado, ela exigiu — Todo mundo para fora dessa tenda.
— Não. Ficaremos para testemunhar suas atrocidades — protestou o
curandeiro.
— O rapaz terá que ser segurado — debateu um homem.
— Talvez ela pratique bruxaria — dispôs outro...
— Selik — suplicou Rain — se tudo for bem, Tykir não terá que ser
segurado.
— Hah! estará morto — declarou estridentemente o curandeiro, e outros
afirmaram sua acusação com muitas queixas.
Selik considerou suas palavras, logo tomou uma decisão:
— o Padre Cedric e eu permaneceremos para testemunhar seu trabalho.
Outros ficarão fora da tenda no caso de serem necessários.
— Bem, então, ambos têm que lavar as mãos.
— A moça exige demais — choramingou o Padre Cedric.
— Selik, meu irmão corre mais perigo pela infecção que pela ferida em si
mesma. A sujeira e o sangue infectado levam bactérias, uma assassina mortal
em feridas abertas.
A princípio, Selik a olhou irada e obstinadamente, mas então ele
contemplou o rosto suplicante de Tykir. E disse ao curandeiro em caráter
definitivo:
— Faremos como a moça diz por hora.
Abandonaram a tenda para lavar bem as mãos, murmurando maldições
quando ela acrescentou que deviam lavar sob as unhas também. Rain se voltou
para Tykir, que mal estava consciente.
— Carinho, vou fazer algumas coisas para diminuir a dor. Se sentirá melhor
em seguida, e até não deverá ser capaz de notar quando sondar sua ferida para
reparar o dano. Confia em mim?
— Preciso confiar em você — disse ele de modo incerto.
— Há uma coisa, Tykir... o modo que pararei a dor envolve agulhas
cravadas em sua pele em ao menos dez lugares diferentes.
Seus olhos se arregalaram, mas então ele esboçou uma débil risada, cheia de
dor, e riu em silêncio.
— Melhor me espetar antes de Selik voltar, a não ser que que queira que ele
arranque sua pele a tiras. Ele tem uma temível aversão às agulhas.
Agradecendo a Deus sua memória quase fotográfica, Rain mentalmente
repassou as lições do Doutor Lee sobre a antiga medicina chinesa. Imaginou os
meridianos que dividiam o corpo humano e os trezentos e sessenta e cinco
“fronteriras” ou pontos de alfinetadas onde os meridianos supostamente
surgiam à superfície. Mesmo o Doutor Lee, com toda sua mestria, não tinha
certeza de como trabalhar a acupuntura como anestésico natural, mas afirmava
que quando uma agulha era inserida com precisão no ponto correto isso enviava
uma mensagem ao cérebro que liberava opiáceos naturais, como endorfinas e
enquefalinas, para mascarar a dor.
Tykir estava assustado mortalmente, mas o rapaz valente apenas
pressionou seus lábios fortemente e fechou os olhos quando ela introduziu
várias das longas agulhas em diferentes partes de seu corpo, incluisive sua
cabeça. Então ele elevou os olhos maravilhado.
— É um milagre. Não sinto nenhuma dor.
Rain fechou os olhos durante um segundo. Obrigado, Deus!
— Não! — Selik e o curandeiro gritaram quando ambos entraram na loja e
viram o que ela tinha feito com as agulhas. A princípio, Selik se contorceu de
um lado para outro, seu enorme corpo ameaçava cair desmaiado ao ver as
agulhas. Então ele a levantou, suavemente sussurrando várias obscenas torturas
que lhe infligiria por fazer mal a seu amigo ferido, mas Tykir falou fracamente
— Incrível, Selik, as agulhas matam a ofensiva dor. Dei minha permissão para
fazer assim.
Selik olhou Tykir com receio e finalmente disse ao balbuciante curandeiro,
— Feche a boca, homem, ou vá embora.
A operação levou horas, com um pálido Selik segurando a lupa que ela
tinha comprado àquela manhã cedo para examinar o quadro do museu.
Fora realmente naquela manhã, ou há uma vida?
Apesar da acupuntura, Tykir compasivamente desmaiou no meio do
procedimento. Ao final, os dedos de Rain tremiam de tensão e de esgotamento
quando completou as suturas finais, enfaixou a perna, e lhe pôs as talas.
Sacudindo a cabeça, o Padre Cedric abandonou a tenda, resmungado:
— Bruxa! Feto do Diabo! Magia Negra!
Mas Selik só a olhou firmemente, profundamente abstraído em seus
pensamentos, quando ela recolheu suas parcas provisões. Ele deu um passo fora
e falou com alguém, logo voltou e a ajudou. Finalmente, ele a afastou
relutantemente do lado de Tykir, lhe assegurando que um homem faria guarda
durante a noite e a chamaria se houvesse qualquer mudança. Conduziu-a a uma
pequena tenda próxima e a empurrou a seu interior.
— É o melhor que pude fazer — desculpou-se ele, lhe indicando as peles
que estavam sobre a terra e a bacia com água para se lavar. Um cálice de água e
um prato de madeira com um pedaço de pão e várias fatias de carne assada ao
fogo que estavam sobre um pequeno tamborete. A consideração de Selik a
surpreendeu. Ela se voltou para lhe agradecer mas ele já partira.

Capítulo 3

Depois engolir avidamente a desagradável comida sem gosto e beber toda a


água fresca, Rain tirou a roupa e se lavou rapidamente o melhor que pôde com a
escassa provisão de água. O que não daria por um desodorante!
Voltou a pôr as calças e olhou sua blusa suja e rasgada com desagrado.
Então viu a grande mancha marrom-avermelhada sobre as costas da blusa.
Sangue! Como podia ser? Tocou-se, examinando em torno de si e sentiu sua
pele. Não havia corte algum ali. E não podia ser o sangue de Tykir em suas
costas. Então a compreensão se abateu sobre ela quando lembrou que a espada
do saxão tinha cortado a armadura de Selik. A viagem se sacudindo sobre o
cavalo devia ter aberto a ferida, e aquele estúpido viking não tinha a sensatez de
reclamar.
O maldito Selik ia ser bem mais difícil do que tinha pensado. Rain vestiu de
novo a blusa e saiu com seu estojo médico de primeiros-socorros, andando
atrevidamente diante os guardas vigilantes e passou sobre guerreiros
adormecidos quando ia até a tenda de Selik. Ele tinha tirado a couraça e as botas
de couro. Estava em pé, descalço, vestido com uma túnica que lhe chegava à
altura das coxas, e bebia profundamente de um grande cálice. Ante o som da
respiração sufocada de Rain, Selik girou a cabeça e a olhou por cima do ombro.
Seus olhos sonolentos fixaram os dela com uma carícia interrogativa durante
longos segundos até que perguntou com voz divertida:
— A que devo esta honra? Por acaso me traz uma mensagem divina?
Rain engoliu em seco ao ver a audácia com que os olhos de Selik a
percorriam. Senhor, o quanto aquele homem era incrivelmente bonito! Até seus
pés eram bonitos, altos, arqueados e muito alinhados. Embora sua túnica
cobrisse uma boa parte de seu corpo, os olhos de Rain se fixaram na estreita
cintura, nos quadris, nos amplos ombros, e nos músculos desenvolvidos em
todos os lugares.
Ela tomou nota mental para continuar precavida. Para uma mulher de um
metro oitenta, um homem de mais de dois metros parecia terrivelmente
delicioso. Sacudiu a cabeça para desanuviar os sentidos, e ruborizou ao ver o
sorriso convencido que havia no rosto de Selik quando ele se voltou.
— Mudou de idéia quanto a fazer sexo? — perguntou com um sorriso
zombeteiro um pouco torto, com uma risada que não alcançou seus olhos.
— Ah! — ofegou ela, enquanto seu sangue começava a ferver a fogo lento.
— Não, bode rude. Vim por causa do sangue. Seu sangue. — ela deu a volta e
lhe mostrou as costas de sua blusa. — Por que não me disse nada sobre sua
ferida?
Ele deu deu de ombros.
— Não tinha importância... O curandeiro pode tratar minha insignificante
ferida amanhã.
— Ele não vai fazer! — declarou Rain veementemente. — Não deixaria
aquele açougueiro perto de você. Agora tire a túnica.
Selik arqueou uma sobrancelha ante seu tom protetor, mas andou até ela
com graça lenta, sensual, erguendo a túnica sobre a cabeça quando se
aproximou. Usava apenas um pedaço de tecido embaixo.
Rain mordeu o lábio inferior para conter uma exclamação ante a
magnificência de seu magro corpo. Então olhou a profunda punhalada de vinte
e cinco centímetros que percorria seu abdômen e o repreendeu bruscamente:
— Perdeu a razão? Um ferimento como esse é sério. Precisa de limpeza,
anti-séptico, e ao menos cinqüenta pontos.
— Não se atreva a pensar em por aquelas longas agulhas em minha cabeça
ou qualquer outra parte de meu corpo — advertiu-a Selik e começou a
retroceder. — Nunca permitiria algo semelhante.
Rain riu suavemente.
— Então, o grande e valente guerreiro teme uma pequena agulha? Não se
preocupe. Me deleitarei ao observar você se retorcer de dor, será um grande
prazer para recompensar por ter me perseguido no bosque essa manhã.
Ela o empurrou em direção às peles de sua cama, e quando ele se deitou de
costas, ajoelhou-se ao seu lado. Trabalhando rapidamente, logo suturou a ferida
e enfaixou-a com panos limpos. Ele não articulou nenhum gemido de dor,
somente olhava cada movimento como se tentasse resolver um quebra-cabeças
em sua mente. Recusou sua oferta de um analgésico, alegando que outros
precisavam mais.
Quando ela terminou, Selik sorriu aberta e lupinamente e em um
movimento rápido a derrubou e a colocou ao seu lado.
— Talvez deva dormir aqui esta noite.
— Esqueça. Lhe disse antes que não faria sexo com você. Além disso, não
está em condições de ter relações sexuais.
— Hah! Me deixe decidir sobre essa condição em particular. Já esqueceu
que seus ossos frágeis não estimulam como parceira sexual?
— Ah.
— Agora, feche a boca, assim como os olhos, e durma, doce Água de Neve.
— Água de Neve? — ela se eriçou indignada. — Meu nome é Rain. E não
gosto que ria de mim.
— Para mim Rain não é um nome que combina com você. Fala de
suavidade, mansidão, de renascimento da primavera, e a esperança de...
Rain soltou um longo suspiro ante as profundas palavras de Selik.
Realmente, não era por isso que tinha sido enviada àquele feroz guerreiro, para
devolver a suavidade à sua dura vida, lhe mostrar que até a alma mais negra
podia renascer outra vez, e sobretudo, que a esperança poderia ser uma
primavera eterna?
O longo silêncio de Selik dizia muito. Rain sabia que analisava
cuidadosamente seus pensamentos, mas então ele falou
— Na verdade Lama seria um nome melhor para você. A Lama é cinza e
pesada, facilmente pode ser empurrada para um lado, diferente de você,
enquanto a chuva vem rapidamente, sem advertência prévia açoitando a pele de
um homem antes que ele possa se proteger de sua espetada, freqüentemente
causando estragos em seu rastro. Sim, com certeza te chamarei de Lama. Ou
Nevisco
— Ah, você é impossível — Rain mudou de posição fazendo exagerados
esforços para ficar confortável. Selik estendeu a mão e a imobilizou sobre as
peles com um braço abandonado sobre seus seios e sua perna direita sobre as
coxas dela.
— Saia de cima de mim.
— Não, poderia fugir.
— Fugir ?Para onde iria?
— Sua reputação como curandeira sem dúvida se estenderá como a
Fogueira de Santo Antonio. Os saxões colocarão sua cabeça a prêmio, tal como a
minha, mas eles vão te querer viva. Os bons curandeiros não têm preço,
sobretudo ante o tribunal saxão.
Rain sentiu um onda de prazer ante o óbvio elogio de Selik às suas
habilidades médicas.
— Bem, se vou dormir aqui, ao menos tire seu corpo de cima do meu.
Rindo, Selik tirou seu braço e a perna. Rain girou suas costas para ele e
ajeitou seu corpo em uma posição mais confortável. Ela sentiu um abatimento
meditativo ante o calmo comportamento de Selik.
— Algo está te acontecendo?
— Sim, hoje me enganei terrivelmente. Tantos homens... tantos amigos...
mortos, hoje, sem um enterro apropriado, nem os últimos rituais da igreja cristã,
nem o ritual nórdico do fogo para começar a viagem ao Valhalla. Um homem
deveria proteger aqueles sob sua proteção. Hoje eu falhei.
— Pode ver o quanto as guerras são inúteis para ambos os lados? Como
todas as guerras, quando terminam, as vidas perdidas não servem para nada.
— A guerra não acabou para mim. Continuarei matando cada saxão que
cruze meu caminho até que finalmente eu esteja vingado... ou no Valhalla.
— Ah, Selik — sussurrou Rain, seu coração estremeceu ante sua dor e sua
inútil busca por vingança.
Houve uns instantes de silêncio, logo Selik falou.
— Já é o bastante, sobre mim. Me conte algo mais a respeito de sua lista de
fracassos, Nevisco.
— Anh?
— Seus fracassos sexuais.
— Ah, não há nada realmente para contar. É só que eu posso fazer ou não
fazer sexo, é isso — Rain franziu o cenho. Por Deus!! Por que estava revelando a
um praticamente desconhecido algo tão íntimo? Mas Selik não era um estranho,
compreendeu; sentia como se o conhecesse por toda a vida. Também, falando
sobre ela, talvez pudesse afastar o tormento da mente de Selik.
— Pelo sangue de Thor! É uma idiota.
— Você perguntou — disse ela na defensiva.
— Quando foi a última vez que teve um homem entre suas coxas?
— Você também é um pouco idiota, senhor — riu Rain, logo pensou
durante um momento. — Dois anos.
— Mesmo? Me custa acreditar, mas os jogos sexuais realmente causam
repulsa em algumas mulheres. De alguma maneira, embora acho que é mais
apaixonada que isso. Talvez não teve um homem com as habilidades
apropriadas.
— Ah, por favor, economize o ego masculino. Não é que eu não goste de
sexo, e posso chegar ao orgasmo como qualquer mulher. Afinal de contas, há
cinqüenta e sete pontos eróticos sobre o corpo de uma mulher. Se um homem
não pode encontrar ao menos um deles, precisa de uma lanterna e um manual
de sexualidade.
Vaca Santa! Realmente ela dissera todas aquelas coisas? O cansaço e o sono
deviam ter deixado sua língua ou sua mente frouxas. Ela esperava que Selik
apreciasse seus esforços para afastar da mente dele as preocupações mais sérias.
Selik sufocou com o riso.
— Só cinqüenta e sete? — perguntou secamente. — E os homens tem os
mesmos, ou mais?
Rain sabia que zombava dela. Bem, ela lhe demonstraria. Deu uma aula a
ele com o melhor da Educação Sexual, uma aula clínica tirada diretamente da
faculdade de medicina. Quando terminou, o peito de Selik sacudia-se de riso.
— Muito bem! O que é tão engraçado?
— Conhece todos esses detalhes sobre a cópula entre um homem e uma
mulher. Como um livro, não como uma mulher. Não, nunca se sentiu como uma
verdadeira mulher nos braços de um homem, eu aposto. E ainda mais, não sabe
o que quer de um homem.
— Hah! Vou te dizer uma coisa, Sr. Sabe-tudo. O melhor sexo que jamais
tive não teve... não teve... bem, penetração — dando-se conta da imagem que
estava evocando com sua língua frouxa, Rain praticamente sussurrou a última
palavra.
Mas ele percebeu.
Com um sorrisinho surdo, ela acrescentou com falsa ostentação:
— É claro o suficiente para você?
— Parece que deliberadamente tenta me impressionar. Não sabe as coisas
indecorosas que diz.
— Sim, eu sei. Quero dizer, não, não sei.
— Volta atrás agora, moça?
— Não! E não ache que não sei que está me induzindo a dizer coisas
estúpidas.
— Está dizendo que eu faço com que diga mentiras?
Rain se eriçou.
— Que mentiras?
— As coisas que disse sobre penetração...
— Ah —gemeu Rain. Então bocejou com intensidade exagerada. — Estou
farta dessa conversa. Acho que irei dormir.
— Isso é o que as mulheres fazem o tempo todo.
— O que?
— Fugir. Disfarçar. Tenta mascarar sua mentira quando foi pega em suas
próprias armadilhas.
— Com certeza está fazendo de uma tempestade copo d’água. Disse a
verdade. Muitas mulheres lhe dirão que o melhor sexo que tiveram foi quando
eram adolescentes e se acariciavam durante horas e horas com seus namorados.
— Beijando-se?
Rain suspirou com auto-recriminação diante o buraco que ele tinha cavado
para ela tão habilidosamente.
— Claro, beijando-se, cada rumo possível feito com inocência,
profundamente, de maneira molhada, com a língua, já sabe, tudo surte efeito.
Contrastando com a emoção que implica o toque, geralmente sobre as roupas,
mas nunca com relações sexuais reais.
— Línguas? — Selik ofegou.
— Sim, beijos franceses.
— Francês? Hah! Um francês ultrajante desafia a reivindicar para si a
invenção do beijo profundo? Os escandinavos beijam com língua anos antes
deles.
Rain riu ante o orgulho dos homens, de todas as nacionalidades, não
importava a linha do tempo na história.
Então Selik bufou com desagrado.
— E esses beijos durante horas as satisfazem mais que a cópula?
— Pode ser. Ah, em uma situação ideal, o sexo seria o resultado final. Mas,
como disse, pergunte a qualquer mulher se preferiria ser seduzida com horas e
horas de beijos, ou preferiria uma sessão de zás! te pego e te mato — Selik não
disse nada, e Rain compreendeu que estivera divagando. Provavelmente o tinha
aborrecido demais. Ou o tinha alarmado tanto que ficara mudo.
— Está dormindo?
Ele permaneceu calado durante muito tempo antes de responder com voz
suave:
— Não.
— O que está fazendo?
Ele riu de maneira gutural.
— Dando prazer a mim mesmo.
Rain ofegou ante sua vulgaridade e deu a volta para repreendê-lo quando
viu à débil luz das tochas que ele estava de costas com os braços cruzados atrás
da cabeça. Seus lábios estavam puxados num sorriso, e ele piscou um olho,
malicioso.
O bruto estava brincando! Lhe deu as costas, mau-humorada.
— Rain?
— O que é?
— O que é um orgasmo?
Rain sentiu seu rosto arder de vergonha, e evitou lhe responder. Além
disso, provavelmente ele já sabia e somente queria continuar enchendo seu saco.
Selik ficou em pé e apagou a tocha, logo voltou a se deitar, puxando as
peles sobre eles.
— Durma, doçura.
Doçura! O coração de Rain cantarolou ante um carinho tão terno. Ele
provavelmente achava isso. Nevisco. Ah, ok.
Quando estava meio adormecida, ela disse, suavemente:
— Selik?
— Hmmm?
— Estou feliz que Deus tenha me enviado para te salvar.
Ela achou que o ouviu praguejar e dizer algo mais ou menos assim:
— Seu deus deve ter um estranho senso de humor — mas estava muito
cansada para pedir que ele repetisse as palavras.
Rain despertou tarde na manhã seguinte, totalmente descansada e sozinha.
Espreguiçou-se morososamente embaixo das quentes peles, perguntando-se
onde estaria Selik.
De repente se deu conta de que tinha dormido profundamente durante a
noite. Nenhum sonho. Nenhum pesadelo. Riu.
Bem, o que esperava, disse a si própria, arrependida. Estava vivendo dentro
de seu pesadelo.
Tykir. A lembrança sacudiu Rain, e ela se levantou de um salto, frenética
para verificar como estava seu paciente. Usando uma pequena tigela de água,
lavou o rosto e enxaguou a boca. Sem um espelho, pôde apenas alisar as mechas
frouxas de cabelo que tinham escapado da trança.
Seu meio-irmão estava onde o tinha deixado na noite anterior, o tinha
vigiado um jovem soldado que respondeu a suas perguntas sobre o progresso
do paciente durante a noite. Rain soltou um suspiro de alívio quando sentiu a
pele de Tykir fresca ao toque. Não havia febre, graças a Deus. Seu pulso era
fraco, mas regular, para estar se recuperando de uma cirurgia traumática, e os
batimentos de seu coração eram fortes.
Enquanto ela abria suas ataduras, Tykir despertou bocejando.
— Estou vivo? Ou morto? Você é uma enviada dos deuses?
Rain riu suavemente.
— Está muito vivo, jovenzinho, e espero te manter assim. E embora Selik
tenha se referido a mim como um anjo da guarda, sou uma simples mortal,
como você.
Tykir tentou rir mas seus lábios palidos se comprimiram pela dor.
— Pegue — disse Rain tirando um pacote de Darvon. —Só tenho seis desses
comprimidos, teremos que fazer com que dure o máximo que pudermos. Isto
ajudará com a dor.
— Não, não preciso de nenhuma bolinha mágica para a dor.
— Tome — ordenou Rain severamente e empurrou a pílula em sua boca.
Então o segurou até beber água de um cálice de madeira.
— Você é uma bruxa? Não lembro da furada em minha ferida ontem e não
tenho nenhuma dor.
— Não, sou médica. Uma cirurgiã — respondeu Rain, examinando sua
perna procurando uma possível infecção, logo substituiu as ataduras por outras
de linho limpo.
— Sério? Nunca soube que uma mulher fizesse tal coisa. E as agulhas? Com
certeza eram instrumentos de bruxaria.
— Não, é muito antigo, a acupuntura é uma ciência legítima realizada por
médicos peritos. Devo admitir, que não é minha especialidade, mas não tive
outra opção em seu caso.
Tykir franziu o cenho.
— Eu estava sonhando ou você disse que era minha irmã?
Rain deu os últimos retoques sobre a bandagem, logo se voltou rindo de
sua formosa juventude.
— Sou sua meio-irmã, Thoraine Jordan. Mas me chamam de Rain para
encurtar.
Tykir inclinou a cabeça confuso.
— Como pode ser?
— Temos o mesmo pai — explicou ela, cruzando os dedos ante a meia
verdade. — Minha mãe era Ruby Jordan. Lembra dela?
Rain não podia acreditar que, depois de trinta anos não acreditando nas
histórias da viagem no tempo de sua mãe, ela agora as aceitasse tão facilmente.
Bem, que outra explicação poderia haver? Era uma viagem no tempo ou um
maldito sonho muito vívido.
— Não! Isso é impossível — Tykir ficou inquieto e tentou se sentar no cama
de armar, mas ela e o guarda conseguiram convencê-lo a voltar a se deitar. — É
cruel de sua parte faltar à verdade — acusou-a Tykir fracamente.
— Ah, Tykir, eu não mentiria para você sobre algo assim.
As lágrimas turvaram os olhos de seu meio-irmão.
— Eu gostava de Ruby, mas partiu antes de eu ter a possibilidade de dizer
isso a ela. Eu só tinha oito anos, então. Por que nos abandonou?
— Não teve opção. Forçaram-na a voltar para seu próprio mundo depois
da... da morte de Thork... de nosso pai. Mas ela sabia que a amava, Tykir. Ela
falava disso freqüentemente.
— Mas Ruby e meu pai se casaram apenas há doze anos. Como puderam
ter uma filha de sua idade?
— Nem eu mesma entendo, mas acho que o tempo deve se mover mais
rápido no futuro — Rain não tinha nenhuma outra explicação de por que trinta
anos no futuro eram apenas doze no passado.
— Tem que me contar mais... mas, mais tarde... não agora — disse Tykir,
pronunciando levemente mal as palavras. — Sua bolinha é realmente mágica.
Sinto-me maravilhoso. Acho... — um suave ronco saiu de seus lábios, e Rain riu,
apartando as mechas de cabelo loiro escuro de seu rosto com carinhoso cuidado.
Quando abandonou a tenda, deu-se conta de que mais homens tinham
chegado durante a noite. Aproximadamente quinhentos soldados lotavam a
planície, e faziam uma reunião de alguma espécie. No frente, meia dúzia de
líderes dirigia a assembléia, cada um vestido tão obviamente que representavam
seus diferentes países ou culturas. Rain estava muito longe para ouvir suas
palavras, então andou até as cozinhas, onde um grupo de mulheres trabalhava
febrilmente para preparar a comida.
Ela deu um passo até uma delas, onde uma enorme caldeira com guisado
fervia, levando deliciosos aromas ao fresco ar matutino.
— O que está fazendo? — perguntou Rain à mulher mais próxima, uma
mulher Viking de meia-idade com os cabelos loiros trançados e enrolados
formando uma coroa em cima da cabeça. Sua túnica tinha aparência de babador
de criança e a usava sobre um vestido pregueado e preso aos ombros com dois
broches de cobre. Estava surpreendentemente limpa, considerando o seu redor.
A mulher saltou surpresa ante as palavras de Rain, deixou cair a concha de
sopa e dirigiu um rápido olhar cauteloso à outra mulher mais jovem, vestida de
modo similar, mas que usava tranças loiras que caiam até a cintura. Eram
simpatizantes? Ou as mulheres daqueles combatentes?
— Meu nome é Rain Jordan.
— Sigrid, esposa de Cnut — disse a mulher mais velha hesitando, pôs a
palma da mão no peito e indicando à mulher mais jovem disse — E esta é minha
filha, Gunvor.
— Estou faminta — disse. — Podem me dar um pouco desse guisado?
A mulher mais velha lhe ofereceu uma tigela de madeira cheia de caldo
grosso no qual flutuavam pedaços de carne com cebolas e cenouras. Rain tomou
um gole com uma simples colher de madeira, experimentando, então fechou os
olhos de êxtase, seu estômago estrondava com o conteúdo. Não tinha comido
virtualmente nada há mais de vinte e quatro horas, e provavelmente a água de
faxina teria lhe parecido com a arte culinária mais fina.
Gunvor a olhou fixamente boquiaberta.
— Realmente ontem à noite se deitou com o Proscrito? — ela estremecia
visivelmente horrorizada ante tal pensamento.
— Anh?
Rain tinha pensado que a olhavam fixamente devido a sua altura, embora
não se destacasse tanto entre mulheres mais altas que a média, ou devido a suas
estranhas roupas, ou até devido a suas insólitas habilidades médicas. Mas, não,
era sua relação com Selik o que as preocupava. O açougueiro, lembrou agora
que também se referiram a Selik como o Proscrito, no dia anterior.
Rain franziu o cenho confusa, devolvendo sua tigela vazia a Sigrid. Mais
mulheres se aproximaram para escutar disimuladamente sua conversa.
— Sim, dormi ao lado de Selik ontem à noite — admitiu Rain, evitando
explicar mais.
— Ah, como pôde suportar que aquela besta te tocasse? — exclamou
Gunvor. — Se diz que é tão furioso na cama como é na batalha.
— Furioso?
— Enlouquecido de luxúria.
Rain levantou uma sobrancelha duvidando. Ele certamente não estivera
desesperado de paixão por ela.
— Só vê-lo já me revolta o estômago— acrescentou outra mulher com um
estremecimento. — Como pode tolerar olhá-lo? É tão feio.
— Feio? Selik? — perguntou Rain incrédula. — Acho que falamos de
homens diferentes. Selik é bruto e muito propenso a matar e guerrear, mas feio?
Nunca! De fato, é provavelmente o homem mais atraente que jamais encontrei.
As mulheres deram um passo ligeiramente para longe dela, como se ela
estivesse louca.
— As cicatrizes, o nariz quebrado, a crueldade de seus olhos, suas maneiras
odiosas. Se diz até que não pode tolerar crianças em sua presença, e que as
esmaga como insetos sob seus pés. Essas coisas não lhe nauseiam mesmo? —
perguntou Gunvor com incredulidade.
Rain tentou imaginar Selik em sua mente. Sim, havia cicatrizes, montões
delas, e um nariz imperfeito, mas aquilo não arruinava a totalidade de um
homem com suas finas características, traços clássicos, seu corpo bem
desenvolvido, musculoso. E a crueldade em seus olhos estava lá, mas aquelas
mulheres não reconheciam que mascaravam uma dor mais profunda? Com
certeza, ela nunca poderia amar um homem como Selik. Ele era muito vulgar,
muito obstinado, muito bélico, mas ela tampouco podia negar sua inata beleza.
Ela começou simplemente a dizer isso àquelas tolas mulheres, mas Selik se
aproximou, murmurando horríveis palavrões, e as mulheres se dispersaram
como ratos assustados.
— Tinha que assustar as mulheres?
— Talento de mentes fracas — ele se queixou. Inclinando-se no caldeirão
que cozinhava a fogo lento, cheirou profundamente, logo se serviu de uma
tigela transbordante de guisado. Sentou-se ao lado dela sobre uma rocha grande
e engoliu de uma vez o alimento, vorazmente, ignorando sua presença.
Sua fome a tocou de maneira que a surpreendeu. Embora usasse a mesma
túnica manchada, Rain notou que se banhara e barbeara. Seus cabelos
platinados brilhavam como fios de prata até as pontas. Analisando-o mais
detidamente depois da dura apreciação das mulheres, Rain notou muitas
cicatrizes, velhas e novas. Especialmente horripilante era uma velha cicatriz que
ia do seu olho direito até seu queixo, uma pálida linha dentada em seu rosto
profundamente bronzeado. E diante a pálida malha de cicatrizes em seu
antebraço que formava a palavra “raiva”, Rain tremeu pensando que horrendos
acontecimentos tinham incitado Selik a esculpir a palavra em sua própria pele.
Ao menos, ela supôs que ele tinha feito.
— Mantenha seus errantes olhos longe de minha carne, Nevisco.
— O quê? — Rain se sacudiu com força devido a estar em apuros por ter
sido pega examinando-o profundamente. — Eu admirava suas cicatrizes de
batalha.
— Mentirosa — seus olhos empalaram os dela desdenhosamente então deu
a volta com aversão. — Tenha cautela, moça, não estou com humor para te
seguir da maneira habitual hoje. Vá embora e me deixe sozinho — ele usou os
dedos de ambas as mãos para esfregar os olhos fatigadamente.
A dispensa brusca de Selik ofendeu Rain, mas persistiu de maneira tola.
— Como conseguiu essa cicatriz no rosto? Estava no meio de alguma
absurda batalha onde matava a torto e a direito? Ou o marido de uma dessas
mulheres com quem esteve foi atrás de você? Não, me deixe adivinhar. Com
certeza tropeçou e caiu quando…
— Não moça, não foi nenhuma dessas opções — os gelados olhos cinzas de
Selik fixaram os dela friamente, falando de horrores dos quais Rain de repente
soube que não queria se inteirar. Ela ficou em pé para partir, mas Selik a
empurrou rudemente a fazendo se sentar de novo na rocha. — Você perguntou,
bruxa tola. Agora vai ficar e saber. Seu pai Thork e eu éramos ambos cavaleiros
de Jomsviking. Quando Thork era um menino, seu irmão Eric — Eric Bloodaxe,
assim o chamam — perseguia-o de forma sanguinária. Até lhe cortou o dedo
mínimo da mão direita quando Thork tinha apenas cinco anos. Quando pôde,
Thork escapou para se fazer um Jomsviking, o único caminho para poder evitar
as ambições de seu desumano irmão.
— Selik, pare. Sinto muito. Não tinha a intenção de trazer à tona essa série
de dolorosas lembranças.
Mas Selik continuou com sua explicação como se fosse um castigo.
— No fim de Jomsviking, a batalha antes da morte de seu pai, nosso
inimigo Ivar — Ivar, o Vicioso — cortou os dedos restantes da mão de seu pai e
chutou sua cabeça quando a espada o cortou de lado a lado. E isso, doce amante
da paz, depois de cortar de um só golpe as cabeças de uma dúzia de nossos
companheiros.
As lágrimas escorreram pelas faces de Rain. Ela não queria saber esses
horríveis detalhes da vida de seu pai ou de Selik. Ela não queria sentir que havia
qualquer justificativa para a violência em seus modos de vida. Não havia
nenhuma desculpa para a luta, ou as guerras. Aquilo era no que sempre tinha
acreditado. Ainda o fazia. Tinha que fazê-lo.
Os lábios de Selik se franziram cinicamente ante as variadas emoções que
devia ter visto refletidas em seu rosto.
— Eu fui mais afortunado que ele naquele dia. Ivar tentou arrancar meus
olhos e só teve êxito em me honrar com esta lembrança, — disse, tocando a
longa cicatriz.
Rain estendeu sua mão tocando seu antebraço para consolá-lo, mas ele a
evitou de maneira defensiva.
— Economize sua compaixão.
— Somente tento te entender e a esse estranho tempo no qual aterrissei,
Selik. Sei que pareço estar te condenando, mas...
— Economize suas explicações, moça. Não me preocupo absolutamente
com o que você ou qualquer outro pense de mim. Minha cabeça esteve a tábua
de decapitação esse dia, e nunca temi a face da morte depois. Na verdade, dou
as boas-vindas a ela.
— Sua cabeça estava sobre a tábua de decapitação? — Rain conseguiu dizer
de maneira sufocada.
— Sim — uma risada cruel esticou seus lábios tristemente. — Quer ouvir
como acaba a história? — quando Rain o olhou fixamente, horrorizada, Selik
continuou morbidamente — Eu era bonito naquele tempo, tal como sua mãe
disse, e orgulhoso como um galo. Quando me tocava , zombei de Ivar, lhe
pedindo que segurassem meus cabelos durante a decapitação para não manchar
os maravilhosos fios com o sangue de minha vida — ele passou os dedos
sensualmente por seus longos cabelos, recordando.
— Selik, não quero me inteirar de nada mais. Pare.
Ele não fez caso de suas súplicas.
— A multidão que devia assistir a execução dos célebres cavaleiros de
Jomsviking admiraram meu atrevimento e impulsionaram Ivar a conceder meu
desejo. Ele chamou um nobre soldado, um de seus hesirs mais valente, para que
ficasse na minha frente e segurasse meus cabelos em um rabo na frente,
deixando apenas meu pescoço para a lâmina do carrasco. No último momento,
me joguei para trás deliberadamente, e o machado cortou as mãos do hesir de
Ivar.
Rain ofegou e apertou uma mão contra sua boca, horrorizada. Ouviu o eco
da exclamação das mulheres atrás dela que se aproximaram para escutar as
palavras de Selik. Selik não pareceu dar-se conta disso, tão perdido estava em
seu horrendo sonho.
— Em vez de zangar-se, a multidão aclamou minha coragem e exigiu que
Ivar perdoasse minha vida e as vidas dos cavaleiros do Jomsviking que
restavam e que esperavam sua execução, inclusive seu pai — voltando ao
presente, Selik ergueu o queixo com orgulho e escarneceu — Agora já conhece a
história da minha cicatriz. Te faz feliz saber, Nevisco, que suas espinhosas
palavras fazem com que minhas lembranças sangrem?
— Não, Selik, não fico feliz. Às vezes falo precipitadamente. Você parece
fazer isso comigo — disse ela fatigadamente, então tocou a palavra “raiva”
esculpida em seu robusto antebraço. — Por isso se mutilou com esta cicatriz?
Um profundo trovão, como o bramido de um urso enfurecido, começou no
peito de Selik, subiu a sua garganta, e surgiu em sua boca como um rugido de
cólera. Ele ficou em pé, e agarrou Rain pelos braços, levantando-a até que seus
pés ficaram separados da terra e seus olhos ficaram ao mesmo nível dos dele,
seus narizes virtualmente se tocando. Ela podia sentir o hálito dele contra seus
lábios enquanto a levantava com fúria,
— Nunca, nunca volte a me perguntar sobre esta cicatriz. Se valoriza sua
vida, feto tolo de Loki, não o faça, ou te juro que torcerei seu pescoço como o
frango fraco que é — ele a sacudiu até que o cérebro dela estava virtualmente
agitado. — Me entendeu, moça?
Rain não podia abrir sua boca que falava demais, mas maneou a cabeça
num imperceptível assentimento.
— Amo, amo! — Selik paralisou quando a gritante saudação penetrou sua
fúria.
— Inferno maldito! — amaldiçoou, deixando Rain cair no chão sem lhe dar
atenção, dando a volta para confrontar um homem parecido com um gnomo
que corria para eles parecendo um caranguejo sobre pernas inclinadas. Suas
mãos nodosas e seus ombros inclinados indicavam sua condição de artrítico.
Poderia ter não mais de quarenta anos, apesar de seu aspecto envelhecido.
— Agradeço aos deuses, por finalmente te alcançar, amo — disse o homem-
duende ofegando quando alcançou Selik.
— Ubbi, que diabos faz aqui? Não te ordenei que ficasse em Jorvik?
Ub-bi, Ub-bee. Rain fez deslizar o estranho nome sobre sua língua
silenciosamente.
— Mas, amo, me inteirei sobre batalha e pensei que poderiam precisar de
mim.
— Não sou seu amo, Ubbi. Te disse isso infinitas vezes até hoje.
— Sim, amo. Eu sei, meu senhor. Ah, sabem minha condição, amo, —
tropeçou. Selik gemeu e levantou os olhos fatigadamente aos céus. —
Simplesmente o que eu precisava, um criado que nem quero nem preciso e um
anjo da guarda.
Ubbi olhou pela primeira vez para Rain, e seus olhos se arregalaram de
surpresa.
— Sério, amo, ela é um anjo da guarda?
Os olhos de Selik mostravam aborrecimento, mas cintilaram com rendida
diversão, pegando Rain de surpresa.
— Sim, ela diz que seu Deus cristão a enviou para me salvar.
Os remelentos olhos de Ubbi passaram de Rain a Selik e voltaram para
Rain.
— Do quê? — perguntou com receio, ao que parecia imaginando que uma
mera mulher não seria de muita ajuda a Selik na batalha.
— De mim mesmo — respondeu Selik terminantemente.
Mas Ubbi surpreendeu a ambos movendo a cabeça com sabedoria e a frase
feita:
— Já era tempo.
Selik ergueu ambas as mãos para o ar, como se perdesse as esperanças com
eles dois. Então se voltou para Rain.
— Mostre a Ubbi minha tenda.
— E onde devo pôr Fury? — perguntou Ubbi envergonhado.
— Fury! Trouxe Fury aqui?
— Sim. Pensei que poderia precisar de seu cavalo.
— Fury! Naturalmente. Só você daria a um cavalo um nome tão mórbido —
comentou Rain.
Selik a olhou depreciativamente e ao mesmo tempo desafiante.
— Vá cravar uma agulha no olho de alguém, preferivelmente de algum
saxão.
— Não cravei uma agulha no olho de Tykir — afirmou ela na defensiva —
mas eu gostaria de cravar uma no seu. E em outros lugares especiais. Já ouviu
falar de uma vasectomia? — perguntou com inocência. Ante seu olhar atônito,
Rain lhe explicou simplesmente o que uma vasectomia significava. Teve o
prazer de ver o rosto de Selik pálido ante a idéia de agulhas cravando sua
preciosa virilidade.
— Agulhas? Olho? —gritou Ubbi, girando a cabeça de Rain para Selik
enquanto eles trocavam insultos.
— As fincou em toda parte, menos em seus olhos — acusou-a Selik.
— Ele está vivo, não é?
— Humph! Sem dúvida você agitou as asas de anjo sobre ele.
— O que acontece é que não pode admitir que uma simples mulher seja
médica.
— Não seja ridícula.
— Ridícula! Ridícula! Hah! Te direi o que é ridículo. Vocês e todos esses
outros guerreiros do Século do Obscurantismo — gritou ela, estendendo
amplamente o braço para indicar os soldados maltratados que alagavam os
enormes campos. — Pensa que a guerra e tirar vidas humanas solucionam seus
problemas. Isso sim que é ridículo.
Ubbi, Sigrid, Gunvor, e todos os outros espectadores que se juntaram perto
ficaram boquiabertos, incrédulos de que ela se atrevesse a gritar ao feroz
cavaleiro proscrito, mas havia uma raridade suspeita nos cantos dos crispados
lábios de Selik. Cristo! Ela tinha caído outra vez diretamente em uma de suas
armadilhas. Rain se repreendeu indignada.
— Ah, me rendo — disse ela, baixando as mãos resignada. Girou, voltou à
tenda de Selik e chamou o criado dele — Bem, não fique aí como um nabo, Ubbi.
Vai vir?
— Eu? — gritou Ubbi boquiaberto.
Selik sorriu arrogantemente.
— Sim, você — grunhiu ela e agarrou seu braço com tanta força que quase
levantou seu pequeno corpo da terra. — Vamos conversar sobre nomes
ridículos. Quem alguma vez ouviu um nome como Ubbi?
— Não gosta de meu nome? — perguntou Ubbi fracamente, correndo para
se manter ao seu lado apesar de seus longos passos.
— Parece com uma canção estúpida de Motown. Sua-abelha, doo-abelha,
doo.
Ubbi riu alegremente ante as palavras suavemente cantadas por Rain.
— Ah, anjo, agradeça a Deus por ter te enviado para salvar a vida do amo.
Só espero que faça o necessário para aliviar sua dura vida.
Depois de Ubbi cuidar do cavalo de Selik, Fury, um magnífico garanhão
negro com um temperamento que combinava com o de seu dono, foram à tenda
de Selik, onde Ubbi guardou seu triste e pequeno pacote de pertences.
Ubbi olhou de maneira óbvia as peles da cama.
— Achou as peles suaves para sua delicada pele, miladi?
Rain riu ante a clara curiosidade de Ubbi sobre se ela e seu amo tinham
dormido juntos.
— Não, Ubbi, não fiz amor com Selik ontem à noite.
Ubbi bateu ruidosamente uma mão nodosa no peito.
— Ah, anjo, mil perdões. Sei que não fez companhia ao amo.
— Sabe?
— Sim, estaria de melhor humor, se ele tivesse se aliviado entre suas coxas
— disse Ubbi sem pudor, com um brilho travesso cintilando em seus nublados
olhos.
Rain riu e sacudiu a cabeça. Gostava desse ardiloso rapaz.
Andaram devagar pela clareira, onde grandes grupos de homens
apressadamente juntavam suas armas, dispondo-se a partir. Os saxões deviam
estar por perto.
— Aonde vão?
Ubbi deu de ombros. Maneou a cabeça na direção de um gigante de cabelos
grisalhos que usava o que parecia um pedaço longo de tecido como manta de
viagem caído sobre o ombro.
— Constantine e seus escoceses voltarão para o norte, sem dúvida, com seu
sobrinho Eugenius e o galês Strathclyde — os dois guerreiros corpulentos em
seu esplendor primitivo dispunham seus homens em filas. Os olhos de
Constantine estavam vermelho e desesperados. Ubbi lhe disse que o rei escocês
tinha perdido seu filho, o Príncipe Ceallagh, na batalha do dia anterior.
Então Ubbi indicou Anlaf Guthfrithsson, o rei Viking de Dublín,
comandante de todos os Escandinavos na batalha de Brunanburh. Espantada,
Rain não tinha percebido que estava entre tais personagens históricos.
Ela olhou para trás e viu Selik discutir com ferocidade com Anlaf. Ubbi
seguiu seu olhar e comentou:
— Quanto a esse nobre cão vira-lata, é difícil dizer. Talvez voltará para
Jorvik e tentará recuperar seu Império da Nortumbria, mas mais provavelmente
irá a Dublin com o rabo entre as pernas — Ubbi cuspiu sobre a terra ao seus pés
para mostrar sua aversão, logo continuou, —Se diz que Anlaf tem centenas de
navios ancorados sobre Humber, esperando sua rápida retirada. Uma coisa é
segura, ele não tem muitos soldados sobreviventes para ir a suas barcaças.
Rain analisou o homem alto com os cabelos loiros muito bem trançados. A
crueldade delineava suas feições bem marcadas, e Rain tremeu com aversão,
compartilhando o desdém de Ubbi para com o Rei Anlaf.
— Para onde iremos?
— Nós? — perguntou Ubbi com uma sobrancelha arqueada.
— Você, eu, e Selik. E qualquer dos homens de Selik que tenha sobrevivido.
Há algum aí, e pelo caminho?
Ubbi sacudiu a cabeça devastado.
— Não, todo seu exército de fiéis seguidores foi tomado na Grande Batalha,
mas haverá outros para segui-lo. Sempre há quem conheça seu verdadeiro
valor, aqueles vão encarar a ira de Athelstan. Mas lamentavelmente serão
poucos agora — o homemzinho suspirou cansado.
— Então aonde iremos? Para a Escócia? Ou ao País do Gales?
Ubbi lhe dirigiu um incrédulo olhar.
— Não, Constantine e Eugenius dão as boas-vindas à poderosa mão de meu
amo na batalha, mas não as darão em suas terras agora. Eles fogem de casa para
proteger suas próprias costas.
— O que você acha?
— O escocês e o rei Gales jurarão sua traidora lealdade ao chefe saxão agora
que perderam a Grande Batalha, antes de que se satisfaça de outra maneira. Não
seria a primeira vez. Mas Selik é um homem marcado que eles não podem se
arriscar a abrigar.
— E o rei Viking? — perguntou Rain, indicando Anlaf, que ainda discutia
com Selik. — Ele lhe dará as boas-vindas?
Os lábios de Ubbi se ergueram sardonicamente.
— As boas-vindas, não. Mas ele não pode mantê-lo a distância. Com certeza
é por isso que estão discutindo agora. Ele provavelmente tenta convencer Selik a
tomar seu navio e esconder-se como um habitante da Nortúmbria e não se
destacar mais.
Anlaf finalmente partiu para longe de Selik, seu rosto púrpura de raiva.
Irado chamou seus homens para que o seguissem.
Os olhos de Selik analisaram a área, suas costas erguidas, seu obstinado
queixo levantado insolentemente, sabendo que a multidão o via como um pária
até entre sua própria raça. Seus olhos de aço encontraram Rain e se
entrecerraram em um silencioso desafio.
Acaso esperava que ela o abandonasse como todos os outros? Ela elevou o
queixo com orgulho, retribuindo seu gesto, esperando que entendesse que ela o
apoiaria, custasse o que custasse.
Ubbi estendeu sua disforme mão e apertou fortemente a de Rain.
— Ah, anjo — disse ele suavemente.
Sem romper seu abraço visual com ela, Selik finalmente moveu a cabeça
solenemente, indicando sua aceitação a sua silenciosa promessa de lealdade.
Vários guerreiros se moveram então para seu lado, também. Os olhos úmidos
de Rain acariciaram Selik, e seu coração retumbava em seu peito com um desejo
esmagador de aliviar a dor daquele homem solitário.
Rain desejava poder apagar a desolação dos olhos de Selik e de algum
modo sabia que teria que entrar em seu inferno emocional para ajudar a
arrancá-la. Mas qual seria seu destino então? Alguma vez poderia voltar para
seu próprio tempo? E que cicatrizes ela levaria eternamente?

Capítulo 4

Rain observou com desilusão como cada vez mais e mais soldados
desmontavam suas tendas, recolhiam suas peles de dormir, e deixavam o
acampamento com enérgica eficácia. Alguns foram sob o mandato militar dos
Reis Constantine e Anlaf. Outros foram sozinhos ou em grupos, gritando
promessas de se reunir depois nas terras do norte de Ardia, ou em Dublin onde
reinavam os noruegueses, ou em Jorvik, Rain não ouviu nada sobre York.
Em poucas horas, a parte superior da planície estava quase deserta.
Ubbi cuidava das brasas para cozinhar abandonadas pelas mulheres que
tinham escapado com seus maridos. Uma dúzia de desarranjados guerreiros
que tinham escolhido ficar com Selik limpavam os escombros e ajudavam Selik
a ocultar os rastros dos guerreiros que partiam.
— Por que nós não partimos também? — perguntou Rain a Ubbi.
— O amo nunca abandonaria Tyker, e transcorrerão uns dias antes de que
ele esteja bom o bastante para viajar.
— Vai ficar seguro aqui?
— Está louca? — perguntou-lhe Ubbi com um zombeteiro bufo. — Nunca é
seguro para meu senhor quando os saxões estão por perto. O rei Atherstan pôs
um grande preço sob sua cabeça faz muito tempo, mas agora sem dúvida
também vai quer seus olhos e língua.
— Por que?
— Vocês estiveram na Grande Batalha. Não viram o saxão que atravessou
com uma lança no fim, o que elevou em sua lança e o enterrou de modo que o
príncipe balançasse sobre ela?
Rain assentiu com a cabeça ansiosamente.
— Um príncipe saxão?
Ele sacudiu a cabeça com tristeza.
— Era o próprio primo do rei Athelstan, Elwinus — nervoso, apertou as
mãos. — E ainda pior, Elwinus é o irmão daquele bastardo, desculpe meu
vocabulário, milady, mas aquele miserável Steven de Gravely, odeia Selik
apaixonadamente.
—Oh, meu Deus! Então Selik deve partir agora. Ficarei e me encarregarei de
Tyker enquanto ele se recupera. Até sermos descobertos aqui, os saxões não têm
nenhuma razão para me ferir.
Os remelentos olhos de Ubbi lhe dispararam um olhar incrédulo.
— E o que acha que fariam a Tykir? O mimariam com caldo de galinha e
vinho doce? Hah! Rapidamente cortariam todos seus membros e o deixariam
morrer sangrado.
— Não me digam que também há um preço pela cabeça de Tykir.
— Não, ao menos isso não, mas luta do lado errado nesta batalha.
— Ainda acho que Selik deveria nos deixar aqui e escapar enquanto puder.
— Oh, querida, você não entende. Ainda se não fora por Tykir, meu senhor
não a abandonaria aqui. Agora lhe pertence.
Rain se eriçou.
— Eu? Pertencer a ele? Não!
— Agora, querida, não é da minha conta. O amo a capturou em combate, e
você é o butim, como se pode dizer. Me parece que ainda não a declarou como
refém, não?
—Não me capturou. De fato, o salvei. E vamos deixar uma coisa clara, não
sou prisioneira de ninguém. Nem preciso do amparo de um maldito viking
sedento de sangue.
— Se você diz — disse Ubbi duvidando — Mas o amo leva a sério suas
obrigações. Pelo menos, faz suas melhores tentativas de proteger seus homens e
mulheres sob seu escudo, sobretudo desde que Astrid… — as palavras de Ubbi
acabaram num múrmurio e ele olhou Selik culpadamente através do
acampamento como se se desse conta muito tarde de que tinha falado demais.
— Astrid? Quem é Astrid?
Ubbi gemeu.
— Por minha vida, milady, não mencione a milord seu nome. Por favor, se
aprecia minha vida.
Rain franziu o cenho.
— Me diga quem é ela, e prometo não dizer nenhuma só palavra a Selik —
e adicionou — Por outra lado, se não quer me dizer sempre posso perguntar a
Selik.
O terror fez com que o rosto de Ubbi empalidecesse. A curiosidade de Rain
tirou o melhor dela, e exigiu com voz dura:
— Quem é Astrid?
— Sua esposa — respondeu Ubbi com desagrado, depois partiu
rapidamente antes de que ela pudesse fazer mais perguntas
Sua esposa! O coração de Rain falhou um batimento e seus ombros cairam
bruscamente. Sua esposa! por que não tinha considerado a possibilidade de que
Selik fosse casado? E por que deveria lhe importar? Era apenas uma visitante
naquele primitivo período de tempo, uma viajante do tempo que certamente
voltaria para o futuro quando sua missão fosse cumprida, fosse ela qual fosse.
Não, não tinha importância para ela se Selik era casado ou não, disse Rain a
si mesma com desenvoltura, recusando-se a escutar seu dolorido coração, que
contava uma história diferente. Sua esposa!
Selik se aproximou nesse momento, mas ela esqueceu a dor e a raiva
quando percebeu que usava seu equipamento completo de batalha. O alarme a
percorreu enquanto pressionava a mão aberta sobre o peito para tranqüilizar
seu coração que pulsava rapidamente.
Não usava a cota de malha, como no dia anterior, mas usava uma capa de
couro grosso e protetor. A coisa de manga curta, com as laterais abertas, de
couro o protegia até a metade do pescoço e usava por cima uma túnica de lã até
os joelhos e calças negras e justas. Um cinturão largo de prata engastado com
uma fivela central enorme destacava sua cintura deliciosamente estreita,
atraindo seus olhos a seus quadris. O cinturão de metal devia pesar ao menos
quatro quilos e meio, pensou ela, e devia custar uma fortuna. Os braceletes de
prata combinando mostravam os músculos da parte superior de seus braços.
Trançara os cabelos, de um loiro escuro, em uma única trança que caía
sobre suas costas. Segurava entre as mãos um elmo de couro cónico e
impacientemente mudava o peso de um pé para o outro enquanto Ubbi lhe
levava Fury selado.
Ele era totalmente violento e sombrio, e o lado pacifista de sua mente
odiava isso no homem. E era completamente sedutor e fazia seus hormônios
cantarem, o que desejava o lado ilógico de sua mente, embora fosse só durante
esse período de tempo.
Sem pensar, inclinou-se para ele, ansiando tocar sua pele aquecida pelo sol,
até que se deu conta de que os cantos de seus lábios se elevavam em um sorriso
conhecedor. Cambaleou para trás.
— Mudou tão rápido de idéia? Deseja agora… fazer sexo?
— Não, não desejo.
Em um minuto de Nova Iorque, querido.
— Sério? Me olhava como um gato faminto no inverno que repentinamente
se vê na frente de uma tigela de leite.
— Você se ama demais.
Lambendo? Bem, isso apresentava algumas possibilidades interessantes.
— Imagino que podemos discutir sobre isso depois, quando… — suas
palavras se interromperam quando alguns de seus homens se aproximaram à
cavalo e esperaram suas ordens.
— Encarregue-se de Tykir e dos outros homens feridos enquanto não pode
se encarregar deste — a sedosa sedução tinha desaparecido de sua voz,
substituída por uma ordem fria.
Concordou, percorrendo com o olhar a única tenda que sobrava como
“hospital”. Depois as palavras de Selik penetraram em sua mente, e seus olhos
dispararam até ele ansiosamente.
— Vai nos deixar?
Ele inclinou a cabeça.
— Precisamos esconder melhor os rastros da montanha. E trazer comida se
pudermos encontrar algum animal insensato o bastante perto deste
acampamento. Senão seremos convertidos em pele e ossos pela fome.
Seus frios olhos percorreram seu corpo, como se a tivesse imaginando
transformada em pele e ossos, criticamente analisando-a dos pés à cabeça duas
vezes seguidas, enfatizando exageradamente seu tamanho.
Achou ter visto um brilho de admiração em seus olhos, e ruborizou. Deus!
Tenho trinta anos e ele me faz ruborizar como uma adolescente virgem.
— Vai estar aqui quando eu voltar — pediu em voz baixa, rouca.
— E para onde eu iria? — explodiu ela zangada, tão irritada consigo mesma
quanto com ele por se deixar cair tão facilmente em sua sedutora armadilha. —
Vai voltar?
— Já sente minha falta, moça?
Salve-o, disse uma vez dentro de sua cabeça.
Rain não podia ter certeza de ser sua voz interior falando com ela ou um ser
sobrenatural. Mas não gostava disso.
— Por que se sobressaltou? — Selik lhe pergunto-lhe suavemente enquanto
dava um passo se aproximando, de maneira que ela pôde sentir o cheiro do
couro de sua camisa e seu aroma masculino pessoal. Seu hálito quente lhe
acariciou o rosto enquanto ele se aproximava ainda mais — Não é por estar
nervosa?
— Não. Só acho que Deus falou comigo — sussurrou assustada — e me
assustei.
— Não ouvi nada — seus olhos dispararam para o céu antes de baixarem
para olhá-la com ceticismo. — Você fala com Deus freqüentemente?
Ela negou com a cabeça.
— Não, nunca fiz antes de depertar aqui…
— ...para me salvar — terminou ele por ela, movendo a cabeça
negativamente arrependido. Em seus olhos havia um brilho quase
imperceptível de esperança, depois ficaram indiferentes. — Por que está
insistindo nessa história tola? Não acredito mais em Deus, e com certeza ele mal
me suporta.
— Você é cristão? — perguntou surpresa.
— Não. Oh, eu fui uma vez. Ao menos, o arcebispo Hrothweard me batizou
na igreja romana de Jorvik, como muitos noruegueses que praticam o
cristianismo com uma mão e as antigas tradições com a outra. De fato, sou um
covarde.
— Um covarde? — Rain tremeu ante o desprezo absoluto por si mesmo que
havia em sua voz.
Selik deu de ombros.
— A palavra mais ofensiva. É o maior insulto para qualquer homem, viking
ou saxão. Uma pessoa sem redenção.
Rain moveu a cabeça com energia.
— Agora é você quem se equivoca, Selik. Não estou completamente segura
do porque de Deus me mandar aqui, mas sei de uma coisa com certeza. Deus
acha que você pode se redimir.
Por apenas um segundo, Rain viu um brilho de esperança em seus olhos
prateados, mas a luz se extinguiu quase imediatamente deixando seus
desolados olhos cinzas indiferentes. E Rain soube que tinha que trabalhar
aquilo.
— Não acredito na eternidade — disse ele, percorrendo com os nódulos de
sua mão direita a linha de sua mandíbula em uma carícia leve — mas ainda
aprecio momentos de prazer. Agora que vejo seus méritos como curandeira,
talvez te mantenha ao meu lado por mais tempo. E talvez compartilhemos um
desses momentos. Ou dois. Na verdade, faz muito tempo que não sinto esses…
desejos.
Uma emoção doce percorreu Rain diante as arrogantes palavras de Selik.
Antecipação. Imaginação. Fantasia. Lutou com todas as forças pelo controle, e a
lógica ganhou.
— Não há como ser um prazer momentâneo — especialmente com uma
esposa envolvida. — Melhor reprimir esses desejos.
Selik simplesmente riu, depois teve o decaramento de dar um tapa em seu
traseiro que parecia querer dizer “espere e verá”. Indignada pela liberdade que
ele tomou, tentou bater em sua mão, mas ele já estava além do seu alcance.
Tomando as rédeas que Ubbi lhe dava, Selik colocou o pé esquerdo no estribo e
de um salto, montando na sela com a graça de um atleta.
— Aqui está Fúria — disse Ubbi, dando a ele uma espada impressionante, a
mesma com que Selik tinha lutado no campo de batalha. — A amolei para você.
— Fúria! Pôs um nome na sua espada? Isso é um crime! Seria a mesma coisa
de eu dar um nome a meu bisturi. Na verdade pensei nisso algumas vezes —
disse ela sem cansar, tentando entender suas emoções turbulentas. — O paciente
teria que ser muito agradável, não acha?
Selik a ignorou completamente.
— Obrigado, Ubbi, por amolar a lâmina. Você é meu braço direito.
Ubbi resplandesceu como se Selik tivesse lhe dado o mundo com esses
poucos elogios, e Rain passou a acreditar que podia haver um lado terno
naquele viking feroz.
— Mantenha as peles de minha cama quentes para mim — disse depois a
Rain, a tirando de qualquer espécie de elogios que tivesse guardado para ele.
Então ele segurou seu olhar e lhe piscou um olho malevolamente.
Rain disse uma palavra extremamente vulgar, uma que nunca tinha usado
antes, mas que de certo modo parecia apropriada agora. Pelo visto, era um
termo anglo-saxão que tinha persistido através dos séculos porque os olhos de
Selik se abriram com surpresa e compreensão perfeitas, e Ubbi exclamou em
estado de choque:
— Milady?
Selik riu sufocadamente enquanto punha o elmo de couro.
— Lembrarei desse sentimento, doçura.
Doçura!
Rain observou zangada como Selik partia, rindo, com seus homens. Apesar
da irritação e o fato de que esse guerreiro miserável e provocador tinha esposa,
o som da palavra, doçura, esquentou durante muito tempo seu coração.
Durante o resto do dia, Rain atendeu Tykir e uma dúzia de soldados feridos
que tinham ficado para trás. Seu trabalho terminou com uma dúzia de homens
mortos antes dos exércitos partiram aquela manhã. Levaram seus feridos com
eles em trenós e grosseiras tipóias. Logo ficou evidente por que os escoceses e
noruegueses tinham deixado seus soldados feridos com eles. Nenhum tinha
alguma possibilidade de sobreviver.
Entretanto, Rain trabalhou desesperadamente para aliviar a morte deles, se
inclinando finalmente para a acupuntura quando o Davon e as aspirinas
terminaram. Três deles morreram antes do anoitecer. Um quarto não veria a
manhã chegar.
A escuridão já tinha descido quando Rain abandonou a tenda, sabendo que
Tykir dormiria durante toda a noite. Colocara nele várias agulhas de
acupuntura em lugares estratégicos do corpo para aliviar a dor, e como
precaução ordenara a um dos soldados de Selik que ficara prender Tykir
firmemente à mesa para que não as movesse acidentalmente enquanto dormia.
Quando caiu cansada no chão perto da fogueira usada para cozinhar, Ubbi
deu a ela uma tigela do guisado que tinha sobrado da manhã e um pedaço de
pão preto seco. Para Rain, estavam deliciosos, e teve que se refrear para não
lamber a terrina de madeira.
— Quer mais?
Ela negou com a cabeça.
— Não, guarde o resto para quando Selik e seus homens voltarem —
repentinamente se deu conta de quanto tempo fazia que tinham partido e olhou
em volta do acampamento, inquieta. Mais duas pequenas fogueiras ardiam
intensamente onde os homens tinham colocado suas peles de dormir, e onde
alguns soldados vigiavam lugares-chave ao longe. Exceto Selik. — Selik já não
devia ter voltado?
Ubbi encolheu os ombros.
O que faria se Selik não voltasse? perguntou-se Rain, dando-se conta de
que, apesar da natureza vulgar e violenta, Selik era sua âncora naquele salto
através do tempo. Sem ele, com certeza mergulharia no… no quê? A morte? O
limbo? A reencarnação? De todas as escolhas possíveis, em nehuma momento
Rain considerou a possibilidade de voltar para o futuro. De alguma maneira,
suspeitava que tinha sido enviada a essa época do tempo com um propósito.
Para salvá-lo.
Rain gemeu por causa da voz em sua cabeça, duvidando até que fosse seu
subconsciente quem falava ou qualquer outra coisa. Oh, Senhor!
Te escuto.
Rain andou cambaleando e seus olhos se lançaram em torno da fogueira
onde Ubbi trabalhava esforçadamente, pondo as brasas em um canto e
limpando os utensílios.
— Não acho que é engraçado, Ubbi. Nem caí nessa.
— Anh?
— Oh, não se faça de inocente. Sei que estava se fazendo passar por Deus,
falando com aquela voz profunda.
— Deus? — disse Ubbi com um ofego. — O que te disse, anh, Deus?
Ela se levantou zangada e lhe lançou um olhar enquanto ele a olhava
estupidamente através da fogueira, boquiaberto e incrédulo. Era óbvio que ele
não dissera nenhuma maldita palavra.
— Devo ter me enganado — resmungou ela enquanto se afastava da
fogueira, dando a volta depois abruptamente e voltando. — Onde dormirei essa
noite?
Ele encolheu os ombros.
— Na tenda de campanha de milord, é obvio.
— Humph! Ele não tem idéias geniais. Na verdade, se você o vir antes de
mim, diga a ele que ponha suas mantas de dormir aqui, ao lado da fogueira.
Não tenho intenção de voltar a compartilhar sua cama.
— Mas por que? — perguntou Ubbi, aparentemente aturdido por alguma
mulher considerar menos que uma honra compartilhar a cama de Selik.
— Nunca durmo com homens casados.
Ubbi moveu a cabeça de um lado para outro como se tentando entender as
palavras estranhas.
— Homens casados? Mas quem… querida, parece que não compreendeu
minhas palavras antes.
— Oh, as entendi perfeitamente, mas não se preocupe com isso. Esse
problema é meu, e pode ter certeza de que o resolverei.
— Mas quer que eu diga ao meu amo que durma aqui, no lado de fora, e no
chão? — perguntou completamente assombrado, depois zombou — Me
esmagaria com seu escudo por essa sugestão.
— Falarei com ele sobre isso amanhã — o reconfortou ela. — Mas enquanto
isso, somente lhe diga... —agitou a mão no ar, procurando as palavras
adequadas. — Oh, somente lhe diga que ronca muito e não quero ser
incomodada.
Voltou a mudar de direção, sorrindo, apesar de si mesma, pelo baixo som
sufocado que Ubbi fez atrás dela enquanto ia para a tenda de campanha.
Um soldado lhe falou sobre um pequeno lago alimentado pela primavera
na extremidade mais afastada da clareira, há um quarto de milha de distância.
Procurou no baú de Selik até encontrar uma túnica verde de lã velha e limpa,
um pouco de sabão, e tecidos que serviriam como toalhas. Meia hora mais tarde,
apesar da água e do ar frio, sentou-se molhada com a água até os joelhos, depois
de ter ensaboado e enxaguado os cabelos e o corpo várias vezes e ter lavado
suas roupas íntimas, suas calças e sua blusa. Depois de se secar, pôs um pouco
de um vidrinho de amostra de “Paixão” atrás das orelhas e na base do pescoço.
Era incrível o que um bom perfume podia fazer pela auto-estima de uma
mulher. E era uma ligação com o futuro que de alguma forma precisava nesse
momento.
Quando voltou para a tenda de campanha de Selik, ele ainda não tinha
voltado. Mordeu o lábio inferior com inquietação enquanto punha suas roupas
molhadas sobre o baú de madeira. Resmungou sem parar enquanto andava pela
pequena tenda de campanha, pegando objetos, arrumando outros, esperando
que seu viking proscrito voltasse.
Finalmente, bocejou amplamente e decidiu que era uma idiota por
continuar esperando. Tirou a túnica quente de Selik e a dobrou cuidadosamente
aos pés da cama, usando sua calcinha e seu sutiã delicados, que já tinham
secado. Deslizando sensualmente entre as peles, rapidamente adormeceu.
Como na noite anterior, dormiu profundamente. Nenhum guerreiro
primitivo lutou violentamente em seus sonhos, mas logo seu sono ficou
inquieto.
Como em um vídeo de Michael Jackson no qual os rostos se passavam se
misturando fantasiosamente de uma personalidade a outra, o herói do sonho de
Rain tinh alternadamente o rosto de Daniel Day Lewis, Kevin Costner e Selik.
Principalmente a imagem de Selik, mas era um Selik que ainda tinha que
conhecer.
Nem as cicatrizes ou o nariz quebrado prejudicavam a pureza de seu rosto.
Tinha desaparecido as linhas que a dor e a fúria tinham gravado sem piedade
nos cantos de sua boca sensualmente cheia e seus olhos com íres prateadas. Este
era o viking maravilhosamente belo que sua mãe lhe tinha descrito antes de que
as tragédias da vida o transformassem.
Em seu sonho, o homem Daniel/Kevin/Selik se ajoelhou no chão ao lado da
cama de peles cheia de palha, usando apenas uma rudimentar tanga. Ele se
deitou sobre ela, sussurrando palavras suaves, e extranhamente ela era incapaz
de se mover, com os braços imobilizados nas laterais. Com cuidado, ele se
curvou e seus compridos cabelos loiros, como uma malha de fios suave como
teias de aranha, roçaram-lhe o braço nu. Ela estremeceu pelo choque elétrico que
tinha sentido com a simples carícia em sua pele nua.
— Tão bela — sussurrou ele enquanto os dedos calosos de suas fortes mãos
roçavam seus braços, dos pulsos aos ombros.
Todos os rostos e corpos se juntaram nesse instante e se converteram em
um, seu viking proscrito.
Rain ronronou levemente, o que causou um sorriso de aprovação em seu
amante. Sentiu-se bela, provavelmente pela primeira vez na vida. Nem muito
alta ou ossuda ou pouco feminina. Simplesmente perfeita. Podia ver a
admiração, e algo mais, nos ardentes olhos de Selik quando se travaram nos
seus em uma arquejante pulsação. A terra se inclinou embaixo dela e pareceu se
deter.
As pontas de seus dedos roçaram as bordas suaves de sua clavícula,
delicadamente, depois avançaram até a linha de seus lábios entreabertos. Ela
desejou se erguer e beijar aqueles lábios firmes, sensualmente sublimes, que sem
parar se moviam sobre ela, mas não conseguia se mover. Só sentir.
Ele afastou a mão um pouco e Rain choramingou:
— Por favor. Não me deixe.
Seus olhos cinzas se encheram de ternura, e com uma voz que parecia
chegar de longe, sussurrou suavemente:
— Nunca. Até o fim dos tempos, meu amor.
Em seu sonho a pele de seu amante brilhou com vislumbres palidamente
dourados à luz trêmula da vela. Os músculos ondearam em seus ombros fortes e
em seu peito enquanto movia as mãos para explorar seu corpo tenso. E, Oh,
Amado Deus, o sangue corria em cada um dos lugares que ele tocava com a
leveza de uma pluma, acendendo pequenas fogueiras de desejo que
despertavam seu interior.
As mãos dele deslizaram por seu rosto, por seu pescoço, através do vale
entre seus seios presos pelo laço do sutiã cor de carne, queimando no caminho
até seu abdômen. As palmas abertas de suas grandes mãos acariciaram os
planos macios de seu ventre, desenhando círculos invisíveis de vertiginoso
prazer.
Depois voltou a subi-las, muito lentamente, e suavemente tocou seus
rígidos mamilos, fazendo-a gritar alto ao chegar ao topo do prazer.
— Shhh, doçura. Devagar. Devagar.
Mas Rain estava muito além do pensamento racional, além de poder frear
sua paixão acelerada ao máximo, muito além de tudo o que já tinha
experimentado ou acreditado possível que uma mulher respondesse. Com
algumas carícias, aquele homem a tinha transformado em uma contorsionante e
choramingante massa de carne desesperada para se unir-se àquele viking de
sonho, àquele guerreiro proscrito.
Ela baixou o olhar e viu sua ereção através do tecido da tanga. E seu desejo
por Rain a excitou ainda mais. Desejou tocá-lo, mas seus braços permaneciam
nos lados, no sonho.
Como se suspeitasse que ela não tinha o suficiente, Selik roçou os suaves
montes de seus seios até o v em suas coxas. Colocando a palma de sua mão
contra a fenda sedosa, com os dedos indicadores entre suas pernas, pressionou
uma vez, duas, mais, ritmicamente, até que seu corpo explodiu em um milhão
de pedaços, no clímax mais intenso que ela já tinha experimentado.
Quando sua respiração finalmente se acalmou, Rain disse em um receoso
sussurro ao homem cujo rosto já não variava, mas era o de Selik, somente o de
Selik:
— Estive te esperando por toda minha vida. Agora sei porque fui mandada
para aqui.
Repentinamente os olhos de Selik se encheram de um intenso desejo.
— Nunca esperei voltar a te ver, Astrid.
Ao princípio, a mente de Rain se negou a captar o significado das palavras
de Selik. Mas então, através do rugido em seus ouvidos, escutou uma só
palavra, repetidas vezes, ecoando em seu cérebro atordoado pela paixão:
— Astrid! Astrid! Astrid!
A esposa dele.
Selik se levantou e deixou cair o tecido, extremamente confiante em sua
masculinidade. Se dispunha a se unir a ela nas peles da cama, para fazer amor
com ela. Não, não com ela, Rain se deu conta… com sua esposa.
Seus trêmulos olhos cinzas vidrados e nublados chamaram sua atenção, e
percebeu a desorientação, quase idêntica a de ontem, quando o vira no campo
de batalha depois de seu louco ataque de violência.
Oh, não! Rain despertou rapidamente e logo se deu conta de que não era
um sonho.
Seus olhos examinaram a área da tenda de campanha e viram a razão de
seu estranho comportamento. Sua túnica ensangüentada e sua espada estavam
onde ele as tinha deixado na terra, ainda molhadas com o sangue dos que sem
dúvida tinha destruído esse dia. Era o desejo de morte o que o levou a ela, não a
luxúria por seu corpo. E certamente não o amor. Isso aparentemente reservava
para a esposa que prendia seu coração.
Rendera-se por completo à sedução magistral de Selik, deixando todas suas
defesas cairem como nunca fizera antes, mas ele não a queria. Pensara que ela
era sua esposa. Sua garganta doía pela derrota, e não podia falar sobre seu
intenso senso de perda.
Bruscamente, Rain se levantou e se afastou de Selik. Seu rosto ardia de
vergonha por sua fácil capitulação. Consciente do humilhante escrutínio de
Selik, soube o instante em que a violência e a fúria substituíram sua paixão por
causa do vermelho intenso.
— Esse é o tipo de jogos que faz com os homens, os que mencionou ontem,
esses das paixões ruins? Fica quente, depois fria, com todos seus homens? Ou
só comigo? É uma dessas mulheres que sente prazer ao brincar com os homens?
—Não — negou ela, encontrando finalmente a voz. — Estava dormindo…
sonhando. Você se aproveitou de mim.
Ele bufou grosseiramente, pondo calças frouxas, e erguendo uma
sobrancelha zombeteiramente.
— Lady, seu calor de mulher virtualmente queimou todos os pelos de meu
corpo.
Rain ergueu o queixo com rebeldia, não se escondendo atrás de falsa
modéstia.
— Você está certo. Eu te quis. Por um momento de loucura. Até que me
lembrei.
— Lembrou o que?
— Que é casado, bastardo trapaceiro — explodiu ela, chegando a seu limite.
— Que tem uma esposa, Astrid, que provavelmente está em uma casa em algum
lugar rodeada por um montão de crianças. Que não quis fazer amor comigo.
Pensou que eu era sua esposa.
Rain afastou com um tapa as lágrimas que ardiam em seus olhos e tentou
dar meia volta, sem querer que Selik continuasse presenciando sua humilhação.
—Vá embora. Apenas me deixe só.
Se seguiu um longo silêncio, no qual Rain não ouviu o sussurro de tecido
que indicaria que Selik deixara a tenda. Finalmente, começou a girar levemente
para ver o que ele estava fazendo.
Estava no mesmo lugar de antes, cravando simplesmente seus olhos nela,
horrorizado.
—O que sabe sobre Astrid?
Selik estava confuso e desorientado. Estivera fora durante todo o dia. Tanto
sangue. E assassinatos. Os prisioneiros. Os gritos. Seu cérebro zumbia por todo
aquele horror, pela violência com a qual estava incomodado, intranqüilo após
todos aqueles anos.
Ele passou as mãos pelos cabelos e os puxou, duramente, para clarear a
cabeça.
A alta mulher loira se elevava ante ele como uma deusa majestosa, com
seus cabelos de ouro desarrumados, caindo por suas costas, sobre seus ombros,
acariciando os montes sob a peça íntima da cor de carne. E o fita que combinava
com o material mal ocultava sua feminilidade claramente delineando a suave
curva de seus quadris e sua cintura estreita e atraindo a visão para as pernas
que eram extremamente longas e atraentes.
Aquela não era Astrid, sua esposa pequenina com ossos pequenos e
delicadas formas, tímida. Não, Astrid tinha morrido, e aquela mulher, aquela
mensageira dos deuses, ou era o que ela dizia, era escultural, com músculos
firmes, voluntariosa… uma mulher que estaria ao lado de um homem, não atrás
de seu escudo. Era magnifica.
— Não, não é Astrid — disse ele, dando-se conta muito tarde de que havia
dito as palavras em voz alta.
A dor que tinha nublado seus belos olhos doces se transformou
rapidamente em afronta. Encolerizada, ela se abaixou para pegar uma túnica
dele que estava perto de seus pés, lhe dando por um breve momento, antes que
se endireitasse, uma visão melhor de seus tentadores seios que pendiam seguros
nas taças de seu sutiã. E sentiu que sua virilidade ficava mais rija.
— Não me olhe assim, sapo luxurioso.
Sua boca se fechou de repente, e vestiu bruscamente a túnica. Sem cinturão,
a roupa de lã de mangas curtas caía até seus cotovelos e o meio do quadril. Por
alguma estranha razão, ele gostava da idéia de que ela usasse sua túnica.
Poderia cheirar seu perfume no tecido? Gostava da idéia de usar algo que
também havia tocado sua pele?
Pelo sangue de Thor! De onde vinham aquelas idéias? Essa moça estranha,
ou qualquer outra, não me importa em nada.
— Vejo que esteve fora saqueando e voltando a saquear — grunhiu ela,
apontando para sua espada e suas roupas ensangüentadas perto da entrada da
tenda.
— Não saqueando — sorriu ele aberta e zombeteiramente.
— E acha que isso desculpa sua violência? Maldito militar! Assassino!
Você…
— Como ousa me provocar me condenando? Simplesmente tenho razões
para matar. Não faço nada que não tenha sido feito repetidas vezes ao meu
povo.
— Oh, como odeio a guerra e a luta e os homens que perpetuam o princípio
de que se têm que fazer as coisas pela força!
Selik não podia evitar ver as lágrimas que nublavam seus luminosos olhos,
embora ela piscara repetidamente, tentando ocultá-las de sua vista, como se o
ato de chorar para uma mulher fosse uma fraqueza. Que moça estranha!
— Vá dormir. Sua língua ferina faz minha cabeça doer — disse ele enfim.
Aquele tinha sido um longo dia, e sua cabeça, de fato, martelava. Um toque de
defuntos, pensou arrependido. Por ele, ou pelos outros teve que matar nesse
dia? Esfregou o rosto com a mão. Pelo martelo de Thor! A moça enche meu saco com
sua conversa sarcástica.
— Não passarei a noite na mesma cama que você — declarou
veementemente ela, elevando seu queixo em desafio. — Se esqueça disso,
destruidor, se acha que vai poder continuar de onde parou.
— O que te faz pensar que te desejo? — ele disse com voz dura. Sua ousadia
não tinha mais graça.
— Vá para o inferno. Melhor, vá para sua esposa, seu… adúltero.
A moça o pressionava muito. Não gostava de falar sobre sua esposa.
— Te perguntei antes, quem te falou sobre Astrid?
— Você falou.
Ele arqueou uma sobrancelha incrédulo.
O rosto dela ficou corado.
— Disse seu nome quando… quando… Oh, sabe muito bem quando.
O rosado de suas faces tinha se aprofundado.
— Só que nunca mencionei que era… minha esposa.
— Oh, que importa? Ubbi me contou.
Selik fico rígido de cólera.
— Ele não fez bem — disse com uma voz gelada que prometia vingança.
Dando-se conta de que poderia ter posto Ubbi em perigo, acrescentou
rapidamente:
— Não foi culpa dele. O chantagiei para que me contasse. E não haja com
ares de superioridade comigo… ou com Ubbi. É o único que engana sua esposa.
— Nunca enganei minha esposa.
— Hah! Então tem uma estranha definição sobre enganar. Eu chamo o que
fez de enganar, e sem dúvida digo que o que teve intenção de fazer era enganar.
Onde desenha a linha fronteiriça, senhor?
— Neste momento desenho a linha em sua língua afiada — disse ele,
cansado das imprudentes recordações a respeito de sua amada esposa. — Deite
nas peles da cama. Agora.
De novo, o desafiou tolamente. Quanto mais ele se aproximava, mais ela se
afastava, pelos limites da pequena tenda. Espreitando com um sorriso feroz o
animal indefeso, a presa que ela era. Quando ela estava junto à entrada da
tenda, a ponto de saltar para fora, ele saltou num bote, agarrando-a pela cintura
e levantando-a facilmente em seus braços.
Durante um momento, ela não lutou enquanto sua boca se abria em um
claro assombro.
— Você me levantou.
— Que inteligente de sua parte ter se dado conta.
— Mas sou muito grande. Nunca ninguém me levantou.
— Olhe de novo, doçura. Seus pés fazem cócegas em minhas coxas.
Voltou a lutar contra ele, chutando, arranhando, empurrando, em vão. Com
um braço sob suas longas pernas, apertou-a contra seu corpo com uma pressão
de aço. O outro braço envolvia seus ombros, imobilizando-a contra seu peito
com o rosto firmemente metido no vão de seu pescoço. Inalou com força a
essência de flores sedutora que emanava de seu pescoço, o mesmo aroma que
tinha notado no dia anterior quando a tinha perseguido pelo bosque.
Com três passos longos, andou até as peles de cama, abaixou-se com
agilidade sem soltá-la, depois a obrigou a se deitar junto a ele. Cobriu a ambos
com as peles da cama.
Com um grunhido, pôs uma perna sobre as dela. Obrigou-a a pôr a cabeça
sobre seu braço esquerdo e pôs seu braço direito sobre seu busto.
Quando finalmente deixou de lutar depois de chamá-lo com um nome
estranho, “Imbecil!”, o que suspeitava não ser um elogio, começou a saborear a
doçura de apenas segurar entre seus braços uma mulher outra vez.
— Que perfume é esse? — sussurrou ele, lhe acariciando o pescoço com o
nariz.
— Talvez seu aroma corporal — explodiu ela.
Ele riu sufocadamente.
— Não, é um aroma doce. Parecido com o das flores. É especialmente forte
aqui — percorreu com a língua o longo caminho até onde se movia seu pulso,
na base de seu pescoço.
Ela arquejou, e Selik sorriu contra seu pescoço, dando-se conta de sua
involuntária resposta. Como aquela mulher podia dizer que não desejava ser
parceira de nenhum homem quando respondia tão rapidamente ao toque de
um?
— “Paixão”.
— O quê?
— É “Paixão”, tolo.
— Aah, agora entendo. Algumas mulheres exalam um almíscar de paixão
quando seus corpos se preparam para transar. Só que nunca ouvi falar de
alguma que cheirasse a flores.
— Oh, imbecil! Na verdade você é um egoísta. “Paixão” é o nome de meu
perfume.
Durante um momento, Selik não entendeu. Depois riu.
— Realmente, você é impressionante. Zomba de mim por eu pôr um nome
em minha espada, e põe um nome em seu perfume.
Rain lhe deu uma cotovelada nas costelas e se meteu nas peles da cama,
bocejando amplamente.
— Todos os perfumes têm um nome em meu tem… país. Não é o mesmo
que pôr um nome em uma arma ou bomba… ou uma estúpida espada —
explicou ela, bocejando.
— Deixe de se mexer assim — sorriu ele, sabendo que ela se indignaria
pelas coisas impiedosamente maravilhosas que fazia a sua virilidade. — E tente
não se incomodar com meus roncos. Isso é o que disse a Ubbi, não?
— Ubbi fala demais.
— Realmente, ele fala.
Quando ela passou muito tempo quieta, Selik disse suavemente:
— Rain?
— Hmmm?
— Está acordada?
— Mais ou menos.
— Astrid está morta.
Ao princípio, seu corpo ficou tenso e silencioso. Não teve certeza de que ela
lhe tivesse ouvido. Na verdade, não soube porque havia sentido a necessidade
de lhe dizer a verdade, para se redimir ante seus olhos.
Por fim, ela girou entre seus braços e o olhou através da luz trêmula da
vela. Parecia procurar em seu rosto as respostas que ele não podia dar.
— Oh, Selik — sussurrou com uma voz tão suave que mal a escutou.
Depois ela pôs o rosto contra seu peito e pôs seus braços ao seu redor. — Oh,
Selik.
Pela primeira vez depois de doze anos, sentiu as brumas das lágrimas em
seus olhos, e adormeceu, curiosamente consolado.

Capítulo 5

Quaisquer sentimentos por Selik que Rain pudesse ter desfrutado após
descobrir que sua esposa estava morta se desvaneceram no segundo em que ela
saiu de sua tenda na manhã seguinte. Quinze prisioneiros se sentavam no chão,
trêmulos, perto da grande fogueira feita para cozinhar, com os pés e mãos
atados, cada um unido ao outro por uma longa trela de corda, como contas de
um colar.
Vários dos soldados de Selik os guardavam de perto com letais espadas
preparadas. Não que algum dos prisioneiros parecesse capaz de oferecer perigo.
Estavam esquálidos, mal vestidos para a fria manhã outonal, machucados, e até
bem feridos. Com razão o sangue tinha manchado a espada e as roupas de Selik
na noite anterior. Aparentemente, não tinha estado caçando unicamente algo
para comer.
E, Oh, meu Deus, havia três mulheres atadas na trela de corda também.
Eu o matarei. Juro, jamais tive um pensamento violento em minha vida, mas
matarei esse maldito viking por isso.
Rain examinou o acampamento inteiro, mas não havia sinal de Selik nem
dos soldados que tinha levado com ele ontem em sua expedição de “caça”. Os
lábios de Rain se franziram de desprezo, e apertou iradamente os punhos em
seus quadris.
— Ubbi, onde está seu senhor? — Rain exigiu saber imperiosamente
quando investiu sobre o fiel servo, que estava mexendo uma bebida
horrivelmente mau-cheirosa sobre o fogo. Fosse o que fosse cheirava como se
tivesse grudado no fundo do caldeirão, e uma grande quantidade de óleo
flutuava na parte de cima. Maravilhoso! Guisado de animal esquartejado.
Ubbi ergueu o olhar e lhe perguntou agradavelmente:
— Dormiu bem ontem à noite, minha senhora?
Rain grunhiu impaciente ante sua incapacidade de responder sua pergunta.
— Voltou ao campo de batalha — manifestou a contragosto.
Essa não era a resposta que Rain esperava.
— Para quê?
— Para sepultar seus mortos.
Rain bufou ruidosamente, exasperada.
— Ele está completamente louco? Seus homens estão mortos. Não há mais
nada que possa fazer por eles.
Ubbi deu de ombros.
— O amo se culpa por levar os homens ao combate quando não tinha visto
corvos antes.
Rain se esforçou para permanecer calma.
— Ubbi, do que está falando?
— Bem, é algo sabido que quando há corvos por perto, os vikings serão
vitoriosos. E não se viu um só corvo durante todo o dia anterior nem durante o
Grande Combate — bateu no peito, como se estivesse compartilhando uma
grande sabedoria.
Rain bufou desdenhosamente.
— Que monte de superstições tolas!
— É verdade — insistiu ele obstinadamente.
— Isso não tem importância. Como pôde deixar que Selik voltasse ao
campo de batalha? Não estava preocupado com ele? Com certeza os Saxões
ainda guardam aquele lugar. Poderia ser assassinado — Rain não tinha certeza
por que ainda se importava com esse assunto. Afinal de contas, com certeza ela
mesma o tinha procurado com instinto assassino há pouco.
— É desonroso para um Viking deixar que os abutres façam um banquete
com as vísceras de seus companheiros caídos — lhe assegurou.
— E é honrável tomar prisioneiros? E maltratá-los tão horrivelmente? —
grunhiu Rain, fazendo um gesto com a mão para os presos próximos, que a
olhavam silenciosamente através da fogueira.
Os olhos nublados de Ubbi se ergueram para ela com surpresa.
— Não há desonra em tomar escravos depois da batalha. Os Saxões, com
toda certeza, pegaram uma quantidade eqüivalente de escoceses e Vikings
depois do Grande Combate. Pode ter certeza disso.
— Mas o que fará com eles?
Ubbi curvou seus ombros cheios de erupções.
— Talvez possam valer algum resgate para os Saxões, embora eu duvide, é
um lote sem valor.
Rain ergueu as mãos enojada.
— Oh, só me dê sua faca para eu mesma poder libertar os prisioneiros.
Ubbi retrocedeu um pouco, mantendo fora de seu alcance a afiada lâmina
que vinha usando para cortar o que pareciam ser vários coelhos esfolados.
— Não, não posso.
Um guardião ruivo, um homem com um enorme peito que parecia um
barril e que cestia uma túnica de couro e um desalinhado manto de peles, olhou
ameaçadoramente para ela.
— Qual é seu nome? — exigiu-lhe saber com mais auto-confiança da que
sentia.
— Gorm — grunhiu ele, erguendo-se ominosamente sobre ela, com uma
espada muito afiada em uma mão. O fétido aroma de carne sem lavar e o mau
fôlego assaltaram Rain, mas resistiu a retroceder nem um passo.
— Solte essas pessoas imediatamente.
O gigante com forma de urso sorriu zombeteiro.
— Não é condenadamente provável.
— Estou lhe dizendo isso, Worm1.
— Não é Worm, mas Gorm — a corrigiu com voz gelada, e deu um passo
se movendo para mais perto, tocando a lâmina com a mão.
— Sim, bem, Gorm, quero que esses prisioneiros sejam libertados. E quero
que seja agora mesmo.
Ele riu sufocadamente com zombaria e lhe deu um rude empurrão.
— Volte para a tenda de seu amo e mantenha as peles do leito quentes.
Você mesma é pouco mais que uma escrava. São apenas suas habilidades na
cama que a impedem de estar no mesmo lote que essas pessoas.
Rain olhou para Ubbi em busca de ajuda.
— Diga a esse imbecil que não sou uma escrava.

1
Trocadilho intraduzível entre os nomes de Gorm e worm, verme em inglês. (N.R.)
Para sua consternação, Ubbi baixou a cabeça, culpado, e murmurou:
— Bem, é mais uma refém que uma escrava.
— Ubbi! Pensei que fosse meu amigo.
Seus olhos se arregalaram como se estivesse se perguntando de onde ela
tinha tirado tal idéia. Afinal de contas, só a conhecia desde o dia anterior.
— Escrava ou refém, não importa para mim — declarou com desprezo
Gorm, lhe dando outro tranco, dessa vez mais forte. — Eu mesmo posso arar
seu traseiro magro.
— Não se atreveria.
— Não? Melhor que permaneça fora de meu caminho ou vai descobrir. De
qualquer modo, vá à tenda de seu amo, ou te prenderei com os outros
prisioneiros até seu senhor retorne.
— Não será preciso — argumentou Rain desafiante. — Eu mesma o farei.
Rain andou orgulhosamente até a linha de prisioneiros e se sentou no fim,
atando a extremidade da corda em seus tornozelos em um simbólico nó de
prisão. Ubbi ofegou e Gorm ficou boquiaberto, revelando que lhe faltava um
dente da frente. Rain não pôde evitar se sentir nobre, era como a vez em que ela
e seus companheiros pacifistas se prenderam à grade da Casa Branca para
protestar contra o incremente dos gastos militares.
— Gawd! É uma maldita idiota? — A corpulenta mulher próxima a ela se
moveu para tão longe dela como a corda permitiu.
— Não, sou médica e… — o tom amarelado da pele da mulher atraiu sua
atenção então, e lhe perguntou com interesse — Durante quanto tempo está se
sentindo doente? Talvez possa ajudá-la — Rain sabia que a cor da pele podia
indicar algo tão sério como um tumor ou um transtorno do fígado, ou apenas
uma deficiência em vitamina K, facilmente curável.
Os olhos da mulher se arregalaram horrorizados.
— Me afastem dela. Uma curandeira! Oh, Senhor, deve ser uma bruxa ou
uma feiticeira. Me ajudem! Provavelmente tem o olho do demônio.
Gorm se plantou firmemente e bateu nos dois lados da cabeça da mulher,
fazendo com que caísse fracamente no chão, onde gemeu alto.
Rain começou a protestar, mas ele sacudiu um imundo dedo diante seu
rosto.
— Se comporte, moça. Pode divertir o amo até que seu membro caia, mas se
não fechar a boca, te prenderei sobre a fogueira como a bruxa que essa feia velha
te acusa de ser.
Ubbi a estava olhando, com os olhos arregalados de consternação.
— Senhora, volte à tenda. O amo não gostará disso.
— Não. Se eu sou uma prisioneira, não quero ser tratada diferente de todo o
resto.
Ubbi ergueu os olhos para o céu.
Durante quase meia hora, Rain se sentou entorpecidamente em rigoroso
silêncio no chão frio, tremendo a cada vez que o vento soprava. Mesmo com a
túnica de lã de Selik jogada sobre suas calças e blusa de seda, começou a sentir
calafrios.
Enfim, aborrecida, seus olhos começaram a vagar por seus companheiros
prisioneiros. Inalou com força quando se depararam com um jovem Saxão, que
estava caido totalmente inconsciente contra a mulher que estava ao seu lado.
Gotejava-lhe sangue de uma profunda ferida do ombro onde sua armadura de
couro tinha sido cortada.
— Ubbi, venha e ajude a esse homem — gritou alarmada. — Precisa que
suas feridas sejam curadas.
Ubbi deliberadamente a ignorou, continuou com o olhar sobre a carne dos
coelhos mortos. Seu rosto vermelho delatava o fato de tê-la ouvido e escolhido
não lhe responder.
— Gorm, solte esse homem da corda e leve-o à tenda hospital para que seja
atendido.
Gorm, o insolente bastardo, lançou para seu lado um feio sorriso e cuspiu
no chão perto de seus pés.
Rain mordeu o lábio inferior, incapaz de ignorar um paciente que precisava
de sua ajuda tão desesperadamente. Finalmente, ficou em pé, irritando a mulher
que estava a seu lado, que ainda se encolhia de medo, e se queixou:
— Bem, se ninguém mais vai ajudá-lo, eu o farei — desamarrou as cordas
dos tornozelos e foi à tenda pegar seu exíguo estojo de primeiros-socorros.
Ubbi sufocou a duras penas uma risadinha de diversão ante a estranha
interpretação de prisão dela. Ela o olhou até ele baixar a cabeça, mas não antes
de que a sacudisse admirando suas bobagens.
Rain afrouxou as cordas do jovem, que mal parecia ter saído da
adolescência, e o ajudou a caminhar para a tenda. Apesar dos protestos do
guarda do hospital, logo ele teve o ferimento de espada limpo e suturado. Não
era tão grave como tinha pensado no começo.
Tentou acalmar seu paciente enquanto costurava o corte de dez centímetros
de comprimento.
— Como se chama?
— Edwin.
— De onde é, Edwin?
— De Winchester — respondeu ele cautelosamente.
— Lutou na batalha do Rei Athelstan?
Assentiu lentamente, como se não tivesse a certeza de poder confiar nela.
— Por que não voltou para Wessex com o rei e suas tropas?
— Porque fui um maldito imbecil — grunhiu. — Voltei para o
acampamento e por minha mulher, e ela não queria viajar no escuro. O escuro!
Agora temos muito mais a temer que a escuridão.
— Tenho certeza que tudo vai ficar bem assim que Selik voltar — lhe
assegurou ela.
— É a mulher do Proscrito? — perguntou, afastando-se um pouco dela.
— Não, o ajudei a escapar do campo de batalha e…
— Ajudou aquela besta a escapar?
Rain enrijeceu.
— Não chame Selik de besta. Eu não gosto.
O lábio superior do homem se curvou desdenhosamente.
— Falo sério, Edwin. Ele não é mais besta que você ou qualquer outro
homem.
Os olhos do Edwin se entrecerraram especulativamente enquanto a
estudava quando prendeu o fio e cobriu sua sutura com uma atadura limpa de
linho.
— Viu alguma vez um homem depois de um gentil Viking lhe arrancar o
couro cabeludo? Só uma besta arrancaria o couro cabeludo de um homem. E te
garanto que um homem tão cruel como o Proscrito não é diferente de outro
maldito Viking.
A princípio, Rain não podia entender o que Edwin queria dizer. Logo
ofegou e as lágrimas se acumularam em seus olhos.
— Está mentindo. Selik nunca faria algo tão desumano.
— Sério? — a fúria fez com que o imundo rosto de Edwin se transformasse
em uma feia máscara. — Quero que saiba, minha senhora, que será melhor que
a besta me mate, e logo, porque prefiro morrer a ser um escravo dele.
O guarda, cujos limites de tolerânica já tinha sido ultrapassados há muito,
não permitiria que o prisioneiro permanecesse na tenda com outros homens
feridos. Aturdida, Rain o guiou de volta ao seu lugar na cadeia de corda.
Quando ia voltar a prendê-lo a pedido de Gorm, Edwin a agarrou e lhe torceu o
corpo para puxar seus braços para trás das costas e com os dedos da mão direita
lhe agarrou a garganta, a estrangulando.
— Não se mova, mulher — advertiu, lhe apertando a traquéia até que ela
caiu de joelhos por falta de ar. — Não hesitaria em te matar imediatamente, se
não fosse porque ao meu entender seu amo te deve um favor. Talvez me libere
em troca de sua vida.
— E a sua mulher? — perguntou-lhe, baixando o olhar para a jovem que
ainda estava amarrada perto de seus pés, olhando com horror Edwin e ela.
— As do tipo de Blanche se safam por elas mesmas. É uma moça ardilosa
com talento para a cama. Não duvido que logo terá outro protetor — disse
depreciativamente, ignorando o grito de protesto de Blanche.
— E chama Selik de besta?
Edwin apertou de novo, e Rain perdeu durante um segundo os sentidos.
Um momento depois, escutou um agudo grito atrás dela, e Edwin soltou as
garras de seu pescoço. Mas teve só um momento para perguntar por que,
quando ele caiu sobre suas costas, arrastando-a ao chão. Quando Rain o afastou
de um empurrão e baixou o olhar viu um machado de batalha incrustado na
nuca de Edwin. Emanava sangue da ferida, e era óbvio mesmo antes de tomar
seu pulso que morrera imediatamente.
Clamou em voz alta
— Por Deus! Aterrissei em um manicómio da Idade das Trevas.
Olhou para trás de si para ver quem tinha lançado o machado, e se
surpreendeu ao ver Ubbi com as pernas separadas em posição de batalha e as
mãos nos quadris. O gentil duende se transformara em um feroz guerreiro. O
rosto do homenzinho estava nublado pela fúria, mas perguntou com gentileza:
— Senhora, está ferida? — ela sacudiu a cabeça, confusa e desorientada por
tudo o que lhe tinha acontecido momentos antes. Sangue fora derramado por
sua culpa, e precisava aceitar esse horrível pensamento.
— Foi sua maldita culpa — comunicou iradamente Gorm a Ubbi. — Nunca
devia ter soltado esse bastardo. Todos os saxões são iguais, desonestos até a
medula.
— O que esperava que fizesse, seu bruto? — lhe censurou Rain. —Estava
desesperado, e era sua única oportunidade de fugir.
Tanto Gorm quanto Ubbi a olhavam como se estivesse louca.
— Ele teria te matado — disseram ambos ao mesmo tempo.
— Isso não é desculpa — argumentou Rain, suas palavras soando pouco
convincentes mesmo para ela.
— Bem, graças aos deuses, você está a salvo — replicou Ubbi. —por que
não volta agora à tenda e descansa depois dessa dura experiência?
Rain viu que os prisioneiros a contemplavam com temor reverencial e
sacudiu a cabeça.
— Não, não posso.
Para mortificação de Ubbi, voltou a se sentar e prendeu de novo cordas
frouxamente em torno de seus pulsos. Gorm murmurou:
— Maldita fulana — enquanto arrastava o corpo de Edwin para além das
árvores, ordenando a alguns homens que o enterrassem — além disso, o mau-
cheiro do sangue Saxão arruína meu apetite.
Isso fez Rain lembrar que não tinha comido desde o dia anterior. Olhou o
heterogêneo grupo que compartilhava sua corda e compreendeu que
provavelmente eles tampouco tinham comido, e há muito mais tempo.
— Tem que alimentar essas pessoas — gritou para Ubbi, que tinha voltado
para o fogão. Este continuou assobiando despreocupadamente enquanto fazia
suas tarefas domésticas como se não tivesse acabado de matar um homem.
Sem levantar o olhar, contestou:
— O amo não deixou instruções para que os prisioneiros fossem
alimentados.
— Isso é ridículo. E se ele não retornar? — o coração de Rain se afundou
ante a recordação de suas anteriores preocupações por Selik. Tinha um montão
de recriminações para ele e muitas perguntas que precisavam de respostas, mas
não podia se imaginar vivendo sem ele. Que incrível, pensou, inclinando a
cabeça impressionada, que pudesse ter sentimentos tão intensos por um homem
que acabava de conhecer. Forçando-se a se concentrar no presente, acrescentou
—Quero dizer, e se não voltar até a noite?
Ubbi encolheu os ombros com indiferença.
Rain sacudiu a cabeça chateada ante sua difícil situação, logo murmurou
uma obscenidade em voz baixa, se soltou de novo de suas amarras e irrompeu
na área da fogueira usada para cozinhar.
As sobrancelhas de Ubbi se elevaram com diversão enquanto comentava
secamente.
— É assim como tomam prisioneiros em suas terras? Os prisioneiros podem
se prender e se soltar à sua vontade?
— Feche a boca, idiota.
Ele soltou uma risadinha e continuou cortando os ossudos coelhos, logo os
jogou formando uma pilha a seus pés
— É isso tudo o que tem? — perguntou, franzindo o nariz com desgosto
quando se inclinou sobre o caldeirão.
— Sim — respondeu timidamente. — Não sou muito bom na cozinha, mas
ninguém mais se encarrega da tarefa. Talvez você pudesse…
— Impossível! Eu não cozinho.
— Bom, que assim seja então — disse Ubbi, apontando o pestilento
caldeirão de sopa. — Queimou o fundo quando o fogo ficou muito forte.
— Cheira como o inferno.
Ele lhe sorriu.
— Sabe por acaso como o inferno cheira, já que vem do céu?
Rain fez um vulgar som de desgosto.
— Só perguntei. Não há necessidade de ser grosseiro. Talvez pudesse dar
essa lama aos prisioneiros para que possa de alguma maneira limpar a panela
para o jantar — apontou para a pilha de carne e ossos de coelhos a seus pés.
Sem outra escolha, Rain repartiu parcamente o conteúdo da panela em duas
terrinas de madeira e as levou alternadamente aos prisioneiros que eram
forçados a segurá-las com as mãos amarradas e beber nelas. Nenhum se queixou
da horrivel gororoba, estando muito famintos para se importarem e
perguntando-se se provavelmente seria sua última refeição.
Quando terminou, Rain ajudou Ubbi a esfregar o caldeirão perto do lago
com areia grossa. Logo voltou aos prisineiros e se aproximou de Blanche, a
mulher que estivera com Edwin.
— Sabe cozinhar? — perguntou-lhe gentilmente, sensível à tristeza da
jovem. Mas Blanche não parecia nem um pouco dolorida pela morte de seu
amante quando percebeu a possibilidade de um momento de alívio em sua
prisão.
— Sei, sim, senhora — respondeu de boa vontade. — E o coelho é minha
especialidade. Se me deixa colher algumas ervas naquelas árvores, sob guarda, é
obvio, posso fazer uma saborosa panela de guisado que agradaria até um rei.
Rain sinceramente duvidava, mas preferia tudo à culinária de Ubbi. Quase
não lhe custou convencer Ubbi que estivesse de acordo em dar a Blanche uma
oportunidade.
Rain ficou agradavelmente surpresa várias horas depois ao descobrir que
Blanche não tinha mentido. O guisado de coelho era espesso e saboroso, com
cebolas selvagens, cenouras e cogumelos, para não mencionar umas poucas
especiarias que não reconheceu. Blanche se aliviou, sabendo que ao menos por
um tempo sua pele estava a salvo.
Os olhos de Gorm brilharam com interesse lascivo quando Blanche se
inclinou sobre a fogueira. Rain lhe lançou um olhar que dizia claramente, Não se
atreva. Ele fez uma careta e lhe rebateu com um desafiante olhar lascivo
desafiando-a silenciosamente, Tente me deter.
Selik voltou ao acampamento tarde da noite, cansado de corpo e alma. Se
esquivar do guarda saxão que patrulhava o campo de batalha tinha requerido
um estado de alerta que Selik e seus esgotados companheiros não tinham, ainda
estando sem descanso da batalha.
Tinham enterrado tantos amigos ou conhecidos quanto puderam localizar,
uma tarefa horrível sob as melhores circunstâncias, uma tortura para a mente
quando tinham que lutar com os abutres carniceiros por suas presas. Os olhos
dos mortos eram a primeira coisa a serem devorados, algo particularmente
delicioso para os bestiais pássaros, sem dúvida, e Selik e seus valentes homens
se detiveram para vomitar numerosas vezes ante a visão de tantos corpos cegos.
Sem mencionar a carne meio devorada. Ou o mau-cheiro. Oh, Deus, o mau-
cheiro! Todo o tempo, lobos e outros predadores circundavam o campo,
esperando que partissem.
Por isso, Selik não estava em seu melhor aspecto quando entrou em sua
tenda, tirou suas botas de couro trançado e a armadura, e se deixou cair nas
peles do leito sem tirar a túnica. Levou apenas um minuto para se dar conta de
que a estranha mulher que tinha proclamado ser seu anjo da guarda tinha
sumido.
— Ubbi!
O homenzinho abriu a porta da tenda tão logo suas pequenas pernas
conseguiram atravessar o acampamento, onde tinha posto as peles de seu leito.
— Me chamou, senhor?
Selik soltou um palavrão e Ubbi se encolheu.
— Onde ela está?
— Quem? — Ubbi trocou o peso do corpo de uma perna para outra,
incômodo, sem querer confrontar seu olhar interrogativo.
— Sabe condenadamente bem de quem falo.
— Com os prisioneiros, meu senhor. Mas não por minha culpa. Nem pela
de Gorm — acrescentou rapidamente.
Selik suspirou alto e se forçou a não sacudir seu fiel servo. Cuidadosamente,
espaçou cada palavra ao falar.
— Por que ela está com os prisioneiros?
— Porque diz que é uma pacifista
— Pacifista?
— Sim, os pacifistas são contra todas as lutas, até…
— Malditos sejam os pacifistas!
Ubbi lhe lançou um enviesado olhar condenando a interrupção, e
continuou.
— Disse que era uma pacifista, e que se eu ou Gorm não soltássemos os
prisioneiros, então ela também queria ser uma prisioneira.
— Ela é uma prisioneira.
Ubbi levantou o queixo desafiante.
— Não, ela é uma hóspede. Isso é o que disse a ela. E há uma diferença,
meu senhor.
— Sim, é uma valiosa hóspede por suas habilidades médicas. Quero-a de
volta à tenda, onde possa guardá-la para que não fuja.
Ubbi ergueu uma sobrancelha com incredulidade ante seus motivos.
— Não me deitei com a garota — disse, curiosamente na defensiva.
— Eu disse que fez? — replicou imediatamente Ubbi, levantando as mãos
no ar, contestando.
— Bom, sei o que está pensando.
— Bom! Deus também fala com você? Está agindo tão mal como a moça —
disse Ubbi com uma trejeito convencido que irritou Selik ainda mais.
— Traga a donzela aqui — grunhiu.
Ubbi se afastou dele dando um passo atrás.
— Não, eu não, senhor. Ela já ameaçou me bater hoje. Melhor que a traga
você mesmo.
Olhando com o cenho franzido, Selik se dirigiu aos prisioneiros presos.
— Por que te ameaçou com danos físicos se é tão pacifista?
— Porque matei um dos prisioneiros, aquele rapaz arisco que estava
fazendo aquelas ameaças ontem à tarde.
Selik parou e olhou seu servo, que raramente se envolvia em lutas. Sabia
que Ubbi devia ter tido boas razões para matar um valioso escravo.
— Por quê?
— Estava estrangulando a senhora.
— Rain? — um terror gelado atravessou Selik ante as palavras ditas
despreocupadamente por Ubbi. Por que se sentia desolado ante a perspectiva de
perder uma simples donzela que tinha conhecido apenas no dia anterior?
Ubbi assentiu.
— É melhor que se prepare para a maior surra verbal de sua vida. Está
imensamente zangada com você.
— Bem, não estou com humor para ouvir suas reclamações irritantes sobre
o tema da escravidão essa noite. Talvez devesse encher sua boca mordaz com
um trapo e me aliviar em seu corpo até que esteja muito cansada para se queixar
de mais nada.
Ubbi fez um som que parecia cético, questionando a sabedoria de tal plano.
A lua cheia e as fogueiras do acampamento forneciam suficiente luz para
Selik ver os prisioneiros, que estavam na terra, a maioria deles dormindo.
Alguns o olharam com atemorizados olhos arregalados enquanto ele passava.
Teria que encontrar algumas roupas mais protegidas para o sarnento grupo pela
manhã ou nunca poderiam fazer a árdua viagem a Jorvik. E comida, seus
homens teriam que encontrar mais caça para engordar suas ossudas figuras, ou
não conseguiriam nada dos traficantes de escravos.
Selik achou finalmente a problemática moça no final da fila, encolhida como
uma bola, tremendo de frio mesmo enquanto dormia. Notou que tinha furtado
uma de suas túnicas de lã, embora não servisse de proteção contra os ventos
outonais. Em vez de estar zangado por seu roubo, sentiu uma estranha
satisfação de saber que sua túnica acariciava sua carne, como um pobre
substituto de seus braços.
— Maldição! — murmurou em voz alta. — A moça está me fazendo tão
idiota como um rapaz inexperiente ansioso por sua primeira transa.
Os olhos de Rain se abriram lentamente quando a voz de Selik entrou em
sua consciência. Ainda desorientada pelo sono, não protestou a princípio,
quando ele se inclinou e desatou os frouxos nós em seus pulsos.
— Pelos ossos de Deus! Grande prisioneira é, quando pode entrar e sair de
seus nós com tanta facilidade.
— São simbólicas — disse sonolentamente, e bocejou amplamente,
esquecendo de cobrir a boca com educação. Mas então se deu conta do sorriso
dele e franziu o cenho, tentando afastá-lo.
— São símbolos de quê? — perguntou, endireitando-se e olhando-a quando
ela se sentou e moveu os ombros. Sem dúvida, tinha conseguido algumas dores
por dormir sobre a dura terra. Um castigo bem merecido por sua cabeça-dura,
decidiu
— De meu protesto por seu feito bárbaro — seu rosto endureceu de repente,
quando pareceu totalmente acordada.
Ele elevou uma sobrancelha interrogativamente e cruzou os braços sobre o
peito. Até sua dura carne estava começando a sentir o frio.
— Que feito bárbaro?
— Capturar escravos, é obvio — gemeu. — Como pôde? Apesar de eu ódiar
a violência, posso entender que algumas pessoas podem justificar como
autodefesa. Mas tomar escravos fora do calor da batalha, bem, isso não é
civilizado.
— Não tenho que me defender diante você nem qualquer pessoa. E não
entende a civilização, harpia, se acha que os Vikings são os únicos que
consideram os prisioneiros um butim da guerra. É universal. Não sei de
nenhum país nem de ninguém que condene a prática.
— Mas, o que sabe dentro de seu coração?
Sua pergunta deixou Selik perplexo. Devia ter uma resposta simples, mas
não pôde formar as palavras que o defenderiam.
Um som sussurrante desviou então sua atenção, e Selik se deu conta de que
sua conversa tinha despertado todos os prisioneiros, que escutavam
atentamente o que devia parecer uma estranha conversa. Com um grunhido de
desgosto, inclinou-se e levantou a problemática moça.
Rain ofegou abruptamente pela surpresa de seu rápido movimento, mas
antes que pudesse protestar, ele colocou o rosto dela contra seu pescoço,
envolveu com um braço de aço suas agora esperneantes pernas, apertando-as
contra seu quadril, e lhe imobilizou ambos os braços contra o corpo
circundando-a com seu braço direito.
Selik sabia que Rain se considerava muito grande para que qualquer
homem a levantasse do chão, e estava encantado de que continuasse se
enganando. Fingiu dar um passo em falso e quase cair. Ela parou de lutar
imediatamente.
— Se não comesse tanto, poderia deixar de crescer.
— Argh! Me desça.
— Não, acho bom o exercício depois de um longo dia cavalgando. É quase
como levar meu cavalo.
Ela parou de repente, e lhe perguntou com voz fraca:
— Selik, onde está seu cavalo?
Surpreso por sua pergunta, respondeu hesitante:
— Está cercado com os outros cavalos perto do lago. Por quê?
— Me levaria para ver Fury? Por favor. É importante para mim.
Selik deu de ombros. Não via mal em deixá-la ver o animal. Além disso,
poderia aproveitar para tomar um banho rápido no lago. Pois lembrava, que seu
alforje com sabão e tecidos, estava no chão perto dos cavalos, onde o tinha
deixado. Mas não queria ceder tão logo.
— E por que o faria? O que me dará em troca desse favor?
Sentiu-a enrigecer imediatamente.
— Não tenho nada para dar.
— Oh? Não acho. Pode prometer calar sua língua de harpia. Ou jurar não
fugir — lhe ocorreu um imobilizante pensamento delicioso. — Ou...
— Ou?
— Ou poderia me beijar por vontade própria — sussurrou roucamente
enquanto lhe acariciava os cabelos com o nariz. Ainda cheirava a “Paixão”, o
perfume que usara no dia anterior. E ao seu próprio e doce aroma.
— Ora! Te dei muito mais do que beijos ontem à noite.
— Sim, mas não realmente por sua própria vontade, já que estava
adormecida. E, segundo minha lembrança, não houve beijos — com certeza
lembrava muito mais que aquilo.
Como era estranho, pensou, que a houvesse tocado tão intimamente e não a
tivesse beijado. Se houvesse realmente pensado que era sua esposa morta com
quem fazia amor em seu louco estado, por que não tinha provado seus lábios?
Talvez não estivera tão confuso quanto ambos pensavam. Podia ser que
soubesse exatamente quem estava em suas peles, mas subconscientemente
quisesse negar a traidora atração.
— Um beijo? Um beijo é tudo o que você quer?
Ele assentiu, soltando sua presa agora que tinham chegado ao lago. Ela
deslizou sensualmente para baixo em seu rígido corpo até que ficou em pé
encarando-o, à distância de apenas uma respiração, mas sem tocá-lo.
— E então vamos conversar?
Ele assentiu uma vez mais em silêncio, incapaz de se mover diante o feitiço
de sua prisioneirante proximidade. Devia ser mesmo uma feiticeira para
enfeitiçá-lo desse modo.
Rain pôs as mãos em seus ombros e se ergueu. Ele sentiu seu doce hálito
sobre os lábios antes que ela fechasse os olhos e roçasse seus lábios gentilmente
contra toda a extensão dos dele, como se saboreando aquela leve carícia. Mas o
efeito foi poderoso, aflitivo.
Ela gemeu.
Ele se conteve rigidamente, lutando contra o rugir do sangue em sua
cabeça, contra o selvagem batimento de seu coração. Era apenas um beijo.
— Selik — sussurrou implorante contra sua boca.
Moveu as mãos de seus ombros à nuca, acariciando os tensos músculos. E
se aproximou mais. Peito contra peito. Coxas contra coxas. Quadris contra
quadris. Masculinidade contra feminilidade.
Selik gemeu. Não pôde conter-se.
E ela moveu de novo os lábios, com mais firmeza desta vez, modelando,
encaixando. Mordeu levemente seu lábio inferior, e a seguir o sugou
suavemente. Ele ofegou de puro e absoluto prazer, e ela aproveitou a
oportunidade para deslizar a ponta da língua entre seus lábios. Uma breve
incursão. Tão rápida que podia pensar que tinha sonhado
E ela lhe dizia que não desfrutava particularmente dos assuntos ligados à
cama! O que faria se estivesse realmente excitada?
Selik se sentiu enrijecer e aumentar contra seu suave corpo. Bastava de
jogos e brincadeiras! Envolveu-a com os braços e a apertou com mais força
contra seu corpo. E tomou o controle do beijo.
Logo, colocando uma mão de cada lado de seu rosto, inclinou o rosto dela
para cima, à brilhante luz da lua, e notou com extrema satisfação os olhos
sonolentos e entrecerrados, os lábios úmidos e levemente entreabertos. Com
abandono delicioso, percorreu o contorno de seus lábios com a polpa do
polegar, e logo fez o mesmo com a ponta da língua.
Ela separou os lábios ainda mais, e parou seu coração. Esfregou-se
sedutoramente para frente e para trás contra ele, deixando ambos escorregadios
com os sumos de seu mútuo desejo. Pressionou com força, querendo tudo dela,
logo suavizou para um beijo leve como uma pluma, e com força de novo. Não
tinha o suficiente dela. Seu sabor era um afrodisíaco ao qual não podia resistir.
Quando o desejo inundou suas veias, não pôde resistir mais e deslizou a
língua na acolhedora bainha que era sua boca. A sugou, e sua rigidez sofreu um
espasmo como ato reflexo contra ela.
Uma maçante voz interior advertia Selik de que as coisas estavam
progredindo muito rápido. Esse intenso e maravilhoso desejo que não sentia há
tantos anos, talvez nunca, terminaria abruptamente quando derramasse sua
semente se não fizesse mais lento aquele jogo amoroso. retirou-se lentamente,
com relutância, e disse com áspera voz:
— Rain, vai me devorar com seu doce calor. Devemos nos acalmar um
pouco para que possamos saborear mais o prazer — ela se moveu contra ele em
protesto, e ele a reteve com firmeza. —Não, carinho, quero te amar por toda a
noite, e não suportarei um momento mais se não parar de me torturar.
— Eu? Te torturar? Não, não sou eu quem está ardendo — sussurrou
roucamente.
E Selik quase chegou ao clímax.
Pôs as mãos em seus ombros, e a manteve firmemente afastada. Logo fez
um áspero som nas profundezas de sua garganta quando notou a turva
sensualidade de seus olhos meio entreabertos e a inchada vermelhidão de seus
lábios. Lábios devorados por seus beijos, pensou com desmesurada satisfação.
Pelo sagrado Thor!
Obrigou-se a se inclinar e pegar seu alforje, que tinha deixado perto do lago
antes, e empurrou o aturdido e obviamente excitado corpo dela para a borda do
lago. Antes que ela pudesse adivinhar suas intenções, deixou a bolsa cair,
levantou-a do chão, e entrou no lago até que suas águas geladas chegaram à
metade das coxas. Então se sentou com ela ainda entre seus braços.
Ela arquejou.
Segurou-a com firmeza.
— Fique sentada, carinho. Nós dois precisamos esfriar nosso sangue quente
para a longa noite que temos pela frente. Além disso, estou cheirando como
Fury, e sem dúvida te impregnei com meu aroma.
— Selik, está gelada.
— Shh. Eu sei. Apenas agüente.
Quando fez o que lhe pedia sem seus habituais questionamentos nem
desafio, tirou-lhe a túnica, a camisa e os calções, os sapatos e a sensual roupa
íntima que tinha uma abotuadura secreta entre os seios. Ela ficou nua e
tremendo diante ele. Magnífica. Os cabelos dourados até a cintura. Longas
pernas. Quadris esbeltos. Seios altos e firmes. Como todas as suas fantasias de
como seria uma deusa Viking.
— Não se mova — ordenou asperamente, achando difício conservar o
fôlego. Deve ser o frio, disse a si mesmo.
Rapidamente, voltou ao alforje e tirou um pedaço de sabão e alguns panos
de linho, e a seguir tirou todas as roupas. Quando voltou, ela ficou no mesmo
lugar, escrutinando seu corpo tão intensamente como ele tinha feito com o seu.
— É tão formoso — sussurrou.
— Não, não mais. Deve estar cega — mas não pôde evitar que um sorriso
lhe suavizasse a boca.
— Minha mãe tinha razão. Parece um deus nórdico.
Selik maneou a cabeça diante a coincidência de seus pensamentos.
— Pode ser que o destino tenha decidido então que você seja a deusa para
este deus. Venha — ele a encorajou, e lhe ensaboou então todo o corpo dos
ombros às pontas dos pés, parando aqui e ali para mostrar sua apreciação em
cada lugar delicioso que descobria. Quando ensaboou as mãos e massageou as
duras pontas das esferas de seus seios, pressionando-as contra sua palmas, ela
ofegou guturalmente.
— Jamais, jamais, desejei um homem tanto como a você.
Selik queria zombar de suas palavras, mas o inexplicável prazer que elas lhe
trouxeram paralisou sua garganta. Sem palavras, estendeu-lhe o sabão, e ela lhe
devolveu o favor, ensaboando seu corpo. Suas delicadas mãos de cirurgiã
aliviaram gentilmente seus músculos e deram calidez a sua pele, mesmo às
partes geladas. Quando começou a fazer brincadeiras em sua masculinidade, ele
a parou a contragosto.
— Não, não posso suportar tanta pressão.
O sabão caiu entre eles, e Selik a atraiu uma vez mais para seus braços.
Seus corpos encharcados em sabão se moveram sensualmente um contra o
outro, e ambos sorriram.
— Oh — disseram em uníssono, e sorriram de novo.
Selik esfregou seu torso contra seus seios ensaboados e se regozijou quando
ela arqueou o pescoço, fechou os olhos, e se apertou com major força contra ele.
— Perco as forças por você — sussurrou.
— Basta! — deixou-se cair na água, arrastando-a com ele e enxaguou
impulsivamente o sabão de seus corpos, então a empurrou para as margens,
onde pegou um manto de pele que tinha deixado ali fazia pouco tempo, e a
envolveu nele, mas não antes de morder e beijar todas as sensíveis curvas de seu
delicioso corpo.
Ela suportou docilmente, erguendo o olhar para ele, excitada ao ponto da
inconsciência. Ele não estava em melhores condicões.
Selik retirou a água de seus cabelos, sacudindo-se como um cão peludo, e
logo pôs um braço em torno dos ombros de Rain, empurrando-a contra seu
flanco. Começou a caminhar para a tenda, sem se preocupar com sua nudez,
levando-a com ele.
Quase tinham passado pela zona onde os cavalos estavam cercados quando
Rain parou subitamente e sacudiu a cabeça como se quisesse clareá-la.
— O cavalo — disse com voz repentinamente fria. — Prometeu que eu
poderia ver seu cavalo.
Confuso por sua repentina mudança de humor, Selik assentiu com a cabeça
e a guiou até Fury, que relinchou suavemente em boas-vindas quando Selik lhe
acariciou a crina.
— Onde está a sela? — perguntou-lhe com voz estranhamente aguda.
— O que te preocupa, querida? — perguntou-lhe Selik, alarmado de
repente.
— Só me mostre sua sela.
Ele apontou para um lugar próximo e olhou com os olhos entrecerrados
como achava sua sela, inclinava-se para examiná-la, e logo se deixava cair de
joelhos. Pôde ver que estava chorando pelo sacudir de seus ombros.
Inclinando com espanto a cabeça, se aproximou.
— Me diga — urgiu ele, se deixando cair ao seu lado. Apesar de sua pele
nua, não sentia frio.
— Isso — disse ela sufocadamente. — Você os arrancou?
Viu a meia dúzia de couros cabeludos pendurada no arção da sela de
montaria e ficou rígido. Por todos os infernos! Tivera a intenção de destruir
aquelas coisas vis. Na verdade, nem sequer se tinha dado conta de que as
pegara durante sua desenfreada fúria daquele dia até quase estarem de volta ao
acampamento. Embora muitos de seus companheiros vikings pegassem couros
cabeludos depois de cada batalha, ele nunca tinha feito antes. O horror da
carnificina que presenciara devia ter revoltado sua mente. Mas recusou se
justificar ante a moça santarrã.
— Sim, é o behaettie, um nobre costume nórdico para evitar que nossos
inimigos entrem nas portas do céu.
Ela sacudiu a cabeça, em negação, e balançou para frente e para trás sobre
seus calcanhares, soluçando silenciosamente.
— Não é uma visão bonita, eu sei, mas não é pior que os troféus saxões. Eles
esfolam os Vikings vivos e prendem suas peles nas portas de suas Igrejas.
— Os homens violentos sempre encontram desculpas para sua bestialidade
— disse cansadamente, o olhando agora diretamente nos olhos. A tristeza de
sua condenação o gelou como nem a água gelada nem o ar frio conseguiram
fazer.
Ele tiritou e a dor sempre presente em sua alma perdida se abateu sobre ele
como uma nuvem de inverno.

Capítulo 6
Desanimada, Rain cambaleou sobre seus pés, segurando com força o
pedaço de pele ao redor de seu corpo nu. Tremeu, mas não de frio. Sua mente
titubeou diante o choque do horrível espetáculo dos couros cabeludos humanos
pendurando na sela de Selik.
Oh, Deus! Esse homem... Esse homem que de algum modo estava se voltando tão
importante para mim; não só toma vidas humanas, mas também guarda lembranças de
sua depravação.
Selik ficou em pé diante ela, nu e sem demonstração de arrependimento,
com sua cabeça inclinada de maneira inquisitiva. As tranças molhadas de seus
cabelos voaram levemente enquanto secavam na brisa da noite. Mesmo com a
luz da lua, ela podia ver que sua horrorizada reação diante os couros cabeludos
tinham transformado seus formosos olhos, que momentos antes estavam
luminosos de paixão, e retornavam à sua habitual expressão cruel.
Brevemente, seus olhos examinaram seu corpo de amplos ombros, além das
mãos apertadas em punhos sobre os estreitos quadris, seu estômago plano, seus
bem formados genitais, suas robustas coxas e pantorrilhas e seus pés nus.
Sacudiu a cabeça sobressaltada por sua beleza e pelo fato de que não se
importasse que ele fosse um animal magnífico. Porque essa era a palavra-chave,
animal. Ele era, de fato, um animal ferido.
— Sim, sou uma besta. Te preveni do fato, mas insistiu que poderia me
salvar — a voz de Selik soou densamente com desdém e auto-reprovação.
Rain não se dera conta de que dissera as palavras em voz alta, mas talvez
fosse melhor que Selik soubesse exatamente como ela se sentia. Não que isso
mudasse algo. Um homem que podia fazer uma coisa tão horrível era
irredimível.
Quem é você para atirar pedras? Perguntou uma voz na cabeça de Rain.
Fechou os olhos com cansaço, temendo vacilar à beira de um colapso nervoso.
Há algo bom em cada homem, somente tem que querer ver.
A mente de Rain oscilou ante a confusão. Aquela perfeita experiência de
viagem no tempo era provavelmente apenas uma invenção de sua imaginação.
Estava certamente sentada em algum Monty Python 1 do tipo instituição mental
com uma clássica camisa-de-força. Com um psiquiatra do tipo de Jack
Nicholson ao alcance da mão. Sim, tinha sentido. Toda aquela coisa Viking era

1
Comédia televisiva inglesa.
só uma fantasia. Não, um pesadelo. Pôs uma mão sobre sua boca para sufocar
uma tola risadinha histérica.
Selik suspirou com desgosto ante sua estranha distração. Ela lhe dirigiu um
olhar furioso que esperava ter a mesma dose de repugnância. Logo começou a
andar na frente dele, de volta para a linha de prisioneiros. Tinha que se afastar
do bárbaro para pensar.
Selik a agarrou pelo antebraço quando ela passou, detendo-a.
— Aonde pensa que vai?
— Não... me... toque — apertou os dentes ao dizer as palavras
espaçadamente. — Nunca... mais... me... toque.
Ele liberou seu braço e voltou um pouco para trás. Os músculos se
esticaram em sua mandíbula, sobressaindo-se, e disse com voz de aço:
— Os reféns não dão ordens.
Rain de de ombros abatida.
— Eu era uma tola por pensar que era algo mais. Era uma tola por pensar
que poderia te mudar.
Oh, um pouco de confiança!
— Pare — lançou um grito, pondo uma mão em sua dolorida cabeça
enquanto mantinha unidas as bordas da pele com a outra mão.
— Parar o que?
— Não me dirigia a você — resmungou. — É a maldita voz em minha
cabeça.
Selik quase pareceu divertido, mas o sorriso não alcançou seus frios e
impassíveis olhos.
— Deus outra vez?
— Sim. Não. Oh, não sei. É só provavelmente minha consciência ou algo
assim.
— Guarde sua consciência para pessoas que importam. — Comentou
desdenhosamente. — Ou para alguém que seja redimível. Eu não sou.
— Oh, cale-se. Não pode ver que tive bastante por um dia? — não fazendo
caso dele intencionadamente, começou a andar para os prisioneiros, logo parou
de repente e se dirigiu para a tenda de Selik. Acabava de se dar conta de que
precisava de roupas mais abrigadas.
Quando seus pés nus entraram em contato com a terra fria do caminho,
resmungou.
— Por Cristo! Serei a única médica no mundo com calos nas plantas dos
pés.
Um breve tempo depois, estava plantada ao lado de uma das arcas de Selik,
procurando uma túnica e umas perneiras “calças”, como Selik as chamou. As
usaria até que suas roupas secassem. Quando ergueu o olhar o viu se apoiando
contra a abertura da tenda, apesar de tudo seus olhos se arregalaram, o coração
deixou de pulsar, ao vê-lo gloriosamente nu.
Rain mal suprimiu um gemido. Me dê paz, Deus. Você não joga limpo.
— Agora rouba? — ele perguntou com secura, olhando as roupas em suas
mãos.
— Preciso de algumas roupas secas. Você pode ser insensível ao frio, mas
eu não vou dormir com o traseiro ao relento aí fora, sobre a terra fria.
— Tem razão. Você não vai dormir lá fora, sobre a terra fria.
Quando a implicação de suas palavras foi assimilada, Rain virou a cabeça e
ergueu os olhos para ele incredulamente.
— Não pode pensar que eu dormiria com você agora. Tem alguma idéia de
como me zanga? De fato, eu mesma me zango por ter permitido que suas mãos
me tocassem tão intimamente quando... quando… — ofendeu, incapaz
encontrar palavras para descrever suas atrocidades. Finalmente, esclareceu com
um dar de ombros cansado. — Sinto-me desonrada.
Rain o viu apertar fortemente a mandíbula, mas seus olhos não deixaram
revelar nenhuma emoção.
— Desonrada ou não, vai compartilhar minha cama de peles.
Ficou em pé furiosamente, mantendo seu manto de pele unido com uma
das mãos e uma túnica e um par de calças na outra.
Ergueu uma mão para fazê-la se calar.
— Não, não pense em me desafiar nisto. E, escute isso, moça, não tenho
nenhum desejo de ficar excitado esta noite. Mas se alguma vez o ardente desejo
me atingir em um momento de loucura, será minha decisão que vai ganhar, não
a sua.
— Então seria um estupro. Mas por que isso deveria te incomodar, com a
besta que é? Isso é só um pecado a mais a acrescentar a sua lista, e um menor,
acho, em vista de suas outras atrocidades.
Ele deu de ombros com desdém.
— Ah! — disse ela finalmente com exasperação, sabendo que era inútil
discutir com um bruto insensível. — Vire-se para que possa me vestir.
Não moveu um músculo, só cravou os olhos na parte de trás
insolentemente.
— Não, vai continuar a maneira Nórdica. Não usamos roupas na cama.
Pode usar minhas roupas pela manhã, mas não na cama de peles.
Com um grunhido incrédulo, deixou cair a capa de pele e deslizou para
baixo das peles da cama que estava sobre a terra, mas não antes de notar como
os olhos de Selik devoravam seus frios e erguidos mamilos. Uma leve contração
ao lado de sua boca anunciava, alto e claro, que sua nudez o afetava.
Castigando-se mentalmente por um rubor de prazer momentâneo diante
seu escrutínio apreciativo, Rain se afundou profundamente sob as peles,
ocultando seu ruborizado rosto do olhar muito observador de Selik.
Quando ele apagou a vela e deslizou para dentro, atrás dela, Rain se moveu
tão longe quanto pôde para que seus corpos não chegassem a se tocar. De
qualquer maneira, ela sentiu o calor de seu corpo e imaginou que seu hálito
quente fazia cócegas em suas omoplatas.
Despertou um pouco antes da alvorada e descobriu que girara e que estava
agradavelmente deitada em seus braços, sua face pressionava os pêlos sedosos
de seu peito; uma de suas pernas cruzada intimamente por cima das dele.
Durante um longo momento, ficou imóvel, sentindo o batimento de seu estável
coração contra seu ouvido, e em meio a sua letargia admitiu algo que não
poderia estando totalmente acordada. Não odiava aquele homem, não
importava o que ele fizesse ou planejasse fazer. Ela somente não podia odiá-lo.
Tinha que ajudá-lo, mas como?
Quando os raios de luz começaram a delizar pela abertura da tenda, Rain se
afastou com cuidado dos braços de Selik e saiu da cama de peles. Rapidamente
se vestiu com as malhas de Selik, indiferente ao fato de que eram uns quinze
centímetros mais longas e faziam volumes nos tornozelos. A túnica de lã era
muito grande, mas parecia quente e cheirava fracamente a uma nem um pouco
desagradável pele masculina, a mesma que aspirara a noite inteira.
Gorm estava postado perto dos prisioneiros, sentado dormindo com a parte
de tras de sua cabeça apoiada contra um tronco de árvore. sentou-se mais reto,
mas não a interrompeu quando ela procurou algo dentro dos utensílios que
Ubbi usava para cozinhar perto da fogueira. Quando finalmente encontrou o
que procurava, deu a volta estoicamente e se dirigiu aos cavalos.
Deveria conseguir dois pares daquelas asas de anjo, Senhor.
Selik dormiu a manhã até passar a alvorada, os ferimentos dos últimos dias
em seu corpo e mente finalmente o alcançando. A problemática moça estava
ausente de sua cama, mas aquilo realmente não o surpreendeu. A insensata
feiticeira não prestava nenhuma atenção a suas ordens e despreocupadamente
fazia o que gostava.
Selik se arrepiou quando pensou na dura condenação de Rain sobre sua
posse de cabeleiras na noite anterior. Ela o tinha chamado de Besta. Bem, de fato
ela tinha razão. Mas afinal de contas, a moça era crítica em tudo o que fazia.
Agia como se ele fosse um gatinho travesso e ela sua proprietária. Ah! Melhor
faria se tomasse cuidado ou descobriria que tinha um tigre em seus domínios
que ela seria o delicioso pedaço que ele jantaria. Selik riu de sua própria
brincadeira mental.
De fato poderia repetir a ela mais tarde, mas tinha dúvidas de que
entenderia a piada. Sobretudo se seu humor não tivesse melhorado durante a
noite. Selik emergiu da cama de peles, imaginando que ainda conseguia cheirar
a tentadora “Paixão” de Rain. Sacudiu a cabeça admirado com a estranha
mulher que tinha entrado em sua vida. Fazia só três dias? Parecia que sempre
conhecera. E que criatura tão estranha ela era! Imagine, pôr nome em um
perfume! Punha nome em seus sabões também? Perguntou-se, sorridente. Ou em
seus pentes?
Selik bocejou enormemente e coçou o peito enquanto vestia um malhas
limpas e uma túnica azul escura. Colocou um cinto amplo engastado em prata
na cintura e uns braceletes grossos que Astrid lhe dera uma vez sobre a parte
superior de seus braços, acariciando afetuosamente com o indicador o fino
trabalho gravado.
Ele se aproximou da fogueira da cozinha onde a jovem moça saxã que tinha
feito prisioneira mexia uma panela. Ela tirou várias fornalhas de pão chato para
fora das brasas e as pôs em uma rocha para que esfriassem. Por ter ignorado as
cãibras de fome de seu estômago vazio durante muito tempo, pegou um dos
pães e o jogou de uma mão a outra para esfriá-lo mais rapidamente.
Não disse nenhuma palavra à criada que trabalhava silenciosamente.
Tampouco comentou sobre sua liberação da corda dos prisioneiros. Assumiu
que Ubbi tinha deixado de boa vontade suas tarefas de cozinha a ela.
Separando um pedaço do excelente pão branco, comeu avidamente
enquanto se dirigia aos cavalos, onde Ubbi repartia em pequenas quantidades a
preciosa comida que ele havia trazido a noite passada.
— Encontraram Sveinn? — perguntou Ubbi, elevando a vista para ele
enquanto trabalhava.
Selik assentiu com a cabeça.
— E Ragnor?
— Sim, e Tostig, Jogeir e Vigi, também— respondeu cansadamente.
— Foram todos enterrados?
— Estão todos enterrados. Era o melhor que podíamos fazer. A cerimônia
do fogo teria atraído muitos saxões sobre nossas cabeças. Como se fosse... —
suas palavras morreram, mas não precisava terminar. Ubbi tinha estado com ele
tempo suficiente para saber que muitos saxões tinham vindo e morrido em suas
mãos mais de uma vez.
— Com todo respeito, meu senhor, isto tem que parar.
— Homem tolo, sou o senhor de ninguém. Sou um covarde manchado de
sangue.
Ubbi inspirou bruscamente ante o choque desse auto-insulto extremo. E,
bom Senhor, as lágrimas brilharam nos olhos de Selik. Lágrimas! Estavam todos
perdendo o juízo?
— Não me importa o que digam — disse Ubbi com veemência. —Você é tão
nobre quanto o melhor deles. É uma luta em que se equivocou ao jogar uma
pedra fundamental cheia de ressentimento em seu caminho. Embora se fará da
melhor maneira. Apenas lamento.
— Pedras cheias de ressentimento! Melhor, penhascos! — depois olhou em
torno. — Onde se esconde meu anjo guarda até agora?
Ubbi lhe lançou um olhar culpado, logo evitou seus olhos.
— Ah, divino Thor! Agora o que foi?
— Acho que deveria reprimir melhor o braço direito da Fúria 2, mestre. Me
parece um carrapato irritado.
— Onde está?
2
Da Mitologia Clássica: Monstro com três cabeças de serpente que perseguia os criminosos impunes.
Chamavam-se Alecto, Megera e Tisiphone.
— Quem?
— A serva de Deus! Quem demônios acha?
— Realmente pensa que o Senhor a enviou?
— Não, penso que Loki está me fazendo uma grande brincadeira ao enviar
Rain para que me incomode.
Ubbi pareceu ferido, logo jogou um olhar em todas as direções para se
assegurar de que não fossem ouvidos por acaso antes de lhe contar em um
sussurro cheio de pavor.
— Achei uma pena em sua cama de peles ontem quando arrumei sua tenda.
Selik franziu o cenho ao pensar. Não podia ver a relação entre a descoberta
de Ubbi e Rain.
— Não vê, mestre? Sem dúvida veio de suas asas, que esconde de nossos
olhos mundanos.
— Ah, pelo amor de Freya — Selik gargalhou, incapaz de acreditar na
ingenuidade de Ubbi.
Quando estava enxugando a as lágrimas de riso de seus olhos um momento
mais tarde, Selik notou que Rain se ajoelhava sob uma árvore no outro lado do
pequeno manancial; parecia cavar um buraco.
Ubbi pôs uma mão no braço de Selik quando se dispunha a ir.
— Mestre, não seja duro com ela. Não entende nossos costumes.
Selik olhou o rosto preocupado de seu leal criado e se retesou. Rain tinha
tramado algum problema outra vez, sem dúvida, e o homem tolo tentava
protegê-la de sua ira.
Sem outra palavra, Selik girou sobre seus calcanhares e abriu caminho até o
corpo que se ajoelhava. Quando ficou mais perto, viu que sua cabeça estava
inclinada em uma atitude piedosa e que resmungava algumas palavras em voz
alta; algo sobre que o Senhor era seu pastor e que se deitava em seus pastos. Um
monte de sujeira recente estava diante ela.
Era uma espécie de ritual religioso? Ou tinha roubado algum objeto de
valor de sua tenda para escondê-lo até sua fuga?
Exasperado, Selik a agarrou pelo antebraço e a atirou a seus pés. A pequena
pá de suas mãos soou com estrépito na terra ante o brusco movimento. A boca
de Rain se abriu pela surpresa.
— Ah! Me assustou.
Então, como se houvesse voltado a memória a lembrança do persistente
aborrecimento contra ele, lutou para evitar seu apertão.
— Que demônios está fazendo?
Ela ergueu o queixo de modo desafiante e evitou responder.
— Te fiz uma pergunta — disse ele com frieza, apertando seu aperto na
parte superior do braço até um ponto doloroso.
— Responda ou juro que quebrarei seu braço.
Viu as lágrimas brotarem em seus olhos, uma mescla de dor e orgulho
ferido, mas não se preocupou. O tinha pressionado além dos limites de sua
resistência.
— Planejava fugir ?
Seus olhos se arregalaram de surpresa.
— O quê?
— Eram minhas moedas de ouro o que enterrava, ou uma faca afiada, para
te ajudar em sua fuga?
— Não, estúpido bruto, estava enterrando seus mortos.
Seu suspiro saiu com rapidez em uma sonora exalação, e Selik a liberou. As
impressões de seus dedos já tinham machucado sua suave carne.
— Que mortos? — disse sufocadamente. — Certamente meus homens
enterraram o prisioneiro que Ubbi matou ontem.
Lhe lançou um olhar incrédulo.
— É o homem mais idiota que jamais encontrei. Pensa seriamente que
poderia ter cavado um buraco grande o bastante para sepultar um homem do
tamanho de Edwin com esta pequena pá?
Ele olhou a pequena escavação terminada e se deu conta de que, na
realidade, não pensara com clareza. Se freie, disse a si mesmo. Não permita que
suas emoções controlem sua cabeça. Pense.
— Me diga então — disse mais tranqüilamente.
Ela sustentou fixamente seu olhar, seus doces olhos cintilantes com o
desafio.
— Estava enterrando os... —engoliu em seco várias vezes antes de
continuar — Os couros cabeludos que pegou ontem. — seus olhos cintilaram de
modo desafiante enquanto esperava sua habitual explosão de zanga.
Os couros cabeludos. A maldita bruxa está tentando se opor ao behaettie.
Deus, ela não deixa nunca de me surpreender.
— Ah, sério, feche a boca, Selik. É realmente deselegante.
Fechou seus frouxos lábios de uma vez com desgosto ao ser pego olhando
estupidamente.
— Essas palavras que estava recitando... Eram um encantamento? —
perguntou ainda cético.
A princípio, suas sobrancelhas se franziram de desconcerto. Logo ela riu;
um claro som surpreendentemente agradável que se transmitiu através do
espaço aberto. Ele viu Ubbi erguer esperançosamente a vista de seu trabalho
com os cavalos, como se agradecesse que ainda não tivesse lhe cortado a cabeça.
Maldito Inferno!
— Estava fazendo algumas orações, Selik — finalmente explicou com
suavidade. — Orações cristãs para o enterro.
— Rezaria pela salvação de meus inimigos? — perguntou glacial.
— Rezaria por qualquer um, Selik. Até por você. Sobretudo por você.
— Guarde suas orações. Não tinha nenhum direito de pegar o que me
pertence. Ou enterrar sem minha permissão.
Por Thor! A mulher devia ter a coragem de um guerreiro experiente para
ter manejado os objetos sangrentos. E enfrentar sua temível fúria.
— Fiz o que tinha que fazer. Vai me castigar?
— Quer ser castigada?
— É obvio que não. Mas tive muito tempo para pensar sobre tudo isso do
princípio ao fim enquanto roncava a noite inteira.
— Não ronco — Mesmo? Ninguém jamais o fizera notar antes.
Seus formosos lábios se moveram nervosamente nos cantos quando tentou
sem êxito esconder um amplo sorriso.
— Como um urso.
Afastando-se da estranha tumba, com a mão Rain indicou a Selik que a
seguisse.
Surpreso de que lhe desse ordens, estava igualmente incrédulo de tal
maneira que a seguiu como um manso cachorrinho. O passo seguinte seria lhe
lamber o rosto. Aaah! Agora levantava algumas possibilidades interessantes. Sorriu
abertamente, apesar de sua irritação. Depois balançarei meu rabo. Prorrompeu em
uma risada sufocada de auto-mordacidade ante essa esperança.
— O que é tão engraçado?
— Você. Eu. Minha vida.
Rain inclinou sua cabeça de forma inquisitiva e se deixou cair de todo perto
do pequeno lago. Deslizou suas longas pernas sedutoramente delineadas pelas
malhas em toda seu glorioso comprimento, de modo que seu queixo descansava
em seus joelhos e seus braços estavam envolvendo suas pantorrilhas.
Ele teve dificuldade para engolir com sua seca garganta.
Deslizando para baixo ao lado dela, descansou suas costas contra uma
árvore. Não muito perto. Sua proximidade o desarmava poderosamente e devia
permanecer alerta com a moça ardilosa.
— Selik, parece que não tenho outro remédio a não ser estar aqui com
você , mas temos que chegar a um acordo.
Esperou que se explicasse.
Ela lambeu os lábios com a ponta da língua como se cogitasse suas idéias; e
ele lembrou como se sentira dentro de sua boca ontem noite. Involuntariamente,
seu corpo traidor se sacudiu em um premente conhecimento.
— Quero que me prometa que nunca, jamais tirará o couro cabeludo de
outra pessoa outra vez.
Sentou-se reto.
— Não tem nenhum direito de me fazer exigências.
— Não estava exigindo — o corrigiu. — Observe que pedi. Mas com mais
amabilidade, acho.
— Por que eu deveria parar?
— Bem, desejo que pare só porque te pedi, mas é óbvio que minha opinião
não é o bastante importante para você.
Ela ruborizou quando ele deixou passar aquela impressão. Na realidade, ela
estava se voltando muito importante.
— Selik, praticava semelhante barbárie quando Astrid estava viva?
Atirou-se imediatamente sobre ela, permanecendo em cima de seu corpo.
Ela não fez uma pequena careta de dor.
— Não, não fiz, mas eu era um homem diferente naquele tempo. Tinha uma
alma. E um coração. Agora não tenho nenhum dos dois. Tampouco os quero.
Ela pareceu ferida por suas palavras. Maldito Inferno! Por que ela se
preocupava tanto?
— Selik, eu gostaria de fazer um pacto com você.
— Espero sua petição. Mal posso esperar para ouvir o que tem a oferecer.
— Se você prometer que jamais escal... escal... bem, voltará a fazer essa coisa
horrível outra vez, prometo que nunca tentarei fugir.
Ele a observou com receio.
— Então estava planejando fugir?
— Não, isso não é o que eu disse — explodiu com impaciência —Mas eu
poderia se quisesse; ao final das contas — disse, movendo seus cílios — tenho
Deus ao meu lado.
— Pensei que negou ser um anjo.
Ela afastou o olhar com ar de culpa.
— Sim, bem, jamais saberá, não é?
Estava mentindo através de seus dentes. E tão mediocremente que não
podia olhá-lo nos olhos ou esconder o rubor de vergonha em suas formosas
faces.
— Ubbi encontrou sua pena na cama de peles — indicou com humor seco.
— Minha pena?
— Ele pensa que é de suas asas. Já sabe, as asas que pode abrir ou esconder
sob sua pele à sua vontade.
Ele sorriu abertamente ante a surpresa de seu rosto intrigado.
Então ambos puseram-se a rir.
—Bem, concorda com minha oferta? —perguntou finalmente.
Selik realmente odiava o behaettie, e sempre o deixava doente. Mas mais
ainda, detestava sua fúria enlouquecida da manhã do dia anterior quando tinha
visto os corpos meio corrompidos, cego aos corpos de seus bons amigos caídos
no campo de batalha como se fossem lixo.
— De fato, o que promete exatamente?
— Nunca tentarei fugir.
— E se divergir de algo que faça no futuro? — perguntou ceticamente.
Ela ergueu uma sobrancelha tristemente.
— Baterei em sua cabeça ou te darei algo de minha mentalidade, mas não
partirei.
— Isso é importante para você, não é?
— Sim. Oh, sim — disse, fechando os olhos brevemente antes de falar. —
Quando era uma menininha, meu irmão Eddie era um soldado. Foi assassinado
em uma luta que mais tarde até o governo admitiu que foi inútil.
— E foi quando se tornou uma paci... pacifista?
Concordou com a cabeça.
— Mais tarde me tornei médica e comecei a trabalhar em um hospital do
centro da cidade. Os assassinatos e as mutilações que esses jovens de gangues
inflingiam uns aos outros é um poderoso argumento contra a violência.
— Mas algumas confrontações não podem ser evitadas — discutiu ele.
— Pode ter razão sobre isso. Não sei. Mas voltando ao tema da fuga. Se
fizer isso por mim, ao menos sentirei que dei um pequeno passo para te ajudar.
É importante para mim, Selik.
— Então concordo. Enquanto estiver comigo, não pegarei mais behaettie.
Rain apertou os lábios outra vez pensativamente.
— Sobre os prisioneiros...
— Não brinque com sua sorte.
A envergonhada moça só deu de ombros, como se não devesse culpá-la por
fazer a tentativa.
— Bem, temos um trato então. — sorriu amplamente, e o coração de Selik se
comprimiu de forma estranha em seu peito, logo pareceu expandir-se
rapidamente. Não gostou da sensação.
Ela levantou-se e lhe ofereceu sua mão de lado, a palma aberta. Ele
contemplou-a, aturdido. Queria que a segurasse?
Ela pareceu entender seu desconcerto e explicou:
— Em meu tem... meu país, estreitamos as mãos quando fechamos um
acordo. Como este — colocou sua palma direita contra a dele e fechou os dedos
de ambos levemente no aperto, logo lhe mostrou como sacudir vivamente para
cima e para baixo. Mas tudo em que Selik podia se concentrar era no intenso
choque de prazer gerado por sua pele contra a dele. Nunca queria que se fosse.
Ofegou bruscamente sem poder romper o contato com seus luminosos
olhos, que mostravam com muita clareza que ela estava igualmente afetada.
Rapidamente deixou cair sua mão, como se sua carne de repente tivesse se
queimado. Murmurou sob seu fôlego:
— A bruxa me enfeitiçou.
Mas Rain escutou as palavras pronunciadas audivelmente.
— Se há um encantamento, então sou uma escrava também — respondeu
ela roucamente.
Maravilhoso! Podemos deixar perplexa esta vida de pesadelo que dirijo sob a
maldição desse bagunceiro deus Loki. Ou o próprio Deus cristão de Rain. Ou o diabo,
por tudo que eu saiba. Maldito Inferno!
Sentindo-se muito contente consigo mesma pelo resto do dia, Rain
cantarolava quando trabalhava com os feridos na tenda de campanha de
hospital. Não se enganava pensando que Selik fazia algum salto gigantesco para
sua reforma repentina. Aquilo era uma pequena vitória, mas cada viagem
começa com o primeiro passo, lembrou-se.

— Por que está sorrindo? — perguntou Tykir de onde estava apoiado em


sua maca de hospital. Estivera consciente o dia inteiro e sua saúde melhorava
rapidamente, para o prazer de Rain. Teria tanto que contar ao doutor Lee
quando voltasse.
— Estou sorrindo porque hoje ganhei uma pequena batalha de Selik. De
fato, isto não é totalmente certo. É um acerto. Ambos somos ganhadores neste
luta particular.
Tykir ergueu uma sobrancelha bastante incrédulo.
— Selik? Custa-me acreditar que se dobre à vontade de qualquer um. A
tentação deve tê-lo seduzido poderosamente.
Rain deu um tapa de brincadeira no braço de Tykir.
— Se comporte bem, irmão caçula. Ainda está fraco, e estou em situação de
tornar sua vida muito incômoda.
— Legal, agora a pacifista revela sua verdadeira identidade.
Rain sorriu, sabendo que Tykir se referia aos discursos sobre pacifismo que
estivera lhe fazendo o dia inteiro.
— Ah, há formas não violentas de castigo para uma pessoa com
imaginação. Por exemplo, poderia fazer Ubbi prepar todas as suas refeições.
Tykir gemeu de maneira exagerada.
— Oh, por favor, isso não. Melhor a tortura da água.
Rain riu da atitude alegre de Tykir. Era bom vê-lo sentindo-se melhor,
comportando-se mais ou menos igual ao seu clone moderno — seu irmão
Dave.
— Quanto tempo passará até que possa viajar? — perguntou, de repente
sério. — Devo retornar a Ravenshire antes que os saxões confisquem a
propriedade.
— Uma semana — disse Selik antes que Rain pudesse responder. Ele tinha
aparecido atrás dela sem que se desse conta e ficara em pé prestando atenção ao
fácil diálogo entre ela e seu irmão com uma expressão confusa no rosto.
— Ah, não, ele não estará bastante bem então — protestou Rain. — Ao
menos duas semanas mais, Talvez até três.
— Partiremo em sete dias, embora tenhamos que levar Tykir sobre um
trenó.
— Não me arrastarão como se fosse um ancião — se queixou Tykir
indignadamente. — Começarei amanhã, exercitarei minha perna a cada dia.
Montarei a cavalo em uma semana mesmo que isso me mate.
— Mal pode fazer isso — comentou Rain com preocupação, desviando um
olhar condenatório a Selik.
— Cada dia de demora, tão perto de Brunanbur, traz o perigo para mais
perto — explicou Selik. —Mesmo agora, os saxões poderiam reunir forças para
vir atrás de nós. Tykir entende que não podemos esperar mais tempo.
— Sim, é verdade, Selik, e estou agradecido que tenha ficado tanto tempo
comigo — lançou um gentil olhar a Rain e apertou sua mão com tranqüilidade
— Provenho de uma forte raça. Tenho a intenção de sobreviver durante um
aceitável e longo tempo. De fato, dançarei em seu casamento — sacudiu suas
sobrancelhas em brincadeira.
— Meu casamento! — exclamou Rain, confusa. — O que te faz pensar que
tenho a intenção me casar alguma vez?
Tykir piscou para o céu.
— Um pequeno anjo me disse isso.
Selik parecia como se fosse ficar doente.
Essa tarde Rain se sentou com as pernas cruzadas no chão da tenda de
Selik, uma pele sob seus pés e outra jogada sobre seus ombros para se proteger
do frio. Preocupava-se com os prisioneiros que dormiam lá fora sobre a terra.
Mesmo que Selik tivesse encontrado de algum jeito roupa limpa e peles para
todos eles — e só o céu sabia onde as tinha roubado, provavelmente de
cadáveres de algum lugar — a noite de outono se tornou notavelmente fria.
Queria lhe perguntar se podia encontrar tendas para eles também, mas seu
semblante ficava exasperadamente teimoso cada vez que tocava no tema dos
prisioneiros. Determinou-se a escolher suas batalhas com cuidado e vencê-lo
com doçura.
Rain verteu o conteúdo de sua mochila sobre a terra diante ela, decidindo
que era hora de fazer um pequeno inventário de tudo o que havia trazido para o
passado em sua inesperada viagem.
Além de seu pequeno estojo de primeiro socorros, tinha uma pequena
quantidade de cosméticos, um espelho compacto, rímel, ruge, e um batom com
sabor de morangos, que oferecia algumas possibilidades interessantes se alguma
vez beijasse Selik de novo. O que, é obvio, não farei, disse a si mesma com
teimosia. Depois se corrigiu imediatamente, a quem pretendo enganar?
Além de um pente e uma escova, sua carteira e talão de cheques, uma coisa
realmente prática para se ter no século vinte, e dez mil dólares no banco e
nenhuma moeda de dez centavos para gastar. Tudo o que Rain tinha era um
Cubo de Rubik, que freqüentemente usava para liberar tensões durante os
intervalos na sala de cirurgia; e dois pacotes de balas de sabores variados e
frutas tropicais. Pôs uma bala de cor verde em sua boca e pôs de volta seus
pertences na mochila.
Estava brincando nervosamente com o Cubo de Rubik; a ponta da língua
presa entre seus lábios pela concentração, quando Selik entrou depois de um
breve tempo esfregando vigorosamente seus braços nus contra o frio.
Perguntou:
— Por que sua língua está verde?
Estendeu a língua mais para fora, lhe mostrando a pequena bolinha que
ainda estava lá.
— Estou chupando um salva-vidas.
— É um remédio?
— Não — disse com uma risada. — É uma bala. Um doce. Quer uma ou o
quê?
Ele parecia cético, mas tomou a amarela que lhe deu. Seu rosto se iluminou
de prazer quando começou a mastigá-la, triturando-a ruidosamente.
— Não a mastigue. Apenas a deixa sobre sua língua — lhe repreendeu. —
É de se supor que assim ela dura.
— Sou muito bom nesse tema — se gabou, lhe brindando uma rápida
piscadela. — Igualmente elaborando prazeres, ultimamente.
Com um bufo de chateação ante seu ego exagerado, deu-lhe outra, embora
fosse de sua cor favorita, vermelha. Para ficar satisfeito, insistiu que pegasse
mais duas, uma laranja e outra verde. Ela negou-se a desistir da outra vermelha.
— Quantos desses salva… bolinhas você tem?
— Salva-vidas — o corrigiu com um sorriso, guardando o pacote meio
vazio em seu lugar. — Isso é tudo— mentiu, tocando a madeira atrás de suas
costas. Por que deveria compartilhar suas frutas tropicais com o bruto? Talvez
desse uma a Tykir, entretanto.
— O que é isto? — perguntou, caindo junto a ela sobre a pele.
— Um Cubo de Rubik. Uma tipo de quebra-cabeças.
— Me deixe tentar.
O restabeleceu e lhe deu, sorrindo interiormente com antecipação. Ele não
fez nenhum comentário hora alguma mais tarde quando se deitou na cama de
peles, completamente vestida. Estivera preparada para discutir com ele o
costume Viking de dormir nu, e o bruto insensível ainda não percebera.
Muito mais tarde, depois que dormira durante ao menos três horas, abriu os
olhos para vê-lo ainda sentado ao lado da vela, mordendo seu lábio inferior de
maneira pensativa, tentando solucionar o maldito quebra-cabeças.
Perto do amanhecer, sentiu-o deslizando atrás dela, procurando seu calor
corporal. Afastou seus cabelos de seu pescoço e acariciou com o nariz a sensível
curva, então sussurrou:
— Amanhã me ensinará como solucionar o quebra-cabeças.
— ah-han — disse com voz sonolenta.
— E eu te ensino algo em troca.
Seus olhos se abriram de repente nesse momento.

Capítulo 7

— Ubbi–doobie–doo. Dá dá dá–dá dá. Ubbi doo–doobie. Dá dá dá… dá dá.


— Ubbi, deixe de cantar essa repetitiva letra, ou juro que cortarei sua
maldita língua — grunhiu Tykir sobre seu cavalo. — Pela fé! Começo a escutá-la
agora em meus sonhos.
— Agora, Tykir, não desate seu mau-humor sobre Ubbi — o repreendeu
Rain de brincadeira enquanto puxava o cavalo para seu irmão.
Depois de dois dias montando a cavalo, Rain realmente começava a se
sentir bem sobre a sela de Godsend, nome que tinha dado ao cavalo que a tinha
salvado e a Selik no campo de batalha. Quando Rain havia dito pela primeira
vez o nome de seu cavalo a Selik, este tinha protestado:
— O nome é tão louco como você.
Ubbi, por outra parte, tinha brilhado, afirmando que o nome de Godsed era
perfeito.
Rain olhou com preocupação o pequeno homem que também montava
outro dos cavalos que Selik e seus homens tinham trazido do campo de batalha
durante a última semana. Estava contente que Selik tivesse insistido que Ubbi
montasse, em vez de caminhar com os escravos. Obviamente sua artrite doía
muito.
Com a luz brilhante da lua, podia ver Ubbi olhando suas costas
disfarçadamente, um forte hábito, que fazia a cada vez que achava que ela não
via.
— Ubbi, há algo de errado com minhas costas?
Ele se agitou pela atenção.
— Me perdoe, milady. Estava admirando as árvores ao longe.
Rain arqueou uma sobrancelha ceticamente, sabendo que todos estariam
tensos com simples árvores, sobretudo na escuridão. Selik só os deixava viajar
depois do anoitecer e antes do amanhecer para evitar qualquer tipo de encontro
com patrulhas saxãs.
Ela começou a girar os ombros e disse com um gemido exagerado:
— Ubbi, meus ombros estão doendo! Sinto como se sob minha pele
houvessem mil abelhas tentando sair — a boca dele boca formou um “O”
perfeito. Pondo uma mão sobre a boca, acrescentou. — Minhas costas esta tão
tensas. Acha que poderia masagear minhas costas na próxima vez que paremos?
— Eu? — sufocou-se ele.
— Pelo caminho, Ubbi, parece que perdi algo. Viu um anel fino de ouro? —
ela levantou as mãos das rédeas para mostrar com os dedos estendidos um
círculo do tamanho de sua cabeça.
Ele quase se engoliu os dentes e sussurrou com voz baixa aterrorizada, sem
tentar ser escutado:
— Um halo! O bendito anjo perdeu seu halo.
Rain ainda se impressionava por entender o idioma dessa povo e eles a
entenderem. Mas então, tudo nessa experiência da viagem através do tempo a
assombrava.
Montado, Selik se aproximou nesse momento enquanto a lua cheia saía de
trás de uma nuvem. Vestido com suas roupas de batalha de couro, o corpo forte
de Selik se moveu sobre o corpo de seu cavalo com graça simples. Seus dedos
seguravam as rédeas enquanto guiava o cavalo com os músculos flexionados de
suas pernas, evidenciando-se através das apertadas malhas.
Rain lambeu os lábios repentinamente secos e se obrigou a subir o olhar.
Com um movimento de cabeça para Tykir, Selik perguntou:
— Como está? Precisa que paremos de novo antes do amanhecer?
— Não, não vamos nos deter por mim — afirmou Tykir, ouvindo a
pergunta de Selik involuntariamente.
Rain sabia que seu irmão estava atormentado pela dor, mas o teimoso
jovem se negava a qualquer possibilidade de usar um trenó e montava na sela
com a perna em uma braçadeira delicada que ela e Selik tinham improvisado
para ele.
— Podem obrigar à teimosa de minha irmã a ensinar a Ubbi outra canção?
— urgiu lamentosamente Tykir a Selik, mudando de assunto deliberadamente
para desviar a atenção de si mesmo. — Meus dentes estão começando a doer
por todos esses “doobie-doobie”.
A diversão brilhou brevemente nos olhos escuros de Selik enquanto
encontrava os dela em uma ardente carícia.
— Hah! O que te faz pensar que de repente sua irmã seria benevolente
comigo?
— Bem, pelo menos, a obrigue a lhe ensinar outra canção. Uma sacudida
aos sentidos menor.
Rain ergueu a cabeça imediatamente.
— Não! — disseram Selik e Tykir rapidamente com vozes horrorizadas
antes que ela pudesse falar.
— Não pense em começar outra dessas coisas de achy—breaky—breaky—
heart — ordenou Selik com um gemido. — Meu deus, não há em seu país
melodias suaves?
— Talvez seja a estridência dela — acrescentou Tykir. — Digo isso com
bondade, irmã, você têm uma voz que poderia esfolar uma árvore.
— Que agradável de sua parte dizer que não posso acompanhar uma
melodia, Tykir. Lembrarei quando te trocar as ataduras esta noite.
Selik jogou a cabeça para trás e riu, grave e gutural, zombando da conversa
entre irmã e irmão. Sua diversão suavizou as linhas de fúria e dor em seu rosto
por um momento, e pareceu anos mais jovem.
Quando ao fim se detiveram ao amanhecer para acampar em uma garganta
com muitas árvores, Tykir já não brincava, e Rain tirou as braçadeiras da perna
com cuidado. Seus pontos continuavam intactos e não havia inflamação, mas
sua boca se apertou em uma linha de dor. Com os punhos fortemente apertados,
mal poderia se mover do cavalo à cama de palha que lhe tinham preparado.
Rain ordenou a Ubbi que esterelizasse as agulhas na fogueira de cozinhar, e
em uma hora, Tykir dormia pacificamente, as agulhas de acupuntura colocadas
em pontos estratégicos de seu corpo para aliviar a dor. Um guarda se sentou
perto para vigiar Tykir para que não movesse as agulhas enquanto dormia.
Selik, por outro lado, tinha observado todo o procedimento com horror. Sua
pele bronzeada dourada ficou pálida e seus nódulos tinham ficado brancos
quando ele apertou os punhos.
Rain não tinha outras obrigações médicas a cumprir, de modo que foi à
fogueira de cozinhar e ofereceu ajuda a Blanche para preparar a refeição.
Enquanto Rain mexia os grandes pedaços de veado que assavam sobre o
fogo, observou Blanche se movendo com enérgica eficácia, preparando a massa
para o pão de manchet que assaria nas brasas. A garota saxã tinha feito uma boa
limpeza. Muito boa, admitiu Rain com inveja, enquanto prestava atenção aos
homens do acampamento que entre um pretexto ou outro se aproximavam para
oferecer sua ajuda. Um pretendente recolhia ervas. Outro, água. Até Gorm se
converteu em um Dom Juan, penteando completamente seus cabelos vermelhos
e úmidos em uma única trança e fazendo sua barba grisalha. Se não sorrisse e
mostrasse o dente que lhe faltava, quase poderia ser bonito, tinha que admitir
Rain.
Mas a nojenta jovem ignorava todos. Tinha seus olhos em algo maior. Selik.
Rain tentou ignorar o monstro de olhos vermelhos que rastejava sob sua
pele a cada vez que via Blanche lançando seus ardentes olhos ou movendo os
quadris cada vez que passava ao lado de Selik, muitas vezes sem motivo. Rain
tinha que manter em mente que a Lolita saxã provavelmente não tinha mais de
dezesseis anos, realmente uma menina. Ah! corrigiu-se ela imediatamente, os
olhares conhecedoras da morena davam indícios de artimanhas femininas que
não tinha idade, que Rain ainda não tinha aprendido. E ela tinha trinta anos!
O pior era o fato de que Selik “viking revoltante” parecia feliz. Rain
observou com ciúmes como os olhos prateados de Selik brilharam intensamente
com humor e seus sensuais lábios se curvaram em um sorriso deslumbrante
quando Blanche se elevou ante ele e se exibiu em uma linguagem corporal
antiquísima que manifestava o que desejava dele, enquanto perguntava
simplesmente:
— Onde guardam o sal, mestre?
Não em suas calças ordinárias, puta! Rain dirigiu a Selik um olhar com desejo
de afogá-lo enquanto este seguia o movimento da curva viçosa do traseiro da
jovem enquanto se inclinava em uma cesta com verduras que tinha recolhido.
Uma coelhinha Playboy não poderia ter posado mais tentadoramente.
Criminoso! Se eu fizesse isso, certamente meu traseiro pareceria o de um cavalo.
Ela dirigiu um olhar de lado para Selik e com desgosto viu que seu olhar
continuava no mesmo lugar, o traseiro de Blanche. Perdeu as estribeiras nesse
momento e rápido e impulsivamente antes de poder controlar sua ciumenta
língua:
— Procurando um chão para sua raiz?
Devolveu-lhe um sorriso aberto e lhe piscou um olho. Imediatamente, ela
lamentou recordar a Selik seu primeiro encontro, quando este tinha tentado se
desfazer dela, lhe dizendo que facilmente poderia encontrar outro protetor entre
os soldados mais interessados em encontrar um buraco onde aninhar suas
raízes.
Selik riu, sem se preocupar-se por ter sido pego olhando fixamente a garota.
— Se oferece?
— Não, bode velho.
— Ah, bem, realmente não teria acreditado que você notaria isso… ainda.
— Notar? Desde quando aprendeu uma expressão tão moderna?
— Sua mãe. Tinha muita sorte com as mulheres naqueles dias, mas Rubi me
ensinou muitas palavras úteis. Como notar, ter sorte, e dar um fora.
Rain assentiu com a cabeça entendendo. Parecia tanto com sua escandalosa
mãe.
— Se considera “dar um fora”.
Lhe dirigiu um sorriso conhecedor que dizia:
— Este é apenas o primeiro assalto.
Depois outra palavra de Selik a deprimiu.
— Como “ainda”? Melhor se meter em sua cabeça dura, Selik, que não vai
acontecer nada entre nós.
— Seu corpo diz outra coisa — Selik cruzou os braços diante o peito com
preguiçoso desafio.
— Isso era antes de descobrir o quanto você é brutal.
Ele se endireitou com orgulho, e seu rosto se obscureceu pela cólera.
— Não prometi mais benevolência.
— Sim, mas até tem prisioneiros. E até pensa matar tantos saxões quanto
puder.
— Realmente, faço, amável pacifista. Mas isso não tem nada haver com as
peles da cama.
— Oh, sim, tem.
A tempestade nos olhos de Selik se atenuou e ele estreitou os olhos
astutamente enquanto a estudava. Ela quase podia ouvir as engrenagens de seu
cérebro girando em seu ardiloso cérebro.
— Ouvi uma voz ontem à noite enquanto dormia. A moça deveria fazer sexo
com você — disse. — Parece que seu Deus falava comigo.
— Mentiroso — disse Rain, incapaz de deter o sorriso que nasceu em seus
lábios ante sua clara tentativa de sedução.
Senhor, era um homem devastadoramente atraente quando o aspecto
sinistro abandonava seu rosto. Com sua cabeça levemente inclinada para o lado,
Rain não podia ver a cicatriz esbranquiçada que ziguezagueava do seu olho
direito ao seu queixo, nem o nariz quebrado. Os ângulos cortantes de seu perfil
pareciam se derreter, deixando apenas a imagem de um homem seguro de si
mesmo, viril. Seus olhos mantinham o silêncio carregado, e ela sentiu que uma
parte de si mesma que nunca tinha sido tocada por homem algum se
aproximava dele.
— Ah, bem, valeu a tentativa — depois ele voltou a olhar para Blanche com
os olhos brilhantes. — Por outro lado, talvez a voz falasse dessa moça.
Blanche eguia os braços para alcançar com as pontas dos dedos os pequenos
ramos de uma árvore próxima a sua fogueira. Cada vigoroso homem em um
raio de cento e cinquenta metros olhava seus grandes mamilos bem visíveis
delineados contra o esticado tecido de sua túnica.
Rain viu tudo vermelho. E se virou para ocultar seus ciúmes do perceptivo
Selik.
— Rain? — perguntou suavemente Selik a suas costas. Ela voltou o olhar
sobre o ombro, assombrada ao ver que ele estava tão perto. Amavelmente,
penteou os cabelos dela que tinham escapado da trança, afastando-os de seu
rosto. Ela começou a encará-lo e quase cambaleou sob o opressor puxão do calor
de seu corpo e perfume. — Sabe quanto tempo se passou desde que fiz “sexo”
com uma mulher?
Alarmada pela pergunta, Rain negou com a cabeça lentamente, incapaz de
falar, seus olhos presos pelos luminosos e cinzas dele.
— Dois anos.
— O qu… quê?
— E sabe quanto faz desde que quis fazer amor com uma mulher? — ele
fazia uma diferença entre fazer sexo e fazer amor.
Fascinada, os olhos de Rain passearam sobre seu rosto, incapaz até de falar.
Desejou seguir com o dedo indicador os planos das afiladas maçãs de seu rosto,
saborear a doçura de seus lábios entreabertos, ver seus olhos fechando na lenta
rendição do êxtase. Oh, valha-me Deus!
Quando ela não falou, ele respondeu sua pergunta.
— Dez anos. Dez malditos anos, morto em alma.
Rain ficou sem fôlego.
— Oh, transei com mulheres, já que acreditei que era o que um homem
devia fazer, porque pensei que me faria esquecer. Mas me cansei das cópulas
sem significado há dois anos.
— Mas insinuou que poderia fazer com Blanche — interrompeu ela.
Selik negou com a cabeça cansadamente.
— Houve cem Blanches em minha vida. Mas na verdade não desejava uma
mulher há tempo. Até dez dias. Até encontrar um anjo louco, feroz, sustentando
que veio do futuro, que virou minha vida de cabeça para baixo.
— Oh, Selik.
— Não me venha com “Oh, Selik” — ele a avisou. — Não dou as boas-
vindas aos desejos suaves. Reprovo sentir isso de novo… — ele começou a dizer
outra coisa, mas parou abruptamente, girando e se afastando dela.
Aturdida, Rain apenas olhou boquiaberta como ele se afastava. Depois saiu
como uma trombeta atrás dele. Ele estava dando a direção das explorações a
Gorm quando ela finalmente o alcançou.
Sem pensar em sua indelicadeza por interromper outra conversa, Rain pôs
uma palma contra o peito de Selik e o afastou com um empurrão. Era óbvio, ele
não se movera nada, somente cravou os olhos na mão, incrédulo. Gorm a olhou
estupidamente como se ela tivesse duas cabeças.
— Escute, não pode dizer a uma mulher algo maravilhoso como isso e
depois ir dando meia volta quando quiser.
Ele avaliou com mordacidade e em silêncio a mão que empurrava seu peito
muito duro. Arqueando uma sobrancelha, comentou secamente.
— Parece que tem um lado sombrio, afinal de contas, para ser uma pacifista
Baixando o olhar e se dando conta de que, certamente, tinha adquirido
algumas características violentas, Rain deixou cair a mão como se seu peito
queimasse de repente. O insuportável homem realmente desprendia um calor
tentador. Oh, valha-me Deus!
Depois Selik inclinou a cabeça perplexo.
— Que coisa maravilhosa eu disse?
Rain sentiu como seu rosto avermelhava.
— Disse… — vacilou quando viu que Gorm ainda estava ali, escutando
atentamente cada palavra dela e com um amplo sorriso em seu rosto. Ela o
olhou furiosamente até que ele bufou com desgosto e se afastou caminhando e
resmungando.
Voltando a olhar para Selik, continuou:
— Disse que não quis fazer amor com nenhuma mulher durante dez anos,
até que me encontrou.
— E?
— E!? não há “e”, imbecil. Disse deliberadamente para me tentar? E
depois…
— Está tentada?
— Não! — exclamou ela muito rápido e soube pelo sorriso lento que ele
formou que não o tinha enganado nem um pouco. — De qualquer forma, é
verdade?
— O quê? — ele, inclusive, nem tentava esconder seu sorriso, e o coração de
Rain pulsou furiosamente contra seu peito em reação. — Que te desejo? Que
estive dois anos sem me deitar com uma mulher? Que realmente não desejei
uma mulher concretamente após, bem, dez anos?
— Sim. Tudo isso — assentiu rapidamente ela. Por fim o maravilhoso tolo
chegava a algum lugar.
Ele pensou por um momento, esfregou com a ponta do dedo as rugas da
testa, depois moveu a cabeça lentamente, sem falar. Apenas a olhou fixamente.
Ela esperou calada, mas ele só se manteve silencioso como uma maldita
estátua. Erguendo-se como um torvelinho pela exasperação, finalmente rompeu
o silêncio:
— Maldição! Sei o que é que está fazendo. Minha mãe me falo de você.
Deveria tê-la escutado. O último sedutor, dessa forma foi como te descreveu.
Oh, é ardiloso, te concedo isso. Aposto que essa conversa funcionou com mil
mulheres.
— Mil! — a risada, intensa e rica, borbulhou por sua garganta. — Está
sobrevalorizando meus talentos, meu doce.
Ela se aproximou um passo, disposta a lhe dar outro empurrão, mas Selik
pôs as duas mãos sobre seus ombros e a conteve. Um ardente fogo a percorreu
desde a ponta dos dedos e disparu por cada nervo de seu corpo.
Instintivamente, ela se aproximou mais.
— Não, mantenha distância, moça. Meu autocontrole foi testado limite. Te
desejo. Maldição. E a menos que tenha a intenção de compartilhar as peles de
minha cama no verdadeiro sentido da palavra, vai se manter longe de mim.
Rain não podia negar que a idéia a atraía. De fato, nada teria gostado mais
do que se render naquele momento a todos os loucos impulsos que pulsavam
por seu corpo. Mas Rain nunca se comportara com impetuosidade no passado, e
seu cérebro pragmático delineava outra idéia, a dúvida sobre se poderia
comprometer todos seus princípios fazendo amor com um homem que era tudo
o que ela detestava. Gemeu sob o peso de suas emoções em luta.
— Selik, simplesmente vai libertar os prisioneiros e deixar a luta?
— Não, não posso — ele negou com a cabeça tristemente, depois lhe dirigiu
um olhar desafiante. — Mas te ensinarei coisas que seus livros nunca
mencionaram, te darei prazeres que seus amantes modernos nunca sonharam.
Farei com que seu sangue cante e seus ossos se derretam. Nunca vai querer
outro homem depois de mim.
Rain deveria ter se sentido insultada por sua presunção. Não estava.
Lambeu os lábios com nervosismo, tentando manter seus hormônios sob
controle.
— E você? — perguntou ela suavemente. — Vai querer outra mulher depois
de me tomar ?
Selik estudou seu rosto de perto, a paixão em seus olhos refletindo-se nos
dela, antes de responder:
— Provavelmente não.
O coração de Rain se agitou esperançosamente.
— Selik, a menos que esteja disposto a deter esse derramamento de sangue,
não acho que possamos ter um futuro — ela lamentou, segurando suas mãos,
tentando fazer com que compreendesse.
— Temos o presente.
— Mas isso não é suficiente — disse enquanto suas esperanças afundavam.
— Não pode ver? Oh, Selik, estou tão assustada.
— Com o quê?
— Com você. Conosco. Há um forte desejo entre nós. Se fizermos amor, sei
que será incrível. Simplesmente sei. Não tem que me seduzir com falsos elogios
ou provocações sexuais tentadoras. Já te desejo.
Ele se aproximou mais, pondo as mãos sobre seus ombros. Rain levou os
braços para trás, irritada por sua proximidde. Tinha que fazê-lo entender.
— Não posso me envolver com um homem dessa maneira, intimamente,
sabendo que esta comprometido com uma vida de violência. É contrário a tudo
o que quero, a todas minhas crenças. Não pode considerar abandonar sua
vingança?
O rosto de Selik ficou rígido e ele ergueu o queixo com altivez enquanto se
recusava a se dobrar aos seus desejos ou suplicar por seus favores.
— Então não há esperança para nós — sussurrou suavemente ela, fechando
os olhos para evitar que as lágrimas se derramassem. Mas falhou. — Mas que
saiba isso, viking teimoso, não quero te ferir.
Selik cravou com impotência os olhos nas lágrimas que deslizavam pelo
rosto dela. Depois de um momento, seu rosto relaxou enquanto sua ira se
desvanecia.
— Não chore por mim — disse ele, obrigando-se a dar um tom leve a suas
palavras. — Sobrevivi a coisas muito piores que a perca de uma moça. Muito,
muito piores.
O coração de Rain quase se quebrou pela falta de emoção na voz dele.
Perguntou-se quem o teria machucado tanto, por que tinha começado
semelhante caminho de derramamento de sangue.
Dessa vez, quando ele se voltou e se foi, suas costas rígidas e
inquebrantáveis, Rain não compreendeu.
— Querido Deus, alguma vez entenderei este homem? — perguntou ela em
voz alta.
Ele precisa de você, menina.
— O que ele precisa é de um boa descarga de pacifismo.
O que ele precisa é de amor.
Se não deixasse de escutar vozes, começaria a aceitar a crença de Ubbi de
que ela realmente era um anjo enviado por Deus. Verificando, para ver se
ninguém olhava, tocou suas costas. Yup! Tal como tinha pensado. Seus ombros
estavam lisos. Maneou a cabeça decpcionada por sua idiotice.
Quando voltou para a fogueira de cozinhar, Blanche estava fervendo
algumas hortaliças, acrescentando o que pareciam ser alho e cebolas silvestres
fritas. Uma dúzia de barras de pão de manchet douradas esfriando sobre uma
rocha plana. A carne de veado perfeitamente assada crepitava sobre o fogo,
exalando um aroma incrivelmente delicioso.
A mulher era impressionante . Rain começava a odiá-la.
— Onde aprendeu a cozinhar assim? — ela lhe perguntou docemente.
Os inteligentes olhos cor avelã de Blanche se moveram, avaliando Rain e
sua pergunta, provavelmente perguntando-se o quanto era seguro revelar
informaççoes pessoais.
— Meu pai era um Lorde da Região Montanhosa e minha mãe uma
tecedora do torreão. O Lorde não tinha muito carinho por mim, mas me
permitiu trabalhar nas cozinhas em vez de nos campos.
— Como acabou comprometida a Edwin depois?
— A esposa de meu pai — a cadela — me odiou desde o dia em que nasci.
Enquanto eu crescia e me parecia mais com meu pai, seu ódio cresceu —
Blanche deu de ombros. — Não restou mais que usar meus outros talentos, em
minhas costas, para evitar sua fúria.
Rain maneou a cabeça entristecida, recordando o quanto era bruto o
período do tempo em que ela caíra.
— Em meu te… país, as coisas são diferentes. A ilegitimidade não é
realmente um estigma, e as mulheres têm direitos. Com sua óbvia inteligência,
poderia fazer qualquer trabalho que desejasse e se manter sem precisar
depender de um homem… seja como esposa ou prostituta.
Blanche afastou a concha de sopa e pregou os olhos Rain, incrédula.
— Mesmo?
Rain assentiu com a cabeça.
— Como chego a esse país?
Rain riu. Oh, se simplesmente fosse tão fácil!
— É um caminho longo, longo. Nem sequer tenho certeza de poder voltar.
Blanche a estudou com interesse renovado.
— Bem, então, me deixe lhe perguntar algo. Selik é seu homem?
Um lento calor subiu pelo pescoço de Rain até seu rosto, e se moveu com
inquietação.
— Não. Digo, não dessa maneira. Não somos amantes.
— Pensa em tomá-lo como homem?
Rain inclinou a cabeça para um lado.
— Por que pergunta?
— Porque se você não o quer, eu quero.
O coração de Rain gelou ante a idéia de Selik com Blanche. De Selik com
qualquer mulher que não fosse ela. Oh, em que cachorro da horta 1 se converteu,
sem aceitá-lo como amante, mas sem querer que nenhuma outra mulher o
tivesse, de qualquer maneira.
1
cachorro da horta (perro del hortelano) é uma expressão que faz parte do provérbio espanhol “Ser como el perro del
hortelano, que ni come las berzas, ni deja comer al amo” (Tradução: Ser como o cachorro da horta, que nem come a
plantação, nem deixa comer o amo).
Mas a atração que Blanche sentia por Selik a deixava perplexa.
— As mulheres que deixaram o acampamento, foram embora antes de você
chegar, estavam enojadas pelo aspecto cheio de cicatrizes de Selik, e sua
violência. O chamaram de besta.
Blanche bufou.
— Estavam cegas.
Sim, estavam, Rain concordou silenciosamente. O quanto Blanche era
perceptiva para se dar conta disso. E como era alarmante.

Quando Selik deslizou nas peles ao lado dela essa noite, como insistia em
fazer todas as noites, Rain viu Blanche os observando especulativamente. Nada
escapava ao discernimento dessa mulher. Ela sabia que Selik compartilhava
suas peles de cama e nada mais e simplesmente esperava seu momento. Mas
por hora, Rain adorava a proximidade de Selik, o calor de seu corpo contra suas
costas, seu quente hálito contra seu pescoço.
— Está pronta para abrir seu buraco, meu doce? — brincou Selik. Acariciou
com o nariz seu pescoço, e ela sentiu como o prazer vertia até a ponta dos
dedos de suas mãos e pés.
Rain disse uma palavra vulgar, moderna. Ele riu, compreendendo
perfeitamente. Pelo visto, algumas palavras não precisavam ser explicadas.
Rain mentalmente se recriminou pela piora de seu comportamento. Em
outras duas semanas e já ameaçaria, como Selik fazia normalmente, e usaria
uma linguagem que nunca tinha usado antes. Era por completo culpa de Selik,
decidiu ela irracionalmente. Em vez de ela mudá-lo, ele a fazia descer ao seu
nível.
Talvez precisse descer de seu pedestal.
Oh, grande.
— O que disse? — perguntou Selik, seu hálito quente brincando com os
cabelos de sua nuca.
Ela gemeu.
— Nada.
— Deus outra vez?
Quando ela se negou a responder, Selik riu.
— Pois bem, dê ao seu ser divino boa noite pela parte de ambos.
Durante outra semana viajaram escondidos durante a noite.
Surpreendentemente, só toparam com alguns soldados saxões, e puderam evitar
a luta. Aparentemente, estavam tão cansados pela batalha quanto os
noruegueses e os escoceses e tinham voltado para suas casas. Alguns soldados
que fugiram disseram a Tykir que os homens do rei Athelstan o caçavam na
Cúmbria, achando que tinha fugido com o rei Constantine.
Um dia, quando se detiveram em uma granjinha para os cavalos
desacansarem, Rain conseguiu seu primeiro vislumbre da obsessiva aversão de
Selik pelas crianças, sobre a qual as mulheres lhe tinham falado antes. Dois
garotinhos e uma menina, nenhum com mais de cinco anos, brincavam no barro
ao lado de um poço enquanto sua mãe saxã pegava o balde para colocar água.
Quando Selik viu as crianças, ordenou a todos que saíssem do curral, negando-
se a descer e saciar a sede. Não se desculpou por sua falta de consideração,
apesar de ter levado outras duas horas para voltar a encontrar água. Foi a
última vez que se detiveram em uma propriedade que tinha casa e terras
durante o dia.
Apesar da relativa segurança, viajavam lentamente por culpa dos escravos,
que tinha que caminhar, embora alguns dos homens concordaram em servir
Selik para se libertarem e montavam com seus soldados. Bertha, a mulher
corpulenta que tinha chamado Rain de louca quando voluntariamente ela se
uniu à cadeia de corda, ajudava Blanche, queixando-se sem parar. Rain tinha o
prazer de ver que o leve caso de ictérica de Bertha tinha regredido, graças ao
novo regime que ela tinha lhe receitado, que incluía grandes quantidades de
verduras e fígado, quando fosse possível. Uma terceira mulher, Eadifu,
preguiçosa, de uns trinta anos, mulher de lábios grossos, gastava quase todo seu
tempo no bosque, favorecendo qualquer homem com inclinação de saborear
seus duvidosos encantos.
Quando finalmente chegaram a Ravenshire, a ancestral casa de Tykir, Rain
a olhou com excitação, apesar de seu cansaço. Ouvira tanto sua mãe falar
daquela casa, mas aquele torreão desmoronado não podia ser a mesma fazenda
próspera. Não só os terrenos estavam não-arados e descuidados, mas também
as cabanas dos servos, mais parecidas com barracões, estavam vazias e se
desmoronando. O primitivo castelo de pedra e madeira parecia mais com um
forte do oeste americano, com sua alta paliçada sobre uma colina, chamada
Motte. Rain maneou a cabeça pela súbita desilusão ante a negligência e a
destruição.
Ela perguntou a Tykir, cuja expressão triste refletia seu pesar.
— O que aconteceu?
Ele deu de ombros.
— Meu avô Dar e minha avó se mantiveram firmes contra a invasão saxã
por tantos anos quanto puderam sem meu pai ou Eiriz ou a mim para ajudar.
Ambos estão mortos agora.
— Ainda é seu?
— Sem dúvida, ou pelo menos de Eirik. Sendo o mais velho, mantém os
direitos da herança, e desfruta dos favores do rei Athelstan. Os saxões não se
atreveriam a roubar sua herança. Agora a mim — acrescentou com um sorriso
aberto — esse é outro caso. Se pudesse, o rei saxão destruiria a mim e ao torreão.
— Oh, Tykir. Toda esta luta e ódio! Por quê?
— Não tem que existir uma razão, irmã. Logo aprenderá isso. Os saxões
odeiam os pagãos noruegueses. Os noruegueses odeiam os sangrentos saxões. É
a natureza das coisas, e sempre será assim até que um ou outro desapareça da
face da terra.
Rain maneou a cabeça com tristeza. Poderia dizer a Tykir que os vikings
perderiam aquela batalha contra os saxões, mas não era seu dever intervir na
história.
— Estará a salvo aqui?
— Por um tempo. Até que esteja completamente recuperado.
— E depois?
— Talvez visite meu primo Haakon. É o rei da Noruega agora e sempre
pode utilizar bons soldados na retaguarda ainda enquanto seu irmão Eric
Bloodaxe cobice o trono. Ou talvez me converta em uns dos guardas Varangian
do imperador bizantino. Não, melhor, posso me unir a Selik para enviar mais
alguns saxões para o túmulo.
Rain ficou sem fôlego.
— Tykir! Não, você também?
Ele descartou sua preocupação com um movimento da mão, depois
acrescentou com um rápido movimento de seus travessos olhos cor de café:
—Por outro lado, poderia visitar sua terra. Se as mulheres dali forem tão
intrigantes como você e sua mãe, sem dúvida posso me convencer a deixar de
lutar por um feitiço.
Agora essa era uma imagem arrebatadora, Tykir mostrando seus encantos
escandinavos às mulheres modernas, liberadas. De fato, Rain tinha algumas
amigas que comeriam o viking em um segundo. Ou vice-versa.
Mas por suas anteriores conversas com Tykir sabia que não acreditava que
viesse do futuro, somente de uma terra longínqua.
— Não, não pode ir a meu país, Tykir. Por desgraça, não tenho nenhuma
orientação de como desfazer a viagem.
— Então como chegou aqui? Não, não me diga. Temo que me dirá que voou
até aqui com asas de anjo.
Rain sorriu e lhe deu um beliscão de brincadeira nas costelas.
— Ubbi esteve balbuciando de novo, pelo que vejo.
— Como um retardado — Tykir lhe devolveu o sorriso com calor fraternal.
Montaram pelo pátio deserto e Selik ajudou Tykir a descer do cavalo, lhe
dando uma muleta de madeira. Selik deu ordens para cuidarem dos cavalos e
pôs alguns homens para caçar e procurar entre os restos penso para os animais.
Quando entraram no grande vestíbulo do torreão, Rain soube que ela e os
escravos teriam trabalho. Os morcegos penduravam das vigas, compartilhando
o espaço com ninhos de aves. A palha do chão estava tão suja que se
aglomerara. Ela estremeceu sob o horrível aroma de mofo e de decomposição.
Embora preferisse comer e dormir ao ar livre, vira o olhar angustiado no
rosto de Tykir ante o deplorável estado de sua mansão. E na verdade também
era sua herança. Rain tinha que ajudá-lo.
Decidiu que a cozinha e os dormitórios viriam primeiro. Acompanhou
Blanche através do corredor fechado que dava na cozinha depois de ordenar a
Berhta e Eadifu que levassem todos os colchões e lençois ao pátio para lavá-los.
Os antigos habitantes tinham desmantelado completamente a cozinha.
Nenhuma panela, concha de sopa, cadeira ou um pouco de comida tinha sido
deixado para trás pelos servos quando abandonaram o Castelo. Apenas uma
grande mesa com cavaletes ficara no centro da cozinha, e uma dúzia de duras
barras de sabão na despensa. A mesa, por provavelmente ser muito grande para
que os ladrões a levassem. E pela experiência de Rain com as pessoas do século
X, o sabão não era um artigo muito apreciado.
Rain passou duas cansativas e penosas horas esfregando o chão e a mesa, e
tirando as teias-de-aranha das paredes e do teto, enquanto Blanche trazia as
provisões e utensílios que levaram com eles de Brunanburh. Logo tinham a
cozinha em um estado razoavelmente limpo e o último pedaço de carne de
veado assando sobre o fogão da cozinha.
Ela saiu ao pátio da cozinha para ver como iam Bertha e Eadifu, que
ferviam os poucos lençois que tinham encontrado, junto com a roupa suja de
todos, em grandes caldeirões com sabão.
— Isto está errado — se queixou Bertha enquanto Eadifu levantava uma
ensopada peça da água com sabão com uma longa vara, jogando-a
descuidadamente em um caldeirão com água limpa, criando um atoleiro de dois
metros de barro em torno, depois o pendurando em um arbusto próximo. —
Deve espremer a maldita peça, estúpida. Acha que temos uma semana para
secá-las?
— As enfie em seu traseiro, velha musaranha — replicou Eadifu. — Tenho
coisas melhores com que ocupar meu tempo — olhou para o final do pátio onde
um soldado esperava, um brilho lascivo em seus olhos e uma horrível
protuberância em suas calças.
Bertha notou a presença de Rain e saiu em sua ajuda.
— Querida, diga a alcoviteira que mantenha suas pernas no chão, em vez
de erguidas.
— Edifu — avisou friamente Rain — se você se atrever a abandonar o pátio
antes de que todas as peças estejam lavadas, juro que te prendo na masmorra —
tinham masmorras? perguntou-se preguiçosamente antes de continuar. — E não
comerá durante uma semana.
Aquela era uma que Rain começava a pensar que não lhe incomodaria se
fosse vendida como escrava.
Edifu resmungou algo que soava como “maldita cadela”, mas voltou mal-
humorada ao trabalho.
— E faça o trabalho bem, da maneira que Bertha te ordenar.
Bertha brilhou como a lua cheia ao ser posta no comando.
— Se diverte tolamente a cada vez que um homem esteja vestido de couro e
cheirando — ela escutou como Bertha insultava Eadifu enquanto se dirigia à
cozinha.
— Essa é a causa de você não ter valor — se recuperou rapidamente Eadifu.
Rain escutou um forte som de água se espalhando e esperou que Bertha
houvesse jogado a prostituta no buraco da água fria. E isso sendo pacifista.
Quando se apartava a ajuda a empurrões, parecia que seus princípios se
mostravam flexíveis.
Mais tarde, depois do jantar básico, Selik entrou na cozinha e lhe disse que
ele, Tykir e os homens iriam a um lago próximo se banharem.
— A menos que queira que te espere, e possamos ir de mãos dadas — lhe
ofereceu com voz grave, rouca ao ouvido.
O olhar de águia de Blanche observava com interesse da outra ponta do
cômodo.
— Não — respondeu rapidamente Rain, sua pele ardendo quando recordou
a última vez que se banharam.
Os olhos cinzas de Selik ficaram enevoados quando também lembrou a
paixão, e os cantos de seus lábios cheios, sensuais se ergueram em um aberto
sorriso perceptivo.
— Ah, bem, talvez da próxima vez.
Naquela noite quando Rain subiu os degraus que davam no corredor do
segundo andar, todos os músculos que tinha doendo, não pensava na Escola de
Medicina. Tykir já dormia em seu quarto, exausto pela viagem e a ferida ainda
cicatrizando.
Selik estava no cômodo, despindo-se quando ela abriu a porta. Ela pensou
em fechar a porta imediatamente e descer as escadas ante a visão de seu
magnífico corpo semi-vestido. Engolindo em seco, tentou não cravar os olhos
em seus cabelos limpos que caiam sobre os ombros, suas costas nuas,
musculosas, e sua cintura ressaltada pelas calças baixas até os quadris. Bendito
Céu!
— Feche a porta — pediu ele, já a tendo visto. — Isso está mais frio que o
peito de uma bruxa.
Sem olhar para os lençois da cama, Selik tinha jogado as mantas sobre o
chão na frente do fogo da lareira. O ventilado dormitório só estava quente na
frente da lareira, e Rain já tremia por seu banho recente. Mas ainda se mantinha
em pé diante a porta.
— Se aproxime.
Rain arrastou os pés até o fogo… e Selik. Tinha dormido ao lado daquele
homem durante as duas semanas anteriores, conhecia o aroma de sua pele, o
som de sua respiração, o calor de sua carne. E apesar disso, estar no pequeno
cômodo com ele era diferente. Mais íntimo.
Até o ar do quarto se fechava, enchendo-se de tensão.
Ela podia ver nas ardentes profundidades dos olhos cinza que observavam
cada movimento seu com a intensidade de um falcão, seus lábios abertos
sedutoramente, e a excessiva excitação em seu corpo.
Ele deixou cair as calças e se manteve diante ela, as mãos nos quadris, as
pernas levemente separadas, completamente nu. Rain não podia afastar o olhar.
Doce Senhor! O homem não jogava limpo.
Fechou os olhos para ganhar forças. A luz do fogo criava sombras oscilantes
em seus cabelos loiro-platinados, e um brilho dourado nos planos duros como
uma tábua em seu peito e abdômen. Ele exsudava energia e poder.
— Dispa-se, querida — disse com voz crua.
Rain o olhou horrorizada.
Ele deslizou a língua pelos lábios e riu.
— Não vou te forçar. Apenas dormiremos… se esse é seu desejo.
— Hah! — disse Rain com voz trêmula, apreciando intensamente sua
enorme ereção. Ele cresceu ainda mais sob seu olhar.
— Oh— gemeu suavemente ela, sentindo como suas defesas se debilitavam.
E Selik se aproximou mais, tentando alcançá-la.
Ela foi para trás.
Ele ergueu as palmas da mão em sinal de rendição, repetindo:
— Não vou te forçar.
Depois se abaixou nas peles da cama para demonstrar suas boas intenções,
cobrindo-se.
— Deite-se, Rain. Foi um longo dia, e ambos estamos cansados.
Rain não acreditou nem por um minuto que estivesse tão cansado.
— Selik, não é boa idéia durmirmos juntos.
— Isso é algo que disse várias vezes antes.
— Acho que eu deveria descer as escadas e dormir junto a Blanche.
— O que te faz pensar que Blanche dorme sozinha?
— O quê?
Selik deu de ombros.
— Aproximou-se de mim várias vezes. Não posso acreditar que seja o único
que convida para sua cama.
Pode acreditar, pensou Rain com o coração encolhido, perguntando-se
quanto tempo seria necessário antes de Selik renunciar ao celibato ante a
insistente tentação de Blanche. Oh, maldição!
— Não há escolha. Deite-se comigo — ele declarou firmemente, dando
palmadas nas peles a seu lado. — É minha refém.
Ela gemeu.
— Selik, não vou fazer amor com você. Por que se tortura?
— E a você também? — ergueu a sobrancelha esquerda em um segundo de
dúvida.
— E a mim também.
Ele sorriu com irritante satisfação ante sua admissão.
Dando-se por vencida, começou a se abaixar para as peles mais próximas
do fogo.
— Não. Se dispa antes.
Rain deu um passo atrás e lhe disse com fúria:
— Passei as noites com minhas roupas nos acampamentos durante nossa
viagem até aqui.
— Aquilo era então. Isto é agora. Tanto vindo do futuro, como declara,
quanto da maldita lua, adotará nossos costumes enquanto estiver vivendo entre
nós.
Selik se endireitou e cruzou os braços sobre seus joelhos elevados,
observando-a fixamente quando ela começou a se despir.
Rain sentiu como seu rosto ardia, mas não o deixou ver seu nervosismo
acerca de se despir diante um homem arrogante. Meu deus, era muito alta,
também grande e grosseira. Nas únicas vezes em que estivera com um homem
no passado, despira-se no escuro para ocultar a vergonha de seu desajeitado
corpo. Não tinham prestado atenção.
Os únicos sons no quarto eram o crepitar do fogo e a ofegante respiração de
Selik enquanto ela se erguia ante ele usando apenas seu sutiã cor de carne e sua
calcinha. Seus olhos extremamente ardentes faziam sua pele arder. Quando
cruzaram com os dela, ela cambaleou ante a descarga de calor elétrico que
transmitiam.
Mas Selik não zombava dela. Seus olhos acariciavam cada centímetro de
seu corpo. Em qualquer parte que seus olhos tocavam, Rain sentia um
formigamento quente que começava a arder e esquentar sua pele. Pela primeira
vez em sua vida, sentiu-se atraente.
— É a mulher mais bela que jamais vi — sussurrou ele com receio.
As lágrimas emanaram dos olhos de Rain.
— Não faça isso, Selik. Não zombe de mim.
Ele inclinou a cabeça interrogativamente, depois levantou as peles da cama
a seu lado, insistindo para ela se unir a ele.
Quando ela estave deitada, tendo certeza que seu corpo não a tocava, Selik
lhe disse suavemente:
— Os homens de seu tempo devem estar loucos para te fazer se
envergonhar de seu corpo. Realmente, Rain, você é bela — muito docilmente,
afastou algumas mechas de seu rosto.
— Acho que você deve estar louco — disse ela com uma risada nervosa,
contente apesar de que provavelmente ele somente tentava seduzi-la.
Realmente, queria ser bela para Selik. — Além disso, me comparou a uma
árvore e um cavalo algumas vezes, se recorda.
Selik riu sufocadamente, seguindo com um dedo a linha de seu ombro. Rain
estremeceu ante o doce prazer que a percorreu, tão intenso que era insuportável.
— Ah, pois bem, é um fato sabido que tenho apego aos cavalos e às
majestosas árvores.
Ela começou a bater nele por atiçá-la. Um engano fatal! Seus seios rasparam
o braço dele, e ele inalou fortemente ante o contato eletrizante. Rain
imediatamente voltou o olhar e o afastou dele, olhando o fogo para silenciar o
efeito daquele simples contato sobre seus sensíveis mamilos.
Repentinamente, Rain não podia evitar as silenciosas lágrimas que
deslizavam por seu rosto. Desejava tanto Selik, e estava cansada de lutar
consigo mesma.
— Rain, porque está chorando? Não farei amor com você, se não deseja.
Homem tolo, não sabe que é isso precisamente o que quero que faça?
Ele deslizou carinhosamente uma mão por seu braço, os calafrios dirigindo-
se a cada lugar erótico de seu corpo.
— Tem medo de engravidar? Te asseguro que não receberá minha semente
— ele lhe ofereceu suavemente enquanto beijava a linha de seus ombros até sua
nuca. Com cada rítmico fôlego que tomava, seu pênis roçava contra a separação
de seu traseiro.
Rain riu trêmula.
— Agora isso é algo original. Como pode garantir? Tem um preservativo?
— Não, não utilizo nenhuma dessas ridículas capas que sua mãe
mencionou — ela o sentiu sorrir contra seu pescoço. — Sigo o método do bíblico
Onan… verter a semente fora do corpo — quando ela bufou incrédula, ele riu.
— Está a ponto de fazer um bate-papo sobre o controle da natalidade, como sua
mãe fez com as mulheres do rei Sigtrygg?
— Minha mãe fez o quê? — exclamou Rain, começando a ver o sorriso no
rosto dele. — Oh, não importa — realmente ela tinha ouvido suficientemente
sobre a conduta escandalosa de sua mãe — mas não vejo como pode ter certeza
de que nunca teve filhos… usando esse método, digo.
— Te animo, senhora, não tenho filhos vivos.
— Pois bem, pode ser verdade, mas é simples sorte, se têm praticado tirar
antes do clímax.
Selik fez um som sufocado de incredulidade.
— Que espécie de mulher você é que fala tão diretamente?
— Médica, pelo amor de Deus. E te digo, Selik, que alguns momentos antes
do sêmen sair de seu pênis…
Selik fez um ruído do fundo de sua garganta, e arqueou as sobrancelhas
admirado, provavelmente por sua atenção aos detalhes.
— De qualquer modo, se fez amor com uma mulher depois, mesmo quando
saiu de seu interior e chegou ao clímax fora de seu corpo, ela ainda pode ficar
grávida.
— Devo supor que o homem e o pênis fazem isso? — perguntou secamente
ele. Inclinando a cabeça, continuo: — Mas como se pode conceber se a semente
fica fora do corpo da mulher?
— Porque se engana, simplesmente a mínima quantidade que cai no corpo
da mulher é suficiente para deixá-la grávida.
— São histórias. Isso não é verdade.
— Sim, é, Selik. Como médica, te digo isso, vi a prova várias vezes.
Horrorizado, cravou os olhos nela com incredulidade, que logo se
converteu em alarme.
— Nunca soube — sussurrou ele, concluindo com aversão. — Tenho sorte
de não ter tido mais bebês.
Para o desgosto de Rain, Selik lhe voltou as costas então.
Capítulo 8

— Me escute bem, Rain. Ficará aqui em Ravenshire com Tykir até que eu
volte — ordenou Selik na manhã seguinte em seu dormitório enquanto
empacotava suas coisas em uma bolsa de couro.
Rain se rebelou, não estava de bom humor depois de uma inquieta noite de
pouco sono, estimulada, sem dúvida, pela frustração sexual, um problema que
Rain nunca tivera antes. E a incomodava escutar Selik falar tão serenamente, e
seu comportamento não afetado enquanto pegava seus pertences.
Usando apenas uma brynja, a fina túnica que protegeria seu peito de
irritações sob o metal da armadura, e um par de calças de grossa lã que se
uniam a suas musculosas coxas, Selik fazia uma tentativa de ignorá-la.
— Por quê? Por que devo ficar aqui? Aonde você vai? Quando vai retornar?
Ouça, não está pensando em se desfazer de mim aqui? De modo algum!
Selik pôs as duas mãos nos ouvidos com asco.
— Pelas tetas de Freya! Se tornou uma megera com suas perguntas
intermináveis. Simplesmente aceite minhas ordens e fique tranqüila, ao menos
uma vez.
— Eu? Megera? Hah! E, a propósito, não aprecio essas suas cruéis
expressões Vikings. Nem sua mordacidade.
Os olhos cinzas de Selik se abriram com exagerada surpresa.
— Desaprova minhas vulgaridades quando você me disse faz só alguns
dias atrás, com um mau-gosto mesmo para mim, exatamente o que eu poderia
fazer comigo mesmo? Para te lembrar, muito claramente você me mandou
tomar...
— Não tem que lançar minhas palavras na minha cara como um maldito
papagaio — Rain ergueu o queixo atrevidamente e tentou demonstrar que seu
rosto quente não era por um rubor, que não se envergonhava de sua língua cada
vez mais afiada, e algumas vezes vulgar. Meu deus! Estava se convertendo em
uma mulher que não era capaz de reconhecer. — Pois bem, você me provocou.
Sua desculpa soou fraca incluso ao seus próprios ouvidos.
— Tem uma resposta para tudo, moça.
Não para tudo, Rain pensou desolada. Observou com total desamparo como
Selik dobrava várias tiras de tecido que usava como tanga. Repentinamente,
uma imagem brilhou em sua mente, uma imagem tentadora de Selik de cuecas.
Hey, Selik com boxers não ficaria tão mal, tampouco, pensou Rain.
— Por que está sorrindo abertamente? Está tramando alguma travessura
para atrapalhar minha vida?
— Não — disse Rain com um sorriso. — Somente te imaginava com roupas
íntimas modernas, do tipo que usam os homens em meu país — descreveu
todos os diferentes estilos a Selik, mas ele não ficou impressionado.
— Por que um homem se preocuparia em usar isso ou uma tanga de linho?
Ou usarem etiquetas de marcas desse homem Calvin? — zombou ele.
— Porque querem impressionar às mulheres.
— É o que está dentro da tanga o que importa, moça — afirmou Selik, lhe
piscando um olho com grande arrogância.
— Sim, bem, até digo que você ficaria melhor que Jim Palmer nas bermudas
de jóquei. Ouça, ainda melhor — acrescentou ela, abanando o rosto
dramaticamente — em roupas íntimas comestíveis.
Selik deixou de guardar coisas e pregou os olhos nela. Ela tinha toda sua
atenção.
— Agora sei que está brincando comigo. Pessoas comendo roupas íntimas?
— Use sua imaginação, Selik. Você, o suposto deus do sexo da Idade das
Trevas, deveria ter uma idéia de como se utilizariam.
Rain soube o momento em que Selik a entendeu. Seu pescoço se tingiu e o
rubor subiu lentamente por seu rosto. Amava-o! Depois seus lábios se moveram
com um aberto sorriso juvenil.
— Um deus do sexo! Nunca pretendi ser algo semelhante.
— De qualquer forma, nunca provei roupas íntimas comestíveis, mas pelo
que entendo vem em diferentes sabores, como morango ou limão. Aposto que
há algumas que têm sabor de cerejas Salva-vidas.
— Mesmo?
— Você gostaria disso? — perguntou ela rindo.
Selik negou com a cabeça, convencido de que ela mentia agora.
— Realmente, me assombra, mulher. Fica a noite toda inventando esses
contos escandalosos para me escandalizar?
— Está escandalizado?
— Não. Me desconcerta, e esse é, sem dúvida, seu propósito. Não permitirei
que tire o sarro de mim, entretanto. Preste atenção em mim, ao menos em uma
coisa. Jurou não fugir, e cumprirá seu juramento. Fique em Ravenshire com
Tykir.
— Vai voltar?
Selik a olhou carrancudo, evitando responder.
— Mas aonde…
— Aonde eu vá ou se voltarei é da minha conta. Simplesmente siga minhas
ordens. E permaneça perto do torreão. Há saxões por perto, aposto, e os
bastardos cortariam sua formosa cabeça em um abrir e fechar de olhos, sem te
perguntar por que está viajando com O Fugitivo. Será suficiente que pensem
que eu gosto de sua companhia. Atribuí a Gorm velar por você…
— Não se atreveria. Não quero aquele balde de lodo nem a uma milha de
distância de mim.
O rosto de Selik ficou rígido pela ameaça.
— Todos meus homens têm ordens de te proteger. Gorm fez algo para te
machucar? Juro que esfolarei vivo o cão sem valor se houver tocado sequer um
cabelo de seu formoso corpo.
Formoso? Rain guardou esse irrelevante elogio despercebido. Selik a tinha
chamado de bonita aquela noite, mas ela tinha duvidado de sua sinceridade. Era
possível que esse não fosse seu estilo? Ele podia cuidar dela? A emoção que ele
demonstrava nesse momento era um sinal de sentimentos mais profundos?
Mas depois o coração de Rain se afundou ante suas outras palavras, esfolar
vivo a um homem.
— Selik, por favor, me diga que não esfola as pessoas.
Ele sorriu abertamente.
— Era simplesmente uma expressão, meu doce. Ainda desenho uma linha
em algum lugar.
Ela riu tremulamente.
— Pois bem, sei disso.
Ele lhe dirigiu um olhar de divertida incredulidade.
— Admite alguma vez estar equivocada?

Pouco tempo depois, Rain observou com súbita desilusão os passos que
conduziam até o grande vestíbulo e Fury montado por Selik. Aquele era um
Selik de campo de batalha, o guerreiro pintado de Brunanburh, o homem que
enfeitiçou seus pesadelos durante anos, trazendo-a através do túnel do tempo.
Usando apenas uma túnica à altura das coxas de cota de malha flexível
sobre uma túnica de lã e malhas apertadas, Selik manipulou destramente as
rédeas do cavalo enquanto se exibia nervosamente perto do muro exterior do
castelo esperando a meia dúzia de homens que viajariam com ele. Embainhou
sua letal espada, Fúria, ao seu lado, e pendurou a lança e seu casto na cela de
montaria.
Seus olhos, distantes e frios, estavam centrados em Rain. Agora não havia
um laço emocional. Rain se deu conta, com pressentimento, de que seu lado
louco tinha tomado o controle.
— Tenha cuidado — sussurrou Rain com voz suave, trêmula.
Selik não pareceu ouvir suas palavras enquanto ficava com o olhar fixo e
inexpressivo à frente, ignorando-a, mas então ela notou o movimento de seu
pomo de adão várias vezes como se ele tentasse, mas fosse incapaz de falar. A
impressionou inclinando a cabeça. Depois, sem falar, se foi.
Observando-o partir, Rain se deu conta de que ele levara uma parte dela.
Era incompreensível para ela como um homem que tinha conhecido há tão
pouco podia tê-la tocado tão profundamente. Começava a pensar que nunca
poderia retornar ao futuro se isso significasse deixar Selik para trás.
No momento em que Selik desapareceu de sua vista, Rain foi em busca de
Tykir, decidida a conseguir respostas para algumas de suas perguntas. Como
podia ajudar Selik, se não sabia nada sobre ele?
Encontrou Tykir em seu dormitório com Ubbi exercitando sua perna. Os
homens tinham improvisado uma primitiva forma de fisioterapia atando um
pequeno saco de farinha ao tornozelo de Tykir. Deitado sobre a cama, ele movia
a perna para cima e para baixo em lentas repetições.
— Nadar é um bom exercício para fortalecer os músculos da perna também,
Tykir. E a massagem. De fato, poderei trabalhar em seus músculos quando tiver
terminado com as elevações.
Tanto Tykir quanto Ubbi a olharam enquanto se aproximava da cama,
arqueando uma sobrancelha com ceticismo.
— Nadar nesta época do ano? Acho que não, irmã. Parece que a perna
somente teria cãibras.
— Poderia te servir de maneira maravilhosa, fazendo mais rápido o
processo de cicatrização, sério. E para você, também, Ubbi — disse ela, voltando
sua atenção para o pequeno homem. — Tive a intenção de falar com você a
respeito de sua artrite. Depois de terminar com Tykir, quero te examinar. Acho
que posso te ajudar.
Ubbi se afastou dela.
— Ar… tri… te? — depois se levantou e arqueou os ombros para trás com
desafio. — Me examinar? Não, não tocará meu corpo. É até impróprio para uma
moça pensar algo semelhante.
— Oh, Ubbi, vi centenas de homens nus, e seu corpo não é diferente,
acredite em mim.
— Centenas de homens nus! — exclamaram ao mesmo tempo Ubbi e Tykir.
— Senhorita, que vergonha! Você não deveria faltar com a verdade. Uma
dama de sua virtude nunca teria compartilhado a cama com centenas de
homens.
Tykir somente sorriu abertamente enquanto soltava o peso de farinha de
seu tornozelo. O tolo se divertia com a idéia de uma irmã tão promíscua.
— Não seja tolo, Ubbi. Queria dizer que como médica, examinei muitos,
muitos homens em meu hospital.
— Hmmm. Há um hospitium em Jorvik. Seu “hospital” é o mesmo? —
perguntou cautelosamente Ubbi.
— Há uma faculdade médica em Jorvik? — perguntou Rain excitada.
— Sim, no monastério de São Pedro. Interessam os doentes moribundos de
seu hospitium aos curandeiros, os monges.
— Oh, isso é maravilhoso. Quando poderemos ir? É perto?
— É a um dia daqui, mas não pode sair até que Selik retorne — explicou
Tykir, seus longos cabelos caindo para frente quando se apiou na muleta de
madeira, tentando se levantar da cama. — Selik deu algumas ordens, e terá
minha cabeça, como também a sua, se desobedecer.
— Não, não se levante — disse ela a Tykir, o pressionando para que
voltasse a se deitar. Começou a massagear sua coxa através das calças. A
princípio, seu toque íntimo o fez passar vergonha. Depois a amaldiçoou
enquanto trabalhava cada doloroso tendão.
— Oh, querida mãe de Thor! Salvou minha vida só para me mandar para o
túmulo?
— Não seja bebê.
Mais tarde, ele disse suspirando de prazer ante a perita manipulação dela,
seus cílios escuros se fechando um pouco sobre seus grandes olhos cor de café
como os do irmão dela, Dave:
— De verdade, você tem dedos mágicos, irmã.
De repente, Rain notou como Ubbi ia avançando pouco a pouco e com
dificuldade para a porta aberta.
— Não te dei permissão para se ausentar do exame. Terminei o tratamento
de Tykir por hoje, e agora é sua vez.
Ubbi começou a dirigir seus olhos suplicantes para Tykir, mas seu irmão só
riu.
— Deixe a bruxa trabalhar suas coisas em você, Ubbi. Quem sabe? Talvez
suas mãos deixarão sua carne boa.
Tykir coxeou saindo do quarto com sua muleta provisória, rindo sufocada e
divertidamente pelo aparente desconforto de Ubbi de ficar sozinho com Rain.
Ela teve que adular, ameaçar e subornar Ubbi para que tirasse as roupas, mas
ainda assim ele apenas ficaria com a tanga. Ela mal reprimiu um ofego de horror
pelo estado deformado de seu corpo.
— Ubbi, durante quanto tempo teve artrite? — ante seu olhar confuso, ela
rapidamente perguntou com outras palavras. — Que idade tinha quando sentiu
o primeiro encavalamento dos tendões? É mais doloroso algumas vezes que
outras?
Enquanto lhe fazia perguntas, Rain analisou cada polegada de seu corpo
explorando com os dedos, dos seus ombros aos seus pés nodosos, excetuando, é
claro, sua área genital. Sabia que Ubbi nunca permitiria que ela examinasse ali.
Finalmente, obrigou Ubbi a se deitar de barriga para baixo sobre a cama,
apesar de seus protestos e sua óbvia humilhação. Alternando firmeza e
suavidade nas pressões e dobradura dos dedos, logo relaxou seus músculos
dolorosamente nodosos.
— Oh, senhorita, não me sinto tão bem desde que era um menino — disse
Ubbi com um suspiro, sua voz transbordando adoração.
Rain sorriu, feliz de ajudar o agradável homem.
— A partir de amanhã, farei as massagens duas vezes ao dia. Seria genial se
pudéssemos encontrar algum óleo. Também, te darei alguns exercícios para
fazer. E até poderíamos pegar algumas ervas para aliviar a dor. Oh, e acho que
talvez… a argila quente no corpo.
Ubbi gemeu, mas seus remelentos olhos deram indícios de seus sinceros
agradecimentos.
— Pensa de verdade que podem fazer melhorar?
— Não, não posso te curar, Ubbi — disse Rain, lhe batendo amavelmente no
ombro. — Não se pode corrigir a artrite, mas há coisas que podem ajudar uma
pessoa para que fique mais flexível e livre da dor.
— É um milagre — declarou Ubbi, e Rain soube que seu estado como anjo
ante os olhos de Ubbi somente tinha subido outro grau. Ele virtualmente saltou
do quarto.
Repentinamente, Rain se deu conta de que tinha esquecido a razão de subir
ao dormitório de Tykir em primeiro lugar, conseguir respostas para suas
perguntas sobre Selik. Indo outra vez a procura de Tykir, encontrou-o no
vestíbulo, levando alguns dos prisioneiros para dentro para limpar os juncos
sujos e esfregar a fundo as mesas.
— Tykir, tinha a intenção de te perguntar algo antes. Aonde Selik foi?
— Ele não lhe disse?
— Não. É um segredo?
— Não — respondeu cuidadosamente sob seu atento escrutínio. — Ele está
viajando através das terras do norte para as terras do Alvorada do Rei
Constantino.
— Escócia? Mas Ubbi disse que não era bem recebido ali.
Tykir deu de ombros.
— Realmente, os escoceses somente o empurrariam para outro lugar, mas
ele foi um bom camarada. Com boa consciência não podem afastá-lo de suas
portas.
— Então por que ele vai para lá?
— Para me proteger, e a Ravenshire.
— O quê ?! — nunca tinha ocorrido a Rain que Selik pudesse ter uma causa
nobre para agir. O que isso dizia sobre ela? E sua fé no homem que tinha sido
enviada para salvar? Rain não gostou dela mesma nesse momento.
Tykir baixou seu corpo a um banco próximo, esfregando a perna dolorida, e
Rain se abaixou a seu lado.
— Me diga — lhe urgiu ela.
— Quando voltávamos ontem pela manhã, encontrei uma mensagem de
Eirik escondida em um esconderijo especial que tínhamos quando crianças.
Advertia-me que o Rei Athelstan planeja uma caça maciça de homens em busca
de Selik e que assolará Ravenshire até os alicerces se descobrir Selik em
qualquer lugar dos arredores.
O sangue de Rain gelou em suas veias e seu coração foi até O Fugitivo, que
realmente não tinha casa, não era, de fato, bem-vindo em lugar algum.
— Por favor, continue — ela respirou tremulamente.
— Selik acreditou que se mostrsse seu rosto na terra dos escoceses, até
agora aqui, o Rei Athelstan dirigirá suas forças para lá. Os saxões não terão
razões para invadir Ravenshire. Não sou uma presa o suficientemente grande
para que enviem uma tropa de soldados.
— Então ele tem a intenção de mostrar seu corpo como uma maldita
bandeira diante seus inimigos para te salvar — disse Rain, consternada.
— Nos salvar — corrigiu Tykir, seu rosto avermelhando ante o velado
insulto. — Se os saxões viessem aqui, não somente destruiriam a propriedade,
mas quem está nela. Isso me inclui , a você , a Ubbi, todo mundo.
— Mas podíamos ter saído com ele — protestou Rain. — Por que que não
nos deu uma escolha?
Tykir maneou a cabeça tristemente.
— Quis que ficássemos. Eu lhe disse que seria assim. Acha que me importa
um pedaço de pedras desmoronando e uma parcela? Mas Selik tem costumes
arraigados.
— E eu que o considerava uma besta brutal e só interessado em sua
violência! — Rain começou a pensar que ela tinha muitíssimo que aprender
sobre o mal e o bem. Talvez aquelas pessoas primitivas poderiam ensinar a ela,
com toda sua avançada educação, algumas lições que de algum modo, estavam
equivocadas em sua vida moderna.
— Ele é brutal, minha irmã. Nunca ache que não seja. A verdade de seu
louco comportamento não pode ser adoçada, mas é um bom homem no fundo.
— Por que ele é assim, Tykir? Por favor, me diga o que lhe aconteceu para
que mudasse de um jovem despreocupado como minha mãe o descreveu a esta
casca atormentada de homem?
Tykir ficou rígido e seu rosto ficou inexpressivo.
— Não, não discutirei sobre o passado de Selik. É algo que ele deve revelar,
ou se apoiar em sua alma, se ele escolher.
— Mas se não o detiver, se alguém não ajudá-lo logo, certamente morrerá.
— Sem dúvida, fará. Durante muito tempo, Selik tem corrido para o
Valhalla rapidamente, sem se preocupar com sua mortalidade, desejando
apenas levar tantos saxões quanto possa com ele.
— Que triste ter como meta uma vida de violência!
Tykir deu de ombros e se levantou, apoiando-se em sua pessoa.
— É isto, para os saxões Selik pode ser apenas um berserker. Um louco
demônio banhado em sangue, limpando a Nortúmbria como eles tentam limpar
todo os noruegueses de seu território. Mas para um bom número de
noruegueses, Selik é um valente cavaleiro em busca de nobre vingança. Faria
bem lembra disso.
— Mas…
Tykir ergueu uma mão para deter suas seguintes palavras.
— Não, isso é tudo o que direi sobre o tema. Pergunte a Selik quando ele
voltar.
Mas ele voltaria? Pergunto-se com inquietação Rain quando os dias, depois
as semanas, se passaram sem notícias de seu primitivo companheiro de alma.
Cada vez mais, enquanto ela, os prisioneiros e os soldados de Selik que ficaram
trabalhavam para limpar o lugar desmoronado (uma batalha quase perdida por
seus escassos recursos) Rain reviveu em sua mente suas noites juntos. Se ele
morresse — Oh, por favor, Deus, não deixe que acontecça! — Rain soube que
sempre se arrependeria de não ter tido uma noite de amor com ele.
Quando se passou um mês e não houve nenhum sinal de Selik, o pânico se
estabeleceu. Rain começou a roer as unhas, um hábito nervoso que achava que
tinha dominado. Opondo-se a seu fraco apetite, perdeu peso, e não menos de
quatro quilos e meio. Tykir e Ubbi, e mesmo Blanche e Bertha, evitavam sua
companhia porque estavam loucos de suas intermináveis perguntas sobre a
segurança de Selik e sua volta.
— Maldição! Acho que vomitarei se ouvi-la perguntar uma vez mais
quando o sangrento Fugitivo vai voltar — se queixou Bertha com uma voz de
lamento enquanto ajudava Blanche a preparar o cervo morto em uma caçada
recente. Gorm, um dos mais fervorosos pretendentes de Blanche, o havia trazido
de uma caçada diária e o tinha colocado aos pés de Blanche no pátio como se
fosse uma dúzia de rosas. Mulher sábia, a ardilosa Blanche tinha agido
devidamente impressionada e piscado seus cílios para Gorm com tácita
promessa.
Quando Rain disparou um desaprovador olhar para Blanche, que preferia
lançar sua rede na direção de Selik, a criada deu de ombros, sem culpa, e tinha
comentado:
— Uma mulher deve cobrir todas as opções. Vai superar o que pensar sobre
isso, também, minha senhora, no caso de O Fugitivo não voltar.
Rain estudou Bertha depois, muito contente com a cor melhorada de sua
pele, graças ao regime alimentício que lhe tinha prescrito. Graças aos céus era
apenas uma falta de vitaminas e não um tumor ou enfermidade do fígado o que
tinha causado aquele tom amarelado em sua pele.
— Assegure-se de guardar um pedaço do fígado para você. Ainda precisa
de ferro.
Bertha assentiu com a cabeça para Rain, sem protestar pelos conselhos
médicos desde que presenciou sua melhoria de saúde.
— Quer que te ajude a cortar isso? — perguntou, engolindo em seco ante a
perspectiva desagradável de manejar a res morta e sangrenta. Não era
vegetariana, mas com tantas vezes fazendo operações em corpos humanos,
resistia a tocar a carne crua de um animal. Provavelmente uma associação
infantil com Bamby, ela decidiu.
— Não, vá e continue desgastando as táboas das muralhas, esperando a
volta de seu amante — explodiu Bertha com um comentário suavemente
sarcástico. Blanche apenas sorriu para a descarada criada.
— Selik não é meu amante.
— Não por culpa dele, aposto. Nem por falta de vontade — disse sarcástica
e sabiamente Bherta.
— Você é grosseira!
— Não use esse tom comigo, milady — afirmou a impertinente criada. —
Posso ser uma criada de nível baixo, mas é tão simples como a verruga no nariz
de uma bruxa, que você é como uma égua no cio. E o Fugitivo, pois bem, ele é a
serpente para você, esperando o momento certo para dar o bote.
— Bertha! — exclamaram Rain e Blanche.
Rain não pôde ajudar mas riu com a imagem.
— É isso de verdade o que pareço, uma égua no cio? Bom Deus!
— Não — respondeu Bertha, mais amavelmente. — É que é sabido no
mundo a maneira de ser dos dos homens e das mulheres e suas naturezas
luxuriosas. Vejo os sinais melhor que a maioria, afirmo.
Rain maneou a cabeça com incredulidade ante o fato de estar em pé ali
escutando a pequena mulher gordinha com dentes podres lhe dando conselhos
sobre o amor.
— Pelo menos, não posso compreender porque você não simplesmente
agita as asas e vai voando ajudar seu amante, se está tão preocupada —
acrescentou Bertha, gargalhando de sua própria piada.
Blanche sorriu zombeteiramente, acrescentando:
— Oh, e pode perguntar a Deus se pode mandar uma vaca e galinhas
poedeiras para eu poder fazer um pudim para o jantar?
Aparentemente, Ubbi espalhara suas histórias sobre o anjo outra vez, mas
ninguém mais acreditava nelas.
Rain deixou a cozinha zangada, sabendo que suas dúbias artes culinárias
não eram desejadas. Foi, certamente, às muralhas, onde observou o horizonte.
— Oh, Selik, onde você está? Querido Deus, por favor envie de volta meu
seguro. Prometo fazer uma tentativa mais dura para ajudá-lo.
Sua oração foi respondida imediatamente pelo trovejar dos distantes cascos,
seguido pelo contorno pouco definido dos cavaleiros no horizonte de uma
colina perto de uma milha de distância. Rain revirou os olhos para o céu, dando
um silencioso obrigado quando virtualmente voou para baixo pela escada de
madeira do muro externo do castelo.

Selik viu a moça em pé sobre as muralhas, olhando, depois saindo


rapidamente quando reconheceu seu estandarte. Seu coração se moveu e
expandiu em seu peito, fazendo com que inspirasse agudamente para recuperar
o fôlego. Maldição ultrajante! Tinha passado quatro semanas forjando-se contra
sua atração de sereia, tentando manter sua determinação de um único propósito
para sua vida, a morte dos saxões, mas em particular, a morte de seu inimigo
mais odiado, Steven de Grevely.
Mas todos seus esforços não serviram para nada. Oh, tinha matado mais
saxões que o suficiente para satisfazer sua sedenta busca de sangue por
vingança desde que tinha deixado Ravenshire, mas em silêncio Selik não podia
negar o imediato prazer enquanto via mais de perto a expressão de boas-vindas
no rosto de Rain. Ela o esperava ansiosa no muro externo do castelo em um
corredor que conduzia ao grande vestíbulo.
Selik baixou a viseira do elmo para ocultar a suavização de seus traços.
Devia evitar particularmente essas perigosas emoções. Talvez devesse girar
Fury e voltar para o norte.
Pensou, realmente poderia ter uma vida com a moça? Não, admitiu
imediatamente. Era impossível.
Era o que queria, entretanto? Sim, Selik deu-se conta alarmado. Permitiu-se
se deixar vencer pela atração, e era um caminho perigoso que não devia, não
podia, percorrer.
Selik viu os olhos cor mel de Rain procurar algo em sua sela de montaria,
depois se desviar com culpa. Ela estava procurando os escalpos. Malditos
fossem seus reveladores olhos! Apesar de sua promessa de não voltar a fazer, a
moça não confiava nele. Por alguma razão que não podia compreender, a
injustiça de seu gesto o feriu profundamente.
Selik certamente endureceu seu coração depois disso. Não havia nada ali,
em Ravenshire, para ele. Não havia nada em lugar algum, em relação a ele,
salvo a destruição e a morte. Sua morte, ao final. Era o destino. Pois bem,
descansaria essa noite em Ravenshire, depois iria embora ao amanhecer. Não
levaria ninguém com ele, nem sequer Ubbi. Era melhor desse modo.
Com essa determinação, Selik guiou Fury, passando por Rain, Tykir e Ubbi
e quantos soldados tinha deixado para trás. Selik desceu de seu cavalo no outro
lado do pátio e conduziu o ofegante animal às dependências que alojavam os
cavalos. Blindando-se do olhar ferido que nublava os olhos dourados de Rain,
ignorou suas tímidas boas-vindas.
Tinha tirado a sela de montaria e posto água e feno fresco para Fury quando
escutou os suaves passos de Rain às suas costas.
— Selik, o que está errado?
— O quê?
Ela fez um som baixo de exasperação.
— Sabe o que quero dizer, por que está me evitando?
Selik se voltou e a olhou depois, forçando seu rosto a permanecer
impassível e insolente ante seus olhos suplicantes e os suaves lábios
entreabertos.
— Evitando? Não. Talvez não me bate mais o desejo. Não estou mais
interessado em você.
Pelos ossos de Deus! Acrescento a mentira a meus pecados agora?
Rain gemeu, seu rosto sincero demonstrando claramente a dor de seu
insulto, como uma bofetada.
— Estive preocupada com você.
— Minha senhora, sobrevivi os dez anos passados sem uma irritante
mulher preocupada, se desgastando. Agora não acho que dou as boas-vindas à
sua preocupação entrometida.
Rain inclinou a cabeça interrogativamente.
— E quem foi a mulher que se preocupou com você?
Seu pegunta sobressaltou Selik, e por um momento seu rosto revelou dor.
— Vá embora, Rain — disse ele com voz cansada. — Sua preocupação está
mal colocada.
— Tykir me disse porque você é assim, Selik, e apenas quero dizer que
lamento ter te chamado de animal antes. Estou tentando te entender, realmente
estou, mas…
— Tykir não fez bem em intervir em minha vida, e direi isso a ele. E a
última coisa que quero é que você me entenda.
— O que quer de mim então?
Ele ergueu o queixo e cravou os olhos nela, impassível.
— Nenhuma bendita coisa.
O rosto de Rain se ruborizou, mas ela insistiu.
— Tive muito tempo para pensar enquanto esteva fora, e me dou conta de
que é um bom homem.
— E quem te nomeou meu juiz, seu Deus ou qualquer homem?
Rain se encolheu de medo sob a castigadora valorização de suas faltas, mas
ainda seguiu tenazmente:
— Preciso lembrar que, sem importar as coisas ruins que você faça, são
equilibradas pelos crimes feitos contra você no passado.
— E Tykir fez a tolice de derramar esses acontecimentos para você, Rain? —
perguntou ele friamente.
— Não, ele disse que eu te perguntasse.
Selik se apiou contra uma viga e olhou para Rain desdenhosamente. A
moça estúpida o incitava e não reconhecia o perigo de sua cólera.
— Não peguei couros cabeludos desta vez. Sei que observou.
Ela assentiu com a cabeça a contragosto, sem dúvida reconhecendo a sedosa
ameaça em sua voz.
— E acha que repentinamente virei pacifista?
— Claro que não. Mas tem que ser um sinal…
— Sinal? Procura uma marca, é? Senhor, é perigosa com suas idéias! — ele a
agarrou pelos antebraços e a sacudiu, como se esse movimento pudesse colocar
algum sentido em sua cabeça dura. — Quantos homens acha que matei essas
semanas passadas? Dez? Vinte? Cinqüenta? Cem?
Com cada número maior, seus olhos se abriam mais e mais com súbita
desilusão. As lágrimas emanaram de seus olhos cor de mel e deslizaram,
gotejando sobre suas mãos nuas como se fosse um líquido queimante.
— Selik, acho que te amo — gritou ela. — Que Deus me ajude, mas te amo.
O coração de Selik pulsou rapidamente ante sua declaração completamente
inesperada. Levou toda sua força de vontade não puxá-la para seus braços e
saborear o momento, e as preciosas palavras. Te amo. Não, não podia ser
verdade.
Te amo. Por que ela brincava assim? Por que Deus o atormentava assim?
Seus sentidos se embaralhavam pela fúria. Não havia sentido nada tão forte
desde que encontrara o corpo de sua esposa, destroçado e mutilado. Ou quando
vislumbrara pela primeira vez o crânio de seu bebê na lança de um soldado
saxão.
Te amo. Selik a afastou e bateu com seu punho na parede de madeira que
separava as baias dos cavalos. A madeira podre se desmoronou com o impacto,
e ele a afastou de um chute com cólera. Com um grunhido de frustração, deu a
volta.
Te amo. Não, gritou Selik silenciosamente. Não queria seu amor. Não
poderia suportar tanta dor de novo.
Segurando suas mãos contra seu peito, Selik se lançou através do pátio,
ignorando os chamados de Ubbi e Tykir. Sem saber aonde ir, rodeou a muralha
e foi ao bosque e a um lago próximo que os habitantes de Ravenshire usavam
para se banharem. Com estupefação, deixou cair suas roupas ao chão e entrou
nas águas geladas, continuando depois em uma saliência que dava em um
pronunciado aclive. Procurando o bálsamo do duro exercício, começou a nadar
de um lado a outro através das águas silenciosas.
Mas não podia esquecer. Não o passado. Nem o presente, com as palavras
involuntariamente cruéis do fundo do coração de Rain. E, sobretudo, não seu
vazio futuro, desesperado.
Tinham passado dez anos, dez anos atormentadores, e as imagens ainda
permaneciam em sua mente como se tivesse acontecido ontem mesmo.
Selik maneou a cabeça encolerizado enquanto continuava nadando com
raiva, tentando esquecer suas horrendas lembranças. Mas as lembranças de
Astrid e seu pequeno filho arrebatavam cada momento de sua vida.
Esses acontecimentos de dez anos atrás marcaram o começo da vingança de
Selik contra os saxões, e ele a tinha empreendido sanguinariamente. O esquivo
Graveley até se livrara de sua espreita, mas Selik tinha tomado centenas de
vidas saxãs em seu caminho com o objetivo final de destruir o demoníaco Conde
de Greveley.
Não podia se afastar de seu objetivo de vingança por um anjo amante da
paz vindo do futuro. Não, Selik não seria afastado do caminho escolhido.
Mas as tranqüilas palavras de Rain ressoaram em sua cabeça. Te amo. Te
amo. Te amo...

Quieta no estábulo, Rain ficou com o olhar fixo, aturdida, na porta pela qual
Selik tinha saído, suas palavras resmungadas ecoando em seu cérebro.
Duvidava que ele soubesse até que tinha falado em voz alta.
O corpo de sua esposa violado e mutilado. O crânio de seu filho em uma
lança saxã.
Todas as peças do quebra-cabeças que constituía a tortura de Selik se
juntaram com compreensão horripilante no cérebro entorpecido de Rain. Não
era estranho que ele se tornara cruel, firmemente decidido em sua vingança.
E ela, que sempre estivera orgulhosa de sua sensibilidade como médica e
humana, atrevera-se a julgá-lo e achá-lo deficiente. O quanto ela era moralmente
arrogante! Por um momento cegante, perguntou-se qual era a besta à vista, e a
resposta não foi Selik.
Ubbi entrou no primitivo estábulo depois, guiando um dos cavalos dos
soldados. Imediatamente começou a partir dando a volta quando viu o olhar
dela o confrontando.
— Não saia — pediu ela, levantando-se e apoiando o pequeno homem
contra a parede do edifício com um dedo pressionado no seu peito.
Nervosamente, Ubbi deixou cair as rédeas e o cavalo perambulou de volta ao
exterior.
— Miladi, tenho tarefas…
— Eu sei, Ubbi. Sei sobre Selik.
— O que quer dizer?
— Sei sobre sua esposa e seu bebê. Agora vai me dizer o resto dos detalhes.
— O amo te falou de como Astrid e o bebê morreram… Oh, Senhor… ele
falou também de Thorkel?
Rain inclinou a cabeça sinistramente.
— Oh, querida, o que fez para obrigá-lo a revelar tanto? — Ubbi se afundou
no piso sujo e colocou seu rosto entre as mãos nodosas. Quando finalmente
voltou a olhá-la, seus olhos nublados estavam cheios de lágrimas. Maneou a
cabeça cansadamente. — Essas não são boas notícias. Não, só pode significar
problemas, se ele lembrou os horrores de seu passado.
Rain se afundou ao lado de Ubbi e pegou uma de suas deformadas mãos
nas dela.
— Me conte.
Ubbi engoliu em seco visivelmente.
— Já se passaram mais de dez anos. Selik já não era um cavaleiro viking, e
tinha se casado com Astrid havia dois anos. Ah, ela era uma doce donzela.
Bonita como a primavera. E jovem… sem ter visto mais de dezoito invernos.
Rain sentiu o derramamento de macabros ciúmes através de suas veias pela
mulher e sua relação com Selik.
— Os dois eram inseparáveis. Sempre tocando um ao outro. Nunca indo
embora e deixando o outro sozinho. Mesmo quando ela estava grávida, e depois
do bebê nascer. Para que compreenda, Selik nunca teve uma casa, ou uma
família com quem falar. De modo que amou muito Astrid, e a seu filho ainda
mais. Mas Selik finalmente fez uma viagem a Hedeby. Deixou Astrid e Thorkel
na elegante casa que construiu para eles em Jorvik, eles estavam seguros, mas…
— Os saxões chegaram — terminou Rain por ele. Ubbi inclinou a cabeça,
seu amável rosto ficando horrível pela cólera suscitadas pelas lembranças que o
mantinham escravizado.
— Você estava com Selik? — perguntou Rain suavemente enquanto
acariciava tensamente sua mão.
— Sim — a única palavra cheia de horror disse tudo. Engoliu em seco com
dificuldade várias vezes, depois continuou. — A casa estava queimada até os
alicerces, mas encontramos o corpo de Astrid no jardim. Ela estava nua, e suas
pernas estavam abertas e cobertas de sangue da parte superior de suas coxas até
os tornozelos. O sangue e a semente de todos os homens que a tinham
violentado.
Rain pôs um punho contra seus lábios para reprimir seus soluços.
— Nunca esquecerei, até o dia de minha morte, a imagem de meu amo
embalando Astrid em seus braços, roçando os traços ensangüentados de seu
rosto, repetindo seu nome docemente várias vezes. Com certeza, foi a última vez
que o vi chorar.
O rosto de Ubbi se obscureceu com uma aguda cólera enquanto recordava
outras coisas.
— Quando colocou de novo o corpo de Astrid na terra, depois vi… — as
palavras de Ubbi se desvaneceram enquanto tentava controlar suas emoções.
Finalmente, acrescentou. — E em seu peito o saxão tinha gravado suas siglas,
uma em cada seio, S e G… Steven, Conde de Grevely.
Rain não quis escutar mais. Não podia compreender como um ser humano
deliberadamente torturaria outra pessoa dessa maneira. Então algo dentre
outras coisas que Ubbi dissera começou a penetrar.
— Steven de Gravely? Não era o irmão de Elwinus, o nobre que Selik matou
em Brunanburth?
Ubbi assentiu com a cabeça.
— E é por isso que a vingança entre os dois continua sem parar.
— Como começou tudo isso primeiro?
— Steven de Grevely não precisa de desculpas para fazer suas maldades.
Realmente é um homem cruel. Mas acusa Selik da morte de seu pai, o velho
lorde.
— E Selik matou seu pai?
— Talvez. Houve uma batalha. Muitos saxões e normandos morreram nesse
dia. Pode ter sido Selik, ou qualquer outro, mas Steven precisava um alvo para
seu ódio, e escolheu Selik.
— Mas o que ele fez à esposa de Selik… Oh, Ubbi! Não é estranho que Selik
seja tão amargurado!
O pequeno homem se voltou para ela depois e a apunhalou com seus
desafiantes olhos.
— Certamente ele está amargurado, e com razão. Mas isso não é tudo o que
o utrajante demônio fez naquele dia. Deixou o corpo esmagado, sem cabeça do
bebê sobre o terreno perto do corpo de sua mãe. Foi preciso semanas para que
Selik descobrisse onde estava a cabeça.
Rain então lembrou as palavras de Selik.
— Este Grevely levava a cabeça de Thorkel em sua lança, não?
— Certamente esperava levar Selik à morte. Finalmente, conseguimos
recuperar a cabeça purulenta do pobre bebê e a enterramos com o corpo, mas
Selik ainda tem que capturar o esquivo Steven… e qualquer outro sangrento
saxão que se cruze seu caminho.
Rain baixou o olhar e viu uma mancha escura no frente de sua túnica e se
deu conta de que estivera chorando e suas lágrimas tinham caído num fluxo
constante por seus seios — a túnica de Selik — como sangue, pensou ela.
Oh, querido Deus. Agora sei porque me enviou aqui.
— Então agora que sabe — disse por fim Ubbi com desafio enquanto se
levantava e tentava se endireitar. — Poderá ajudar o rapaz?
— Não sei, Ubbi. Simplesmente não sei, mas vou fazer uma tentativa.
Ele sorriu então, um sorriso que não chegou aos seus tristes olhos.
— Vai fazer, se alguém puder, te asseguro — a observou se levantar e
passar as mãos pels roupas para tirar a sujeira. — O amo foi ao lago. O encontre,
moça. Parece que ele necessita de você.

Capítulo 9

Selik estava dando braçadas enérgicas do começo ao fim do lago, várias


vezes. Seu rosto estava submerso na água gelada, movia seus poderosos braços
experientemente em um bonito nado de peito, deslizando através da calma
superfície com precisão.
Rain deslizou sobre a terra perto das margens do lago e ergueu suas pernas,
envolvendo seus braços ao redor delas e descansando seu queixo sobre os
joelhos. Esperou pacientemente até que ele dispersasse sua raiva através do
brutal exercício.
O coração de Rain foi até Selik, sabendo que suas palavras de amor tinham
de algum jeito desencadeado lembranças dolorosas de sua horrível tragédia.
Agora entendia completamente a tortura diária que ele sofria e como tinha sido
preso em uma maldita espiral de violência. Quando a voz dentro de sua cabeça
fazia referências sobre salvar Selik, era aquilo a que devia ter se referido.
Finalmente Selik saltou para cima como um belo golfinho. Aspergiu gotas
de água, depois sacudiu seus cabelos compridos para longe de seu rosto. Depois
nadou para águas menos profundas, levantou-se e suas pernas, fracas pela
enérgica natação, quase se dobraram. Rain queria se aproximar para ajudá-lo,
mas em seu devido tempo, não queria sobressaltar seu viking fugitivo. Sua
doce, implacável alma gêmea
Ele tropeçou para frente através das águas pouco profundas, ainda sem ter
visto Rain. Amplos ombros que se estreitavam em uma fina cintura e quadris,
proporcionando uma moldura perfeita para genitais graciosamente formados e
depois, poderosas coxas e pantorrilhas.
Seus olhos estavam nublados por uma tormenta interior, e seus lábios
tensos em uma dura linha de determinação. Estava lutando contra seus
demônios a sua maneira usual. Sozinho.
Esse é o homem que amo, ela pensou com sentimento de certeza. Surpresa e
orgulho a encheram quase até transbordar, enquanto seus olhos deslizavam por
ele como uma carícia.
Selik se deteve repentinamente quando a viu, depois se inclinou para baixo
para pegar suas roupas do chão.
Descarado e sem vergonha de sua nudez, vestiu-se lentamente com as
malhas e a túnica. Depois de firmar sua cintura com um amplo cinturão de pele,
ele perguntou com uma voz vazia:
— Por que me segue?
Rain só olhou fixamente para ele, insegura de quanto revelar, mas a
compreensão deve ter se mostrado em seu rosto.
Selik exalou bruscamente com desgosto.
— Quem lhe contou isso?
— Você contou.
Selik franziu o cenho, pareceu dar-se conta de que, em sua fúria, havia dito
seus pensamentos em voz alta.
— E Ubbi encheu todos os espaços em branco.
— Eu deveria cortar a língua do homem — Selik comentou cansadamente
enquanto se deixava cair no chão junto a ela e começava a secar seus cabelos
com uma manta em seus ombros. Depois declarou firmemente — Não vou
discutir meu passado com você, Rain. Só por uma vez, ponha um cadeado em
sua língua.
Rain começou a falar, mas decidiu que ele tinha razão. Agora não era
tempo. Selik tinha sofrido o suficiente naquele dia. Depois. Por hora, pensou, ela
queria iluminar sua vida, não aumentar sua miséria. Ajudá-lo a esquecer um
pouco da agonia que deveria palpitar insistentemente em seu cérebro.
Ela começou a lhe contar a respeito de todas as coisas cotidianas que tinham
acontecido em Ravenshire em sua ausência. Quando ela finalmente chegou a
Gorm e sua perseguição a Blanche, viu que os músculos de seu rosto começaram
a relaxar. Ele de fato sorriu quando lhe contou sobre o conselho de amor
perdido de Bertha para ela e Blanche. Até mesmo riu, seus olhos cinzas
brilharam com diversão, quando lhe relatou como Bertha o comparou a um
garanhão e a ela a uma égua no cio.
— Está no cio? — perguntou Selik finalmente, vendo-se sentindo prazer
com o rubor que suas provocativas palavras trouxeram ao rosto dela.
— Dificilmente.
— Ah, persiste com essa coisa de repugnância pelo exercício sexual, pelo
toque de um homem? Não, nem pense erguer seu arrogante queixo em defesa
dessa mentira. Tenho provas que testemunham sua verdadeira luxúria.
— Não menti — protestou Rain. — E nunca disse que o sexo me repugnava.
Só disse que tanto faz praticá-lo ou não.
Ao menos, em minha outra vida.
— Essa não é a impressão que tive quando… — Selik deixou que suas
palavras deixassem pistas, dando de ombros.
— É diferente com você, Selik.
— Agora quem está rechaçando as linhas?
Rain sorriu ante a recordação de suas expressões modernas.
— É diferente com você. Oh, não vá se pavonear como um galo febril — ela
acrescentou, fazendo com que ele deixasse sair assobios de riso. — Não é como
se você tivesse uma técnica maravilhosa. É somente isso, bem, é somente porque
é você. Há este tipo de luminosidade celestial sobre nós como um casal.
— Isso foi um elogio ou um insulto? — ele perguntou secamente.
Felizmente, o humor negro de Selik passara.
Sua mãe sempre dizia que o caminho para o coração de um homem, “para o
coração de um amante”, era a habilidade de uma mulher em fazê-lo rir. E Selik
não sorria muito freqüentemente. Ela pensou por um segundo, logo se
iluminou.
Ela sabia como derrubar o arrogante e complacente ego masculino e fazê-lo
rir no processo. Oh, sim, ela sabia.
— Sabe, Selik… — disse ela com uma voz exageradamente doce, fazendo
com que o rosto dele se inclinasse com uma suspeita de alerta. Oh, tem o direito
de ser desconfiado.
— … sabe, se alguma vez fizermos amor…
Um sorriso aberto se moveu nervosamente em seus lábios tensos.
Isso, carinho, sorria. Relaxe suas defesas.
— …se alguma vez fizermos amor, te aposto que finalmente encontrarei
meu ponto G — Aí tem. Toma isso em seu cachimbo machista e fume.
— Sei que vou lamentar perguntar isso, mas não posso resistir. Te imploro
que me diga, o que no maldito inferno é um ponto G?
Achei que nunca perguntaria.
— Bem, existem algumas controvérsias sobre isso em meu tempo, mas
muitas autoridades sexuais…
— Autoridades sexuais? Certamente não são fraudes os que reivindicam ser
peritos em tais assuntos?
Rain assentiu com um sorriso.
— Sem dúvida alguma eles são francos — assegurou ele de brincadeira. —
Os homens da terra franca sempre acreditaram ser os melhores amantes do
mundo. Aposto que eles têm escrito alguns desses livros que você continua
citando sem fim.
— Centenas.
— Hah! Sei muito mais que qualquer dessas autoproclamadas autoridades,
te garanto.
Sem dúvida, você sabe, bebê.
— De qualquer maneira, antes de você me interromper, estava te dizendo
que muitas autoridades sexuais estão em desacordo sobre o tema de se o ponto
G em uma mulher realmente existe. Muitas mulheres asseguram tê-lo,
entretanto. — Rain começou a dar a Selik uma lição muito detalhada sobre
anatomia feminina e uma descrição gráfica do ponto G e que poderia aumentar
o prazer de uma mulher.
A princípio, ele só a olhou fixamente, pasmo pelo quanto suas palavras
eram explícitas. Depois explodiu em risadas.
— De verdade, nunca conheci uma mulher como você antes. Sabe tantos
detalhes sobre a cópula entre homem e mulher. Como um condenado livro, é
assim. Mas acho que não sabe de nada. Sim, é tão inocente como uma virgem
quando chega à transa, me atrevo a dizer.
— Não sou!
Ele explodiu em gargalhadas outra vez enquanto a punha de pé e a levava
para longe do lago, beliscando seu traseiro uma vez quando ela não se moveu o
suficientemente rápido. Enquanto caminhavam de volta ao refúgio, ele
murmurou uma vez ou outra, entre explosões de riso:
— Ponto G! Maldito inferno! Ponto G!
Quando Rain viu Ubbi aguardando ansiosamente sua volta, o fiel servo
olhou do rosto sorridente de Selik para o chateado dela enquanto esfregava seu
traseiro dolorido, e de volta para Selik. Então sorriu amplamente e inclinou sua
cabeça em agradecimento para ela.
Para a mente de Ubbi, Rain havia, sem dúvida, realizado outro milagre
angelical.
E Selik a surpreendeu voltando seu rosto para o dele e sussurrou
suavemente:
— Obrigado.
Aparentemente, ele tinha compreendido completamente seus motivos de
tentar iluminar o humor dele.
Vários dias depois, Selik lançou seus alforjes sobre a garupa de Fury e
saltou na sela, preparando-se para deixar Ravenshire.
Rain se pôs ao seu lado com seu mal-nomeado cavalo, Godsend 1. Ele
grunhiu interiormente, perguntando-se que maldade ela tinha desejado para
repreendê-lo agora.

1
Tradução literal do inglês “enviado de Deus”.
— Obrigada, Selik, por me consentir ir com você a Jorvik.
Seus olhos se abriram com surpresa ante as suaves palavras ditas. Sem
dúvida ela queria um favor.
— A razão pela que supliquei que me levasse com você a Jorvik foi por que
poderia ser capaz de entender melhor porque fui enviada aqui. Se puder parar
no mesmo ponto onde o museu estará no futuro, talvez poderia…
Selik fez um forte grunhido de incredulidade.
— O quê? Receber uma mensagem de Deus?
— Você é impossível!
Ele se voltou e a olhou, sacudindo sua cabeça incredulamente.
— O roto falando do esfarrapado... 2
Rain sorriu, e seu coração pareceu se expandir no peito, quase asfixiante.
— Oh, Selik, eu te…
Ele levantou uma mão para deter suas palavras seguintes, sabendo que ela
tentaria de novo lhe dizer que o amava. E que Selik não podia permitir. Olhou a
tentadora moça, sendo difícil para ele resistir às suas palavras tentadoras. Tivera
êxito até agora, desde aquele dia no lago, evitando lhe permitir repetir aquelas
preciosas palavras. Enquanto ele não escutasse aquelas palavras ditas em voz
alta, de alguma maneira ele poderia negar o crescente vínculo entre eles,
poderia se enganar que não lhe importava. Cerrou os olhos cansadamente só
por um momento.
Oh, Deus, ou Odin, ou qualquer ser que se encontre aí fora, por favor, não
me torture assim. Não posso suportar amar de novo. E perder. É mais do que
um homem pode suportar.
Ele endireitou seus ombros com determinação.
Confie em mim.
— O que disse? — perguntou Selik alarmado.
— Quando?
— Bem agora, algo a respeito de confiar — ainda enquanto falava, Selik
sabia que não tinha sido a voz de Rain em sua cabeça. Oh, maldito inferno! Ela
realmente o estava virando ao avesso e o deixando sensível como um idiota.
Seus maravilhosos olhos dourados se arregalaram e pareciam brilhar com
encantamento.
— Escutou a voz, também, não é?
2
Expressão substituída na revisão, por uma mais brasileira. No original “ É como o rio chamando o oceano de
molhado”.
— Não. Não escutei nada.
— Mentiroso.
— Homens morreram por insultos menores que esse.
— Não tenho medo de você.
— Deveria.
— Por quê?
— Argh!
— Selik, realmente deveria ter cuidado em perder seu temperamento forte.
A cada vez que se zanga comigo, uma veia pulsa de repente em sua testa. Pode
ter um ataque.
Ele grunhiu.
— O único ataque que vai ocontecer será o de minha espada quando cortar
sua língua solta.
Ubbi guiou seu cavalo para frente.
— Meu senhor, gostaria que eu amordace a dama para que assim não o
incomode mais? — perguntou Ubbi a Selik com enjoativa consideração. Ele
havia virtualmente dançado com prazer desde que Selik lhe havia dito na
véspera anterior que poderia acompanhá-lo a Jorvik.
Selik ergueu uma sobrancelha ante a tentadora imagem.
— Valeria uma fortuna em ouro ver você tentar. E valeria o dobro da
fortuna ter você dois com as bocas fechadas e costuradas, dando ao mundo um
pouco de paz.
Os ombros de Ubbi caíram e seus lábios baixaram com aflição pelo insulto,
mas Selik pôde jurar que viu o traidor piscar de olho conspirativo para Rain.
Maravilhoso! Os dois bobos são cúmplices.
— Todos estão preparados para partir — anunciou Ubbi então.
Selik olhou ao redor consternado para o variado grupo de criados e
parasitas que ele tinha conseguido acumular. Embora tivesse ordenado a uma
meia dúzia de capitães permanecer com Tykir, junto com Bertha para cozinhar
para eles, Selik ainda tinha duas dúzias de soldados e seis prisioneiros em seu
grupo de viajantes. Sete dos homens escravos tinham optado por se unir às
linhas de seus seguidores. Todos viajariam a cavalo, inclusive Blanche. De
algum jeito seus homens tinham encontrado cavalos suficientes no campo para
roubar.
Selik estava a ponto de dar o sinal para sair da muralha quando seus olhos
se congelaram na última pessoa do séquito. Pessoas, melhor dizendo,
imediatamente se corrigiu. Uma moça carregando um bebê em seus braços
viajava montada no último cavalo.
— Tire-os de minha vista — ordenou Selik a Gorm através dos dentes
cerrados.
— Mas, amo — interveio Ubbi — seu marido foi um trabalhador em
Ravenshire por muitos anos. Morreu ontem pela manhã de febre, e ela deve
encontrar sua família em Jorvik.
— Não me importa se seu marido era o maldito Rei. Não quero um be… —
suas palavras se acalmaram por um momento enquanto procurava controlar a
instabilidade em sua voz; depois se corrigiu — Não quero outra irritante e
rabugenta mulher que só diga disparates, em minha companhia. Tenho mais
que suficiente com essas duas — disse, ondeando uma mão para Rain e Blanche.
— Graças aos deuses terminarei com elas quando chegar a Jorvik.
— Mas, amo, é cruel deixá-la aqui sem um companheiro que a proteja e lhe
dê o sustento.
— Permita que ajude Bertha na cozinha. Ou permita que se vá ao maldito
inferno. Não é problema meu — Selik levantou sua cabeça para Gorm, que
seguiu suas ordens arrancando rudemente a mulher e seu choroso bebê de cima
do cavalo. Selik ignorou as lágrimas se derramando pelo jovem rosto da mulher
e voltou seu cavalo para a entrada, liderando a fila de cavalos sobre a ponte.
Costas rígidas, nem uma vez se voltou para olhar o choroso bebê ou sua
soluçante, abandonada mãe.
E Selik se negou olhar para Rain, sabendo a condenação que veria em seu
rosto.
Acaso sua própria mulher procurou escapar antes de os saxões chegarem? E se lhe
foi negada ajuda, como a essa mulher? disse a voz.
Selik engoliu em seco fortemente, sob o nó em sua garganta. O que estava
lhe acontecendo? Um mês antes, um ano antes, ele não teria titubeado em enviar
a mulher e seu maldito bebê fora para que se arrumassem por si mesmos. De
fato, ele mesmo os teria arrancado do cavalo.
Sem olhar para Ubbi, que montava a seu lado, procurou na sua túnica e
puxou um pequeno saco de moedas. O lançando ao sobressaltado servo, lhe
ordenou com voz áspera:
— Dê à criada e que ela organize depois seu transporte.
Os olhos nublados de Ubbi se iluminaram, e voltou seu cavalo para a
Ravenshire, sem perguntar uma só vez a que criada se referia, nem seus
motivos. Mas Selik pensou que ouviu Ubbi murmurar:
— Sabia que faria. Realmente sabia que faria.
Selik não gostava do rumo que sua vida tinha tomado ultimamente. Faltava
controle. Muitas pessoas estavam se unindo por si mesmas a ele. Decidiu ele
mesmo se desfazer completamente do montão de sanguessugas quando
chegassem a Jorvik.
Uma vez fora ele poderia ir outra vez em sua busca de vingança contra seus
inimigos saxões. E Steven de Gravely.
Sozinho. Esse era o caminho que tinha escolhido muito tempos atrás. Não
havia volta, nem desvio para ele em seu caminho pela vida. Não permitiria.
Hah! A simples palavra ecoou em resposta a seus pensamentos.
Selik desprezou a maldita voz em sua cabeça. Maldito inferno! Se era Deus,
então tinha uma malvada e sarcástica língua. Voltou-se rapidamente para ver se
alguém tinha falado perto dele, mas seus companheiros olhavam diretamente
para frente, concentrando-se no difícil caminho. Deu de ombros, negando-se a
acreditar no impossível, sem dúvida ele tinha falado em voz alta. Sim, foi isso.
Não podia aceitar que aquela voz estivesse em sua cabeça de novo. Nunca
poderia acreditar que fora Deus, que todos os Santos conservassem sua
prudência!
Melhor seria que acreditasse.
Grunhiu e Ubbi olhou para ele, levantando uma sobrancelha
interrogativamente. Selik disse uma palavra obscena e esporeou seu cavalo para
diante, sentindo a necessidade de um bom galope para clarear seus sentidos.
Rain quase não podia conter sua emoção quando chegaram a Jorvik na
manhã seguinte. Os homens de Selik os rodeavam e mantinham um estranho
olhar sobre os soldados saxões enquanto cruzavam a ponte sobre o rio Ouse,
depois seguiram o trânsito movendo-se na rua que Ubbi a identificou como
Micklegate ou Grande Rua.
A mãe de Rain lhe havia dito não fazia muito que Jorvik, o nome de York
no século X , era o portal entre a Escandinávia e a Inglaterra anglo-saxã. Suas
rotas comerciais chegavam até a Irlanda, as Shetlands 3, as Rhineland4, o Báltico e
ainda mais longe.
Sua cabeça girava sobre o pescoço enquanto ela tentava absorver tudo dos
maravilhosos lugares enquanto se moviam através das estreitas ruas para o
mercado do povo, sombreadas pelos beirais de palha sobressalentes dos
edifícios de adobe5.
As antigas paredes romanas, com suas oito maciças torres que rodeavam a
cidade, e alguns dos edifícios, permaneciam em ruínas, graças ao ataque saxão
dos anos recentes, mas Ubbi lhe disse que nenhum Rei Norueguês governava no
momento, e onde um ar de reconstrução e prosperidade prevalecia, a rápida
mistura do novo com o velho. Como as pessoas, pensou Rain, uma grande
variedade de noruegueses, ingleses, islandeses, normandos, francos, germanos,
russos, inclusive comerciantes de culturas orientais.
A divergência em suas musicais, e algumas vezes guturais, línguas trazia
um fundo discordante como os sons de uma cidade populosa. Comerciantes e
marinheiros praguejavam fluidamente em várias línguas enquanto
descarregavam artigos exóticos das amplas barrigas dos navios de carga que
afluiam dos rios Ouse e Foss, artigos que Ubbi identificou como vinhos finos da
Frísia6, âmbar, peles e ossos de baleia do Báltico, Soapstone 7 da Noruega, lava
querns8 de Rhineland e sedas das cores do arco-íris do Oriente.
Artesãos ofereciam suas mercadorias de onde estavam sentados em postos
na frente de suas primitivas casas, vendendo seus artesanatos (pentes de
marfim, patins de gelo de osso, broches de bronze, fivelas para cinturões e
braceletes, cordões de cristal e contas negras, tigelas de madeira e utensílios de
cozinha, jóias de prata e ouro incrustadas de pedras preciosas). Curiosamente,
cada uma das ruas — ou entradas como os noruegueses as chamavam —
3
Ilhas conectadas por ferry a Escócia, Noruega e às Ilhas Feroe e a Islândia.

4
Lugar ao norte da Alemanha.

5
O tipo de moradia que se encontra em algumas regiões da Europa, conhecida como “Wattle and Daub”, onde
um marco de madeira se enche com estacas cobertas com barro, semelhante às construções de jijolos crus.

6
Frísia (em holandês: Friesland, em frísio: Fryslân), a província maior do Reino dos Países Baixos.
7
A pedra natural é uma das possibilidades para revestimentos e pavimentos. Soapstone é uma pedra natural
composta por talco, dolomita e magnésio. Esses componentes lhe proporciona características únicas e exclusivas.
O talco proporciona à Soapstone um tato suave e muito agradável, e lhe dá a sensação esponjosa do sabão,
enquanto o magnésio o faz resistente e de grande durabilidade.
8
Se refere a alguma espécie de rocha vulcânica.
parecia conter o comércio de um produto em particular; havia uma rua de
carpinteiros, outra de joalheiros, até outra de fazedores de vidro.
— Isso é como um festival gigante de artesanato — disse Rain
impressionada enquanto se detinha perto de Selik, ele a estivera ignorando
desde o dia anterior, mas não se afastou agora.
— Sim, os artesãos impressionaram sua mãe, também — recordou ele,
parecia se divetir com sua fascinação pelo encanto das ruas da cidade. — Isso é
Coppergate, a rua onde muitas das oficinas estão situadas.
Captando sua atenção, Rain olhou a artéria principal que cruzava ao longo
da cidade do século X, sabendo que em algum ponto daquela via pública estava
o lugar onde depois se encontraria o museu Viking.
— Selik, este foi o ponto de partida de minha viagem no tempo.
Ele grunhiu ante sua menção da viagem no tempo, a qual aceitava a
contragosto, mas não queria discutir com ela.
— Sem dúvida espera se deter em Coppergate no minuto em que eu der as
costas e então voar através do ar com suas asas de anjo para seu próprio tempo.
Por favor, minha senhora, espero que me convide para ser testemunha desse
assombroso evento.
— Não seja sarcástico. Não disse que queria voltar para casa — Poderia ter
pensado em algum momento, mas não mais, não se você é o que quero agora.
Seu séquito fez uma paradada repente enquanto uma carroça de burros
passava em frente a eles. Os soldados de Selik, que montavam guarda antes e
depois do grupo de viajantes, observavam alertas procurando sinais de perigo.
— Eu adoraria ter um cordão dessas contas de âmbar — comentou Rain
casualmente sobre as pedras amarelo-alaranjadas citrinas que estavam sendo
cortadas e polidas por um altamente habilidoso joalheiro que estava sentado
perto em um tamborete. Depois riu. — Acha que aceitariam um cheque?
Selik sorriu analisando-a com o que somente poderia se chamar de carinho,
e o coração de Rain saltou. Ela se deleitou com o raro momento de
companheirismo e desejou poder se inclinar-se através do pequeno espaço que
os separava e roçar seus soltos e belos cabelos, afastando-os de seu rosto. Ou
riscar o contorno de seus lábios firmes, curvados agora em um encantador
sorriso, mas ele provavelmente repeliria seu gesto ou faria algum comentário
sarcástico.
Mas Selik a surpreendeu com um rápida piscadela de conhecimento e se
voltou para o artesão. Lançando uma moeda ao jovem homem que abriu muito
os olhos, indicou a gargantilha de âmbar que tinha nas mãos. O joalheiro a
lançou, agradecendo com um gesto de cabeça.
Encantada, Rain estendeu a mão para a gargantilha, murmurando:
— Oh, obrigada, Selik. É preciosa.
Mas ele a manteve fora de seu alcance e exigiu zombeteiramente:
— Quero uma daquelas salva-vidas em pagamento.
Um pedaço de doce em troca de uma gargantilha sem preço? Não era um
trato ruim.
— Te disse que acabaram.
— Mas mentiu.
Rain riu.
— Está bem, mas só uma — ela pegou sua mochila e sacou um tubinho
fechado de Frutas Tropicais, depois deu a ele uma amarela.
— O que é isso? Prefiro a vermelha.
— Dei as últimas de cereja a Tykir e Ubbi. Esse é de abacaxi, acho.
Selik lançou um olhar de desgosto para ela como se ela tivesse se desfeito
de seus pertences pessoais. Depois ceticamente pôs o círculo de doce em sua
língua. Um momentâneo olhar de surpresa cruzou seu rosto ante o que tinha
sido um exótico sabor novo para ele.
— É boa, mas prefiro a vermelha — assegurou provando, depois pegou e
deslizou a gargantilha sobre a cabeça dela, ajustando-a sob sua simples trança.
— Combina com seus olhos dourados, doçura.
Ele gosta de meus olhos.
— Te disse o que me faz quando usa essa palavras de amor? — disse ela
roucamente, inclinando-se para mais perto.
Mas ele a empurrou de novo para seu cavalo.
— Palavras de amor? Que palavras de amor?
— Doçura, carinho.
— Hah! Essas não são palavras de amor. São apenas… — ele se deteve.
A carroça tinha liberado a rua, e Selik moveu seu cavalo para frente.
Ela urgiu seu cavalo para seguir Selik na frente e logo o alcançou.
— Selik, obrigada. Vou cuidar da gargantilha. Sempre — porque veio de você.
— É somente uma bagatela. Ter te dado de presente não significa nada.
— Oh! Você dá com uma mão e tira com a outra. Por que continua me
afastando de você?
— Por que continua se aproximando de meu rosto?
— Por que fui enviada…
— Por Deus para me salvar — ele terminou por ela com uma sacudida de
irritação da cabeça. — Por favor, me deixe, moça, e seja o anjo da guarda de
mais alguém por um momento. Melhor ainda, por que não voa e pousa nos
telhados de uma dessas Igrejas cristãs — disse, ondeando sua mão para indicar
as numerosas casas das oficinas que passavam. — Seu grasnido poderia
combinar muito bem com todos os pombinhos.
Rain começava a lhe dar a língua, mas se deteve a tempo. Em lugar disso,
franziu o nariz para ele, zombando.
— De fato, não posso acreditar em quantas Igrejas há por aqui. Acho que
passamos ao menos por uma dúzia. Aí está São Pedro, que tem um hospício
junto?
Selik indicou a alta agulha à distância.
— Me levaria lá?
— Poderia ser… sim, levarei.
— Eu poderia ser capaz de praticar a medicina lá.
Ele sorriu.
— Isso seria digno de ver, eu irrompendo dentro da catedral e oferecendo
seus serviços para os Santos companheiros de Deus. Falando de veias
sobressalentes. Poderia causar um broto lotado de copos sangüíneos.
Rain sorriu.
— Bem, melhor que se una a eles que a mim — disse Selik bruscamente. —
Você se converteu em minha maldita sombra. Você e esse maldito do Ubbi.
O coração de Rain se quebrou com as palavras de Selik. Por acaso aquele
homem que ela estava começando a amar a considerava nada mais que um
grande aborrecimento? Ela esperava que não.
— Hoje? Vai me levar hoje?
Ele sacudiu sua cabeça, rindo ante sua pressão.
— Devo descarregar todos esses prisioneiros hoje e me liberar de Ubbi e dos
soldados.
— Descarregar? Quer dizer vender? — queria perguntar Rain. E eu? Mas
temia sua resposta.
— Aonde vai?
Deu de ombros.
— Pode ser ao sul, até Wessex.
Rain esteve a ponto de repreendê-lo uma vez mais por sua contínua busca
de vingança quando o mas horrível dos aromas assaltou seus sentidos.
— Oh, meu Deus, o que é esse cheiro?
— É pavimento, a rua um não será esquecida logo. Você está, sem dúvida,
recebendo o cheirinho dos açougueiros e curtidores. Olhe para lá — Selik
indicou alguns edifícios onde todo tipo de animais mortos penduravam de
ganchos gigantes, as vísceras e o sangue estavam sendo lançados dentro de
sarjetas ou afluindo para o rio que se movia lentamente atrás deles.
Trabalhadores industriais despojavam a pele dos cadáveres com restos de
osso, depois as cobriam com o que parecia ser bastante esterco de frango.
Tranqüilamente outros trabalhadores estavam curtindo as peles, que já tinham
apodrecido em algum momento nas crescentes filas de frangos atirados,
molhando-os com o que parecia um fermentado suco de bagos. Finalmente, viu
o produto terminado sendo estirado nas molduras de madeira e transfomado
em sapatos, casacos e cinturões.
Pelas mulheres e crianças que ela podia ver nos pátios de trás, os edifícios
deveriam combinar lares e oficinas. O aroma não parecia incomodá-los nem um
pouco. Gansos e frangos rondavam à vontade nas propriedades cercadas,
enquanto porcos grunhiam ruidosamente em pequenos currais. Várias crianças
sentadas brincavam com flautas de Pan feitas de madeira9.
Na totalidade, os artesãos, mercados e famílias se combinavam para formar
um quadro de pacífico folclore. Não como a imagem que as pessoas modernas
tinham dos vikings ou saxões da Idade das Trevas.
Aquela não era a impressão que tampouco ela tivera, desde sua exposição
da batalha de Brunanburh, e Selik. Sua mente começava a trabalhar um tempo
extra, tentando encaixar seu viking fugitivo dentro daquela tranqüila cena
doméstica.
— Selik, o que você seria se não fosse um guerreiro?
9
As Flautas de Pan se distinguem de todas as outras categorias de flautas pela presença de vários tubos,
orenados em uma ou duas filas, sobre um mesmo plano reto ou ligeiramente curvo. Cada tubo é feito para
produzir uma só nota, segundo seu tamanho, e portanto não tem orifício lateral. O fundo dos tubos está fechado,
o que permite afiná-los preenchendo-os levemente com um conglomerado. Seu nome vem da mitologia grega, a
lenda diz que o deus Pan, deus dos rebanhos e pastores, a criou.
— Anh?
— Quero dizer, quando minha mãe te conheceu, você não era forçado a
uma vida sanguinária, ou era?
Ele sorriu ante suas escolhidas palavras.
— Eu já era um Jomsviking10, mesmo nesse tempo.
— Sim, sim, eu sei, mas não foi alguma coisa você que tentaria fazer pelo
resto de sua vida. De fato, uma vez você me disse que deixou de fazer algo,
antes de… bem, disse que deixou de fazer algo.
— Um comerciante.
— Um comerciante? Quer dizer, como essas pessoas que vendem suas
mercadorias ao longo das ruas?
Ele sacudiu a cabeça.
— Não, eu tinha cinco navios comerciais. Viajava várias vezes por ano para
Hedeby e até para Micklegaard, comprando e vendendo.
Um terrível pensamento ocorreu a Rain. Oh, por favor Deus, isso não.
— Que tipo de produtos transportava?
Ele deu de ombros.
— Tudo — ele a estudou de perto e pareceu entender seu susto. — Não,
minha moça desconfiada, não era um comerciante de escravos.
Rain suspirou de alívio.
— Sim, posso te ver em um navio Viking, viajando de um centro comercial
a outro.
— Fico tão contente que você aprove — disse ele com uma inclinação
zombeteira de cabeça. — Mas realmente era um tipo de artesão naquele tempo.
Fazia… — ele se deteve bruscamente, seu rosto se tingiu de vermelho enquanto
de repente parecia se dar conta do quanto revelara.
— O quê? Não se atreva a parar agora. O que fazia?
— Animais — admitiu ele cortantemente. — Esculpia animais de madeira,
mas raramente os vendia. Geralmente só os dava às crianças da família ou
amigos que os admiravam.
Crianças. Ele dava seu trabalho manual para crianças. Hmmm. Outra pista.
— Eu gostaria mesmo de vê-los alguma vez. Tem algum com você?
Seu rosto então se endureceu.

10
A mais alta hierarquia entre os vikings guerreiros.
— Não. Não tenho nenhum. Destruí todos. E já não me incomodo mais com
passatempos frívolos — a olhou direto nos olhos. — Minhas mãos estão muito
ensangüentadas.
Moveram-se para fora da parte mais congestionada da cidade naquele
momento e foram para os subúrbios, onde as casas eram maiores e mais
afastadas umas das outras, mais prósperas. Ubbi levou seu cavalo junto ao dela,
e Selik o empurrou para trás para falar com Gorm. Rain podia dizer pela
maneira cansada como Ubbi mantinha seus ombros que a longa viagem desde
Ravenshire tinha cobrado um doloroso pedágio à artrite do pequeno homem.
— Ubbi, notei quando viajávamos através do pavimento que os açougueiros
estavam matando gado. Acha que poderia me trazer aqui amanhã para falar
com eles?
— Por quê? Está com fome?
Rain riu.
— Não, mas se eu pudesse conseguir algumas glândulas suprarenais,
poderia ser capaz de fazer um tipo primitivo de cortisona. Isso faria maravilhas
absolutas para sua artrite.
A princípio, o rosto dele se iluminou com esperança, mas rapidamente a
expressão mudou para horror quando Rain explicou o que era suprarenal.
— Quer pôr vísceras de vaca em meu corpo?
— Não, homem tolo, teria que receber internamente.
Ele pensou por um momento, pesando suas palavras.
— Por internamente, não está querendo dizer que tenho que comer pedaços
ensangüentados.
— Sim, mas…
— Nunca! Minha senhora, permito-lhe massagear meu corpo da maneira
mais indecorosa. Me fez do bobo de Ravenshire ao me lubrificar com argila
quente, e não protestei. Bem, não muito. Até nadei na água gelada do lago para
satisfazer seus caprichos, sem mencionar os banhos ferventes que me forçou a
suportar. Mas me nego a comer vísceras cruas de vaca. Até eu tenho meus
limites.
Rain explodiu em gargalhadas pelo longo e irado discurso de Ubbi.
— Ubbi, não estava querendo dizer que as comesse cruas. Ao menos, não
acho que trabalhem dessa maneira. Embora…hmmm. Em qualquer caso, estava
pensando em uma mistura de glândulas frescas com algo mais, depois
comprimi-las em uma pílula. Não tenho certeza de que isso pode ser feito.
— Hah! Mas me faria ser o… como me chamou quando estávamos
experimentando com diferentes exercícios? Jenny Pig!
— Porco da Índia — Rain o corrigiu com um sorriso. Ela alcançou Ubbi
para dar uma palmada na mão torta. Realmente ele tinha sido mais que
cooperativo em suas várias tentativas para aliviar sua condição. E algumas delas
tinham ajudado, também.
— Selik!
Rain e Ubbi se voltaram para ver uma pequena mulher de cabelos cinzentos
gritando calorosamente para Selik da porta da grande casa. Estava separada dos
vizinhos por uma ampla extensão lateral de jardim e cercas de madeira, sua
forma retangular seguia o estilo viking com tetos de palha. Finalmente símbolos
nórdicos esculpidos decoravam a grande porta de carvalho e as molduras das
janelas. Vários homens armados montavam guarda na entrada, e Rain viu ainda
mais um lado e atrás da casa.
— Mãe! — Selik saudou a mulher com uma voz cálida enquanto
desmontava e entregava as rédeas a Gorm.
— Mãe? — Rain perguntou a Ubbi. — Pensei que Selik tinha dito que não
tinha parentes.
— Ela é Gyda, a mãe de Astrid. Ele é como um filho para ela.
— Estávamos tão preocupados. Especialmente quando ouvimos sobre a
Grande Batalha. Por que não nos enviou notícias sobre seu estado, seu
miserável? — a mulher repreendeu Selik antes de lançar-se em seus braços. Ele
a levantou da terra em um abraço de urso enquanto ela o apertava
calorosamente, seus braços gordinhos se envolvendo em torno de seu pescoço.
— Selik, meu filho — disse ela suavemente enquanto deslizava de volta
levemente e examinava seu rosto amorosamente, sem dúvida procurando novas
cicatrizes. — Me desça agora, grande casca-grossa, e me deixe alimentá-lo. Não
está nada mais que pele e ossos.
Selik riu calorosamente, pondo-a gentilmente na terra, e lançando seu
braço direito sobre o ombro de Gyda. Ela mal lhe chegava ao peito.
— Quero que conheça alguém — ele fez um gesto para que Rain
desmontasse e se aproximasse.
Quando Rain parou perto de Selik, se destacando sobre a diminuta mulher,
Selik disse:
— Lembra de Ruby Jordan? A esposa de Thork?
— Sim, é claro — disse Gyda vacilando, suas sobrancelhas se franziram com
mistério pela estranha pergunta.
— Esta… convidada… é sua filha, Thoraine. Seu outro nome é Água de
Neve, quero dizer Rain.
Rain lhe lançou um olhar de desgosto ante sua brincadeira, a qual ela não
achava em nada divertida.
— E seu outro nome é imbecil — murmurou ela em um tom mais baixo
para Selik.
Mas Gyda levantou a cabeça, seu rosto alegremente iluminado com
compreensão.
— Conheço essa palavra. Imbecil. Sua própria mãe me ensinou ela. — Ela se
voltou para Selik, meneando um dedo em seu rosto. — E chegou a ser muito
útil, devo te dizer, Selik, em algumas ocasiões com todos estes guardas que você
insiste em deixar aqui comigo. Pelo sangue de Deus! Não posso dar um passo
fora da latrina sem tropeçar com um ou outro deles. Mas uma filha nascida de
Ruby! Depois da morte de Thork? Como, ela é muito velha! É incrível! É tão
gigante!
Rain tentou escutar o longo irado discurso de Gyda, mas a mulher
norueguesa falava muito rápido.
— O que ela está dizendo? — perguntou Rain a Ubbi.
— Parece que sua mãe ensinou a palavra imbecil a Gyda, que Selik deixou
muitos guardas, que Gyda tropeça com eles, e que ela acha difícil de acreditar
que sua mãe desse a luz a um bebê de Thork depois de morto.
— E ela me chamou de gigante, também, ou não? — perguntou Rain,
sentindo que Ubbi estava protegendo seus sentimentos.
— Sim, chamou — admitiu ele — mas qualquer um mais alto que um
bezerro é um gigante para ela.
Gyda se aproximou e estendeu sua mão em boas-vindas para Rain. Falando
mais devagar, disse:
— Bem-vinda, Rain. Qualquer filho de Thork e Ruby é amigo desta casa.
Os olhos de Rain procuraram os de Selik, que a ignorou estudadamente
enquanto levava seu cavalo para o estábulo, mas qualquer palavra cortante que
ela quisesse lhe dizer foi impedida pela chegada da mais formosa e jovem
mulher que Rain vira em toda sua vida.
— Selik! — gritou a beleza loira, perto dos dezessete anos, como boas-
vindas antes de se lançar entusiasticamente nos braços abertos de Selik. Ele a
girou no ar formando um círculo enquanto a abraçava com igual entusiasmo.
O imbecil!
— Tyra — ele exclamou admiradamente quando finalmente a desceu de
novo, observando-a com audácia da sua loira cabeça até seu voluptuoso e
redondo busto, logo sua diminuta cintura e estreitos quadris, até seus
irritantemente deliciosos e pequenos sapatos. — Você se converteu em uma
mulher durante minha ausência. Uma formosa mulher.
Tyra pôs uma delicada mão no peito dele, lhe oferecendo um sensual olhar
através de seus asquerosamente longos cílios, e anunciou:
— Então já é tempo para nosso casamento.

Capítulo 10

— Sua pequena descarada — exclamou Selik contra os luxuriosos cabelos


de Tyra ao ouvir seu revoltante comentário. Riu e a apertou uma vez mais antes
de pô-la em pé com um tapa em seu tentador traseiro.
Logo ergueu a vista e parou em seco ante o surpreso e dolorido olhar no
rosto de Rain. Perplexo, inclinou a cabeça, percebendo que Rain devia ter
ouvido o comentário de Tyra sobre casamento e assumido que ele realmente
estava comprometido com a jovem moça. Bendito Thor, Tyra era como uma
irmã. Isso era óbvio para qualquer um que tivesse olhos no rosto.
Mas não para Rain, como podia ver. Ela mordia seu trêmulo lábio inferior e
piscava para conter as lágrimas que fluíam em suas profundidades douradas.
Instintivamente, começou a dizer a Rain a verdade, para apagar a expressão
de dor em seus traços, para acalmá-la com doces palavras de explicação. Mas se
deteve. Talvez a equivocada idéia de Rain sobre seu casamento poderia
beneficiá-lo. Deixara que aquela atração entre eles chegasse muito longe. Por
todos os Santos! Se ficava duro o dia todo, evitando apenas que seus homens
percebessem. Poderia resistir à tentação de sua carne por muito mais tempo?
Devia fazê-lo, sobretudo sabendo que poderia engravidá-la. Melhor uma
pequena dor agora que uma maior e que chegaria indevidamente.
Ele se obrigou a ficar longe do olhar acusativo de Rain. Inclinando-se para
Tyra, cuja cabeça mal roçava seu queixo, sussurrou o bastante alto só para que
ela ouvisse:
— Tome cuidado, moça. Esteve me dizendo isso desde que tinha apenas
cinco anos e eu era um mundano homem de dezoito. Um dia desses, posso
aceitar sua oferta, e o que fará então?
Ela lhe dirigiu um sorriso encantador e respondeu rapidamente:
— Aceitar, é claro.
— Hah! Isso é o que diz agora, mas todos os pretendentes que pedem sua
mão?
Selik sabia que Rain não podia ouvir nenhuma de suas palavras de onde
estava em pé, congelada e rígida de dor, mas certamente veria as brincadeiras
leves entre eles como um jogo amoroso. Até Ubbi franziu o cenho para ele com
silenciosa condenação.
Tyra interpretou seu papel perfeitamente. Fazendo uma atraente careta, a
malcriada diabinha pôs a ponta do dedo em seu queixo como se refletisse com
toda seriedade sobre a idéia de deixar todos seus pretendentes por ele.
— Hmmm. Isso é algo a considerar.
— Tyra! Pare, que vergonha! — interveio Gyda finalmente, empurrando sua
filha e Selik amavelmente para a casa e fazendo gestos para que Rain e outros a
seguissem.
Selik se obrigou a olhar fixamente para frente e não olhar para trás, para
Rain. Ele temia ceder ante seus impulsos mais suaves e admitir sua farsa.
Fazendo tudo para apagar a dor que via atormentá-la ante sua suposta traição.
Traição! Agora de onde saíra aquele pensamento? perguntou-se Selik. Ele não
tinha nenhuma obrigação com a bruxa de alguma terra remota.
Ela salvou sua vida.
— Sim, mas eu a compensei muito mais escutando suas chatas
reprimendas, não? — Selik perguntou a Ubbi.
— Enh? — Ubbi o olhou com receio, como se lhe houvesse de repente
nascido dois narizes.
Com paciência forçada, ele explicou:
— Você me disse que Rain salvou minha vida.
— Eu disse?
— Com certeza disse.
— Quando?
— Agora mesmo.
Ubbi olhou para o céu e sorriu, logo lançou um olhar curioso em sua
direção.
— O que mais eu disse?
Selik parou em seco, pondo as mãos nos quadris, e grunhiu de auto-
irritação por se permitir ser arrastado àquelas conversas irritantes com Ubbi.
Finalmente, ele ergueu as mãos com aversão.
— Você disse que era um cavalo, e eu, o traseiro do cavalo.
— Nunca disse isso!
Selik lhe enviou um olhar sardônico.
— Sem dúvida pensou, entretanto.
Para sua surpresa, Ubbi assentiu energicamente.
— Sim, quando trata a milady da maneira como fez lá atrás, bem, se posso
ser o suficiente corajoso para expressar minha humilde opinião, então não se
comportou melhor que o traseiro de um cavalo.
Selik estava mais assombrado que zangado. Seu criado de confiança
raramente lhe falava dessa maneira.
— Ela apanhou ou foi privada de comida? Ameaçada com danos corporais?
Não. Acho que se esquece, Ubbi, de que ela é uma mera prisioneira, como todos
outros.
— Hah! Acredite nisso, e saberei com certeza que perdeu todo seu juízo.
Talvez ele esteja metido nessa haste que vem mantendo a meio mastro desde a
semana passada — Ubbi olhou significativamente a união das calças de Selik e
bufou grosseiramente, se afastando para longe dele.
Selik então sentiu a presença de Rain a seu lado, ou talvez cheirou sua
“Paixão”. Mas quando deu uma olhada de lado, viu que o olhar dela pousava
em Tyra, que ajudava Gyda a preparar uma refeição rápida para os inesperados
convidados.
Inferno maldito! Ela acha que é Tyra que meu corpo deseja. Como pode ser tão
cega? Hmmm. Deveria lhe permitir que continue pensando? Sim, devo.
Selik deliberadamente andou até a lareira erguida no centro do grande
cômodo e pôs uma mão sobre o ombro de Tyra. Inclinou-se e sussurrou umas
palavras sem sentido em seu ouvido, e a risada escapou da garganta da jovem
moça.
Ouviu o grito sufocado de Rain atrás dele. Apertou os punhos para se
impedir de dar a volta e estender a mão para ela.
Nunca, nunca na vida moderna de Rain ela esperara que pudesse sentir tal
dor por um homem. Um trapaceiro, que a enganava com outra, um mentiroso, e
sua baba caía por um homem assim!
Ele ama Tyra, pensou.
Não, Rain devia ser honesta. Selik não lhe fizera nenhuma promessa. Ela
tinha declarado seu amor por ele, e ele não tinha feito mais que sinceramente
não dar as boas-vindas ao seu afeto. No melhor dos casos, sentia luxúria por ela.
Ele ama Tyra.
Sim, devia admitir, ela era a tola naquela representação. De algum jeito
tinha pintado um panorama de si mesma como a maravilhosa salvadora vinda
do futuro para resgatar o primitivo guerreiro. Hah! Ela tinha salvado apenas sua
própria pele até agora.
Ele ama Tyra.
Oh, Senhor, como ela viveria sem ele? Não tinha se dado conta até agora do
quanto sua vida se tornara complicada. Mesmo embora tivesse reconhecido seu
amor florescente por ele, ela tinha pensado que poderia controlá-lo, como todo o
resto em sua vida moderna (sua educação, sua carreira, sua família, suas
emoções, sua vida amorosa). Tudo em seu pequena gaveta ordenada, tirado e
guardado em seu lugar à sua vontade.
Ele ama Tyra.
Os ombros de Rain caíram, e se afastou para longe dos grupos felizmente
falantes das pessoas que lotavam o grande cômodo de Gyda. Selik e Ubbi
estavam em pé bem dentro do cômodo, comandando os soldados para
cuidarem dos cavalos e dos prisioneiros. Gyda se dirigia a seus criados perto
dos fogões, enquanto Tyra preparava as grandes mesas de cavalete com pratos e
copos de madeira.
Consumida em uma névoa de lágrimas, Rain girou nos calcanhares,
sentindo esmagador impulso de evitar o espaço que tinha tanto Selik quanto
noiva dele. Ninguém notou sua saída.
Voltando na direção que acabavam de viajar, Rain andou sem rumo fixo ao
princípio. Então, lhe ocorreu uma idéia.
Coppergate.
Se pudesse voltar a Coppergate, o lugar do futuro Museu do Viking, talvez
descobrisse a chave para a porta das viagens no tempo.
Ele ama Tyra.
Rain não podia pensar direito, certamente não sobre sua abortadada missão
no passado. Ela, que sempre estava obcecada com a perfeição, devia agora
admitir o fracasso. Aquela era uma pílula amarga de engolir.
Tampouco podia pensar em Selik e em como reagiria a sua ausência.
Provavelmente com alívio. Até ela reconhecia que se convertera ultimamente
em uma harpia, santarrã rabugenta.
Sobretudo, não podia se permitir pensar em viver outra vez em seu mundo
estéril, moderno, onde uma vez tinha pensado ser feliz — não, contentara-se —
em seu posto como médica respeitada. Mas como poderia aquela vida, que
sempre lhe tinha parecido tão satisfatória, de repente fazer com que sua pele
ardesse com temor? O que falhava no quadro?
Amor, respondeu a voz em sua cabeça.
Mas Selik não me ama, gritou seu coração.
E se amasse? Ficaria com ele?
Sim... não... Não sei.
Apesar das lágrimas que nublavam os olhos de Rain, encontrar seu
caminho pelo sistema de ralo organizado das ruas de Jorvik demonstrou ser
fácil. Logo reconheceu as lojas dos artesãos que Selik lhe tinha indicado antes.
Reduzindo a marcha de seu passo rápido para um passeio lento, Rain olhou da
direita para esquerda, tentando reconhecer o ponto exato onde o museu estaria
em pé mais tarde.
De repente, sentiu que todos os finos pêlos em seu corpo se arrepiavam,
quase como se estivessem eletrificados. Com agitação, aproximou-se do que
parecia ser um edifício abandonado. Quanto mais perto estava, mais forte era a
aura. Quase sentiu como se vacilasse no borda externa da espiral de um
tornado. Se caminhasse para frente através da porta funda da estrutura que
estava caindo, de algum jeito sabia que seria atraída ao vórtice, para o nada do
tempo.
Rain rodeou o edifício, as lágrimas fluíam por seu rosto, alternadamente
caminhava mais perto e saltava para trás quando o puxão magnético
aumentava. A cada vez que sentia a necessidade obsessiva de saltar sobre a
borda, um impulso ainda mais forte a continha. Ela franziu o cenho, não
entendendo por que vacilava.
— Não vá. Não ainda.
Rain se estremeceu com a surpresa, logo se voltou.
Selik estava a alguns centímetros dela, seu rosto no geral bronzeado estava
pálido pelo que parecia ser medo e preocupação. Por mim? Rain engoliu através
do nó em sua garganta com força, mal capaz de distinguir seus traços através do
delicado véu de lágrimas.
Silenciosamente, ele ofereceu uma mão, seus olhos de prata lhe suplicavam
que fosse com ele. Ele evitou andar para frente, como se sentisse o poder da
aura que rodeava a cena e o tão perto do abismo do tempo no qual ela estava em
pé.
Rain tentou se lembrar que Selik amava outra mulher, que ela não tinha
nenhum futuro no passado. A lógica, a parte cientificamente treinada de seu
cérebro lhe falou sobre prioridades, sobre direitos e opções incorretas, e
racionais. A outra, a parte mais suave, feminina de seu cérebro triunfou,
entretanto, quando ela se moveu passo a passo lenta e inexoravelmente para
longe da aura e para perto de sua brilhante estrela polar do passado.
Quando apenas se moveu uns passos, Selik a tomou em seus braços, e Rain
sentiu como se tivesse chegado em casa. Ele a abraçou contra seu peito, seus
braços se enlaçaram ao redor de suas costas, seus longos dedos alternadamente
acariciavam seus ombros, costas, cintura e quadris, até suas nádegas. Então a
pressionou mais fortemente contra ele, como se tivesse medo de que fugisse
outra vez.
Finalmente, afastou-se um pouco e a segurou por ambos os ombros, seus
dedos se cravavam dolorosamente em sua pele, seu rosto já não estava pálido de
preocupação, mas sim vermelho de cólera. Com voz áspera, ele a acusou:
— Mentiu para mim, Rain. Me prometeu que se eu não fizesse mais
behaettie, não tentaria fugir.
Os formosos olhos de Selik cintilavam furiosamente, como fragmentos de
gelo cinzento. A cicatriz dentada em sua face se destacava branca contra seu
rosto furiosamente avermelhado. Ele mal podia sibilar sua venenosa acusação
por entre seus dentes apertados.
— Não quebro minhas promessas à toa, Selik, mas estava desgostosa ao te
ver com Tyra.
— Se eu estiver com Tyra, ou Blanche, ou outras cem mulheres, essa não é
desculpa alguma para quebrar seu juramento. Falaremos sobre isso mais tarde,
quando retornarmos à casa de Gyda
Com essas palavras entrecortadas, a puxou atrás dele para Fury, que
mordiscava contente as ervas próximas da rua. Em um movimento duro, ele pôs
ambas as mãos em sua cintura e a levantou de lado no dorso de Fury. Ele então
saltou para subir na sela atrás dela.
Rain o analisou atentamente, impressionada por sua veemência.
— Selik, eu achava que estaria aliviado por eu ter ido embora. Sei que te
zanguei ultimamente. Por quê? Por que se preocupa se eu ficar ou ir? É por meu
valor como refém?
Os olhos estreitados de Selik a avaliaram audazmente, como se pesasse seus
méritos. Pelo visto, ela estava muito abaixo em sua escala, decidiu quando ele a
olhou, a espetando:
—Não te devo nenhuma explicação. Na verdade você foi tratada muito
suavemente no passado. Isso vai mudar agora que não se pode mais confiar em
sua palavra.
Rain ergueu o olhar para ele, tentando reconciliar aquela feroz cólera com o
óbvio medo que ele tinha mostrado havia tão só uns minutos quando tinha
pensado que ela estava a ponto de abandoná-lo. Quando o cavalo acelerou seu
passo pelas estreitas ruas, ela se agarrou a sua cintura para manter o equilíbrio.
Ele prendeu a respiração.
Ela decidiu provar mais as águas profundas e deslizou seus quadris para
mais perto.
A borda da coxa de Rain roçou contra a rígida ereção entre suas pernas. Ele
se sacudiu como se ela acabasse de fazer com que entrasse em curto-circuito. E
um pensamento repentino que lhe ocorreu iluminou seu coração. Talvez fosse
ela, e não a formosa Tyra, quem o acendia.
—Se mova.
Rain olhou para cima e viu os dentes de Selik se apertarem, seus lábios
apertados numa linha.
— O que...
— Se mova, agora, ou juro perante todos os deuses nórdicos e os Santos
cristãos, que te voltarei na sela montada em meu colo e te tomarei aqui e agora,
em cima de meu cavalo, no meio de Coppergate. — Rain considerou a atraente
possibilidade durante um momento, a achando nem um pouco tão espantosa
quanto Selik indubitavelmente pensava que ela fazia. Mas entretanto se afastou
ligeiramente.
— Por que me trouxe para Jorvik se sabia que Tyra te esperava aqui? —
perguntou ela tristemente.
—Já respondi muitas de suas perguntas. Quero que saiba isto, moça, não há
como caucular ainda os problemas que me causou hoje.
— Vai me açoitar? — brincou ela, acariciando com o nariz e a face seu peito
quente, apesar de enrijecer seu corpo.
— Talvez.
— Talvez recorrerá ao behaettie outra vez e vai cortar meu cabelo.
Ele fez um baixo e profundo som de zombaria em sua garganta.
— Mas, não, não acredito que faça isso. Uma vez me disse que meus cabelos
pareciam fios de ouro. Ninguém nunca me disse nada tão agradável antes, Selik.
Sabia? — ela esfregou sua face, como um gato, contra a lã quente de sua túnica
na parte exposta entre os cordões de seu colete de couro. Com satisfação, ela
notou uma rápida aceleração de seu coração.
— Não esteja tão segura de si mesma, moça — grunhiu ele.
— Bem, há provavelmente algumas torturas Vikings especialmente
insuportáveis que empregaria. Como... ah, fazer cócegas em uma pessoa até a
morte. Mas não sou suscetível, de modo que não funcionará. Embora, se usasse
uma pluma, e você e eu estivéssemos nus…
Selik fez um baixo som duro em sua garganta e pôs uma mão contra a boca
dela.
— Basta, moça! Não pense que vai me iludir com todas essas palavras
provocadoras. O que poderia fazer se persistir é encontrar esse seu maldito
ponto G, desnudá-lo e apertá-lo em sua frente para que todo mundo veja o
quanto você é provocadora e dissoluta.
Rain esperou até que ele baixou a mão de sua boca um curto espaço de
tempo mais tarde e comentou com uma voz deliberadamente inocente:
— Então acha que sabe onde está localizado?
— O quê?
— Meu ponto G.
Rain ouviu um som curto, estrangulado; então Selik a surpreendeu
comprimindo o ápice de sua feminilidade, através do tecido de linho de suas
calças, e apertando o polegar contra a área acima do osso púbico.
— Sim. Está aproximadamente aqui. No interior, é obvio.
Rain ergueu a vista para ele com surpresa, surpreendida de que ele
entendesse a anatomia feminina tão bem e que, com toda sua conversa sobre
manuais sexuais modernos e satisfação feminina, ele tivesse entendido muito
bem cada palavra que ela havia dito. Apesar de seus traços ainda severos, lhe
piscou um olho com suprema vaidade masculina.
— Algumas coisas um homem apenas sabe, sem livros.
Foi Rain então quem fez um som estrangulado.
Quando retornaram à casa de Gyda, todos se sentavam nas mesas longas
para comer a refeição, aqueles de mais importância, como Gyda e sua família,
na cabeceira e, no outro extremo, os criados de Selik, em particular os
prisioneiros convertidos em soldados. Com um movimento enfurecido, Selik
agarrou Rain pelo pescoço e a empurrou para frente com um passo rápido para
a mesa principal, como se desejasse mostrar sua autoridade sobre um escravo
errante.
Selik se sentou na alta cadeira com respaldo indicada por Gyda forçando
Rain a se sentar em um tamborete mais baixo a seu lado que ele indicou a um
criado que trouxesse para frente. Como um cachorro, pensou ela, virtualmente
rangendo os dentes. Quando abriu a boca para protestar, Selik pôs um pedaço
de veado assado dentro dela. Ela tentou ficar em pé, mas ele pôs uma palma
grande firmemente sobre sua cabeça e a manteve no lugar.
Através da neblina vermelha de cólera e humilhação que se erguia, Rain
mal escutou a conversação amistosa ao redor da mesa.
Gyda dirigiu um olhar de condenação a Selik pela maneira como a tratava,
mas não o repreendeu. Ao contrário, perguntou:
— Quando vão se deter os enfrentamentos, Selik? Tudo são conversas nas
ruas sobre a Grande Batalha e os tantos bons Escandinavos mortos ou
entrevados.
— Isto nunca vai parar, Mãe. Você sabe — disse Selik cansadamente — Não
antes de que cada homem da península nórdica se for da Northumbria — Rain
sentiu a tensão das palavras de Selik transmitidas pela pressão de seus dedos
em seu couro cabeludo.
Depois de se assegurar de que todos tinham bastante alimento e ale, Gyda
se voltou para Selik.
— Então não está seguro aqui em Jorvik. Inclusive hoje vi alguns da guarda
real de Athelstan perto do porto.
—E eles, sem dúvida, procuravam Anlaf, que faz muito tempo que se foi a
seu domínio de Dublin. Mas, sim, devo cuidar de minhas escassas necessidades
também.
— E os prisioneiros saxões que trouxe com você? — Gyda sacudiu a cabeça
para o outro final do corredor, onde Blanche ajudava seus criados no fogão.
Eadifu, que supostamente esfregava potes, falava, ao contrário, com os três
prisioneiros machos restantes.
Selik deu de ombros.
— Você pode ter qualquer um que deseje, inclusive os soldados. Todos os
outros serão vendidos — o sangue de Rain gelou ante aquela perspectiva, sem
saber se ele queria inclui-la também. Antes que ela tivesse uma possibilidade de
perguntar, a mão dele escorregou de seus cabelos para sua boca em uma
advertência silenciosa.
— A moça, Blanche, serviria para ajudar dentro de casa, mas a outra porca
deve ir — disse Gyda. — Na verdade você deixou tantos homens da última vez
para cuidar de mim e de Tyra que chocávamos uns com outros o tempo todo. E
não desejo mais bocas para alimentar.
Parecendo alertar Rain então, Gyda perguntou:
— E a filha de Thork e de Rubi? Deseja vendê-la também?
Ele permaneceu em silêncio um tempo exasperadamente longo, e Rain
tentou ficar em pé para lhe dizer o que pensava de seu processo de pensamento.
Mas Selik tinha os dedos em seus cabelos e puxou com força para mostrar seu
domínio naquela situação.
— Não, não venderei a irritante moça. De qualquer modo, não ainda. A
estou guardando para a possível permuta com o Rei Athelstan.
Tyra riu alegremente, como se Selik houvesse dito algo muito engraçado.
— Ah, Selik! Está brincando, é obvio. Quem alguma vez iria querer tal
giganta como mulher?
— Tem razão nisso, pequena — comentou Selik em um tom seco de voz,
puxando os cabelos de Rain com ênfase. O bruto!
Gyda mordia o lábio inferior pensativamente, seus olhos foram de lá para
cá entre a expressão furiosa de Rain e o brilho arrogante do sorriso de Selik.
— Certamente não venderia a filha de Thork aos comerciantes de escravos.
— Ela é extraordinariamente rabugenta, Gyda.
— Ainda não entendo como ela poderia ser filha de Thork e de Rubi. Eles
estavam juntos há apenas doze anos, e ela é certamente muito mais velha que
isso.
— Ela diz que vem do futuro e esse tempo se move mais rápido lá, ou
alguma tolice similar.
A boca de Gyda se afrouxou, e fez um som cacarejante de incredulidade.
— Mas...
Selik evitou suas preocupações.
— Isso não tem nenhuma importância agora. Quanto aos mercados de
escravos, inclusive se decidisse vendê-la, quem compraria uma mulher
rabugenta de tal altura, sobretudo sendo tão velha?
Tanto Gyda quanto Tyra o contemplavam com receio agora, provavelmente
entendendo que deliberadamente tentava provocar sua refém.
— Por outro lado — continuou Selik — Rain é uma médica com estranhas
habilidades de cura. Na verdade, ela salvou a perna de Tykir depois de
Brunanburh — Rain se mexeu para olhá-lo com surpresa ante seu estranho
elogio.
— E todo mundo sabe como o rei de Wessex valoriza os bons curadores —
concluiu Gyda por ele.
— Talvez você gostasse de um escravo para lavar suas roupas e pentear
seus cabelos, Tyra — ofereceu Selik com pouca sinceridade. Rain pôs ambas as
mãos na cabeça, cravando suas unhas na mão de Selik, obrigando-o a liberar
seus cabelos. Ficando em pé orgulhosamente, curvou-se para Selik, queixo com
queixo, e declarou:
— Preferiria cravar agulhas em uma parte de seu corpo que valoriza muito,
bárbaro sanguinário.
— Tsk, tsk, tsk! — cacarejou Selik. — Fala como uma verdadeira pacifista!
Mas não com uma linguagem parecida com a de um escravo, receio. Terei que
idealizar algum método de castigo.
Rain pensou então em seu comentário mais cedo sobre o ponto G. Com
tanta intensidade enquanto tentava pensar em algo mais não pôde deter o
revelador rubor que esquentou seu rosto.
— Não fique envergonhada, Rain. Gyda e Tyra entendem a necessidade de
disciplina entre criados e escravos.
— Argh! — Rain se sufocou, lançando-se para sua garganta com um
impulso mortal.
— Elas entendem a necessidade das mulheres de assassinar os autoritários,
homens insuportavelmente arrogantes?
Com uma risada, Selik a evitou e a agarrou pela cintura, jogando-a sobre
seus ombros como um saco de batatas.
— Onde nos pôs para dormir esta noite, Gyda? Acho que devo falar com
minha escrava sobre sua inconstante língua em particular.
Tyra riu outra vez. Se Rain pudesse tê-la alcançado da sua posição ao
contrário, teria tentado estrangulá-la também.
— Em cima da escada. Em seu quarto habitual — disse Gyda com uma
risada. — Farei subir água para o banho. Ambos parecem precisar de uma boa
lavagem.
— Se assegure de que a tina seja bastante grande, então — disse Selik,
dando palmadas com uma grande mão sobre o traseiro de Rain para manter
quieto seu corpo que se retorcia no lugar — para dois.
— Ai! — exclamou Selik enquanto ela mordia a parte inferior de suas
costas. Ele tropeçou, quase caindo nos degraus de madeira que levavam ao
segundo andar.
Quando Selik lhe deu um beliscão no traseiro exposto, Rain disse com voz
entrecortada:
— Oh! Você é um animal — a ponta de seu sapato quase não falhou nas
genitálias de Selik, então, e ele estendeu os dedos de uma grande mão no
interior de sua coxa esquerda, longa, com o dedo médio pressionado contra um
ponto estratégico.
— Se mova só mais um pouco — declarou ele com gelada ameaça, — e juro
que encontrará um novo sentido para a palavra humilhação
Rain decidiu não lutar mais.
Quando chegaram ao paqueno quarto no final do corredor, Selik a lançou
sobre a única cama contra a parede e imediatamente a seguiu. Rindo,
pressionou-a contra o fino colchão com seu corpo, suas mãos seguravam as dela
por cima da cabeça, palma com palma, e suas pernas estavam entrelaçadas ao
redor das dela, imobilizando-a totalmente.
— Se levante, enorme tolo. Mal posso respirar — cuspiu ela.
— Bom. Talvez sua língua rabugenta descanse agora.
— Morta, não conseguirá muito resgate por mim.
— Sim, mas poderei ter finalmente um pouco de bendita paz.
— Hah! Você não esteve em paz durante anos, e sabe. Por isso me enviaram
aqui, estúpido idiota.
— Pelo que diz, acho que Deus, se tal ser existe, coisa que duvido
poderosamente, quer me castigar por todas minhas maldades. Que melhor
castigo! Um verdadeiro inferno na terra, a praga de uma mulher rabugenta,
presumida, santarrã e de língua grande!
— Isso é tudo? — espetou-lhe Rain sarcasticamente, tentando com força não
se ofender por seus comentários depreciativos. Ela tentou resistir a ele
empurrando seus quadris bruscamente para longe. Aquilo foi um engano. Tudo
que conseguiu foi uma nova mudança de seus corpos de modo que parte dele
estivesse melhor alinhada com aquela parte dela. E o sentiu ficar maior contra
seu corpo.
Selik rangeu os dentes, e Rain viu o brilho de paixão acender-se em seus
olhos prateados antes que ele baixasse seus longos cílios escuros. E quando ela
olhou de lado, viu os músculos robustos de seus braços, que ainda seguravam
suas mãos prisioneiras, ficarem rígidos com a tensão.
O prazer e a consternação varreram Rain ante a resposta imediata de Selik.
Aquela química existira entre eles desde o começo, bastando apenas um olhar
casual para acender o fogo do desejo que ardia sem chamas. Se ela fosse
absolutamente honesta, teria que confessar que sua atração por ele tinha
começado muito antes de seu primeiro encontro. Durante anos, ele tinha
freqüentado seus sonhos, chamando-a através do tempo.
— Selik, o que quer de mim?
— Lealdade. Mas você mostrou hoje que não se pode confiar em você. Sua
palavra se converteu em cinzas quando traiu seu voto de não fugir.
— Eu te disse por que eu...
— Não, não me dê desculpas. Quando jurou, era sem condições. Não tente
pôr condições em sua palavra agora. É muito tarde.
— Bem, então, sinto muito.
Ele a contemplou por muito tempo, parecendo procurar alguma verdade
escondida.
— Me pergunto... — ele vacilou e não continuou, inclinando sua cabeça
levemente com a pergunta.
— O quê?
— Me pergunto quem você é realmente.
— Não menti para você, Selik — ela sustentou seu olhar, achando muito
importante que ele acreditasse, logo acrescentado — sobre nada. — ela pensava
em suas palavras de amor. Embora não dissesse seus pensamentos em voz alta,
Selik pareceu entender, e a tensão em sua mandíbula se abrandou. Seus olhos se
obscureceram com um pouco de emoção, e pela primeira vez, Rain notou
manchas de azul por entre a cor cinza.
— Já não posso confiar em sua palavra, e ainda assim me encontro na
posição singular de não poder deixar você ir... ainda.
— Por causa do Rei Athelstan e de meu valor como refém?
Um pequeno sorriso levantou os cantos de seus lábios, deixando-o tão
formoso que quase roubou o fôlego de Rain. Que estranho, pensou ela, que
raramente notava a cicatriz que danificava um lado de seu rosto. Ou as
imperfeições em seu nariz. Moveu a cabeça ligeiramente de um lado para o
outro pela maravilha que a encheu, a visão filtrada de Selik.
— Sobrevivi até agora sem você como talismã, moça. O que te faz pensar
que preciso de você para assegurar minha segurança ante o rei bastardo?
Rain não tinha pensado antes naquilo. Franziu o cenho.
— Pelo dinheiro, então. Poderia usar o dinheiro que eu te renderia em troca
de uma nova curadora para o rei.
Selik riu completamente então, mostrando uma série formosa de dentes
absolutamente brancos.
— Ah, doçura, tenho cofres de ouro e tesouros armazenados aqui com Gyda
e nas terras nórdicas. A miséria que você renderia não mudaria as circunstâncias
de minha vida
— Você tem riquezas? — perguntou Rain, completamente surpreendida.
— Te disse que eu fui um próspero comerciante por um tempo.
— Mas pensei… seu mentecapto! — exclamou ela, tentando outra vez, em
vão, afastá-lo de seu corpo — Eu pensava que não tinha nenhuma casa porque
era pobre. Suas roupas não combinam, e além desses braceletes, não vi
nenhuma prova de riqueza. Oh, realmente deve ter desfrutado me fazendo
pensar que era pouco mais que um mendigo.
Os olhos de Selik brilharam furiosamente.
— É assim como se julga um homem em seu país, por sua riqueza?
— Não, bem algumas pessoas o fazem, mas eu não. Oh, não me olhe por
debaixo do nariz tão ceticamente. Eu não disse que te amava, mesmo pensando
que não tinha nada mais que o cavalo chamado estupidamente de Fury?
— Sim, é mesmo — respondeu Selik com uma voz rouca — embora lembre
de ter te ordenado não dizer as pouco aconselháveis palavras de amor outra
vez. Devo idealizar um castigo conveniente por seu desafio e por sua tentativa
de escapar.
Ele se inclinou para mais perto, acariciando com o nariz seu pescoço.
— Ah. Posso cheirar sua paixão.
— Não pus “Paixão” hoje.
— Sei — com a ponta de sua língua, ele riscou um caminho ao longo da
curva onde seu pescoço encontrava os ombros e sussurrou — É outra paixão da
qual falo, doçura.
Rain gemeu pelo doce prazer daquelas nuas carícias.
— Você gosta assim, Rain ? — Selik se arqueou para trás, seus braços se
estenderam para cima, entrelaçando seus dedos com os dela.
Ela maneou a cabeça devagar, levando sua língua aos seus lábios secos,
logo olhou, hipnotizada, quando Selik imitou sua ação com sua própria língua
em seus próprios lábios, sustentando seu olhar o tempo todo.
— Acho que já decidi seu castigo...
Com um movimento hábil, ele moveu suas pernas entre as dela e as
estendeu mais, as expondo. Devagar se pressionou contra ela várias vezes até
encontrar seu broto mais vulnerável, sensível e logo pressionou suavemente
contra ela.
Rain fez um som baixo de relutante prazer.
Selik sorriu com ar satisfeito.
— Não, essas baixas e melosas súplicas de amor não funcionarão comigo.
Não vou me deitar com você, doce bruxa. Não deposite suas esperanças nisso. E
não me olhe com um cenho tão feroz. Apesar de tudo seus protestos em
contrário, este pode absolutamente não ser um castigo.
Rain tentou se enroscar em sua presa, não sendo bastante tola para resistir a
ele outra vez. Mas era ruim quando seus seios, mesmo cobertos pelo sutiã, a
blusa de seda e a túnica de lã, roçavam contra sua armadura de couro, ficando
imediatamente erguidos e doendo pelo toque dele.
Selik ofegou então, e antes que ela tivesse tempo para aproveitar a
oportunidade de escapar, ele liberou suas mãos e deu de ombros sob sua túnica
de couro e lã hauberk. Em menos de um piscar de olhos, as mãos de Selik
estavam de volta em cima dela, fixando-a na cama, e ele estava com o peito nu,
usando apenas suas apertadas calças negras e suas botas curtas de couro.
Da direita para a esquerda, de lá para cá, ele esfregou seu peito pelo dela,
mal roçando a superfície, só o bastante para torturá-la, atormentá-la e fazê-la
desejar mais.
— Oh.
— Você diz “Oh” agora, mas o que dirá quando eu terminar com você,
moça tola?
— O que quer dizer?
Selik riu entre dentes.
— Não quer saber qual será seu castigo?
Rain maneou a cabeça insegura.
— Lembra a primeira vez que falamos, e você conversou tolamente, como
geralmente é seu costume?

Capítulo 11

— Pensa que me beijar seria um castigo? — perguntou Rain


incredulamente, logo riu. — Não esteve me escutado muito bem. Eu te disse que
te a…
Selik apertou uma mão sobre a boca dela, e destramente moveu sua outra
mão de modo que segurasse as mãos dela unidas sobre a cabeça. Não lhe
permitiu terminar sua declaração. Que tolo era ao acreditar que poderia negar
seu amor se nunca escutasse as palavras!
— Quer carinho? — perguntou Selik, um sorriso travesso apareceu em seus
lábios, enquanto arrastava sensualmente as palavras — acredito que seria um
castigo apropriado realizar sua fantasia. E te demonstrar que se engana porque
de fato sei que esta não é a melhor fantasia.
— A minha é.
Rain ofegou.
— Sim, melhor respirar fundo anjo. Vai precisar antes que esta noite
termine. Preciso te dar uma boa lição.
Mantendo ainda sua mão direita sobre a boca dela, ele se inclinou e
esfregou seus lábios pela sua testa.
— Esta é a maneira, doce megera. Peça e desvaneça esse cenho franzido —
ela imediatamente franziu o cenho ainda mas e ele riu entre dentes apreciando
seu desafio. — Vamos seguir adiante então. Se desgasta no começo com estas
pequenas lutas. Qualquer bom guerreiro sabe guardar sua energia para a
grande batalha.
— Maldição, maldição, me deixe!
— O que foi isso, carinho? Pede mais? Ah, pois nunca seria eu quem
negaria os direitos a um amante.
Seus lábios deslizaram sobre suas pálpebras, através das maçãs do rosto,
passando pela borda da mandíbula; os lábios de Rain se separaram
involuntariamente sob a palma de Selik. Como podiam aqueles lábios que
pareciam tão firmes ser tão suaves? Ela tentou pensar em alguma coisa para
evitar se arquear mais (pedrinhas de gelo... tonsilectomias... árvores...
vasectomias). Mas não podia evitar a deliciosa sensação de seus lábios
molhados, quentes que roçavam sua carne fresca. Ou eram lábios frescos que
roçavam sua carne quente? Ela não podia distinguir um do outro no frenesi de
perturbadoras sensações que ele acendia em qualquer lugar que seus lábios a
tocassem.
— Se liberar minha mão de sua boca, promete não falar? — sussurrou Selik,
seu hálito embaraçava os fios de cabelo em seu pescoço que vinham se soltando
da trança. — Já está fora de sua mente, carinho? Não? Ah, pois terei que
direcionar meus beijos a outro lugar então.
Selik esfregou pequenos e suaves beijos ao longo da curva de seu pescoço
com pequenas mordidas e beijos como asas de borboleta. Quando chegou ao
pulso atrás de sua orelha direita, ele sugou suavemente a doce carne até que
indubitavelmente ergueu um sinal de paixão, logo soprou suavemente como se
quisesse secar a pele.
Quando seu hálito quente por descuido soprou em sua orelha extra-
sensível, os olhos de Rain se arregalaram com alarme, seu corpo ficou rígido
com tensão. Ela não podia deixá-lo saber que o quanto suas orelhas eram
eroticamente sensíveis. Aquela brecha em sua armadura podia ser sua perdição.
Mas Selik sabia. Rain viu como brilhava o conhecimento em seus
tormentosos olhos cinzentos e no lento sorriso, sedoso que se abriu em seu
rosto.
— De modo que são as orelhas para você, carinho. Talvez este seja um
daqueles cinqüenta e sete pontos eróticos no corpo de uma mulher de que se
gabou uma vez. Só afirme com a cabeça se eu tiver razão.
Rain sacudiu a cabeça veementemente. Meu Deus! O homem tinha
memorizado cada tolice que ela alguma vez dissera?
Selik riu entre dentes com prazer, sem acreditar nem um pouco.
— Sim, para algumas mulheres, o ponto mais doce é atrás dos joelhos,
diretamente nas curvas. Para outras, é entre as coxas. Também podem ser as
pontas dos seios. Inclusive os arcos dos pés. Mas acho que começarei minha
exploração em suas orelhas, carinho. O que diz disto?
Ela gemeu.
— Ah, bem, não tem que dizer nada. Beijarei cada lugar em sua pele até que
descubra cada uma de suas fraquezas eróticas.
— Ohhhhhh!
— Exatamente o que estou pensando — disse Selik enquanto a mordia
suavemente no lóbulo da orelha e começava uma exploração lenta, lento e
insuportável na borda externa dua orelha. — É como uma concha marinha,
carinho, toda de sombras de branco e pálido rosado — sussurrou ele
roucamente enquanto beliscava as bordas, dando pequenas mordidas. — Me
pergunto, o quanto são deliciosas?
Rain gemeu e tentou afastar a cabeça, em vão. Sua língua iniciou um
caminho sensual ao longo das espirais secretas cujos terminais nervosos se
uniam a uma quente, palpitante e profunda região de seu corpo.
— Sim, acho que descobri o número um de cinqüenta e sete — disse Selik
com uma risada suave e começou a pressioar a ponta de sua língua molhada tão
profundamente em seu ouvido como foi possível. Dentro e fora pressionou com
golpes lentos, imperiosos, e os quadris de Rain se arquearam para cima por
instinto. Embora ela se afastasse imediatamente, esse único contato com sua
sempre rija excitação fez que aquele nó de sensações entre suas pernas inchar e
doer por seu toque. Ela apertou os olhos fechando-os fortemente, evitando
deixá-lo ver que tão pouco bastava para ele trocar sua estupidez por desejo.
Então ele se moveu para sua outra orelha, levando intermináveis minutos
beijando, mordiscando e acariciando-a com sua língua. Quando ele começou a
repetir seus impulsos, os braços de Rain e suas pernas ficaram rígidos com a
resistência, tentando evitar a espiral de agitação, que aumentava os espasmos
que ela sentia e a crescente intensidade entre suas pernas.
A humilhação por sua rápida excitação esquentou a carne de Rain. Ela se
sentia como uma mulher faminta de amor só ansiando o toque de um homem.
— Abra os olhos — exigiu Selik em um sussurro perto de seu ouvido.
Inclusive seu hálito causou pequenas sacudidas elétricas de prazer que
dispararam por seu corpo. Rain se negou.
Selik pressionou sua virilidade ligeiramente contra seu inchado centro. E
ela perdeu a batalha.
Os olhos de Rain se abriram, fechando-se em seu abraço carnal, e uma
espiral girou e girou e explodiu entre suas pernas, e disparou com faíscas
incandescentes para acender todas as terminações nervosas de seu corpo.
Selik fez um leve som, gemeu e tirou a mão de sua boca, rapidamente
pondo-a sob seu corpo, envolvendo suas nádegas e tocando levemente sua
feminilidade com o impulso de seus quadris. Rain não podia parar os gemidos
de prazer.
Quando o corpo dela caiu satisfeito, Selik suavemente limpou as lágrimas
de seus olhos.
— Por que está chorando? — perguntou ele suavemente.
— Mortificação.
— Está brincando. Te dou prazer e se sente humilhada?
— Fez para me degradar.
— Fiz-o? Ah, agora também ler mentes, como meu anjo da guarda.
Rain procurou seu rosto, só notando o brilho persistente do desejo em seus
olhos, os lábios formosos frouxos pela paixão.
— Culminei sozinha. Isso faz eu me sentir barata... lasciva.
— Culminação? Hmmm. Uma palavra boa, acho — disse ele, fazendo suas
sobrancelhas erguerem. Então ficou mais sério. — Mas não pense que não
ganhei com seu clímax, também. O prazer de uma mulher é o maior presente
para um homem no trato sexual. Além disso, acabamos de começar, e me
reservo para melhores coisas que estão por vir.
— Selik, não. Não quero isto.
— Nem eu — disse ele cruamente, olhando-a fixa, avidamente quando os
dedos longos de sua mão direita envolveram a coluna de seu pescoço,
mantendo-a em seu lugar enquanto seus lábios desciam. Sua outra mão ainda
mantinha seus braços imóveis sobre sua cabeça. Polegada por polegada
agoniadamente lentas, seus lábios baixaram aos dela. Peito contra peito, ela
podia sentir o selvagem retumbar de seu coração pelo seu estreito abraço. — É
um jogo perigoso o que jogo, e bem sei. Mas não posso me deter.
— Nem eu — sussurrou Rain desesperadamente, seu hálito que afastavam
para longe de seus lábios um fio de cabelo. — Nem eu posso.
Ele riscou o contorno de seus lábios com a ponta de sua língua e suspirou
suavemente contra ela para secar sua própria umidade em sua carne.
— Seu coração pulsa ferozmente, anjo.
— Como o seu.
— Está assustada, carinho?
— Sim. Excitada e assustada.
Ele assentiu com a cabeça compreendendo.
— E você, Selik? Está tão calmo como parece?
Ele riu, baixo e rouco, enquanto mordiscava seu lábio inferior, logo o roçou
bruscamente com a polpa de seu polegar áspero.
— Minha senhora Rain, estou poderosamente excitado, e bem sabe — disse
ele bruscamente. — E estou assustado além do que jamais imaginei alguma vez
que pudesse estar.
— Você? Assustado? Nunca!
Selik grunhiu em resposta e roçou seus lábios pelos seus, modelando e
provando, até moldar seus lábios com a flexibilidade que ele queria. Então sua
boca se tornou faminta, ave de rapina com uma necessidade de devorar tudo a
sua passagem.
Rain gemeu com suprema satisfação pelo roçar de seus lábios sobre os seus
e devolveu seus beijos com igual ardor. Selik a consumiu, usando seus lábios e
dentes e língua para devastar sua boca indefesa. Seus lábios já firmes ficaram
inchados pelo desejo.
Quando finalmente ele arrancou seus lábios dos dela, ofegante, ela gritou:
— Não, não pare — então fez um som baixo de consternação, quase de dor.
Ele murmurou contra seus lábios:
— Abra seus lábios para mim.
Ela obedeceu.
Ele a queimou com sua língua, inundando-se profundamente em sua boca,
enchendo-a, logo abandonando-a, deixando-a vazia e ansiosa.
— Você tem sabor de paixão e juventude, mulher — sussurrou ele
rudemente entre carícias.
Ela capturou sua língua e a sugou avaramente, logo respondeu roucamente:
— Seu calor me queima viva.
Quando seus beijos se fizeram mais profundos e não terminavam, quando
lhe demonstrou repetidas vezes que nunca a tinham beijado de verdade em sua
vida inteira, ele marcou o princípio e o final, e ela se retorceu de um lado para o
outro, mas Selik não a deixaria tomar nenhuma iniciativa. A manteve
firmemente no lugar. Rain perdeu todo sentido de tempo e espaço. Mas não de
pessoa. Não, ela sabia exatamente quem era, e exatamente quem era seu amante.
Selik. Seu amor. Sua alma gêmea.
Seus sons suaves de prazer e resistência retumbaram dentro de Selik, e sua
ereção cresceu enorme contra ela. Seus olhos prateados arderam por sua
apaixonada necessidade.
— Doce bruxa, receio que me tenha me enfeitiçado.
A risada suave, nascida de seu próprio prazer e excitação sobre sua
capacidade de agradar aquele homem que ela amava, borbulhou em seus lábios.
— Então te perseguirei para sempre, meu amor.
O desejo, quente e fundido, explodiu em Rain, e os terminais nervosos de
sua pele, de seu couro cabeludo e até dos dedos dos pés, estavam sensibilizados
ao ponto da explosão. Selik enterrou os dedos de uma mão em seus cabelos e
moveu seu rosto para cima para incrementar os impulsos cada vez mais
frenéticos de sua língua. Rain já não sabia ou não se preocupava com onde
terminavam seus lábios ou começavam os dele. O desejo se intensificou, e roía
por seu sangue. Ela enrijeceu seu abdomem e fechou suas pernas em instintiva
resistência pela crescente falta de controle que seu corpo exibia.
— Rain. Rain, está me escutando?
Suas pálpebras revoaram abrindo-se, e ela se sentiu atordoada pela
completa beleza do rosto de Selik alagada pela liberdade pura de sua paixão por
ela.
— Rain, carinho, me olhe. Deixe de lutar contra seus sentimentos. Relaxe.
Ah, Senhor... assim, sim, só assim... agora, está me escutando?
Quando ela assentiu com a cabeça, mal capaz de respirar pelas sensações
irresistíveis que atormentam seu corpo, ele disse com uma voz baixa, sensual.
— Isto é o mais perto da consumação que vamos chegar. Não, não gema
assim. Isto será minha perdição. Um beijo é todo que prometi aqui, hoje.
Ela gemeu, logo riu.
— Se esta for sua idéia de só um beijo, então Deus me livre de sua idéia de
fazer amor.
— Sim, bem, me dizem que minhas habilidades para o amor são bastante
superiores — disse ele com um sorriso satisfeito. — Agora, me escute, moça,
porque quero que faça o que te peço.
— Sim, professor.
Ele sorriu abertamente com diabólica satisfação.
— Está aprendendo, moça. Agora, quando eu puser minha língua em sua
boca dessa vez, quero que imagine que minha virilidade entra em sua
feminilidade. Pelo sangue de Deus! Adoro a maneira como seus lábios se abrem
quando minhas palavras de amor despertam.
Rain lambeu os lábios secos de repente.
— Quando empurrar minha língua dentro de sua boca, você fingirá…
— Por favor, Selik — protestou Rain com um gemido —posso usar minha
imaginação.
— Pode? — perguntou ele suavemente, aproximando-se, logo se deteve
quando notou a inclinação desafiante de seu queixo. — O que é?
— Me pergunto o que você imaginará?
— Quando?
— Quando te devolver o favor e penetrar em sua boca com minha língua.
Quando empurrar dentro e fora de você…
Selik cortou suas palavras com um sibilo de prazer assustado e logo com os
lábios lhe mostrou muito bem que ele era um professor naquela arte em
particular.
Quando o calor de seus beijos a conduziu quase ao ponto da loucura outra
vez, quando se aprofundou dentro das dobras quentes, fundidas de seu corpo
lentamente, o ritmo aumentava, a necessidade começou a rasgar, Rain sabia que
não importava se Selik viesse de outro tempo. Não importou que ele fosse
bestial às vezes. Não importou que freqüentemente a fizesse se zangar ou lhe
fizesse mal profundamente. Ele era formoso. E era seu amor para sempre.
Mesmo se aquele momento fosse todo o tempo que teriam.
— Você me deixa louco. Nunca, nunca me senti... ah, Doce Freya... Thor
santo... — os quadris de Selik martelaram contra ela com um ritmo perfeito
junto aos impulsos crescentes de sua língua.
Luzes vermelhas começaram a brilhar e brilhar atrás das pálpebras fechadas
de Rain, para logo estilhaçarem-se em um caleidoscópio de um milhão de
exóticas cores assim como um novo ponto de pulsação alojado entre suas pernas
se convulsionou contra a rigidez de Selik.
Em uma neblina maravilhosa, Rain viu quando Selik puxou seus quadris
para fora da cama e contra ele, arqueou seu pescoço para trás e gritou sua dura
liberação.
Rain deveu ter perdido o conhecimento durante vários momentos nos ecos
dos espasmos que percorriam seu corpo, já que quando se tornou conciente de
seu redor outra vez, seus braços estavam livres e Selik estava caído contra seu
corpo. Seu rosto contra seu pescoço, Selik respirava regular e profundamente
rápido, cochilando.
— Bem, não poderia ter esperado até depois do banho?
— O que disse? — disse Selik tensamente, dando uma volta em seu lado,
levando Rain com ele, beijando a curva de seu pescoço.
— Não disse nada.
— Eu disse.
Ambos elevaram a vista para ver Gyda em pé na entrada, com um montão
de tecidos de linho em seus braços e vários dos criados estavam em pé atrás
dela com uma tina grande e baldes de água, comendo-os com os olhos
lascivamente.
Selik se sentou imediatamente. Para triteza de Rain, o humor sensual de
Selik se quebrou pela entrada de Gyda. Provavelmente lembrou de sua noiva,
Tyra. Assim que ele esteve em pé com irritação indicando os criados aonde
colocar a tina, Rain viu que seus olhos cinzentos se tornaram tempestuosos
outra vez e os músculos de seus braços tinham nós de tensão.
Gyda e os criados partiram.
O vapor se levantava da enorme tina, Selik se voltou para ela.
— Vai se banhar primeiro?
Rain ergueu o queixo de modo desafiante, seu rosto ardendo.
— Com você aí em pé me observando como um olheiro? Nem em um
milhão de anos!
— Ah, bem! Irei primeiro então — esteve de acordo ele facilmente, mas
indicou com um dedo de advertência. — Se se mover um pouco que seja dessa
cama, vai estar nesta tina comigo. E juro pelo sangue de todos deuses que terá
sabão saindo de cada abertura de seu corpo.
— Abusador — resmungou Rain.
— O que disse? — perguntou Selik, movendo-se para ela de modo
ameaçador.
— Magnífico. Eu disse, magnífico.
Selik sorriu tristemente.
— Me ocorreu o pensamento mais aterrorizante. Começo a entender suas
palavras sem sentido.
Selik deixou cair seus calções então, dispondo-se a se afundar na tina.
Apesar de suas melhores intenções, os olhos de Rain acariciaram seus amplos
ombros e seus amontoados músculos. Ela desejou riscar as letras, R-A-I-V-A,
que ele tinha tatuado em seu antebraço. Movendo-se mais para baixo, admirou
sua cintura estreita e quadris e a forte curvatura de suas nádegas.
Ele começou a dar a volta, e Rain esqueceu de respirar, e irrompeu em um
ataque de tosse.
Sorindo com satisfação, Selik afundou na água quente, sentindo grande
prazer ao tentá-la com seu corpo e com o fato de que ele se divertia
enormemente enquanto ela se sentava ali revirando na sujeira da viagem de
todo o dia.
Para não ficar sem fazer nada, Rain pegou com cuidado sua mochila de
viagem do chão, assegurando-se de que realmente não movia seu corpo, já que
os olhos entrecerrados de Selik a olhavam como um falcão. Com petulância
infantil, Rain tirou um novo pacote de salva-vidas de cereja e meteu uma na
boca.
A boca de Selik se abriu com incredulidade.
— Mentiu — ele a acusou. — Disse que tinham acabado.
— E tinham, mas encontrei outro pacote no bolso traseiro de minhas calças.
— Ah, é uma bruxa enganosa. Primeiro quebra seu juramento; depois
mente.
 — Me dê uma pausa, Selik. Isto é só uma imunda bala. — Mas Rain
chupou forte, querendo mostrar que achava um prazer especial no sabor.
— Você gostaria de ter um salva-vidas dentro de seu nariz?
— Não seja descortês — Rain sorriu docemente e tirou o Cubo de Rubik.
Enquanto Selik ensaboava seu corpo e cabelos, ela solucionou o quebra-cabeças,
várias vezes. Pensou que ouvia como ele rangia os dentes antes de inundar a
cabeça sob a água e ficar lá durante bastante tempo.
Rain despertou cedo na manhã seguinte, dando-se conta quando explorou o
pequeno quarto, que Selik não dormira com ela. Ainda aturdida, aproximou-se
da porta. Tentou uma vez, duas, três, até que finalmente aceitou com
incredulidade o fato de que estava trancada a chave.
— Matarei o maldito bárbaro — murmurou.
Na noite anterior, depois de tomar seu banho e revelar seu corpo nu ante
ela de uma forma que a enfureceu, Selik a tinha deixado surpreendentemente
em paz. Quando tinha completado suas abluções privadas e os criados levaram
a tina e tecidos de linho molhados, Selik ainda não havia voltado. Cansada
depois do longo dia de viagem e a agitação emocional com o casamento de
Selik, Oh Senhor, esquecera-se disso, Rain tinha se recostado na cama, só para
descansar durante um momento, e tinha dormido por a noite. Mas onde Selink
tinha dormido? Mais importante, com quem? E por que a tinha encerrado com
chave?
Apesar do cedo da hora, não podia ser muito depois do amanhecer,
começou a bater na porta de madeira, gritando por Selik. Depois de pouco
tempo, Gyda abriu a porta com um som que desaprovava o comportamento de
Rain.
— Tsk, tsk! Todos em Jorvik certamente ouvem seus miados.
— Sinto muito, Gyda. Não pensei em te acordar.
— Hah! Levo há muito tempo nas tarefas do dia.
— Por que fui presa a chave neste quarto?
— Foste confinada a seu dormitório porque ontem tentou fugir. Não se
pode confiar em você, e Selik não podia ter mais homens em pé a sua porta.
— De modo que sou uma presioneira agora?
— Era algo além disso? — perguntou Gyda, olhando-a atentamente com
olhos muito inteligentes, e exigentes. — Eu acho que Selik se referiu a você
como uma refém desde o começo.
Rain sentiu o rubor em seu rosto.
— Sim, mas salvei a vida dele em Brunanburh e…
Gyda soltou um suspiro de consternação e se sentou no banco na frente
dela.
— Salvou?
Rain explicou e Gyda escutou atentamente.
— Você o ama? — perguntou Gyda sem rodeios quando ela terminou.
Surpreendida, Rain vacilou, sem sem ter certeza de poder expressar seus
sentimentos.
— Acho que sim. Mas, Deus me ajude, nunca houve uma relação mais
deigual, condenada ao fracasso no mundo. A vida de Selik é uma total
contradição de tudo o que valorizo. O idiota me põe tão irritada que poderia
cuspir. Me diz as coisas mais odiosas, rasga meu coração, logo junta todas as
peças outra vez com um simples e pequeno sorriso sobre algo tão estúpido
como um pedaço de bala de cereja.
Gyda estudou o rosto de Rain atentamente, parecendo entender suas
emoções contraditórias.
— Sim, parece amor — concluiu Gyda finalmente, logo juntou suas mãos e
as esfrego com entusiasmo. — Agora, precisamos decidir o que devemos fazer a
respeito.
Rain inclinou a cabeça de maneira interrogativa, curiosa quanto a por que a
mãe de Tyra iria quer ajudá-la, mas sua pergunta foi cortada pelas seguintes
palavras de Gyda.
— Sabia que ele pretende partir dentro de pouco tempo para terras saxãs?
Steven de Gravely deixou com que ele soubesse que está em Winchester. O
conde do demônio espera atrair Selik para sua armadilha mortal. Temo que o
ódio de Selik o cegue à malvada tática de Gravely — Rain ofegou e pôs uma
mão em seu peito pela consternação, reconhecendo o nome do homem
degenerado responsável pela morte da esposa e do bebê de Selik
— Não!
— Sim, e você bem que tem razões para estar preocupada. Selik pode não
voltar vivo desta vez.
O pressentimento de Rain ficou frio pelo medo. Selik não podia viajar sem
parar por aquele caminho de vingança e permanecer ileso. Um dia certamente
morreria, e ela sentiu que seria logo.
— Acho que você pode ser capaz de detê-lo. Tenho uma idéia — ofereceu
Gyda incitante.
— Ah, Gyda, o que seja. Eu faria tudo para ajudá-lo.
O rosto de Gyda brilhou e ela se inclinou para tomar as ásperas mãos de
Rain.
— Isto é o que acho que tem que fazer...
Depois de ouvir o longo complô de Gyda, Rain a contemplou
incredulamente.
— Está louca? Seqüestrar Selik! Retê-lo durante várias semanas até que
Gravely tenha ido se ocultar outra vez! Por que eu? Por que não sua filha?
— Hah! Ela é muito pequena e medrosa para se ocupar de tal tarefa.
Pequena! Era tudo o que Rain precisava, outra recordação de seu tamanho e
suas deficiências.
— Como espera que eu possa lutar com ele, derrubá-lo e prendê-lo? Posso
ser alta, mas Selik pesa mais de quarenta quilos a mais que eu.
— Seu sarcasmo me adoece. Realmente, deveria tentar conter tais arroubos
tão pouco femininos.
Rain mal podia conter a risada que queria curvar seus lábios.
— Ponto, parágrafo, mesmo se eu estivesse de acordo com seu louco
complô, sou fisicamente incapaz de seqüestrar Selik.
— Poderia saber de algumas ervas que poderiam colocá-lo para dormir
antes de ele poder ser retido — sugeriu Gyda com astúcia.
Rain fechou seus olhos cansadamente durante um segundo, logo olhou
diretamente o rosto interrogativo da anciã.
— Talvez eu saiba, mas devo estar louca, para até considerar fazer uma
coisa tão revoltante. Onde ele seria mantido, a propósito? Aqui?
— Oh, não! — exclamou Gyda, pondo uma mão em sua face pelo horror.
— Seria perigoso para Selik estar aqui mesmo. Temo que os homens do rei
observem minha casa.
— Tenho certeza que tem alguma idéia, entretanto, onde poderia prendê-
lo? Oh, Senhor, não posso acreditar que ainda disse isso.
— Sim, eu pensava que talvez Ella ajudaria.
— Ella?
— Ella era uma amiga de sua mãe. Ella é agora uma comerciante próspera
na cidade, graças à ajuda de sua mãe. Iremos vê-la mais tarde.
— Me diga, Gyda, quer que eu faça o trabalho sujo para então poder dar
Selik a Tyra em uma bandeja de prata? — perguntou Rain com receio, sem
certeza de poder confiar na mulher completamente.
— Talvez — disse Gyda — mas então, se você amá-lo, acho que fará o que
puder para salvá-lo, sem interesses — ela observou Rain em expectativa durante
vários e longos momentos. — Bem, o que acha?
— Acho que você teria sido uma boa política.
Durante as poucas horas que seguiram, Rain refrescou seus calcanhares sob
o atento olhar de dois homens ásperos que vigiavam cada movimento seu,
mesmo que ela fosse ao vaso sanitário se aliviar. Era aquilo ou voltar para seu
dormitório fechada a chave, informou-lhe Gyda firmemente. Com
absolutamente nada para fazer, Rain solucionou o Cubo de Rubik vinte e sete
vezes, andou de um lado do corredor ao outro sessenta e três vezes, e recitou o
juramento de Hipócrates silenciosamente dezesseis vezes. Aborrecida, tensa,
seu humor piorou cada vez mais.
Quando Selik e Tyra entraram passeando alegremente pela porta principal,
rindo de alguma brincadeira compartilhada, Rain esqueceu todas as instruções
que Gyda lhe tinha dado sobre o grande golpe de mestre para salvar Selik.
Pareciam formosos juntos, Selik com uma túnica azul meia-noite sobre calças
negras, sua cintura estreita acentuada por uma corrente de ouro, e Tyra com
uma túnica de seda verde, fechada com corrente, um tipo de avental que tinha
posto sobre uma blusa de camiseira cor de creme que ressaltava perfeitamente
seus magníficos e soltos cabelos vermelhos como morangos.
Uma fúria irracional cresceu, e Rain pegou o objeto mais próximo, uma
maçã que estava em uma tigela de frutas. Segurando a fruta cuidadosamente,
lançou-a diretamente na cabeça de Selik. Mas ele a viu no último instante e se
esquivou; a maçã se estralou contra a porta bem atrás dele.
Incrédulo, Selik olhou primeiro para ela, e depois para a maçã da qual mal
tinha se esquivado, então olhou de novo para ela. Seus olhos se estreitaram
furiosamente quando ele avançou para ela.
— Não acredito absolutamente que seja uma pacifista — grunhiu ele. — E
se tivesse atingido Tyra com essa maçã? Poderia ter feito mal a ela.
— Ou poderia ter arruinado minha túnica nova — queixou-se Tyra,
arrumando-se com graça ante um quadrado de metal polido que estava
pendurado na parede.
— Ou talvez poderia ter te te atingido bem no meio de seu rosto de Viking
convencido — murmurou Rain para Selik enquanto retrocedia, pelo lado oposto
da mesa.
Seus olhos brilhavam com cólera e seus dedos se flexionavam em seus
flancos, provavelmente se doendo de vontade de estrangulá-la.
— Esse “convencido” tem um tom que eu não gosto. Entendo que
“convencido” não é um elogio — Selik continuou andando para o outro lado da
mesa de forma predadora, mantendo o passo no mesmo ritmo dela, seus olhos
vivos olhando-a a cada movimento, esperando seu primeiro escorregão. — Que
abelha picou seu traseiro esta manhã para que ficasse tão resmungona? Pensei
que tinha te dado uma boa lição ontem. Por acaso está me tentando a te dar
outra demonstração de meu domínio?
O rosto de Rain avermelhou por sua vulgaridade e seu aviso da maneira
íntima na qual ele tinha decidido castigá-la. Ela pensou que não poderia resistir
a outra demonstração de suas habilidades superiores naquele campo.
— Guarde isso para Tyra, sua noiva.
— Noiva? — interrompeu Tyra. — O que é isso?
— Prometida, tola estúpida — replicou Rain. — Quando é o casamento, de
qualquer maneira? Talvez eu possa ser a dama de honra — Rain não podia
acreditar em sua língua solta. Onde estava o autocontrole que a ajudou a
sobreviver em sua péssima adolescência cheia de zombarias, o rigoroso regime
acadêmico da faculdade de medicina, relações amorosas falidas, uma vida de
insegurança?
Selik sorriu abertamente.
Ela começou a se voltar na direção de onde acabava de vir.
— Eu? Prometida em matrimônio a Selik? — Tyra riu.
— O que é tão engraçado? — perguntou Rain, de repente alerta.
— Você. Selik é como meu irmão, sua tola estúpida. É assim como me
chamou, não?
Mas então compreendeu as palavras de Tyra. Selik e Tyra não estavam
comprometidos.
Ela olhou para Selik.
Ele deu de ombros com um sorriso sem culpa.
— Deixe de provocá-la, tolo — replicou Tyra rapidamente. — Você não tem
absolutamente nenhum interesse desse tipo e nunca teve. De fato, me aborreceu
até o cansaço duas horas atrás no porto, enquanto não fez nada mais que falar
sobre a formosa moça do futuro.
A boca de Rain se abriu de repente, e olhou fixa e incredulamente a jovem
mulher, a maravilhosa moça por quem ela tinha desenvolvido de repente um
grande carinho, mas seu lapso na vigilância deu a Selik a oportunidade de saltar
sobre a mesa. Ele a agarrou e fixou seu corpo dolorosamente contra a parede,
exigindo:
— Desculpe-se.
—Sinto ter jogado a maçã em você — pensando, que lástima por ter
falhado.
— Agora a Tyra.
— O quê?
— Pedirá perdão a Tyra por sua falta de gentileza. Esquece que é uma
convidada em sua casa?
Depois de uma longa pausa, Rain disse:
— Sinto se te ofendi, Tyra. Se acha que há uma ponte...
— A próxima vez, pense antes de reagir, moça — advertiu Selik enquanto a
liberava com um tapa no traseiro. — É uma lição que qualquer guerreiro sabe
bem.
— Não deveria ter me fechado a chave em meu quarto.
— Onde não está, a propósito. Quem desobedeceu minhas ordens te
liberando?
— Gyda, mas ela atribuiu esses dois guardas para vigiar cada um de meus
passos — disse ela, indicando os dois homens que se sentavam em uma mesa
próxima olhando a absurda cena com interesse. — Não posso fazer pi-pi sem
que eles estejam em pé na porta do banheiro contando cada gota.
Selik sacudiu a cabeça sem acreditar.
— Certamente estou agradecido de que tenha compartilhado essa
informação comigo.
— Começo a entender o que quer dizer, Selik — disse Tyra. — Ela diz
realmente algumas palavras intrigantes. Mas me custa acreditar que seja uma
partidária daquele credo de não-violência que mencionou, pac... pacifismo. Por
que é certamente mais violenta que qualquer mulher que já conheci.
Rain gemeu, começando a pensar que Tyra podia ter razão.
— Ainda levará a moça resmungona ao hospital, como tinha planejado? —
perguntou Tyra.
— Não, acho que ela se considera muito sã. Seria tolice de minha parte
pensar que um prisioneiro apreciaria tal consideração.
— Iria me levar ao hospital? — perguntou ela, totalmente surpreendida.
— Sim, foi uma idéia tola.
— Não, não é.
— Sim, decidi que não me importa não compartilhar sua resmungona
companhia esta manhã. Minha cabeça está doendo.
—Te darei uma aspirina.
— Pelos deuses! Finalmente disse uma verdade.
Rain franziu as sobrancelhas.
— Que verdade?
— Você é uma dor de dente1.
Seus lábios se franziram com desgosto, Rain tentou controlar seu gênio
porque realmente queria ver a primitiva instalação médica. Muito
tranqüilamente, ela explicou:
— A aspirina é uma pílula moderna, um analgésico.
— Hah! Dá nomes a suas pílulas assim como a seu perfume. Está vendo,
Tyra, não é uma moça estranha? E ela critica os escandinavos por darmos nome
a nossas espadas.

1
Aqui, a expressão era queimadura no traseiro, “quemadura em el culo” no original, mas decidi pôr uma
expressão mais tipicamente do português brasileiro.
Rain estava achando muito mais que difícil se impedir de bater na cabeça
dele. Apertou os punhos tão fortemente que suas unhas se cravaram na carne
suave de suas palmas.
Os olhos de Selik brilharam, sabendo o que acontecia.
Tyra olhava de lá para cá entre Rain e Selik enquanto eles trocavam
insultos, parecendo confusa.
— Selik, eu achava que ela era uma refém. Por que permite falar assim com
você? Não deveria cortar a língua dela?
— Essa é uma idéia interessante.
— Sei que pensa trocá-la pela liberdade com o Rei Athelstan, se alguma vez
ele te capturar, Deus não o permita, mas talvez você deveria se liberar da bruxa
agora. Evite a irritação. Não acha que um comerciante de escravos a compraria
para um dos haréns do Oriente? Se sabe que eles procuram a singularidade de
vez em quando, e talvez seu tamanho não fosse uma desvantagem — Rain
começava a odiar a moça nórdica outra vez.
Selik inclinou a cabeça e pareceu considerar seriamente a sugestão de Tyra.
— Sim, agora que menciona, já posso imaginá-la em nada mais que uns
leves véus. Talvez recostada em travesseiros de seda ao lado de uma piscina
com fundo de mármore à espera do capricho de seu mestre. Inclusive ela
poderia até…
— Argh! — grunhiu Rain entre os dentes apertados, achando cada vez mais
difícil conter sua língua, sobretudo quando sabia que Selik só a estava testando.
Ela pôs suas mãos em seus ouvidos para não escutar as provocativas palavras
dele.
— Então, Selik, vai voltar ao porto para vendê-la?
Ele olhou Rain diretamente nos olhos.
— Me diga, moça, promete corrigir suas maneiras grosseiras?
Rain mordeu a língua e afirmou com a cabeça.
— Prometerá, se te levar ao hospital, que só falará quando eu permita e
obedecerá cada ordem? — Rain vacilou, mas finalmente concordou com outro
movimento de cabeça.
— Assim seja. Mas primeiro, venha comigo. Devo enfaixar seus seios.
Rain o olhou fixamente depois de sua saída. Ele tinha pegado um longo
tecido marrom de um banco e estava já na metade de caminho para cima dela
quando ela compreendeu suas palavras.
Enfaixar meus seios?

Capítulo 12

Quando Rain alcançou Selik, ele estava no meio do dormitório pondo um


tecido marrom sobre a cabeça. Uma vez que ele colocou o tecido no lugar e
prendeu um cinturão de corda em sua estreita cintura, Rain percebeu que Selik
usava o traje de um monge, completo, com o capuz sobre a cabeça.
— Feche a boca, Rain. É pouco atraente me mostrar o interior de sua
garganta.
Rain apertou os dentes fechados.
— O que está planejando agora?
Selik deu a volta devagar para demonstrar o quadro geral de suas roupas
— Comprei isto no porto esta madrugada quando entreguei os prisioneiros
ao comerciante de escravos — Rain estremeceu ante sua menção ocasional de
venda de escravos. — Preciso ter mais cuidado em público. Um grande número
de soldados saxões patrulha as ruas e agora mesmo podem estar vigiando a casa
de Gyda.
— Oh, Selik. Como desejaria que deixasse a Grã-Bretanha e fosse a alguma
terra onde pudesse começar de novo e ser livre!
A mandíbula dele se sobressaiu para frente firmemente, e Selik declarou
bruscamente:
— Não sou algum covarde para fugir de meus inimigos. E a liberdade
sempre evita aqueles que se escondem em terras estrangeiras.
Rain desejou discutir com ele, mas ela poderia ver pelo olhar de aço que ele
não seria convencido. Ao menos, não agora. Ela decidiu mudar de assunto.
— Realmente vai me levar ao hospitium?
— Prometi, ou não?
— Sim, mas... — Rain deixou o argumento e sorriu com exagerada doçura,
desejosa de fazer tudo para visitar o hospital do século X. Ela saudou
elegantemente. — Tudo que disser, amo — Grande estúpido!
Selik arqueou uma sobrancelha e sorriu ironicamente, sua cólera se
desvaneceu.
— Já é hora de que reconheça quem tem a autoridade aqui, moça. E, se quer
saber, vou te levar ao hospitium para que possa encontrar trabalho para encher
seus dias quando deixar Jorvik. Suspeito que faria a vida de Gyda miserável
metida em sua sala ou ajudando-a a limpar seus vasos sanitários. Ou como
criada da senhora Tyra.
Ela começou a lhe dizer o que pensava sobre ser a criada de uma
desprezível e mimada senhora Viking, mas Selik levantou uma mão para deter
suas palavras antes de que ela tivesse possibilidade de dizê-las.
— Seu bate-papo me zanga, e demoramos muito tempo. Tire a camisa para
que possa enfaixar seus seios e se disfarçar.
Rain fez uma espécie de profundo som de gorjeio em sua garganta.
— Por que tenho que fazê-lo?
— Não, não mais perguntas. Já é tarde. Você não pode entrar no hospitium
dizendo a todos que é uma médica-mulher. Eles nunca lhe concederiam
entrada.
— Oh.
Selik cruzou seus braços em seu peito, batendo com seu sapato de couro
com impaciência enquanto esperava que obedecesse suas ordens.
Seu rosto se esquentou enquanto ela considerava suas opções, tirar a blusa e
deixá-lo enfaixar seus seios, então poderia fingir ser um macho, ou permanecer
encarcerada na casa de Gyda desejando e sentindo falta de estar no hospitium.
Decidindo-se rapidamente, ela começou a relaxar.
— O que usará para enfaixá-los?
Selik se inclinou para baixo para um pequeno cofre de madeira no chão e o
revolveu, finalmente tirando uma larga tira, parecida com um cachecol de seda.
Ela lhe voltou as costas e tirou a blusa e o sutiã, esperando. Suas contas de
âmbar pareciam frias contra sua carne acalorada.
— Estenda os braços.
Selik pegou ambas as suas mãos e lhe mostrou como queria que ela
levantasse os braços à altura dos ombros. Sentindo o ar em seus seios expostos e
o toque leve dos dedos de Selik sob seus cotovelos, Rain quase deixou seus
joelhos se curvarem com a rapidez repentina do erotismo intenso que a
envolveu em ondas. Ela fechou os olhos brevemente até recuperar o controle de
suas emoções.
— Não se mova — disse Selik roucamente, logo a surpreendeu colocando-
se na frente de seu corpo.
Ela começou a protestar, mas ele parecia estar concentrado em sua tarefa,
não em seus seios traidores, que tinham alcançado seu ponto máximo ante o
primeiro olhar dele. De fato, ele mal olhou seu corpo enquanto com habilidade
colocava uma ponta da tira larga sob seu braço esquerdo, através e por cima do
topo de seus seios, em torno e atrás, nunca se movendo de seu lugar na frente
dela.
Duas vezes, ele repetiu aquele movimento, logo pôs-se a fazer o mesmo na
área abaixo de seus seios, que tinham desenvolvido uma necessidade dolorosa
de serem tocados. Cada vez que ele ia para diante sob seus braços para estirar o
tecido atrás dela, Rain sentia seu hálito quente contra seu ombro e continha um
gemido de prazer. Uma vez, seus nódulos roçaram a parte oculta de seu seio
direito, e Rain sentiu a comoção da leve carícia ricochetear todo o caminho até
seus dedos dos pés.
Quando ele estava preparado para enfaixar os próprios seios, moveu-se
atrás dela.
— Terei que puxar com força. Isto pode doer.
Rain pensou que a necessidade de ser tocada era muito mais ardente do que
poderia ser qualquer pressão de um simples tecido. Quando ele com cuidado
puxou a tira através do meio de seus seios, perguntou, suavemente:
— Está muito apertado?
O comichão do hálito de Selik contra sua nuca foi a primeira pista de Rain
de que ele estava muito perto, olhando sobre seu ombro.
— Deve ficar mais apertado, de qualquer maneira, já vejo. Os mamilos
ainda estão visíveis.
Rain inalou bruscamente.
— Isto é necessário?
— Sim, é — disse ele, sacudindo o tecido mais apertado, criando uma
carícia deliciosa, rápida e abrasiva através de seus seios sensibilizados. Rain mal
pôde sufocar um gemido. Então ele enrolou o tecido ao redor dela várias vezes
mais, puxando dolorosamente apertado. Finalmente, amarrou as pontas juntas e
se moveu em torno e para a frente dela, contemplando os resultados. Ele fez um
som suave que cacarejou pela consternação. — É a sarja, ou seus mamilos são
sempre tão grandes?
Não brinque, só quando você os contempla e puxa um pedaço de seda sobre eles de
modo tão sedutor.
Ela começou a responder, logo notou que os cantos de seus lábios se
crispavam com risada suprimida quando ele levantou as contas de âmbar em
sua mão, seus nódulos roçaram seu busto. Pelo visto, ele sabia desde o começo
quão incômoda ela estava sob seu escrutínio e na borda de suas carícias. E ele
desfrutava disso enormemente.
— Oh, você é um bruto — ela pegou sua blusa para vesti-la, mas Selik a
segurou.
— Tenho roupas de sacerdote e sapatos para você também.
De algum jeito, Selik tinha encontrado uma versão menor das mesmas
roupas que ele usava. Depois que ela estava totalmente vestida e tinha
arranhado seu traseiro e trançado seus cabelos sob o capuz, ela plhou primeiro
para ele, logo para si mesma.
Com uma tola risada suave, ela comentou:
— Parecemos com Mutt e Jeff.
Selik arqueou uma sobrancelha interrogativa, mas Rain só sacudiu sua
cabeça, sabendo que seria impossível explicar os personagens de gibi ao Viking.
Rain teve uma imagem repentina, atraente em sua cabeça de Selik deitado em
sua cama extragrande num preguiçoso domingo à tarde, com um café em uma
mão e os gibis na outra.
Momentos mais tarde, abriam caminho pelas ocupadas ruas de Jorvik. Por
causa da distância curta, caminharam. Além disso, Selik temeu que dois
sacerdotes montando a cavalo pela cidade chamassem muito a atenção.
— Deve menear tanto seu traseiro? — ele advertiu uma vez. — Lembre, se
supõe que você é um monge, não um bolo mole.
— Não meneio.
— Hah! E pare de tocar minha manga quando quer chamar minha atenção
para cada bendito acontecimento diário que acontece nas ruas. As pessoas vão
pensar que somos sodomitas.
Se ele ao menos soubesse como ela se continha! Rain queria enlaçar seu
braço no dele e descansar sua cabeça em seu ombro. Todos seus novos
sentimentos por ele borbulhavam dentro dela, ameaçando transbordarem a cada
vez que por acaso roçava contra ele ou via alguma visão particularmente
interessante na fascinante cidade.
— E te advirto, Rain, não interfira em nada que veja no hospitium. Não me
preocupa se existirem melhores métodos de cura em seu país. Não deve dizer
aos monges como curar. Ante a menor indireta de talentos pouco naturais, os
sacerdotes poderiam te encarcerar por praticar as artes das trevas.
— Selik, devo aprender aqui, mas se posso ajudar...
— Outra coisa, muitos do clero têm desprezo pelas mulheres. Mesmo se
você fosse a melhor curadora no mundo, eles cuspiriam ante qualquer conselho
que uma fêmea lhes desse. Para eles, as mulheres são as portas que conduzem
os homens bons ao inferno.
Rain agora não pôde permanecer silenciosa.
— As portas... Oh, isto é tão injusto! Como se as mulheres tivessem o poder
de conduzirem os homens aonde for! E quem é responsável, aos olhos dos
sacerdotes, pela perdição de uma mulher?
Selik sorriu abertamente.
— Ninguém, acho, as mulheres, “as filhas da Eva”, nasceram com o pecado
da sedução reproduzido nelas.
Rain empurrou o braço de Selik com desgosto, indiferente a se qualquer
transeunte visse um sacerdote tocar um outro de uma maneira íntima. Ele a
deixava tão louca.
— Não descarregue seu mau-humor em mim. Simplesmente relato o que os
sacerdotes pregam nos púlpitos.
— Mas você adora, não é?
— Eu? — disse Selik com uma palma estendida sobre o peito e exagerou a
afronta de sua voz.
Rain se voltou longe dele com desgosto. Outra vez, tinha reagido a seu
chamariz tal como ele tinha planejado. Ao contrário, decidiu ignorá-lo e captar
todas as impressinantes vistas.
Mas logo a maravilha inicial de Rain pela ocupada cidade mercantil se
desvaneceu quando começou a ver a gratuita destruição causada pelos assaltos
saxões e a miséria resultante disso. Parte das muralhas da cidade tinham sido
derrubadas a golpes e as casas, queimadas até o chão. Pior, um grande número
de pessoas parecia estar sem lar, pedindo alimento ou moedas.
— Selik, por que há tantas crianças nas ruas?
A mandíbula dele se retesou ante sua pergunta.
— São órfãos, os derivados da carnificina saxã.
— Mas por que não recebem ajuda?
— De quem? — zombou ele.
— De outras pessoas que sobreviveram.
— Muitos deles têm problemas o bastante com sua própria sobrevivência.
— E as Igrejas?
— Estão muito ocupados enchendo seus inchados cofres. Inferno maldito!
Há bastante ouro em apenas um de seus finos cálices para alimentar a cidade
durante uma semana.
— E o governo?
— Não há nenhum, agora. O rei nórdico foi banido, como sabe, e Athelstan
não designou ainda um novo governante saxão — ele deu de ombros. — Ainda
assim, o governo não ajudaria tais inúteis cães vira-latas — Ele indicou algumas
crianças próximas encolhidos em um beco.
Rain se encolheu ante suas palavras desdenhosas.
— Porque são crianças vikings?
— Em parte. Mas qualquer criança pobre, “aqueles das pessoas comuns”,
são de pouco valor. Há muitos mais de onde eles vêm.
— Oh, que crueldade! — mas Rain se perguntou se, realmente, as coisas
eram muito melhores em seu tempo, quando a falta de lar e o abuso às crianças
tinham alcançado proporções altas absolutas, quando as crianças de países do
terceiro mundo eram privadas de comida até a morte, e o aborto ultrapassava
de longe um milhão a cada ano.
— Essa vida. Com certeza é a razão pela qual jurei não trazer mais crianças
a este mundo.
Mais nehuma criança? O coração de Rain se derreteu ante as palavras
suavemente pronunciadas por Selik.
Nunca farei amor com Rain, jurou Selik enquanto olhava a cidade e os
lamentáveis órfãos. Agora que compreendo os perigos que ela me explicou tão
detalhada e claramente, nunca correrei o risco de fazer outro bebê. Sobretudo, não nela.
Não, eu não podia agüentar a dor de trazer outra criança a esta latrina cruel que é o
mundo. Mas um bebê de meu sangue, e do dela... Oh, doce Senhor, a perspectiva quase
me faz cair de joelhos. Selik se sentiu atormentado tanto com o intenso prazer
como com a tortura ante o pensamento proibido.
— Selik, o que está acontecendo? Por que me olha assim?
Ele sacudiu a cabeça para clarear os irritantes pensamentos.
— Não está acontecendo nada. Estamos no hospitium. Puche o capuz mais
sobre o rosto.
Selik pôs um dedo em seus lábios lhe fazendo gestos de que se calasse
quando entraram pelas enormes portas duplas, arqueadas que conduziam à
seção principal da catedral. Com um movimento de cabeça, lhe indicou que o
seguisse.
Ele desceu o corredor principal da capela central, fazendo automaticamente
uma genuflexão ante o crucifixo como lhe tinham ensinado quando o batizaram
anos antes. Rain seguiu seu exemplo, claramente perplexa pela resposta cristã
dele. Então ele virou à esquerda, ignorando os monges e outros prelados da
igreja ocupados na reza e nos deveres religiosos. Um grupo grande de rapazes
da escola da catedral, os filhos dos nobres e comerciantes da área, deram-se
cotoveladas uns nos outros e sussurraram maliciosamente enquanto seguiam
um pomposamente piedoso sacerdote tonsurado que lhe dava sermões sobre os
costumes da igreja.
Finalmente, depois de percorrer para baixo vários corredores e vários pares
de portas, chegaram ao hospitium, uma adição de madeira à estrutura da igreja.
Um gordo e jovem sacerdote, cujo rosto ainda estava coberto com as chatas
espinhas da juventude, olhou-os atentamente da mesa onde estivera
trabalhando, enrolando tiras de linho em ataduras.
— Sim? Sou o Padre Bernard. Posso ajudá-los?
— Sou o Irmão Ethelwolf, e…
— Ah, Ethelwolf, “o nobre lobo”, um bom nome para um sacerdote tão
grande como você — disse o jovem clérigo com entusiasmo, obviamente não
fazia muito tempo que havia feito seus votos finais nas Santas Ordens. Rain
lançou um olhar de surpresa para ele. — E este é meu companheiro, o Irmão
Godwine.
Ela se sufocou e ele lhe deu palmadas cordialmente nas costas.
— Realmente, é injusto. Godwine foi o nome que escolhi para minha
consagração no clero, mas outro na abadia o tinha escolhido primeiro — O
jovem sacerdote apertou os lábios e divagou com um sorriso pensativo que
mostrou um número atroz de dentes podres para alguém tão jovem.
Amigo de Deus, com efeito! Eu não podia ter escolhido um nome mais apropriado
para meu anjo da guarda, pensou Selik, jogando um olhar seco de diversão para as
faces de Rain, que já se avermelhavam com aparente consternação ante seu
nome de sacerdote para ela.
— Padre Bernard, viemos do Monastério de Frades de São Cristóvão nas
montanhas de Frankland. Você ouviu falar do famoso hospitium situado lá, não?
Rain gemeu com indignação pela escandalosa mentira, e ele lhe deu uma
cotovelada para que permanecesse em silêncio.
— Não — disse o Padre Bernard desculpando-se — mas sou um sacerdote
há apenas um ano, e agora treino para ser um cura. Talvez você gostasse de
falar com o diretor do Hospitium de Santa Mater, o Padre Theodric. Ele está na
capela agora mesmo, escutando confissões.
— Sim, nós gostaríamos de conhecer tão estimado curador, mas no
momento, podemos examinar seu hospitium? — perguntou Selik. — Estamos
visitando Jorvik, em uma missão para nossa abadia, e nós gostaríamos de
aprender os últimos métodos de cura em todos os hospitiums que encontramos
em nossas viagens.
O jovem clérigo levantou as sobrancelhas interrogativamente.
— O irmão Godwine é um curador consumado em Frankland, mas já que
não pode ler ou escrever, sou seu tabelião, tomando notas de nossas conclusões
para um livro que o Irmão Godwine espera escrever. O Santo Padre o solicitou
— Rain jogou um olhar enviesado de desgosto a Selik por retratá-la como
analfabeta. Ele só olhou fixamente para trás, para ela, inocentemente.
— Você ouviu falar de Leechbook de Bald, não é? — perguntou Selik ao
Padre Bernard, piscando ingenuamente.
— Sim, é obvio.
— Bem, o livro do Irmão Godwine será bastante diferente. Enquanto o livro
do Bald estuda o corpo da cabeça aos pés, o livro do Irmão Godwine irá por
dentro. E ele tem a intenção de chamá-lo de manual médico.
A boca do Padre Bernard se abriu, e uma onda de fétido hálito quase a
nocaltiou.
— Não é verdade, Irmão God-Friend, quero dizer, Irmão Godwine? —
perguntou Selik a ela.
Rain maneou a cabeça a contragosto, e Selik sabia que ouviria mais sobre o
assunto mais tarde.
Selik realmente a enfurecia com suas brincadeiras contínuas, e falaria a ele
sobre isso quando voltassem para a casa de Gyda. Incapaz de ler ou escrever,
com efeito! E escrevendo um manual médico! Mas sentiu sua sabedoria na
advertência de empregar a precaução. Ela não devia interferir nas práticas
médicas dos curas ou fazê-los perceber que era uma mulher, e certamente não
uma mulher que vinha do futuro.
— Você pode nos mostrar o hospitium até que o Padre Theodric volte? —
perguntou ela, disfarçando sua voz com uma rouquidão.
O Padre Bernard coçou a axila preguiçosamente e soltou gases fazendo
barulho, sem indícios de vergonha ou desculpa. É obvio que pensava que ela era
um homem, e Rain supôs que os homens (alguns homens, de qualquer maneira)
faziam coisas vulgares assim. Ela viu Selik olhá-la com um maldito sorriso nos
lábios, só esperando sua reação desenfreada habitual. Bateu seu pé com
impaciência enquanto o jovem sacerdote mordia o lábio inferior com ar
vacilante.
— O Padre Theodric, sem dúvida, aprovaria — disse ele hesitantemente.
Rain e Selik se moveram rapidamente para a frente dele no hospitium antes
que o Padre Bernard mudasse de opinião. Os olhos de Rain devoraram cada
detalhe do grande corredor, que continha mais de vinte macas alinhadas em
ambos os lados do chão cheio de correntes de ar. Os Curas, com suas batinas
longas e soltas, se ajoelhavam aos lados dos pacientes, freqüentemente
concentrados na sangria. Rain tinha visto quadros em textos médicos do
procedimento que implicava sanguessugas ou sangrar em copos colocados nos
pacientes, mas de qualquer maneira não estava preparada para a visão
impressionante.
Cada um dos curas tinha dois potes de cerâmica, um para os vermes chupa-
sangue “não alimentados” e o outro para os parasitas inchados de sangue. Os
curadores primitivos aplicavam as sanguessugas em praticamente todos os
pacientes, sem ter em conta o tipo de enfermidade ou ferida, para tratar tudo,
desde ossos quebrados a apoplexias.
Rain sentiu que os dedos de Selik apertavam a parte superior de seu braço
como advertência. Ela tentou afastá-lo, mas ele pareceu não notar.
Uma atrás de outra, o diligente Padre Bernard caminhou com eles pelas
macas, explicando a condição dos pacientes, freqüentemente apresentando-os
aos curas que trabalhavam infatigavelmente com o doente. Além da sangria,
Rain não podia criticar realmente os curadores, que faziam tudo o que podiam
com os primitivos materiais disponíveis. Afinal de contas, um paciente que
sofria de um câncer de estômago só poderia ser mantido tranqüilo e sedado com
os efeitos curativos dos remédios modernos e procedimentos médicos.
Agora, a vítima de um ataque cardíaco, por outro lado... ela se perguntou se
alguma vez usariam a cirurgia cardíaca.
Perto do final da linha de macas, entretanto, Rain não pôde guardar suas
opiniões para ela mesma. Ficou de joelhos ao lado de um cura que tirava
sanguessugas inchadas pelo sangue do peito ruidoso de uma moça jovem, de
aproximadamente doze anos, que gemia delirantemente por sua condição
debilitada. O aroma rançoso que emanava do corpo consumido era muito
familiar para Rain ignorar.
— Você sabe o que está acontecendo com ela? — sussurrou ao sacerdote
mais velho, que o Padre Bernard apresentou como o Padre Rupert de
Rhineland. Ele limpava o sangue do peito fundo da moça com um tecido úmido.
O sacerdote sacudiu sua cabeça tonsurada.
— Nunca vi tal enfermidade antes. Não importa o que tente, ervas,
sangrias. nada funciona.
— O mau-cheiro, Padre, é sempre tão forte? E seus vômitos são brancos e
contêm grandes quantidades de óleo? Continua perdendo peso embora a
alimente com grandes quantidades de mantimentos? — os olhos nublados do
ancião aumentaram com surpresa. — Sim, você viu outros casos como este?
— Na verdade, sim. Minha sobrinha foi diagnosticada recentemente com a
enfermidade Celiaca, e isto parece notavelmente similar.
— See-leeaca?
— Sim, o corpo desenvolve uma alergia, uma incapacidade de digerir
qualquer grão.
— Mesmo? E o que você fez por ela?
— Bem, eu não era seu médico, mas me disseram que pode levar agora uma
vida normal, enquanto não comer ou beber nada feito de grãos.
Ele a olhou céticamente, sem dúvida suspeitando de uma cura tão simples.
— Tente, Padre. Que mal faria? Durante uns dias, não deixe ela comer
grãos, é Celiaca, você começará a ver uma mudança quase imediatamente.
O ancião inclinou a cabeça pensativamente.
— Vale a pena tentar, acho — ele chamou um criado às suas ordens
próximo para que a dieta da paciente fosse mudada imediatamente, logo se
voltou para trás, para Rain — Como você disse que era seu nome?
— Irmão Godwine — respondeu ela, então levantou o olhar para ver Selik
olhá-la atentamente. Seus olhos brilhavam alegremente com surpresa e o que
quase parecia orgulho pelo diagnóstico da moça jovem que ela fizera.
— Você será capaz de ajudá-la? — perguntou Selik quando a ajudou a ficar
em pé.
— Acho que sim, mas — ela parou e se dirigiu ao Padre Bernard. — Poderia
voltar outro dia e trabalhar com os pacientes? Acho que poderia ajudar, e é
obvio, eu poderia aprender muito com você e os outros curadores. Para meu
manual médico — acrescentou o último com um olhar pesaroso para Selik.
— A decisão é do Padre Theodric, mas sempre se queixa da carência de
bons curadores — então o Padre Bernard a olhou de uma maneira estranha. —
Sua voz é... muito alta e melodiosa.
Rain se abaixou, dando-se conta de que se esquecera de baixar a voz.
Então olhos dele se fixaram na mão de Selik, que ainda segurava o braço
dela. Como se de repente entendesse a relação entre eles, o Padre Bernard
lambeu os lábios secos, perguntando a Selik:
— Desejaria acompanhar o Irmão Godwine se lhe permitirem trabalhar no
hospitium?
Selik maneou a cabeça devagar de um lado para outro, com um ar
decididamente selvagem em seus olhos cinzas.
O Padre Bernard riu tolamente e lançou um olhar da valorização
apreciativa para o rosto e as formas de Rain.
— Agora que penso nisso, tenho certeza que o Padre Theodric dará a boas-
vindas a seus serviços.... Sempre podemos usar outro... bom cura, sobretudo se
eu recomendo ao bom padre.
De repente entendendo, a boca de Rain se abriu. Oh, Meu Deus! Um
sacerdote gay na Idade Média. E pôs seu radar em mim. Depois daquilo, o Padre
Bernard lhes ofereceu uma viagem rápida pelo jardim herbarium, onde as
plantas medicinais eram cultivadas, e a apoteca primitiva onde outro clérigo
tonsurado trabalhava com uma mão de morteiro e misturando em potes de
cerâmica poções curativas segundo antigas receitas escritas em uma lista de um
livro maior empoeirado. Fascinada, Rain decidiu que definitivamente queria
voltar ao hospitium e aprender tudo o que pudesse sobre aquela instalação
médica primitiva.
— Quando voltar, assegure-se de se identificar ao sacerdote de serviço. O
Padre Ceowulf freqüentemente toma meu lugar. Não podemos ser muito
cautelosos. Os soldados saxões estiveram aqui durante o dia todo, procurando
algum Viking Proscrito.
O sangue de Rain gelou pelas palavras do Padre Bernard. Poderia ser Selik
quem eles procuravam? Estavam perto?
— Mesmo? —perguntou ela com uma voz instável — Por que eles se
incomodariam com um Viking?
O Padre Bernard deu de ombros.
— Isso é o que pensei também. Os soldados não têm nada melhor para fazer
que procurar um pagão por todas as partes da cidade? Mas é obvio, não disse. O
rei Athelstan foi bom com a Santa Igreja. De fato, ele fundou este hospitium bem
no ano passado. Então se o rei quer ao dinamarquês deplorável, longe de mim
protestar. Eles podem pendurar o Proscrito pelos dedos dos pés e esfolá-lo vivo,
pelo tanto que me preocupo.
Rain se encolheu, apenas consciente de agradecer o insensível Padre
Bernard por sua hospitalidade e recusar sua oferta de alojamento durante sua
permanência em Jorvik. Quando se dirigiram para a entrada, Rain notou um
escândalo. Um homem que gritava empurrou um sacerdote grande cujo corpo
impedia sua entrada. Ele pedia que um curador fosse ajudar sua esposa, que
estava em trabalho de parto de seu primeiro filho há três dias.
— Vá para casa, Uhtred — pediu o sacerdote severamente — Eu te disse
antes que deve encontrar uma parteira. Fazemos o trabalho de Deus, aqui. É
impróprio para um sacerdote colocar suas mãos nas partes de uma mulher em
trabalho de parto.
— Mas Hilde vai morrer. A parteira não virá sem as moedas para pagá-la,
e…
— Fora daqui! — gritou o sacerdote, afastando as mãos imundas do homem
da manga de sua batina com repugnância — Guarda, venha e expulse este
desgraçado da Santa Igreja.
— Maldito, seja condenado ao inferno maldito — blasfemou Uhtred quando
viu os guardas da igreja se aproximarem.
— Espere — interveio Rain — Irei com você. Talvez possa ajudar.
Ela ouviu o gemido de Selik a seu lado.
O homem revirou os olhos com tal agradecimento para ela que Rain sabia
que o ajudaria, sem importar o que Selik dissesse. Mas surpreendentemente, ele
não protestou quando ela começou a seguir o aflito marido. O sacerdote fez um
som grosseiro atrás deles e comentou:
— Sacerdotes estrangeiros! Sempre pensando que sabem mais que qualquer
outro.
Quando abriram as portas principais da igreja, entretanto, foram incapazes
de se moverem. Centenas de pessoas, muitas delas crianças, lotavam cada
espaço da catedral, puxando e gritando pelos pães pretos repartidos pelos
clérigos.
— É Dia de Esmola — explicou Selik — Os pobres fazem fila por sua
miséria de comida, e os sacerdotes dão tapinhas nas costas deles mesmo por sua
grande beneficência.
— Você é muito cínico, Selik.
— Você é muito mole — respondeu ele enquanto progrediam devagar pela
multidão, atrás de Uhtred.
Rain parou de repente quando viu um garoto e uma garota pequenos,
aproximadamente de sete e quatro anos, que estavam em pé perto dela. Eles
eram irmãos, óbvio, mesmo com a sujeira que os cobria dos pés nus às cabeças
infestadas de piolhos. A menina estava em pé com o polegar firmemente dentro
da boca, escutando atentamente tudo o que seu irmão lhe dizia.
— Agora, vai ficar aqui mesmo, Adela, enquanto tento conseguir pão para
nós. Promete não se mover?
— Sim, Adam — ela sacudiu a cabeça de cima para baixo, seus olhos
estavam arregalados com medo enquanto olhava seu irmão abrir passo
astutamente à frente da multidão, beliscando uma nádega aqui, lançando-se
entre pernas acolá, finalmente tirando um pequeno pão dos dedos do sacerdote
quando ele estava a ponto de dá-lo a uma esfarrapada anciã.
— Volte, sapo maldito — gritou a mulher, em vão. Muitos na multidão se
voltaram para olhar o progresso de Adam, houve alguma tentativa de arrebatar
seu precioso espólio. Mas não havia nenhuma maneira no mundo de que o
diabinho deixasse seu alimento ganhado com tanto esforço. Empurrou-o
embaixo da frente de sua túnica suja e correu como se disso dependesse sua
vida até sua irmã.
Enquanto Rain se aproximava das crianças, ignorando o protesto zangado
de Selik quando a multidão os separou e Uhtred gritou de consternação pela
demora dela, Rain viu o garoto rasgar o pão pela metade, e as duas crianças
engoliram o pobre pão mofado vorazmente. Obviamente, não comiam há dias.
Rain ficou de joelhos ante a dupla e perguntou à menina:
— Como você se chama, anjo?
Os assustados olhos azuis se voltaram pedindo ajuda a seu irmão.
— Adam — chamou ela, estendendo para ele uma mão, enquanto o polegar
da outra foi imediatamente para a boca.
— Por que vocês querem saber? — exigiu o pequeno garoto com os olhos
estreitados, pondo suas mãos beligerantemente sobre seus quadris. Rain sentiu
a presença de Selik atrás dela, mas ele não falou.
— Vocês dois não deveriam estar nas ruas assim. Onde estão seus pais?
— Não temos.
— Eles... morreram?
— Sim. O que isso importa a você? Vocês, sacerdotes, se preocupam só com
seu próprio conforto. Vocês não vieram nem para enterrar a minha mãe.
Rain prendeu a respiração.
— Quando foi isso?
O pequeno rapaz deu de ombros desdenhosamente com orgulho,
segurando o cinturão folgado de suas bermudas. Rain acreditou ver um rápido
brilho de dor e medo em seus olhos
— O inverno passado.
Um ano!
— E com quem vivem agora?
— Enh!?
— Rain, acabe com isso. Nos demoramos aqui tempo demais — disse Selik,
tomando seu braço — Lembre da parturiente.
— Oh, esqueci — disse ela, jogando um olhar de desculpa a Uhtred. Mas
primeiro se voltou para o pequeno rapaz.
— Quem disse que cuidava de você?
Ele levantou a cabeça de modo provocador e grunhiu:
— Eu tomo conta de mim mesmo e de minha irmã. Não precisamos que
nenhum intrometido sacerdote interfira.
— Só quis ajudar.
— Hah! Bem como Islã.
— O comerciante de escravos? — perguntou Selik com surpresa.
— Sim, o comerciante de escravos. Tentou nos pegar. Mas eu sou muito
rápido para o velho gordo repugnante. Ele disse que sabe de um sultão em uma
terra longínqua que nos trataria como a seus próprios filhos, nos dando uma
casa e boas refeições, mas sei o que ele quer. Sim, eu sei.
— O quê? — perguntou Rain, mesmo enquanto ouvia Selik dizer uma
palavra asquerosa atrás dela.
— Ele quer nos sodomizar, ele faz isso, enfiar seu pênis em nossos traseiros
— declarou o asqueroso maroto com inocente e explícita sabedoria das ruas —
Como vocês, sacerdotes malditos — declarou o pequeno rapaz, cuspindo a seus
pés; então pegou a mão de sua irmã e desapareceu entre a multidão.
— Oh, Selik — Rain lançou um grito, quando as crianças já não estavam à
vista — Deveríamos ajudá-los.
— Você está fora de sua maldita razão. Não quero criança alguma minha, e
com certeza não sentirei carinho por qualquer outra irritante. Coloque isto em
sua cabeça dura.
— Mas, Selik, viu os olhos da menina quando olhou para nós sobre o
ombro? Eles suplicavam ajuda.
— Você vê e ouve só o que quer, moça. Ouviu o que o asqueroso e
esquálido filhote murmurou? Ele não quer ajuda alguma, e acho que o pequeno
patife poderia sobreviver em um campo de batalha, imagine nas ruas de uma
cidade mercantil.
— Por favor, por favor — pediu Uhtred, puxando a manga de Rain —
Minha esposa está morrendo, e você está em pé aqui conversando sobre
meninos de rua sem valor.
Rain se voltou então para o aflito homem com cólera.
— E o que faz você pensar que seu filho ainda não nascido merece mais que
aquelas duas preciosas crianças?
Uhtred empalideceu, percebendo que suas palavras precipitadas poderiam
ter posto em perigo qualquer possibilidade de o curador ajudá-lo.
— Sinto muito. Mas estou tão preocupado com minha Hilde...
Rain maneou a cabeça aceitando sua desculpa, e ela e Selik seguiram
rapidamente atrás dele. Rain se surpreendeu pouco tempo mais tarde quando
estavam a ponto de entrar em uma choça ordinária. Ela deu a volta no último
momento e viu que Adam e Adela os tinham seguido. Apoiavam-se contra uma
árvore próxima, olhando enquanto Rain curvava sua cabeça para passar pela
entrada baixa. Ela agitou uma mão.
Poderia ter jurado que Adam flexionava o dedo.

Capítulo 13

Várias horas mais tarde, quando Rain e Selik emergiram da atmosfera


sufocante da pequena cabana, as crianças tinham ido embora. E o rosto de Selik
estava exangue, drenado de toda cor.
— O que aconteceu? — perguntou Rain, pondo uma mão em seu braço com
preocupação.
— De verdade, mulher, você me impressiona. Você sozinha pôs sua mão
dentro do útero de uma mulher, girou um bebê e o trouxe para a vida e me
pergunta o que aconteceu? — ele balançou sua cabeça com incredulidade. —
Realiza freqüentemente tais milagres?
Rain sorriu ante seu elogio.
— Muitas vezes. Não são milagres, mas nascimentos. A obstetrícia não é
minha especialidade, mas assisti no parto de pelo menos cinqüenta bebês — ela
olhou para Selik afetuosamente — Esta é uma maravilhosa experiência, não é?
— Maravilhosa?! Não há nada de maravilhoso em todos aqueles gritos e
sangue.
Rain cacarejou com desaprovação, mas não podia dizer que Selik não era
veraz. Testemunhar o nascimento da pequena criança o tinha comovido
profundamente. Ela se perguntou se ele estivera com Astrid quando ela deu à
luz seu filho e se aquele acontecimento o teria lembrado outra vez de tudo o que
tinha perdido.
E, pela primeira vez em seus trinta anos, Rain desejou um bebê próprio. O
que sentiria ao ter uma vida crescendo dentro dela, olhar as contrações de seus
músculos empurrando uma criança ainda não nascida para frente, para a vida,
tocar seu próprio bebê pela primeira vez, recém saído do útero?
E se, Oh, Deus, e se o bebê fosse uma vida, respirando manifestação do
amor? Como seria a criança se fosse formada do sangue e genes tanto dela
quanto de Selik? Que maravilha que seria!
O vivo desejo ficou tão forte que Rain teve que olhar para longe para que
Selik não lesse suas emoções expostas. Este é um território perigoso para que entre,
senhora, desejando algo que jamais poderá ter.
Peça, e receberá.
Rain ergueu os olhos para o céu. Agora você me diz isto. E quando eu quis
voltar para o futuro? E realmente diz que se eu quiser Selik, posso tê-lo? E a seu bebê?
Rain fechou os olhos momentaneamente para saborear aquela atraente imagem.
A resposta está em você. Procure em seu coração.
— Me dê um sinal — resmungou Rain.
— Que tipo de sinal? — perguntou Selik, logo acrescentou — Os bebês
sempre põem uma expressão tão sonhadora em seu rosto?
— Sim — especialmente quando penso em ter um com você. Então ela decidiu
mudar o assunto para um tema seguro. — Acha que Uhtred limpará aquela
choça como o aconselhei?
— Aconselhou? Você se subestima, moça — disse Selik com uma risada
seca. — Você dá ordens como um guerreiro endurecido. Ele não se atreveria a
desobedecer.
— Bem, eu estava realmente zangada. Depois de todos os problemas para
salvar a vida de seu bebê, ele poderia morrer em poucas semanas vivendo
naquela sujeira. Como as pessoas podem viver assim?
Selik esteve a ponto de falar quando parou repentinamente, empurrando
Rain atrás dele. Estavam a meio quarteirão da casa de Gyda, mas ela podia ver
os soldados saxões rodeá-la.
— Matarei esses bastardos se fizerem mal a Gyda ou Tyra — disse ele em
um tom gelado de voz.
— Pssst!
Eles deram a volta para ver Ubbi que lhes assobiava escondido entre duas
casas, que fazendo gestos para que se aproximassem. Quando retrocederam sem
chamar a atenção dos soldados, Selik empurrou ela e Ubbi mais longe entre as
casas, então estiveram totalmente fora de vista.
— Os soldados o buscam por ordem do Rei Athelstan — disse Ubbi
depressa. — Ele está furioso e triste pelo número de guerreiros saxões perdidos
em Brunanburh por sua espada, sobretudo por seu primo Elwinus. Dúzias deles
vagam pela cidade e a área do porto. O rei oferece cem mancusos de ouro por
você vivo. E só vinte e cinco se estiver morto.
A mandíbula de Selik se apertou.
— Fizeram mal a Gyda ou a Tyra?
— Não. Eles saqueiam a casa e dependências da sua maneira habitual, mas
não tocam nas mulheres. Tostir, um dos criados de Gyda, está com um nariz
quebrado por não ter respondido o bastante rápido às ordens de um soldado, e
o comandante ameaça cortar a língua de Gyda se não deixar de irritá-lo. Mas
acho que estão seguras.
— E meus homens e cavalos?
— Todos fora de vista. Gorm conseguiu nos advertir bem a tempo.
— Leve Rain à loja De Ella. Deve ficar segura lá. Então se encontre comigo
aqui. Não diga não. Não vá à casa de Gyda. Eles certamente a vigiarão
rigorosamente daqui em diante.
— Não, não quero te abandonar — protestou Rain.
O rosto de Selik estava rígido pela determinação.
— Não me contradiga nisto. Sua segurança e a da família de Gyda
poderiam ser postas em perigo por um movimento estúpido de sua parte. Me
obedecerá ou sofrerá as conseqüências.
— Mas e sua segurança?
Com os olhos mordendo furiosamente, Selik espetou:
— Minha vida é da minha conta, e só da minha. Melhor que entenda isto
agora — ele se voltou para Ubbi. — Leve-a para Ella e se assegure de que vai
ficar.
Selik desapareceu antes de que ela tivesse a possibilidade de lhe dizer que
tomasse cuidado, de lhe dizer que o amava.
Arrastando os pés, Rain seguiu Ubbi pela cidade até que alcançaram a rua
onde as lojas mostravam quantidades de tecido em um arco-íris de cores e
texturas, desde lã grossa à seda mais fina. Umas inclusive tinham roupas
confeccionadas, túnicas, capas e braies.
Finalmente, pararam ante um edifício que parecia mais próspero que os
outros. Embora uma moça jovem trabalhasse no posto da frente, Ubbi conduziu
Rain em volta do edifício para uma porta traseira. Chamando em voz alta, ele
esperou até que um velho criado masculino respondeu, logo exigiu
importantemente:
— Temos necessidade de falar com sua ama, Ella. Está aí dentro? — o
criado aquiesceu e lhes indicou um corredor grande onde vários trabalhadores
cortavam e costuravam várias roupas.
— Rhoda! — gritou Rain quando reconheceu a mulher de meia-idade que
se aproximou. — Como chegou aqui? — sem esperar uma reação, agarrou a que
tinha sido durante muito tempo a mulher da limpeza de sua mãe e a abraçou
carinhosamente. — Você não tem nem idéia de quanto é bom ver alguém de
casa.
— Senhor, as tolices de Rubi outra vez, não! Pensava que tinha acabado
com aquela tolice quando Rubi desapareceu faz mais ou menos uma década.
Meu nome é Ella, não Rhoda.
Rain continuou abraçando Rhoda, apesar de seus protestos e
contorcimentos.
— Gawd! Um maldito sacerdote está me acariciando. Terei que ir me
confessar agora, provavelmente consiga vinte Pater Noster de penitência. Tendo
os joelhos machucados durante um dia inteiro — se queixou Rhoda.
Rindo, Rain percebeu que ainda usava o disfarce de monge e liberou a
nervosa mulher de seu abraço de urso. Tirando o capuz, expôs sua trança loira
longa e seus traços femininos.
Ella pôs uma palma aberta sobre o peito.
— Senhor, meu coração parece que vai parar em mim garganta. Quem é
você, moça? Uma camarada louca de Rubi, sem dúvida. Ela era a única tola que
me chamava algumas vezes de Rhoda.
— Filha dela. Rubi é minha mãe, e Thork era meu pai — explicou Rain,
cruzando os dedos às costas.
— Não, isso não pode ser — disse a mulher, contemplando Ubbi que
ergueu suas mãos em uma atitude de “não me pergunte”.
— Ela e Deus me enviaram para salvar Selik.
A mandíbula de Rhoda caiu.
— Um anjo da guarda? — perguntou Ella a Ubbi com voz maravilhada.
Meu Deus!! Rhoda e Ubbi eram os dois da mesma espécie. Rain podia
imaginar Ubbi devorando o National Enquirer de Rhoda no futuro e
compartilhando seu apetite insaciável pelas intrigas.
— Sim, e até encontrei uma pluma nas peles de sua cama um dia — revelou
Ubbi com presunção.
— Vocês dois, parem de falar de mim como se eu não estivesse aqui. Não
sou um anjo. Sou um ser humano, igual a você dois, babuínos.
— “Babuinvos”? — perguntaram ambos simultaneamente, e Rain bufou
com irritação, evitando explicar.
Ubbi explicou a perigosa situação na casa de Gyda. Ela consentiu facilmente
em que Rain permanecesse com ela até que o perigo passasse.
— Por favor, por favor volte o quanto antes e me diga o que está
acontecendo — urgiu Rain a Ubbi quando ele partia. — Estou tão preocupada
com Selik. Seu ódio pelos saxões pode fazer com que seja descuidado.
— Não tema, minha senhora. Esta ínfima tropa de cachorrinhos saxões não
são nenhum verdadeiro perigo para o amo. Agora, com Steven de Gravely, são
outros quinhentos1. Ele segue as próprias regras do diabo e das artimanhas. Ao
final, Gravely e seus repugnantes artifícios, sem dúvida, causarão a perdição de
meu senhor.
Tremendo com apreensão, Rain lembrou as palavras de advertência de
Gyda quando Ubbi partiu. Gyda lhe havia dito que Selik tinha a intenção de
entrar no coração do território saxão, nas terras de Gravely, esperando matar
finalmente seu odiado inimigo. Agora que ela ouvia diretamente de Ubbi como
o iminente perigo de Selik era Steven, Rain começou a considerar seriamente o
plano impressionante de Gyda de seqüestrar Selik até que o desprezível senhor
se ocultasse outra vez.
— Rhoda, quer dizer, Ella, quero te falar sobre esse plano que Gyda tem
para salvar Selik
— Plano? Não, não, não! — exclamou Ella, pondo suas mãos sobre os
ouvidos. —Igual a sua mãe, se ela for, tentando me enredar em seu “golpe de
mestre” para jogar o laço em seu pai.
— Ela fez? — perguntou Rain com um sorriso. Realmente, começava a ver
sua mãe até mais escandalosa do que jamais tinha sonhado.
Mas Ella não fez caso de sua pergunta, divagando:
— Não me meta em seus complôs loucos. Depois tentará me implicar, eu
sei.
— Bem, realmente, preciso de seu conselho.
1
Pus esta expressão para substituir uma expressão castelhana de mesmo sentido, mas outras palavras, “é
farinha de outro saco”, no original, “es harina de outro costal”.
Ela gemeu com um suspiro resignado e se afundou em um banco contra a
parede quando Rain se lançou ao plano absurdo de Gyda. Quando terminou,
Ella exclamou:
— Senhor Bendito, todas vocês perderam o juízo. A menos que eu me
engane, Selik pesa tanto quanto um potro. Como planejou vencer um tipo tão
grande?
— Com ervas.
— E como o prenderiam?
—Preso a uma cama.
Ela a olhou incredulamente.
— Durante quanto tempo?
Rain avermelhou e se moveu incomodamente ante o interrogatório muito
perspicaz de Ella.
— Não tenho certeza. Aproximadamente duas semanas mais ou menos,
acho — suas últimas palavras saíram em um sussurro direto, mas Ella a ouviu.
— Louca! Te disse isso antes, todas vocês deveriam ser fechadas em uma
casa de loucos.
— Sei que parece uma loucura, mas o que mais podemos fazer? Tentei falar
com ele, mas não consegui nada. Ele é tão obstinado e decidiu ir atrás de Steven.
Até Ubbi acredita que se ele for às terras de Gravely agora, será capturado e
provavelmente… e provavelmente assassinado —a voz de Rain se quebrou, e
seus olhos se encheram de lágrimas enquanto se deixava cair ao lado de Ella no
banco.
— Ama o tolo, não é?
Rain moveu a cabeça com um soluço, limpando o nariz na manga.
— Bem, me deixe pensar nisso um pouco. Onde estavam planejando manter
o garoto prisioneiro, ainda se fossem capazes de seqüestrá-lo? Não é que eu
ache que seja possível.
Rain inclinou os olhos com vergonha para Ella, que lhe pareceu quase como
se fosse da família, embora acabassem de se conhecer.
— Há alguma possibilidade de que pudéssemos escondê-lo aqui? Os
soldados olharão a casa de Gyda.
Ela saltou sobre seus pés indignadamente.
— Eu já sabia. Eu já sabia. Vocês estão me colocando diretamente no meio
de seus loucos planos. Durante dez anos estive quebrando o traseiro tentando
estabelecer um negócio, e tudo dará em nada se eu fizer o que querem. Oh,
Senhor! Oh, Senhor! Eu já sabia que as coisas estavam indo bem demais.
Quando o discurso de Ella parou um pouco, Rain perguntou:
— Pode me ajudar?
Ella revirou olhos.
— Não posso ter Selik preso aqui. Tenho muitos trabalhadores indo e
vindo, sempre colocando seus narizes em meus assuntos.
Os ombros de Rain caíram com a desilusão.
— E a fazenda de Selik fora da cidade? A maior parte dela foi queimada por
Gravely e seu bando diabólico, mas os alicerces e o corpo do celeiro estão ainda
lá, segundo me lembro. Levará só algumas horas de trabalho pôr um novo teto
de palha.
O espírito de Rain de repente se iluminou com esperança.
— Novos bancos, as camas e todas as coisas necessárias poderiam ser
compradas na cidade. Talvez isto pudesse funcionar. Mas pessoas vivendo na
terra de Selik de repente quando está abandonada há uns dez anos chamaria a
atenção, por certo. Pode pensar em alguma razão para viver ali?
Uma imagem clara, sem relação, cintilou na mente de Rain, das duas
crianças que tinham conhecido naquele dia, Adam e Adela, e do enorme
número de crianças sem lar que havia nas ruas.
— Um orfanato — respondeu Rain sem vacilar. — Vou abrir um orfanato —
Rain agarrou Ella, então, e a abraçou carinhosamente. — Oh, Ella, obrigada,
obrigada. Juro que te compensarei por sua ajuda algum dia.
Ela baixou os olhos de uma maneira extranhamente tímida e ofereceu
vagamente:
— Bem, talvez haja alguma coisa que possa fazer por mim.
— O que for. Só fale.
— Poderia por acaso falar bem de mim para Ubbi?
A boca de Rain se abriu de repente com completo assombro. Então começou
a rir com tanta força que não podia parar, finalmente se dufocando e bebendo
um copo de água que Ella, desgostosa, lhe trouxe.
— Isso não é engraçado.
— Oh, Ella — disse Rain finalmente com voz entrecortada — não é de você
que estou rindo. É da estranha roda cômica que a vida inteira tomou. Se você
me dissesse há semanas que eu bancaria o Cupido alguma vez com alguém,
para não mencionar com dois seres da Idade das Trevas incompatíveis, eu teria
dito “De maneira alguma!”.
— Incompatíveis! — disse Ella, acentuando aquela única palavra. — Hah!
Não há nada mais incompatível que você e Selik.
— Tem razão sobre isso, Ella. Você tem razão sobre isso.
Rain tentou sem êxito demonstrar algum interesse pelo próspero armarinho
que orgulhosamente Ella lhe mostrava, as melhores sedas baudekin de Bagdad,
grego Samite, os linhos da qualidade mais fina conhecidos como Sindon, similar
à grama delicada, e é obvio, a famosa lã de Yorkshire. Até mesmo o bordado
mais delicado e os adornos de marta ou de raposa não conseguiram distrair,
chamar a atenção de Rain.
Finalmente, Ella deixou de tentar entreter ou impressionar Rain e a
conduziu acima para seu pequeno dormitório, que compartilhariam.
Incapaz de dormir. Rain ficou angustiada pelo destino de Selik e da família
de Gyda até que Ubbi foi até ela na tarde seguinte, lhe assegurando que
ninguém estava seriamente ferido. Mesmo assim, sua preocupação aumentou
quando entrou na casa de Gyda e viu a destruição licenciosa causada pelos
soldados saxões em sua busca por Selik.
As mesas de cavalete tinham sido derrubadas e destroçadas com machados.
Os barris e os potes de cerâmica, de farinha, de produtos alimentícios, leite, mel,
ovos e hidromel, estavam pulverizados por toda parte. As tapeçarias e as
cortinas tecidas, que cobriam as paredes para não deixar passar os ventos de
outono, estavam jogadas em tiras destroçadas.
Em todas partes que Rain olhou, viu os habitantes trabalharem
diligentemente para limpar a confusão conforme às ordens severas de Gyda e
Tyra. Uma boa fogueira de bens danificados já ardia alegremente no pátio
traseiro e crescia em intensidade quanto mais objetos danificados eram
acrescentados.
— Gyda, sinto muito. Isso é horrível.
Gyda elevou a vista de onde limpava um montão de farinha grudenta.
— Sobrevivemos a tal destruição freqüentemente, e em ocasiões piores que
esta. Ao menos, ninguém foi assassinado, graças ao Senhor.
Rain viu o homem com o nariz quebrado que Ubbi tinha mencionado,
Tostir, e se aproximou para examinar a ferida. Não havia realmente nada que
ela pudesse fazer por ele, além de aconselhá-lo a manter compressas frias sobre
ele para reduzir o inchaço.
Voltando para o lado de Gyda, Rain pegou outra vassoura e começou a
trabalhar junto a ela.
— Onde está Selik? Estive tão preocupada com ele.
— Mantendo-se oculto, espero.
— Oh, não! Ele ainda não deve ter ido atrás de Steven de Gravely já, não é?
— Não, ainda, mas será logo, aposto. Logo que se assegure de nossa
segurança, aqui.
Rain pôs uma mão sobre a manga de Gyda.
— Decidi que você tem razão, Gyda. Temos que fazer algo para impedir
que Selik se mate. E isto é o que ele faria, se se arriscasse em terras saxãs neste
momento.
Gyda deixou de trabalhar e escutou atentamente as palavras de Rain.
— Quer dizer que uma vista de primeira mão da brutalidade saxã te
convenceu do perigo que ele confronta?
— Sim, mas mais que isto. Selik sente uma raiva cega ante a mera menção
de Steven de Gravely. Nas melhores circunstâncias, ele enfrentaria a morte
eventual em sua vingança contra os saxões. Mas Gravely, e qualquer homem
que pudesse fazer o que ele fez à sua filha e seu neto, não consigo nem pensar
em que tática desviada poderia usar para atrair Selik desprotegido, ou que
coisas horrendas poderia lhe fazer se o capturasse.
O rosto de Gyda ficou rígido em uma dura máscara.
— Não invejo Selik pela sua vingança contra Gravely. Mataria o diabo eu
mesma com minhas mãos nuas se pudesse. Mas concordo com você em que a
raiva de Selik pode diminuir suas capacidades de repelir tal demônio — ela
estudou o rosto de Rain com cuidado. — O que fará?
— Ella consentiu em ajudar, mas precisarei de sua ajuda também.
Gyda comcordou e Rain continuou explicando os detalhes do plano. Ambas
concordaram em que o tempo tinha importância crítica, já que Selik poderia
partir a qualquer momento.
Antes daquela tarde, não só a casa de Gyda estava em uma condição
razoavelmente limpa e segura, mas também as preparações iniciais tinham sido
completadas para “o seqüestro” de Selik. Ella apareceu por lá, oferecendo
algum conselho adicional, e entre as três, fizeram preparativos para fazer enviar
uns homens para reparar o celeiro na propriedade de Selik. Gyda enviou um
criado para comprar para Rain as ervas especificadas, junto com algumas
provisões básicas.
— E cordas — Rain pediu uma corda super grossa e forte.
Mas Selik não voltou naquele dia, nem enviou palavra alguma sobre seu
paradeiro. E não voltou no dia seguinte, tampouco. Quando Rain se deitou na
noite seguinte, seus nervos estavam tensos e tão retesados que não conseguia
dormir. Caminhou até a abertura estreita de uma janela e olhou para a noite
iluminada pela lua.
Onde estava Selik? O que ele fazia? Inclusive estaria vivo? Oh, Deus, por
favor, proteja-o.
Selik se apoiou contra a moldura da porta, olhando Rain quando ela
inconscientemente falou em voz alta. Suas palavras susurrantes lhe chegaram à
deriva pelo ar.
Inferno maldito! A moça está rezando por mim, percebeu Selik com um
sobressalto. Não tinha certeza de gostar da idéia. Esfregou os dedos sobre os
olhos com cansaço. Santo Thor! Não desejava nada mais que se deitar e dormir.
Passara o último dia e meio tentando evitar os soldados saxões, conduzindo-os
em uma perseguição perigosa para longe de Jorvik, matando um ou mais dos
seguidores leais de Athelstan no processo. E devia partir com os primeiros raios
de sol, se ia perseguir Steven de Gravely.
Um surdo sentimento de apreensão irritava Selik, diferente de qualquer
outro que jamais sentira. Aquilo era uma premonição de que não voltaria vivo
desse confronto com Gravely? Ou era algo mais?
— Selik! — Rain tinha se voltado e o vira em pé na entrada. — Onde esteve?
Por que não nos avisou onde estava, seu estúpido imbecil?! — a voz chorosa de
Rain, cheia de preocupação, contrastava de uma maneira estranha com sua
insultante maneira de chamá-lo.
E, mesmo enquanto o castigava, Rain se lançou a seus braços, quase
atropelando-o em seu esgotamento. Ela envolveu os braços em torno de seu
pescoço e o abraçou fortemente, como se nunca mais quisesse deixá-lo ir. Então
beijou seu pescoço, faces, olhos, sobrancelhas, queixo e lábios, tudo com beijos
curtos, frenéticos. Ao mesmo tempo, suas mãos o tocaram em todas as partes,
como se estivesse provando que ele estava realmente vivo e bem.
Algo novo e intenso flamejou profundamente em sua alma, e durante um
breve momento, Selik abraçou as costas dela, saboreando o aroma delicioso de
seus cabelos limpos e o calor de sua pele suave. Finalmente, energicamente a
separou dele, mantendo-a a distância.
— Sentiu minha falta, não, moça?
— Sim, seu bruto — disse ela, colocando seu braço no dela e conduzindo-o
à cama. — Sente-se antes que caia, homem tolo. Dormiu um pouco desde a
última vez que te vi?
Ele sacudiu a cabeça, mas obedeceu suas ordens, intrigado pela imagem de
Rain se preocupando excessivamente por ele.
— Tire as roupas. Está cheirando como um cavalo.
Suas palavras não tinham nenhuma intenção lasciva, mas apesar disso os
lábios de Selik se curvaram para cima quando tirou as asquerosas roupas, exceto
o pano de sua virilha. Na verdade, não achava que pudesse se levantar por
circunstância alguma. Até seus ossos doíam.
Seu sorriso ficou maior, entretanto, quando ela acendeu uma vela e voltou
para a cama. Ajoelhando-se ao lado dele com um tigela de água, ensaboou um
quadrado de tecido de linho com o áspero sabão e começou a lavar seu rosto,
pescoço e braços com suave cuidado. Até mesmo suas mau-cheirosas axilas e
pés cobertos de pó.
A cabeça de Selik martelou levemente, tentando lembrar a última vez que
qualquer pessoa tinha cuidado dele o bastante para lavar sua pele. Quando
menino, abandonado na corte do rei Harald na Noruega, foi forçado a se virar
por si mesmo. E quando se casou com Astrid, ele cuidava dela, sendo mais forte
e não sendo necessários tais serviços.
Mas ser cuidado era bom, percebeu Selik. Verdadeiramente bom.
Quando ela terminou e o secou com um tecido de linho suave, perguntou-
lhe solicitamente:
— Está com fome? Quer que eu desça pegue alguma comida?
Ele sacudiu a cabeça.
— Não, só quero descansar — ele se deitou na estreita cama de armar, logo
mudou seu peso para a borda externa, longe da parede, e lhe fez gestos. —
Venha, deite-se comigo. Só durante um momento. Sinto-me tão frio, e preciso do
calor de seu corpo — ele ainda usava só a leve roupa íntima, e o ar do outono
lhe esfriava a pele.
Surpreendentemente, Rain não protestou à sua maneira rabugenta habitual.
Ao contrário, obedeceu sem vacilar, sorrindo timidamente, e se espremeu no
espaço estreito que ele tinha deixado para ela, contra a parede. Ele puxou uma
manta de lã sobre ambos.
Selik fechou os olhos com um suspiro enquanto ajustava seus corpos, seu
peito contra as costas dela, sua virilidade contra as nádegas. A cabeça dela
descansou contra o lado interior de seu braço esquerdo, enquanto seu braço
direito se curvava ao redor da cintura. Sem pensar, ele moveu a mão para cima e
a pôs sobre seu seio esquerdo e a manteve ali. Rain aceitou seu gesto possessivo
sem resistência, parecendo prender o fôlego. Ele não se perguntou sobre sua boa
sorte, perguntando-se silenciosamente se a moça tinha sofrido um golpe na
cabeça. No passado, já lhe teria dado uma bofetada por tal descaramento.
Obrigado, Deus. Ou Odin, sussurrou ele em sua cabeça com humor
sardônico.
Você é bem-vindo.
Selik sorriu ante os truques que sua mente estava criando e se aconchegou
mais perto de Rain. Na calma da noite, quando todos na casa dormiam, ele
sentiu um sentimento esmagador de paz, de estar de bem com o mundo. No
momento, não podia pensar em seu passado esbanjado, na confusão dos poucos
dias passados, e certamente não no futuro sem vida que o esperava.
Selik saboreou o prazer puro de só segurar Rain em seus braços. Naquele
momento fora do tempo, queria experimentar cada um dos sentidos se
expandindo e florescendo dentro dele como as pétalas de uma flor delicada.
Retirando a trança sedosa do ombro dela, Selik tirou a tira de couro e
penteou com os dedos sensualmente os longos fios até embaixo, além das
omoplatas. Levou as pontas até seu rosto e inalou profundamente, deleitando-se
com o aroma combinado do áspero sabão caseiro de Gyda e da “Paixão” de
Rain.
Expondo sua nuca, Selik levemente remontou com a ponta do dedo a curva
delicada onde seu pescoço encontrava os ombros.
— Selik — gemeu Rain.
— Shhh. Só quero te abraçar. É tudo, juro.
Rain riu nervosamente.
— Os homens vêm dizendo isso às mulheres há séculos.
Ele riu entre dentes suavemente.
— Bem, talvez eu tenha dito o mesmo algumas vezes ante a esperança de
colher uma certa recompensa, mas não é o que quero dizer agora. Realmente, só
quero te tocar — ele vacilou, logo admitiu — Não é isso, não é completamente
verdade. Tenho que te tocar.
Rain deu a volta e pôs uma mão de cada lado de seu rosto.
— Tudo bem, Selik. Eu também quero que você me toque.
Selik gemeu e revirou seus olhos. Agora me diz isso! Hah! Onde estavam
vocês, deuses, antes que eu soubesse do risco de fazer um bebê? E você, Deus,
como pôde pôr esse idiota do Onan em sua Bíblia? Não imaginou que os
homens de todas as idades desejariam se proteger da paternidade no “derrame
de sua semente”? Oh, essa foi uma brincadeira cruel, você se aproveitou da
humanidade!
Rain já o tinha empurrado de costas e se inclinava sobre ele.
— Sua pele é como pedra dura e áspera, como a pedra-pomes, em alguns
lugares — disse ela roucamente, roçando seus nódulos pela sua face e
mandíbula. — Mas suave e lisa como mármore em outros — ela varreu sua
palmas abertas pelos planos de seu peito e abdômen para demonstrar.
Ele respirou abruptamente ante seu delicioso contato.
— Está cega, querida, se pensa isso — sussurrou ele, contente. Entretanto,
por seu elogio suavemente dito. — Sou um pedaço derrubado de granito
comum, sem dúvida alguma, feio derrubado pelo tempo e os elementos.
Apoiando-se em um cotovelo, Rain alcançou e desenhou com o indicador
ao longo das linhas da cicatriz dentada que corria do seu olho direito até a boca,
logo o moveu para baixo para a áspera palavra, “Raiva”, que ele esculpira no
próprio antebraço.
— Suas cicatrizes se parecem com os grãos em um pedaço de madeira
curtida. Elas mostram seu caráter.
Selik sacudiu a cabeça tristemente de um lado para o outro ante suas
desarmantes palavras.
— Lamento que não tenha me conhecido antes. Eu teria te agradado então,
garanto. E não só pelo aspecto, ou no esporte da cama. Não, de qualquer
maneira. Eu era inteiro, então. Um homem.
Rain fez um pequeno som de consternação e se sentou de supetão. Seus
olhos cintilaram furiosamente.
— Você é um homem tão tolo. Sim, eu disse homem. Não sabe que jamais
encontrei alguém que fosse mais homem do que você?
Um vazio enorme em Selik começou a se encher de repente. Apesar de sua
inapetência para aceitar as palavras de Rain, ele quis acreditar nelas seriamente.
Durante os dez anos anteriores, desde que falhara em proteger sua esposa e seu
filho, Selik se sentira mutilado, menos que um homem. Com suas poucas
preciosas palavras, Rain começava a deixá-lo inteiro outra vez, deixando para
trás um pequeno pedaço de seu orgulho.
— Obrigado — disse ele com uma voz crua de repente, vencido por aquele
novo sentimento de plenitude. Decidiu que tinha que recorrer ao humor ou
trairia sua vulnerabilidade. — Isto significa que já não me considera uma besta?
— Bem, às vezes — disse ela provocativamente, contemplando-o com tal
aberto desejo nos olhos que Selik não sabia como resistiria a fazer amor com ela.
E fazer amor era uma impossibilidade, agora que ele sabia que poderia fecundá-
la com apenas a parte mais diminuta de sua semente, mesmo se se retirasse
cedo. Sobretudo, já que tinha um presságio sobre essa próxima viagem às terras
de Gravely. Com toda a probabilidade, não voltaria. E jamais deixaria outra
mulher e criança vulneráveis outra vez.
Mas de qualquer maneira, uma voz da diabrura em sua cabeça sussurrou,
poderia brincar um pouco. Sempre pode parar. A quem pode fazer mal isto?
Com um gemido, disse a Rain de repente:
— Parto à alvorada. Posso... posso não voltar.
Rain o surpreendeu assentindo com a cabeça.
— Suspeitava que iria logo. Para Steven de Gravely.
— Destaquei dois guardas para ficar com você e deixarei muitos moedas
para pagá-lo durante um ano.
— Um ano! — gritou Rain, logo pareceu fechar qualquer expressão de seu
rosto.
— E o que fará quando eu me for? — perguntou ele, incapaz de parar de
tocar a suave carne de seu braço enquanto empurrava suavemente a manga de
sua túnica. Sorriu quando sentiu como seu pêlo se arrepiava sob sua leve carícia.
Ela tocou seu pulso, de maneira distraída riscando a pulsação que palpitava
ali com um movimento circular de seu polegar. Perplexa, ela respondeu:
— Trabalharei no hospitium. Sei que eu poderia ajudar, e poderia aprender
muito.
Ele maneou a cabeça.
— Enquanto levar os guardas com você. E seja cautelosa com os ardilosos
sacerdotes. São degenerados, alguns deles.
— Há alguma possibilidade de que mude de opinião sobre a saída de
amanhã? — ela o contemplou atentamente, como se sua resposta fosse de
enorme significado.
Ele sacudiu a cabeça sem vacilar.
— Já demorei muito tempo. Gravely pode já ter ido embora, me evitando
outra vez.
Ela mordeu o lábio inferior, como se considerasse alguma decisão
transcendental, logo o olhou cautelosamente sob suas pálpebras entreabertas.
Ele estreitou os olhos com receio. A moça arquitetava alguma travessura, podia
garantir. Ela saltou de repente e se afastou da cama e de seu alcance.
— Vou pegar alguma comida e ale para nós.
— Não quero nenhuma maldita comida ou ale. Volte a se deitar.
— Só vai ser um segundo — disse ela e se foi antes que ele pudesse detê-la.
Pouco tempo mais tarde, ela o despertou, tendo voltado com um prato enorme
de carne de cordeiro fria, pedaços de queijo duro, fatias de pão e dois copos do
ale de Gyda. Embora ele protestasse outra vez que não tinha fome, comeu cada
pedaço de comida que ela lhe empurrou.
— Este ale está amargo — queixou-se ele.
— Provavelmente é só o sabor das especiarias que Gyda pôs na carne.
Ela, sem dúvida, estava certa. Gyda tinha realmente uma mão pesada para
condimentos em sua comida. Quando terminou cada gota de ale amargo,
investiu para Rain e a atraiu para a cama com ele. Acariciando com o nariz seu
pescoço, grunhiu:
— Agora, onde estávamos?
Rain riu, logo pretendeu considerar sua pergunta com grande seriedade.
Ele aproveitou sua pausa para desatar a corda de sua túnica e levantar a roupa
sobre sua cabeça. Ela usava só as leves peças íntimas, de cor de carne, que
cobriam absolutamente nada.
Não mostrando nada de seu acanhamento habitual em seu corpo, ela se
ajoelhou ante ele, seu rosto estava de repente sombrio.
— Selik, eu te amo. Não, não fique com esse olhar teimoso. Acontece, eu te
amo e… e não importa o que acontecer, queria que lembrasse disso.
Suas palavras o tocaram em um lugar frio, há muito tempo escondido
profundamente dentro dele, e o mel de seu amor fluiu sobre ele. Seu coração se
ampliou quase até o ponto da explosão, e todo ele estava cheio de uma neblina
de desejo. Não formando redemoinhos no sangue, com a paixão batendo na
parede que havia sentido de vez em quando, quando estava profundamente
excitado, mas suave, insuportavelmente intenso, aumentando os sentidos que
ameaçavam fragmentar sua alma.
— Me toque — sussurrou ele. — Por favor... apenas me toque.
E ela o fez.
Com lentidão, deliciosamente lenta e cuidadosa, Rain usou as pontas dos
dedos e as palmas, os lábios e dentes, seu hálito quente e os dedos dos pés, suas
pernas longas e seios seguros para adorar cada polegada de seu corpo. Cada vez
que ele tentou tocá-la em troca ou devorar seus lábios em um beijo, ela fugiu de
seus esforços.
— Não, me deixe.
Todos os pensamentos de Selik se centraram em sua excitação quando
sentiu que sua defesa escorregava mais perto e mais perto da borda. Quando ela
começou a tirar totalmente as roupas íntimas dele, ele a parou, finalmente
ganhando um pouco de controle.
— Não, querida, não faremos amor.
Rain levantou o queixo com obstinada rebelião.
— Como você chama o que estamos fazemos?
Ele riu de sua rápida percepção.
— Jogo.
— Não pense que pode me distrair me mandando um de seus devastadores
sorrisos.
Ele sorriu ainda mais amplamente.
— Meus sorrisos são devastadores? Eu não tinha dado conta. Terei que
praticar mais, acho, agora que sei de seus poderes letais.
Rain espetou suas costelas.
— Por que disse que não faríamos amor?
— Quis dizer que não haverá nenhuma consumação — disse ele, de repente
sério.
— Por quê?
Oh, Senhor! Agora o que digo? Não posso lhe dizer a verdade. Ela sem dúvida diria
que não se preocupa se eu lhe der minha semente. E em um momento de debilidade, eu
poderia me abrandar.
Poderia mentir.
O quê? Pensava que mentir era um pecado, um de seus dez mandamentos.
Bem, às vezes tenho em conta um pouco de flexibilidade.
Forçando seu rosto em uma máscara suave, Selik segurou o queixo de Rain
em seu aperto, exigindo sua atenção:
— Há uma boa razão pela qual não te penetrarei, Rain. Posso combater
amanhã, e não posso me arriscar a debilitar meu corpo com a consumação. Este
é o costume de muitos guerreiros — mentiu ele, quase se engasgando com as
palavras.
Rain aquiesceu hesitantemente, entendendo.
— Mas isso não quer dizer que um guerreiro não possa saborear um pouco
de prazer — disse ele com uma risada. Antes que ela tivesse uma possibilidade
de reagir, ele a levantou pela cintura e a pôs montada em seus quadris. Tudo o
que separava a bainha de sua espada eram os finos tecidos de sua virilha e as
roupas íntimas de renda de sua mulher. Bastante, esperava.
Então ele cruzou suas mãos atrás de sua cabeça e exigiu:
— Agora, quero que crie algumas lembranças para eu levar comigo amanhã
— Elas deverão durar para sempre.
Os olhos de Rain se encheram de lágrimas, como se o entendesse. Tudo
tomou um resplendor limpo, então. Como uma brisa de verão purificadora, sua
essência o rodeava e envolvia. Ele estava morto por dentro, e Rain irradiava
uma vitalidade que ele ansiava.
Quando seus lábios se moveram para apenas um fôlego dos dele, ele urgiu
em um sussurro áspero:
— Diga as palavras outra vez. Uma vez mais.
Ela sabia, sem lhe perguntar, a que palavras se referia.
— Eu te amo. Seu condenado, doce, enfurecedor, adorável viking, te amo.
Te amo. Te amo...
Selik ouviu as palavras que ressonaram de uma maneira estranha em sua
cabeça quando seu corpo ficou de repente pesado e letárgico. Não podia manter
as pálpebras abertas. Pelo visto, estava mais cansado do pensara. Mas as
palavras pareceram maravilhosas quando se estenderam sobre ele como uma
carícia.
Antes de dormir, pensou ouvir Rain dizer algo mais.
— Por favor, me perdoe, Selik. Faço isso por seu próprio bem.

Capítulo 14

A primeira coisa que Rain fez pela manhã foi pegar Ubbi e arrastá-lo ao
solar privativo de Gyda. Esperava recrutar sua ajuda no transporte do peso
morto de Selik da casa de Gyda ao celeiro de Selik fora da cidade.
— Ubbi, tenho uma confissão a fazer. Realmente sou um anjo da guarda
enviado por Deus — Rain bateu na madeira atrás de suas costas pela sua
deliberada mentira, então cruzou suas pernas também, para desencargo de
consciência.
Os olhos turvos de Ubbi se arregalaram com pratos.
— Bem, eu já sabia, senhora. Disse ao amo, repetidas vezes, disse, mas ele
não acreditou em mim. Você vem da adição de um país idiota com pessoas
idiotas e costumes idiotas, mas eu sabia. Tenho um sentido para tais coisas,
tenho.
— Bem, Ubbi... a propósito, você é cristão?
Ele pareceu hesitante.
— Fui batizado, bem quando o amo foi, mas ainda adoro os deuses
nórdicos, também — ele abaixou a cabeça com vergonha ante a admissão.
— Está bem — disse ela, acariciando-o no ombro. — Deus o entende.
— Ele entende? — perguntou Ubbi com esperança.
— Sim, e Ubbi, Deus me deu uma mensagem para você — Vou arder no
inferno por isso, Deus?
Não.
Rain revirou os olhos e olhou para Ubbi, cuja mandíbula tinha caído
praticamente em seu peito.
— Deus me enviou uma mensagem? — perguntou ele, engolindo em seco,
temeroso.
— Sim, ele disse que deveria me ajudar a estabelecer um orfanato para
todos as crianças pobres, sem lar de Jorvik.
— Realmente? Onde?
— Na velha fazenda de Selik.
Ubbi ofegou e se apoiou contra o braço de uma cadeira próxima, como se
suspeitasse que ela estava a ponto de pedir que lhe fizesse algo que não gostaria.
— O amo não vai permitir que ninguém esteja naquela terra. Além disso, a
casa foi incendiada.
— Vamos usar o celeiro. Já tem um novo teto desde ontem, e Gyda e Ella
vão enviar alguns móveis e provisões para lá hoje.
— E milord Selik esteve de acordo com tudo isso? — perguntou ele,
piscando incredulamente.
— Bem, não exatamente.
Ubbi estendeu seu pescoço para cima para conseguir olhar melhor para o
rosto dela, logo gemeu e pôs uma palma aberta sobre seu coração.
— Oh, Senhor, Oh, Senhor, Oh, Senhor. O amo não sabe, não é?
Rain sacudiu a cabeça.
— Vai me ajudar?
— O amo me matará, com certeza — gritou ele, puxando desesperadamente
seus cabelos rebeldes com ambas as mãos. — Tem certeza de que Deus pediu
que eu te ajudasse? Talvez fosse algum outro Ubbi.
Rain sorriu.
— Não, ele expressamente te mencionou. A menos que você negue, é obvio.
— Como posso repudiar um dos próprios anjos de Deus? É uma posição
injusta a que está me colocando, senhora.
Se você ao menos soubesse!
— Há até mais, Ubbi, mas tem que me prometer que até se decidir se vai ou
não me ajudar, não tentará destruir meus planos.
— De... destruir seus planos — ofegou Ubbi. — Como ainda pode pensar
que eu o faria?
— Bem, Ubbi, tenho um artigo muito grande para enviar à granja. Vai me
ajudar a subi-lo em uma carroça e logo até o desvão do celeiro?
— Um grande... O que é? — perguntou ele com receio.
— Venha comigo — disse ela, lhe fazendo gestos para cima. Quando
chegaram ao dormitório, ela retrocedeu e deixou o pequeno homem entrar
primeiro, pondo suas mãos sobre seus ouvidos para amortecer os gritos de
alarme de Ubbi.
— Oh, meu Deus! Oh, sagrado Thor! O amo está morto — chorou Ubbi,
lançando-se ao corpo de Selik, que ainda estava perfeitamente estendido na
cama, inconsciente e gelado.
— Não está morto, Ubbi — assegurou-lhe Rain rapidamente. — Só está
dormindo.
Incrédulo, Ubbi sacudiu os ombros de Selik, em vão.
— O amo está morto, o amo está morto. O que você lhe fez você? Aconteceu
durante a cópula?
— Ubbi! Tenha vergonha! — disse ela, apontando um dedo para seu rosto.
— E Selik só está dormindo, te juro. Eu, bem, dei-lhe algumas ervas para fazê-lo
dormir.
— Por quê? — perguntou ele, erguendo os ombros.
— Para salvá-lo.
Ubbi se deixou cair na borda da cama ao lado de Selik.
— Acho que não quero ouvir isso.
— Agora, Ubbi, lembra quando nos encontramos à primeira vez? Você
estava agradecido então de que Deus me enviasse para salvar Selik.
— Sim, mas…
— E você sabe o quanto é inseguro para ele viajar pelo território saxão,
sobretudo desde que esse desprezível Gravely está lá.
— Sim, mas…
— A raiva que ele tem de Steven o cega aos perigos.
— Sim, mas…
— O ponto fundamental aqui, Ubbi, é que eu realmente, realmente acho
que Selik será assassinado se for atrás de Steven de Gravely agora. Quando falei
com Selik ontem à noite, acho que ele tinha o mesmo pressentimento. E esta é a
verdade honesta de Deus.
Ubbi descansou seus cotovelos em seus joelhos e pôs seu rosto em suas
mãos durante muito tempo. Quando finalmente elevou a vista, sustentou seu
olhar e perguntou:
— Quanto você acha que ele vai dormir?
— Um dia inteiro. Dei-lhe bastante suco de papoula de ópio para derrubar
um elefante.
— Melhor que comecemos, então — disse ele, sacudindo a cabeça com
aversão ante a parte que ele ia tomar no plano dela.

Selik despertou enjoado, uma dor de cabeça terrível, a boca seca, e um


sentimento incômodo em suas mãos e pernas. E ele tinha tanta vontade de
urinar que seu membro doía.
Quando devagar abriu os olhos, percebeu que aquela já era a luz do dia.
Pelo sangue de Deus! Deveria ter ido embora havia muito tempo, já estar na
metade do caminho para Wessex. Como podia ter vadiado tanto tempo na
cama?
Rain! Seus olhos se arregalaram ante a lembrança da ardilosa moça que o
tinha seduzido com seus doces cuidados na noite anterior. Sem dúvida ela
esperava atrasar sua saída permitindo que dormisse tanto.
Começou a se espreguiçar e se levantar quando se deu conta de que não
podia se mover. Olhou para baixo e viu que estava preso a uma cama, pelos pés
e mãos. E o pior, uma mordaça cobria sua boca, o impedindo de falar. Cheirou
profundamente, tentando localizar o aroma que o rodeava. Feno. Estava em um
celeiro, não na casa de Gyda, como tinha pensado a princípio.
Oh, maldito, maldito inferno! Selik apertou os dentes em um grito
silencioso de agonia. Aquele bastardo do Gravely devia ter entrado na casa de
Gyda e tê-lo capturado durante a noite. E sabendo de sua inclinação à
crueldade, sem dúvida devia ter matado todos os outros na casa. Ou tê-los
torturado.
Rain! Selik de repente lembrou que Rain estava na casa com ele. Oh,
querido Deus, se existir, por favor, não a deixe estar nas mãos de Steven. Estaria
melhor morta.
Desesperado, retorceu-se e resistiu contra suas ataduras, em vão. Não
conseguia se liberar das cordas. Fechou os olhos então contra as imagens
atormentadoras que cruzaram sua mente, sabendo muito bem o prazer sádico
que Gravely obteria em torturar uma mulher como Rain.
— Bem, finalmente acordou. Já era hora. Esteve dormindo durante dois
dias.
Os olhos de Selik se abriram de repente quando reconheceu a voz de Rain.
Ela estava retida em algum lugar perto? Mas quando olhou para o lado, viu-a
andar livremente até sua cama. Que inferno estava acontecendo? Lutou outra
vez, mas não conseguia soltar as cordas. Sacudindo o queixo para cima várias
vezes, tentou fazer gestos para que Rain lhe tirasse a mordaça.
Ela se aproximou de sua cama de armar cautelosamente e desatou o tecido
em sua boca.
— Se apresse e me desate antes que Gravely ou suas coortes malditas
voltem.
— Não posso fazê-lo, Selik — disse Rain suavemente, retrocedendo da
cama.
— Por que diabos não?
— Porque não foi Steven de Gravely quem te drogou e te imobilizou.
— Drogar...? —Os olhos de Selik se estreitaram enquanto sua mente
aturdida começava a entender. — A quem, rogo que me diga, devo agradecer
meu cativeiro, então?
— A mim — sussurrou ela.
— Argh! — Selik se moveu repetidamente de cima para baixo na cama,
fazendo a cabeceira tremer, enquanto a palha do colchão voava sobre ele. Mas
quem quer que tivesse prendido suas cordas sabia muito sobre nós. Seus olhos
esfaquearam os assustados de Rain, então, e ele declarou com uma voz de aço
— Você fez, é óbvio que terei que te matar por isso.
— Agora, Selik, uma vez que tenha uma possibilidade de se acalmar, tenho
certeza que entenderá que isso era o melhor — sua voz instável traiu sua
incerteza.
— Onde estão meus homens?
— Ainda em Jorvik.
— Onde eles pensam que estou?
— Gyda lhes disse que foi a Ravenshire, que estará de volta em umas
semanas.
— E quanto planejava me manter aqui? E, a propósito, onde estamos?
— Aproximadamente umas duas semanas, acho. Até que eu saiba com
segurança que Gravely deixou Wessex — disse ela, sentando-se na borda de sua
pequena cama, perto de seus pés. — E você está no desvão do celeiro em…
agora, Selik, não se enfureça quando te disser isso, estamos no celeiro de sua
velha granja.
Selik pôde sentir seus olhos se arregalarem de incredulidade.
— Só fará arrebentar uma veia em sua testa. Te disse isso antes, que deve
tomar cuidado.
Uma intensa fúria obstruiu sua garganta, então ele não conseguiu falar,
mesmo se pudesse encontrar as palavras para expressar sua fúria raivosa.
Comprimiu os olhos, os fechou firmemente e contou repetidas vezes até que
conseguiu manter seu gênio sob controle.
— Que palavras são essas que está sussurrando? — perguntou Rain
casualmente enquanto pegava pedaços da palha de seus braies.
— Conto as formas com que te torturarei quando estiver livre. E quero que
saiba, moça, que tenho a intenção de desfrutar do esporte imensamente.
— Quer dizer, como me castigou me beijando sem parar?
Ele lhe disparou um olhar que esperava que lhe dissesse o quanto
completamente tola ela era ao brincar com ele outra vez assim.
— O único beijo que sentirá será o de minha faca. Primeiro, acho, vou te
esfolar viva, Oh, não totalmente. Eu não desejaria que morresse antes das outras
torturas. Talvez, arrancarei seus cílios depois…
Selik parou de repente, a sua cabeça martelando.
— O que é esse ruído?
Várias vozes estridentes, risonhas chegavam de baixo.
Rain olhou para longe com ar de culpa, e Selik se perguntou que outras
surpresas ela tinha reservado para ele.
— Me diga — exigiu ele.
— São as crianças.
— Que malditas... crianças...? — perguntou ele, espaçando suas palavras
regularmente, tentando controlar sua fragmentada paciência.
— Os órfãos — Rain quase esperou que ele gritasse. Quando ele não disse
nada, só a olhou fixamente incrédulo com as unhas cravadas em sua palmas, ela
continuou. — Decidi que precisaria de uma cortina de fumaça se por acaso os
soldados saxões viessem aqui te procurar; assim, abri um orfanato.
— Me deixe ver se entendo, Rain. Você decidiu que eu não sabia o que era
melhor para meu próprio futuro, então me drogou, transportou-me à fazenda
que pedi que fosse fechada a todos, prendeu-me, e deu as boas-vindas a crianças
em minha propriedade, quando sabe muito bem que detesto a visão dos
bastardos cães vadios.
— Trata-se disso — confessou ela com um sorriso débil.
— E quem, rogo me diga, te ajudou a me trazer aqui, ou me levou em suas
costas como um cavalo?
— Não há nenhuma necessidade de ser irritante. Ubbi me ajudou.
— Ubbi! Agora, volta meu leal amigo contra mim, também.
— Não foi assim, Selik.
— Tenho que urinar — disse ele com abrupta crueldade. — Me solte para
que possa me aliviar.
— Ah, eu deveria ter pensado... — Rain se precipitou rapidamente ao outro
lado do desvão e trouxe um pote de cerâmica para o lado dele, e estava a ponto
de desatar a corda de seus braies.
— Nem pense — advertiu ele glacialmente.
— Agora, Selik, sou uma médica. Faço essas coisas o tempo todo para meus
pacientes.
— Eu prefiro ensopar meus braies como um bebê a ter você atendendo
minhas necessidades. Realmente, você ultrapassa os limites de tudo o que é
correto em uma mulher. E o que tinha planejado para minhas outras...
necessidades?
— Um penico — disse Rain com normalidade. — Fiz um com uma das
velhas panelas de cozinhar de Gyda.
— Um pe... um penico — trovejou Selik. — Se alguma vez se atrever a se
aproximar de mim com isso, juro… me escute, sua fêmea imbecil, farei você se
lamentar por ter nascido.
Ela teve o sentido comum, ao menos, de retroceder ante ele então, sentindo
corretamente que o tinha pressionado além dos limites da tolerância por um dia.
— Ubbi! — gritou ele então e ouviu as risadas e vozes agudas de baixo
cessarem abruptamente. — Ubbi! Traga sua maldita pele aqui! Agora! Tenho
que urinar!
Para Rain, ele disse com uma voz áspera pela irritação:
— Melhor sair de minha vista, moça, já que que só sua visão me faz sentir
vontade de vomitar.
Ela retrocedeu ante suas ásperas palavras, e a dor cintilou por seu rosto,
tornando seus olhos de ouro nebulosos e fazendo seus lábios tremerem, mas
seguiu suas ordens e partiu. Ele não se preocupou. A mulher não o governava, e
não podia esperar que ele estivesse agradecido.
Ele voltou seus olhos para cima, de repente com suspeita.
Esta é sua idéia de uma brincadeira, Deus? Se for, por favor, note, não estou
rindo.
Mas vai.

Selik sentiu que alguém estava aos pés de sua cama, mas manteve os olhos
fechados. Senhor, estava cansado de discutir durante os cinco dias anteriores
com Rain sobre sua libertação. Se ouvisse lhe dizer mais uma vez que o tinha
feito porque o amava, achou que vomitaria. E Ubby — o imbecil — acreditava
que Deus lhe tinha enviado uma mensagem pessoal pedindo um orfanato.
O celeiro estava surpreendentemente tranqüilo, embora não fosse ainda o
meio-dia. Rain, sem dúvida, partira para o hospitium em Jorvik, onde realizava
suas boas ações entre os frades. Hah! Lhe mostraria suas boas ações quando
suas mãos estivessem livres, apostava que ela nunca mais leria seus malditos
manuais médicos. E Ubbi, que tinha estado cuidando de suas necessidades
corporais, com muita humilhação para Selik, teria algumas torções mais em seus
músculos nodosos quando terminasse com ele.
Finalmente, ainda sentindo uma presença no quarto, a curiosidade de Selik
venceu e ele abriu um olho o bastante apenas para ver quem se atrevia a
interromper sua paz, embora fosse pouca. Pelos ossos de Cristo! Aquela era uma
dos órfãos a quem Rain tinha dado as boas-vindas em sua propriedade, a
menina que eles tinham visto fora do hospitium fazia uns dias.
Embora as roupas da garota pendurassem em farrapos de seu fraco corpo,
Rain tinha conseguido de algum jeito banhar a marota de modo que podia ver
até as sardas ponteando seu nariz ridiculamente pequeno. E ela trançara seus
cabelos loiros em um longo rabo que caía por suas costas.
Selik ergueu uma sobrancelha, tentando lembrar o que o tolo irmão da
menina lhes dissera naquele dia. Ah, agora lembrou, algo sobre o comerciante
de escravos, Aslam, querendo os irmãos para algum sultão do Oriente. Sim, em
suas viagens ele tinha ouvido de muitos homens que praticavam tais
perversões. Seria uma vergonha ver aquela menina inocente sujeita a tais coisas,
mas aquilo não lhe concernia. Muitos horrores enchiam o mundo, e ele se opôs a
ser o cruzado que Rain queria que ele fosse, corrigindo todos os males do
mundo.
Avançando pouco a pouco para mais perto, a menina descalça, que não
podia ter mais de quatro anos, contemplou-o com grandes olhos celestiais, com
seu pequeno polegar dentro da boca o tempo todo.
— Vá embora — grunhiu ele, abrindo ambos os olhos.
A menina se sacudiu com surpresa ante sua voz brusca, mas em vez de
escapar com medo, moveu-se ainda para mais perto. O único sinal de seu
nervosismo foi ter começado a chupar ritmicamente seu polegar. A garota subiu
na cama e se sentou perto de sua cintura, contemplando-o com um olhar que só
podia ser de saudades.
Selik fechou os olhos durante um momento, fortificando-se contra o
impacto das emoções que começaram a atacá-lo. Sua pele explodiu em um suor
frio, e seu coração bateu com um doloroso canto fúnebre como sempre fazia
com a proximidade de pequeninos e com a lembrança de tudo o que perdera.
Ele não podia se permitir pensar em seu filho morto e em como Thorkel poderia
ter sido na idade de cada maldita criança que cruzava em seu caminho.
Sentiu uma pequena mão, não maior que sua palma, pressionar suavemente
contra seu peito, e abriu seus olhos de repente com consternação. A imbecil
repugnante ainda tinha seu polegar entre seus lábios que faziam bico, mas
pusera a outra mão sobre seu peito.
— Tome cuidado, idiota, mordo os pequenos cachorrinhos como você.
Mastigo-os ruidosamente e os cuspo para comida de aves — ele obrigou sua voz
a parecer profunda e feroz.
Em vez de retroceder com medo, ela riu tolamente.
Senhor, minha vida está se convertendo num pesadelo. Estou orgulhoso da
minha fama mundial como um guerreiro valente, mas já não posso assustar nem
mesmo um pequeno ácaro irritante.
— Rain! Ubbi! — gritou. — Afastem esta maldita menina repulsiva de mim!
Silenciosamente, a menina se aproximou, colocando sua face em seu peito,
chupando alto agora. Ele se balançou de um lado para outro, tentando fazê-la
cair, mas ela só agarrou sua túnica fortemente em um punho e o agarrou como
se daquilo dependesse sua vida. Ele achou ter ouvido sua risada suave. Sem
dúvida ela pensava que ele brincava com ela.
Finalmente, incapaz de desalojar a pequena sanguessuga, ele olhou
atentamente para baixo e viu seus olhos piscarem sonolentos. Uma vez, antes de
se fecharem completamente, ela sussurrou com adoração:
— Pa — e se aconchegou mais perto.
Sagrado Inferno maldito! A garotinha pensa que sou seu pai.
O aroma de sua pele de bebê envolveu seus sentidos, lhe recordando dias
melhores e tempos mais felizes em sua vida, e Selik sentiu as lágrimas
molharem seus olhos. Piscou rapidamente para conter o fluxo, praguejando
contra Rain outra vez por torturá-lo assim. Ficou tão rígido como uma táboa
durante mais de uma hora enquanto a menina dormia profundamente em seu
peito.
— Adela! Adela! Onde você está?
Os olhos de Selik se abriram de repente. Devia ter adormecido.
Os passos bateram pela escada que conduzia ao desvão, seguido do rosto
imundo do garoto que ele tinha encontrado a um passo da catedral.
— O que está fazendo com minha irmã, sua doninha maldita?
— Adam... — disse a garotinha, despertando devagar de seu sono
profundo. Ela se sentou e olhou fixamente para seu irmão, estendendo seus
braços para ele, então imediatamente pôs na boca o inevitável polegar quando
ele a pegou. Sagrado Thor! O rapaz praticamente cambaleava sob o peso de sua
irmã, que tinha posto suas pernas em torno de sua cintura.
— Se fizer mal a mim irmã, pestilento proscrito, juro…
— Cale-se — espetou Selik, já tendo tido bastante de crianças por um dia. —
Vós dois saiam de minha vista e não voltem.
— Adela, ele tocou suas partes íntimas? — perguntou-lhe Adam, e a
menina sacudiu sua cabeça veementemente de um lado para o outro.
Tocado suas...?
— Faria melhor se tirasse seu corpo asqueroso daqui, seu rato de esgoto —
espetou Selik. — E se alguma vez fizer essa acusação outra vez, juro que vou a…
— O quê? — O pequeno sodomita o desafiou, pondo Adela no chão e se
pavoneando perto da cama como um galo arrogante. Seus cabelos castanhos,
Selik assumiu que eram castanhos sob toda a sujeira, sobressaíam em cinqüenta
direções diferentes, de muitos comprimentos devido ao mau corte. O preço dos
meses de sujeira e crostas cobria seu rosto e braços, e sua túnica e braies estavam
rígidos de gordura e só Deus sabia que outras substâncias. — O que me fará,
preso? Não é um guerreiro tão temível agora, não é, meu bravo cavaleiro?
Selik teria rido se não estivesse tão zangado.
— Se afaste, pequena toupeira maldita.
— Hah! Talvez você gostaria de tentar e fazer, sendo um soldado tão feroz e
tudo mais — ele zombou.
Com seu rosto ardendo de cólera, Selik resistiu contra suas cordas. Matarei
Rain por isso. Juro.
— Nem sempre estarei contido, idiota, e quando estiver livre, melhor que
faça muito tempo que você tenha ido, já que quero deixar sua pele cheia de
bolhas, de forma que não possa se sentar durante uma semana.
Adela puxou a manga de seu irmão, apontando para Selik.
— Pa — disse ela, e Adam bufou com repugnância.
— Esse desprezível proscrito não é seu pai, Adela. Nosso pai era um feroz
soldado, não um indefeso.
— Ubbi! — gritou Selik, pressionado além de seus limites pela boca
grosseira daquele esquálido pretexto de garoto.
Seu leal — não, desleal — criado se apressou a subir a escada tão
rapidamente como suas curtas pernas podiam. Imediatamente fazendo cargo da
situação com as crianças, ele pediu perdão.
— Peço perdão, amo, tive que fazer um monte de pedidos da senhora, e o
trabalho que foi, também, arrastar uma dúzia de jovens atrás de mim, e…
— Uma dúzia? — Selik se engasgou. — Tem uma dúzia de órfãos em meu
celeiro, em minha propriedade, contra meus desejos? Rain disse que havia só
seis.
— Bem, isso foi há dois dias — confessou Ubbi envergonhado. —Cada vez
mais e mais desses pobres pequeninos vêm para cá a cada dia quando ouvem
falar de nosso orfanato.
Selik gemeu, logo pediu:
— Tire esses dois cachorrinhos irritantes daqui. Agora! E se assegure de que
não voltem.
— Sim, amo, tudo o que disser — concordou Ubbi solicitamente,
afugentando os jovens para baixo da escada. Então se voltou para Selik. —
Talvez precise do penico?
— Arghhhh!
— Eu somente perguntei — queixou-se Ubbi enquanto ele, também, descia
a escada.
Rain deliberadamente se afastou de Selik durante os dois dias seguintes,
incapaz de enfrentar suas contínuas ordens de que o liberasse, seguidas de suas
palavras mórbidas sobre todas as coisas diabólicas que tinha a intenção de fazer
a ela qando fosse livre. As emoções conflitantes a rasgavam, a culpa por ter
traído seus desejos ao seqüestrá-lo e um medo persistente por sua segurança.
De forma que agora ela o evitava e deixava Ubbi se encarregar de todas
suas necessidades físicas, inclusive o banho e a alimentação. Às crianças,
ordenou que ficassem embaixo. E as crianças! Oh, Senhor! Seu número só
continuava crescendo e crescendo. Rain sabia que teria que começar a enviar
alguns deles para longe logo, já tendo diminuído o fornecimento de dinheiro
que Gyda e Ella tinham lhe dado. Entrou no hospitium a cada dia para trabalhar,
e os monges, como pagamento, a contragosto lhe passavam bolsas de tecido
cheias de alimentos para seus órfãos. Mas o faziam da maneira menos caridosa,
e muitas vezes, quando Rain chegava em casa, descobria que a carne estava
rançosa e o pão, mofado.
Estava sentada na entrada do celeiro, olhando a brincadeira das crianças,
quando divisou Adam. Devagar, levantou-se e se aproximou da borda da
clareira onde as crianças brincavam de uma forma primitiva de “Seu Rei
mandou Dizer”. O asqueroso Adam a tinha evitado durante dias, resistindo a
tomar banho, e Rain tivera o bastante de sua boca vulgar também. Quando
conseguisse pegá-lo, tinha a intenção de esfregá-lo de dentro para fora.
Adam dava ordens às outras crianças em sua maneira habitual, até àqueles
mais velhos e maiores que ele, quando Rain se colocou atrás dele e agarrou o
desgraçado mau-cheiroso pelas costas da túnica.
— Me deixe ir, sua bruxa maldita — gritou ele.
Rain mudou seu agarre e lhe passou os braços em torno do peito em um
apertão parecido a uma pinça. Mesmo que desse chutes e a chamasse por cada
nome ordinário de seu vocabulário vulgar, não o liberaria.
— Ubbi, consiga para mim sabão e tecidos de linho e lave as roupas para o
pequeno ranhoso sujo.
Aproximando-se do coxo dos cavalos, que tinha se enchido de água de
chuva no dia anterior, deixou Adam cair, logo o manteve sob a água durante
um momento para se assegurar de que seus cabelos oleosos se molhavam. Ele
saiu chispando da água lhe lançando nomes mais asquerosos que um
marinheiro curtido. Ubbi lhe deu um pedaço duro de sabão, e a ajudou a despir
o escorregadio maroto e segurá-lo.
Depois de meia hora que pareceu meio-dia, finalmente liberaram o menino
brilhantemente limpo da água gelada. Ele sacudiu seus cabelos molhados do
rosto, logo pôs as mãos sobre os quadris magros e a fulminou com o olhar,
totalmente não coibido por sua nudez.
Rain e Ubbi ambos contemplaram o pequeno garoto com assombro, se
voltando um para o outro ao mesmo tempo.
— É bonito — sussurrou Rain com surpresa.
— Você é uma chupa-bacalhau, uma lambe-traseiros, sem tetas, feia harpia
como uma cadela — exclamou Adam, empurrando Rain pelo peito — e eu…
— Os soldados saxões estão vindo! Os soldados saxões estão vindo! — uma
das crianças gritou, precipitando-se para eles pelo caminho. — Bjorn os viu de
cima da colina.
Rain e Ubbi trocaram olhares rápidos de consternação, mas então
imediatamente disseram às crianças que seguissem o plano que tinham
praticado repetidas vezes para tal emergência. Adam rapidamente pôs suas
roupas secas e juntou em manada as crianças dentro do celeiro como um
sargento de treinamento, cuspindo ordens a direita e a esquerda, e partiu.
Graças a Deus os homens de Selik e seus cavalos estavam ainda em Jorvik.
Nunca teriam sido capazes de escondê-los.
Rain e Ubbi se precipitaram para cima.
— Selik — gritou Rain quando ela e Ubbi começaram a puxar feixes do feno
perto da cama para cobri-lo. — Os soldados saxões estão vindo — disse ela
ofegante. — Temos que te cobrir enquanto eles estiverem aqui.
— Me solte — exigiu ele.
Quando ela só seguiu amontoando o feno sobre a cama, ele mostrou os
dentes e grunhiu:
— Me solte, maldita seja! Ao menos me dê a dignidade de eu mesmo me
defender se me descobrirem.
Rain vacilou só um momento e olhou para Ubbi, que tirou uma faca da
bainha em seu cinturão e deixou Selik livre.
— Por favor, se deite e nos deixe te cobrir, entretanto, Selik — suplicou
Rain. — Por favor — ele lhe jogou um olhar de desprezo, mas,
surpreendentemente, obedeceu, dizendo a Ubbi:
— Não tente enfrentar esses bastardos. Sobretudo, não quero que tome
medidas extremas para me proteger. Está me entendendo, Ubbi? Não me
importa se tiver uma maldita mensagem do Papa.
Ubbi aquiesceu.
— Volte para baixo, Adela — disse Selik suavemente com um tom irregular
na voz. Ele olhava para trás de Rain.
Rain deu a volta para ver a menina contemplar Selik com olhos grandes,
assustados, seu polegar foi à boca como de costume.
— Tire-a daqui — pediu Selik a Rain, mas a menina gemeu e se precipitou
para frente, com seus braços estendidos para Selik. — Inferno maldito! —
blasfemou Selik, logo levantou Adela. Ela rodeou seus braços fortemente em
torno de seu pescoço, resistindo a ir, mesmo lhe dizendo que estaria a salvo
indo para baixo com Rain e Ubbi.
O ruído dos elmos dos cavalos ressonou no caminho próximo, quase a uma
jarda, e Selik repetiu:
— Inferno Maldito! — rendeu-se, deitou-se no cama de armar com Adela
estendida em seu peito, seu rosto cravado em seu pescoço. Rain e Ubbi
rapidamente jogaram o resto do feno sobre a cama de armar, tomando cuidado
de pô-la solta sobre seus rostos.
Quando os soldados assaltaram o celeiro pouco tempo mais tarde, todos as
crianças estavam sentadas à uma mesa de cavalete longa comendo bolos de
aveia e pão de centeio. Aquele patife de Adam fazia um trabalho excelente
conseguindo que os jovens obedecessem suas ordens.
Os soldados que pareciam ferozes, vestidos para a batalha, com as espadas
sacadas, fizeram uma parada abrupta na entrada do celeiro. Pelo visto, não
tinham esperado uma cena tão doméstica.
O comandante, um homem grisalho, ruivo, andou para frente.
— Onde está ele?
— Quem? — perguntou Rain cortesmente.
— Selik. O Proscrito. Quem mais? — espetou ele, vindo mais perto. — Esta
é sua propriedade, verdade?
Rain deu de ombros.
— Não conheço ninguém com esse nome. O celeiro estava abandonado, e
todos esses órfãos sem lar não tinham nenhum lugar para ir, então...
— Eles são nada mais que dinamarqueses pagãos sem valor — cuspiu ele
no chão recém varrido aos pés de Rain, e ela mordeu o interior de seu lábio para
evitar dar ao folgazão um pedaço de sua mente. — Quem é você? — perguntou
ele de modo ameaçador, andando mais perto e agarrando a frente de sua túnica
com um puxão de modo que ela tropeçou e caiu contra seu peito de barril.
Rain o empurrou com força, apartando-o de sua presa.
— Sou Rain Jordan, e você não tem nenhum direito de irromper em nossa
casa dessa maneira.
O soldado, então, lhe deu uma pancada com o reverso da mão no rosto com
força. Seu lábio se cortou e seu nariz começou a sangrar. Atordoada, Rain pôs
uma mão em sua boca machucada. Ninguém jamais, em toda sua vida, tinha
batido nela. Mas tentou conseguir controlar seu gênio quando viu as crianças
erguerem o olhar para ela com medo. E o tolo de Adam parecia que ia
apunhalar o soldado com sua pequena faca. Por sorte, Ubbi viu Adam ao
mesmo tempo e o obrigou a se sentar.
— Procurem! — pediu o líder aos soldados, e com a indiferença dissoluta
pela pobre propriedade, começaram a derrubar os baús e barris no celeiro. A
farinha se derramou no chão sujo. Um montão de roupas foi rasgada em
fragmentos pela espada de um soldado. Dois pares de sapatos de couro das
crianças foram lançados ao fogo da lareira. Enquanto alguns homens foram para
fora procurar nos bosques, um soldado jovem subiu a escada para o desvão.
Rain forçou seus olhos a baixarem, com medo de olhar Ubbi se por acaso
seu medo se mostrasse em seus olhos. Por favor, Deus, eu te peço. Por favor,
não deixe os soldados machucarem Selik. Por favor. Ela ouviu um som de
tamborilar e elevou a vista. O soldado jovem baixou a escada, coçando suas
axilas indolentemente.
— Nada no desvão exceto um montão de feno mofado.
— Poderíamos usá-lo para nossos cavalos? — perguntou o líder, e as
pontadas de medo voltaram para a pele gelada de Rain.
— Não. Cheira como se estivesse aqui há anos. Sem dúvida daria cãibras no
estômago dos cavalos — o soldado jovem bocejou extensamente com
aborrecimento, e Rain sabia que o preguiçoso jovem não queria ter que recolher
o feno do desvão para seus colegas.
O comandante se elevou sobre Rain outra vez e a agarrou por ambos os
braços, levantando-a nas pontas dos pés. Ela mal se conteve de cuspir no rosto
dele, mas seu desprezo devia ter se mostrado em seu rosto porque o homem
corpulento pressionou com força. Rain sentiu como se seus braços fossem se
quebrar, e não pôde impedir que as lágrimas enchessem seus olhos ante a
intensa dor.
— Preste bem atenção, moça. Meu nome é Oswald. Eu estarei nos quartéis
militares em Jorvik. Se ouvir algo acerca do Proscrito, deve se pôr em contato
comigo imediatamente. O rei Athelstan quer a cabeça do bastardo em uma
bandeja, e tenho a intenção de entregá-la — com essas palavras, ele a empurrou
com força e ela caiu no chão.
Rain ficou onde estava. As crianças e Ubbi congelaram no lugar também até
que o ruído dos cavalos dos soldados se desvaneceu. Finalmente, Rain ficou em
pé e olhou em tornou, para a confusão. E entendeu como Gyda se sentiu ante a
destruição de sua casa. Todos estavam seguros, e era a coisa mais importante.
Ela olhou, então, seus braços nus pela túnica de mangas curtas. Os sinais de
dedos arroxeadas marcavam sua carne branca praticamente dos cotovelos aos
ombros.
O silêncio começou a se romper, então, quando uma primeira criança, logo
outra, começaram a gemer e gritar. Rain ouviu outro ruído. Passos. Olhou para
a escada para ver Selik surgir do desvão com a menina embalada em um braço,
as fibras de palha os cobriam da cabeça à ponta dos pés.
— Adela! — gritou Adam com alívio e se aproximou para tomar a sua irmã
de Selik, abraçando-a carinhosamente e lhe falando suavemente.
Os olhos despertos de Selik exploraram o quarto.
— Todos estão a salvo? — perguntou a Ubbi, que aquiesceu.
Ele voltou os olhos zangados para Rain então, e, pela primeira vez, Rain se
deu conta da implicação da presença de Selik no nível inferior do celeiro. Ao
libertá-lo para se defender contra os saxões, também o tinha libertado para
inflingir sua vingança contra ela pelo seqüestro. Ela tinha pensado que teria
mais tempo para pacificá-lo, para convencê-lo de seu amor, para fazê-lo
perceber que o que tinha feito era pelo próprio bem dele.
— Rain — disse Selik com uma voz sedosa que gotejava ameaça. — Venha
aqui — dobrou um dedo, lhe fazendo gestos para ele, mas o olhar de Rain
estava cravado no desprezo de seus olhos cinza de aço.
Ela retrocedeu um passo.
Selik avançou um passo.
— Selik, por favor, entenda... — Rain sentiu atrás dela a porta do celeiro e
abriu caminho através da abertura.
— Oh, entendo, moça — zombou ele, espreitando-a com uma intensidade
selvagem.
Ela se perguntou naquele momento se seu maior perigo estava com os
soldados saxões ou Selik enfurecido. Decidiu não correr nenhum risco.
— Oh, infernos! — exclamou Rain, e deu a volta para correr aos bosques e à
segurança.

Capítulo 15

Rain correu tão rápido como pôde para o bosque, mas se viu impedida pelo
crescente vento, que arranhava as contusões que tinha sobre o rosto e braços. E
também doía seu quadril onde se batera quando o comandante saxão a lançou
ao chão.
— Isto é ridículo — murmurou, pensando que estava de novo ao ponto de
partida de sua viagem no tempo. No primeiro dia que ela “chegou” à Grã-
Bretanha medieval, tinha fugido do brutal bárbaro Selik. Agora escapava de
Selik, o homem que amava.
Ela parou de repente e deu a volta. Selik parou em seco diante dela.
— Se decida, moça. Corre de mim, ou para mim?
Rain não vacilou.
— Para você.
De repente aflita por sua milagrosa escapada dos soldados saxões e a
ansiedade de saber Selik preso durante a semana passada, lhe passou os braços
em torno do pescoço, abraçando-o calorosamente.
— Ah, Selik, agradeço a Deus que esteja a salvo — ficando nas pontas dos
pés, beijou-lhe o pescoço, o queixo e seus firmes lábios.
Quase imediatamente percebeu que ele estava em pé com as mãos nos
lados, rigidamente insensível.
— Não pense que me influenciará com seus sedutores truques. Nunca te
perdoarei, Rain. Nunca.
Ela se retirou levemente, sentindo um pressentimento, ao olhar seu rosto.
Como lanças de aço cinza, os olhos de Selik a apunhalaram com fúria, e sua
mandíbula saiu para fora com a raiva mal controlada.
— Selik, me deixe te explicar. Sei que está zangado, mas…
— Zangado! Senhora, isso não é um nome para a fúria que sinto por você.
Mas se inteire disso, zangado é uma atenuação muito lamentável — seus olhos
se arregalaram levemente quando exploraram seu rosto. — Você está
sangrando.
Rain passou a ponta de um dedo pela face e sentiu os cós do dedo em seu
rosto e uma dor perto do nariz.
— Um soldado me bateu. Isso é somente uma hemorragia nasal, acho.
Selik aspirou fôlego levemente, a única indicação de que se preocupava de
uma maneira ou outra por lhe terem feito mal. Seus olhos cinzas ainda a
olhavam com um desprezo absoluto.
Ele nunca me perdoará agora, concluiu Rain tristemente.
—Venha — ele lhe ordenou com voz gelada. — Tratarei com você e seus
traidores atos lá dentro — ele agarrou seu braço e começou a puxá-la para o
celeiro.
— Não! — gritou Rain. Flechas de tormentosa dor que iam do pescoço aos
dedos se cravavam nela pelo seu apertão de ferro sobre o machucado na pele de
seu braço.
— O que foi? — perguntou ele, sua testa se franziu pela confusão. Deixou
cair sua mão quando viu as púrpuras contusões sobre ambos os braços.
— Ah, infernos — disse ele monotonamente quando seus ombros caíram.
Rain não podia parar as lágrimas que caíam de seus olhos ao transbordar a
intensa dor que sentia, tanto em seus braços como em seu coração ante o óbvio
ódio de Selik por ela.
Seus compridos cabelos loiros flutuaram sobre seus ombros e fibras de
palha flutuaram em cima de sua túnica, mas ele olhava fixamente seus braços
com uma ilegível expressão em seu rosto. Levantando um braço, ele remontou
os escuros hematomas com seu indicador, suave como uma pluma, como se
quisesse apagar sua dor. De repente a suave expressão de seu rosto mudou para
a mais absoluta perplexidade.
— O que é isso? — perguntou ele, indicando a pequena cicatriz situada
perto da parte anterior de seu cotovelo.
— Um implante contraceptivo.
— Um o quê?
— Implante contraceptivo. Fiz isso faz dois anos quando pensei que ia me
relacionar com um homem, mas então... não aconteceu — disse ela com um dar
de ombros, apartando seu braço dele.
— Exatamente o que faz um implante contraceptivo?
— Impede a concepção — Selik realmente falava sobre contracepção
quando tudo no que ela podia pensar era em seu mundo se quebrando como
cristal fino pelo seu destrutivo desprezo?
— Perdão?
— Isso é um dispositivo para contracepção. Sei que parece difícil de
acreditar... Podemos falar disso em outro momento? Não quero fazê-lo agora.
— E por que não compartilhou essa maravilhosa informação comigo antes?
Surpreendida ante o sarcasmo que gotejava de sua voz, Rain respondeu
sinceramente:
— Nunca perguntou.
Selik fez um som que gorjeou sob seu fôlego.
— E quanto tempo faz que tem esses… essas implantações?
— Aproximadamente cinco anos.
Selik então riu amplamente.
E Rain tremeu porque sua risada não tinha rastro algum de seu calor
habitual ou afeto. Aquela era uma risada perigosa, uma risada mortal, a de um
predador sexual.
A confusão caiu sobre Rain.
— Selik, por que evitou fazer amor comigo? Me disse que era porque os
guerreiros tinham que economizar suas forças antes de uma batalha.
Ele tomou seu braço agora com mais cuidado.
— Venha, Rain. Temos um longo negócio atrasado para resolver, e já não
pode esperar outro momento.
Quando entraram no celeiro, Rain viu que Ubbi já tinha as crianças
trabalhando com aplicação, limpando a confusão feita pelos soldados. As
crianças olharam para ela e Selik com curiosidade, e outros com medo nos olhos
pela segurança dela.
— Ubbi, junte esses ratos cheios de insetos da rua e leve-os a casa de Gyda
em Jorvik.
— Por quanto tempo? — Perguntou Ubbi, não se incomodando em
perguntar por que.
— Até que eu mande dizer que podem voltar para minha casa.
— Mas e o que acontece se Gyda protestar?
— Isso não me preocupa. Assumo que Gyda já tem muito por fazer com
meu seqüestro. Deixe a sua inteligência um modo de tratar com os resultados.
Ubbi se encolheu para trás ante a cólera na voz de Selik.
— Sim, melhor que se jogue longe de mim, meu traidor amigo. Me traiu
ajudando meu inimigo — disse ele, agitando uma mão para Rain. — Falaremos
mais tarde.
— Eu... traidor? Ah, nunca pense isso de mim, amo. Fiz só o que Deus
mandou que fizesse por seu próprio bem.
Selik deu um passo se aproximando, apontando um dedo de maneira
ameaçadora ao rosto pálido de Ubbi.
— Bem, aqui está outra mensagem para você, Ubbi. Vá para o inferno,
longe de minha presença, antes que eu retorça seu fraco pescoço.
Ubbi saltou para trás e começou a guiar as crianças para a porta,
impulsionando-as a juntar seus pertences para uma longa visita.
Os despertos olhos de Selik exploravam o grande espaço e notaram Adam,
que deslizava de uma maneira clandestina para a saída. Lançou-se para ele
antes que pudesse escapar, agarrando-o pelo cinturão e levantando seu pequeno
corpo, dando chutes e se retorcendo, no ar.
— Você é o tolo mosquito que zombava de mim com asquerosas palavras
quando estava preso?
— Não — mentiu Adam com audácia, tentando perfurar os ombros de Selik
com seus braços. — Está me confundindo com outro. Eu apenas sou um garoto
necessitado, sem mãe para cuidar de mim e de minha pobre irmã.
— Necessitado! Hah! Talvez seja necessitado desde o dia que saiu berrando
do útero de sua mãe — ele se sentou em um banco então e pôs Adam sobre seu
colo. Rápido como um relâmpago, bateu em seu traseiro, logo o pôs no chão
diante dele, segurando-o firmemente pelos ombros.
Adam cuspiu em seu rosto.
Os olhos de Selik se arregalaram incrédulos, e sacudiu sua cabeça ante o
atrevido garoto.
— Seu orgulho faz de você um idiota, garoto. Melhor aprender a escolher
suas batalhas mais sabiamente.
Seus lábios se franziram com gravidade, e puxou Adam ao seu regaço e lhe
bateu outras cinco vezes, dessa vez um pouco mais duro. Quando o rapaz ficou
em pé ante ele essa vez, as lágrimas enchiam seus olhos e seus obstinados lábios
tremiam. Conhecendo Adam, seu orgulho doía mais que seu traseiro.
— Está me entendendo agora? — exigiu Selik.
Adam pareceu pensar em se rebelar outra vez, mas finalmente aquiesceu.
— Vá com Ubbi agora e cuide das outras crianças — disse ele empurrande
Adam ao grupo que tinha os olhos muito abertos. — Ubbi precisa de alguém
valente para ajudá-lo.
A princípio, Adam somente olhou para Selik. Quando por fim
compreendeu o elogio, sorriu abertamente com um ar travesso e correu para
seus companheiros órfãos gritando ordens.
Selik fechou a porta atrás deles e se voltou para Rain.
— Suba ao desvão.
Rain explorou o inexpressivo rosto de Selik, tentando entender suas
intenções, esperando algum gesto de abrandamento para ela. Não havia
nenhum.
Com resignação, ela subiu a escada do desvão. Ouviu Selik, que se movia
de um lado para o outro embaixo. Insegura ante o que ele queria que fizesse,
decidiu reunir o feno que ela e Ubbi tinham jogado sobre a cama para cobrir
Selik e Adela. Quando terminou, sentou-se sobre as peles de cama e esperou. O
que lhe faria? Como executaria sua vingança por seu seqüestro?
Muito logo, conseguiu a resposta.
— Se dispa — ordenou Selik quando subiu a escada do desvão.
— Por quê?
— Não me desafie mais, moça. Faz como digo. Agora.
Rain a contragosto tirou a longa túnica de bezerro e as calças que usava
embaixo. Ela vacilou em tirar o sutiã e a calcinha.
— Tudo — bramou ele.
Quando ela estava em pé nua ante ele, a cabeça baixa ante a vergonha,
começou a tirar o colar de âmbar.
— Fique com as contas — disse ele bruscamente.
Sua cabeça se ergueu rápida, mas ele já dera a volta longe dela. Por cima de
seu ombro, instruiu-a:
— Deite-se sobre a cama.
Com temor, Rain fez o que ordenava. Ele andou para a plataforma devagar,
seus olhos percorreram cada polegada de seu corpo desde seus dedos dos pés a
seus compridos cabelos, que tinham se soltado da trança e caíam sobre seus
ombros. Quando ele pegou as cordas, ainda atadas às colunas da cama, Rain
soube o que ele ia fazer.
— Não, Selik, por favor, não faça isso. Eu tinha boas razões para minhas
ações. Só quis te manter a salvo.
Ele não fez caso de suas súplicas e a escancarou sobre a cama, atando-a bem
aos quatro cantos. Sentando sobre a borda da cama, olhou-a com desprezo,
perguntando com fingida consideração:
— Quer usar o penico?
O rosto de Rain ardeu e ela piscou contendo as lágrimas ardentes que
surgiam em seus olhos.
— Isso é degradante.
— Sim, é — ele concordou com frieza. — Sobre isso, ao menos,
concordamos.
Ele começou a se afastar dela, então, e Rain o chamou se dando conta que
tinha toda a intenção de abandoná-la sozinha:
— Selik, estou com frio — o vento se elevou e se escutavam trovões à
distância, pressagiando a vinda de uma tormenta.
— Não será por muito tempo — informou-a sardonicamente, mas então
lançou uma capa sobre ela, o lado de pele contra sua pele. Com cuidado,
assegurou-se de que a cobria dos dedos dos pés aos ombros. — Descanse, anjo.
Vai precisar.
Selik ficou longe tanto tempo que eventualmente Rain cochilou. Quando
despertou, sentiu a frieza do vento, a tormenta rabiava forte lá fora, a chuva
golpeava contra as táboas do celeiro. Embora fosse apenas a última hora da
tarde, o interior do desvão estava escuro e sombrio. Ou estaria, se não fora por
uma dúzia de velas que iluminavam intensamente em volta de sua cama.
E ela estava nua, a manta tinha sido lançada à parte.
Seus olhos se abriram exageradamente, procurando Selik. Ele estava
sentado em um tamborete perto da borda do círculo de velas, suas longas
pernas estendidas casualmente, cruzadas nos tornozelos, e seus braços cruzados
sobre o peito. Olhou-a como um abutre, mas as sombras ocultavam as
expressões de seu rosto.
— Me diga — disse ele com uma voz impessoal quando comprovou que
estava acordada — o que te incitou a trair minha confiança?
Rain estremeceu dolorida ante sua condenação, mas considerou
francamente.
— Nunca te traí, Selik. Eu tentava te proteger — continuou lhe explicando
tudo o que Gyda e Ella disseram e por que se sentiu obrigada a tomar tais
drásticas ações. — Irá atrás de Steven agora? Irá às terras de Gravely em
Wessex?
Ele sacudiu a cabeça devagar de um lado para o outro.
— Não. Enquanto você dormia, consegui a palavra de meus homens em
Jorvik, os que ainda são leais a mim. Steven foi visto subindo um navio em
Londres.
Ela suspirou aliviada.
— Não pense que me deteve com seus atos traidores. Só me atrasou. Ainda
irei atrás de Steven.
— Selik, por favor tente entender. Eu te amo. Tive medo.
— Não — interrompeu-a ele. — O amor não seqüestra o amante. Realmente
me considera um guerreiro tão fraco que não possa me defender contra um
fraco tão diabólico como Steven de Gravely?
— Esse não é o ponto. Gyda me disse…
— Desista de lançar a culpa na outra. Você e só você, tomou a decisão de
me drogar e me refrear. Você decidiu brincar de homem e determinar meu
destino. Como me desafiou? Como?
— Sinto muito — disse ela fracamente.
— E não pense em me abrandar com lágrimas. Te asseguro que não o farão.
Mas Rain chorou de qualquer maneira, a união das lágrimas transbordou
em correntes silenciosas descendo por seu rosto, queimaram-na quando tocaram
as orlas de seu nariz machucado. Ela sabia que devia apresentar um aspecto
lamentável. Um lado de seu rosto provavelmente estava todo vermelho, e seu
nariz torto. Ah, Senhor, aquela era a menor parte de seus problemas. Selik se
moveu silenciosamente para a cama e se sentou. Inclinou-se para o chão e pegou
um pequeno pote de cerâmica. Molhando seus dedos dentro, começou a aplicar
o mau-cheiroso ungüento sobre as contusões de seus braços. Quase
imediatamente, Rain sentiu que a dor remetia e logo desaparecia.
— O que é isso?
—Linimento de cavalo.
Rain se sufocou quando inalou o cruel aroma, mas cheirava igual ao queijo
limburger.
— É uma receita especial de Ubbi — disse ele com uma risada severa,
reconhecendo seu desconforto e, sem dúvida, achando prazer naquilo. — O
aroma desaparece quase imediatamente.
Usou um pano molhado de linho para limpar o sangue, os rasgões e as
lágrimas de seu rosto, logo aplicou o mesmo linimento às feridas em sua face.
Ela achou que podia desmaiar pelo desagradável mau-cheiro tão perto de suas
narinas.
— Sabe o nome do soldado saxão que te fez isso? — perguntou ele com voz
rígida.
— Ele disse que seu nome era Oswald, o líder de uma guarnição saxã
recém-atribuída a Jorvik, acho.
— Não viverá para celebrar outro Natal — proclamou Selik com um
objetivo mortal enquanto deixava o pote de cerâmica no chão e limpava o
linimento de seus dedos com um pano de linho.
Então a surpreendeu desatando as cordas que a retinham, lhe ordenando:
— Vá se lavar — disse, lhe indicando um canto onde uma jarra de água
estava sobre um quadrado de feno. — E se alivie se precisar, também —
acrescentou com seco humor. — Acho o ato de segurar um penico até mais
degradante que usá-lo.
Rain se sentiu abatida ante o aborrecimento gelado de sua voz, mas se
apressou rapidamente para frente das velas para ir ao canto escuro, frio.
Quando terminou, voltou para a cabeceira. Selik ainda estava sentado sobre a
cama, sua expressão sombria destacada pelo tremeluzir das velas.
— Sente-se — disse ele, indicando seu colo.
O coração de Rain se lançou a um rápido galope, mas ela não fez perguntas
a respeito de sua ordem.
— Não, assim não — disse ele, girando-a para sentá-la montada em seu
colo.
Rain se sentiu exposta e vulnerável, sentada em tal posição, nua, enquanto
Selik estava totalmente vestido com a túnica, as calças e as botas de couro. Ela
abaixou a cabeça pela vergonha, logo ofegou quando sentiu que o frio ar
golpeava as dobras internas de seu corpo quando Selik abriu suas pernas.
Selik sorriu abertamente, quase como se não pudesse ajudá-la. Então ele
remontou a cicatriz do interior de seu cotovelo.
— Devia ter me dito que não podia ficar grávida.
— Não pensei que fosse importante.
— Por que acha que me abstive de penetrar seu corpo durante aquele
combate ridículo de beijos que durou uma hora?
Rain saltou surpresa, procurando seus olhos.
— Acreditei no que me disse a respeito de que o sexo debilita os soldados
antes de uma luta. E porque... porque pensei que não me achava o bastante
atraente.
Selik inalou bruscamente e ela sentiu sua ereção crescer e se endurecer
contra seu centro.
— Estas louca?
Rain sorriu provisoriamente, pela primeira vez começando a pensar que
Selik não a castigaria fisicamente, ao menos não dos tortuosos modos que
imaginara.
— Acha que sou atraente?
— Você é uma bruxa. Nem pense que pode se fazer passar por um anjo. Eu
vejo o brilho diabólico da sedução em seus olhos de mel. Acha que me distrairá
de minha cólera com suas artimanhas sensuais — bruscamente, ele pressionou
sua feminilidade contra sua furiosa ereção. — Durante semanas, fantasiei sobre
todas as coisas que eu gostaria de fazer a seu corpo, mas não podia fazer devido
às tolices que disse a respeito das gotas de sêmen.
Rain riu, mas sua risada logo se apagou quando ele mencionou algumas de
suas fantasias em abafados sussurros enquanto a ponta de seu dedo ainda
remontava círculos eróticos em torno da cicatriz de seu braço. Rain ficou
impressionada pela criatividade de sua mente. Quando ele levantou seu braço e
passou a ponta de sua língua úmida pela cicatriz, Rain sentiu como um poço de
umidade, quente e fundida, se criava entre suas pernas. Ela apertou suas coxas
resistindo.
Os olhos de Selik brilharam. Ele sabia o que lhe fazia. Ah, sim, ele sabia. E
desfrutava disso.
— Selik — sussurrou ela em uma súplica rouca — tire a roupa, você
também.
— Não, essa é uma viagem que tenho a intenção de começar totalmente
vestido.
— Uma viagem?
— Sim, vamos em uma aventura Viking, a uma exploração —embora a
cólera e o dano de sua traição ainda retesavam seu rosto, Rain percebeu o brilho
travesso de seus olhos.
— Que tipo de exploração? O que procuramos?
— Seu Ponto G.
— Ah, Selik — ela riu. — Isso não é necessário.
— Sim, é — divergiu ele. — E até poderia te mostrar o Ponto S secreto se for
capaz de apaziguar minha cólera por você.
— Ponto S? — perguntou Rain com receio, não tinha certeza de se ele estava
brincando.
— Sim, não me diga que há algo que suas famosas exportações sexuais com
esses malditos manuais não sabem.
Rain caiu para trás se engasgando de riso.
— Expertos — corrigiu ela — não exportações.
Ele agitou uma mão com desdém.
— Isso não tem nenhuma importância. A verdade é que primeiro os sultões
descobriram o Ponto S secreto em seus haréns. Uns invasores Vikings
aprenderam o segredo e aperfeiçoaram a arte. Sem dúvida, a informação nunca
alcançou seu país...
Os lábios de Selik se distenderam em um sorriso. Rain não tinha certeza de
se ele falava a sério ou não. Não se importou. Naquele momento, tudo o que lhe
importava era Selik e o amor que ela sentia por ele.
Selik passou suas mãos por seus joelhos, perto de seus quadris, e correu
seus calosos dedos em uma lenta varredura por suas coxas.
— Por que suas pernas estão tão ásperas?
— Porque não me depilo há semanas.
— Ah, sim, as pernas depiladas, sua mãe mencionou.
— Sabe muito bem que estou um pouco farta de ouvir todas as coisas
vergonhosas que minha mãe disse e fez.
— Bem, talvez possa depilar as pernas mais tarde com minha faca. Está
muito afiada e é com o que estou acostumado a barbear meu rosto. Certamente,
te observarei para que faça corretamente.
— Ah, Selik, eu o…
— Não — deteve-a bruscamente. — Já provou ser de pouca confiança. Não
me lance suas mentirosas palavras. Além disso, não é isso o que quero de você.
Suas palmas abertas se moveram então sobre seus quadris, pela frente da
curva de sua cintura, sobre seu busto. Quando seus polegares se estenderam e
roçaram a parte inferior de seus seios, ela suspirou.
— Assim, não? — perguntou ele com uma sorrisinho. — E como sente isso?
As palmas de suas mãos levantaram o peso de seus seios cheios e a
sensação de seus dedos sobre eles, tocando por toda parte exceto onde ela mais
queria ser tocada. Então, por um só instante, seus dedos beliscaram seus
mamilos para frente e para trás.
Intenso, o tiro de prazer erótico de seus seios tinha alcançado o centro de
sua dor, e ela fechou com força as pernas mais apertadas.
— Mais — suplicou em um sussurro rouco. Mas Selik retirou as mãos de
seus seios e as colocou sobre suas costas. Puxando-a para ele, ajustou-a de modo
que sua fenda montasse sobre seu pênis erguido. Então suas mãos se moveram
para cima, misturando-se em seus cabelos, segurando seus cabelos em um firme
apertão.
Ela o olhou com olhos ardentes e pediu:
— Me beije. Por favor.
— Pensei que nunca me pediria — disse ele com voz crua quando baixou
seus lábios aos dela. Ele angulou sua boca aberta sobre a dela, então, sem
nenhum suave preliminar, inundou sua língua em sua boca, chamuscando-a.
Ela sentiu um poço quente líquido em seu centro, explodindo e se abrindo.
Lentamente, ela o montou com impulsos desiguais de seus quadris até sentir
seus eletrificantes espasmos de prazer por ela. Ela tentou lhe dizer que queria
tudo dele, mas não podia falar por causa da sua língua quente, que imitava os
movimentos de seus quadris na bainha lisa de sua boca. Suas mãos seguravam
seus seios, acariciando de um lado para o outro seus mamilos, esfregando-se
abrasivamente contra a lã de sua túnica.
Ela gemeu, logo explodiu em um milhão de faíscas, maravilhosas faíscas do
prazer mais intenso que jamais experimentou em toda sua vida.
E ela queria mais.
Durante um momento, ela descansou sua cabeça contra o ombro de Selik.
Ela sabia que ele não tinha culminado. Ainda sentia sua dureza apertando-se
contra ela e pelo ofego de seu fôlego perto de seu ouvido, seu controle de ferro
estava se desvanecendo.
Rapidamente, antes que ele pudesse protestar, Rain se separou dele e
deslizou de seu colo, para ajoelhar-se entre suas pernas. Ela começou a abrir o
broche de seu cinturão, logo ergueu sua túnica para cima, impulsionando-o com
silenciosos movimentos a se levantar ligeiramente para acomodá-la.
Ela não pôde parar de tocá-lo então. Passou sua palmas abertas sobre os
escuros pêlos loiros de seu peito, ao longo de seus amplos ombros, pelos seus
planos mamilos masculinos. Sentiu os estremecimentos que percorriam seu
corpo tenso e ergueu a vista. Seus formosos olhos cinzentos tinham o olhar
ausente da paixão, e a brancura de sua cicatriz se destacava cruamente contra
sua pele avermelhada.
— Eu te amo.
Ele pôs uma mão sobre seus lábios e sacudiu a cabeça. Não queria suas
proclamações de amor. Bem, pois as daria de qualquer maneira, mas sem
palavras, com seu corpo.
Este é meu bem amado. As palavras Bíblicas sacudiram Rain dentro de sua
cabeça.
Ela não tinha certeza se eram seus próprios pensamentos, ou Deus que
falava por ela, mas pareceram descrever seus sentimentos completamente. E um
sentido maravilhoso de plenitude a alcançou.
Tirou as botas dele e desatou a corda de seus tornozelos, atirando-a para
longe de suas pernas. Quando ele ficou totalmente nu, seu olhar o varreu com
amor.
— Você é tão formoso. Tira o meu fôlego.
Ele riu, e Rain se sentiu reconfortada.
— Não sou, mas se te agrada, pode pensar assim.
Ela se inclinou para baixo, então, e posou seus lábios, com amor. Ele ofegou,
afastando-a rapidamente.
— Não, doce bruxa, não vai terminar esse jogo de amor antes que tenha
começado.
Ele a levantou, então seus seios ficaram ao mesmo nível de seu rosto e
começou a lhes dedicar uma deliciosa comemoração, os lambia de maneira
estalada com sua língua, logo tomou seus mamilos entre seus molhados lábios e
chupou.
— Ah... ah... ah—hh!
— Sou muito rude? Paro?
— Não se atreva — disse ela entrecortadamente.
Selik tornou à cama, então, arrastando-a com ele, não podia esperar. Ela se
sentou montada sobre ele e dirigiu sua rígida ereção para seu corpo, que deu as
boas-vindas ao seu com suaves e fechados espasmos.
— Inferno maldito, maldito! — gemeu ele. — É muito cedo. Você está tão
apertada... Não, não se mova. Ainda não. Quero saborear este momento tanto
quanto seja possível... sempre.
— Selik...?
Ele baixou os olhos preguiçosamente, expondo a profundidade de seu ardor
no fundo dos olhos cinzas que quase pareceram formar redemoinhos de
necessidade, e uma boca entreaberta pela paixão.
— O quê? — sussurrou ele densamente.
— Eu te amo — disse ela, apesar de suas ordens ao contrário, e levantou seu
corpo sobre seu membro, então devagar se afundou, tornando-se para trás.
— Não — protestou ele, mas pôs suas mãos em seus quadris para regular
seu ritmo.
— Eu te amo — repetiu ela contra seus lábios separados e tentou lhe fazer
chegar a intensidade daquele amor, com o carinho de seus beijos.
— Não, o que eu mais gosto é me sentir dentro de você.
Rain riu triunfantemente.
— Sim, isso também.
Ela apenas riu, ofegava ante seus impulsos cruelmente lentos.
— O que mais você gosta? — sussurrou quando acariciou os mamilos de
seus seios com as pontas dos dedos.
— Eu gosto disso — disse ela, ofegando. — E disso também — acrescentou
ela quando ele tomou um seio em sua boca e roçou seu mamilo com as bordas
de seus dentes. Ela arqueou as costas, puxando sua cabeça, e começou a emitir
um gemido baixo como a tormenta que se rebelava entre suas pernas, fazendo
com que sua cabeça desse voltas sem controle.
Colocando seu dedo do meio contra o broto pulsante, Selik percorreu seus
lábios para cima e para baixo até que ela gritou:
— Não posso... Não posso... ah, Deus, pare... não, não quero parar...
Quero...
Ele a atirou à cama, ainda dentro dela, e fez subir seus tornozelos e cruzá-
los sobre suas costas. Então a atormentou puxando para fora de seu corpo até
que a ponta de sua ereção ficasse embutida contra sua dobra mais sensível. Ela
tentou se mover contra ele, puxá-lo de volta para dentro dela, mas ele não
permitiu.
— Me diga que é o que quer — exigiu ele com voz tão rouca pela paixão
que ela mal pôde entender as palavras. Rain podia ver que ele estava tão tenso
quanto ela, mas de qualquer maneira ele a atormentou, retendo-se.
— Eu te amo, e quero que me ame, também — disse ela, expressando seu
mas fervoroso desejo.
Rain viu a surpresa refletida em seu rosto. Aquelas não eram as palavras
que ele tinha esperado. Mas ele fechou os olhos, como se a negando, e se
empurrou de repente dentro dela.
— Eu te amo! — gritou ela, e a cada um dos maravilhosos impulsos que o
introduziam em seu corpo, ela repetiu as palavras, várias vezes. — Te amo, te
amo, te amo, te amo, te amo, te amo, te amo, te amo, te amo, te amo, te amo!
As veias se destacaram no pescoço de Selik quando se incrustou nela uma
vez mais chegando quase ao útero, e gritando sua própria explosão culminante
de prazer, antes que ela se unisse a ele em um rompimento catastrófico dos
sentidos, convulsionando-se e convulsionando e convulsionando em torno dele,
até que finalmente se quebrou em pequenas contrações.
O peso do corpo de Selik a pressionou na cama, e lhe agradou seu calor
doce na luminescência de seu ato amoroso. A princípio, ele ofegou, logo
respirou uniformemente contra seu pescoço.
— Está dormindo? — perguntou ela suavemente, passando uma mão
acariciante sobre seus sedosos cabelos.
Ele fez um pequeno som estrangulado sob sua garganta, logo levantou sua
cabeça e riu.
— Melhor, estou morto.
Ela riu também e sentiu que seu coração se inchava de amor, se
compadecendo. Nenhum tortura estragava agora seu formoso rosto. As linhas
do sofrimento e da amargura que no general cruzavam seus olhos e rosto se
derreteram com sua paixão.
— Por que me olha fixamente? — perguntou ele, lhe puxando o queixo.
— Como?
— Como um urso que de repente tropeça com um tigela de mel, quando
não deveria estar em seu caminho — disse ele com um grunhido. Aproximou-a
de seu lado, então rapidamente se apoiou e lambeu os lábios dela. — Hmmm.
Sim, realmente acho que estou provando mel. Me deixe comprovar mais longe.
Quando finalmente arrancou seus lábios dos dele, respirando
desigualmente, ele beliscou seu ombro e comentou:
— Não terminamos nossa exploração Viking.
— Não terminamos? — exclamou Rain, e a nota de assombro de sua voz
desenhou uma sorrisinho em Selik.
— Não, ainda tenho que te mostrar seu Ponto G — disse ele, sentando-se
em cima da cama, e logo se movendo-se para se ajoelhar entre suas pernas. Ele
se sentou sobre seus calcanhares, logo pressionou os joelhos dela em seu peito,
mantendo-os ali com a pressão de seu braço esquerdo.
Colocando seu polegar sobre seu osso pubiano, ele estendeu outros dois
dedos longos dentro dela de modo que encontrassem o polegar do interior.
Então ele começou um rápido e forte bombeamento que continuamente o
devolvia àquele ponto sob o polegar.
Um estremecimento de ferocidade intensa começou no ponto em que seu
perito amante deslizava seus dedos, ajudados pela umidade gerada pela paixão
anterior.
— Selik, não sei se eu gosto disso — disse ela vacilante.
— Você vai gostar.
À diferença do outro clímax, que abrangeu todos seus sentidos, aquele
ardente entusiasmo se centrava unicamente em um ponto. Quando os
primeiros espasmos de prazer começaram a sacudi-la, tentou fechar as pernas,
com medo de aumentar um cataclismo tão poderoso, que não tinha certeza de
aonde a conduziria. Mas ele forçou as pernas a ficarem abertas com seu braço e,
quando as primeiras convulsões de prazer a atingiram, ele não parou. Seguidas
vezes, seus hábeis dedos esfregaram abrasivamente aquele sensível ponto
interno até que ela girou de um lado para o outro, tentando escapar. Ela se
elevava e se elevava em uma maré de paixão até que de repente se sacudiu e
sentiu como um jorro de líquido saía dela, com uma exclamação.
Selik liberou suas pernas então e entrou nela com seu longo e grosso
membro, enchendo-a. Ele a acalmou com suaves sussurros, e com um
deslizamento dentro e fora, os impulsos de seu corpo atrozmente lentos,
acariciando-a.
— Shh, vai ser bom. Você é maravilhosa. Magnífica. Pode fazer outra vez,
doçura, comigo dentro de você? Pode? Pode?
E ela pôde.

Capítulo 16

— Estou com fome — disse Rain ofegando várias horas mais tarde, e seu
estômago trovejou enquanto fazia essa declaração. Se aconchegou ainda mais
entre os braços de Selik, esgotada, exausta, apagada emocional e fisicamente, e
mais feliz do que jamais estivera em toda sua vida.
— Eu também — grunhiu Selik e se lançou a toda pressa a mordiscar seu
ombro de brincadeira.
— Não esse tipo de fome. Selik, pare — gritou ela agudamente quando ele
começou a mordiscar, mais e mais abaixo. — Se detenha ou sua preciosa
virilidade vai diminuir por lhe dar tanto uso.
A cabeça dele subiu rapidamente e seus olhos se abriram alarmados.
— Não, não acredito. Um de seus manuais sexuais afirma que o galo 1 pode
cair por ter um excesso de desenfreio sexual?
Rain riu.
— Não, mas pode acontecer, de qualquer maneira há cirurgiões que podem
costurar um pênis de novo em seu lugar.
Selik avançou pulando em posição vertical e bufando sons de
incredulidade.
— Que vergonha, Rain! Essa declaração é tão escandalosa que não merece
sequer ser considerada.

1
Galo queria dar a entender a palavra garanhão (um galo apenas serve para muitas galinhas)
— Escute, Selik, houve uma mulher maltratada que cortou totalmente o
pênis de seu marido2...
Quando Rain completou sua explicação, Selik cravou os olhos nela, tinha os
olhos e a boca abertos de assombro.
— E pôde se conduzir bem como antes do corte?
— Pois bem, ninguém sabe com total segurança, mas os médicos pareciam
pensar que ficaria bem com o tempo.
— Não acredito em você. Isso bem poderia ser um conto que você inventa
para rir de mim — declarou Selik com ferocidade, recostando-se ao lado dela. —
Sem dúvida vai se divertir muito contar tudo o referente a esta brincadeira a
seus amigos quando retornar a seu mundo, como fez de idiota um viking tolo.
Rain se incorporou a seu lado, olhando o rosto de Selik, e colocado sua mão
em suas faces, percorrendo sua cicatriz carinhosamente com as pontas dos
dedos.
— Selik, não vou voltar. Não vou te deixar, nunca.
— Não faça promessas que não possa cumprir — disse ele brusco e se
soltou de seu abraço, pregando suas mãos sob sua cabeça e cravando
sobriamente os olhos no teto do celeiro. — Além disso, não te disse que ficasse.
A tormenta tinha acabado, mas o constante repicar das gotas de chuva
contra as juntas do celeiro fez com que sua pequena cama de palha tivesse a
aparência de um casulo de lagarta brando, cheio de paz e amor. Mas Rain sabia
que aquilo era apenas um alívio temporário do perigo e do ódio, e ela tinha que
convencer Selik de seu amor enquanto tivesse oportunidade.
— Posso te prometer que não darei um passo para o lugar de Coppergate
em Jorvik — reconheceu ela fervorosamente. — Posso prometer ficar com você,
se você assim quiser. Posso prometer te amar para sempre. Posso…
— Não faça isso — protestou Selik com um gemido de desespero, voltando-
se para confrontá-la. Seus olhos tristes e seus lábios apertadamente pressionados
davam leves indícios de suas conflitantes emoções. Finalmente, incapaz de
manter sob controle seus sentimentos por mais tempo, atraiu-a de volta a seus
braços e a abraçou apertadamente. — Ah, Rain — disse ele com um suspiro de
absoluto desespero.
Quando se apartou, seus olhos cheios de dor apunhalaram Rain. Lhe disse
com voz trêmula:

2
Se referia ao caso de Lorena Bibbit.
— Não posso te proteger. Não pude proteger minha esposa e filho. Não
posso prometer que farei melhor com você.
— E quem te nomeou meu protetor? Quem disse que é o responsável pela
segurança do mundo? Oh, Selik, não pode compreender? Não foi sua
responsabilidade Astrid e Thorkel falecerem. Deixe de se atormentar com o
passado e siga vivendo. Vivendo. Não só existindo. Não simplesmente subsistir
para morrer — Rain parou de repente, dando-se conta de que provavelmente
tinha ido muito longe.
Mas por uma vez Selik não pareceu zangado quando ela mencionou Astrid
e seu passado. Ele a contemplou pensativo, logo disse:
— Talvez, isso é certo. Se tivesse podido aceitar que estava livre da culpa
anos atrás, pouco tempo do acontecido, talvez tivesse podido viver uma vida
normal. Mas ocorreram muitas coisas depois, muitas mortes, de ambos os lados
— Mas se deixar a Grã-Bretanha, poderia começar em qualquer outro
lugar…
— Pare já, Rain. Não posso descansar até que Steven esteja morto, e
Athelstan nunca me permitirá continuar vivendo com o sangue de tantos de
seus soldados em minhas mãos.
— Mas nós...
— Não, carinho, nós não temos futuro — disse ele, aproximando-a de si e
apoiando sua cabeça contra seu ombro, acariciando seus cabelos
carinhosamente. — Só temos o presente. Vamos passá-lo o melhor que
pudermos.
Mais tarde, depois de terem dormido por um tempo, Selik tremeu e sacudiu
Rain para despertá-la. A seqüela da tormenta tinha deixado o celeiro ventoso,
com ar muito frio.
— Inferno maldito! Isso está mais frio que o traseiro de um caçador de
baleias em uma geleira. Melhor mudamos a cama de palha para o andar de
abaixo perto da lareira ou seus seios podem se parecer com umas bolas de neve.
— E seu pênis com uma raquete de neve? — perguntou Rain
descaradamente e se afastou rapidamente da cama para evitar que lhe desse um
tapa com a palma da mão. Ele teve uma boa idéia do significado de raquete.
Moveram-se escada abaixo e se asseguraram de que as portas do celeiro
estivessem bem fechadas, a espada de Selik estava perto, no caso do saxão voltar
com seus soldados.
Depois de comerem a eles mesmos, devoraram não importava que comida,
empanado de porco, carne de veado fria, todo isso regado a hidromel,
colocaram a cama perto do rugente fogo e puseram vários caldeirões de água
para esquentar para tomar um banho. Sentaram-se juntos envoltos em uma
manta grande de pelos, alimentando as chamas com pedacinhos de madeira
enquanto esperavam que a panela começasse a ferver.
— Admite que antes mentiu para mim?
— A respeito do quê? — Rain o olhou de relance para ver que cara ele
apresentava.
— A respeito de suas más experiências com os homens.
Rain lhe deu uma cotovelada nas costelas e ele fingiu que ela o tinha
machucado.
— Nunca usei essas palavras. Disse, e lembro perfeitamente, que podia ou
não sexo, e que tinha uma opinião muito fraca dos homens devido a minhas
relações sexuais com eles.
— Ainda sente o mesmo?
— Está procurando elogios? — perguntou-lhe, erguendo uma sobrancelha
zombeteira.
— Não, sei que sou um prodígio — gabou-se ele. — Só queria que admitisse
que estava equivocada ao menos uma vez.
— Não menti, Selik. Sei que não quer ouvir, mas te amo. E acho que isso é o
que marcou a diferença ao fazer amor com você.
Na verdade, ele não prestou mas atenção em suas palavras agora. Os
sentimentos dela realmente esquentavam sua alma e o fizeram sentir-se mais
vivo do que se sentiu em anos.
— E se não me amasse, acha que teria desfrutado menos de nossa união? —
perguntou, mordendo o lábio inferior com fruição.
— Não sei — admitiu Rain honestamente. — Talvez estaria bem. Tudo o
que sei é que desde a primeira vez que te vi, bem antes da Batalha de
Brunanburh, quando enfeitiçou meus sonhos, há uma conexão especial entre
nós. E ontem à noite, bem, era como dois pedaços de um todo arruinado que
finalmente foram conectados. Isso soa realmente melodramático, não?
— Melodramático? Não sei o que quer dizer essa palavra, mas eu gosto
dessa parte a respeito de estar acoplado — disse ele com um sorriso, logo
recuperou seu fôlego ante a manifesta aparência de adoração que luziam os
olhos de Rain.
— Não disse acoplado, sapo corno. Disse conectados. Diabos, me deixe ver
se esta água está o suficientemente quente antes de que me distraia.... outra vez.
Quando terminaram seus banhos, ela ajudou Selik a barbear o rosto e ele
não a ajudou a raspar as pernas, em vez disso, durante todo o tempo ficou
fazendo comentários eróticos e procurando em seu embornal um pente. Selik se
penteou e logo penteou os cabelos dela, suspirando sensualmente enquanto a
secava. Rain olhou em sua bolsa no caso de poder encontrar um preservativo
solto que tivesse deixado passar em branco. Nem indício. Mas ela encontrou
algo interessante.
— Selik, você gosta de morangos?
— Gosto bastante, mas a fruta não estará madura até a próxima primavera.
Rain abriu o pequeno tubo de metal e aplicou o brilho para lábios com
sabor de morango. Logo se voltou e tomando o pente das mãos de Selik disse:
— Tenho um pequeno presente fora de temporada para você, bebê.
Um pouco mais tarde, Rain sussurrou:
— Espero que não tenha alergia a morangos e tenha uma má reação como
algumas pessoas.
Ele replicou com um estertor de prazer:
— Santo Thor! Se fosse assim, terei pruridos em certas partes que serão
difíceis de explicar.
Já era tarde quando Selik despertou de um sono profundo, tinha o braço de
Rain através de seu peito e seu joelho entre suas pernas. Ele não queria abrir os
olhos, queria ficar naquela acolhedora toca e aconchegar-se sob a manta de
pelos quente cujos sedosos pelos acariciavam seus corpos nus.
Mas algo lhe tinha despertado. Um sexto sentido, talvez. Selik se sentiu
repentinamente alerta e cuidadosamente pegou sua espada. Logo deslizou para
olhar cuidadosamente os arredores.
Doze pares de olhos lhe devolveram o olhar com manifesta curiosidade.
— Ubbi! Onde diabos está, tolo?
Ubbi deu um passo adiante imediatamente.
— Sim, amo, você chamou?
Rain se incorporou sentando-se a seu lado, as peles escorregando pelos
ombros nus, expondo seu corpo nu ao ar fresco.
— Eu não te ordenei que voltasse para ficar com Gyda?
— Na verdade, fez. Certamente fez, m'lorde. Mas Gyda nos fez ir embora.
Nos disse que ela tinha criado oito bebês dela e era muito velha para ter esses
indesejáveis ruidosos, irritantes, sujos, destruindo tudo a seu alcance em sua
casa. Oh, e de bocas grandes, assim os chamou também — acrescentou Ubbi,
dirigindo um olhar de aparente condenação para Adam, que olhava com
estúpido interesse o corpo exposto de Selik.
Selik se precaveu e com um gemido, colocou as peles sobre sua
masculinidade ocultando-a e olhou furiosamente para Rain, de cujo tolo cérebro
tinha partido a idéia de abrir um orfanato.
— E outra coisa — Ubbi olhou ofendido para Rain. — Ella se atirou para
mim como um cão faminto a um osso. E ela ofereceu a si mesma, que acha? Eu
devo ser trocado por meia cabeça de gado?
— Rain! Oh, não, não me diga que tentou unir Ubbi e Ella? — disse Selik
assombrado. — Acaso não sabe que Ubbi vem escapando dela e seus ataques
durante anos? — mas então lembrou como seu leal criado o traíra ultimamente e
adicionou — por outro lado, talvez precise de uma mulher fornida para te
controlar melhor, Ubbi.
Ubbi inspirou agudamente afrontado.
— Então vocês gostam de meter a dureza nisso nelas? — cortou-lhes o fio
Adam, enquanto perguntava com atitude ociosa, com uma mão no proeminente
quadril e seus olhos fixos com interesse indevido nos seios meio-expostos de
Rain onde a manta que a cobria tinha escorregado. Ela, dando-se conta, voltou a
se cobrir imediatamente.
Todos os olhos se fixaram em Adam, incapazes de acreditar que tivesse
feito uma pergunta tão rude.
— O que foi? Por que todos me olham assim, como se eu fosse um tolo? Era
só uma pergunta. Pedaços de gelo malditos! Como um menino pode aprender
mais coisas se ninguém responde nenhuma pergunta honestamente?
— Alguém deveria lavar sua boca com sabão — declarou Selik
negligentemente.
— Isso já foi feito, a bruxa — explodiu Adam, fulminando Rain, logo se
voltou para Selik. — Também lavo sua boca com sabão? Usa as mesmas
palavras que eu.
— Tenho que fazer “pi-pi” — disse Adela repentinamente ao lado de
Adam. Ele pegou sua mão, e a conduziu até o urinol em um canto afastado.
— Pi-pi? — Selik se sufocou de riso.
Adam olhou Selik sobre seu ombro.
— A bruxa disse que não podemos falar mijada nunca mais. Que é muito
cru — a voz do garotinho gotejava aversão. Ele ajudou sua irmã a ajustar a
túnica e limpou com serenidade sua parte de trás, deixando o grupo
boquiaberto, acrescentando desdenhosamente — O pi-pi é pouca coisa,
deveriam ouvir como ela chama isso.
— Como? — perguntou Selik, arrependendo-se quase imediatamente de tê-
lo feito.
— Cocô — disse Adam terminantemente, olhando como Ubbi ria entre
engasgos. Cruzou seus braços através de seu peito, e lançou a Rain um olhar de
“vou contar tudo” antes de inclinar a cabeça com auto-satisfação. — E também
nos disse que tínhamos que nos lavar por completo cada maldito dia, e também
lavar nossos dentes, e dizer nossas orações, e aprender a ler e escrever, e
cumprir com nossas tarefas, e com tantas malditas regras que nos dava voltas na
cabeça.
Selik olhou o ruborizado rosto de Rain logo mexeu nos cabelos e gemeu.
Sua bem ordenada vida se desmoronava ante ele. Recentemente, tudo o que
queria era matar Steven de Graveley e talvez alguns saxões a mais, logo
morrer. Agora, estava logado a um anjo da guarda vindo do futuro, um criado
que acreditava escutar mensagens de Deus, uma dúzia de filhos bastardos, e um
menino que tinha que ser descendente do próprio Lúcifer. Como se livraria
alguma vez daquela areia movediça em que se convertera sua vida?
Levantou a cabeça e viu Adam se sentar-se diante da lareira, alimentando o
fogo, para logo proceder a ignorar todos eles e brincar ociosamente com o Cubo
de Rubik que Rain trouxera.
E, para horror de todos, solucionou o enigma.  
Na tarde seguinte, Selik insistiu em acompanhar Rain ao hospitium para sua
ronda diária. Ambos puseram hábitos de monges, como antes.
Selik não estava de muito bom humor. O clima se tornara muito frio
durante a noite, frio mesmo para ser novembro, e ainda por cima ele e Rain
tornaram a passar a noite no desvão. O que queria dizer que doze esquilos
tinham estado gritando agudamente perto deles e ao final dormiram a seu lado,
sem mencionar os fortes roncos de Ubbi em um cama de armar próxima. E Selik
ainda não queria pensar a respeito de Adela, quem tinha avançado a rastros na
cama de palha entre ele e Rain durante a noite e havia se aconchegado contra
seu peito como um gatinho assustado.
— Ainda é muito arriscado que ande rondando as ruas da cidade com
tantos soldados saxões por aqui por perto — queixou-se Rain pela centésima
vez.
— Antes enfrentaria uma tropa de saxões malditos que permanecer nem
um minuto a mais naquela casa de loucos.
— Você esteve inquieto o dia todo, Selik. Tenho medo de te perguntar isso,
mas irá logo? — ela o olhou das sombras do capuz de monge que levava com
olhos tão esperançosos que Selik teve que se refrear para não agarrá-la em seus
braços e lhe prometer tudo que desejasse. Mas isso era algo que não podia fazer,
e não só porque a vista de dois monges se abraçando perto da igreja do
monastério horrorizaria todo mundo.
— Espero que hoje Gorm me diga em que lugar está Steven. Ele vai me
encontrará na loja De Ella.
Viu o medo refletido nos olhos de Rain, mas ela mordeu seu lábio inferior,
restringindo assim seus usuais protestos. O coração de Selik se encolheu ao ver
que ela tentava reter sua língua ferina para benefício dele.
— Bom, não vou brigar com você mais por essa questão. Oh, não se sinta
tão contente consigo mesmo. Ainda não estou de acordo. Mas não quero
desperdiçar mais do pouco tempo que nos resta juntos.
— O que vai fazer depois que eu vá? Vai voltar para sua casa?
O desespero brilhou brevemente pelo seu rosto antes de que camuflasse e
levantasse seu queixo corajosamente.
— Não, enquanto souber que está vivo em algum lugar, ficarei.
Provavelmente continue indo ao hospitium a cada dia e dirigindo o orfanato, se
quando nos deixar podermos ficar em sua propriedade.
— E se eu jamais retornar?
Os olhos desolados de Rain paralisaram nos dele e lhe custou engoliar em
seco antes de falar.
— Não sei — logo ela reuniu as poucas forças que lhe sobravam, dado seu
estado de ânimo, e atiçou um dedo em seu peito. — Mas se inteire disso, viking
teimoso, se estiver vivo em algum lugar e se esconder de mim, te encontrarei.
Talvez te seqüestre outra vez.
— Não, não te atreveria a me fazer novamente algo semelhante. A proíbo.
— Nem sequer porque assim poderia te capturar com meu corpo? —
perguntou ela, o fazendo sentir um violento golpe de calor.
— Bem, se for assim, talvez — fez-lhe a concessão com um sorriso aberto.
Pouco antes de que entrassem pela porta lateral do hospitium, Rain pôs uma
mão em sua manga para pará-lo, e lhe disse nervosa:
— Antes que entremos, há um pequeno presente que te farei para te
distinguir.
Ele entrecerrou os olhos suspeitosos. Cada vez que Rain usava esse tom de
voz e mencionava “um pequeno presente”, normalmente queria dizer que
queria um favor, ou que ele não ia gostar do que ela ia dizer.
— Bernie está louco por mim — disse ela, ruborizando-se.
A princípio, a boca dele se abriu de assombro. Ele a fechou de repente com
um grunhido de repugnância. A moça, de verdade, tinha a habilidade de
assombrá-lo.
— Acho que posso adivinhar por que — comentou quando finalmente pôs
seu assombro sob controle. — Mas quem em nome de Thor é Bernie?
— OH, lembre-se, é o Padre Bernard — suspirou. — É o jovem sacerdote
que encontramos no primeiro dia, que tem acne por todo o rosto.
— E já tem tanta intimidade que o chama de Bernie?
— Não, não é intimidade, na verdade. Ele é tão jovem. Só sigo a corrente
em seu afeto, mas não quero que você se incomode se o vê pondo as mãos em
mim.
— Rain, não tenho nem a mais remota idéia do que está querendo me dizer.
Mas se ele se atrever a colocar um só dedo sobre você, terá todos seus dentes
podres caídos aos dedos de seus pés.
Ela começou a protestar, mas Selik a fez passar o portal e deu em sua
cintura um apertão possessivo. Infelizmente, o Padre Bernard estava em pé ali,
para saudar o alvo de seus ataques febris, em seus olhos se refletiam a dor que
sentia ao contemplar a mão de Selik intimamente posta nela. Com deliberada
diabrura, Selik olhou o monge fixo nos olhos e fez sua palma se mover mas e
mais baixo até chegar aos glúteos de Rain, os quais agarrou sugestivamente.
Rain saltou e se voltou contra ele. Lhe disse francamente:
— Imploro seu perdão, Irmão Godwine. Tentava de alcançar a maçaneta da
porta.
Sua falsa inocência não enganou Rain, embora o Padre Bernard aceitasse a
explicação de Selik. Na primeira oportunidade que teve, ela sussurrou a Selik:
— A maçaneta da porta? Hah! Como se sentaria se eu agarrasse sua
maçaneta?
— Eu gostaria muito — disse ele com uma piscadela. — De fato, pode
bombear minha maçaneta a qualquer hora que queira.
— Tsk! Se comporte, Selik, ou nunca conseguirei terminar o trabalho daqui
hoje — disfarçando sua voz, entoou com voz rouca — Padre Bernard, se lembra
do Irmão Ethelwolf?
Bancando o surdo, o jovem sacerdote ignorou Selik e se voltou para Rain:
— Você não veio durante dias — queixou-se. — O Padre Theodric esteve
perguntando por você. Não lhe prometeu que discutiriam sobre febres
cerebrais?
— Sim, mas estive ocupado no orfanato e não pude vir trabalhar até hoje —
Rain tinha que fazer sérios esforços para conservar baixo o tom de voz mistura
de ronco e cachorro São Bernardo para ocultar seu sexo.
— Esse orfanato! Por que desperdiça seus talentos com esses sujos
dinamarqueses? Não são nada mais que pequenos pagãos — choramingou ele, e
Rain sentiu como Selik ficava rígido atrás dela. Ela beliscou seu braço avisando-
o que se contivesse.
— São filhos de Deus, Padre — ela castigou o jovem sacerdote. — Sem
importar suas origens.
— Pois bem, ainda digo que deveria residir na igreja do monastério. Com
certeza poderíamos encontrar um lugar para que pudesse dormir.
— Aposto que ele poderia — sussurrou Selik perto de sua orelha. — Sob
seu corpo fraco e ossudo.
Transmitiu a Selik um olhar de advertência, assustada ante a possibilidade
que ele deixasse trasparecer seus disfarces.
— Irmão Godwine! Irmão Godwine! — gritou o Padre Rupert para Rain.
Quando se aproximaram da cama de palha, ele se ajoelhou, e ela viu que a
garota que antes estava mortalmente doente agora ficava direita.
O Padre Rupert resplandeceu ante Rain.
— Estava certo. Uma mudança de regime era tudo o que Alise precisava.
Seu pai virá levá-la para casa hoje.
Rain se ajoelhou ao lado do Padre Rupert e examinou a garota que tinha
sido diagnosticada com a Enfermidade Celíaca no seu primeiro dia no
hospitium. Alise estava ainda muito magra, mas com cuidados, recuperaria-se
sem efeitos secundários.
— Agora entende, Alise, que não pode, pelo resto de sua vida, comer grãos 3
outra vez? Só uma mordida num pão poderia começar de novo sua
enfermidade.
— Jamais vou melhorar? — perguntou a garotinha chorosa.
Rain negou com a cabeça.
— Mas isso não é um pequeno preço a pagar para ficar saudável outra vez?
Alise inclinou a cabeça, e Rain disse ao Padre Rupert que teria que se
assegurar que o pai da garota entendia a enfermidade e a importância de um
regime estrito.
Durante horas, ela trabalhou braço a braço com os curandeiros, examinando
os pacientes, ouvindo para diagnosticar e receitar, muitos dos preparados
provinham do reverenciado Calvo Leechbook, que tinha aproximadamente
vinte e cinco anos. Surpreendentemente, muitas das receitas resultaram ser
efetivas, até para os padrões modernos, especialmente as herbáceas. A arruda
era usada como um agente capilar para conter as hemorragias. O henbane era
conhecido pelos médicos modernos por suas propriedades em bloquear fibras
nervosas e para induzir a um sono hipnótico. O poejo curava o estômago. A
aspérula4 e a salsinha, ambas ricas em tanino, aliviavam as queimaduras quando
eram aplicadas em forma de pomada junto com a raiz de certo lírio.
Sua queixa maior era contra a propagada prática de sangria para quase
todas as doenças. Mas ela seguiu o conselho de Selik, de observar oferecendo a
eles um conselho menor, sem fazer nada que chamasse a atenção para si mesma
como médica moderna. Ocasionalmente, ela se esquecia de que Selik a
acompanhava e quando erguia o olhar repentinamente e o via apoiado
preguiçosamente contra a parede, seu corpo primoroso, um magnifico exemplo
de viking que oferecia um quadro espetacular, até com o traje de monge. Como

3
Os doentes Celíacos não conseguem digerir o glútem existente nos cereais.

4
Aspérula (Galium odoratum) é uma planta de propriedades medicinais indicada para combater dilatação do fígado, dor
de cabeça, ferida, hidropsia, icterícia, inchaço.
podia alguém não perceber seu rosto belamente esculpido, seus dedos
graciosamente longos, seu belo sorriso?
— Que maravilhoso perfume é esse? — perguntou repentinamente o Padre
Bernard, farejando perto do capuz dela.
— É a “Paixão” do Irmão Godwine — respondeu Selik diabolicamente
quando tomou seu braço e a moveu como uma penugem ao corredor.
O Padre Bernard ficou de queixo caído atrás deles, balbuciando:
— Você... você... disse... sua paixão? — ele praticamente babava
incontrolavelmente.
Finalmente, aborrecido ante os sarcásticos comentários de Selik, o Padre
Bernard fez comentários mal-humorados sob seu fôlego:
— Por que este enorme conglomerado não fica de joelhos e ajuda, em lugar
de permanecer por aí, ocioso?
Mas Selik o ouviu e continuou fazendo comentários atrevidos:
— Comentário de Bernie, para nosso livro.
O rosto do Padre Bernard se ruborizou, ressaltando as acne cheias de pus
pulverizadas por seu rosto.
— Parece ser tanta a arrogância do Padre Ethelwolf que resulta imprópria
para um sacerdote — pigarreou ele para Rain. — E, francamente, me parece que
ele comenta mais do que deveria — Rain o buscou com o olhar e notou, igual ao
Padre Bernard, que os apreciativos olhos de Selik estavam fixos em seu traseiro
quando ela se abaixou para pegar um montão de roupas brancas.
Ela assobiou para obter a atenção de Selik, mas em lugar de se envergonhar
quando o apanhou no ato, ele lhe piscou um olho. Ela ouviu o Padre Bernard
fazer um ruído, sufocando um som, e Rain se precaveu que tinha que parar
Selik antes de que ele se desse conta e os expulsasse.
— Nós temos que ir, Padre Ethelwolf — anunciou Rain repentinamente,
pondo sua mão em cima da manga de Selik. — Acabei de lembrar que temos de
parar nos mercados para comprar mais tecidos para as túnicas das crianças.
— Oh, mas não pode sair ainda — protestou o Padre Bernard. —O Padre
Theodric estará aqui em pouco tempo.
Isso era justo o que metia medo em Rain, especialmente com Selik sendo tão
patente em sua atração por ela. O inteligente Padre Theodric veria rapidamente.
Já fazia perguntas que ela não podia responder a respeito das pessoas que
curava em Frankland, cujos nomes ela não sabia, tentando saber como ela tinha
ganhado seus vastos conhecimentos médicos, e até a respeito de suas
características femininas.
— Você deve pedir a Deus e este lhe ajudará a controlar seus instintos mais
baixos — lhe havia dito uma vez depois que ela gritou como uma moça quando
um camundongo saiu rapidamente junto a seus pés no herbanário da igreja do
monastério. Ele se referia ao que devia considerar sua natureza efeminada. Se a
visse com Selik, a química sexual que havia entre eles cada vez que se moviam a
pouca distância jogaria fumaça e indubitavelmente fixaria com cimento tal idéia
em sua cabeça.
— Diga ao Padre Theodric que o verei amanhã, e poderemos discutir sobre
as febres cerebrais e as vacinações que já lhe mencionei. Terei um montão de
tempo, dado que o Padre Ethelwolf será incapaz de me acompanhar.
— Anh? — perguntou Selik, erguendo a vista da sacola de comida que
examinava perto da porta. — Por que serei incapaz de vir com você?
— Transcreverá todas suas notas mentais no pergaminho. Para nosso livro.
Lembra-se?
Ele agitou uma mão no ar sem dar importância.
— Ah, posso fazer isso em qualquer momento. Trocaremos opiniões
posteriormente — recorreu logo ao Padre Bernard. — Agora quero saber quem é
o responsável pela imunda porcaria de comida que você esteve dando ao Irmão
Godwine como sua retribuição por seu trabalho de médico — Rain olhou Selik
com surpresa. Ela não se dera conta de que ele sabia da purulenta comida que
os sacerdotes enviavam às crianças do orfanato.
O rosto de Padre Bernard ficou de um vermelho forte.
— Essa não é a retribuição de um médico, simplesmente um presente, um
favor do ministro para os filhos da terra.
— Você está dizendo, Bemie, que as habilidades cicatrizantes do Irmão
Godwine não têm nenhum valor?
— Não, nunca disse algo semelhante. Mas, pois bem, há coisas muitos boas
no lote — ele falou entre dentes defensivamente, indicando a comida. — Pelo
menos é a mesma comida que nós, os sacerdotes, comemos todos os dias.
— Ah, então isso é diferente — disse Selik com um tom de resignação que
Rain sabia ser falso. — Você então não se incomodaria de comer um pouco de
comida desse tipo — ele pegou a sacola de tecido e arrancou um pedaço de
carne de porco que cheirava horrivelmente.
O Padre Bernard foi para trás, mas Selik continuou empurrando a carne
podre em seu rosto, contra seus lábios.
— Selik — Rain protestou, contente de que ele a defendesse, mas assustada,
já que atrairia atenção indevida sobre eles.
Selik ignorou as mãos que tentavam retê-lo e disse ao Padre Bernard
friamente:
— Não se atreva a dar ao Irmão Godwine tal lixo de comida passada outra
vez. Jogue isso no fossa do lixo. Nem sequer é boa o bastante para os cães da
rua.
Ele afastou de um empurrão o sacerdote, que tremia colérico, e agarrou o
braço de Rain, puxando-a pela porta.
— Selik, nós temos que levar comida para as crianças. Tenho certeza de que,
procurando naquela sacola, poderia ter encontrado algumas coisas boas.
— Não, não vai fazer. Não precisa se converter em mendigo aceitando
caridade de semelhantes míseros clérigos. Comprarei tudo o que precisa.
E para deleite dos comerciantes de Jorvik, assim fez. Ao final, alugou um
comboio para levar todos os artigos de volta à granja — carne vermelha fresca,
dez galinhas poedeiras vivas, uma vaca leiteira, verduras frescas, maçãs
crocantes, hidromel, mel e farinha.
— Selik, essa pessoas vão se perguntar de onde um monge conseguiu tanto
dinheiro — sussurrou ela inquieta quando ele sacou outra vez sua bolsinha de
moedas ante um comerciante.
Ele respondeu em um tom suficientemente alto para que o comerciante
ouvisse mesmo que não quisesse:
— Irmão Godwine, você está de verdade desgostoso porque roubei o
tesouro do bispo quando ele estava economizando para comprar um novo cálice
adornado com jóias? — quando ela o olhou, ele continuou. — Deve admitir que
os filhos da terra não podem comer ouro e finezas.
O comerciante resmungou baixo sua concordância:
— Esses sacerdotes Malditos! Tentam conseguir mais jóias da miséria dos
pobres — para mostrar sua adesão, jogou dentro das compras duas barras de
pão de presente.
— Para que veja. Tenho alguns usos — gabou-se Selik quando se
encaminhou para a loja de Ella.
Rain não podia deixar de sorrir e logo Selik se voltou para ela lhe
mostrando toda sua gloriosa beleza. Seu coração se encheu de todo o amor que
sentia por ele. Queria lhe dizer tantas coisas, mas não sabia como. Tantos
sentimentos floresceram dentro dela. Ela queria gritar ao mundo seu
maravilhoso amor por aquele homem, e recordar a si mesma degustando tal
segredo. Aquele era amor para toda uma vida ou para que durasse mil vidas
mais!
Era por aquilo que ela tinha sido enviada àquele tempo? Tinha pensado que
fora enviada para salvar Selik, mas talvez aquele amor fosse simplesmente um
presente de Deus. Se fosse assim, como devia ajudar Selik?
O amor.
Rain se encolheu ante o retorno da voz em sua cabeça. O amor? Isso é tudo?
Como o amor pode salvar Selik?
O amor gera o bem amado, a criança. O amor gera o bem amado.
Rain gemeu em voz alta.
— Tem outra vez aquela expressão em seu rosto, doçura, e está
resmungando. Falando com Deus, outra vez? — Rain lançou a Selik um olhar de
desaprovação ante sua perceptiva observação.
— Sim, e ele enviou uma mensagem para você.
— Oh, mesmo! — riu Selik. — Não me diga que Ubbi e eu somos
abençoados com essas mensagens milagrosas.
— Não seja tão sarcástico.
Quase tinham alcançado a loja de Ella, e Selik estava a ponto de abrir a
porta lateral quando perguntou:
— Então, o que dizia a mensagem? Quer que faça penitência arando os
campos virgens de um de seus anjos?
Rain maneou a cabeça como se ele estivesse além de toda esperança.
— O que Deus disse, carinho, foi, Diga a esse menino mau do Selik, que se
agarre bem a suas calças porque o envio ao bote do amor.
Selik explodiu em risos e passou um braço ao redor de seus ombros,
abraçando-a calorosamente contra seu lado. Rain não podia resistir a passar
seus braços em torno de sua cintura e tomar parte de suas risadas.
Quando ambos mudaram de direção, Ella e todos os trabalhadores de sua
loja cravavam os olhos neles com os olhos arregalados e as bocas abertas pelo
assombro.
— Os sacerdotes se abraçaram um ao outro. Oh, Senhor santo! — Exclamou
um jovem cheio de sardas, fazendo o sinal da cruz.
— Ai, Deus! Sem dúvida, o Todo-poderoso enviará uma maldição a ess loja
de herbanário ante tais ações — exclamou outra mulher. — Rãs, sem dúvida. O
Senhor tem uma fraqueza pela maldição das rãs, e amaldiçoará a todos.
— Não aceitarei tais perversões se vierem às compras — declarou Ella
veementemente, aproximando-se de modo ameaçador deles com a vassoura nas
mãos. Foi só quando se aproximou mais de Rain que os reconheceu. Ela fez um
alarde para seus trabalhadores. — Entrem em minha antecâmara e me digam
que negócios faremos. Logo irei até vocês, sodomitas.
Quando Ella fechou a porta atrás deles em seu primitivo “escritório”,
enfrentou-os colérica.
— Estão como a macaca? Querem que me expulsem do mercado? Se os
cidadãos ouvissem que consinto tais depravações, fugirão de mim como se eu
fosse um verme em um pudim de Natal.
Selik afastou o capuz para trás de sua cabeça e se sentou sobre um
tamborete alto, sorrindo abertamente para Ella.
— Não pense que pode me convencer com um desses sorrisos tão atraentes
— queixou-se Ella. — Já passei da idade de me sentir atraída pelos homens, seja
um de pernas tortas ou um ímpio de aparência agradável.
— O ímpio de aparência agradável sou eu? — perguntou Selik, agitando
seus longos cílios para ela.
— Não, quando me referia a você, era o das pernas curvas, tolo.
— Ella, Ubbi te disse o que lhe daria se me ajudasse? — perguntou Rain.
O rosto de Ella ficou rosado.
— Sim, e o que importa se não fiz? Me cansei de esperar que viesse cumprir
o que prometeu.
— Disse que diria palavras a seu favor, e que não te entregaria à lei em
bandeja de prata.
— Me tomaram, sim, a bandeja de prata, muito obrigado!
— Quando as duas moças derem a rixa por terminada, poderíamos
completar nosso negócio para que possamos retornar àquela casa de loucos
antes que escureça?
Demoraram uma hora para escolher os diferentes tamanhos de tecido de lã
quente para as túnicas das crianças e os mantos, roupas brancas para tangas e
pequenas camisolas, linha para serem costuradas meias três-quartos, e um
pouco de seda fina de Damasco que Selik insistiu que era para fazer peças de
vestuário para Rain. Ela também concordou em avisar um curtidor próximo que
fizesse uma dúzia de pares de sapatos para as crianças. Tudo estaria terminado
em poucos dias.
— E quem vai me pagar por todos esses artigos? — perguntou Ella
astutamente.
— Eu pagarei — disse Selik, e arrancou seu saco que estava já quase
esgotado de moedas. — A propósito — disse, parando por um momento de
contar o dinheiro, — devolveu a Rain o dinheiro que guardou para sua mãe
quando ela partiu inesperadamente?
O rosto de Ella ficou de um vermelho brilhante e ela mudou de posição
nervosamente de um pé para outro.
— Para que saiba, Ruby investiu dinheiro em uma empresa comercial com
Ella anos atrás — explicou Selik a Rain, seus olhos brilhavam trevessos. — Sem
dúvida Ella esqueceu de devolver.
Rain olhou para Ela.
— É mesmo?
— Na verdade, foi só um pouquinho. Aproximadamente…
— Cem mancusos, ao menos5 — terminou Selik por ela.
Ela faiscou com indignação.
— Não, seriam algo como cinqüenta.
— Pois bem, tenho certeza que o devolverá a Rain logo que seja possível —
disse batendo em sua mão indulgentemente.
Ella retirou sua mão com desgosto, lhes dizendo que se apressassem a
voltar. Ela poderia prescindir desse tipo de negócio, as moedas que lhe tinham
dado eram muito menos que os cinqüenta mancusos que teria que dar a Rain
agora.
Rain e Selik partiram ambos risonhos quando deixaram a loja. Rain desejou
poder deter o tempo, pelo que poderiam permanecer tão felizes e
despreocupados como eram naquele momento.
Mas sua paz foi arrancada imediatamente com a aparição de Gorm em um
beco próximo. Ele lhes indicou uma rua quase fora da cidade, e o seguiram até o
portal de um edifício abandonado.

5
Moeda que foi chamada assim por Canute, Rei da Inglaterra (1016 a 1035).
— Eirik enviou palavra do tribunal de Athelstan em Winchester. Steven
está em Frankland, visitando seu Tio Geoffrey em Rema.
Selik inclinou a cabeça visivelmente desagradado.
— Oswald e seus soldados patrulham Jorvik como animais carniceiros
furiosos, matando e mutilando qualquer um que pareça um dinamarquês em
idade de lutar. Deveríamos deixar Northumbria a toda pressa. É apenas questão
de tempo para que eles nos descubram.
— Sim — Selik concordou, e o coração de Rain caiu até os dedos dos pés. —
Me encontre amanhã à noite com todos os homens dispostos a arriscar sua sorte
comigo. Vá à granja, e sairemos de lá.
— A cavalo?
— Claro, traga Fury com você.
Quando Gorm partiu, Selik se voltou para Rain e passou a ponta do dedo
por seu rosto, apagando as lágrimas que seus olhos gotejavam.
— Shh, carinho — disse suavemente, abraçando-a. — Sempre soube que era
questão de tempo.
— Mas é antes do tempo — chorou ela. — É antes de tempo.

Capítulo 17

O sol caía atrás das colinas e o vento outonal aumentou enquanto


caminhavam de volta à granja, um lúgrube pano de fundo para o silêncio que
erguia uma barreira rígida entre Selik e Rain. Desde que tinham deixado Jorvik,
Rain evitava seus olhos. Como se ele não pudesse ver suas lágrimas!
Um golpe de ar muito frio moveu as folhas sob seus pés, e Rain tremeu.
Apesar do manto de lã. O inverno penetrava sob suas roupas de frade, lhe
recordando a pendente mudança de estação.
Onde estarei no próximo natal? Na verdade, onde estarei na próxima noite? E como
sobreviverei, agora que conheci Rain?
O tiritar dos dentes dela o tirou de seus profundos pensamentos, e a puxou
sob seu manto, apesar de seus ombros rígidos. Deveria ter lhe comprado uma
capa forrada de pele em Jorvik. Agora não haveria tempo, deveria ter feito
muitas coisas, reflitiu ele agora, mas como tinha ocorrido tantas vezes em sua
vida, as oportunidades escorregavam da ponta de seus dedos como se fossem
areia, selando seu destino.
Diga a ela que a ama.
Selik fechou os olhos momentaneamente ante aquele doloroso conselho de
sua voz interior. Não posso. Não há amor em mim. Além disso, ela deveria ir para sua
casa, seu país, seu próprio tempo. É mais seguro lá. Hoje vi que excelente médica ela é. É
melhor que use suas habilidades para a cura no outro mundo.
Diga a ela. Confie em mim, deveria dizer.
— Está pondo essas vozes em minha cabeça? — ele perguntou a ela
repentinamente.
— Não — explodiu ela, olhando-o com os olhos avermelhados, separando
de um tapa as lágrimas de suas faces molhadas — Você as está colocando em
minha cabeça?
— Você está horrível.
— Obrigado por compartilhar a informação — replicou ela, erguendo o
queixo com altivez e passando como um tornado na frente dele.
Ele sorriu e lhe pisou na barra da batina, fazendo-a se deter. Antes que ela
pudesse cuspir as palavras venenosas que obviamente rondavam sua língua,
levou-a a um estábulo próximo na fronteira de suas terras, pouco mais que um
refúgio de três lados.
— Venha. Vamos nos esquentar um pouco antes de continuar.
Ela acessou estoicamente, logo caminhou até o canto mais afastado, longe
do vento. E dele.
— Rain, não se afaste de mim — implorou ele suavemente, sentindo uma
dolorosa pressão no peito. — Há muito pouco tempo.
Diga a ela. O que precisa para se convencer, um trovão? Diga!
Ela o reteve até dar a volta, afastando-se dele, mas ele viu seus ombros
tremendo por soluços silenciosos. Apesar de suas melhores intenções, seus pés
tinham vontade própria. Deu um passo, aproximando-se de Rain e do perigo
que ela representava para seu coração sangrento.
Diga a ela.
Algo em seu interior, bastante escondido, derreteu-se e expôs uma parte
vulnerável dele, muito dolorida, não podia refletir sobre isso. E se moveu outro
passo, aproximando-se.
Diga a ela.
— Eu te amo — sussurrou ele, tão suavemente que possivelmente ela não
pôde ouvi-lo. Tranqüilas, as palavras queimaram em seus lábios e fizeram com
que suas mãos tremessem.
E ela se voltou.
— O que disse?
Ele fechou os olhos e apertou os punhos. E se aproximou outro passo.
— Me diga, querido— ela ergueu a voz, um soluço se notava em sua voz
insegura. Depois choramingou em uma súplica suave. — Me diga.
— Eu te amo — gemeu ele. — Que Deus me ajude… embora, sem dúvida,
foi ele quem te meteu em minha vida… mas, te amo. Te amo.
Ele achou ouvir um trovão ao longe e revirou os olhos. Isso não era
necessário.
Rain se atirou em seus braços, fazendo com que ele cambaleasse para trás e
quase o jogando contra as paredes do estábulo pelo peso de ambos. Envolvendo
seu pescoço com as mãos, alternadamente o abraçou fortemente e segurou seu
rosto com suas mãos, beijando toda a pele possível sobre o decote da túnica de
monge, todo o tempo dizendo:
— Eu também te amo. Oh, meu Deus, como te amo! Te amo, te amo, te
amo…
Selik sorriu contra seu pescoço, sentindo a umidade das lágrimas sob sua
garganta, e se perguntou por que não havia dito antes. Sentia-se tão bem.
— Diga de novo — implorou ela, afastando-se ligeiramente para ver seu
rosto.
Ele girou de modo que fosse as costas dela que se apoiassem na parede,
com os braços dela estirados sobre sua cabeça, as mãos contra a parede.
Apoiando-se mais perto de modo que pudesse cheirar o doce perfume de seu
hálito e a “Paixão” em seu pescoço, murmurou ardentemente:
— Te amo.
— Outra vez.
— Te amo.
— Outra vez.
Ele riu, a alegria despertava em seu interior, e baixou seus lábios aos dela.
— Tcheamoch.
Ao primeiro sabor de seus lábios, abertos e juntos, uma fome asoladora o
percorreu. Tremendo, beijou Rain com toda a necessidade reprimida de um
homem morto de fome. Seus dedos se cravaram em seus ombros e ela gritou,
estremecendo, seus sentidos inflamados.
O desejo rugiu em seus ouvidos como um poderoso dragão, e apertou seus
quadris contra sua feminilidade. O fôlego do dragão acendeu seus órgãos
vitais, e se rendeu com um grunhido baixo.
Em um frenesi de necessidade selvagem, levantou a barra da túnica de Rain
e desatou o cordão do cós dos braies que usava em baixo para manter o calor. Ao
primeiro toque de sua mão contra sua pele nua, Rain gritou como se estivesse
em meio ao clímax. Como sua pele podia estar tão quente quando o ar a seu
redor era tão frio? E, doce Freya, como podia estar tão úmida com seu orvalho
feminino quando mal a havia tocado?
Passando rapidamente entre eles, ele ergueu a túnica e desatou seus braies,
deixando-os cair no chão. Pôs as mãos em sua cintura e a levanto do chão.
— Envolva suas pernas em torno de meus quadris, doçura — disse ele com
voz rouca, depois apoiou seus ombros contra a parede com seu peito e
mergulhou em seu interior com um golpe longo, duro. Suas dobras internas o
faziam arder enquanto se ajustavam a ele com tremores de boas-vindas, e ela
gritou:
— Selik!
Ele arqueou os ombros e levantou o pescoço, tentando manter o controle.
Engastado silenciosamente em seu interior doce, úmido, gemeu:
— Não… se… atreva… a… se mover.
Mas ela o desafiou com um grito contente tão antigo como Eva e começou a
mover os quadris.
Ele não podia esperar. Retirou-se, depois se enterrou em sua profundidade
apertada. Repetidas vezes. Dentro e fora dela. Os golpes mais e mais curtos.
Mais duro. Mais duro. Mais duro.
As paredes tremeram.
Ele ficou sem fôlego.
Ela gemeu incoerentemente.
Ele gritou seu nome.
Ela gritou.
Sua rigidez ficou tão enorme que pareceu a ponto de explodir.
Rain tentou se retorcer entre seus braços, seus quadris sacudindo-se
impiedosamente, abandonadamente.
— Deixe chegar, doçura — implorou ele em uma voz crua. — Deixe
acontecer.
Ele ergueu seu traseiro e se derrubou em sua feminilidade ligeiramente,
depois se equilibrando uma última vez.
Suas coxas ficaram rígidas e seus tornozelos se apertaram mais em torno de
sua cintura quando seu corpo se convulsionou entre seus braços, ordenhando
sua virilidade. A semente masculina de Selik explodiu em seu ventre.
Seus joelhos se dobraram e ele caiu ao chão, levando Rain com ele.
Tentando respirar, sentiu seu coração trovejar, e Selik se sentiu tão vivo que quis
gritar seu êxtase ao céu.
Um simples obrigado servirá.
Selik riu e afastou ligeiramente Rain, cujos olhos desconcertados pela
paixão o contemplavam com tal adoração que se sentiu abençoado pelos deuses.
Uh, me perdoe. Acho que você quis dizer um Deus. Me dê o crédito que me deve.
Selik ofereceu uma curta saudação ao céu.
— Agora sei o que se sente ao “fazer amor” — ele disse suavemente
enquanto penteava os dourados e belos cabelos de Rain afastando-os de seu
rosto, já que tinham escapado da trança. — Não tinha experimentado nada
similar em toda minha vida.
— Eu te amo, Selik. Não sei o futuro nos guarda, salvo que nesse momento,
te amo muito.
Pouco tempo depois, rindo do estado em que estavam suas roupas e a palha
que encontraram nos lugares mais estranhos, Rain comentou brincando:
— Não me surpreenderia se tivesse frepas em meu traseiro por seu trato
grosseiro.
— Oh, você é uma pequena coisinha má — a apaziguou ele, colocando-a
sob seu ombro enquanto continuavam seu caminho para casa. — Se tiver frepas,
as extrairei. Com meus dentes.
— É uma promessa? — perguntou descaradamente ela.
— É um voto sagrado — proclamou ele, batendo no peito com a mão para
dar ênfase. — E depois acalmar a pele magoada com minha língua, e farei…
Rain bateu na sua boca com uma mão.
— Basta! Continue e teremos que nos deter em outro estábulo.
Para sua completa vergonha, demoraram tanto que quando chegaram ao
celeiro, o condutor do carro já tinha descarregado toda a comida e se voltava
para retornar a Jorvik. O condutor saudou, mas não se deteve.
— Meu Deus! — cuspiu Ubbi com aversão pela contagiosa aparência deles
ao entrarem no celeiro. — Ambos parecem ter se derrubado no feno.
— Deve ter sido o vento — disse Selik entre dentes.
Depois de tirarem as batinas e se aproximarem do fogo para se aquecerem,
Ubbi seguiu dizendo, cravando mordazmente os olhos em Rain:
— O vento fez um bom trabalho com os lábios do amo e de milady, pelo
que vejo — depois se aproximou mais de Selik, rindo satisfeito. — E o que vejo é
uma mordida no lóbulo do amo? Acho realmente que é isso. Deve ter sido um
vento agressivo, sem dúvida.
— Segure sua língua, pequeno — advertiu Selik. — Tenho que determinar
seu castigo por ajudar a planejar meu seqüestro.
— Não, não conspirei — declarou Ubbi, erguendo seu queixo indignado. —
Somente conduzi o corpo do amo para fora. E pesa tanto quanto um cavalo, se
posso te dizer.
Selik olhou Ubbi, depois comentou com uma voz inocente:
— A propósito, Ella te envia suas saudações com carinho.
O rosto de Ubbi ficou quase roxo pela consternação e ele gritou as palavras:
— Você… você… vocês não devem se meter em meus assuntos pessoais.
Todos riram, inclusive Ubbi.
Rain considerou naquele momento aquela curta risada compartilhada antes
de começar a ajudar as crianças, que estavam guardando todos os artigos que
tinham sido entregues e sem parar faziam as tarefas que ela lhes tinha atribuído
dias atrás. Porque o número de crianças tinha aumentado depois, ela e Ubbi
decidiram que cada criança devia fazer tarefas, desde o nível de Maud, a mais
jovem, com três anos, que punha na longa mesa colheres e pratos de madeira.
Enquanto Humphrey, o mais velho, Jogeir e Kugge — aproximadamente de
dez anos de idade — foram para fora cortar pedacinhos de lenha, as crianças
pequenas levavam os troncos para a fogueira e empilhavam o resto perto da
lareira rugente. Várias das garotas varriam os juncos sujos perto da área do café-
da-manhã e punham outros frescos. Os outros atendiam à vaca e os frangos no
abrigo.
Blanche mexia um caldeirão borbulhante sobre o fogo.
— Blanche! O que faz aqui? — perguntou Rain enquanto andava,
levantando-se e pondo um braço sobre o ombro da criada.
— Gyda me enviou para ajudar a cuidar das crianças — explicou ela,
lançando um olhar ofegante para Selik. E Rain soube que ela tinha segundaa
intenções ao chegar à granja.
Franzindo o cenho, Rain voltou caminhando para Selik, onde Adela puxava
sua perna ofegando esperançosa, com o polegar, como sempre, dentro da boca.
Revirando os olhos exasperado, pegou-a nos braços, tentando não parecer
contente por sua risada nervosa e carinhosa.
— Onde está aquele pequeno sodomita, Adam? — perguntou-lhe ele, e ela
apontou com sua mão livre para um canto.
Oh, menino! Pensou Rain. Agora sabe o que vai pegar ao mirante. Enquanto
outras crianças trabalhavam, Adam, de sete anos, estava reclinado em uma
cama de palha, sua cabeça e ombros contra a parede, uma perna sobre seu
joelho flexionado, brincando com o Cubo de Rubik.
Selik deixou cuidadosamente Adela sobre seus pés, depois saltou sobre
Adam. Ignorou Rain enquanto ela advertia suavemente:
— Calma, Selik, é apenas um garotinho.
Posicionado ao lado da cama de armar, com as pernas separadas e oas mãos
nos quadris, Selik pergunto friamente:
— O que diabos está fazendo, deitado como uma lesma preguiçosa?
Sem mover seu corpo polegada alguma, Adam observou o quarto e às
crianças que trabalhavam, depois olhou o corpo alto e impressionante de Selik
até se chocar com seus olhos. Atrevidamente, respondeu:
— Comandando.
— Comandando? — gritou Selik. Depois Rain viu um brilho de riso breve
nos olhos de Selik ante a audácia do menino antes de ocultar seu regozijo. —
Seus dias de fiscalização terminaram. Tire seu traseiro da cama e ajude a trazer
um pouco de lenha.
Adam pareceu considerar todas suas opções, depois decidiu sabiamente
que era melhor seguir as ordens de Selik. Mas se assegurou de ter a última
palavra.
— Traseiro é uma palavra que a bruxa consente? Me parece que esta na lista
de “tabu”.
Selik estendeu a mão para lhe dar uma sacudida enquanto ele passava, mas
Adam se esquivou agilmente. Ela achou tê-lo visto lhe estender a língua.
Depois os olhos de Selik se cravaram em Rain, prateados por seu brilho
intenso e divertido. Negou com a cabeça desesperado.
— Se dá conta do trabalho que tem dado aqui? O cachorrinho faz mais
diabruras que todos os outros juntos.
Rain pôs uma mão reconfortante em seu braço.
— Querido, pense que se seu filho, Thorkel, tivesse vivido, teria sido
parecido com Adam.
No começo, a cólera brilho em seu rosto ante a menção de seu filho morto,
deixando seu queixo rígido. Mas então pareceu pensar cuidadosamente em suas
palavras, e suas mãos relaxaram, tentando alcançá-la. Rodeou com o braço seus
ombros, apertando-a contra ele, e riu sufocadamente.
— É possível que tenha razão.
— E, Selik…
— O quê?
— Acho que deliberadamente ele se dispõe a ser do contra com você, para
conseguir sua atenção.
— Hmph! Ele tem mais que isso por trás.
— Se ocupou de sua irmã por muito tempo, acho que somente quer alguém
mais velho e mais forte no qual se apoiar. Alguém a quem admire, a quem…
— Para enquanto pode, Rain. Ainda não estou preparado para isso.

Blanche preparou um autêntico festim, fazendo um bom uso do abundante


sortimento de que Selik dispunha — guisado de carne vermelha com verduras e
molho espesso, pão manchet, manteiga recém batida, pêras e maçãs crocantes, e
mel ainda nos favos.
As crianças comeram muitíssimo, e Rain soube que devia encontrar alguma
forma de abastecê-los durante os duros meses do inverno. Talvez pudesse
encontrar um melhor modo de pagamento por seu trabalho no hospitium.
Pensou atentamente nisso depois que Selik saiu. Sua partida pela manhã não
deixava de martelar em sua cabeça.
Depois da refeição, algumas crianças ajudaram Blanche a fazer a limpeza.
Os outros ajudaram Ubbi a desmontar a longa mesa de cavaletes. A madeira da
parte superior foi apoiada contra uma parede, e os bancos organizados perto da
parede da lareira com os colchões cheios de palha para dormir. Outros colchões
estavam no chão diante o fogo.
As crianças bocejaram sonolentos com os estômagos cheios e o calor do
fogo, mas ainda tinham os ouvidos abertos para o conto antes de dormir que
Rain lhes contava enquanto penteava os cabelos das garotinhas uma após a
outra. Os piolhos foram um grave problema a princípio, mas uma melhor
higiene já tinha conseguido erradicar os indesejáveis e irritantes. Tinha a
intenção de continuar com uma cuidadosa supervisão.
— Era uma vez uma garotinha chamada Chapeuzinho Vermelho —
começou Rain, e enquanto relatava as queridas histórias de sua infância para
sua fascinada audiência, teve problemas para manter os olhos separados de
Selik, que estava sobre uma cama forrada com peles com Adela comodamente
aconchegada em seu colo como um gato satisfeito. A linda garotinha inclusive
esfregava sua face contra seu peito largo de vez em quando em um costume
charmoso.
Selik cortava maçãs para as crianças. Seus dedos indicadores tiravam as
peles em espirais longas, frisadas, e cuidadosamente tocavam a fruta de um
modo que ela estava louca para encontrar – suas mãos surpreendetemente
esbeltas, que podiam fazer magia com seu corpo. Mas ela o fez. Com uma
sufocada risada alegre, ofereceu os pedaços a cada uma das crianças, que
abriram a boca para ele como pássaros recém-nascidos. Ela imaginou aqueles
dedos tirando suas roupas, roçando seu corpo, separando suas dobras íntimas.
Quando a língua dele saiu e lambeu o suco sobre a ponta dos dedos, ela
imaginou… Oh, Senhor.
— Termine o conto — choramingou uma das crianças, e Rain se deu conta
com vergonha de que parara no meio da história. Selik lhe sorriu e lhe estendeu
um pedaço de maçã. Ela tentou alcançá-lo, mas ele o segurou fora de seu
alcance, obrigando-a a abrir a boca. Quando o colocou em sua boca, seus dedos
se atrasaram por um segundo em seus lábios, e sua língua lambeu o doce néctar
da ponta de seus dedos. Seus olhos ficaram presos nos dele, e Rain sentiu a
necessidade nas profundezas de seus olhos prateados, correspondendo à dela.
Este é seu amor, disse a voz.
Rain estremeceu interiormente com um profunda decisão.
Notou que as crianças cravavam seus olhos nela duvidosos. E Blanche
sacudia suas panelas fazendo ruídos com ciúmes. Esforçando-se para não
gaguejar, Rain continuou com sua história:
— E depois Chapeuzinho Vermelho disse: “Vovozinha, que olhos tão
grandes você tem.”
Enquanto continuava com outros contos para a hora de dormir, pensou nos
que poderiam interessar a eles — Robin Hood, Aladdin e a Lâmpada Mágica,
Peter Pan — viu como Selik pegava um pequeno pedaço de madeira e uma faca.
Ainda estava contando sua versão de Anni, a pequena órfã, pensando no
significado que tinha em particular para aquelas crianças sem lar.
Repentinamente se alegrou ao pensar sobre uma história não-contada em
particular, a Bela e a Fera. Quando terminou com: “E foram felizes para
sempre”, Selik arqueou uma sobrancelha e perguntou:
—Hah! Agora sei de onde obteve suas noções tolas. Tem a intenção de
agitar meu ego feroz de príncipe com um de seus beijos?
Rain somente sorriu.
Depois Selik lhes relatou histórias sobre os legendários heróis escandinavos
— Ragnar Hairy Breeches, Harald Fairhair, e outros. Enquanto falava, os dedos
de Selik faziam magia com o pedaço sem vida de madeira de carvalho com sua
afiada faca.
Primeiro emergiram as orelhas do lobo, logo os olhos e o focinho, inclusive
os finos detalhes da pelagem do animal.
A imagem que saiu era uma interpretação crua, rapidamente feita, com
duras bordas e inacabada, mas seu talento artístico brilhava nela. Deu a
escultura de madeira a Rain como se fosse um objeto sem preço, como ela era.
— Para a lembrança — sussurrou ele.
As lágrimas correram de seus olhos pela lembrança de que ele não
continuaria ali durante mais tempo. E conteve uma súplica para que mudasse
de idéia. Seu tempo de resistir e batalhar para moldar Selik em algo que ele não
era tinha terminado. Agora somente queria adorar muitíssimo cada minuto do
tempo que ficavam juntos.
Selik se levantou e depositou a adormecida Adela sobre um cama de armar
próxima, jogando meigamente uma capa de lã sobre seus ombros pequeninos.
Depois pegou três peles da cama e se deteve junto a Rain, conduzindo-a para as
escadas.
— O amo vai dormir no desvão? — pergunto com incredulidade Ubbi. —
Ali em cima faz mais frio que em uma geleira.
— Rain me abrigará — respondeu com voz rouca Selik, empurrando-a ante
ele pela escada.
E ela jurou fazê-lo.
Selik queria que aquela noite durasse para sempre. Com as peles
amontoadas em baixo e sobre eles, e uma dúzia de velas iluminando seu
caminho à cama, devagar, pagou com a alma ardente tributo pelo corpo de Rain.
Meticulosamente, seus dedos exploraram cada parte dela, memorizando-a,
guardando em sua mente o prazer para lembrar no futuro. Com cada
choramingo e grito de prazer que extraiu dela, seu coração se elevou.
Realmente, o prazer de uma mulher era o afrodisíaco de um homem.
Nenhuma escuridão ensombreceu Selik naquela noite mágica. Só naquele
momento pensou, e as lembranças do que devia fazer e devia apreciar em Rain,
sua amada Rain.
— Voltarei a te ver alguma vez? — perguntou ela, sua voz interrompendo-
se quando corajosamente tentou conter os soluços.
— Imagino.
— Mas, Selik, se morrer, então terei falhado. Se fui trazida para te salvar, e
eu… e eu não puder, então onde está o ponto?
Ele sorriu galantemente e a puxou pelo seu braço dobrado, acariciando-a
atentamente. Acariciou as pontas de seus cabelos, meigamente desenhou a
borda de sua mandíbula, roçando sua clavícula com uma carícia terna.
— Acho que seu Deus obteve o que queria, se ele te enviou. Pode me sanar
de minha vergonha? Derreteu meu coração, me ensinou a amar de novo. Mesmo
se nunca nos reencontrássemos, não posso lamentar isso.
— Se isso é certo, por que deve partir ?
— Steven — disse terminantemente ele. — Poderia deixar de culpar toda a
raça saxã pela morte de Astrid e de Thorkel, talvez até entregar minha vingança,
mas não contra Gravely. Te amo, Rain, mas a honra exige que eu saque a
presença desse demônio da terra.
Depois ela se resignou e se abandonou ao prazer mútuo.
Quando ele se ajoelhou entre suas pernas e ficou sobre seu corpo, seu
coração bateu estrondosamente contra seu peito. Ela o contemplou admirada,
murmurando:
— Nossos corações parecem pulsar no mesmo ritmo.
— Com certeza — respondeu ele suavemente, pondo uma mão sobre o
peito dela, entre seus dois corações. — Parecem repetir uma palavra, amor,
amor, amor, amor…
Ele viu a dor inextinguível nos olhos salpicados de dourado de Rain, mas
logo se voltou desejo ardente. Sentiu a tensão rígida do frio em seus braços e
pernas, e afrouxou seu aperto, retorcendo-se no calor atordoado. Quando seus
lábios se abriram desafiantes de novo, a silenciou com sua boca.
Quando se introduziu em sua carne suave, ela gritou de êxtase. Ele
penetrou e saiu, lentamente, lentamente, até que o corpo dela começou a tremer
pelas diminutas convulsões de prazer que destroçavam sua mente.
— Oh... Oh... Oh... meu Deus... por favor!
Selik aguentou o desejo até que ela transpassasse o topo, alcançando o
máximo, e se fez em pedaços, depois começou de novo o ritmo. Controlou-o,
estabeleceu o passo. Devagar, rápido, devagar, rápido.
— Me diga! — exigiu ele com uma voz muito baixa, crua.
— Te amo!
— Outra vez!
— Te amo!
— Outra vez!
— Eu... a—a—ah!... doce Jesus... eu te amo!
Ainda se refreou com um controle quase doloroso, enchendo-a com sua
ereção dura como uma rocha, certamente até o ventre, recusando-se a soltar seu
forte entrelaçamento, a necessidade fervendo em sua mente.
— Agora, outra vez — disse ele com um grito exultante de orgulho
masculino enquanto ela gritava seu nome, e acariciou sem parar suas dobras
com carícias longas, longas, atormentadoramente longas, sensibilizando
intensamente suas dobras femininas com sua virilidade.
— Me diga isso de novo!
— Eu te amo, doçura. Por favor… Oh, por favor — Selik riu, um rugido
grave, masculino de prazer, depois arqueou suas costas e jogou para trás a
cabeça, sentindo que as veias estavam a ponto de explodir em seu pescoço. Rain
envolveu suas pernas em torno de sua cintura, movendo a cabeça de um lado
para o outro, e ele se estilhaçou contra ela. Seu autocontrole severamente
desafiou desatar, e se verteu nela com um rugido de prazer tão intenso que teve
certeza de que sua alma se partiu para sempre
— Te amo, querida! Para sempre! — gritou ele enquanto ela vibrava
apaixonadamente a seu redor em um último gesto devastador que continuava
aumentando seu prazer.
— Eu te amo, também! — depois, nos tremores secundários de seus
espasmos que diminuiam, ela disse sufocada — Você me mata!.
Ele sorriu contra seu pescoço.
— Sim, mas que forma de morrer!
Ficaram adormecido nos braços um do outro, saciados e intensamente
relaxados. Quando a luz do amanhecer começou a se arrastar através da janela
do desvão, Selik se sentou nervoso.
— O… que foi? — perguntou ela grogue, se sentando a seu lado.
— Ah, doçura, queria fazer amor com você durante toda a noite, mas
adormeci.
Rain riu e depois passou seus braços em torno de sua cintura, seus seios
roçando tentadoramente os pêlos de seu peito.
— Oh, bravo! Grande conversa!
Ele a baixou à cama e grunhiu contra um mamilo endurecido, apertando
sua virilidade esplêndida contra ela.
— Grande? Quer grande? — disse ele, rindo, e depois lhe deu.
As horas transcorreram como se fossem minutos durante o resto do dia.
Selik fez com que as crianças saíssem ao bosque com ele, onde puxaram uma
árvore morta até o celeiro, limpando-a e convertendo-a em lenha. Nas primeiras
horas da tarde, tinham empilhado bastante madeira ao lado do celeiro para que
durasse meses.
Depois se sentou com Rain e Ubbi à mesa. Enquanto comiam pão e queijo
duro, arrasando com o hidromel, disse a Ubbi:
— Vá amanhã a Jorvik. Gyda te dirá onde tenho moedas escondidas em
reserva. Rain, não deve depender dos monges e sua miserável caridade para o
pão de cada dia. Use meus recursos, e se precisar de mais, peça ajuda a Gyda.
Rain inclinou a cabeça, incapaz de falar através do nó em sua garganta.
Lhe deu um pedaço de pergaminho, dizendo:
— Te passarei as escrituras da granja.
Rain ficou sem fôlego.
— Não, não as quero — chorou ela, separando-se de suas mãos com medo.
Selik se comportava como um homem a ponto de morrer, pondo seus assuntos
em ordem.
— Tome — disse firmemente ele, as empurrando a suas mãos. — Os
soldados saxões podem voltar, e vai precisar de provas de que tem a
propriedade. Pus a data do último assalto de modo que não acreditarão que eu
estive aqui.
Durante horas, ele seguiu acrescentando detalhes que Rain devia recordar
— o nome de um homem viking em Jorvik que podia estar disposto a lavrar os
campos para eles na próxima primavera, a lembrança que devia conseguir o
dinheiro que Ella devia, uma advertência para que fosse cuidadosa com os
soldados saxões que viessem, conselhos relacionados sobre como devia tratar os
monges na igreja do monastério. Não parou, quando tudo o que Rain queria era
pegar-se a seus ombros e lhe rogar que não se fosse.
Uma vez que teve a possibilidade de voltar a encher seu copo de hidromel,
Adam subiu andando e o chutou na tíbia.
— O que acontece com você, maldito duendezinho? — grunhiu ele,
agarrando-o pela nuca e levantando-o a grande altura no ar.
— Por Leavin, seu maldito bacalhau ofensivo e pagão — disse ele com um
soluço, agitando-se violentamente para se afastar. — O amo é como todos os
outros. Meu pai. Minha mãe. Ninguém nunca fica! — choramingou ele,
chutando grosseiramente com os braços e as pernas.
Selik ficou aturdido, somente cravou os olhos no menino furioso por um
momento, depois se expressou com gemidos, quase dolorosamente, e apertou
Adam entre seus braços. Ao princípio, Adam se opôs a ele fortemente com suas
mãos e palavrões. Finalmente, tranqüilizo-se e enterrou o rosto no pescoço de
Selik.
Selik não falou, somente cravou os olhos em Rain, e caminhou com Adam
até um canto do celeiro, onde se sentou com ele em seu colo e lhe falou
tranqüilizando-o durante muito tempo. O recobrimento do coração de Rain foi
como um fino cristal se quebrando em um milhão de pedaços. Não sabia se
poderia sobreviver sem aquele homem, a outra parte de sua alma, o batimento
do seu coração… para sempre seu amor.
O jantar foi algo solene, silencioso, na noite, embora Blanche fizesse um
esforço extraordinário para fazer uma refeição espetacular de despedida —
carne dourada e crocante de veado e frango assado, verduras cozidas, ovos e
creme com mel sobre frutas recém-colhidas. Até as crianças estavam quietas,
raramente tranqüilas, passando rapidamente os olhos assustados de um adulto
taciturno para outro, duvidando, sem entender todas as correntes subterrâneas.
Gorm e os soldados se aproximaram à cavalo ao cair da noite, guiando Fury
selado atrás deles. Selik caminhou a longos passos para frente e falou com eles, e
Rain se encolheu de medo ante o feroz guerreiro no qual seu amante se
converteu, transformando-se. Tinha posto braeis de couro sob a malha flexível.
Uma túnica de lã azul-escura cobria sua armadura, e um pesado manto de pele
o cobria por completo. Levou sua espada, Fúria, e seu elmo e sua lança à sela de
montaria, depois voltou para Rain.
Ela se aproximou, desanimada por aquele desconhecido vestido para lutar,
mas já não havia a loucura normal em seus olhos, só um amor profundo,
imperecível. Esperou não tê-lo debilitado com seu amor.
— Volte para mim, Selik.
— Se eu puder — prometeu demoradamente ele, pegando sua mão coberta
com uma luva com vacilação. Depois, como se fosse incapaz de ajudar, acariciou
seus lábios com a ponta fria de seus dedos. — Se eu puder.
— Irei atrás de você se não o fizer — chorou ela enquanto ele deixava cair
sua mão e subia em sua sela de montaria — Está me ouvindo? Irei atrás de você.
Ele sorriu ameaçadoramente, depois ergueu o elmo sobre sua cabeça.
Baixou o olhar para ela e pronunciou as palavras:
— Eu te amo. Para sempre.
Moveu seu cavalo depois, sem outra palavra, e Rain se afundou no chão,
seus joelhos se dobrando. Só depois disse chorando com toda sua dor e dúvidas
sobre a partida de Selik.
— O mantenha seguro, meu Deus — rezou ela com soluços torturados. —
Me ouviu, querido? Você me deu ele. Não se atreva a levá-lo! Por favor, meu
Deus, Oh por favor, por minha vida, o mantenha seguro.
Desgraçadamente, a voz em sua mente estava mortalmente quieta.

Capítulo 18
Uma nuvem pairou sobre a pequena granja durante as semanas seguintes
enquanto o clima se tornava amargo e cinzento. Todos os habitantes do
abarrotado celeiro trabalhavam sobriamente em suas tarefas atribuídas, como se
sentissem o destino iminente. Raramente tranqüilos, as crianças seguiam
cortando a madeira e empilhando-a, lavando as roupas, ordenhando a vaca,
recolhendo ovos e limpando o celeiro. Rain quase esperava com ilusão seus
antigos gritos e travessuras infantis.
Até Adam se converteu em uma criança-modelo. Bem, isso era um exagero,
emendou-se imediatamente. Sua boca suja continuava cuspindo palavrões, mas
agora freqüentemente se desculpava depois. Brincava como um tirano com as
outras crianças, naturalmente dedicando-se a um papel de líder, mas agora se
esforçava para adoçar as ordens com elogios. Tocou-lhe profundamente o
coração, e a assustou, ver a preocupação por Selik em seus grandes olhos cor de
café.
Depois de duas semanas de irritabilidade e interminável caminhar, Rain
decidiu fazer uma continuação a uma antiga idéia sobre a varíola que
freqüentemente assolava às pessoas medievais. Não queria fazer nada para
mudar o curso da história médica, mas não via que mal podia fazer vacinando
sua pequena prole. Pediu a Ubbi sua ajuda.
— Bem, agora sei que definitivamente está louca — exclamou Ubbi, jogando
no chão a roca com que estava acostumado a afiar as facas e espada. Estava
chateado desde que Selik se foi porque seu amo lhe ordenou ficar e proteger
Rain e os órfãos. E sua artrite estava agindo. Agora seu pedido não ajudava.
— Foi coisa de Deus me enviar o pedido de seqüestrar o amo. Mas ir e
pegar a substância das úlceras das vacas com varíola? Não, não vou fazer.
— Ubbi, carinho…
— Não me venha com doçuras — a avisou ele, cruzando os braços sobre o
peito inflexivelmente.
— Eu posso ir — Adam se alistou como voluntário.
— Não vai! — exclamaram horrorizados Rain e Ubbi.
— Pois bem, se Ubbi tem medo das vacas ensangüentadas…
— Melhor ajudar sua irmã a esvaziar esse penico que leva de um lado para
outro — gritou Ubbi. — Para que se mantenham sua cara na correria. E se
mantenha afastado das vacas… Qualquer vaca — se voltou para Rain sacudindo
a cabeça. — Meu Deus!
Me chamou?
— Ouviram isso? — gritou Ubbi. — Ouviram? Oh, agora você me fez isso!
Deus voltou para mim, voltou!
Rain sorriu. Às vezes o que Deus fosse era conveniente.
Quando Ubbi voltou ao cair da noite estava resmungando porque tinha
percorrido vinte hectares de terras de lavoura antes de encontrar um lugar com
uma vaca doente.
— Usou as luvas? E tem certeza de que a boca estava coberta quando
drenou as úlceras? A vaca estava completamente morta?
— Sim, sim, sim — disse Ubbi com cansaço.
Algumas vezes Deus vinha convenientemente.
— Não se sente — ela gritou o pedido — e não toque em nada.
Ubbi saltou de onde estivera a ponto de se sentar cansadamente sobre um
banco ante o fogo.
— Agora o que é?
— Tire todas as roupas para eu poder queimá-las. Não quero correr
nenhum risco de contágio.
Ele estava muito cansado naquele momento para discutir.
No dia seguinte, vacinou todas as crianças, junto a horrorizados Ubbi e
Blanche, que havia se tornado sem dúvida hostil com ela desde que tinha
chegado ao celeiro. Utilizando uma faca muita afiada, Rain fez um pequeno
corte no braço de todos e introduziu uma pequena quantidade da substância da
varíola, o suficiente para caber na cabeça de uma agulha. Nos dias seguintes,
além de febres leves e um pouco de náusea, todo mundo pareceu sobreviver ao
teste muito duro sem nenhum dano duradouro.
Satisfeita com os resultados do projeto, decidiu retornar ao hospitium. Além
disso, precisava comprar fornecimentos na cidade –tecidos pesados e linha
grossa para fazer mais mantas para as camas de palha, os temperos especiais
que Blanche lhe pediu, mais colheres e pratos grosseiros de madeira, e mais fio
de lã para tecer as meias três-quartos das crianças. Gyda tinha prometido ir em
vinte e quatro horas para instruir às garotas naquele fino ofício, do qual Rain
não sabia nada.
Ubbi, atiçado por suas constantes perguntas sobre Selik e seu destino, a
animou.
— Por favor, vá. Nos dê um pouco de descanso das constantes perguntas
sobre o amo. Ele se preocupa com os parentes, eu te juro.
Adam insistiu em ir protegê-la. Ela começou a protestar, mas decidiu que
não lhe faria mal ver o hospitium. Poderia até ajudar. Mas antes tinha que
adverti-lo de que não desmentisse seu disfarce de monge. Ele achou que era
uma grande brincadeira com os sacerdotes do monastério, muitos deles eram
menos que generosos com os órfãos.
As habilidades de rua de Adam acabaram se mostrando sem preço. A levou
através de todos os atalhos da cidade, e lhe mostrou uma loja afastada do
caminho especializada em importações do Oriente, o que incluía coisas exóticas.
Mais tarde, ele se sentou em um tamborete alto na loja de Ella, esperando
que os trabalhadores da loja amarrassem os volumes de tecido e os
trespassassem como Rain ordenara, comendo ruidosamente bolos de mel e
bebendo hidromel como um senhor de castelo.
— Alguém devia bater no pequeno sodomita uma ou duas vezes — se
queixou Ella enquanto Adam repreendia um de seus trabalhadores por ser
excessivamente miserável ao medir o tecido, mas sua voz tinha também uma
nota de admiração. — Valha-me Deus, se o cachorrinho chegar à idade viril,
será digno de ser visto.
Rain concordou, sobretudo quando foram ao hospitium. Adam a seguiu por
toda parte, não como um filhotinho, mas como um colega. Era como um medico
pequeno que absorvia tudo o que via ao seu redor com fascinação, fazendo uma
pergunta inteligente atrás da outra, e parecendo brilhar pela admiração.
Rain viu um médico trabalhando. Também era ruim que Adam nunca
pudesse ter a possibilidade de fazer realidade aquele sonho naquele sociedade
primitiva.
O Padre Bernard não ficou tão contente com a presença de Adam.
— Realmente, Irmão Godwine, deve trazer todos seus companheiros sobre
a base sagrada da igreja? Primeiro o gigante bruto, o Irmão Ethelwolf. Agora,
esse pequeno rato sórdido e pagão.
— Quem é pagão? — grunhiu Adam atacando. — Rezo todas as noites. E
além disso, sou em parte saxão, como você, Bernie. Sua mãe era uma puta,
também? — perguntou ele com a inocência em seus grandes olhos de gato bem
alimentado.
O Padre Bernard gritou e quase se engasgou com sua língua indignada.
— Por que, você, pequeno… — agarrou o braço de Adam, com a intenção
de lhe ensinar uma lição.
— O Irmão Godwine disse que ele pulverizou varíola de vaca sobre a pele
dos órfãos?
— O quê? — o Padre Bernard deixou cair o braço de Adam como se fosse
uma brasa ardente e correu ao banheiro, onde começou a esfregar suas mãos
várias vezes, resmungando. — Deus está me castigando por meus pecados. Oh,
devo me confessar imediatamente.
Rain sentiu que não seria bem-vinda no hospitium por um tempo. Dirigiu
um olhar de desgosto a Adam, não realmente zangada. Com certeza, começava
a pensar que poderia ajudar mais abrindo sua própria clínica na primavera. E
tinha o suficiente que fazer se preocupando durante o inverno dos órfãos. E de
Selik.
Passou-se mais de um mês, e Selik ainda não havia retornado. Rain seguiu
com sua vida “normal” — cuidar das necessidades das crianças que tinham
transformado o cavernoso celeiro em um lar mais real para ela que seu luxuoso
apartamento no futuro, ir ao hospitium quando o clima tempestuoso do inverno
permitia, e visitar Ella e Gyda.
Rain tentou manter a esperança enquanto o Natal se aproximava, contando
às crianças todos os contos natalinos que recordava de sua juventude. “Uma
Canção de Natal.” “A Véspera do Natal.” “O Gelado Boneco de Neve.”
“Rudolph, a Rena do Nariz Vermelho.” E para seu deleite, convenceu um
resmungão Ubbi a ajudá-la a trazer um enorme pinheiro para dentro do celeiro,
onde o decoraram com pinhas e cordas de azevinho com bagos.
Em sua última viagem a Jorvik, encontrou um comerciante que vendia
açúcar, um artigo de comércio muito caro naquela sociedade primitiva que
confiava no mel para adoçar. Repentinamente inspirada, se desfez de moedas
preciosas e levou para casa o açúcar, abraçando-o contra o peito, junto com um
potinho de barro com cerejas em conserva de Gyda e outro com mel. Se Selik
chegasse no Natal, como esperava, teria um presente especial para ele.
— Está louca? — perguntou Ubbi mais tarde naquele dia enquanto ela
vertia todos os ingredientes em uma panela com água sobre o fogo. —
Desperdiçar todo esse açúcar! Em quê?
— Salva-vidas — disse Rain, erguendo o queixo defensivamente. — Vou
fazer salva-vida de cereja para Selik no Natal.
Sua primeira tentativa foi um desastre. Não só pela aparência, que ao se
verter em um pedaço oleoso de mármore, pareciam-se com tudo, menos
círculos, e não endureceram corretamente, e eram horríveis.
Escutou Adela murmurando ao ouvido de Adam que Tastes gostava dos
excrementos das galinhas, antes de disimuladamente jogar no penico.
Rain e sua mãe tinham feito pirulitos uma vez quando ela era criança.
Tinham saído incrivelmente bem, e achara que os Salva-vidas seriam iguais. A
receita de sua mãe requeria glucose de milho, entretanto. Talvez fosse o mel
com o qual a substituira. Ou talvez não usara as quantidades adequadas. E
talvez uma fogueira não fosse o melhor método de cozinhar.
Então voltou a tentar. Agora as bordas ficaram duras, mas tinham mais
gosto de mel que de cereja, e não eram o suficientemente doces.
Experimentou repetidas vezes, esbanjando o tão necessário dinheiro
enquanto comprava mais e mais açúcar até que Ubbi a freou.
— Basta! Se não gosta desses, é uma parte do corpo a que me respeitar.
Além disso, os pequeninos estão doentes com tudo esse doce.
Rain sorriu timidamente. Ele estava certo, e ela sabia que a maioria das
crianças fingiam gostar somente para evitar ferir seus sentimentos. Realmente a
última vez não foi muito ruim, e envolveu várias dúzias de forma embaralhada
em grosso pergaminho, amarrou-o com uma fita brilhante, e o pôs sob a árvore.
Quando chegou o Natal e todos se sentaram ante o fogo, a árvore iluminada
com velas fazendo uma bonita visão em um canto, um banquete maravilhoso ao
fogo, suas esperanças começaram a se desvanescer. Selik ainda não tinha ido
para ela.
Passaram os dias, depois semanas. O vento de inverno uivava lá fora, e a
árvore de Natal, que tenazmente ela se negou a desmontar, soltava mais e mais
agulhas, um sombrio aviso de suas esperanças moribundas.
Ubbi e as crianças afastavam seus olhares de lástima quando ela passava, e
Rain começou a aceitar o que já sabiam. Selik não retornaria. Jamais.
Duas semanas depois do Natal, quando voltaram para a granja depois de
uma viagem a Jorvik para visitar Gyda, seus piores temores se fizeram
realidade. Gorm estava ferido e perturbado ante o fogo, sendo servido por
Blanche e Ubbi. Todos as crianças estavam assustadas ao fundo, apinhadas com
o rabo entre as pernas.
— O que aconteceu? — gritou ela, correndo até seu lado. Tirou seu manto e
começou a examinar suas feridas. Nenhuma era séria, salvo por algumas
costelas fraturadas, que apertou fortemente com tiras de linho, mas os
machucados e cortes cobriam todo seu corpo da cabeça aos pés.
— É ruim, milady — ele lhe disse, erguendo seus olhos sombrios aos dela
enquanto ela cuidava dele. — O que aconteceu… é muito ruim.
Rain não fez perguntas sobre Selik. Temia a resposta.
— Os homens do rei Athelstan estavam esperando perto de Humber onde
os mestres estavam escondidos.
Rain inspirou bruscamente. Por favor, meu Deus. Por favor!
—Mataram três de nossos homens no ato. Outros dois foram torturados até
a morte — Gorm engoliu em seco várias vezes como se tentasse conter a bílis, e
seus olhos se abriram e vidraram pelas horríveis imagens em sua mente.
Rain apertou fortemente os punhos, as lágrimas descendendo por seu rosto,
assustada de saber o destino de Selik, mas ao mesmo tempo, precisando saber.
— Deram-me por morto, mas todo o sangue em meu peito não era só meu,
era também de Snorr. Oh, meu Deus, era de Snorr. Fui confinado em uma
cabana com febre nos últimos meses.
Seus olhos se mantiveram em Rain depois, quase com piedade, e ela se
preparou para o que viria depois.
— Capturaram o senhor. Fizeram-lhe coisas horríveis antes de pegá-lo por
completo. Oh, santo Thor, o que lhe fizeram. Se eu tivesse podido matá-lo antes
que partíssemos, teria feito e com gosto. Pois ele estaria realmente melhor morto
que nas mãos desses vilãos.
Rain se adiantou por uma única coisa. Selik estava vivo. Obrigado, meu
Deus!
— Onde o pegaram? — perguntou ela, sua mente catalogando já tudo o que
necessitaria para preparar sua viagem.
— Winchester. Pelo rei Athelstan.
Rain inclinou a cabeça, tendo esperado muito.
— Preciso ir a Winchester. Talvez possa convencer o rei Athelstan de soltar
Selik. Ele sempre disse que o rei sente uma grande admiração pelos curandeiros.
— Mas odeia ainda mais Selik — notou Ubbi com pesar. — Deve saber isso.
— Sim, mas ouvi que é um rei compassivo, disposto a escutar ambos os
lados.
Ele negou com a cabeça duvidando.
— Ubbi, vá a Jorvik e diga a Gyda que preciso de dois cavalos, assim Gorm
e eu poderemos ir para Winchester.
— Três cavalos — interrompeu Blanche. — Eu também vou.
Todos a olharam surpreendidos.
— Conheço os arredores de Winchester. Vivi lá durante a maior parte de
minha vida.
Rain pensou durante um segundo, depois concordou.
— Três cavalos. Também, Ubbi, diga a Gyda que envie mais dinheiro de
Selik, e lhe pergunte se ela ou Ella podem te ajudar com as crianças.
— Não ficarei dessa vez — declarou Ubbi veementemente.
— Tem que ficar, Ubbi — implorou Rain. — Quem mais se encarregaria de
todas as crianças?
— Eu me encarregarei — disse Adam elevando a voz. — E não é que não
possa fazê-lo, de qualquer maneira. Se me deixarem umas poucas moedas,
conduzirei os órfãos.
Provavelmente seria capaz, mas ela não permitiria que um menino de sete
anos fiscalizasse uma dúzia de crianças, algumas delas bem maiores que ele.
— Ubbi, tem que ficar. Seja realista. Sua artrite está tão ruim esses dias, com
o clima úmido, que algumas manhãs mal que pode se mover da cama. Como
poderia montar a cavalo tanto tempo?
A contragosto, ele finalmente concordou.
— Acho que os atrasaria. Devo pensar no que for melhor para o amo.
Ela o abraçou agradecida e se aproximou do desvão para empacotar seus
poucos pertences. Fazendo um tipo de pacote em torno de sua cintura, jogou
seu colar de âmbar, o broche de dragão que não usara desde sua chegada e o
resto das moedas que Selik lhe tinha deixado. Sobre ele, pôs duas calças de lã de
Selik e duas túnicas longas, um manto de pele, luvas e a túnica de monge.

Somente três dias depois, nos subúrbios de Winchester, Rain, Blanche e


Gorm foram capturados tentando entrar na cidade murada depois do anoitecer.
Os soldados saxões surgiram do nada, os assustando. Quando Gorm levantou
sua lança para repeli-los, um soldado o matou com um movimento cruel de sua
espada. Aconteceu tão rápido que levou um momento para Rain se dar conta de
que Gorm estava sobre o terreno com uma espada atravessando de um lado a
outro o seu peito, seus olhos com o olhar fixo para cima com horror cadavérico.
Blanche soluçou fortemente sobre o cavalo ao lado dela.
Rain caiu no engano de se voltar encolerizadamente contra os cruéis
soldados.
— Exijo ver o rei Athelstan imediatamente. Viemos para alegar pelo caso do
prisioneiro, Selik.
— O Fugitivo! — todos exclamaram imediatamente, e ante só a menção de
Selik, os guardas saxões as desceram de seus cavalos, que imediatamente
confiscaram, prenderam seus braços às costas, e partiram com elas, cravando a
lança em suas costas, até sua líder.
— Mestre Herbert, esses dois vieram às escondidas aproximando-se das
portas do castelo procurando o Fugitivo. Outro está morto nas paredes externas
— declarou um dos guardas.
— Não íamos às escondidas — corrigiu Rain, e o guarda empurrou ela e
Blanche para dentro do quarto do barraco onde um homem de aspecto perverso
estava sentado recostado contra a parede em um estupor vicioso de hidromel,
com um copo de madeira. Estava melhor vestido que os outros soldados que se
sentavam às mesas de cavaletes para beber e jogar jogo de dados. Algumas
mulheres estavam sentadas no colo de alguns homens, que as acariciavam
abertamente.
— Informamos ao rei? — perguntou o guarda a Herbert, que Rain assumiu
ser o castelão, o cabeça das tropas do rei em Winchester.
Herbert ficou em alerta de repente, ignorando a pergunta do guarda
enquanto estudava com insolência as sujas vestimentas, suas mãos ainda
sujeitas nas costas. Tinham montado durante dois dias, se detendo raramente, e
a higiene não tinha sido uma prioridade. Herbert, arrogantemente, inclinou-se e
tomou outro gole de seu hidromel. Provavelmente os tinha avaliado e
designado sem importância, apoiando-se em sua aparência.
— Sim, digam ao rei. Preciso falar com o rei Athelstan imediatamente —
disse Rain com tanta urgência que sua voz soou mais alta que o normal.
As sobrancelhas de Herbert se ergueram e ele se levantou bruscamente,
tombando o banco, depois caminhou para ela.
Ela ouviu vários dos soldados rirem disimuladamente.
— Um sacerdote falando em nome de um pagão dinamarquês? Agora isso é
uma raridade — disse ele enquanto caminhava para Rain. Ela mal podia se
impedir de voltar para trás. Quando esteve frente a Rain, sua cabeça lhe
chegando apenas ao nariz, lançou sua mão e puxou o capuz, revelando sua
trança loira. Estendendo a mão, puxou fortemente seus cabelos, depois usou sua
faca pequena que levava na bainha em sua cintura para cortar a correia de
couro. Seus cabelos ondularam caindo em uma nuvem estática e etérea.
Herbert soltou um assobio baixo, e alguns dos soldados inspiraram
bruscamente, depois a multidão comentou:
— Acho que eu poderia transar com um monge sodomita se tivesse cabelos
assim — exclamou um jovem, depois esquivou sua cabeça quando seus
companheiros começaram a brincar sobre suas preferências sexuais.
Com outro brilho rápido da faca, Herbert cortou completamente a túnica da
gola à barra e empurrou com seu ombro seu pulso. Enquanto a pele de animal
de cor de café insípida caía no chão rapidamente, Herber olhou as túnicas
duplas e o que fazia mais grossa sua figura, depois a olhou de cima abaixo,
considerando que sua altura era excessiva para uma mulher. Seus lábios se
curvaram com desagrado.
Herbert olhou Blanche depois, e ela baixou os olhos tentadoramente e fez
seus seios ressaltarem em um claro convite. Com asco, Rain viu que a boca do
Herbert se abria e a saliva molhava os cantos de seus lábios.
Começou a pensar que era melhor se agisse rapidamente. Com certeza, não
ia seduzir aquele soldado para que a conduzisse ao rei por sua atração.
— Escute — ela cortou o exame lascivo dos encantos de Blanche. — Sou
médica, cirurgiã em meu país. Seu rei vai querer falar comigo.
Herbert soltou uma palavra vulgar, e seus soldados riram também,
sarcasticamente.
— Uma mulher médica? Não acredito. A única cura de uma mulher está
entre suas pernas.
Os soldados gargalharam.
Rain retesou os ombros irada.
— E a única inteligência que você tem é…
Antes que Rain pudesse terminar, o punho de Herbert saiu disparado e
socou seu queixo. Com um estalo, seu pescoço foi para trás e ela caiu no chão,
sua cabeça bateu na parede com um forte som surdo.
Rain não despertou até a manhã seguinte, quando se encontrou no duro e
sujo chão com um forte aroma de urina rançosa, humana e outros aromas
horríveis. Tinham soltado seus braços, e se endireitou com um coice, pondo
uma mão sobre o galo na parte de trás de sua cabeça e depois em seu queixo
dolorido. Movendo sua mandíbula de um lado a outro, decidiu que o bruto não
a tinha quebrado, mas não por falta de tentativa.
Ao ouvir um som gemente a suas costas, se sentou bruscamente, fazendo
com que sua mandíbula pulsasse ainda mais dolorosamente. Ratos, deu-se conta
imediatamente. Tinham-na metido em uma masmorra úmida, e havia ratos.
Rain tentou se orientar. A cela não superava os 2,5 por 2,5 metro se nua,
salvo pelo banco sob a janela, um cubo de água no canto e, no chão perto da
porta de grossa madeira, uma jarra de cerâmica de água e um prato grosseiro
com um pedaço de pão mofado e uma fatia de carne. Um rato mordiscou a
carne.
Os instintos de sobrevivência de Rain despertaram. Estava viva. Selik
estava vivo. Isso era o que mais importante agora. Ainda tinha esperança.
Com determinação, preparou-se psicologicamente e caminhou para afastar
com um tapa o rato, pegando o pão. O rato que gritava agudamente podia
voltar depois pela carne cinzenta, mas ela poderia precisar do pão duro para se
manter. E água, é obvio.
Ao entardecer, o espírito de Rain se abateu. Os gritos e gemidos que saíam
das celas próximas lhe contavam sobre os outros prisioneiros que estavam
retidos na masmorra subterrânea. Ninguém tinha ido a sua cela nas horas que
tinha passado ali, e confrontu o pensamento atemorizante de ter que passar a
noite naquele buraco infestado de ratos.
Estava em pé no banco pelo que devia ser a enésima hora e olhava pela
janelinha com atenção, ela estava ao nível do muro exterior do castelo. Gritara
pedindo ajuda a intermináveis soldados e criados que passavam
imperceptivelmente, sem ganhar nada. Dessa vez somente recostou o queixo
dolorido no peito e ficou olhando para fora desesperada.
Dois homens bem vestidos chegavam pela esquerda. Um deles, um homem
alto, de cabelos escuros, no começo dos vinte, caminhava energicamente
discutindo fortemente com seu companheiro. Seu manto forrado de peles se
moveu para revelar uma bela túnica azul com um cinturão de elos de prata,
posto sobre calças escuras e finas botas de couro. Quando voltou o rosto, Rain
fico sem fôlego. Oh, meu Deus! Ele era parecido com seu irmão Eddie, que tinha
morrido no Líbano.
Os pêlos de todo o corpo de Rain ficarm arrepiados quando seus olhos
ficaram fixos no broche de dragão que mantinha seu manto sobre o ombro.
Rapidamente Rain levantou as duas túnicas e colocou debaixo do cinturão de
suas calças. Graças a Deus, os soldados ainda não tinham descoberto o pacote
em sua cintura. Arrancou o broche, depois voltou o olhar o homem, que tinha se
voltado aproximando-se. Os dois broches eram idênticos.
Ele devia ser Eirik, deu-se conta Rain imediatamente. Seu meio-irmão do
passado. O irmão de Tykir.
— Eirik — gritou ela com esperança, mas não a escutou. — Eirik!
Continuava ignorando-a. Em um momento, tinha passado e, com ele, todas
as idéias de liberdade de Rain.
Bem, meu Deus, poderia ajudar um pouco aqui? Rezou freneticamente
Rain.
— Eirik! — gritou ela com toda a força de seus pulmões. Justo nesse
momento se ergueu um pouco de vento, levando seu grito, e Eirik se voltou
para a janela, suas escuras sobrancelhas erguidas.
— Eirik, por aqui! — gritou ela.
Ele se aproximou, ignorando as queixa de seu companheiro, que queria
voltar para o hall do castelo. Acocorando-se, ele olhou com atenção pela janela.
— Eirik, graças a Deus que finalmente me escutou. Se apresse. Tem que
conseguir me tirar daqui. Sou sua irmã… Oh, sei que nunca ouviu falar de mim,
mas lhe explico isso depois. Apenas consiga que os guardas me libertem. Temos
que ajudar Selik, rápido!
— Não tenho irmãs — explodiu Eirik e estava prestes a se levantar.
— Sim, tem. Sou Rain, Thoraine Jordan. A filha de Ruby. Olhe — disse ela,
segurando no alto o broche.
— Me deixe ver isso — grunhiu ele, tentando pegar o broche, mas ela o
afastou de seu alcance. Se cedesse o broche, não teria nenhuma prova de sua
identidade. Engraçado que nunca tivesse acreditado que a relíquia familiar
carecesse de preço antes. Quase riu nervosa e histericamente.
Eirik entrecerrou os olhos, tentando olhar fixamente seus traços através da
janela.
— Maldito demônio! — disse finalmente ele, depois se levantou e foi
embora.
Atordoada, ela apenas o seguiu com o olhar. Não tinha acreditado nela, no
final das contas. Afundou-se no banco e deixou que as lágrimas corressem por
suas faces em rios eternos. Não lhe importava o que acontecesse a si mesma. Era
Selik. Temia desesperadamente por sua vida e que os malditos saxões o
tivessem torturado na semana passada. O rangido da dobradiça da porta atraiu
a atenção de Rain, e a porta se abriu para permitir a entrada de Eirik. Eirik
abaixou a cabeça e entrou no quarto diminuto, fazendo-o ainda menor com sua
altura e suas roupas magnificas. Analisou-a friamente.
— Fale — pediu finalmente ele.
— Sente-se — ofereceu Rain, limpando a umidade de suas faces e
gesticulando ao banco no qual ela estava sentada. — Gostaria de um refresco?
— perguntou ela com falsa cortesia.
— Seu comentário sarcástico é mal colocado, moça — explodiu Eirik. —
Não sei quem é, mas uma coisa é certa… não é minha irmã.
Rain se levantou e se aproximou dele, pressionada além de seu limite. O
olhou, as mãos nos quadris.
Eirik a olhou desdenhosamente, depois teve o descaramento de dizer:
— É grande… para uma mulher.
— Alta.
— O quê?
— Alta. Sou alta, não grande, seu idiota da Idade das Trevas.
Seus lábios se sacudiram com um sorriso.
— Essa idiota é uma palavra que conheço. A aprendi uma vez com… — se
deteve bruscamente, seus olhos se abrindo ao compreender. Depois a puxou
pelo braço para a porta. — Venha. Falaremos em meus aposentos.
Com um pequeno protesto, o guarda permitiu a Eirik guiá-la para fora da
prisão. Aparentemente, Eirik tinha uma posição de importância no tribunal do
rei Athelstan. De fato, ela recordou Tykir comentando algo sobre isso. Talvez ele
pudesse ajudar Selik.
O quarto pequeno, mas opulento de Eirik era em um corredor longínquo no
Castelo de Winchester, a residência preferida do rei. Agora que estavam
sozinhos, Rain não podia se ajudar. Lançou-se contra o peito de Eirik,
abraçando-o fortemente.
— Oh, meu Deus, não tem nem idéia de como se parece com meu irmão
Eddie. Não sabia o quanto sentia falta dele até que te vi. Poderia ser seu gêmeo.
— E onde está esse Eddie agora? — perguntou Eirik com vacilação,
afastando Rain.
— Morto — disse Rain, engolindo em seco fortemente. — Morto no Líbano
há mais de dez anos. Servia na Marinha e… — suas palavras se interromperam
quando se deu conta de que Eirik não entendia nenhuma palavra do que dizia e
cravava seus olhos nela com suspeita.
Rain dobrou a cabeça, tentando conseguir forças, e notou em sua mão o
broche. Abriu-a e viu o broche de dragão, o precioso broche que sua mãe dizia
que seu marido Thork lhe dera. Incapaz de pensar em nada que convencesse
Eirik, somente lhe deu o broche.
Ele indicou a Rain que se sentasse na única cadeira enquanto ele se
afundava na cama, estendendo suas longas pernas. Tirou seu broche do ombro,
deixando que o manto forrado de pele caísse por suas costas no colchão.
Durante muito tempo, somente cravou os olhos nos broches que havia em sua
grandes palmas. Rain pensou que tinha visto um brilho de dor e emoção em
seus olhos claros e azuis.
Finalmente, ergueu os olhos e os centrou nela.
— Me conte — exigiu ele muito rouco.
Quando finalmente terminou de contar sua história inverossímil, ele disse:
— Nunca acreditei na história de que Ruby vinha do futuro; tampouco a
aceito de você.
Rain moveu uma mão no ar irritadamente.
— Ruby é minha mãe. Se acredita que viemos de outro tempo ou outro país,
não importa, agora. O mais importante é libertar Selik. Pode me ajudar? O viu?
— Justamente venho de sua prisão — disse ele, esfregando a nuca com
cansaço. — E, não, não posso ajudá-los. Já tentei. Selik pressionou muito
Athelstan. O rei não vai se dobrar dessa vez.
Rain não pôde deter o baixo soluço de desassossego em sua garganta.
Estremeceu pelo terror que a percorreu e desejou poder se meter sob as peles da
cama de Eirik e dormir e dormir. E quando despertasse, todo aquele pesadelo
teria terminado, e estaria de novo entre os braços de Selik.
— Talvez se falasse com o rei, poderia convencê-lo.
Eirik lhe dirigiu um olhar incrédulo.
— Não acredito que fosse possível.
— Mas escutei que Athelstan tem necessidade de bons curadores. Sou
cirurgiã, uma boa, Eirik. Há maravilhas médicas que ele nunca sonhou que eu
possa lhe contar, remédios que posso dar…
— É médica? Sério? — a boca de Eirik se abriu assombrada.
Rain inclinou a cabeça.
— Graduei-me na universidade quando tinha vinte anos e passei na Escola
de medicina quatro anos. Tenho um Q.I. alto — disse ela dando de ombros
envergonhada. — Depois servi durante dois anos em um hospital militar para
cancelar alguns de meus empréstimos para a universidade antes de me
converter em cirurgiã. Estive ajudando no hospitium de Jorvik, mas acredite em
mim, sei bastante mais que esses curadores primitivos.
— Convencida, não? — disse Eirik, sorrindo abertamente.
— Não, desesperada.
— Em seu desespero, poderia, talvez, mentir?
— Não estou mentindo — disse ela com um gemido. — O que posso lhe
dizer para provar o que digo? Me deixem pensar. Em meus dias, podemos
inseminar artificialmente uma mulher que antes não era capaz de ter filhos.
Podemos voltar a unir uma extremidade que antes estava completamente
separada, e inclusive podemos reatar as funções físicas. Há transplantes de
coração e de rins. Todas as crianças são vacinadas contra a varíola, e…
— Basta! — disse ele, mantendo no alto as duas mãos em sinal de rendição.
— O rei pode estar interessado em seu conto sobre um mundo tão estranho,
embora não fosse certo. Se ele o considerasse como um alívio temporário é uma
história completamente diferente, entretanto. Não eleve suas esperanças sem
razão.
— Somente me leve para ver o rei — disse ela. — Eu me encarrego do resto.
Eirik inclinou a cabeça, depois negou com a cabeça admirado.
— Uma irmã? Leva um pouco de tempo para se habituar — ele se levantou,
pareceu vacilar, depois lhe estendeu os braços, lhe dando um enorme abraço de
urso. — Mais tarde terá que me contar sobre esse Eddie, meu gêmeo. Sem
dúvida foi ferozmente atraente e muito valente — encheu deliberadamente o
peito.
Rain suspirou e o olhou.
— Sim, e extremamente arrogante — repentinamente, pensou em outra
coisa. Em uma voz tremulamente suave, perguntou — Posso ver Selik?
Eirik deu de ombros com incerteza.
— Verei o que posso fazer, mas Rain… não tenho certeza de que Selik
queira que você vá.
— Por que não?
Ele fez uma careta e tentou brincar.
— Já não é tão atraente como era antes.
Ela pôs uma mão sobre seu peito e fechou os olhos durante um momento
para fortalecer sua coragem. Depois o olhou diretamente.
— Pelo amor de Deus, Eirik, sou médica. O quanto ele está ferido?
— Nenhuma das feridas é mortal, é tudo o que posso dizer. Mas… pois
bem, não há nenhuma parte em seu corpo que não tenha sido ferida ou
quebrada.
— Quebrada? — ficou sem fôlego.
Ele inclinou a cabeça.
— Um braço quebrado, costelas fissuradas… Oh, Rain, não sei. Justamente
hoje retornei da Normandia e só o vi durante um tempo curto.
Rain ergueu o queixo atrevidamente. Alguém teria que pagar pela tortura
de Selik. Começou a pensar que não havia nada mais mortífero que uma antiga
pacifista. Mas por hora tinha que libertar Selik.
— Vá e faça os preparativos para minha entrevista com o rei. Não há tempo
há perder. E se puder encontrar alguns fornecimentos médicos… faixas,
ungüento, qualquer coisa.
— Primeiro deve se banhar e trocar de roupas. O rei não a receberá em
semelhante aparência, dando mau-cheiro ao seu ar nobre — sorriu abertamente
enquanto ela cravava o dedo nele com uma falsa irritação.
Pouco tempo depois, Rain tinha se banhado e lavado os cabelos e pôs as
roupas que Eirik tinha preparado para ela (uma bela túnica rodeada de seda cor
de âmbar sobre uma suave camisa de cor creme de lã). Ela se sentou com ânsia
retorcendo s mãos enquanto escutava Eirik falando sobre sua reunião com o Rei
Athelstan.
— O rei lhe concederá audiência amanhã, mas será curta. Saiba que
Athelstan mal pode falar por sua fúria pelas mortes que Selik causou e seu
regozijo pela enfim captura do Fugitivo. É muito impossível suavizar sua
atitude.
Rain engoliu em seco. Meu Deus, falarei com você depois disso. Depende
de você.
— E poderei ver Selik?
Ele inclinou a cabeça.
— Quando?
Lhe estendeu a mão.
— Melhor se o fizermos agora.
Caminharam através do muro externo do castelo, e depois entraram em um
quarto subterrâneo sob os barracões dos soldados que serviam a prisão. Rain
assumiu que era a mesma masmorra insalubre e úmida em que estivera
encerrada antes. Não parecia melhor de noite com as sombras mórbidas das
tochas. Tampouco cheirava melhor. E os gritos e gemidos pareciam ter
aumentado.
Apesar das advertências de Eirik, apesar da experiência medida de Rain no
hospital da cidade, nada a poderia ter preparado para o horror do corpo
torturado de Selik.
Ele estava sobre um duro banco com seu braço sobre seu rosto. Suas roupas
estavam em tiras, e tremia pela fria umidade. Rain olhou o manto forrado de
peles de Eirik, jurando que abrigaria Selik quando partissem.
— Selik — disse ela suavemente e viu como seu corpo se retesava.
Lentamente, baixou o braço e mudou de direção, como se estivesse assustado do
que poderia ver.
— Rain! — se sentou e gemeu pela dor. Depois disparou um olhar brilhante
e zangado a Eirik. — Como pode trazê-la aqui para algo semelhante?
— Eu estava na mesma prisão, justamente sobre o vestíbulo, até algumas
horas — comentou ela e escutou Selik amaldiçoar sob seu fôlego, algo sobre
moças teimosas.
Ela aproximou a luz da tocha e teve a primeira visão de seu rosto. Ambos os
olhos estavam arroxeados e quase completamente fechados pelo inchaço. Seu
nariz parecia ter sido quebrado de novo. E seus cabelos… Oh, doce Jesus… seus
cabelos loiros tinham sido completamente cortados, em alguns lugares se viam
partes de cabelos loiros ensangüentados no couro cabeludo.
— Seus cabelos — gemeu ela. — Oh, Selik, cortaram seus lindos cabelos.
Selik tentou rir, mas soou mais como um grunhido.
— Cristo, meu corpo parece uma táboa picada, e a moça se preocupa com
banalidades como meus cabelos.
Rain se ajoelhou ao lado da cama rapidamente e rodeou com seus braços
sua cintura, suas lágrimas escorrendo por suas faces.
Distraidamente, ele correu sua mão por seus cabelos, cantando docemente:
— Fique calada, doçura, se tranqüilize. Não deveria ter vindo.
Rain sabia que não tinha um tempo ilimitado com Selik e rapidamente
recuperou a compostura. O fez se recostar de modo que pudesse examinar suas
feridas. Cacarejando, limpou e viu os numerosos cortes e machucados de seu
corpo completamente destroçado. Enviou Eirik atrás de uma vara reta que
pudesse pôr e enfaixar em seu braço quebrado. Costurou as navalhadas em suas
coxas, antebraços e abdômen, muito para a repentina desilusão de Selik ao ver
pela primeira vez sua agulha. Com tiras de roupa branca, cobriu fortemente
suas costelas fissuradas, assim como seu joelho arroxeado. Teve que enviar Eirik
esvaziar várias vezes a cuba com água ensangüentada e conseguir água limpa
para limpar suas feridas.
Finalmente, Selik pareceu muito melhor, vestiu-se com uma túnica limpa de
Eirik e com as calças que ela tinha levado para ele. Pôs comida, algumas moedas
e outros artigos em uma cesta a seus pés.
Selik estava sentado sobre o banco e a atraiu com seu braço são, beijando a
parte superior de seus cabelos docemente. Tocou o inchaço de sua face e
maneou a cabeça com tristeza. Depois se obrigou a ficar alegre.
— Então, Eirik, o que pensa do meu anjo?
Eirik arqueou uma sobrancelha.
— Anjo? Não sei nada sobre isso. Parece que ela tem a delicadeza de um
aríete — Rain tentu dar uma tapa em Eirik, mas ele se afastou de um salto. —
Mas depois de ver bem a forma em que cuidou de você, deverei acreditar em
sua contestação de que é médica.
Selik lhe sorriu como melhor pôde com os lábios feridos e inchados.
— Deveria tê-la visto trazendo para a vida um bebê em Jorvik, ela brilha
mais que todos os curas do hospitium. Realmente, sua irmã é uma boa curadora.
E salvou a perna de Tykir do machado do curador.
Rain observou Selik com surpresa. Não se tinha dado conta de que estava
tão orgulhoso de suas habilidades médicas. Ele lhe piscou um olho, e seu
coração se encheu de doce amor por ele.
Eirik perguntou a Rain sobre as feridas de seu irmão e lhe agradeceu sua
ajuda.
— Onde está Ubbi? — perguntou depois Selik.
— De volta à granja, cuidando das crianças. Queria vir, mas sua artrite o
atormentou terrivelmente.
— Rain, preciso que volte à Nothumbria. Não deveria estar aqui — disse
Selik com urgência.
— Te disse que iria atrás de você — brincou ela, acariciando com o nariz
seu pescoço, murmurando a respeito de seus cabelos arruinados.
— Não vejo graça em suas palavras, moça. E deixe de se lamentar por meus
malditos cabelos. Voltarão a crescer — disse ele, esfregando o queixo contra a
parte superior de sua cabeça. — O importante é que deve voltar a Jorvik.
— Não posso, Selik. Tenho que me encontrar com o rei amanhã.
Ele apartou o braço dela de seu ombro e a voltou para poder ver seu rosto.
— Por quê? — perguntou ele com uma voz repentinamente fria.
Rain sentiu como seu rosto avermelhava.
— Somente quero conhecê-lo — disse ela fracamente.
— Não se atreveria você mesma a me resgatar — disse monotonamente ele.
— Faria?
— Não, claro que não… digo, nunca pensei sobre isso. Agora, Selik, não vá
ficar teimoso. O que eu pensava é que se oferecesse ao rei algum remédio
médico genial, ele poderia estar disposto a te libertar.
— Teria que ser muito genial — comentou muito secamente Eirik.
— E que remédio, diga, que pensa oferecer a ele? — perguntou cinicamente
Selik.
— Não sei — disse Rain com um gemido. — Não pensei sobre isso, mas há
muitas, muitas coisas médicas impressionantes entre as que poderia escolher —
ela sorriu depois. — Lembro de minha mãe me contando que o rei Athelstan era
celibatário, pois deliberadamente se guardava de… vocês sabem, de ter filhos.
Quer que o trono passe aos verdadeiros herdeiros de seu sangue, seus jovens
sobrinhos.
— E? — perguntaram com dúvida Selik e Eirik.
— Poderia fazer no rei uma vasectomia.
Selik se engasgou e explodiu de riso, obviamente lembrando do momento
em que Rain tinha explicado o procedimento a ele e Ubbi.
— Senhor, eu gostaria de ser uma mosca na parede se realizasse tal
operação nele. Inserir uma agulha no galo do bastardo me daria prazer para
toda a vida.
— Agulha? Galo? Vocês dois podem compartilhar a brincadeira? —
perguntou finalmente Eirik com exasperação.
Rain lhe explicou, e Eirik fez uma careta de dor.
— Nós rimos, mas ele bem que poderia se interessar. Ser celibatário o feriu
“duramente” — ele sorriu abertamente com seu trocadilho.
Selik dirigiu um olhar enojado a Eirik e se voltou para Rain.
— Agora é sério, Rain. Quero que abandone Winchester.
Felizmente, ela não teve oportunidade de responder já que o guarda deu
uma batida na porta e disse a ela e a Eirik que tinham que sair.
Selik se levantou dolorosamente e tomou seu rosto entre suas palmas. Com
o mais terno cuidado, pôs suavemente seus lábios contra os dela e sussurrou:
— Eu te amo.
— Eu também te amo, Selik. Mas do que jamais sonhei que fosse possível.
Depois Selik a empurrou para a porta, adicionando:
— Na próxima vez que fale com esse seu Deus, diga a ele que permaneça
fora de minha maldita cabeça.
Rain se voltou.
— Deus esteve falando com você?
— Como um tolo que só fala tolices. Noite e dia. Ele oferece mais conselhos
que uma mulherzinha ferina.
Obrigado, meu Deus, sussurrou Rain silenciosamente. De algum jeito, sabia
que Deus não falaria na cabeça de Selik sem um motivo. Havia esperança, no
fim de tudo.

Capítulo 19

Rain não falou com o Rei Athelstan no dia seguinte. Nem no seguinte. Cada
vez sua entrevista era adiada, de repente tinha outro encargo mais urgente,
uma sessão para um retrato, uma audiência com um representante do Rei
Frankish, uma partida de xadrez. Rain deveria ter se contentado por Eirik ter
conseguido sua libertação, mas cada minuto desperdiçado que passava, deixava
Rain no imenso desespero sobre a condição em que Selik se encontrava e se ele
estava sendo torturado novamente. O castelão de Winchester se opôs a
permissão para que ela ou Eirik pudessem ver Selik outra vez. Os rumores de
uma surra pública e no futuro próximo uma execução voaram.
Ela estava sentada no solar das senhoras de terceira idade, agitando-se
nervosamente, lutando para controlar seu temperamento ante a tediosa
conversa das damas da corte que falavam sobre sua costura. Costura! Hah! A
única costura que interessava a Rain naquele momento era a que pudesse fechar
algumas bocas.
Lady Elgiva, uma impressionante viúva, de cabelos negros como corvos, da
Mércia, aproximou-se dela, vestia um fino traje de samite lavanda que formava
redemoinhos sobre sua deliciosa figura quando caminhava. Ela era uma das
poucas mulheres que se incomodaram em tratar Rain com alguma consideração,
provavelmente porque seu lugar na corte saxã era tão instável como a dela.
Alguns diziam que Elgiva estava apaixonada sem esperanças pelo rei
celibatário.
Elgiva perguntou cortesmente:
— Posso acompanhá-la?
Rain assentiu com a cabeça para o assento na janela a seu lado.
— Ainda não teve sua audiência com o rei? — perguntou ela.
— Não — disse Rain com um suspiro. — Se apenas pudesse falar com o Rei
Athelstan, penso que poderia ser capaz de convencê-lo libertar Selik. — Está me
escutando, Deus? — ouvi que ele é um homem justo.
Elgiva ergueu uma sobrancelha perfeita.
— Ser justo é uma coisa, mas o rei não é nenhum tolo. Ele não confiaria em
Selik. O fugitivo provavelmente se voltará e o apunhalará nas costas ou mataria
mais de cem soldados saxões.
Rain sentiu seu rosto ruborizar de cólera.
— A palavra de Selik vale ouro. Se ele fizesse um juramento, mesmo a um
rei saxão, o manteria.
Elgiva tocou com dedo indicador elegante contra sua face pensativamente.
Rain nunca tinha visto uma cútis tão formosa e cremosa em sua vida inteira, e se
perguntou como o rei poderia resistir à beleza daquela mulher.
— Você ama Athelstan? — perguntou Rain de repente, incapaz de controlar
sua curiosidade.
Elgiva elevou um olhar calculista para Rain, parecendo pesar suas palavras
com cuidado. Finalmente, ela ergueu seu queixo arrogantemente e confessou
com uma voz suave:
— Sim, amo.
— E é verdade que ele tomou um voto de celibato para proteger a linha
sangüínea real para seus jovens sobrinhos?
As lágrimas se reuniram nos olhos cor de avelã de Elgiva, e assentiu com a
cabeça.
— Ele a ama?
— Sim, ama. Nos conhecemo desde que ele era um criado na corte de sua
tia, a Rainha Aethelflaed, na Mércia. Mas não há nenhuma esperança para nós
— disse ela, sua voz se quebrava com a emoção.
Rain pôs uma mão suavemente sobre a de Elgiva.
— Entendo perfeitamente o que é amar um homem e saber que não há
nenhum futuro.
Sentaram-se silenciosamente durante vários momentos. Rain riu levemente
então.
— É uma pena que não tenha trazido algumas pílulas anticoncepcionais
para você do fut… de meu país.
A postura de Elgiva ficou de repente alerta.
— Pílulas anticoncepcionais?
Rain lhe explicou sobre todos os métodos disponíveis para mulheres. Elgiva
se mostrou muito interessada.
— E você disse que o emplastro sob sua pele te protege de conceber uma
criança?
— Sim. As implantações são ainda um pouco experimentais, mas
supostamente duram aproximadamente cinco anos.
Os lábios exuberantes de Elgiva formaram uma “O” perfeito de assombro.
— Eu poderia ter uma? — sussurrou ela com esperança.
Rain sorriu.
— Não, infelizmente não tenho nenhuma idéia de onde conseguir outra.
— Terei o seu, então — disse ela imperiosamente.
— Não, não seria seguro.
Os ombros de Elgiva caíram.
— Não espero nada do futuro, então. Posso voltar também para minha casa
na Mércia. É uma tortura estar perto de Athelstan e não estar com ele.
— É engraçado, mas quando eu falava com Selik e Eirik no outro dia, rindo
mencionei fazer uma vasectomia no rei.
— O que é uma vasectomia...?
Embora seu rosto empalidecesse quando Rain explicou as complexidades
da operação, Elgiva perguntou:
— E o homem pode ainda... você sabe... funcionar? — Rain assentiu com a
cabeça. — E o prazer é o mesmo? — perguntou ela incredulamente.
Rain assentiu com a cabeça outra vez.
— Você poderia fazer em Athelstan?
— Oh, não! Eu apenas estava brincando. Seria impossível sem anestésicos e
analgésicos — Rain de repente pensou em Tykir e a operação que lhe tinha
realizado com a acupuntura.
— Pode ser feito! Vejo em seu rosto. Eu tinha ouvido que você era uma
curadora, mas isso, Oh, a faria mundialmente conhecida.
— Oh, não, não — objetou Rain rapidamente. O que ela não queria era
fama, ou mudar o curso da história. — Eu não poderia fazer.
— Você já realizou alguma va… vasectomia?
— Bem, sim, mas... — Rain achou impossível explicar as instalações
médicas modernas àquela senhora da Idade das Trevas, e Eirik lhe tinha
advertido sobre falar sobre o futuro ou viagens no tempo, ou suspeitariam que
ela fosse feitiçeira. — Além disso, você acha francamente que o rei — qualquer
homem daqui, de fato — me deixaria alterar sua virilidade? Os homens são
realmente delicados sobre tais assuntos, mesmo em meu país.
— Athelstan faria se eu lhe pedisse — afirmou Elgiva, sua leve risada a
traía.
— Há dor e desconforto durante uns dias depois da operação. O rei
pensaria que eu o teria mutilado.
— Você poderia explicar.
— Elgiva, é indiscutível.
— Se você diz — concordou Elgiva muito rápido.
— Teríamos uma melhor possibilidade para Selik contando ao rei como
encontrar seu ponto G — comentou Rain com secura, logo deu cobriu sua boca
com a mão, desejando tê-la mantido fechada.
— O que é um ponto G? — Elgiva exigiu saber.
Rain gemeu, logo explicou, apesar das interrupções constantes que Elgiva
fazia para perguntar:
— E o que se diz sobre o significado de ejaculação? Ou orgasmo? Você diz
que as mulheres em seu país exigem os mesmos prazeres que os homens? —
quando ela deixou de falar, Rain olhou em torno horrorizada ao ver que várias
das outras senhoras se moveram sigilosamente mais para perto, escutando a
conversa delas às escondidas com ávido interesse.
— Humph! É típico dos homens guardarem tal informação das mulheres —
queixou-se Elgiva. — Eu tive um marido uma vez que se considerava o amante
perfeito, mas ele nunca mencionou qualquer ponto G. Sem dúvida ele guardou
esses prazeres para sua amante.
Então Elgiva sorriu misteriosamente, e um pressentimento arrepiou em
ondas a pele de Rain.
— Estou farta da corte do Rei Athelstan — queixou-se Rain a Eirik mais
tarde nesse dia. — E estou ainda mais doente por todas as pessoas inúteis que
estão em pé em volta dele adotando uma postura e rogando por seus favores.
Eirik só sorriu condescendentemente para ela, tendo ouvido bastante suas
queixas nos dois dias anteriores para sabê-las de cor.
Estavam sentados junto com outras cento e tanto pessoas em uma das
numerosas mesas de cavalete no grande corredor de Athelstan, onde outro
banquete transcorria. Foram colocados tão longe do banquete que ela mal podia
ver o rei ou seus conselheiros mais próximos. A abundância de fumaça das
lareiras mau-ventiladas em ambos os cantos da parede não ajudava muito,
tampouco.
Mesmo para os padrões modernos, a comida superava, a suntuosa enguia
assada ao forno, vitela e bolos de carne de vaca, natilla — doce de ovos, leite e
açucar — pudim de pescoço de cisne, lentilhas e cordeiro, pombas ao molho de
uvas fervidas rapidamente na mostarda, codorna cheia de tâmaras, os lados
guarnecidos com carne de vaca e veado. E era só o prato principal. Os criados
também levaram bandejas enormes de couve com tutano, alcachofras cozidas,
creme de chirivías1, cogumelos recheados, creme de verduras, alcachofras com
arroz de arándano, até uma salada medieval que consistia em nabos, couve
picada, frutas secas, mostarda, açúcar mascavo e mel. Para a sobremesa, havia
pudim da flor de gilia2, creme de amêndoas, mingau, ensopado de frutas e bolos
de mel. E barris e barris de vinho e hidromel.
Rain teria dado tudo por uma pizza de pepperoni e cogumelos. E uma
Coca-cola light.
O rei e seus amigos íntimos se levantaram, para irem do tablado para seu
entretenimento da tarde (música, contar histórias, jogo de dados e jogos de
mesa). Rain aceitou que outro dia se foi e Selik ainda estava naquele horrível
calabouço. E ela não tinha conseguido nada. Não haveria nenhuma outra
oportunidades àquela noite para se aproximar do rei.
— Pssst!
Rain se voltou, procurando a fonte do ruído.
— Pssst! — ouviu outra vez e olhou para o outro lado, notando um brilho
de um material lavanda nas sombras de um vestíbulo. Levanto-se, dizendo a
Eirik que tinha que ir ao lavabo, e caminhou até Elgiva, que pôs um dedo em
seus lábios para indicar silêncio, então torceu seu dedo para que Rain a seguisse.
Uma vez que tinham baixado vários corredores tortuosos, ela parou e sussurrou
— Você tem vários minutos para apresentar seu caso ao rei.
Rain pegou ambas as mãos de Elgiva nas suas e as apertou.
— Oh, obrigada, obrigada. Como você conseguiu convencê-lo a me ver?
— Bem, não é exatamente uma audiência o que consegui — disse Elgiva,
piscando um olho com astúcia.
— Exatamente o que você conseguiu? — perguntou Rain com receio.
— Falei com ele hoje sobre a vasectomia, não está ainda convencido. Para
falar a verdade, ele disse, “no dia em que eu deixar a moça do fugitivo ao
alcance de dois dedos de meu membro, podem me declarar louco e me tirar o
trono”, ou alguma tolice assim. Eu acho que precisarei de mais tempo para
persuadi-lo.
Rain gemeu, sentindo o caso de Selik escapulindo devagar.

1
Chirívia, chirivia, cherovia, cherivia, cherívia, cheruvia ou pastinaga (Pastinaca sativa) é uma raiz que se usa como
hortaliça, semelhante a cenoura, embora mais pálida e com sabor mais intenso do que esta. O cultivo remonta a tempos
antigos na Eurásia: antes do uso da batata, a cherovia ocupava o seu lugar.

2
Gilia é uma planta do género botânico pertencente à família Polemoniaceae.
— Elgiva, vou direto ao ponto. Você disse que eu teria uma oportunidade
de falar com o rei.
— Sim. Athelstan tem a intenção de visitar sua sala de escrituras para ver os
manuscritos completados hoje por seus tabeliães. Se apenas resultar que
passemos ao mesmo tempo, ele não pode nos evitar. Ou sim?
Rain fechou os olhos e rangeu os dentes, lutava pela coragem e as palavras
certas para usar no que poderia ser sua única oportunidade de falar com o Rei
Athelstan.
Está aí, Deus? Eu poderia precisar um pouco de ajuda aqui.
A maldita voz interior permaneceu em sepulcral silêncio.
O rei Athelstan examinava um manuscrito ilustrado enquanto um alto
monge indicava os detalhes mais finos. Dúzias de velas iluminavam o quarto
bem ventilado, que tinha vários tamboretes altos diante altas escrivaninhas ao
estilo suporte de livros que continham pergaminhos e tintas coloridas.
— Elgiva! — exclamou o rei com prazer, só notando ela na entrada. —
Pensei que você se retirou para passar a noite.
— Não, eu não estava cansada e decidi passear um pouco — ela colocou
ambas as mãos nas do rei, e Rain viu o amor que eles compartilhavam com
apenas aquele gesto.
Athelstan era um homem bonito, de estatura média, aproximadamente
quarenta anos. Seus cabelos muito loiros, com toques de luz dourada, brilhavam
à luz vacilante da vela, e Rain não podia menos que admirar o magnífico casal
que aquelas duas formosas pessoas faziam.
A emoção encheu os olhos do rei, que se inclinou para Elgiva, roçando seus
lábios contra os dela levemente. Ele pareceu ignorar o sacerdote que se movia ao
fundo. Rain se manteve em pé nas sombras perto da entrada.
Rain se afastou da cena íntima e caminhou de escrivaninha a escrivaninha,
admirando um pouco as cópias de ilustrações belissimamente detalhadas,
cópias de outros livros, outras de composições originais. Infelizmente, a maior
parte daqueles inestimáveis livros não sobreviveria ao desgaste dos séculos .
— Querido, eu queria que conhecesse minha nova amiga, Rain — disse
Elgiva, indicando ao rei onde Rain estava de pé. — Ela é quem falei
anteriormente.
O rei ergueu uma sobrancelha e foi para mais perto, com Elgiva agarrada
em seu braço.
— Ah, a autoproclamada médica — seus lábios estavam levemente
estendido num sorriso, e Rain de algum jeito sabia que ele pensava em
vasectomias.
— Não autoproclamada — afirmou ela. — Tenho a educação de muitos
anos e a experiência em alguns dos melhores hospitais de meu país.
— Você quer dizer asilos?
Rain deu de ombros.
— São a mesma coisa.
— E esses asilos em seu país permitem que as mulheres estudem?
— Sim, somos completamente... capazes.
— Hmmm — ele a estudou com olhos que Rain podia ver que eram muito
inteligentes. — Tenho um manuscrito médico aqui no qual um de meus
tabeliães trabalha — disse ele, aproximando-se de um tomo enorme. — Está em
latim.
Rain olhou algumas páginas.
— É formoso, mas não sei ler em latim.
— Ah — disse ele, disparando um “eu te disse” ao olhar para Elgiva. Pelo
visto, se supunha que todos os curadores sabiam latim.
Sua condescendência irritou Rain, e ela soltou:
— Alguns desenhos estão equivocados — e imediatamente lamentou seu
arrebatamento.
Rain ouviu o grito sufocado do sacerdote pelo ultraje atrás deles, e os
ombros do rei ficaram rígidos ante seu valor.
— Me mostre — exigiu o rei.
Rain contemplou Elgiva procurando conselho em como seguir com o rei,
mas o silencioso rosto da mulher saxã disse muito. Rain estava sozinha.
— Não quero alterar essas formosas ilustrações. Me dê um pedaço em
branco de pergaminho e uma pena, e lhe mostrarei — com uns golpes rápidos
na tíbia, que banhou na espessa tinta negra, Rain desenhou o interior do corpo,
mostrando a posição dos pulmões, coração, fígado, estômago, pâncreas,
intestinos delgado e grosso. — Veja — indicou-lhe. — Sua ilustração tem o
fígado e o estômago nos lugares incorretos. Também — acrescentou, fazendo
outro esboço, desta vez do coração — assim que o coração realmente se é
quando diseccionado. Há quatro seções, duas em cima que chamamos de átrios,
e dois em baixo, os ventrículos, e o sangue é bombeado para dentro e para fora
do coração por essas veias e artérias.
Ela se deteve, de repente consciente do sinistro silêncio no quarto. O
sacerdote olhava sobre o ombro do rei, e ambos os homens a contemplavam
como se ela acabasse de ganhar um halo. Lamentava não tê-lo. E um par de asas,
também, seria prático naquele momento. Senhor, quando aprenderia a manter a
boca fechada?
— Padre Egbert, é possível que o que a moça diz seja verdade? —
perguntou o rei.
— Não, é obvio que não.
Mas todos puderam ouvir a vacilação na voz do clérigo.
— Talvez você pudesse voltar amanhã e falar sobre isso comigo? — pediu o
Padre Egbert a Rain especulativamente. — Seu esboço é, é óbvio, incorreto, mas
eu estaria interessado em escutar mais sobre suas teorias. Onde disse que
estudou?
Mas o rei interrompeu, estreitando seus olhos, enquanto perguntava:
— Você mencionou dissecação. Você certamente não cortou o corpo aberto
de um homem para sua inspeção.
Oh! Rain sentiu que pisava em solo lamacento.
— Disse dissecação? —disse ela, esperando que o calor em seu rosto não a
delatasse. — Devo ter querido dizer inspeção.
O rei a observou especulativamente.
— Exatamente quem é você?
— Rain, Thoraine Jordan. Acho que você conheceu minha mãe uma vez,
Ruby Jordan.
As sobrancelhas de Athelstan se franziram em concentração, logo a
expressão dele clareou.
— A senhora que disse ter vindo do futuro? Com as roupas íntimas
escandalosas?
— Não me diga que minha mãe lhe mostrou sua lingerie, também?
O rei sorriu abertamente.
— Não, mas sua fama se estendeu amplamente — ele fez gestos ao clérigo
para que os deixassem sozinhos, lhe dizendo que falaria sobre os manuscritos
com ele na tarde seguinte. Então se voltou para Rain, obviamente fascinado. —
E quem foi seu pai?
— Thork… Thork Haraldsson. — Rain bateu na madeira atrás de suas
costas, mas sem entusiasmo. Ela realmente começava a acreditar nas absurdas
declarações de sua mãe de que tinha sido concebida no passado e nascido no
futuro.
— Aaah, então Eirik seria realmente seu meio-irmão, como ele proclama.
— Sim.
— Agora entendo a preocupação dele por você. E o fugitivo? Que relação
você compartilha com essa fera pagã?
Rain cravou as unhas nas palamas, os punhos fortemente apertados,
tentando controlar seu gênio diplomaticamente. Finalmente, ela sustentou seus
olhos francamente e anunciou orgulhosamente:
— Eu o amo.
O lábio superior do rei se estendeu com desprezo.
— Então você é uma tola, já que ele é um homem morto.
Rain lambeu os lábios secos e procurou as palavras certas.
— Rei Athelstan, em meu tem… em meu país, as pessoas o consideram um
rei justo. Você tem muitos títulos. O Rei Guerreiro. O Rei Erudito. O Rei de Toda
Grã-Bretanha. Mas o recordam ainda mais como um rei justo, um soberano que
daria até ao criminoso mais endurecido uma segunda chance se ele se
arrependesse.
— Você desperdiça seu fôlego, minha senhora, se pensa ganhar uma
segunda oportunidade para o fugitivo. Você tem alguma idéia do que ele fez a
meu primo Elwinus em Brunanburh?
— Realmente, tenho. Eu estava lá — ela não fez caso de seu suspiro
sufocado pela surpresa e continuou. — Mas tão horrível como foi, você tem
alguma idéia do que a família de Elwinus tem feito a Selik?
Os olhos do rei se abriram com interesse.
— Explique-se.
Rapidamente, Rain resumiu tudo o que ela sabia do irmão de Elwinus,
Steven de Gravely, e o que ele tinha feito à esposa de Selik e a seu bebê. Ela viu
lágrimas nos olhos de Elgiva ante a menção da cabeça do bebê levada na ponta
de uma lança. Mas os olhos do rei cintilaram furiosamente.
— É o ponto de vista de Selik sobre o acontecimento. Ele sem dúvida
provocou Steven.
Rain quis perguntar que provocação possível poderia haver para tal
brutalidade, mas conteve sua língua.
— E isso não é uma desculpa para os dez anos de guerra que ele
empreendeu contra mim e meus soldados, que não tinham nada a ver com tal
acontecimento.
— Concordo. Não há nenhuma desculpa para a violência. Mas houve
ultrajes de ambos os lados, e a única desculpa de Selik consiste em que ele virou
um guerreiro depois de encontrar sua esposa e seu bebê. Esse foi o único modo
no qual ele podia sobreviver sem ficar louco.
Rain não sabia mais o que dizer. Por favor, Deus, me ajude a encontrar as palavras
certas. Deixe o rei entender.
Ela suspirou profundamente e continuou:
— Me deixe dizer só uma coisa mais. Se você não fosse um rei, e se casasse
com uma mulher parecida com Elgiva, por exemplo — especulou Rain, e viu o
rápido olhar de tristeza que Athelstan e Elgiva trocaram. — Como você se
sentiria se voltasse para casa um dia para encontrar o corpo dela violado e
mutilado e o corpo sem cabeça de seu filho atirado na sujeira? E considere mais
a fúria que lhe daria ouvir que a cabeça de seu bebê estava sendo levada na
ponta de uma lança por seu inimigo. O que você teria feito? — Rain teve que
engolir em seco fortemente. Em um sussurro sufocado, ela repetiu — O você
que teria feito?
As lágrimas se derramaram pelo rosto de Elgiva, mas os lábios do rei se
esticaram furiosamente, e ergueu o queixo em defenva, quase como se ela fosse
pessoalmente a responsável por aqueles ultrajes.
— Não libertarei o fugitivo — jurou ele — não importa o quanto
eloqüentemente você advogue seu caso. Agora, fora daqui — ele agitou
desdenhosamente a mão para a porta. — Desejo falar com Elgiva em particular.
No dia seguinte Eirik se foi para Ravenshire, tendo ouvido boatos que
bandidos rondavam em sua propriedade. Designando um guarda para
acompanhá-la e uma criada para dormir na antecâmara, prometeu a Rain que
estaria de volta o quanto antes.
Rain viu Blanche de vez em quando com Herbert, que aparentemente
pousou a seus pés ou suas costas, para ser mais exata. Ela ignorava Rain
desdenhosamente sempre que ela se aproximava.
Elgiva advertiu a Rain que não pressionasse o rei com seu caso. Ele tinha
ouvido suas súplicas, e sendo um homem justo, atuaria em conseqüência.
Desse modo, Rain passou seus dias suplicando aos guardas do castelo para
que a deixassem ver Selik e falando durante horas com o Padre Egbert sobre seu
manuscrito médico. O Padre Egbert a tinha apresentado, por sua parte, ao
curador pessoal do Rei Athelstan, que se sentiu ofendido e, ao mesmo tempo,
fascinado por suas teorias médicas “escandalosas”.

Ela se dirigia outra vez para a dependência que alojava a prisão quando um
homem magnificamente vestido se aproximou dela. O homem, de mais de um
metro e oitenta de altura, usava uma longa capa de lã negra da mais suave
qualidade, delineada em ouro e com a mais fina pele de raposa. Seus cabelos
negros como a meia-noite estavam esplendidamente sedosos debaixo de seus
ombros. Seus olhos azul-claros a olharam fixamente com diversão, claramente
consciente de sua apreciação por sua beleza. De fato, o homem se parecia muito
com seu irmão Eirik, salvo que seus traços eram mais sutilmente afilados, quase
perfeitos demais.
Ele se inclinu levemente e tomou sua mão.
— Você é Lady Rain?
— Sim.
— Ouvi tanto sobre você. Por acaso poderia ser de ajuda em seus esforços.
— Mesmo? — perguntou Rain com esperança, sem se preocupar por ele ter
segurado sua mão por muito tempo, ou pela maciez de seus dedos acariciando
sua palma.
— Gostaria de ver o prisioneiro, Selik?
— Sim. Oh, sim. Você pode me ajudar a entrar?
— Pode ser. Me pergunto... — disse ele, olhando-a de uma maneira
estranha. — Me pergunto se você vai pagar o preço.
— O pr... preço? Ah, sim, é óbvio. Tenho dinheiro comigo. Quanto?
O magnífico homem desprezou sua preocupação.
— Podemos falar sobre isso mais tarde. Essa é a pergunta, embora: está
disposta a pagar qualquer preço para ganhar a libertação do fugitivo?
— Sim — afirmou ela veementemente. — Qualquer preço.
Ele sorriu então, mas Rain tremeu. Aquele não era um sorriso agradável.
— Venha — disse ele, enlaçando seu braço no dele. — No momento,
visitaremos seu amante. Ele é seu amante, ou não?
Rain assentiu com a cabeça, avermelhando ante sua intensa observação.
— Bem. Sim, isso é muito bom.
O homem maravilhosamente vestido a conduziu alegremente até Herbert,
que sorria de modo reconciliador, e os guardas que tinham evitado antes sua
entrada. Eles não questionaram o nobre.
— Que nome você disse que era o seu?
Ele acariciou sua mão.
— Mais tarde. Vamos falar de tudo isso mais tarde.
Chegaram à porta da cela de Selik. Quando estavam dentro, ela tentou tirar
seu braço da curva do braço do homem, mas ele a segurou rapidamente. Rain
começou a perguntar sobre o ato dele, mas se deteve completamente quando
viu Selik. Agradecia então o apoio do braço do homem.
O corpo de Selik estava meio nu, estava meio sentado sobre o banco. Ele
parecia imune ao ar frio. Novos cortes e contusões danificavam seu belo corpo.
Seus cabelos curtos se abriam em sujas mechas espigadas, expondo seu couro
cabeludo. Cordas atavam suas mãos atrás das costas, amarradas a um gancho
na parede. E um trapo asqueroso em sua boca evitava qualquer palavra.
Mas seus olhos gritavam sua fúria.
Ele ficou em pé repentinamente, tremendo de raiva, e tentou se precipitar
para eles, mas o curto comprimento da corda que o unia à parede o conteve.
Rain estava mal consciente de que o homem tinha posto um braço em torno
de seu ombro e a tinha estreitado fortemente contra seu peito até que ela tento
se aproximar de Selik. Queria abraçá-lo fortemente e assegurá-lo que estava
fazendo o melhor que podia para ganhar sua liberdade.
Os olhos de Selik brilhavam furiosamente enquanto olhava para ela e para o
homem, e grunhidos ininteligíveis emanaram de sua mordaça. É obvio, Selik
estava furioso com ela. Havia lhe dito que deixasse Winchester, que temia por
sua segurança.
Ela lutou contra o afeto do homem e se deu conta de repente de que ele a
impedia de ir para Selik. Ela levantou os olhos interrogativos, mas antes que
pudesse falar, ele baixou sua boca na dela e beijou sua boca entreaberta
apaixonadamente.
Em um movimento rápido, com sua boca ainda cobrindo a dela, ele a voltou
para a porta e a fixou contra a parede de corredor fora da linha de visão de
Selik, segurando-a com uma mão como braçadeira sobre sua boca. Então,
bastante alto para que Selik pudesse ouvi-lo pela entrada aberta, ele disse:
— Está vendo, meu amor, o fugitivo é só um animal. Eu te disse que não
tinha que gastar sua preocupação por tal sujeira. Venha, permita que voltemos
para minha antecâmara, e te mostrarei outra vez como um verdadeiro homem
atende as necessidades de sua mulher.
Rain ouviu um grunhido forte, estrangulado pelo ultraje dentro da cela. E o
homem ao lado dela riu com diabólico prazer quando a retirou da entrada da
prisão com sua mão ainda segurando-a e tapando fortemente sua boca.
E Rain soube que estava nas garras do demoníaco Steven de Gravely.

Capítulo 20

No corredor próximo à entrada externa da prisão, Steven parou


bruscamente e imobilizou Rain contra a parede de pedra, ainda mantendo sua
mão sobre sua boca. Embora tivesse a mesma altura de Selik, não tinha os
músculos e a massa que angulavam o maravilhoso corpo de Selik.
Entretanto, sua falta de carne era enganosa. Os estreitos quadris de Steven
pressionaram ruidosamente contra o estômago de Rain e a mantiveram contra a
parede como um aríete. Seu antebraço esquerdo estava contra seu peito, perto
de seu pescoço, não menos inamovível que uma algema de aço.
— Vou tirar minha mão de sua boca, e quando o fizer guarde silêncio —
disse Steven. — Me entendeu?
Rain ergueu o olhar iradamente para ele. Adiante, condenado tolo. Ouvirão
meus gritos na América.
Ele riu, um som maléfico, e Rain entendeu por que as pessoas o
comparavam a Satanás. Seus dedos se fincaram em seu ombro esquerdo, tão
dolorosamente que pensou que a pele poderia se rasgar.
— Me ouça bem, cadela, você não me importa nada, se vai viver ou morrer,
se vai ter êxito ou pôr tudo a perder. Mas o Fugitivo… ah, ele tem outra
importância. Se não prestar atenção a minhas palavras — com exatidão — não
só ele vai morrer; sofrerá indignidades e dores que você não pode imaginar.
O coração de Rain se chocou contra seu peito, e o sangue correu rápido com
a ansiedade. Não se perguntou como ele poderia torturar o prisioneiro do rei.
Ele bem tinha conseguido um fácil acesso quando ela fora incapaz de convencer
os guardas durante dias inteiros. O brilho sádico de seus olhos pálidos dava um
indício de sua maléfica intenção, e ela sabia que desfrutaria ao impor ameaças.
— Agora, guardará silêncio quando eu retirar minha mão de sua boca?
Ela assentiu com a cabeça.
Ele afastou a mão, e ela inspirou profundamente, tentando dominar seu
coração galopante.
— Rain, é seu nome, acho — disse ele em tom zombeteiro. — Voltaremos
para o castelo andando juntos. Fará como se fôssemos amistosos conhecidos.
Nem com um olhar ou uma palavra trairá seus afetos menos que carinhosos por
mim.
Ela não respondeu, e ele lhe deu um murro no estômago.
Rain se curvou, gemendo:
— Oh, Oh, meu Deus!
— Falei claro?
Ela tentou assentir com a cabeça quando se endireitou, mas pelo visto não
respondeu o suficientemente rápido. Ele voltou a bater suas costas contra a
parede com as duas palmas das mãos contra seu peito. Sua cabeça bateu na
parede de pedra com um forte golpe surdo.
— Fale, cadela.
— Entendo — disse ela lentamente, seus ouvidos ressonando pelo golpe.
Ele rodeou com o braço seus ombros no que qualquer caminhante poderia
considerar um gesto tranqüilo e a guiou através do muro exterior do castelo ao
grande vestíbulo do rei, subindo as escadas, através do corredor no qual virou
depois, até que chegaram a seu dormitório. Durante o caminho, Steven inclinou
a cabeça, mas não se deteve para falar com os caminhantes. Ela não viu ninguém
conhecido, salvo Blanche, que sorriu zombeteiramente, depois riu, talvez
pensando que tinha trocado Selik por aquele nobre atraente.
Quando chegaram ao seu isolado quarto, Steven abriu a porta e a empurrou
para dentro com brutalidade. Um homem e uma mulher jovens, ambos bem
vestidos e excepcionalmente atraentes, olharam com irritação de um canto mais
afastado do cômodo, onde jogavam xadrez.
O rapaz, de aproximadamente dezesseis anos, ergueu uma sobrancelha
preguiçosamente e comentou:
— Não foi preciso muito para pegar a moça do Fugitivo.
— Pensaram que o faria, Efric? — perguntou secamente Steven, puxando
sua capa forrada de pele sobre um baú, e se deixando cair em uma cadeira
baixa. Estendeu suas longas pernas, e Efric se aproximou e se ajoelhou ante ele,
sorrindo de um modo estranhamente doce, depois procedeu a lhe tirar as suaves
botas de couro.
— Ela veio voluntariamente? — disse a mulher magra, de cabelos loiros,
indo até eles de um modo pronunciadamente afetado, seus quadris balançando-
se. A profundidade na voz da mulher confundiu Rain até que ela se deu conta,
com um ofego, que a mulher era na verdade um homem. Um zurrador furioso,
pelo bem do céu.
— Não desejando completamente, Caedmon. Custou um pouco de
persuasão.
Os lábios lindos de Caedmon se abriram com espera, e Rain suspeitou que a
idéia de sua dor animava o odioso homem.
— Podem ter a certeza de que ela estará desejando antes que passe muito
tempo, entretanto — Steven sorriu abertamente, conspirativamente a seus dois
coortes.
Tanto Caedmon como Efric olharam para Rain, lambendo os lábios como se
ela fosse um saboroso pedaço que ele lhes oferecia.
— Nunca estarei disposta para o que o preocupa, asqueroso pervertido —
explodiu Rain, afastando-se de Steven e seus sujos amigos. — Derrubarei esse
castelo a gritos. O rei Athelstan nunca permitirá que me mantenha prisioneira
aqui.
— Oh, não estará presa — disse Steven. — Pode sair por essa porta agora
mesmo se escolher — ele verteu vinho em uma taça e bebeu como se não lhe
importasse o mínimo o que ela fizesse. — É sua escolha, mas…
Rain começou a se aproximar da porta.
— … mas então Selik estará morto antes do amanhecer.
Rain se deteve, engolindo em seco. Voltou-se contra ele, cuspindo:
— Você é malvado.
— Obrigado — Steven deu de ombros, contemplando-a divertido. — A
bondade é algo sobrevalorado, para mim. Enquanto que o mal, chamado assim
rapidamente, a gente não o aceita quando é em seu benefício. Como você, por
exemplo.
Rain teve medo de perguntar o que ele queria dizer.
— Agora, duvido… me pergunto que dano está disposta a aceitar para
conseguir a liberdade de seu amante.
O interior de Rain se fez em pedacinhos.
— É obvio, terei que matar Selik ao final. É uma vergonha. É um prazer
atormentá-lo. Sempre é, em relação aos homens honráveis. Que pensamento tão
irônico, Rain. A honra é uma idéia que Selik tinha perdido faz muito tempo.
— Por que odeia Selik tanto assim?
— Ele matou meu pai, esse é o porquê. E meu irmão Elwinus, também.
Tinha somente dez anos quando meu pai morreu e Elwinus mal tinha saído das
fraldas. Não tínhamos família que cuidasse de nós, só o castelão, Gerard — disse
o nome do homem com ódio completo, e fechou os olhos como se sentisse dor.
Quando abriu os olhos, grunhiu. — Não soube o que era o verdadeiro mal até
que conheci Gerard.
— Mas isso não foi culpa de Selik. Se ele matou seu pai, deve ter sido em
combate, e…
— Não, a culpa é do Fugitivo! — gritou Steven furioso, agarrando-a pelos
ombros e sacudindo-a ferozmente. — Por ele… somente sei disso, cadela
estúpida, Selik morrerá pelo caos que causou em minha vida, mas não antes de
que sofra muito.
— Ele já sofreu.
— Mas não o suficiente — disse Steven, a afastando de um empurrão com
desagrado. — Mal o suficiente.
— O que quer de mim?
— Ainda não tenho certeza. Poderia começar lhe tirando as roupas, todas,
de modo que possa avaliar o que tem a oferecer.
Rain se obrigou a permanecer calma, dizer algo o levaria a machucá-la ou a
Selik. Lançou um olhar aos outros dois homens no quarto.
Steven agitou uma mão no ar.
— Faça como se Efric e Caedmon não estivessem aqui. Pelo menos, não são
como eu. Desdenham as formas femininas por completo.
Steven, um bissexual!
— Não posso fazer isso — protestou Rain.
— Efric, vá ao guarda da prisão, sabem qual, o bruto grande com ceceio.
Lhe diga que comece arrancando todas as unhas das mãos e dos pés do
Fugitivo. Fique e observem como ele faz; depois as tragam de volta para mim.
— Não! — gritou Rain.
— Está objetando? Por quê? Tem apenas que seguir as instruções para
suspender suas torturas.
Rain tirou as roupas. Todas. E se manteve ante os três homens com
vergonha enquanto lhe diziam grosserias.
— Seus seios são como ubres — choramingou Efric e a beliscou várias
vezes.
— E não é feminina no mínimo — Caedmon falou numa entonação trêmula,
chutando-a com seus sapatos bicudos, depois chutando seus quadris, seu
traseiro, suas coxas e pantorrilhas. — Sou mais mulher que ela.
Mas não importava a Rain o que os dois imbecis diziam sobre ela; estava
mais alarmada por Steven, que tirava as roupas. Ela foi para atrás, temendo
estar a ponto de ser violentada. Quando ele se levantou ante ela, completamente
nu, sua ereção se sobressaindo como uma arma, ele sorriu a Efric e Caedmon,
depois lhe disse em tom zombeteiro.
— Na verdade, não é de meu gosto, tampouco. Eu gosto que minhas
mulheres sejam mais delicadas e muito mais jovens.
Mas a obrigaram a olhar enquanto faziam suas perversidades. Se fechasse
os olhos ou voltasse a cabeça, um deles a beliscava ou chutava até que acessava.
Horas mais tarde, Rain começou a entender suas mentes retorcidas. O sexo com
ela não lhes daria prazer, graças a Deus naquilo teria piedade, mas a dor e a
degradação o fariam. E todo aquilo era dirigido a Selik.
Finalmente, Steven a obrigou a se meter em um quarto próximo à janela,
mais parecido a um grande armário. Afundando-se no chão, ela escutou como o
ferrolho ficava rapidamente no lugar.
Durante dias inteiros, Rain sofreu indignidades e violências que nunca
imaginou possíveis. Quando seu corpo não estava sendo assaltado por chutes
ou palmadas ou beliscões, deixavam-na sozinha durante longos momentos em
seu quarto-armário. Rain tinha aterrissado no inferno, e não sabia como sairia
alguma vez.
Por que Eirik não voltava? Os problemas em Ravenshire deviam ter sido
maiores do que ele tinha imaginado.
Esperou que ninguém houvesse dito a Selik que ela estava desaparecida.
Como se ele fosse se importar depois da cena que Steven tinha criado com ela
em sua cela! Pior ainda, não poderia suportar ter que escutar sobre sua
degradação e se culpar nem mesmo uma vez para proteger alguém a quem
amava. E ele nunca poderia aceitar que Steven a tinha ferido em vez de a ele.
Algumas vezes desejou simplesmente poder morrer. Mas não por muito
tempo. Era uma sobrevivente. Durante a maior parte do tempo, fervia de cólera,
e soube que já não era uma pacifista. Uma pacifista nunca poderia contemplar a
violência que tinha a intenção de inflingir a Steven se alguma vez Selik fosse
libertado.
Na tarde do quinto dia, uma grande tina foi levada, e se banhou e lavou o
corpo. Quando saiu da tina, Efric e Caedmon adornaram seus cabelos e a
puseram ante uma folha de metal polido. Era impressionante, depois de tudo o
que tinha resistido, seu rosto não mostrava nenhuma das feridas e cortes que
arruinavam o resto de seu corpo. Graças a Deus, não a tinham violentado…
ainda. Além de seus lábios inchados e seus olhos avermelhados, devido ao
pranto, parecia como sempre.
Steven a obrigou a pôr uma túnica de seda com cordões no decote com uma
cintura com faixa. Não lhe permitiu usar nada em baixo; mas puxou sua capa
forrada de pele sobre seus ombros, dizendo:
— Daremos um passeio. Acho que precisa de um pouco de ar.
Ela o olhou com suspeita. Steven não faria nada sem um motivo oculto.
Ele riu, gostando do desprezo em seus olhos, havia-lhe dito várias vezes
que sua resistência o agradava. Ela desejou poder deixar de lutar.
— Vamos visitar seu amante.
Rain começou a tremer, com medo do que Steven faria depois, incapaz de
compreender sua mente tortuosa.
— Não dirá nada enquanto estivermos ali. Me entendeu, Rain? — ele pegou
seu queixo com força.
Ela assentiu com a cabeça.
— Se disser algo com um olhar ou com uma palavra para demonstrar que
está comigo a contragosto, Selik estará morto antes do anoitecer. Acredita em
mim?
Ela assentiu com a cabeça de novo, e ele lhe soltou o queixo. Antes que
saíssem do quarto, beliscou-lhe os mamilos de ambos os seios de modo que se
sobressaíssem dolorosamente contra a fina seda da túnica.

Selik caminhava com passos longos e tranqüilos de um canto a outro ao


longo da curta distância que a corda lhe permitia. Suas mãos ainda estavam
atadas à costas. Durante dias inteiros, não tinha ouvido nada nem visto
ninguém.
Tentou esquecer a imagem de Rain com Steven quando eles tinham ido vê-
lo por volta de cinco dias, cinco atormentadores dias, durante os quais imaginou
a cumplicidade entre os dois.
Confie nela.
Uma parte dele queria acreditar que Rain estivera com Steven contra sua
vontade, escutar a voz de sua cabeça, mas ela tinha parecido desejá-lo. As
mulheres sempre tinham achado Steven atraente quando utilizava seus
insidiosos encantos, e lembrava claramente que Rain tinha permitido a Steven
lhe rodear os ombros com o braço. Ainda pior, lembrava perfeitamente as
palavras de Steven à porta de sua cela, refirindo-se a ele como um animal muito
sujo, alertando a Rain que voltasse com ele a seu dormitório. Tão fortemente
como se obrigou a escutar, não tinha ouvido ruídos de luta, nenhuma palavra
suplicante de Rain em sua representação.
Confie nela.
Selik tentou bloquear a voz interior. Desejou poder morrer. Nenhuma das
torturas provocados pelas visitas dos cruéis soldados de Athelstan podia se
comparar com a dor da traição de Rain.
Mas então, outras vezes, desejou viver para levar a cabo sua vingança. De
ambos.
Escutou uma batida na porta de sua cela, seguido pelo rangido das
dobradiças oxidadas. Fico sem fôlego quando viu entrar Steven, segurando a
mão de Rain.
Seus cabelos estavam belamente adornados, e usava uma capa forrada de
pele magnifica. Ela cravou os olhos dourados e grandes nele, piscinas
inexpressivas cheias de uma emoção que não podia entender. Seus lábios
estavam rosados e inchados, como se tivessem sido beijados sem fim.
Um doce pedaço, despertado havia pouco nele, morreu.
— Argh! — enfureceu-se e puxou as cordas. A mataria, assim como também
a Steven, se pudesse alcançá-los.
Os olhos de Rain se ampliaram e se encheram de lágrimas. Ele noto os
círculos escuros sob seus olhos depois. Sem dúvida devido às noites sem dormir
passadas sob o ofegante corpo de Gravely. Ela gemera para seu novo amante do
mesmo modo que fez para ele?
Sentiu como se seu coração fosse sair do corpo, e temeu que houvessem
lágrimas em seus olhos.
Como ela pôde? Como ela pôde?
Steven lhe sorriu então, uma doentia curva retorcida em seus lábios, e
puxou a capa, tirando-a dos ombros de Rain. Com um pequeno movimento de
seus dedos, puxou os cordões de sua túnica. Atrás de Rain, Steven abriu a
túnica, deixando ao descoberto seus seios com os mamilos erguidos para sua
visão. Depois pôs as mãos sob seus seios e os elevou. Os machucados
arruinavam a branca carne de seus seios em sua obra de amor. Durante todo o
tempo, Steven lhe sorriu.
Rain deixo cair sua cabeça, envergonhada. Mesmo uma mulher apaixonada,
como ela devia ser pelo Steven de aparência agradável para consentir aquelas
intimidades, não queria deixar seu corpo à vista de outro homem, um antigo
amante. Mas ela não disse nada, nenhuma palavra, para deter Steven. Nem
sequer quando ele pôs uma mão sobre sua feminilidade, roçando sensualmente,
e a outra mão sob seu queixo, obrigando-a a erguer o olhar.
— Te odeio — disse Selik a Rain com todo o veneno que fervia em seu
sangue. — Te odeio mais que a Steven, e isso converte em uma quantidade
terrível. Tomou meu amor e o cuspiu, e nunca te perdoarei.
Lhe voltou as costas depois, e sentiu a umidade em suas faces. Escutou um
gemido a suas costas, rapidamente reprimido, mas não se voltou até que se
foram e a porta se fechou atrás deles.

Depois daquilo, nada mais importava a Rain. Sua falta de resistência


zangou Steven, e sua brutalidade aumentou. Rain se perguntou se viveria
durante outra semana ou se, em uma de suas fúrias, Steven iria muito longe e a
mataria. Ou se poderia mudar de idéia e a violentaria. Algo que ela não podia
aceitar.
Apesar de tudo, não gritou pedindo ajuda porque ainda precisava proteger
Selik.
Uma semana depois de sua desgraçada reunião com Selik, Caedmon entrou
correndo no dormitório de Steven, gritando:
— Aquela cadela da Elgiva anda procurando Rain. Foi ao rei, e ele aceitou
realizar uma busca no castelo.
Rain mal ergueu a cabeça de onde estava sentada sobre o chão de seu
pequeno cômodo, capaz de ouvir tudo o que diziam através da porta aberta.
— Rápido, Caedmon, empacote todas nossos pertences — disse Steven
ansiosamente. — Efric, tragam os cavalos. Sairemos imediatamente.
Rain adormeceu, ou talvez desmaiou. O fazia bastante ultimamente. Steven
tinha batido em sua cabeça vários dias atrás, e temia estar com uma concussão
cerebral. Escutou a porta se abrir horas depois e Efric exclamar rapidamente:
— Maldito inferno, Steven, o rei e a cadela se dirigem para cá. Alguém disse
a Athelstan que viu a moça do Fugitivo com você na prisão.
De repente, Rain se deu conta de que Steven estava a ponto de escapar.
Outra vez, evitava o castigo por seus maus atos. Não pagaria por saquear e
matar a esposa de Selik, por cortar a cabeça do recém-nascide Thorkel, por seus
maus-tratos, por todos seus atos horrendos. Rain não podia permitir que
acontecesse.
Enquanto os três homens pegavam seu equipamento e suas bolsas de couro,
Rain se levantou, sem ser percebida, cambaleando dolorosamente. Viu uma faca
sobre a toalha ao lado da cama, recolheu-a quase com arrebatamento, depois
correu gritando para Steven.
— Bastardo! Bastardo!
Steven se voltou no último momento e moveu o braço. A faca se dobrou e,
em seu estado debilitado, ela tropeçou. Em vez da faca impactar contra as costas
dele, como ela quisera, rasgou seu antebraço. Assim, o sangue fluiu livremente
descendo por sua manga.
A princípio, seus olhos só se abriram com espanto ao ver que ela se atrevia
a atacá-lo. Seus olhos furiosos foram com espanto para o sangue que molhava
sua túnica. Depois se moveu com uma rápida descida do pé. Ela não pôde reagir
o suficientemente rápido para evitar o golpe que lhe bateu no estomago.
Em uma difusa neblina de dor e náusea, Rain viu o rosto do rei Athelstan se
abaixando sobre ela.
— Pelo Sangue de Cristo! Quem lhe fez isso?
Alguém mais respondeu:
— Steven de Gravely.
— Onde ele está? — perguntou a voz de Athelstan, com uma gelada
ferocidade.
— Foi embora.
Embora embora embora embora embora embora... a palavra ficou ecoando
no cérebro intumescido de Rain quando sentiu que seu corpo era erguido entre
os braços de alguém.
Escutou uma voz soluçante a suas costas e reconheceu Elgiva quando ela
disse:
— Oh, Athelstan, olhe como o animal bateu nela!
— El... Elgiva — disse Rain ofegando, estendendo um braço em sua direção.
— Estou aqui — disse Elgiva, entrando em sua linha de visão, afastando os
cabelos de seu rosto com uma mão suave.
— Jure — disse Rain apagadamente. — Me prometa…
— O quê? O que deseja que lhe prometa, minha querida amiga?
— Não faça… não diga a Selik. Ele não deve saber.
— Mas por quê?
Rain viu as lágrimas correndo pelas bochechas de Elgiva. E a tristeza. Devia
parecer uma verdadeira lástima para despertar semelhante horror que via
refletido no rosto de Elgiva.
— Ele se culparia por não poder me proteger — disse Rain com uma voz
em carne viva, lambendo os lábios ressecados. — Ele não poderia viver com essa
dor de novo. Simplesmente não poderia.
— Mas…
— Jure — exigiu Rain, lhe agarrando o braço com mais força do que sabia
que tinha. — Jure.
Elgiva assentiu com a cabeça.
E Rain caiu na bendita inconsciência.
Vários dias depois, Rain se sentou na cama de Elgiva. Além das feridas que
arruinavam cada centímetro de seu corpo e as cicatrizes emocionais que nunca
desapareceriam, Rain se sentia quase normal. Aparentemente não tinha tido
uma concução no fim das contas.
E pela primeira vez em dias, Rain se deu conta de que queria viver.
— Te violentaram? — perguntou Elgiva enquanto ajustava as roupas em
torno dela. A dama saxã estivera cuidando dela durante os dias anteriores. Se
alguém era um anjo, era ela.
Rain negou com a cabeça.
— Bem, é uma bênção. A experiência que experimentou foi horrorosa, mas
o pior passou.
— Eu sei. Deveria agradecer por isso, mas mal posso controlar a minha
mente que borbolha, o meu sangue que se agita, a violenta cólera que acorda em
mim contra Steven de Grevely.
— O pior é que Grevely escapou sem castigo por suas ações vis.
— Oh, acho que não. Acho que receberá seu castigo algum dia, seja nessa
vida ou na outra. Mas não posso permitir que meu ódio por ele me consuma
agora, tenho que afastar minha fúria ou ela me carcomerá como um câncer.
Preciso me curar agora, Elgiva. E, Oh Deus, preciso de Selik.
Elgiva a olhou nos olhos e se sentou na borda da cama de Rain.
— Isso é algo sobre o qual desejava discutir.
— Selik? — perguntou Rain, sua voz elevando-se pelo alarme.
Elgiva deu um tapinha em sua mão de maneira reconfortante.
— Não se preocupe. Está a salvo. De fato — Elgiva inspirou para tomar
forças — de fato, ele foi libertado.
— Ele... foi? — perguntou Rain lentamente, sua testa se franzindo pela
confusão.
— Realmente, depois de ver o que Steven lhe tinha feito, Athelstan
finalmente acreditou que Selik se vingara por ter sido provocado. Ele o libertou
e o proibiu de voltar a Grã-Bretanha. Um guarda armado o levará a Sothampton
pela manhã, onde será posto em um navio, para nunca mais retornar outra vez a
essa terra.
Rain sorriu e começou a se levantar da cama.
— Devo ir imediatamente.
— Não, ainda está muito fraca.
— Então me envie a ele imediatamente. Tenho que ver que está bem. E
temos que empacotar minhas coisas para que possa ir com ele amanhã —
excitada pelas maravilhosas notícias, Rain começou a fazer uma lista em sua
mente das coisas que precisava preparar para a viagem. Aonde iriam?
perguntou-se ela. Poderiam levar Ubbi e Adam e Adela e os outros órfãos?
Elgiva negou com a cabeça tristemente.
— Rain, ele se nega a te ver.
— Mas por quê? — Rain se afundou de novo na cama, assustada pela
preocupação chorosa na voz de Elgiva.
— Você não permitiu a mim ou a Athelstan dizer a ele porque estava com
Steven. Então, ele acredita…
— …que eu estava com Steven voluntariamente. Que fui sua amante —
terminou Rain a frase por ela.
— Disse que te odeia, Rain. Tenho certeza de que com o tempo, quando
tiver mais controle sobre suas emoções, reconhecerá seu engano de pensamento.
Mas está furioso desde sua libertação, bebendo, amaldiçoando e…
— Me ajude a me vestir — disse Rain firmemente, obrigando-se a suportar a
dor de seu corpo ferido. —Ajude-me ou não, vou ver Selik e falar com ele.
Depois de muitas discussões inúteis, Elgiva a ajudou a se vestir com uma
túnica de lã branca e suave sobre uma camisa azul. Pôs carinhosamente a jóia de
âmbar em torno do pescoço e o broche do dragão no ombro. Em pé ante o metal
polido na parede de Elgiva, Rain viu os círculos escuros sob seus olhos, e o peso
que tinha perdido se ressaltava em suas faces fundas, mas de outro modo,
ninguém poderia suspeitar das feridas que se escondiam sob suas roupas.
— Lhe dirá a verdade? — perguntou-lhe Elgiva enquanto a ajudava a ir ao
vestíbulo, com cuidado, como uma anciã aleijada.
Rain negou com a cabeça.
— Não, ao menos não por hora. Talvez algum dia, quando ambos tenhamos
tido uma oportunidade para nos curar, mas Selik não o poderia aceitar agora.
Somente voltaria a sua antiga vida de maldita vingança.
Quando chegaram à porta da câmara de Selik, Rain escutou movimentos no
interior.
— Vou com você? — perguntou Elgiva com preocupação.
Rain negou com a cabeça.
— Não, mas, Elgiva, obrigada por toda sua ajuda — abraçou sua amiga com
calor, depois sorriu com impaciência.
Finalmente, ela e Selik teriam uma vida juntos.

Selik escutou a batida, mas a princípio achou que era em sua cabeça
embotada pelo hidromel. Tentou se endireitar várias vezes, sem êxito.
Olhou a seu lado e deu um salto. Uma mulher nua jazia a seu lado entre as
brancas roupas franzidas. Ele gemeu. Era Blanche.
Franziu o cenho, tentando recordar. Tinha bebido muito a noite anterior,
mas sabia que foi a sua cama sozinho. O que a moça trazia entre as mãos?
Esfregou os olhos com cansaço, repentinamente lembrando porque tinha
bebido muito na noite anterior. O bastardo do rei o tinha solto ontem pela
manhã, sem explicações. Tinha recebido a ordem de pagar uma enorme multa,
voltar para sua propriedade na Northumbria e a ordem de não voltar nunca
mais a Grã-Bretanha.
Não se importava.
Tinha perdido muito, muito mais.
Rain! Sua mente atormentada chorava, como fizera durante dias. Rain...
Rain... Rain... Rain...
Como ela pôde? Manteve-se perguntando repetidas vezes. Não havia
resposta, simplesmente os fatos incontestáveis. Estivera com seu pior e mais
odiado inimigo, Steven de Gravely.
Gravely era lixo ante seus olhos, e agora Rain era também. Nunca, nunca a
perdoaria por sua traição.
O tamborilar na porta continuou. Selik se esforçou para se levantar da cama
e cambaleou até a porta, sem se preocupar com sua nudez. Sem dúvida
Athelstan tinha enviado outro mensageiro lhe recordar de sua viagem aquela
manhã. Não poderia ser muito logo para ele.
Sem estar preparado para a visão de Rain erguendo-se ante ele na porta,
apoiou-se contra a porta para se sustentar. Maldito inferno! Ela parecia um anjo
em pé ali vestida de branco, o contemplando com seus olhos dourados cheios de
lágrimas. Usava sua jóia de âmbar como um maldito símbolo de seu amor.
Maldita. Esforçou-se para não tentar alcançá-la, lembrando-se que ela estava
muito longe de ser um anjo. Um anjo sombrio, imaginou, pois qualquer
bondade que tivesse havido nela certamente se sujara por sua união com Steven
de Gravely.
— Selik! — exclamou ela com um rouco sussurro e estendeu ambos os
braços para abraçá-lo.
Ela estava louca? Realmente esperava que lhe desse as boas-vindas de novo
a seus braços amorosos como se nada tivesse acontecido?
Moveu-se para um lado quando ela tentou alcançá-lo, retrocedendo no
quarto. Ela entendeu e viu o corpo nu de Blanche em sua cama pela primeira
vez.
Ela ficou sem fôlego e pôs uma mão sobre sua boca horrorizada, ficando
com o olhar fixo nele, acusando-o.
Como ela o desafiava acusando? Mesmo se houvesse tocado um só fio de
cabelo do corpo atraente de Blanche, como ela se atrevia a reprová-lo?
Blanche se endireitou e dirigiu a Rain um olhar desafiante, triunfante.
Deixou que as roupas caíssem até sua cintura, expondo seus seios cheios com
altivez.
— Despachem a cadela — disse a prostituta. — Volte para a cama, querido.
— Cale-se.
Blanche choramingou por suas rudes palavras, e Rain o contemplou com
esperança.
— O que deseja? — exigiu saber de Rain, pondo uma calça.
— Você — disse ela em voz baixa, lançando um olhar a Blanche, depois de
novo para ele, hesitando. — Você.
— Jamais.
— Por quê?
— Como pode me perguntar isso? Nunca tomaria os restos de Steven, e
entendo que isso é precisamente o que você é. Os servos dizem que ele partiu há
vários dias, sem dúvida antecipando minha libertação. Seu amante se negou a te
levar com ele.
— Ele nunca foi meu amante. Nunca — disse Rain com veemência.
Pela primeira vez em dias, Selik sentiu a esperança crescer como a água em
sua alma ressecada. Pôs as mãos em seus braços, notando o sobressalto dela. Seu
contato lhe dava asco, agora?
— Então o quê? Está me dizendo que não estava com Gravely
voluntariamente?
Rain vacilou e seus olhos lhe suplicaram de uma estranha maneira. Selik
sentiu que suas esperanças morriam.
— Saia — exigiu ele, lhe voltando as costas.
— Selik, não é o que acredita — lhe implorou ela, gemendo como se a
tivesse chutado no estômago.
— Como foi isso? — explodiu ele, voltando-se contra ela com sua fúria mal
controlada. Naquele momento, poderia tê-la estrangulado sem pesar por toda a
dor ardente que fizera a sua alma.
Seus ombros caíram bruscamente e as lágrimas emanaram de seus olhos.
Ela não respondeu, e aquela foi toda a resposta que ele precisou.
— Eu te amo, Selik — disse finalmente ela.
— Eu te odeio. Não quero te ver de novo — declarou ele friamente,
cravando as unhas nas palmas das mãos. — Jamais.
— Não pode simplesmente confiar em mim, Selik? — implorou ela. — Não
pode lembrar de nosso amor, e simplesmente ter confiança?
Seus suaves soluços lhe quebraram o coração, mas não podia se render a
seu tipo de amor traidor. Com determinação, caminhou até a cama e se meteu
sob os lençois brancos com Blanche, voltando o rosto para Rain. Durante um
tempo muito longo, escutou Rain em pé na porta, chorando desesperadamente.
Quando finalmente a porta se abriu e se fechou com um som surdo, ele
empurrou Blanche com desagrado e lhe ordenou abandonar sua ante-câmara.
Choramingando e depois amaldiçoando, ela saiu do quarto batendo a porta.
Selik se endireitou depois, pondo ambas as mãos no rosto.
E chorou por tudo o que perdera.

Capítulo 21

Dois dias mais tarde, Selik despertava de um estupor de bebedeira e sabia


que não podia continuar sem Rain. Não lhe importava se ela estivera com
Steven de Gravely, ou com o próprio Lúcifer. Ele a amava e não podia viver
sem ela a seu lado.
Confie nela.
— Deus, se o amor de Rain não me matar, você vais fazer com essa maldita,
infernal irritação sem fim — resmungava Selik enquanto caminhava com
cuidado, parecendo um ancião aleijado, para a entrada e gritou pedindo a um
criado que passava água para se banhar. Sua própria voz pareceu ecoar dentro
de sua cabeça, e pôs ambas as mãos nos ouvidos para manter seu cérebro no
lugar.
Perder a cabeça é certo, meu rapaz. Não te disse para confiar no amor, e o que fez?
Recusou a melhor coisa que te dei na vida, foi isso. E por certo, não levarei em conta sua
menção a Lúcifer em Minha presença.
— Oh, Senhor — gemeu Selik. — Não há por aí algum milagre que tenha
que realizar em outro lugar… como a Islândia? — Selik sabia que Rain tinha
voltado para a Northumbria no dia seguinte de sua recusa. Athelstan se tinha
deleitado com a narração de que tinha enviado sua própria guarda armada para
acompanhá-la. Selik tinha certeza que seria capaz de chegar a algum acordo
com o Rei Athelstan para que lhe permitisse ficar na Grã-Bretanha, sobretudo se
trocasse sua alma com o maldito saxão, mas…
Não sua alma, interrompeu a voz, esse precioso artigo me pertence.
Selik olhou para o céu e revirou os olhos pela frustração.
— Quis dizer que se eu lhe prometesse minha lealdade e pagasse uma
recompensa igual ao resgate de um rei, ele poderia me permitir viver em minha
própria terra — imediatamente se repreendeu por continuar um diálogo com
um ser invisível. Talvez finalmente estava ficando completamente louco.
Vá até ela.
— Rain deve me odiar agora.
Ela tem uma boa razão. Se o fizer, a convença a te amar outra vez. Sempre foi o
mestre da sedução.
Selik sorriu com pesar. De repente, outro pensamento lhe ocorreu. E Steven
de Gravely? Ele não podia permitir que escapasse outra vez sem o castigo por
seus delitos. Sim, primeiro devia ir atrás de Steven de Gravely e terminar enfim
sua vingança.
A vingança é minha.
— Quem disse? — replicou Selik, com as mãos em seus quadris, dirigindo-
se ao teto de sua ante-câmara.
O Senhor diz, tolo.
— O que disse, senhor? — perguntou um dos criados que entravam com
dois baldes cheios de água quente. O guri desalinhado olhava com curiosidade
as vigas para ver a quem se dirigia Selik.
— Esqueça.
Selik sacudiu a cabeça ante seus crescentes diálogos consigo mesmo. Já não
sabia onde terminava sua consciência e começava a voz do espírito. Mas então
começou a pensar no conselho da voz. Talvez aquele era efetivamente o
momento para deixar de lado sua vingança contra Steven, estabelecer algumas
prioridades maiores em sua vida. Como Rain. Ele poderia procurar Steven
depois, no próximo mês, no próximo ano, quando fosse. Mas a coisa mais
importante naquele momento era encontrar Rain e lhe dizer que ainda a amava.
Acreditou ter escutado um grande suspiro de alívio vindo de cima.
Pela primeira vez em dias, Selik sorriu, e parecia que um grande peso tinha
sido levantado de seus ombros.

Uma devastada Rain retornou finalmente à vila. Não só estava devastada


pela perda do amor de Selik, mas também suspeitava que ele iria atrás de
Steven agora com força mortal em sua busca por vingança. Ela sentiu que o
círculo tinha se fechado completamente. Todo aquele tempo gasto tentando
curar a amargura de Selik e persuadi-lo para abandonar sua busca da vingança
parecia infrutífero se Selik só ia recolher o punho auto-destrutivo outra vez.
— O bastardo idiota! Como ele pôde ter pensado que você se casaria com
Steven voluntariamente? — exclamou Ubbi enquanto se preocupava com suas
muitas contusões ainda não curadas.
— Steven é um homem formoso, no exterior. E pode ser muito encantador
quando quer. É um ator consumado.
— Bem, mesmo assim, Selik deveria ter acrditado em você.
— Sim, ele deveria ter feito — disse Rain, com voz vacilante. — Ele não me
amava o suficiente, aparentemente. Se amasse, ele saberia que eu nunca poderia
enganá-lo. Mas minha presença com Steven o cegou, colocando um tijolo a mais
na parede de seu ódio por Steven — Rain se reuniu com Ubbi e as crianças. Ela
precisava se sentir amada por alguém.
O rei Athelstan tinha convidado Rain a voltar para seu corte em outra
ocasião para assim poder falar com ela a respeito das maravilhas médicas de seu
país. Rain tinha prometido que iria, mas duvidava que visse “o Rei Erudito”
outra vez. Na despedida, ela tinha abraçado Elgiva que rindo agradeceu pelos
detalhes específicos do controle de natalidade por meio do método da tabela.
Sem se surpreender, o rei tinha recusado sua oferta pouco entusiasta de uma
vasectomia, sobretudo quando ela tinha mencionado as agulhas de acupuntura
que teria que usar como anestésico local.
— O senhor voltará, minha senhora, uma vez que recupere seu juízo —
disse Ubbi, alcançando-a para acariciar sua mão.
Rain não tinha tanta certeza, mas uma pequena parte de sua alma que não
tinha morrido ainda esperava que ele tivesse razão. Por dentro, rezou, por favor,
Deus, me devolva ele.
Confie em Mim.
Rain não tinha certeza de confiar em alguém outra vez. Só Adam se
retorceu de entusiasmo por sua volta, silenciosamente ferido pela ausência de
Selik. Ela tinha explicado às crianças que o rei tinha perdoado Selik com a
condição de que deixasse o país, que não poderia voltar para vê-los primeiro.
Adam subiu e pôs sua mão na sua, sentindo sua dor, e sussurrou:
— Eu não a abandonarei.
Então partiu para esculpir em um pedaço de madeira, olhando
furiosamente para frente. O maravilhoso e pequeno menino parecia um homem
adulto no corpo de uma criança, muito perspicaz para sua idade. Adela se
sentou ao lado dele em um banco perto do fogo da lareira. Silenciosamente, com
seu polegar na boca, ela pôs a cabeça contra o braço de seu irmão comodamente.
Nos primeiros dias, Rain permaneceu esperançosa que Selik voltaria para
ela. Seu corpo se fortalecia, e tentou não pensar no malvado Steven e seus
amigos.
Então os dias passaram. E semanas.
Rain caminhava sozinha pelos campos da vila. Tentava desesperadamente
esquecer o precioso amor que tinha segurado em suas mãos durante um breve
momento de tempo. E perdido.
Então Adam desapareceu, e Adela estava caída e gemia em sua cama com
uma dor de estômago. Rain suspeitou que a enfermidade era psicosomática, que
Adela sentia tanta falta de seu irmão que sua dor emocional se tornara física.
As tardes nevosas invernais e os ventos que sopravam com força chegaram,
agitando as madeiras do antigo celeiro, exagerando os sentimentos que cresciam
em Rain de solidão e insuficiência e desespero. Ela queria voltar para Jorvik e ao
lugar de Coppergate de modo que pudesse viajar de volta ao futuro. Ao menos
lá, na familiaridade de sua velha vida, poderia ser capaz de juntar os pedaços
quebrados de seu coração. Queria chorar no ombro de sua mãe, sabendo que
Rubi a entenderia.
Mas ela não podia partir até que Adela estivesse melhor. E Adam voltasse.
Onde tinha ido aquela fantasia de diabo tolo? Adela disse que ele tinha algo
para fazer em Jorvik. Tinha ido fazia quase uma semana.
O tempo frio agravou a artrite de Ubbi, que permaneceu em sau cama,
desculpando-se profundamente por sua debilidade. Rain atendeu meigamente o
querido homem que se convertera em um pai para ela. Sentiria falta dele
terrivelmente.
Ella vinha visitá-la de vez em quando, mas mais provavelmente ver Ubbi,
oferecendo a Rain mais conselhos dos que queria ouvir.
— Melhor tirar o queixo da terra e olhar ao redor. Deve haver algum outro
pescado no mar além de Selik. Encontre outro homem para você, digo eu.
— É mais fácil dizer que fazer — replicou Rain.
Na semana seguinte Rain recebeu uma carta de Elgiva. A faladora nota lhe
deu notícias da corte e a crescente relação de Elgiva com o rei, logo mencionou
por casualidade que Selik estava ainda em Winchester. Pelo visto, ele e
Athelstan tinham chegado a uma espécie de trégua.
Rain ofegou e as lágrimas arderam seus olhos. Apesar de todos seus
protestos em contra, profundamente dentro, ela estivera esperando que Selik
recuperasse seu juízo. Se ele ainda a amasse, mesmo se acreditasse que ela tinha
estado com Steven voluntariamente, teria voltado para ela. Ele não deveria
amá-la mais.
E, se ele já não a amava, ela não tinha nenhum futuro no passado.
Estoicamente, Rain começou a fazer planos. Não importava o que Ubbi, ou
Gyda, ou Ella dissessem, Rain não seria dissuadida. Iria para casa. No futuro.
Dois dias mais tarde, na Sexta-feira Santa, Rain deu um beijou de adeus em
todas as crianças e em Ubbi, abraçando-os chorosa. Pegou o broche de dragão
que trouxera com ela, as contas de âmbar que Selik lhe tinha comprado e seu
precioso lobo esculpido em madeira. Quando ele lhe tinha dado, suas palavras
tinham sido “para lembrar”. Ela não se deu conta então do quão apropriado o
sentimento seria.
Caminhou sozinha para Jorvik e ao lugar de Coppergate onde toda sua
experiência de viagens no tempo tinha começado.
 Quase sete meses tinham passado desde o dia em que tinha estado de pé
sob o andaime no museu Viking em York. Perguntou-se se teria passado algum
tempo no futuro. Talvez não. Talvez sua mãe ainda estaria adormecida no hotel.
Talvez surgiria do gesso no chão, tiraria o pó e reataria sua velha vida como se
nada jamais tivesse acontecido.
Então outra vez, talvez não.

Selik caminhava para o porto de Southampton, tendo evitado finalmente a


farra da Páscoa no abarrotado castelo de Winchester no dia anterior. Ele podia
fazer agora seu caminho de volta a Northumbria e a Rain, enfim. Depois de
semanas de negociação, Athelstan tinha consentido em permitir que ficasse na
Grã-Bretanha sob condição de que ele prometesse sua lealdade ao rei — não
contra seus escandinavos da mesma raça, mas em qualquer outro esforço
militar. E, é obvio, a tesouraria saxã estava bem maior agora. Seu navio deveria
estar preparado para navegar em um dia ou dois, tendo sofrido alguns danos
com o inverno.
Ele esperava que Rain tivesse recebido sua missiva em que mencionava a
insistência do rei em que ficasse na corte até que eles chegassem àquela trégua
provisória, mas estava inquieto sobre o ladino comerciante saxão que tinha
aceitado sua moeda com suntuosas promessas de uma entrega rápida.
Quando se aproximou do porto, Selik notou o grande navio de Hastein, um
comerciante de Jorvik. Talvez, se Hastein voltasse para a Northumbria antes que
o navio de Selik estivesse preparado, viajaria com ele.
— Selik, justo o homem que estava procurando — chamou Hastein
gritando. — Tenho um presente para você.
Com seu interesse capturado, Selik ajudou Hastein no embarcadouro, uma
tarefa nada fácil, já que o dono do navio levava um cilindro de tapeçaria pesada
que parecia se mover de uma maneira estranha. E emitia grunhidos.
Ruídos que infelizmente Selik reconheceu.
Ele permaneceu firmemente parado. Não, não podia ser, disse a si mesmo
com uma sacudida da cabeça, justo quando Hastein desenrolava a tapeçaria
com um sorriso e um floreio.
E um Adam amaldiçoando caiu saltando a seus pés.
— Seu maldito cão vadio chupa-bacalhau! — grunhiu Adam, indo ao largo
ventre de Hastein com mãos em garras.
Selik o agarrou pelas costas de sua asquerosa túnica, que fedia a pescado, e
o levantou da terra. Blasfemando e sacudindo os braços, Adam chamou Selik e
Hastein com nomes que mesmo Selik nunca ouvira antes. Hastein explicou
brevemente que o perebento meninote tinha viajado como vagabundo em seu
navio em um barril de pescado salgado. Ele de boa vontade o entregou a Selik,
afirmando que o menino estivera perto de ser assassinado por seus marinheiros
pela asquerosa boca e maneiras arrogantes que tinha. Finalmente, Selik levou
Adam sobre seu ombro a uma clareira próxima, onde o pôs na terra.
— O que faz aqui, Adam?
Selik se sentou e apoiou suas costas contra uma árvore, em espera da
resposta de Adam. Apegado às formas, Adam recusou se sentar e ficou de pé na
frente dele ele, com suas mãos nos quadris, o olhar furioso.
— Vim para vê-lo, seu maldito desgraçado.
— Cuide de sua língua.
— Minha língua não é o problema.
— Qual é?
— A senhora. Rain.
Selik se sentou direito.
— O que está acontecendo com Rain?
— Ela vai para longe.
Selik sentiu uma forte e apertada sensação em seu coração, e durante um
momento não conseguiu respirar.
— Para onde?
Ele deu de ombros com dúvida.
— Vai voltar de onde veio, acho.
Selik ofegou bruscamente.
— Recebeu minha missiva, em que lhe falo de meu atraso?
Adam o olhou com receio.
— Ela não recebeu nenhuma mensagem.
Selik gemeu.
— Quanto se passou desde que a viu?
Adam deu de ombros.
— Dois crepúsculos, talvez — ele franziu o cenho para Selik. — vais voltar
por ela?
— O que te faz pensar que ela iria me querer?
— É tão malditamente idiota que não sabe quando uma mulher te ama?
Selik sentiu um sorriso que se movia nervosamente em seus lábios.
— E você sabe de tais coisas?
— Posso ter visto só sete invernos, mas sei quando uma moça gasta um
mancuso de ouro em açúcar e há quase uma dúzia de pobres órfãos
envenenados somente para fazer um presente para um homem. Humph! Se isso
não for amor, então não sei nada — deu um pedaço de asqueroso pergaminho
dobrado, preso com uma fita igualmente asquerosa que devia ter sido azul uma
vez.
Olhando Adam com receio, Selik abriu o pacote com cuidado. A princípio,
só contemplou os objetos que estavam diante dele. Várias dúzias de objetos
vermelhos o olhavam fixamente, como círculos de olhos um pouco injetados de
sangue, uns ovóides, outros que pareciam rabanetes esmagados.
— O que são? — perguntou ele, erguendo seus olhos para Adam.
Adam fez um som de desgosto com a boca.
— Acaso você não sabe de nada? São Salva-vidas. Salva-vidas de Cereja. A
senhora os fez ela mesma como presente de Natal para você, mas nunca veio. E
a fez chorar, também.
Selik tomou um dos doces, para jogá-lo em sua boca, quando Adam pôs
uma mão em seu braço.
— Eu não faria isso em seu lugar — advertiu ele.
— Por que não?
— Tem gosto de merda de cavalo.
Dois dias depois, Selik se despediu do Rei Athelstan. Partiria pela manhã.
Para a Northumbria.
— E quem é o rapaz mal-educado que vai a seu lado? — perguntou
Athelstan.
Selik olhou para Adam, que estava tão agradecido de voltar para Jorvik
com Selik que o contemplava como um cachorrinho doente de amor. Ele engoliu
em seco com força antes de ser capaz de falar. Então, pondo uma mão sobre o
ombro de Adam, disse a Athelstan:
— Este é meu filho, Adam. Meu filho adotivo.
Cinco dias depois, o grande navio de Selik fez a volta dentro do Humber.
Selik a contragosto deu crédito ao persistente estímulo de Adam a seus
marinheiros para sua rápida volta. De mais de um feroz viking foi ouvido o
comentário:
— Lance o pequeno patife na água.
Mal seu navio balançou com a confluência do Ouse e o Rios Foss em Jorvik,
Selik se precipitou à terra e se dirigiu para sua aldeia. E para Rain.
Adam o seguiu de perto, lhe dando instruções de como se comportar com
Rain.
— Se assegure de não gritar. Você têm uma tendência a rugir de vez em
quando.
— Silêncio.
— E talvez você devesse fingir que gostou de suas Salva-vidas. As
mulheres gosta de palavras doces.
— Silêncio.
— Talvez podesse comentar que ela não parece tremendamente alta, como a
última vez que a viu. Ela se preocupa por ser grande, sabe.
— Silêncio.
— E independentemente do que faça, não a lance sobre a cama e se enterre
nela primeiro.
Selik inalou bruscamente e parou firmemente seus passos. Com suas mãos
nos quadris, deu a volta para fulminar com o olhar o pícaro impudente.
— Já sei, silêncio.
Adam foi o primeiro a ver as crianças brincando nos campos sem cultivo da
aldeia. Notando Adela, Adam correu para frente e abraçou sua irmã
carinhosamente. Então endireitou os ombros e inchou o peito com presunção
quando os outras crianças lhe perguntaram sobre sua grande aventura.
Ouvindo o alarido, Ubbi saiu do celeiro e exclamou:
— Bem, já não era sem tempo. Já tínhamos nos rendido a respeito de você.
— Onde está Rain? — perguntou Selik imediatamente, seus olhos se
lançaram sobre o curral. Não fazendo caso de Ubbi, precipitou-se para dentro
do celeiro, mas estava vazio, o prematuro clima de primavera levara todos para
fora, exceto Ella, que mexia um pote sobre a fogueira.
Ella! Maldito Inferno! Ela finalmente devia ter apanhado Ubbi.
Vendo-o pela primeira vez, Ella franziu o cenho condenando-o e
resmungou:
— Maldito bastardo — antes de lhe voltar as costas grosseiramente.
— Onde está Rain? — ele perguntou a Ubbi outra vez quando voltou para
fora.
Adela veio se precipitando contra ele, enlaçando seus pequenos braços em
torno de suas pernas. Ele a tomou em seus braços, e ela o abraçou com seus
finos braços em volta de seu pescoço, beijando seu rosto molhadamente.
— Sentiu saudades, Adela? — perguntou, girando-a acima de sua cabeça, e
ela gritou encantada.
Ela assentiu com a cabeça de cima abaixo energicamente. Ele notou que seu
polegar já não estava plantado na boca. Parecia feliz e não temerosa, diferente
da menina trêmula que ele vira pela primeira vez na rua em Jorvik.
— Ele é meu pai agora — gabou-se Adam na frente das outras crianças,
sacudindo um polegar para Selik.
— Ai, que vergonha, Adam, dizer tais contos — Ubbi castigou o pequeno
garoto. Ele lançou um olhar de apreensão para Selik, sabendo como lhe
desagradavam as recordações de seu filho perdido.
— É, também. Sim, é — protestou Adam indignadamente a Ubbi. — Ele me
ado... me adotou.
Ubbi elevou a vista para Selik questionando.
Ele deu de ombros.
— Não tinha nenhuma opção. Ele veio comigo a corte de Athelstan e me
ameaçou com Salva-vidas se eu não fizesse seu desejo.
Adam sorriu abertamente para ele, feliz como um cachorrinho.
Selik deixou Adela suavemente e olhou diretamente para Ubbi. Os olhos de
Ubbi se moveram nervosamente.
— Onde está ela? —perguntou ele com uma voz baixa, quase com medo da
resposta.
— Foi embora.
Fechou os olhos durante um momento e pôs uma mão em seu coração. Por
favor, Deus, por favor!
Confie em mim.
Hah! Olhe o que consegui até agora.
Talvez não tenha confiado o suficiente.
Ele inalou profundamente e perguntou:
— Quando? Quando ela partiu?
— Essa manhã.
Os olhos de Selik se abriram.
— Essa manhã? Como pode ser? No mesmo dia em que volto para a
Northumbria, ela decide voltar para seu próprio país?
— Ela vai todos os dias — disse Ubbi com desgosto.
— Todos os dias?
— Soa como um maldito papagaio.
Selik grunhiu de modo ameaçador a Ubbi, e este retrocedeu.
— Me diga logo antes que tire sua língua.
— Ela vai a Coppergate todos os dias. Empacota aquela sua maldita bolsa,
diz adeus a todos nós, chora um pouco, Senhor, a mulher pode chorar uma boa
quantidade, e…
— Argh! Cuspa antes que eu puxe sua língua e a amarre em um nó.
— Irritado, não? — disse Ubbi. — O que eu tentei te dizer é que ela perdeu
a aura.
— Aura! Que aura?
Ubbi lançou suas mãos ao ar.
— Eu sabia que me perguntaria isso, senhor. Realmente, não entendo essas
coisas. A aura é o que Deus envia para devolver seus anjos ao céu, suponho, não
sei, na verdade.
Selik começou a entender. Ele havia sentido uma estranha sensação de
atração naquele dia em Coppergate, fazia meses, quando Rain tinha tentado
voltar para o futuro. Ela afirmou que sua viagem no tempo tinham começado lá.
Lá era o lugar onde ela acreditou que teria que ir para voltar para seu próprio
tempo.
Uma frieza se estendeu sobre a pele de Selik, e ele esfregou as mãos
vigorosamente a seus lados.
— Quando ela partiu?
— Antes do meio-dia. Ela no geral já está de volta — disse Ubbi, mordendo
o lábio preocupadamente. — Talvez isso finalmente funcionou para ela hoje.
Selik olhou o sol que descia no céu. Era a última hora da tarde. A “aura”
finalmente funcionara para Rain no mesmo dia em que ele voltava? Deus por
certo não podia ser tão cruel. Ele olhou para cima então. Podia?
Me fere com sua falta de confiança.
Selik se moveu então, sem dizer outra palavra, e se dirigiu de volta a Jorvik.
Capítulo 22

Não encontrou Rain retornando à aldeia. Tampouco a encontrou no lugar


em Coppergate.
E, o mais espantoso de tudo, a aura tinha desaparecido. Selik partiu
pesadamente até o final do edifício abandonado e seu jardim. Nada.
Rain devia ter vindo, ter encontrado a aura, e ter ido embora.
As lágrimas encheram seus olhos, e se balançou de um lado para o outro.
Aquele devia ser seu castigo pelos dez anos passados em enfrentamentos
sangrentos? Como poderia agüentar a dor de sua perda pela segunda vez?
Durante muito tempo, olhou fixamente sobre ele, incapaz de se mover. Sentiu
como se um peso enorme estivesse sobre ele, esmagando toda sua força vital,
sua vontade para continuar a vida.
Finalmente, com um gemido de desespero, deu a volta e se dirigiu de volta
a aldeia. Caminhou pesadamente pelas ruas de cidade, sem ver, atormentado
com a dor de seu amor perdido.
Recriminações marteladas de longe. Ele deveria tê-la amado mais. Ele
deveria ter acreditado nela e ter apreciado seu amor enquanto o tinha. Nunca
deveria tê-la recusado em Winchester.
Aproximava-se dos degraus da catedral quando viu Bernie —Padre
Bernard — entrar pelas portas de carvalho enormes. Um pensamento repentino
lhe ocorreu. Ele tinha muitas riquezas. Talvez fizesse uma doação ao asilo em
memória de Rain. Aquilo a agradaria. Poderia pedir à igreja que marcasse sua
doação nos arquivos da igreja com seu nome. Acaso Rain leria aquilo muitos
anos depois e saberia que ele havia voltado. Que ele, em efeito, a tinha amado.
— Padre Bernard — chamou enquanto se precipitava pelos corredores da
igreja e o alcançou perto da entrada do asilo.
O sacerdote deu a volta repentinamente, logo ofegou.
— Padre Ethelwolf! Onde está seu tradicional traje sacerdotal?
— Não sou um sacerdote, Padre Bernard — admitiu ele.
— 'Tsk! Igual a Rain, você decidiu brincar na casa de Deus. Que vergonha!
— Então você sabe que Rain, “o Irmão Godwine”, é uma mulher? —
perguntou ele com um sorriso leve.
O lábio superior do Padre Bernard se franziu com repugnância.
— Sim, e o Padre Theodric estava mais que zangado com seu engano. A
princípio, não permitia que ela trabalhasse no asilo.
— Rain ainda trabalhava aqui? — perguntou ele com surpresa. — Até
quando?
— Até agora — respondeu o Padre com irritação, obviamente aturdido pela
pergunta.
Só levou um momento entender as palavras do clérigo.
Agora.
De repente esperançoso, Selik passou roçando o Padre Bernard, e seus olhos
exploraram o asilo, finalmente centrando-se na figura alta, vestida com uma
túnica, que se inclinava ante um paciente.
Obrigado, Deus.
Oh, sim, um pouco de fé. Quando aprenderá?
Selik deu uma pequena saudação para cima e sorriu. Então, congelado em
seu lugar, olhou fixa e ansiosamente Rain, querendo saborear o maravilhoso
presente de Deus — ou de quem quer que fosse — que acabava de lhe dar.
Rain finalmente ficou de pé. Lhe dando as costas, pôs sua pequena mão na
costas, para alongar os músculos cansados. Seu corpo ficou completamente
rígido então, como se sentisse o perigo, e deu a volta repentinamente. Inalou
bruscamente e seus olhos se arregalaram.
— Selik? — sussurrou.
Durante um breve momento, seus olhos dourados se iluminaram de
felicidade ao vê-lo, mas imediatamente se endureceram, ficando feridos e
zangados ao mesmo tempo.
Ele se aproximou mais e estendeu a mão para ela, mas ela retrocedeu.
— Não me toque — ordenou-lhe.
Ele parou e inclinou a cabeça interrogativamente.
— Então finalmente voltou — ela zombou.
— Vim logo que pude. Athelstan insistiu em que eu ficasse e…
— Durante dois meses? — perguntou ela incredulamente.
Selik sentiu que seu rosto se ruborizava.
— Enviei uma carta.
— Nunca chegou — replicou ela sem acreditar nele, o fulminando com um
olhar arrogante. —Não se supõe que deve estar no exílio ou algo assim? O Rei
Athelstan não vai enviar seus homens atrás de você?
— Athelstan me deu permissão para viver na Northumbria outra vez.
Suas sobrancelhas se ergueram com confusão.
— Por que ele faria algo assim?
— Jurei lealdade ao rei saxão. E meus serviços, se alguma vez forem
necessários.
— Deu seu juramento ao inimigo saxão? — perguntou ela, claramente
espantada.
— Não tenho nenhum verdadeiro ódio aos saxões pelo que são, só a Steven.
Sei, sei, isso não é o que eu sempre dizia. Você me ensinou isso, carinho.
Ele viu saltar o pulso em seu pescoço com suas palavras carinhosas, e com
um sorriso mal suprimido, reservou aquela informação para um uso futuro.
— De qualquer maneira, Athelstan não é tão ruim.
— Por que retornou, Selik?
— Por que te amo, Rain. Te perdôo tudo o que fez com Steven. Com o
tempo, esquecerei. Só volte.
Rain não se abrandou e nem saltou a seus braços, como ele
desesperadamente queria. Em lugar disso, ela ficou rígida e seus olhos
cintilaram.
— E onde está Steven?
— Fugiu para Frankland.
— E você irá atrás dele? — perguntou ela com voz fria.
Ele a olhou suavemente, incapaz de compreender a cólera em sua voz.
— Ainda não.
Ela se lançou para ele então, esmurrando seu peito, arranhando seu rosto.
— Você é um bastardo! Seu bastardo estúpido!
— O que foi? O que foi? — ele não conseguia entender sua cólera.
Finalmente, foi capaz de segurar seus antebraços imóveis a seus lados, e seu
corpo a uma distância do dele capaz de evitar os chutes dos pés.
Para sua consternação, uma calada audiência de intrigados clérigos se
reuniram perto, escutando cada palavra.
— Por que está tão zangada, meu amor? — perguntou ele suavemente,
tentando não se incomodar com seu auditório.
— Porque você é cego como um morcego e não pode ver os fatos diante seu
rosto. Porque ainda continua com essa maldita vingança contra Steven. Odeio o
terrível homem. Lamento que não esteja morto, mas não vou arruinar minha
vida indo atrás dele. Nada mudou absolutamente, ou sim, seu imbecil? E não
sou seu amor. Não sou nada seu. Não mais. A propósito, onde está Blanche?
— Não sei onde Blanche está. Talvez em Winchester. Acho que a vi com um
dos guardas de Athelstan.
— Só a passou para outro homem, como uma posse? —perguntou ela
venenosamente.
Ele começava a entender.
— Rain, nunca estive com Blanche, não dessa maneira. Só fingi para
retribuir o que você me fez. Te vi com Steven, e quis te devolver na mesma
moeda.
Rain o contemplou, hesitando durante um momento antes de mover um
braço grosseiramente e bater em seu estômago.
— Ai! — Selik se curvou sobre a cintura, depois, respirando com
dificuldade, reclamou — Por que fez isso?
— Para te machucar, bastardo. Bem como você tem me machucado.
Selik a contemplou enquanto esfregava o estômago, querendo mais que
tudo no mundo tocar seu rosto, beijar seus lábios, lhe mostrar o quanto ela
significava para ele. Quanto lamentava toda a dor que lhe infligira!
— Eu te amo, Rain.
— Isso não é o que disse antes de eu te abandonar em Winchester.
— Eu realmente, realmente lamento. Por toda a dor que te causei.
As lágrimas correram, sem controle, pelo rosto dela, e ele pôs uma mão
suavemente em seu ombro.
— Ah, carinho, não chore. Por favor. Estou aqui agora.
Ela afastou sua mão furiosamente.
— É muito tarde. Malditamente muito tarde — sua cabeça caiu com
desânimo antes de sussurrar entrecortadamente — Te esperei e esperei. E a
única maneira em que eu podia sobreviver era deixando de te amar. É tarde
demais.
— Não! Nunca é tarde demais — gritou ele. — Eu te amo — agarrou seus
braços e a sacudiu suavemente. — Está me ouvindo? Te amo. Te amo.
Quando ela não respondeu, ele finalmente se deteve e disse cansadamente:
— Volte para a aldeia comigo. Com o tempo, seremos capazes de consertar
nossas diferenças.
— Não. Agora que está de volta, fico aqui em Jorvik com Gyda. Não viverei
na mesma casa que você outra vez.
Seu coração pulou um batimento, sentindo alguma mensagem que ela não
disse em voz alta. Ele estreitou seus olhos.
— Teme ceder a minha presença?
— Hah! Ainda o convencido supremo!
— Você me ama. Sei que ama. Você acabou sepultando o amor durante um
tempo, tal como eu fiz com meus sentimentos antes que você entrasse em minha
vida.
Ela recusou responder, mas ele viu seus lábios tremerem e sabia que estava
progredindo um pouco. Só precisava de tempo.
— Se preferir, permaneça com Gyda no momento. Começaremos outra vez
a partir do princípio. Te cortejarei como nenhuma outra mulher foi cortejada no
mundo.
Ela quase sorriu, mas então sacudiu a cabeça para clareá-la.
— Vou voltar, Selik — disse-lhe suavemente.
— Não, não permitirei.
— Você não pode me deter — disse ela bruscamente com exasperação. —
Continuarei voltando para aquele lugar de Coppergate todos os dias até que
finalmente funcione. E finalmente me envie de volta. Sei que enviará — sua voz
não estava tão cheia de segurança como estavam suas fortes palavras.
Bem, Deus, o que fazemos agora?
Que coisa é essa de “nós”? Depende de você agora.
Selik pressionou um dedo no peito dela e sorriu abertamente, tendo uma
súbita inspiração.
—Não, você não partirá. Você gostaria de apostar a respeito disso, meu
amor?
Com aquilo, ele a tomou em seus braços e a beijou vorazmente, baixando
seus lábios sobre os dela, saboreando o gosto doce de seu hálito, o calor de sua
pele. A princípio ela lutou; depois ela também sucumbiu à imensa e
consumidora paixão que ambos compartilhavam. Com um gemido suave, ela
abriu a boca para ele.
Quando ele finalmente se afastou, olhando avidamente seus lábios
entreabertos e olhos enevoados, ele insistiu cruamente:
— Venha para casa comigo, Rain.
Ela pareceu vacilar, então empurrou seu peito.
— Não. É muito tarde.
Ele lhe deu mais um beijo rápido e depois a liberou.
— Estarei de volta amanhã. Fique aqui.
— Provavelmente já terei ido embora então — declarou ela obstinadamente.
— Acredita nisso? Eu não. Por certo, que tipo de tecido iria quirer para seu
vestido de noiva?
— Vestido de noiva? — cuspiu ela. — Me ouviu? Ponha iso em sua cabeça
dura… vou...
— Eu te disse que adotei Adam?
Seus olhos se arregalaram com a surpresa. Bom. Melhor manter a moça
curiosa. Ele costumava saber aquilo sobre as mulheres. Esquecera durante os
anos. Bem, teria que aguçar suas habilidades agora.
Ele continou.
— Soube que o pequeno patife viajou como clandestino em um navio e foi
sozinho a Southampton para me encontrar? Para me trazer de volta para você?
A boca dela estava completamente aberta agora. Outro sinal bom, ele
decidiu, e se lançou para matar.
— Adam, sem dúvida, insistirá em ser meu… como me disse aquela vez
sobre os rituais de casamentos modernos? Ah, já lembrei… meu padrinho de
casamento.
Rain fez um estranho som gorgolejante.
— E Adela pode ser sua dama de honra.
Ele deu a volta então e partiu, sem outra palavra. Tinha muito trabalho a
fazer antes do anoitecer.
Rain contemplou o corpo de Selik que partia. Ela mal podia se impedir de
persegui-lo. Ele parecia tão condenadamente maravilhoso.
Já não tinha os magníficos cabelos loiros compridos que ela amara, mas
parecia bem com o estilo curto que mal chegava a seu pescoço. De algum jeito
chamava a atenção para os ângulos agudos das maçãs do rosto e mandíbula, o
deixava mais elegante, menos bonito. Uma túnica azul de corte eslavo se
estreitava sobre seus amplos ombros, chegando apenas a seus joelhos. Os bem
definidos cordões de suas musculosas pantorrilhas e coxas se destacavam sob
suas calças apertadas quando se afastava. Um cinturão grosso de prata
acentuava sua estreita cintura.
Seria aquela a imagem que Rain levaria com ela para o futuro?
Exatamente antes de abrir a porta de entrada da igreja, Selik se voltou e
seus olhos, de uma impressionante cor cinza contra seu rosto bronzeado,
fixaram seu olhar durante um longo tempo. Como se fosse uma promessa.
Havia dito a ele que já não o amava mais, mas não era verdade. Ela o amava
mais que à própria vida.
Ela tinha que ir para casa. E não era só sua teimosia o que a fazia se aferrar
àquela decisão. Mesmo que embora ela nunca pudesse esquecer a falta de
confiança e as horríveis palavras de Selik em Winchester, já o tinha perdoado
por aquilo. E que ele resguardasse ainda aquela equivocada noção de sua
infidelidade, bem, ela poderia até aceitar aquilo, feroz como ele era.
Mas Selik tinha a intenção de continuar com sua maldita inimizade com
Steven de Gravely. Que tipo de futuro teriam se ela ficasse? Na próxima vez que
alguém lhe fizesse mal, fosse Steven ou algum outro inimigo, o que aconteceria
inevitavelmente naqueles tempos violentos, ele estaria fora em outra ronda de
vingança. O ciclo nunca terminaria. E ela recusava ser parte daquilo até o fim de
sua vida. Ela simplesmente não poderia suportar continuamente tal dor.
Confie no amor, disse a voz.
Mas Rain tinha medo de confiar outra vez mais.

— Bem, o que você esperava? — gritou um Ubbi exasperado na aldeia


quando Selik lhe falou de seu fracasso com Rain. — Você está cego como um
morcego, como ela disse. E pensei que você tinha mais senso para ir cometendo
um erro após outro com ela com tanta estupidez.
— Se estou disposto a perdoar Rain por sua… por sua traição com Steven,
por que ela não pode perdoar minhas palavras ferozes?
— Traição! Traição! É o que você lhe disse? Bem, não era de se esperar que o
recusasse!
— Explique-se — exigiu Selik.
— Você tem alguma idéia de em que condição estava minha senhora
quando voltou de Winchester? Seu corpo era uma grande contusão dos ombros
aos dedos dos pés. E todos por você!
Atordoado, Selik exigiu que Ubbi lhe contasse tudo.
Quando ele terminou, Selik varreu seus cabelos loucamente com as mãos.
— Mas eu os vi juntos.
— Você viu o que quis ver.
— Por que Athelstan não me disse isso?
— Porque sua amante lhe pediu que não contasse.
Selik sentiu um nó enorme se formando em sua garganta, e seu coração
pulsou tão rápido que mal podia respirar.
— Por quê? Por que convenceu o rei de guardar essa informação de mim?
— perguntou ele, ainda duvidando.
— Porque ela disse que você se culparia por não protegê-la, da mesma
forma em desperdiçou tantos anos se culpando pelas mortes de Astrid e
Thorkel.
Selik exalou em voz alta, como se lhe tivessem dado um chute no estômago.
Não protegê-la. Selik repetiu as palavras de Ubbi silenciosamente. Um zumbido
forte rugiu em seus ouvidos e ele se abraçou. Temeu o que ouviria depois, mas
tinha que saber.
— Me conte tudo.
Durante uma hora, Ubbi falou, sem esconder detalhe algum, não só das
degradações com as que Steven tinha submetido Rain, mas também da condição
de seu corpo quando Athelstan e Elgiva finalmente a encontraram.
— Por que não gritou pedindo ajuda? — perguntou Selik finalmente. — O
castelo não é tão grande.
Ubbi apenas o contemplou.
— Para me proteger? — perguntou Selik com horror.
Ubbi sacudiu a cabeça com desgosto, pensando sem dúvida que as
autorecriminações de Selik seriam um bom castigo por sua falta de fé na mulher
que amava.
Ubbi estava certo.
Selik bateu seus machucados punhos, depois sua cabeça contra as paredes
de madeira do celeiro. Como pudera ser tão cego? Como pudera ser tão cruel?
Porque você é humano.
Selik saiu furioso do celeiro e voltou seu cavalo para Jorvik. Tinha que falar
com Rain imediatamente.
A casa de Gyda estava escura e silenciosa quando chegou, todos já tendo se
retirado para dormir. Ele saudou um guarda que o reconheceu e entrou sem
bater. Seguindo seu caminho pela escuridão dentro do lar familiar, ele seguiu na
direção do quarto de hóspedes superior.
Rain estava na pequena cama, acordada e contemplando o teto. A luz da
vela vacilou sobre seus dourados traços, e Selik parou momentaneamente na
entrada, congelado por seu coração que pulsava rapido e seu amor por aquela
mulher do futuro.
Rain se ergueu quando notou sua presença.
— O que faz aqui, Selik? — perguntou ela com frieza.
— Me perdoe — disse ele suavemente, entrando no quarto.
— Te perdoar? Pensei que você tinha que me perdoar — comentou ela com
frieza, pondo-se em pé e se movendo para o outro lado do quarto, para longe
dele.
— Eu s… sei — ele se sufocou. — Sei o que Steven te fez, e nunca me
perdoarei pelas coisas que disse, por minha falta de confiança.
— Oh, incrível! Uma coisa a mais para acrescentar a sua carga de culpas!
Faça-me um favor, Selik, apenas esqueça tudo. Sou eu quem foi machucada por
Steven. Deixe-o ir — seus ombros caíram em fracasso, e ela elevou a vista para
ele tristemente. Com uma voz sufovada, ela acrescentou — Me deixe ir.
— Não posso fazer isso, coração. Jamais! Agora que te encontrei, nunca te
deixarei ir — com aquelas palavras, ele se voltou e deixou Rain dormir. Mas o
sono a evitou pelo resto da noite, enquanto considerava tudo o que lhe dissera,
agora e antes daquele dia. Imaginou o pequeno Adam viajando como
clandestino em um navio. E Selik o adotando. E que dizer de Selik se
comprometendo com o Rei Athelstan?
Ao menos, ela podia ir para casa sabendo que tinha feito algo bom naquela
missão de volta no tempo.
Com uma mente preocupada, Rain tenazmente se dirigiu de volta a
Coppergate na tarde seguinte, tendo finalmente caído em um sono agitado e
não despertando até a última hora da manhã. Sabia que se atrasasse sua decisão
de voltar ao futuro, nunca poderia reunir a coragem de novo.
Mas uma coisa estranha aconteceu. Ela não podia encontrar o lugar em
Coppergate. Todos os dias, durante as poucas semanas anteriores, tinha ido ao
lugar, encontrando-o sem problemas. Mas de repente ele tinha desaparecido.
Bem, não exatamente desapareceu. Onde uma vez estivera o edifício
abandonado em pé, agora havia uma cerca de madeira de dois metros de altura
patrulhada por dois guardas armados.
Não! Ele não podia ter feito aquilo. Ou sim?
Rain se aproximou de um homem e falou:
— Preciso entar por aquela cerca.
— Não. É probida a entrada de todos.
— Quem disse?
— O novo dono.
Rain cruzou seus braços sobre o peito e fulminou com o olhar a corpulento
guarda.
— E quem poderia ser esse?
— O senhor Selik de Godwineshire.
— Godwine... Godwineshire? — gaguejou Rain.
— Sim, é o novo nome para as terras de meu senhor fora de Jorvik, Terra de
Godwine. Se você quer entrar nesta propriedade, terá que falar com ele.
— Oh, você pode ter certeza de que o farei.
Rain montou Godsend por duas milhas além da cidade para a aldeia de
Selik, ensaiando o tempo inteiro o ataque verbal que faria ao Viking arrogante.
Irritada com as dolorosas lembranças, recusou olhar quando passava pelo
estábulo de vacas onde Selik lhe dissera que a amava pela primeira vez. Lhe
tinha feito amor docemente naquele mesmo lugar. Parecia que fora havia muito
tempo.
Enquanto se aproximava mais das terras dele, notou muitas atividades
estranhas. Alguns trabalhadores aravam os longos e não arados campos. Os
outros reconstruíam a casa e faziam reparos no celeiro.
Duas vacas mais e vários cavalos pastavam em uma área cercada
temporariamente. Até pensou ter ouvido o grunhido de porcos e o grasnido de
patos.
Desmontou de seu cavalo e foi imediatamente rodeada pelas crianças, até
Adam, que lhe agitava a mão lá do fundo. Ele se apoiava preguiçosamente
contra o celeiro com um pedaço de palha na boca, provavelmente “fiscalizando”
de novo.
— Onde está Selik? — perguntou-lhe.
Ele fez gestos para a casa retangular de estilo Viking — uma casa muito
grande — que tomava rapidamente a forma, seus lados já eregidos até a metade.
Ela encontrou Selik cortando táboas de madeira do outro lado da estrutura,
usando só calças e sapatos de couro.
Oh, Senhor.
Ele deixou de trabalhar quando a viu aproximar-se e limpou o suor das
sobrancelhas com seu antebraço, maravilhosamente musculososo antebraço!
Oh, Senhor.
Ele sorriu.
Oh, Senhor.
Ela se obrigou a olhar algum ponto sobre seu ombro.
— Que demônios pensa que está fazendo?
— Construindo uma casa para você.
— O quê? — ela olhou rapidamente o edifício com surpresa. Não era o que
ela quisera dizer. — O lugar em Coppergate. Estou falando disso.
— Ah, decidi comprar a terra. Acho que ela será uma boa propriedade para
manter um lucro futuro — disse ele com falsa inocência. — O que acha?
— Acho que você está louco. Acho que seus miolos viraram mingau. Acho
que você é um descarado. Acho…
 — Então, em que dia quer se casar?
— Argh! — gritou ela, puxando os cabelos.
— Acha que Bernie realizaria a cerimônia para nós?
— Você tem morte cerebral. Está me ouvindo?
— Eu acho que seus gritos pode ser ouvidos em toda Jorvik, carinho.
— E não me chame mais por esse nome.
Ele sorriu abertamente.
— Oh, eu te disse que o Rei Athelstan me fez uma pergunta estranha antes
de deixar Winchester? Ele queria saber como encontrar um ponto G. Parece que
alguém tinha falado com Elgiva e…
Ela se afastou, seu rosto ardentemente avermelhado, e não ouviu o resto de
sua oração, mas soou muito explícito.
 No dia seguinte, Selik se apresentou no asilo, aparecendo absolutamente
magnífico em uma túnica de lã cinza com malhas negras e capa. Seus olhos
cintilavam quase tanto como os das doze crianças que estavam de pé a seu lado
com roupas e sapatos novos, seus rostos faiscando de tão limpos pelos banhos
recentes, até os cabelos de Adam estavam lisos e molhados, penteados para trás.
Ela se perguntou como Selik tinha conseguido aquilo. Até mesmo ela tinha
problemas para atrair as crianças para o banho.
— Lancei todos na baia do cavalo — comentou ele seco em resposta à sua
pergunta não expressa.
— O que você quer, Selik? — perguntou ela, olhando Bernie e Padre
Theodric, que franziam o cenho em sua direção, não gostando de todas aquelas
pessoas no asilo.
— Você — disse sobriamente, seus olhos já não brilhavam com travessura.
— Só você.
No dia seguinte Ubbi veio, mexendo-se incomodamente.
— Por favor, senhora, não vai voltar para casa? Ele está deixando cada um
de nós loucos com todas suas ordens.
Rain não precisou perguntar quem era “ele”.
— Ele terminou a casa, arrumou os buracos no celeiro, arou dois hectares de
terra, pegou mais cinco órfãos , está arrumando…
— Ele pegou mais cinco órfãos? — perguntou Rain.
— Sim. Os viu nas ruas e disse que não pode resistir. Depois, planeja
construir uma casa só para os órfãos.
— Sério?
— Sim. Planeja chamá-la A Casa de Rain. Agora eu penso em ir para a
Noruega.
— Ubbi! Você nunca deixaria Selik. A Casa de Rain?
— Sim. Ele é como um urso, quando não está trabalhando. Não suporto
estar assim. Sem dúvida, começa a pensar em você e…
— Ubbi, Selik lhe enviou aqui?
Ele olhou de um lado para o outro, para todos os lugares, exceto seus
atentos olhos.
— Diga ao imbecil que não vou voltar.
Ele gemeu e voltou para casa com os ombros caídos.
No quarto dia, Adam veio sozinho e ficou a sua volta, se queixando:
— Você o envenenou, sabia?
— Quem?
— Meu pai. Quem mais?
Rain franziu o cenho, logo se deu conta de que Adam se referia a Selik.
— Ele continua comendo todas as Salva-vidas horríveis que você fez,
mesmo que lhe dando náuseas. Provocam cólicas terríveis no estômago, mas ele
diz que se um homem ama uma mulher deve estar disposto a comer o que ela
cozinhar.
Rain não podia menos que começar a rir.
— Adam, você inventou isso.
— Está me acusando de mentir?
— E bastante.
No quinto dia, Gyda veio, se queixando de Tyra e todo o tempo que
desperdiçava na aldeia enquanto ajudava Selik com as crianças.
— Temo que os vizinhos comecem a falar de sua conduta imprópria. Como
encontrará um marido se passa tanto tempo sozinha com Selik? Pode falar com
ela, Rain?
— Nem em um milhão de anos!
Rain não deveria estar com ciúmes de Tyra. Mas estava.
Ela deveria querer que Selik encontrasse outra mulher para amar depois
que ela se fosse. Mas não queria.
No sexto dia, Ella chegou com uma bela túnica de seda verde com um
bordado de ouro ao longo da barra e das mangas.
— Para que é isso? — perguntou Rain.
— Vou me casar com Ubbi. Quero que você o use em meu casamento. Vai
ser minha testemunha?
— Ella! Que maravilhoso! Ubbi nunca me disse nada. O grande canalha!
— Vamos fazer ao ar livre, na aldeia. Você virá?
— É óbvio.
Rain cavalgou até aldeia com Gyda e Tyra no dia do casamento. Tyra
parecia uma combinação de Sharon Stone e Julia Roberts, sentada em seu
palafrém branco com uma impressionante túnica de seda azul. Rain se sentiu
mais como uma alta Bette Midler.
Uma atmosfera de festival reinava na granja. As longas mesas de cavalete
estavam postas com toneladas de comida em travessas que estavam sendo
arrumadas por criados que Selik devia ter contratado; um harpista tocava ao
fundo, e a granja estava lotada por convidados que Rain reconheceu da
vizinhança de Gyda na cidade. Até o Padre Bernard estava lá, provavelmente
para realizar a cerimônia.
Um aparato de tipo cercado tinha sido eregido ante um altar decorado com
centenas de flores da primavera. Gyda se sentou em um banco perto enquanto
tecia uma coroa de flores para a cabeça da noiva.
— O que você acha?
Rain se voltou para ver Selik em pé atrás dela, muito perto. Ela se afastou.
— Muito agradável, Selik. Não sei como conseguiu isso em um tempo tão
curto.
— Gyda e Ella ajudaram.
Ela assentiu, incômoda sob a intensidade de seu olhar. Ele usava uma
túnica negra sobre malhas negras e botas, a austera cor só era ressaltada por
seus cabelos claros e um cinturão e braceletes de prata.
Rain lambeu os lábios, desesperadamente querendo estender a mão e tocar
a cicatriz dentada sobre seu rosto e a palavra “Raiva” em seu braço. Seus olhos
posaram em sua boca, intensamente, com desejo, os joelhos de Rain quase se
dobraram sob o impacto do calor que se derramou sobre ela.
— Eu te amo, Rain.
— Não — gemeu ela e se obrigou a romper o contato de seus olhos. Seus
olhos exploraram o curral, notando todas as melhorias — a casa terminada,
novas dependências e cercas.
Ele devia ter muito mais dinheiro do que ela pensara para fazer tanto em
tão pouco tempo.
— Queria ver sua casa?
Ela gemeu.
— Essa não é minha casa, Selik.
— Athelstan deu essa propriedade a você, pelo que entendi. Então,
realmente, a casa é sua, mesmo que você não me queira.
Não querê-lo? Não querê-lo? Rain sentiu como se afundava rápido e
procurou alguma âncora, qualquer âncora. Seus olhos se lançaram em torno do
curral, depois se detiveram completamente. Seriam mesmo Eirik e Tykir
parados ali, falando com Ubbi? Por que ninguém lhe havia dito que eles
vinham? Rain ouviu cavalos se aproximando da granja e se voltou. Guardas que
ostentavam o emblema do dragão dourado da Casa de Wessex acompanhavam
uma mulher bem vestida. Elgiva! A cabeça de Rain começou a girar
confusamente.
Algo não estava certo naquele quadro. Tykir e Eirik poderiam vir para o
casamento de Ubbi, mas não Elgiva. E o aro floral que Gyda tecia, bem, de
algum jeito Rain não podia imaginar Ella usando um adorno de cabelos tão
frívolo. Seus olhos viram uma franja de tecido verde cobrindo em torno do altar,
e olhou para seu vestido. O mesmo tecido.
Voltou-se para Selik furiosamente.
— Agora, Rain, seja razoável — advertiu ele, vendo aparecer o
entendimento em seu rosto.
— Você não fez, Selik. Certamente não planejou tudo isso sem meu
consentimento.
— Venha, quero te mostrar o edifício — disse ele, tomando seu braço
firmemente e colocando-a ao seu lado antes que ela tivesse a possibilidade de
criar uma cena.
O edifício retangular, muito menor que a casa e o celeiro, assentava-se perto
da borda da clareira. Empurrou-a para seu interior e bloqueou a porta. Os olhos
dela rapidamente exploraram o grande cômodo. Os bancos alinhados a um
lado, vários tapetes cobriam o piso, e ao final uma mesa alta e prateleiras
incorporadas alinhadas nas paredes. O aroma acre da madeira nova enchia o ar.
— Selik, não pode me fechar com chave aqui para sempre. Me deixe ir.
— É o que vou fazer, mas primeiro quero lhe mostrar este novo… edifício.
— Este é o orfanato do qual Ubbi falou?
Selik parecia surpreso. Ele se apoiou contra a marco da porta, olhando cada
reação dela como se fosse um falcão.
— Não, é muito pequeno para isso, se quiser ver mais de perto.
— Então o que é? — perguntou ela adivinhando.
— Uma clínica. Para você — ele a olhou com tal esperança em seus olhos
que pareciam quase infantis, abertos ansiosamente esperando sua aprovação. —
Você disse uma vez que gostaria de abrir seu próprio pequeno asilo, clínica,
quero dizer e, bem, eu não sabia exatamente como devia ser uma mesa de
exames, mas pensei que um pouco mais alta que sua cintura seria suficiente. E
as prateleiras poderiam guardar suas ervas curativas e receitas. E…
— Planejou meu casamento e minha clínica? Sem me perguntar primeiro?
— ela não podia se conter. Começou a chorar.
— Você não gostou — disse ele, claramente ferido. — Ah, não vale a pena
chorar por isso. Silêncio, só queria te agradar.
— A clínica é maravilhosa. É você. É impossível.
— Sei — disse ele com absolutamente nenhuma culpa.
— Selik, não pode fazer coisas como estas em segredo.
— Você fez.
— O que quer dizer?
— Você me seqüestrou quando achou que era para meu próprio bem.
Depois veio atrás de mim em Winchester quando achou que era para meu
próprio bem. Até trocou sua dor pela minha quando pensou que era para meu
próprio bem — Selik disse aquelas últimas palavras tristemente, com sua voz
cheia de autorecriminação.
— E acha que isso justifica seu planejamento de meu casamento sem meu
conhecimento? Porque acha que é para meu próprio bem?
— Sim — disse ele, e sorriu amplamente, cruzando os braços sobre o peito.
Rain sacudiu a cabeça maravilhada.
— Essa é a mais complicada e tortuosa lógica jamais ouvi em toda minha
vida — disse ela, rindo.
— Eu te amo — disse ele suavemente.
Ela fechou os olhos, tentando apagar a imagem de Selik dizendo aquelas
maravilhosas palavras. Não conseguia. Apertou os punhos e fechou fortemente
os olhos.
— Eu te amo — repetiu ele.
Seu pulso se acelerou, e ela sentiu um cantarolar estranho em seus ouvidos,
na verdade mais uma marcha nupcial. Abriu os olhos e suplicou:
— Selik, mesmo se eu pudesse esquecer tudo o que você tem feito, isso não
apaga o fato de que, à primeira injustiça que se erga, você vai partir em busca de
vingança. É a espécie de homem que você é.
Ele sorriu e deu um suspiro profundo de alívio, como se acabasse de ganhar
a batalha principal.
— “É estranho, acho que deveria mencionar isto” — ele a empurrou para
um tamborete ao lado da mesa de exames e pôs um pesado pergaminho diante
dela. — Olhe aqui.
Ela olhou para o grosso papel com indecifráveis arranhões.
— Selik, não consigo ler o inglês medieval. O que é isso?
— Um contrato prenupcial — ele não fez caso de seu grito sufocado e
continuou alegremente — O lerei para você.
Ela ergueu a vista para ele com assombro, e o cantarolar em sua cabeça
soou mais forte.
— Prometo te amar para sempre, é obvio.
— É obvio.
O cantarolar se intensificou.
— E te darei uma dúzia de crianças.
— Uma dúzia? Já há uma dúzia de crianças correndo por aqui.
— Não, quero dizer uma dúzia mais de filhos próprios.
Ela lançou um olhar cínico para ele.
— Duvida de minha capacidade?
— Jamais — ela riu. — É de minha capacidade para cuidar de tantas
crianças que duvido.
Ele agitou uma mão confiantemente.
— Te ajudarei.
Rain fez um som irônico.
— E prometo que cada manhã despertará com um sorriso em seu rosto.
— É um escandaloso.
— Sei. É uma das maravilhosas coisas a meu respeito.
— Selik, você tem uma maneira de me fazer rir mesmo quando estou tão
zangada que poderia cuspir.
Ele sorriu abertamente.
— É outro maravilhoso atrativo meu. Quer que leia o resto? —
perguntou ele, rindo com ela com tal aberta adoração que Rain se sentiu
abençoada. — Acho que você gostará desta parte. Essa diz que pode pôr
agulhas em mim se quiser...
Ela riu.
— ... e prometo nunca empreender qualquer ato de vingança ou violência
deliberadamente sem o consentimento de minha esposa. Mesmo quando isso
implicar minha própria amada esposa e filhos.
Rain pôs uma palma sobre o peito pela consternação. Ela se afundava
rápido, e Selik era sua única âncora.
Então o rosto dele ficou de repente sombrio, e se ajoelhou para estar ao
nível dos olhos dela.
— Se casará comigo, Rain?
A música em sua cabeça se converteu em uma autêntica orquestra.
— Sim — disse suavemente, tomando seu rosto entre as mãos e beijando-o
suavemente.
A princípio, Selik não tinha certeza de que ouvira Rain bem. Contemplou-a,
atordoado. Mas então compreendeu sua única palavra e soltou um grito de
prazer:
— Graças a Deus!
De nada.
— Oh, carinho, me esforcei tanto para te agradar. Realmente estou tentando
mudar. Mas de qualquer maneira temia que nunca conseguiria. Já era hora.
— Pode dizer isso outra vez.
Mais tarde aquela noite, depois do casamento mais maravilhoso da história,
Rain estava na cama em sua nova casa com seu novo marido. Pensava que não
podia ser mais feliz.
— Tem certeza que pode ser feliz permanecendo no passado, doçura? Não
sentirá falta da sua mãe? — perguntou Selik, inclinando-para baixo sobre um
cotovelo para olhá-la fixamente.
— Acho que minha mãe entenderá.
— E seu hospital? Um dia pode lamentar a carência de remédios mais
avançados e instrumentos.
Rain sacudiu a cabeça. Seu coração se encheu e quase transbordou com o
mero pensamento de que aquele homem maravilhoso, formoso, escandaloso era
seu marido. Como ele podia ele pensar que ela iria querer algo mais?
— Posso fazer muito aqui na clínica que construiu para mim. Ambos
podemos.
— Me preocupa que se arrependa algum dia.
— Selik, eu te amo. Enquanto tiver você, nunca me arrependerei.
— Eu também te amo, carinho — sussurrou ele, acariciando com a boca seu
pescoço e logo mais abaixo, e ainda mais abaixo. Ele riu entre dentes e levantou
a cabeça de repente. — Esqueci de te mostrar seu presente de casamento.
— Selik, já construiu uma casa e uma clínica para mim. Acho que isto é
mais do que suficiente.
— Sim, mas esse é mais íntimo.... Já que você foi tão cortês ao mencionar o
ponto G quando mal nos conhecemos, vou te apresentar o famoso ponto S
Viking — lhe fez cócegas em um ponto muito sensível para dar ênfase.
— Não acredito que exista tal coisa.
— Hah! Azar para os incrédulos! — disse ele, utilizando uma voz tenebrosa,
que tinha desaparecido quando Rain consentiu em ser sua esposa. Ele afastou a
cabeça, rindo. — A coisa mas complicada sobre o ponto S consiste em que só
pode ser encontrado com a língua.
Rain ofegou.
— Oh... Oh, acho que já o encontrou.
E de repente ela acreditou.
E o espírito de Deus olhou para baixo e se agradou.

Fim

Salva-vidas (Lifesavers):

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