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Em defesa das ações afirmativas na pós-graduação


Luana Batista e Renata Lacerda
03/01/2020
Link: https://www.deviante.com.br/noticias/em-defesa-das-acoes-afirmativas-na-pos-
graduacao/

COMO FUNCIONA NA PRÁTICA


O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/Museu
Nacional/UFRJ) tem ações afirmativas para pessoas autodeclaradas negras e indígenas
desde 2013, com base em resolução de 2012. Com isso, se tornou pioneiro na
implementação de políticas de ações afirmativas na pós-graduação no Brasil.

Para estudantes negros, há um adicional de vagas de no mínimo 20% (arredondado


para cima) do total de vagas regulares oferecido a cada ano nos processos seletivos de
mestrado e doutorado. Quem se declara negro faz as mesmas provas que as pessoas não
declaradas.

Os candidatos que se inscrevem como optantes negros podem ingressar no


Programa pelas vagas universais. Como tem ocorrido nos últimos anos, muitos passam
com nota acima da nota de corte, o que possibilita que outros estudantes optantes
ingressem pelas vagas adicionais.

Já indígenas têm um processo seletivo diferenciado, baseado em dossiê e


entrevista. Todo ano ao menos uma vaga no Mestrado e uma no Doutorado são reservadas
para indígenas, de acordo com a demanda e conforme o edital esse número pode variar
para mais.

TRANSFORMAÇÃO, DEMOCRATIZAÇÃO E DIVULGAÇÃO DO


CONHECIMENTO
Desde a implementação das ações afirmativas no PPGAS/UFRJ, as turmas
passaram a refletir um pouco melhor a composição social brasileira, tanto em termos
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socioeconômicos quanto raciais, de gênero, sexualidade e região ou país de origem. Ao


lado disso, a presença de pessoas com trajetórias tão diferentes permitiu a todos nós
(discentes, docentes e servidores) uma experiência inédita de compartilhamento de
saberes.

Isso engrandeceu muito as aulas, possibilitando novas interpretações da teoria


canônica. Os ganhos para o Programa e seu reconhecimento como centro de excelência
são inúmeros. Muitos indígenas, por exemplo, através de seu engajamento nas atividades
acadêmicas, tensionam nossas teorias sobre parentesco, território, política e gênero. Do
ponto de vista científico, isso gera inovação. E com qualidade, já que os docentes estão
compreendendo essa oportunidade e se dedicando mais ao ensino como espaço de
aprendizado para todos.

Além disso, essas pessoas que passam a ter acesso à pós-graduação por meio de
ações afirmativas se tornam intelectuais reconhecidos no espaço público quando se
formam, sendo chamados para falar em seminários dentro e fora do país, como nosso ex-
colega Guarani, doutor em antropologia, Tonico Benites. Assim, estão contribuindo para
a divulgação da ciência feita por brasileiros ou no Brasil.

Inclusive, a primeira curadora indígena de um museu de arte no Brasil é nossa


colega de doutorado Sandra Benites, liderança Guarani. Em entrevista de 2015, Sandra e
Nelly Duarte, da etnia Marubo, contaram a importância de seu ingresso na pós-graduação
para suas famílias e povos.

Ademais, essa iniciativa gerou uma organização maior de discentes. Foi criado
o Coletivo Negro Marlene Cunha e estudantes indígenas fazem demandas coletivamente
para aprimorarmos as políticas de ações afirmativas, de modo que todas e todos possam
permanecer no Programa e dar prosseguimento a suas pesquisas.
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Logo do Coletivo Negro Marlene Cunha

O Coletivo Marlene Cunha foi formado em 2017, sendo o primeiro coletivo negro
de pós-graduação no país. Tendo sua inspiração em Marlene Cunha, que foi uma
antropóloga negra e militante pioneira no movimento negro dentro da universidade
pública ao lado de Beatriz Nascimento na UFF, ele existe como uma forma dos
pesquisadores e pesquisadoras negras do PPGAS se reunirem e colocarem para frente um
projeto de Ciência, de Antropologia anti-racista, comprometido com a democratização do
conhecimento. Ele serve também como um apoio e uma forma de unir estudantes negros
engajados no anti-racismo.

Esse Coletivo foi pioneiro em criar em 2017, o ano de sua fundação, um curso
preparatório para o processo seletivo do PPGAS voltado à pessoas negras. No mesmo
ano, prepararam logo de saída 60 pessoas para a prova, no Rio de Janeiro e à distância,
em todo o Brasil. Dessas 60 pessoas, ingressaram no PPGAS/UFRJ 12 pessoas, sendo
que todas as participantes da turma do doutorado entraram no PPGAS ou no PPGSA do
IFCS/UFRJ. Em 2018, se inscreveram 180 pessoas para o curso e foram preparados 120
para o mestrado e doutorado. Desses, 60 ficaram na lista de espera e 8 pessoas foram
aprovadas. Então, em dois anos, conseguiram fazer ingressar 20 estudantes negras e
negros, muito acima do reservado pela ação afirmativa. Este ano teve a terceira edição,
trabalhando com 120 pessoas de novo.

O maior sucesso talvez não seja nem esses números, porque essa iniciativa se
espalhou por todo o país e agora vários programas de pós-graduação tem cursos
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preparatórios para negros. Como por exemplo o do Instituto de Estudos Sociais e Políticos
(IESP/UERJ), por meio do Coletivo Negro Marielle Franco. Dessa forma, contribuem
para a formação acadêmica de muitas pessoas que buscam ingressar na pós-graduação.

Logo do Coletivo Negro do IESP Marielle Franco

Nessa caminhada, para além do curso preparatório, o Coletivo Negro Marlene


Cunha busca sempre contribuir com o PPGAS de diversas formas. Não só organizaram
as aulas inaugurais com os antropólogos Kabengele Munanga (UFRB) que contou com
um público estimado de 300 pessoas em 2018, e Luciane Rocha (Kennesaw State
University) em 2019, como o seminário do novembro negro com a presença de
intelectuais negros e negras de peso e de diversos lugares.

Esse engajamento dos estudantes tem impactado positivamente a própria


disciplina, tendo levado em 2019 à criação do Comitê de Antropólogos/as Negros/as na
ABA, a Associação Brasileira de Antropologia, incidindo cada vez mais alto na política
científica.

E, além disso tudo, esses estudantes ainda realizam de forma bem-sucedida as suas
pesquisas. A antropóloga Maíra Samara de Lima Freire, que integra o mencionado
Comitê da ABA, foi a primeira doutora optante negra a se formar no PPGAS/UFRJ, em
2018.
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PARA SABER MAIS


Converse com as próprias alunas e alunos mobilizados em torno desse importante
direito, conquistado através de muita luta. Convide-os para um debate em seu programa
de pós-graduação. Basta entrar em contato pelas páginas de Facebook já citadas ou enviar
um e-mail para: coletivonegromn@gmail.com ou coletivonegro.iesp@gmail.com

Por Luana Batista e Renata Lacerda.

Luana Batista é doutoranda em Antropologia Social no PPGAS/MN/UFRJ e


membra do Coletivo Negro Marlene Cunha.

Renata Lacerda é doutoranda em Antropologia Social no PPGAS/MN/UFRJ.

NOTA
[1] A foto da capa está disponível nesse link.

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