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XVII ENCONTRO
DIVERSIDADE MUSICAL E COMPROMISSO SOCIAL
NACIONAL SÃO PAULO, 08 A 11 DE OUTUBRO DE 2008
O PAPEL DA EDUCAÇÃO MUSICAL
DA ABEM FECHAR 1

Coro de adultos e educação musical: uma pesquisa com observação


participante

Leila Miralva Martins Dias


leidias@yahoo.com.br
Universidade Federal da Bahia/
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo. Este estudo trata de algumas impressões trazidas das primeiras visitas ao campo empírico de
uma pesquisa que servirá de base para a elaboração de tese de doutoramento em Educação Musical e
que está em desenvolvimento junto ao Programa de Pós Graduação em Música, da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, sob a orientação da Professora Dra.Jusamara Souza. Trata-se
de uma pesquisa qualitativa em caráter processual que tem como objetivo geral a compreensão das
práticas pedagógicas de dois coros de adultos na Cidade de Porto Alegre. O interesse da pesquisadora
pelo tema é oriundo das práticas musicais e artísticas com coros performáticos de jovens e adultos nos
cursos de extensão da Universidade Federal da Bahia. Na primeira parte, esse artigo delineia
brevemente o tema, as primeiras inserções no campo, os objetivos e os procedimentos metodológicos
estabelecidos até o momento. Na segunda parte, relata os critérios para a escolha do campo empírico,
descreve os dois coros selecionados e complementa com algumas análises iniciais dirigidas tanto à
prática pedagógica, quanto as especificidades de cada coro, das questões estético-musicais e das
dinâmicas de interação além de um breve olhar à pesquisadora na condição de corista participante.
Palavras-chave: Educação Musical; Pedagogia do Coro; Coro de Adulto.

Introdução

A Educação Musical no Brasil atualmente passa por uma série de desafios por diversas
ordens: epistemológicas, quando os profissionais da área se debruçam para delinear seu status
epistemológico (Souza, 2001a, p. 16); acadêmicas em um crescimento gradual dos programas
de pós-graduação, atualizações dos cursos de graduação e expansão dos cursos de extensão;
educacionais na luta pela implementação da música na escola; e diversas outras razões de
ordem social com as novas desmandas da atual sociedade brasileira.
Para essa nova sociedade, temos que pensar em uma Educação Musical que procure
atender às novas demandas da sociedade calcadas nas subjetividades e preocupadas com a
interação entre os indivíduos e que não esteja fundamentada apenas nas questões do ensino e
aprendizagem estético-musical conforme aponta as expectativas de Adorno (2003) e Freire
(2004)
Na minha experiência como educadora musical, de todas as práticas pedagógicas
vividas tais como ensino de piano e teclado, musicalização para crianças, iniciação musical
através da flauta, do piano, do coro infantil, formação de professores e orientação para
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professores estagiários, a prática coral com jovens e adultos despertou um interesse


diferenciado.
A proposta inicial desse projeto era trabalhar com jovens, mas depois de visitar 21 coros
do Estado do Rio Grande do Sul, fui delimitando a opção por estudar coro de adultos que,
além de realizar um trabalho de educação musical, se possível, contemplasse também
movimento em cena e a preocupação com as questões da interação entre participantes e
regentes.

1. Objetivos

1.1 Objetivo Geral

Compreender práticas pedagógicas presentes em coros adultos na Cidade de Porto


Alegre.

1.2 Objetivos Específicos

Identificar as propostas pedagógicas utilizadas em coros de adultos.


Delinear características específicas encontradas nos ensaios de cada um dos coros.
Identificar dinâmicas interativas nas práticas de coral com adultos.

2. Metodologia

2.1 Procedimentos Metodológicos

A opção metodológica aponta para uma pesquisa qualitativa com investigação de dois
casos através da observação participante, recorrendo, oportunamente, a entrevistas, assim
como a outros recursos usuais na pesquisa qualitativa. Neste caso, compareço como corista,
realizando diários de campo, eventuais gravações de ensaios e entrevistas semi-estruturadas.
De acordo com as contribuições epistemológicas de Bastian (2000), a Educação Musical
define-se como ciência a partir do campo empírico. Ele afirma que o método não pode ser
mais importante que o objeto. Desse modo, o campo empírico indicará as definições
metodológicas que melhor possam atender à questão cientifica que se coloca para o
desenvolvimento da pesquisa.
Nesta investigação, inserindo-se como corista, a pesquisadora além de estar imersa no
campo empírico, assume também os mesmos deveres junto aos outros integrantes do coro, tais
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como os de comparecer assiduamente aos ensaios, aprender os arranjos e atender aos seus
compromissos performáticos.
Já a partir desse momento inicial, portanto, a indicação de Bastian sobre a construção do
arranjo metodológico a partir do confronto com o campo empírico, constitui-se como uma
orientação adequada. Com essa imersão da pesquisadora, também na condição de corista,
reduziu-se consideravelmente um provável constrangimento que seria causado, tanto para a
regência, como para os coristas, pela presença de uma observadora à parte do processo. Além
disso, essa imersão poderá proporcionar à pesquisadora um olhar científico mais aprofundado.

2.2 Critérios para a escolha dos coros

Para essa pesquisa, os critérios estabelecidos para a seleção entre os 21 coros visitados
estavam focados, em princípio, em algumas especificidades a exemplo da interação entre os
participantes do grupo e a autoconfiança demonstrada na expressão performática dos coristas.
Além disso, foi considerada a faixa etária de adultos, a cidade de Porto Alegre, a presença de
instrumentação, diversidade do repertório, a presença de movimentação em cena e um caráter
artístico aliado ao didático.

2.3 Coros Selecionados

Ao buscar a prática como campo empírico para a investigação científica, concluiu-se


que dois coros atenderam de forma significativa aos critérios previamente adotados para a
seleção. Assim, delimitei para essa pesquisa dois coros de adultos da cidade de Porto Alegre
que por questões de natureza ética, serão aqui denominados de coro A e B.

2.3.1 Coro A

Esse coro foi criado, há 12 anos, pela atual regente, que o idealizou para atender
professores, pais, funcionários e ex-alunos de um colégio particular da cidade, mas que
atualmente, atende a pessoas da comunidade em geral. É um coro mixto e a maioria do
repertório é cantado a três vozes. Eu conheci esse coro se apresentando no palco e todos
demonstravam bastante envolvimento e confiança além de uma boa sonoridade. Mesmo não
sendo de vozes selecionadas, o que pode ser caracterizado como um coro didático, não se
abriu mão da estética musical e cênica. Esse show trouxe quase 30 novos componentes para o
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grupo. A regente recebe todos que desejam participar, sem seleção de vozes e sem cobrar
comprometimento dos novos integrantes.
Eles cantam com acompanhamento instrumental e a condução do ensaio é variada tais
como dinâmicas de grupo para interação das pessoas, batimentos corporais para a
regularidade rítmica, canções com modulações para a técnica vocal além de trabalhos de
alongamento corporal, respiração e emissão de sons.
Numa conversa inicial desse ano letivo com os integrantes, a regente explicou que o
objetivo desse coro era trabalhar a educação musical através do corpo e da voz. No
aquecimento corporal, ela solicitou que as pessoas encontrassem o “pulso” do grupo através
da marcação de passos e da unificação de um som emitido. Ela enfatizou a importância de
contemplarmos as nossas diferenças e ressaltou que seria sempre necessária a busca dessa
harmonia do grupo, ou seja, a convivência harmoniosa entre diferentes sujeitos, no processo
da prática coral.
Quanto ao repertório, é o mesmo de 2007. Alguns alunos antigos comentaram o desejo
de trabalhar músicas novas, sobretudo porque eles repetiam muitas vezes o que já sabiam para
que os novos pudessem aprender. Com o decorrer do tempo, surgiu uma apresentação pública,
que somente os antigos fizeram e com isso trouxe o entusiasmo de volta ao grupo
Pôde-se notar ao longo desses nove ensaios que o interesse pela performance é um traço
forte desse coro, pois continuam ensaiando o mesmo show do ano passado e também porque,
estando a freqüência dos antigos instável, a perspectiva de uma apresentação pública e uma
viagem surgida, trouxe um novo fôlego para a dinâmica dos ensaios.
Quanto às questões de interação, os novatos que iam chegando, não tiveram suas vozes
classificadas, iam se sentando e acompanhando o naipe do vizinho. Alguns se sentiam um
pouco perdidos conforme me relatou uma corista que compareceu apenas um dia. Há uma
divisão clara entre os coristas antigos que permanecem ali coesos e os coristas novos que
aumentam a cada semana. No oitavo ensaio, a regente passou uma lista de freqüência, mas
não se sabe ainda quantos são os coristas fixos do grupo.
No penúltimo ensaio, a regente decidiu separar os coristas antigos dos novatos e isso
acabou unindo o grupo como um todo. A coreógrafa, que conduziu o ensaio com os novatos,
se preocupava em motivar e encorajar a todos constantemente, com muito gosto. Ao final, os
dois grupos se juntaram e um se apresentou para os outro. Como os novatos superaram as
expectativas de todos na performance, surgiu, dessa experiência, um novo olhar dos antigos
para os novatos, que até então se sentiam notadamente desconfortáveis.
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2.3.2 Coro B

Este coro faz parte de um hospital da cidade, e foi criado há 24 anos. Atualmente conta
com 26 vozes femininas, de senhoras da comunidade. A regente é remunerada pela
instituição, os coristas são selecionados pela afinação vocal e pelo comprometimento
voluntário. A instituição oferece o necessário a exemplo de um auditório confortável, teclado,
partituras, uniformes, lanches e disponibiliza estacionamento e água para todos.
Elas cantam à capela nos corredores do hospital, ora parado, ora caminhando. Possui um
repertório variado atendendo a vários gostos inclusive com canções infantis entoadas nas alas
das crianças. Quando o coro passa cantando pelos corredores, pode-se perceber um clima de
muita sensibilização tanto pelas pessoas presentes, como pelos próprios coristas. Alguns
pacientes saem dos quartos, com seus acompanhantes e muitos se comovem ao verem o coral
passar cantando.
Nos ensaios, a regente utiliza um teclado para o vocalize e o ensino dos arranjos. Para
as apresentações, utiliza um diapasão. A condução do ensaio tem uma ordem estabelecida.
Começa com todos de pé trabalhando alongamento corporal, respiração, postura e vocalize.
Em seguida, a regente costuma passar uma música nova ou uma em fase de aprendizagem. Às
vezes ela retoma alguma para aprimorar.
A competência da regente se revela através de sua serenidade e da obtenção de
resultados imediatos levando por vezes uma música nova no mesmo dia para a apresentação
nos corredores. As habilidades adquiridas dos coristas estão presentes na performance
semanal demonstrando domínio nos arranjos polifônicos com dinâmica, segurança e rapidez
na aprendizagem. Para esses resultados, nota-se um trabalho calcado em postura pedagógica
firme, tais como reger sem cantar delegando assim a responsabilidade para todos. Reivindica
a presteza de todos em atitudes como decidir a música a ser cantada já na situação e fazer os
cortes finais enquanto andam.
O foco desse coro parece estar nas apresentações dos corredores e o processo mostra ser
edificado na organização. Tanto nos ensaios como nas apresentações, têm-se um controle das
pessoas que estão ali presentes, com lugares fixos, material necessário, conscientes do roteiro
dos 90 minutos de apresentação e uniformizados. A grande maioria das pessoas já está ali, há
bastante tempo, e pode-se notar uma interação consolidada entre elas.
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Ainda na questão da organização, vale pontuar alguns outros elementos presentes na


dinâmica desse coro a exemplo da existência de um cargo de coordenadora que é ocupado por
uma das coristas. Normalmente, ela lembra à regente o momento de terminar o ensaio e se
coloca à frente, para dar alguns avisos. Quando não podemos comparecer aos ensaios, somos
orientados a justificar para ela, com antecedência. Na dinâmica desse coro, existe o
compartilhamento de momentos importantes da vida de cada um como festejos de
aniversários e problemas de saúde.

3. Considerações Finais

Até este momento, já realizei dezenove diários de campo considerando aspectos


relevantes para minha investigação a exemplo das especificidades de cada coro, da relação
ensino-aprendizagem, das questões estético-musicais e das dinâmicas de interação.
O Coro A recebe todos que chegam e expande-se mais. No entanto, já no final do
primeiro semestre, padece da sua identidade marcada pela informalidade. Ainda não se sabe
quem são as pessoas comprometidas com os trabalhos performáticos de 2008.
O coro B, seleciona, organiza e está consciente tanto da sua identidade e perfil,
possibilitando a sua programação a curto, médio e longo, quanto da condição de atender as
demandas artísticas musicais com segurança.
Nas questões pedagógicas, pode-se dizer que no Coro A se privilegia o indivíduo,
através de diversos recursos didáticos, contemplando de maneira dirigida as habilidades
rítmicas musicais, corporais, cênicas, pedagógicas e sociais..
O Coro B, um coro centrado e buscando o aprimoramento musical marca sua história
especificamente nas questões musicais criando com isso segurança e sensação de plenitude na
forma de realizar o trabalho, calcado basicamente na acentuada marca da organização.
Nas questões performáticas, o Coro A ao insistir no mesmo repertório, mesmo sabendo
que treinando coristas novos pode perder antigos, corre os riscos próprios dessa dinâmica,
para alimentar o entusiasmo atingido na apresentação do espetáculo.
O Coro B tem a certeza da performance desde o primeiro dia do ano letivo, mesmo
porque faz apresentações todas as semanas após os ensaios, o que gera certa pela estabilidade
e o compromisso do grupo que também são frutos da marca da organização.
Para as questões da interação, o Coro A assim como na busca pela performance arrisca-
se na sua dinâmica livre. O Coro B desfruta da interação consolidada entre os coristas, com
seu público e com a instituição.
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Muitas são as sutilezas que não pude ainda perceber, mas que certamente o tempo me
trará essa percepção assegurada pela opção da pesquisa participante em dois coros, sem a
necessidade metodológica de compará-los. Ademais, a posição de corista na investigação tem
trazido tantas novas formas de ver o fenômeno coral que certamente demanda uma próxima
oportunidade para tratar desse outro olhar.

Referências

ADORNO, Theodor. Educação e emancipação. 3. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra S/A,
2003.

BASTIAN, Hans Günther. Sobre a obviedade da pesquisa empírica. Trad. Jusamara Souza.
Em Pauta, v.11, n. 16/17, p.76-106, PPG em Música/ UFRGS, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30. ed. Rio
de Janeiro: Editora Paz e Terra S/A, 2004.

KRAEMER, Rudolf-Dieter. Dimensões e funções do conhecimento pedagógico-musical.


Trad. Jusamara Souza. In: Em Pauta, v.11, n. 16/17, p.50-73, PPG em Música/ UFRGS, 2000.

OLIVEIRA, Alda. Educação musical em transição: jeito brasileiro de musicalizar. In:


SIMPÓSIO PARANAENSE DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 7, 2000, Curitiba. Anais…
Curitiba: ABEM, 2000. p. 15-32.

OLIVEIRA, Alda; et al. MEMUBA: processos de formação musical no contexto oral. XV


Encontro da Associação Brasileira de Educação Musical-ABEM. Anais. João Pessoa: 2006. p
39.

SOUZA, J. Pensar a educação musical como ciência: a participação da abem na construção da


área. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 16, p. 25-30, mar. 2007.

______. Múltiplos espaços e novas demandas profissionais: re-configurando o campo da


educação musical. Revista da ABEM, Uberlândia, n. 10, p. 85-92, out. 2001.

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