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INTRODUÇÃO
a) Os dogmas da Igreja evoluem? Esta poderia ser a pergunta formulada pelo leitor.
Sim e não. Não evoluem em seu conteúdo, isto é, o que é verdadeiro hoje, daqui a um
século não virá a ser falso; porém, sem evoluir no que afirmam ou negam, podem
evoluir - e evoluem - na consciência que deles vai adquirindo a própria Igreja.
Para fazer uma comparação, cada dogma (que vale o mesmo que uma verdade relevada
por Deus) é uma sementinha que o próprio Cristo semeou no campo fecundo da sua
Igreja; semente que germina, cresce e se desenvolve quando as circunstâncias o
favorecem. Em nosso caso, o tempero é dado pelo próprio Espírito Santo, aquele
Espírito da Verdade sobre quem Cristo dizia aos Apóstolos: "Quando eu tiver ido,
Ele vos guiará e vos ensinará toda a verdade, recordando-vos tudo o que Eu vos
disse". Nem tudo o que Jesus fez ou disse foi colocado por escrito, nem tampouco o
que ensinaram os Apóstolos que Dele receberam o depósito da fé. Porém, nada foi
perdido. Parte dos seus ensinamentos não-escritos ficaram como que no subconsciente
da Igreja e aflora quando chega a hora da Providência, de forma tão clara e patente
que muitas vezes não pode ser afogada nem mesmo pela autoridade dos Doutores, como
no caso do dogma que ora abordamos.
c) Vamos analisar a História desse dogma. Não sendo este um daqueles que a Sagrada
Escritura consignou com clareza absoluta, foi necessário, para se chegar à
definição do mesmo, investigar o que ensinou a Tradição e recorrer ao "sentir
comum" da Igreja.
b) Aos Padres primitivos chamou à atenção, fortemente (e não menos que a nós), o
belo vaticínio sobre a Redenção humana contido no Protoevangelho. E tendo escrito
São Paulo que Cristo é o novo Adão, completaram o paralelismo, sem nenhum esforço,
contrapondo Maria a Eva. É raro encontrar um Santo Padre que não tenha empregado
este recurso ao tratar da Redenção. E é tão constante a doutrina, tão universal o
princípio, que não é possivel deixar de admitir que tenha provindo da própria
Tradição Apostólica.
c) Citemos, por todos, Santo Ireneu: "Assim como aquela Eva, desobediente, tendo
Adão por varão, porém permanecendo ainda virgem, foi a causa da morte, assim também
Maria, tendo já um varão predestinado e, no entanto, virgem obediente, foi causa de
salvação para si e para todo o gênero humano (...) Desta forma, o nó da
desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria. O que a virgem Eva
amarrou por sua incredulidade, foi desamarrado pela fé da Virgem Maria". Com
efeito, assim como um nó não é desamarrado enquanto não se passam os cabos pelo
mesmo lugar, mas de modo inverso, assim também a Redenção operou de forma idêntica,
mas de modo inverso ao da queda.
a) Um coro unânime de vozes proclama Maria como puríssima, sem mancha, a mais
sublime das criaturas etc. Nesta aclamação universal da pureza de Maria deve haver,
necessariamente, um princípio geral que a impulsiona. Os Santos Padres da
Antigüidade não estavam muito mais informados do que nós sobre a vida da Virgem. O
que lhes move, portanto, a afirmar com tanta ênfase, com tanta segurança, que Maria
não admite comparação com qualquer outra criatura em sua grandeza e elevação moral?
Sua Maternidade divina! Evidentemente, seus louvores partem do princípio que mais
tarde é formulado por Santo Anselmo: "A Mãe de Deus deveria brilhar com tal pureza,
que não é possível imaginar [pureza] maior exceto a de Deus". Pois bem; para
admitir sua Conceição Imaculada, caso se propusesse a pergunta, não precisavam
mudar de rumo: bastava tirar as conseqüências do princípio assentado e admitido.
2. Nas atas do martírio de Santo André, o Apóstolo, se lêem estas palavras ditas
pelo Santo ao procônsul: "E visto que da terra foi formado o primeiro homem, que
pela prevaricação da árvore trouxe a morte ao mundo, foi necessário que, de uma
Virgem imaculada, nascesse o homem perfeito, o Filho de Deus, para que restituísse
a vida eterna que os homens perderam por Adão". Ainda que estas atas - como alguns
opinam - não sejam genuínas (isto é, contemporâneas de Santo André), possuem uma
venerável antigüidade e nos atestam o que se pensava então a respeito da Santíssima
Virgem.
3. Santo Efrém da Síria, apelidado "Harpa do Espírito Santo", canta assim à Virgem:
"Certamente Tu (Cristo) e tua Mãe sois os únicos que haveis sido totalmente
formosos; pois em Ti, Senhor, não há defeito, nem em tua Mãe mancha alguma". E em
outras partes chama Maria de "imaculada, incorrupta, santa, alheia a toda corrupção
e mancha, muito mais resplandescente que o sol" etc.
4. Santo Ambrósio põe nos lábios do pecado: "Vem, pois, Senhor Jesus e busca tua
ovelha cansada; busca-a não pelos servos, nem pelos mercenários, mas por Ti mesmo.
Recebe-me, não naquela carne em que caiu Adão, nem de Sara, mas de Maria: virgem
incorrupta, íntegra e limpa de toda mancha de pecado".
5. E aponta São Jerônimo: "Propõe-te por modelo a gloriosa Virgem, cuja pureza foi
tal que mereceu ser a Mãe do Senhor".
A partir do século IV, a Igreja ocidental não corre em paralelo com a oriental em
professar a Imaculada Conceição de Maria. A heresia nestoriana, única na História
que atacou diretamente a prerrogativa máxima da Virgem - sua divina Maternidade - e
que ia se expandindo no século V, ofereceu a melhor ocasião e também a necessidade
de se exaltar a soberana figura da Bem-Aventurada Mãe de Deus. Enquanto isso, no
Ocidente, o herege Pelágio desfigurava o conceito de pecado original e suas
funestas conseqüências sobre os homens, razão pelas quais os Padres [latinos] se
viram constrangidos a tratar primeiramente da universalidade do pecado do que da
gloriosa exceção concedida à Virgem.
E Teodoro de Ancira, escreve: "Virgem inocente, sem manhca, santa de corpo e alma,
nascida como o lírio entre os espinhos". E, em outro lugar: "Maria, na sua pureza,
leva vantagem sobre os serafins e querubins".
Proclo, secretário de São João Crisóstomo, no mesmo século V, diz que Maria foi
formada "de barro límpido", ou seja, é de natureza humana, porém, incontaminada.
b) No século VI, lemos um hino composto por São Tiago Nisibeno: "Se o Filho de Deus
tivesse encontrado alguma mancha em Maria, um defeito sequer, sem dúvida escolheria
[outra] mãe isenta de qualquer imundície". E qualifica a santidade de Maria como
"justiça jamais rompida".
São Teófanes louva Maria assim: "Ó, incontaminada de toda mancha". E, em outra
parte: "O puríssimo Filho de Deus, como encontrasse somente a ti puríssima de toda
mancha, ou totalmente imune do pecado, foi gerado de tuas entranhas e limpa dos
pecados todos os crentes".
Santo André de Creta: "Não temas! Encontraste graça diante de Deus: a graça que Eva
perdeu (...) Encontraste a graça que nenhum outro [ser humano] como tu jamais
encontrou".
E na Carta a Sérgio, aprovada pelo IV Concílio Ecumênico, Sofrônio diz acerca de
Maria: "Santa, imaculada de corpo e alma, livre totalmente de todo contágio".
E, assim, no século VIII, podemos ler estas palavras tão claras de São João
Damasceno: "Neste paraíso (=Maria) não teve entrada a serpente, por cujas ânsias da
falsa divindade fomos feitos semelhantes a feras".
Nos séculos IX e X se percebe com maior clareza a concepção sem mancha de Maria.
São José, o Hinógrafo, escreve sobre a Virgem: "Imune de toda mancha e queda, a
única Imaculada, sem mancha, a única sem mancha".
O Santo Doutor, porém, contestou: "A condição do nascimento é destruída pela graça
do renascimento". Discute-se se, com estas palavras, o santo bispo admitiu a
Imaculada Conceição. Porém, o que é certo é que o nosso Doutor ensina que os
pecados atuais têm sua origem no pecado original; diz: "Ninguém está sem pecado
atual, porque ninguém foi livre do [pecado] original". Entretanto, opina que Maria
não teve qualquer pecado atual: "Exceção feita à Virgem Maria, da qual não quero,
pela honra devida ao Senhor, suscitar qualquer questão quando se trata de pecado
(...) Se pudéssemos congregar todos os santos e santas (...) quando aqui viviam,
não é verdade que unanimemente teriam exclamado: 'Se dissermos que não temos
pecado, nos enganamos e não há verdade em nós'?". Portanto, segundo o princípio
assentado pelo mesmo Santo Doutor, temos que concluir que Maria careceu do pecado
original.
Nesta mesma época, por volta do ano 400, encontramos o máximo poeta cristão
Prudêncio interpretando a fé da Igreja segundo a pureza sem mancha de Maria. Canta
nestes versos: "A víbora infernal jaz, esmagada pela cabeça sob os pés da mulher.
Por aquela Virgem que foi digna de gerar a Deus, é dissolvido o veneno e,
retorcendo-se sob suas plantas, vomita, impotente, seu tóxico sobre a verde erva".
b) No século V, São Máximo escreve estas palavras: "Maria, digna morada de Cristo,
não pela beleza do corpo, mas pela graça original".
Boa prova de que a fé neste glorioso privilégio de Maria não foi ofuscada nos
fornece a Liturgia. Afirma-se que no século VII, por obra de Santo Ildefonso,
arcebispo de Toledo, já era celebrada a festa da Imaculada Conceição na Espanha.
Alguns, contudo, duvidam da autenticidade do documento em que se apóiam aqueles que
o defendem.
Porém, sabe-se com toda segurança, que essa festa já era celebrada no século IX,
como aponta o calendário de mármore de Nápoles, que diz: "Dia 9 de dezembro: a
Concepção da Santa Virgem Maria". A data da celebração (a mesma em que celebravam
os orientais) indica que a festa foi trazida do Oriente, com o qual Nápoles
mantinha intensa relação comercial. Mas esta não é a única constância que se tem da
celebração litúrgica. Por calendários dos séculos IX, X e XI, sabemos que era
celebrada também na Irlanda e Inglaterra.
Tendo chegado aos seus ouvidos que os monges de Lião, em 1140, tinham introduzido a
festividade, o Santo Abade escreveu-lhes uma carta veementíssima, reprovando o que
chama uma inovação "ignorada pela Igreja, não aprovada pela razão e desconhecida da
antiga Tradição". A carta é um dos melhores documentos para provar a profunda
devoção do Santo a Maria. Cada vez que a nomeia, o faz com grandiosíssimo respeito
e com a inimitável força de estilo que o caracteriza, convencendo o leitor de que
todo o raciocínio não possui nem um pouco de paixão. Impugna o privilégio porque
crê que assim deva fazê-lo.
Apesar do enorme prestígio do Santo Doutor, sua carta não ficou sem resposta. O
primeiro que refutou a mesma, Pedro Comestor, fez logo notar a confusão que São
Bernardo tinha do assunto e distingue entre a concepção de quem concebe (isto é, o
ato dos pais) e a concepção de quem é concebido, ou seja, entre a concepção ativa e
a concepção passiva, que já mencionamos anteriormente. Não faltou tampouco - como
em toda polêmica - a frase dura e contundente do contraditor; assim, escreve
Nicolas, monge de São Albano: "Duas vezes foi transpassada a alma de Maria: na
Paixão de seu Filho e na contradição de sua Concepção".
Embora a carta do Douto Melífluo não tenha conseguido impedir a expansão da festa,
que a cada dia aumentava sempre mais, projetou inegável influência nas discussões
teológicas dos séculos seguintes.
Partindo, pois, do princípio que a carne, manchada pela geração natural, mancha
também a alma, os Doutores de Paris se perguntavam: quando Maria foi santificada,
isto é, purificada desta mancha inerente à carne?
d) Segue pelo mesmo caminho e com uma conclusão mais enérgica, o Doutor Santo
Alberto Magno. Este crê ser de fé que Maria foi concebida no pecado original, pois
a Bíblia, no célebre texto de São Paulo, ensina "que em Adão todos pecaram"; e
"todos" inclui também a ela.
e) Os dois colossos da ciência teológica, São Tomás [de Aquino] e São Boaventura,
que continuaram a obra de ensino dos dois doutores acima citados, prosseguiram,
embora mais cautelosos, no mesmo caminho.
O Doutor Angélico, São Tomás, afirma e repete com insistência, em várias partes de
suas obras, escritas em diversas épocas. que Maria contraiu o pecado original.
Citemos apenas o que escreveu em sua obra maior, a "Suma Teológica": à primeira
pergunta, "se Maria foi santificada antes de receber a alma", responde que não,
porque a culpa não pode ser apagada senão pela graça, cujo sujeito é tão somente a
alma. À segunda pergunta, isto é, "se o foi no momento de receber a alma", responde
que deve-se dizer que "se a alma de Maria não tivesse jamais sido manchada com o
pecado original, isto derrogaria a dignidade de Cristo, que está no fato de ser o
Salvador universal de todos. E assim, sob a dependência de Cristo, que não
necessitou de salvação alguma, foi máxima a pureza da Virgem, pois Cristo de modo
algum contraiu o pecado original, mas foi santo em sua própria concepção, segundo
aponta São Lucas: 'Aquele que nascerá de Ti, Santo, será chamado Filho de Deus'.
Porém, a Santíssima Virgem contraiu certamente o pecado original, ainda que tenha
sido limpa dele antes de ter nascido". Em outra parte, pergunta quando foi
santificada e responde: "Pouco depois de sua concepção".
A estas palavras tão claras alguns têm querido dar ultimamente um significado
diferente, fazendo mil acrobacias para que signifiquem que São Tomás não negou o
privilégio de Maria, como se a negação supusesse algum defeito. O Santo e
ponderadíssimo Doutor riria bastante dos malabarismos intelectuais de alguns de
seus comentaristas...
Por outro lado, São Boaventura insinua timidamente a verdadeira solução da questão,
embora se declare explicitamente partidário da corrente maculista. Após expor a
opinião comum, escreve: "Alguns dizem que na alma da Santíssima Virgem a graça da
santificação se adiantou à mancha do pecado original (...) Isto significa, segundo
eles, o que Santo Anselmo disse sobre a Santíssima Virgem: que Maria foi pura, com
pureza tão pura, que maior - excluída a pureza de Deus - não se pode imaginar. Isto
não repugna a fé cristã, porque a própria Virgem foi liberada do pecado original
pela graça que dependia e tinha sua origem em Cristo, assim como as demais graças
dos Santos. Estes foram levantados depois de caídos, mas a Virgem foi amparada
durante o ato de cair, para que não caísse, segundo a referida opinião". Ninguém
havia ainda exposto em Paris tão claramente, nem insinuado com tanta precisão, os
argumentos a favor da Imaculada. Porém, São Boaventura ainda se inclinava pela
corrente contrária: tirania da razao que se impôs sobre os anseios do amor.
a) O beato Juan Duns Escoto nasceu em Maxton (Escócia), da nobre família Duns.
Formou-se na Universidade de Oxford e aqui mesmo e em Paris lecionou Teologia. Ao
chegar a Paris, a questão sobre a Concepção de Maria estava definitivamente
encerrada e resolvida em sentido negativo. Sua doutrina sobre a isenção de Maria de
todo pecado bateu de frente com o ambiente reinante na Universidade e, segundo o
estilo da época, precisou defender sua opinião em uma disputa pública com os
doutores da mesma. O esmagador triunfo que alcançou, medindo forças e conhecimento
com os mestres mais renomados, fez com que aquela celebérrima discussão científica
entrasse para os anais da Universidade e da Igreja. A lenda e a tradição, como
costumam fazer com os fatos transcendentais, a adornaram com mil detalhes formosos.
As crônicas eclesiásticas asseguram que, ao passar o Doutor pelos clautros da
Universidade para a discussão, prostrou-se diante de uma imagem de Maria,
implorando o seu auxílio, e que a imagem de mármore inclinou sua cabeça. Para a
aula magna da Universidade, aguardavam o Doutor todos os mestres; presidiam a
assembléia os legados do Papa, presentes em Paris para tratar de outros assuntos
com o rei. Seja como for, a tradição nos relata que opuseram duzentos argumentos ao
Doutor Mariano; ele os refutou e pulverizou após ter recitado cada um de memória. A
quantidade de argumentos (ainda que não tenha chegado aos duzentos) foi enorme,
pois dos fragmentos que restaram do debate e que chegaram até nós, pode-se listar
cinqüenta. A nobríssima Assembléia se levantou e o aclamou unanimemente como
vencedor. Uma defesa similar desse privilégio mariano ocorreu ainda em Colônia,
onde o triunfo alcançado pelo Defensor de Maria foi tamanho que até as crianças o
aclamavam: Vencedor Escoto!
Todos estes detalhes da lenda demonstram a impressão que causou a defesa escotista
na imaginação dos contemporâneos que viam irremediavelmente perdida a causa no
campo intelectual. Porém, se os detalhes são lendários, continua em pé a
historicidade do fato conhecido como "Debate da Sorbona", como provou em seus
estudos o mariólogo pe. Carlos Balic, conhecido em todos os centros teológicos.
b) Passemos a expor a doutrina do Doutor Mariano. Observemos antes de mais nada que
o beato Juan Duns Escoto propõe a questão de maneira completamente diferente dos
que o precederam: "Maria foi concebida em pecado original?". Este modo de formular
a pergunta não pressupõe nem prejudica nada, mas tem um sentido claro e
determinante: teve ou não teve o pecado original? Isto vem da idéia que o nosso
Doutor possui do pecado original, hoje comum a todos os teólogos: para o beato
Escoto, o pecado original não consiste em algo mais que a negação da graça que se
deveria possuir. Com efeito, não se deve perguntar nada sobre a carne, como faziam
os teólogos anteriores.
O beato Escoto vai aplicando o argumento ora a partir do ponto de vista de Cristo
como Redentor perfeitíssimo, ora a partir do ponto de vista do pecado, ora a partir
do ponto de vista de Maria, chegando sempre à mesma conclusão. Seu argumento restou
sintetizado para a posterioridade com aquelas quatro celebérrimas palavras: Potuit,
decuit, ergo fecit, - podia, convinha, logo fez! - Podia fazer sua Mãe Imaculada,
convinha fazê-lo por sua própria honra, logo fez!
Perante Sisto IV (nos encontramos agora no século XV), se sustentou outro debate
entre o dominicano Bandelli e o franciscano Francisco de Bréscia. A vitória deste
último foi tão esmagadora, que a Assembléia se levantou aclamando-o como "Sansão",
nome com que ficou conhecido na História.
E de triunfo em triunfo chegamos ao Concílio de Trento que, ao falar da
universalidade do pecado original, ainda que não defina o dogma da exceção de
Maria, apresentou a doutrina nestas palavras: "Declara, no entanto, este Santo
Concílio, que ao falar do pecado original não tenta compreender a bem-aventurada e
imaculada Virgem Maria, devendo-se observar, quanto a isto, o que foi estabelecido
por Sisto IV".
Não se encontrará uma Ordem religiosa que não tenha apresentado nomes ilustres de
teólogos favorecendo a prerrogativa da Virgem, contribuindo para o seu triunfo. A
Companhia de Jesus pôde apresentar Diego Laínez, Alfonso Salmerón, Toledo, Suárez,
São Pedro Canísio, São Roberto Belarmino e muitos outros. A gloriosa Ordem
Dominicana, o célebre Ambrosio Catarino, Tomás Campanella, João de Sâo Tomás, São
Vicente Férrer, São Luís Beltrão e São Pio V papa etc. A Ordem Carmelita, já em
1306, determinou a celebração da festa no Capítulo Geral reunido na França. Os
Agostinianos defenderam também a prerrogativa da Virgem logo em 1350.
a) O Papa Pio IX, de saudosa memória, decidiu dar o último passo para a suprema
exaltação da Virgem, definindo o dogma de sua Imaculada Conceição. Conta-se que nas
tristíssimas circunstâncias pelas quais atravessava a Igreja, em um dia de grande
abatimento, o Pontífice disse ao Cardeal Lambruschini: "Não encontro solução humana
para esta situação", ao que o Cardeal respondeu: "Pois busquemos uma solução
divina: defina Sua Santidade o dogma da Imaculada Conceição".
Mas, para dar este passo, o Pontífice quis conhecer a opinião e o parecer de todos
os bispos; porém, ao mesmo tempo, parecia-lhe impossível reunir um Concílio para
formular a consulta. A Providência forneceu-lhe a solução. Uma solução simples,
porém eficaz e definitiva. São Leonardo de Porto Maurício tinha escrito uma carta
ao Papa Bento XIV insinuando que era possível conhecer a opinião do episcopado
consultando-o por correspondência epistolar... A carta de São Leonardo foi
descoberta nas circunstância em que Pio IX tentava solucionar o problema e foi como
que o "ovo de Colombo" (desculpem a frase!), de modo que o Papa pôde exclamar:
"Encontrei a solução!". Em pouco tempo pôde conhecer o parecer de toda a
hierarquia. Um certo bispo hispano-americano respondeu-lhe: "Nós, americanos, com
fé católica recebemos a crença na preservação de Maria". Formoso louvor à ação e
zelo da nação espanhola.
- "A doutrina que ensina que a bem-aventurada Virgem Maria foi preservada imune de
toda mancha de pecado original no primeiro instante de sua concepção, por singular
graça e privilégio de Deus todo-poderoso, em atenção aos méritos de Jesus Cristo,
Salvador do gênero humano, é revelada por Deus e por isso deve-se crer firme e
constantemente por todos os fiéis".
Estas palavras, embora pareçam tão simples, foram selecionadas uma a uma, mantendo
sintonia com os séculos. São eco autorizado e definitivo da voz-solo que cantava o
"comum sentir" da Igreja ainda durante os quentes debates dos teólogos da Idade
Média.