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VOCVSeVVVVVVevVveeLC CHOLES OOHOLESOOE APENAS O FIM DO MUNDO LUIZ, 34 anos. SUZANA, sua irma, 23 anos. ANTONIO, irmao deles, 32 anos. CATARINA, mulher de Antonio, 32 anos. AMAE, mie de Luiz, Antonio ¢ Suzana, 61 anos. ‘Aagao se passa na casa da Mae e de Suzana, um domingo, evidentemente, ou ainda, ao longo de quase um ano inteiro. PROLOGO LUIZ — Mais tarde, no ano seguinte ~eraa minha ver de morrer - agora ett cenho quase trinta e quatro anos e Foi com esta idade que eu morreria, no ano segui hi virios meses que eu esperava sem fazer nada, Fingindo, sem sabes, ha varios meses que eu esperava acabar com isto, no ano seguinte, como quando as vezes ousamos agir, s6 um pouco, diante de um perigo extremo, imperceptivelmente, sem querer fazer barulho ou cometer um gesto muito violento que acordaria 0 inimigo e que te destruiria imediaramente, no ano seguinte, apesar de tudo, © medo, assumindo o risco e sem nunca ter esperanga de sobreviver, apesar de tudo, no ano seguinte, eu me decidi volrara vé-los, voltar atrés, voltar sobre os meus passos ¢ fazer a viagern para anur.ciar; lentamente, com cuidado, com cuidado ¢ preciséo acho ea - learamente, calmamente, de forma ponderada © cu néo fui sempre para os outros e para eles, mais precisamente, ndo fui sempre um homem ponderado? par anunciar, dizes apenas dizer, a minha morte préxima ¢ irremedivel, anuncié-la eu mesmo, ser o seu nico mensageiro, parecer ~ talvex 0 que sempre quis, quis ¢ decidi, em suidas as circunstancias e desde os tempos mais nginquos que eu ouso me lembrar - ¢ parecer uma vez mais poder decidis, me dar ¢ dar aos outros, € a eles, mais vocé, vocts, ela, e ainda as que ndo conhego (tarde demais ¢ paciéncia), ime dar e dar aos outros uma tltima vez.a de ser responsivel por mim e de ser, até nesta usi0 situagio extrema, senhor de mim mesmo. PRIMEIRA PARTE Cena t SUZANA ~ E a Catarina. la éa Catarina. Catarina, Luiz. Luiz. Catarina. ANTONIO — Suzana, por favor, deixa ele continuar, deixa ele continuar, CATARINA ~ Ela esti contente, ANTONIO ~ Parece até um cachorrinho. A MAE - Nio me diga, o que eu estou ouvindo, & verdade, tinha me esquecido, néo me digam uma coisa dessas, eles néo se conhecem. Luiz, vocé nao conhece a Catarina? Nao me diga isso, vocés nao se conhecem, nunca se | encontraram, nunca? | ANTONIO — O que voct queria? Voeé sabe muito bem. LUIZ —Eu estou muito contente. CATARINA ~ Sim, cu ambém, claro, cu também. Catarina. SUZANA ~ Voce vai apertar a mao dela? SSASPMAIMHOHHHHHHHHOEDHHUBHHOOHOOS Ah PSCVITIIIIPIIDIVIILDEOPOHXOOOOHHEHEHY » Aye in od Jaa lage LUIZ - Luiz. A Suzana jd disse, acabou de dizer. SUZANA - Voc vai apertar a mao dela, ele vai apertara mio dela, Nao me diga que voct vai apertara mio dela? Eles nao yao apertar as maos como se fossem estranhes. Ele nto muda, cu imaginava ele exaramente assim, voct nto muda, ele nfo muda, ¢ assim que cu 0 imagino, ele néo muds, 0 Luiz, ¢ com ela, Catarina, ela, vocé vai se dar muico bem, vocés vio se dar muico bem sem problemas, ela € igual, vocés vio se dar muito bem. Nio aperte.a mao, dé um beijo nela. Carina ANTONIO — Suzana, eles estéo se vendo pela primeira vez! LUIZ — Eu te dou um beijo, claro, ela rem razio, desculpe, eu fico contente, me permite? SUZANA ~ Esti vendo, era o que eu dizia, tem que dizer prales. AMAE-E 20 mesmo tempo, quem é que me meteu semelhante idéia ne cabeca, aqui dentro dda cabeca? Eu sabia. Mas eu sou assim, nunca poderia imaginar que eles nfo se conheciam, que vocés nao se conheciam, que a mulher do meu outzo filho néo conhecia © meu filho, isso, eu nao teria imaginado, achado possivel. Vocés vivem de uma maneira muito esquisita CATARINA ~ Quando nés nos casamos, ele no veio e desde entéo, 0 resto do tempo, nio houve oportunidade. ANTONIO ~ Ela sabe disso perfeitamente ‘A MAE ~ Sim, nio me expliquem, é uma ceseupidez, nio sei por que pergunt eu sei disso muito bem, mas extava me esquecendo, tinha me esquecide de todos esses outros anos, rio me lembrava que Fosse a este ponto, cra 0 que cu queria dizer SUZANA - Ele veio de Eu estava atrés de casa ¢ ougo um carro, cu pensei que vocé tinha comprado um cairo, munca se sabe, seria légico. Bueseava te esperando ¢ o barulho do carro, do taxi, imediacamente cu soube que voce estava chegando, fui ver, era ui téxi, voc' veio de téxi desde a estagéo, era o que cu tinha dito, nio devia, eu podia ter ido te buscar, eu tenho um auromével proprio, hoje voc? me telefona ¢ cu teria ido imediatamente teencontras, s6 tinha que me avisar e esperar por mim num café, = ‘pen dd Jn Lape Eu tinha dito que voct ia fazer isso, eu disse pra eles que vocé ia pegar um téxi, todos eles acharam que voce sabia 0 que voo$ LUIZ — Estou bem Nao tenho carro, nao. E voce, como é que vai voce? ANTONIO — Estou bem. E vocé, como ¢ que vai voce? LUIZ. Fotos hem, Nio precisa exagerar, nao é uma viagem longa. SUZANA — Esti vendo, Catarina, 0 que eu dizia, €0 Luiz, cele nunca beija ninguém, foi sempre assim. proprio irmao, ele nao beija. ANTONIO - Suzana, deixa.a gente em paz! SUZANA —O que foi que eu disse? Eu nfo falei com voeg, pra esse af eu néo digo nada, cu estou falando com voce? Mac! Cena 2 CATARINA ~ Eles esto na cast da outra avd, nds nao podtamos saber que voce vinha, e tirar eles de Ié na ultima hora, ela nao admiciria, Els teriam ficado muito felizes de vé-lo, disso a gente no tem a menor dtivida, = nao @ eeu também, ¢ Antonio a mesma coisa, terfamos ficado muito felizes, claro, se finalmente cles tivessem conhecido voce. Eles nem imaginam como voce é. A mais velha tem oito anos. Dizem, mas eu nao me dou conta, no meu lugar é dificil, todo mundo diz, dizer, estas coisas nunca me parecem muito légicas ‘um pouco, como eu diria? De brincadeira, nio & -, no sci, dizem e eu néo vou contradizer, que ela é parecida com 0 Antonio, dizem que ¢ a cara dele, verso meni a mesma pessoa. Dizem sempre essas coisas, dizem isto de todas as ctiangas, ndo sei, por que nio? AMAE—O meimo génio, o mesmo génio terrivel, sao os dois iguais, idénticos e teimosos. O quecle ¢ hoje, ela vai ser amanha. SEP PAF FAGHHSSEGHEHHOHEHAHHARRAAHAED > ¢ VPIIPSIFGIDIIVIS OPPO OOH HOOHHHHOHOHOUHEHE » Area ae aa aa CATARINA ~ Vooé tinha nos enviado um bithete, yooe me mandou um bilhete, um bilhetinho, e flores, eu me lembro. Foi, era, foi um gesto muito simpitico, eu fiquei muito sensibilizada, mas na verdade, voct nunca tinha visto ela. E também nao vai ser hoje, paciéncia, nao, ndo seré hoje que isso vai muda. Depois eu conto pra ela. Nés tinhamos lhe enviado, Ihe enviamos uma fotografia dela ~ pequenininha, miudinha, bebé, essas coisinhas!- ena fotografia, ela nfo esté parecida com 0 Antonio, nem um pouco, néo est parecida com ninguém, quando se é assim to pequenininho nio se é parecido com nada, ‘11 na cei se voc tecebeon Hoje ela est muito diferente, uma moga, ¢ voc? nfio poderia reconhecé-la, ela cresceu e tem cabeles. E uma pena. ANTONIO — Pira com isso, voct esté enchendo ele. LUIZ —Nem um poueo, por que ¢ que voeé diz isso, nio diga isso. CATARINA — Eu estou enchendo voeé, eu encho todo mundo com isto, as criangas, agente acha que é interessante. LUIZ.— Nio sei por que ele disse isso, no entendi, por que é que voce disse isso? € maldade, nao, maldade nao, mas é desagradsvel Isso no me enche nem um pouco, tudo isso, os meus afilhados, sobrinhos, os meus sobrinbos, no sio meus afilhados, meus sobrinhes, sobrinhas, a minha sobrinha, isso me interessa ‘Tem também um menino, ele se chama como eu. Luiz? CATARINA - Sim, eu Ihe peco desculpas. LUIZ — f um prazer, et estou sensibilizado, fiquei sensibilizado, CATARINA — Tem um menino, sim. O menina ter fem agora seis anos. Seis anos? O que mais, sei a? les tém dois anos de difereng, dois anos os separa. (© que mais eu poderia contar? ANTONIO ~ Eu néo disse nada, néo me olhaa Vocé esti vendo como ela me olha? O quefoi Nio foi o que eu disse que deve, que deveria, no foi o que eu disse que vai te impedir de continuar cu nio disse nada que poderia te constranget, ela esta constrangida, la quase ndo te conhece e esté constrangida, x“ Aen fi a mn ea ae a Catarina é assim. Eu nao disse nada. Ele esté te ouvindo, isto te interessa? Ele estd te ouvindo, ele acabou de dizer, isso interessa pra ele, os nossos filhos, os teus filhos, os meus filhos, isso agrada a ele, isso te agrada? Ele esté adorando, é um homem adorando esta descrigio da nossa prole, lc adora este assunto, nio sei por que, 0 que me dew, nada no rosco dele dava a entender que ele estivesse se enchendo, «au disse isso deve ter sido sem pensar. CATARINA ~Sim, nao, eu néo estava pensando LUIZ - E hortivel, nio estd certo. Eu me sinto mal, me desculpa, me desculpem, eu ndo estou bravo com voed, mas voo! fez com que ea me sentisse mal ¢ agora, eu estou me sentindo mal. ANTONIO ~A culpa vai ser minha. Um dia t20 bonito. A MAE Eh escava falando do Luiz, Catarina, vocé estava falando do I ia, do garoto, Deixa ele, vocé sabe como ele é. CATARINA - Sim. Desculpem. Fu estava dizendo, ele se chama como vocé, mas, na verdade. ANTONIO ~ Me desculpem. Estd bem, eu pego desculps, eu nio disse nada, facam como se eu nfo tivesse dito nada, mas nio me olhe dessejeito, iio continue me olhando assim, francamente, francamente, ‘0 que foi que eu disse? CATARINA ~ Eu escutei, Eu escucei vocé. que eu estava dizendo, ele em antes de tudo, ea origem esta sobretudo nisso ~ eu estou contando - cle tem antes de tudo o mesmo nome que © pai de vocés ¢ fatalmente, por deducio ANTONIO — Dos teis da Franca. CATARINA - Escuta aqui, Antonio, escuta aqui, cu no vou dizer mais nada, pra mim tanto faz, conta vot no meu lugar! ANTONIO ~ Eu nao disse nada, cu estava brincando, info se pode mais brincar, um dia como o de hoje, se ndo se pode brincar.. @ 6 e e e e e e e e e es e e e e s e e 2 e e e @ e ~e e e ec e e i ee Aen ne an ai ace AMAE — Ele esté brincando, nao €a primeira vez que ele faz esta brincadeirs. ANTONIO —Explica. CATARINA ~Ele temo nome do pai de vocts, cu acho, nés achamos, nds achévamos, eu acho queé bom, iss0 era do gosto do Antonio, era uma coisa, uma coisa que cle, que ele Faria questio, eeu, eu nfo via nada contra ~ nao é um nome que eu deteste. Na minha familia ha o mesmo tipo de tradigio, calver se siga menos, eu no presto muito aten¢So, eu s6 tenho um fliamente, le nfo é 0 mais velho, entéo, ‘o nome dos pais ou do pai do pai do filho macho, © primeiro rapaz, essas historias todas. E depois, € jd que voce nao tinha filhos, jé que vocé nao tem filhos, = porque teria sido 6gico, nés sabemot.. co que eu queria dizer: j4 que vocé ndo tem filhos €€0queo Antonio diz, vocé diz isso, voce que disse isso, © Antonio diz que voce nao vai ter = no é que estamos decidindo por vooé, mas ev acho que ele tem razio. Depois de uma cera idade, salvo algunas exeesSes, a gente desiste, a gente renuncia JA. que voct néo tem filhos, € sobrerudo por isso, JA que voc? nao vai ter filhos, era légico (légico, nao ¢ uma palavra bonita para uma coisa normalmente feliz ¢ solene, 0 batizado das criancas, bem) era l6gico, vocés me entendem, isso poderia parecer apenas uma tradicao, hiscérias antigas mas também é assim que nés vivemos, parecia l6gico, foi o quenos dissemos, que nés 0 chaméssernos Luiz, ‘como 0 seu pai, ¢ portanto como voce, na verdad. E eu acho também que isso € do gosto da sua mic. ANTONIO ~ Mas vocé continua sendo o mais velho, nio ha divida nenhuma em relacio a isso. Que pena que voc’ nao possa vé-l0. LUIZ — E entao, para este menino, como é que voces tinham tido? «O herdeiro machov? Eu nao tina enviado nenhum cartio? ANTONIO ~ Mas que merda, nao era disso que cla estava falando! CATARINA ~ Antonio! Cena 3 SUZANA ~ Quando voeé foi embora eu mo me lembro de vacé - eu nao sabia que vocé ia embora por tanto tempo, nao liguei, no prestei arengio, eeu me vi sem nada, Eu te esquecia bem depressa. Hier pequena, cranga, 60 que dizem, eu era pequena. Nio foi bom que vocé tena ido embora, ido embora por tanto tempo, niio foi bom e nie foi bom para mim mio foi bom para ela (ela nao vai te dizer nada) ¢, de certa forma, também nao foi bom. para eles, Anconio e Catarina. Mas também, acho que eu néo estou enganada — mas também nao deve ser, ndo deve ter sido, néo deve ser bom para voeé, para vooé também, Voct deve, is vezes, mesmo se voeé nunca confesse, mesmo se vocé nunca deva confessar se mesmo de confissio - é deve ts vezes, voce também (éo.que eu digo) vooé também, vocé deve as vezes ter precisado de nés e lamentado nao poder nos dizer. -et Ou, mais habilmente ~ eu acho que vocé é um homem hibil, um homem que poderiamos qualificar de habil, um homem «repleto de uma certa habilidade» - ou ainda mais habilmente, vocé deve 3s vezes ter lamentado néo poder nos fazer sentir que voce precisava de nds € nos obrigat, por nés mesmos, 2 nos Preocuparmos com vocé. As vezes, vocé nos mandava cartas, as vezes voc# nos manda cartas, ‘io sio cartas,si0 0 qué? pequenos bilhetes, si0 apenas pequenos bilheres, uma ou duas frases, nada, como é que se dix? ipticas. «As vezes voct nos mandava careaselipticas» Eu pensava, quando vocé foi embora (0 que eu pensei quando vocé foi embora), quando eu era crianga e quando voce nos privou da sua companhia (¢ af que isso comeca), eu achava quea sua profissio, 0 que voct fizia ou ia faner na vida, o que voc desejava fazer na vida, eu achava que a sua profissio era escrever (seria escrever) ou que, de qualquer modo ~en6s aqui sentimos, todos nés, vocé sabe, vact ‘io pode néo saber, sentimos uma certa forma de admiragéo, € palavra exata, uma certa forma de admizagio por vocé por cause disso -, ‘ou que, de qualquer modo, se voce precisasse, 3 , e . c J e e 3 2 3 e 2 ° e 2 e s s 2 2 2 2 » 2 2 2 = > > > > > > > ” Ape fds madden se voce sentisse que precisava, se, de repente, voc’ sentisse, 2 obrigacéo ou 0 desejo, vocé saberia escrever, se servir disso para sair de um passo mal daclo ow ppara poder avangar ainda mais. Mas nunca, em relagéo a nés, ‘Vocé nunca usa dessa possibilidade, desse dom. (G assim que se diz, uma espécie de dom, eu acho, vwoct ri) nunca, em relagao a n6s, voce usa dessa qualidade ~ éesea a palavra, uma palavra bem estranha jé que se trata de voc’ - nunca voce se utiliza dessa qualidade que voce tem, com a gente, para nos. Vocé nio nos dé sequera prova disso, voce no nos julga dignes. E para os outros. Esses pequenos bilheres as frases elipricas- cesses pequenos bilhetes vm sempre escritos em cartes postais (nds temos hoje, uma colegio invejavel) como se vocé quisesse, dessa maneira, sempre parecer estar de férias, do sei, era 0 que eu achava, ‘ow ainda, como se, antecipadamente, voc’ quisesse reduzir 0 lugar que voc# nos consagraria «¢ oferecer a todo e qualquer olhar as mensagens sem importincia que voce nos manda. «Eu estou bem e espero que vocés também cestejam bem.» E mesmo, para um dia como o de hoje, mesmo para dar uma noticia desta importincia, evocé nao pode ignorar que foi uma noticia importance para n6s, todos nos, mesmo se os outros nio te dizem, vocé escreveu apenas, ii também, umas réipidas indicagbes da hora e do dia num postal, comprado certamente numa banca e representando, s¢ bem me lembro, uma das novas cidades da periferia vista dum aviio, com, podemos notar claramente, em primeiro plano, o parque internacional de exposighes. Ela, a sua m&e, a minha mie, la diz que vocé fez e sempre fer, desde 2 morte dele, que vocé fez e sempre fer 0 que vocé tinha que farer. Ela repete isso exe nbs devderemos por acaso, cenriscemos, somente, apenas, se tentissemos insinuar, owsar insinuar que talvex, como direi? Vocé nio tinha sido tio tao presente, la responde que «wvocé fez e sempre fez 0 que voc’ tinha que fazer, € nds, nds nos calamos ‘o que é quea gente sabe? A gente nio te conhece. O que cu suponho, o que eu supunha ¢o ‘Antonio pensa como eu, ele me confirmou quando achou que neste ponto € em outros, cu jé estava na idade de entender, € que vocé nunca esquecia as datas importantes das nossas vidas, “ Ave fin ound dance os aniversétios, fossem quais fossem, ue sempre voed esteve perto dela, de certa maneira, © que n6s nao temos nenhum direito de criticar a sua auséncia Eestranho, cu queria ser feliz e ser feliz.com voc’ ~ 2 gente se diz isso, a gente se prepara - € eu fao eriticasa voo# e vooé me ouve, vocé parece me ouvir sem me interromper. Eu continuo morando aqui com cla, O Antonio ea Catarina, com as criangas ~eu sou a madrinha do Luiz - les rém uma casinha, um sobrado, cu ia cocrigis, no sei porqué mas vocé deve gostar (é 0 que eu acho) deve goctar destasligciras nuances, casinha, bem, como muitos outros, 4 alguns quilémetros daqui, por ali, para os lados da piscina descoberta do complexo desportivo, voce pega o 9 e depois o 62 ¢ depois ainda rem que andar um pouco, impdtico, cu nao gosto, nunca vou li, mas é simpatico. Nao sei por que, eu falo, isso me dé quase uma vontade de chorar, isso tudo, © Antonio mora perto da piscina, Nio, nao é simpatico, €um bairro bastante feio, estio reformando mas aquilo no tem mais 0 que fazer, eu nio gosto nada do lugar onde ele mora, élonge, no gosto, cles vém sempre aqui nés nunca vamos 1. (Os cartées postais, vocé poderia ter escolhido melhor, ndo sei, eu teria colado na parede, podia ter mostrado para as amigas! Bem, Nao faz mal. Continuo morando aqui com ela. Eu queria ir embora, mas é quase impossivel, nao sei como explicas, como dizer, centéo nao digo, © Antonio acha que eu tenho tempo, cle diz sempre essas coisas, voc vai ver (vocd jd se deu conta talver), ele diz que eu nao estou mal, , na verdade, se pensarmos bem ~enaverdade, eu penso nisso, eu rio, pronto, cu até dou risada— na verdade, eu nio estou mil, no é isso que eu acho. Eu nao vou embora, eu fico, vivo onde sempre vivi mas nio estou mal, Talver (serd que podemos adivinhar estas coisas?) talver a minha vida serd sempre assim, a gence tem que se resignas, bem, existem outras pessoas ¢ elas sio em maior numero. cexistem outras pessoas que passam a vida inteira no lugar onde nasceram € onde nasceram antes delas seus pais, las nfo sao infelizes, eeeerteceere eevee eeereereee | BOPIPFIVPIIGV OOD ODODOHOHEH OHHH HH OHHE ® pea ide mde jn ape a gence tem que se contentar, ou pelo menos elas nio séo infelizes por causa disso, nao se pode dizer, c talver seja essa a minha sorte, essa palavra, © meu destino, esta vida. Eu vivo no segundo andar, tenho o meu quarto, fiquei com ele, ¢ também 0 quarto do Antonio eo seu também se eu quiser, mas esse, nds nao usamos, écomo um depésito, néo é por mal, guardamos li as velharias que jd nao servern pra nada mas que nao ousamos jogar fora, ede certa forma, muito melhor, 0 que dizem todos quando estio contra mim, muito melhor do que aquilo que eu poderia. conseguir com 0 dineiro que ex ganho sc fosse embora. E quase como um apartamento. £ quase como um apartamento, mas, cu jé-estou acabando mas nao €a minha casa, ¢ a casa dos meus pais, nao éa mesma coisa, ‘oct deve conseguir entender isto. Eu tenho também coisas que me pertencer, coisas de casa, tudo isso, a televisio, o aparelho de som tem mais no met quarto, If em cima, depois te mostro (0 Antonio de novo) tem mais conforto do que aqui embaixo, nao, ndo é “aqui embaixo”, ndo goza de mim, do que aqui. “Todas estas coisas me pertencem, eu ainda nio pagus todas, ainda nio acabei de pagan, ‘mas clas me pertencem cera de mim, diretamente, que viciam romé-las se eu néo as pagasse Eo que mais? Eu falo sauito, mas néo é verdade, falo muito quando cem alguém, mas 6 resto do tempo, ni, ‘num longo prazo isso fica bem equilibrado, sou proporcionalmente bem quicca. Nés cemos um carro, ndo &6 meu, mas ela nio quis aprender a ditigi, cla diz que tem medo, cu sou a motorista, E bem pritico, isso nos ajuda ¢ née precisamos estar sempre pedindo para os outros. Eisso. O que cu quero dizer, é que esté tudo bem © que teria sido um certo, na verdad, se voct se-preocupasse. Cenad A MAB ~ No domingo. ANTONIO ~ Mée! A MAE ~ Bu nio disse nada, cstava contando pra Catarina. No domingo. ANTONIO ~ Ela conhece isso de cor. CATARINA — Deisa ela falar, deixa ninguém falar. falar A MAE - Isto 0 incomoda. A gente trabalhava, «pai dels erabalhava, eu trabalhava, eno domingo - cu estou contando, néo precisa escutar-, no domingo, porque, durante a semana, as noites si curtas, tinhamos de levantar cedo no dia cram a seguinte, as noites durante a semana ni no domingo, a gente ia passear. Sempre e sistematicamente, CATARINA — Aonde voce vai, 0 que € que vooe cestd fazendo? ANTONIO ~ A lugar nenhum, nio vou a lugar nenhum, onde vocé quer que eu vi? Eu no me mexo, eu estava escutando. No domingo, LUIZ —Fica aqui com a gente, por que nao? E triste, AMAE— Era o que eu estava dizendo: vocé nio o conhece mais, o mesmo génio ruim de sempre, acanhado, desde erianga, sé isso! E muitas vezes 85 pelo prazer, vvoct 0 vi agora como ele sempre foi. No domingo - como eu estava contando - no domingo, a gente ia passear, ‘Nio havia um tinico domingo em que néo safsse- mo um ritual, era o que cu dizia, um ritual, um habito. lamos passeas, imposstval fugir disco. SUZANA~ E a histéria anterior, de quando eu era bem pequena ou de quando eu ainda néo exista ‘A MAE ~ Bem, a gence pegava'o carro, hoje vocés no fazer mais isso, a gente pegava o carro, nds nio éramos muito ricos, nao, mas tinhames um ‘carro ¢ eu acho que nunca vio pai deles sem carro. ‘Antes mesmo que nos tinhamos casado, PORARSSARTHOCEHHHHBAORCEKETETEEEHELS 1. © OPOPPPIVPIPVIIVPOPP PAOD PHPHOHHHHHHHHEHHHHE ° “Agena fi do mando de Juba Lage tivéssemos casado? antes de nos sermos casados, eu jf via ele, + olhava para ele ele tinha um carro, um dos primeiros por aqui, velho e feioe fazia barulho, muito, mas, bom, era um carro, ele tinha trabalhado e ee era dele, era o carro dele, o orgulho que ele tinha. ANTONIO ~ A gente confia no que ela diz. MAE — Depois, 0 nosso carro, mais tarde mas eles no devem se lembrar, nfo podem, eles eram muito pequenos, nao nem me dou conta, sim, eu acho, nés havfamos trocado, © nosso carro era longo, Leu alougadu, eacrodinamico», € preto, porque preto, ele dizia iss, da sua cabega, preto era mais wchique», a palayra é dele, ‘mas bem, na verdade, era porque ele néo tinha achado outro. YVermelho, eu 0 conego bem, vermelho, iso, eu acho, era o que ele teria preferido,, No domingo de manhi, ele lavava, esfregava, um verdadeiro maniaco, isso durava duas horas 8 tarde, depois de comer, a gente ia embora. Sempre foi assim, nao sei, muitos anos, belos ¢ longos anos, todos 0s domingos como uma tradicao, nada de ferns, nao, mas todos es domingos, quer chova, quer fica sol, cle dizia as coisas assim, uma frase para cada siewagio da existéncia, quer chova, quer faga sol, todos os domingos nds famos passear. As vezes também, ‘no primeiro domingo de maio, jd ndo sei bern por ques, tuma festa alvez, no primeir: domingo depois do oico de maryo, que € a data do meu aniversério, e quando 0 ito de margo cafa num domingo, bor ainda no primeiro domingo das férias de verio ~a gente dizia «estamos saindo de férias», a gente buzinava, ¢ de noite, quando a gente voltava, a gente dizia que no fim das contas a gente estava melhor em casa, bobagens - € era um pouco assim também antes do inicio das aulas, a, ao contrdrio, como se voltéssemos de férias, sempre a mesma histéria, as veus, era. que eu estava centando dizer, 1nés famos zo restaurante, sempre os mesmes resraurantes, n’io muito longe £ 0s donos nos conheciam e comfamos sempre as mesmas coiss, as eapecialidades e as coisas da época, a.carpa frita ou as ris a0 creme, mas eles nao goscavam disso. Depois, eles fizeram treze € quatorze anos, Suzana era pequena, eles nao se gostavam muito, estavam sempre se provocando, isso deixava 0 pai deles uma fera, estas foram as tiltimas vezes ¢ nada ‘mais foi como antes. Nio sei por que eu estou contando isto, vou ficar quiet. Outras veres ainda, piqueniques, apenas isso, famos até 3 margem do rio, AY, ail Bem, é verso e comemos na grama, salada de ‘aatum com artoz e maionese ¢ ovos cozidos aquele ali ainda adora over cozidos - «¢ depois, nds dormiamos um pouco, 0 pai deles « «us, em cima do cobertos, de um grande cobertor verde ¢ vermelho, ¢ eles, eles iam brincar de luta. Era bom. Depois, néo estou dizendo isso por mal, depois, esses dois eresceram demais, sei ki, como ¢ que podemos saber como tudo desaparece? cles no queriam mais vir com a gente, eles iam cada um para o seu lado andar de bicicleta, cada uum por si, ¢ nds s6 com a Suzana, no valia mais a pena. ANTONIO ~A culpa ¢ nossa, SUZANA ~ Ou minha. Cena S LUIZ ~ Foi talvez ha uns dez dias apenas ~ onde & que eu estava? - devia ter sido hé uns dez dias « talvez seja por essa tinica fnfima razio que eu decid voltar aqui. Eu me levantei e disse que eu viria vé-los, visita, ¢ depois, nos dias seguinces, apesar de todas as excelentes razées que me dei, nao mudei mais de opinido, Hi der dias, cu estava na minha cama ¢ acordel, calmamente, erangiilo - isso faz muito tempo, hoje fz um ano, como eu disse no comego, isso fiz: muro tempo que nao me acontece mais, que eu me encontse sempre, oda manha, com apenas em mente para comesar, comesar de novo, apenasem mente a idéia da minha morte préxima - cv acordei, calmamente, rangiilo, com este pensamento estranho claro nao sei se eu poderia descrevé-lo bem com este pensamento estranho ¢ claro que meus pais, que meus pais, as pessoas também, todos os outros, na minha vida, as pessoas mais proximas de mim, que meus pais e todos aqueles de quem me aproximo ou que se aproximaram de mim, POPHPBHHRHHTHHHHOHLAOHOSEH BEBE EB SHE . eS e 2 ® s s ®. e . ® 2 e 2 3 2 ° > 2 2 ° 2 > > 2 » ® 2 2 > > > 2 > > » 2 Apna mde ijn apt ‘meu pai também, no passzdo, admitamos que et melembre, minha mae, meu iemio que esté hoje aqui, minha irmé também, que todo mundo depois de terem feito uma certa jidéia de mim, mais dia menos dia nio me amem mais, nao me amassem mais € que nfo me amam mais (o que eu quero dizer) «no fir das contas» como que por desencorajamento, como que por cansago de mim, que eles me abandonassem sempre porque eu pezo o abandono cera esta impresso, eu nfo encontro as palavras, quando eu acordava um instante, saimos do sono, tudo é claro, a gente acha que o entende, e ele desaparece em seguida - que me abandonaram sempre, pouco a pouco, mim mesmo, a minha solidéo no meio dos outros, porque nao saberiam como chegar em mim, me tocar, e que é preciso desisti, ce desistem de mim, eles desistiram de mim, todos, de uma certa forma, depois de tentazem tanto me manter perto dees, ceme dizerem isso também, porque eu os desencorao, € porque eles querem entender que me deixar em pu, fazendo de conta que néo se preocupam mais comigo, é gostar ainda mais de mim. Bu entendi que erta auséncia de amor da qual me queixo ¢ que foi para mim sempre a Unica razdo chs minhas covardias, sem que até encio eu nunca tivesse percebido, que esta auséncia de amor fet softer sempre mais 9s outros do que eu. Eu acordava com a idéia estranha e desesperada indestrucivel também que me amavam vivo como gostariam de me amar morto sem nunca poder nem saber me dizer nada Cona 6 LUIZ — Vocé nao fala nada, a gente nunca te owe. CATARINA — Desculpa, no, nio sci. O que voeé quer que eu diga? LUIZ — Eu lamento 0 incidente de agora a pouco, cu queria que voct soubesse disso. Eu nao sei por que ele disse isso, eu nao entendi o Antonio. Ele quer sempre que eu néo demonstre interesse, dle deve ter prevenido voc? contra mim, CATARINA ~ Eu ndo estava mais pensando nisso, nem pensava mais, néo teve importinci Por que voce diz iss0: 2 ‘een ne bc Lae wle deve ter prevenido vocé contra mim», que ele tenha «me prevenido contra vot», é uma idéia esquisica. Ele fala de vocé como deve e ele nie fala, de qualquer maneira, tio freqtientemente, quase nunca, ‘ex nao acho que ee fale de voot e nunca nesses temmos, nunca ouvi nada assim, voce estd enganado, Ele acha, eu acho, ele acha que vocé nao quer saber nada dele, ¢ isso, que vot no quer saber nada da vida dele, que isso néo significa nada para vocé, ex, as crangas, tudo isso, a profisao dee, o que ee fiz. \Viocé sabe qual éa profissio dele, o que ce fiz na vida? Nao é bem uma profissio, voeé, vocé tem uma profissio, uma profissio é aquilo que se aprende, & para o que nos preparamos, estou enganada? Vocé conhece a situacio dele? Nao & mi, poderia ser pior, mas nao é nada mé, A situacio dele, voc# nio conhece, voc8 conhece o trabalho dele? O que ele faz? Isso no é uma critica, isso me deixaria chateada se voc# entendesse assirn, se voct entende assim nao é legal e vocé no tem razio, nao é uma critica: eu mesma, posso lhe dizer, eu mesma nao saberia exatamente, com exatidao, eu nfo saberia Ihe dizer a fungio dele, Fle trabalha numa pequena empresa de ferramentas, para aqudes lados, assim que se costuma dizer, uma pequena empresa de ferramentas, eu sei onde fica, as veres eu vou esperé-lo, agora quase nunca, mas antes, eu iaesperi-lo, de fabrica ferramentas, imagino, ¢ Kigico, eu suponho, ‘© que se pode ter para contar sobre isso? Ele deve fabricar ferramentas, mas eu ndo saberia também explicar todas as pequenas operagées que ele acumula todos os dias ¢ eu nao poderia criticar vocé por também nao saber isso também, nao. Mas ele, ele pode dedusir, ele deduz certamente, que a vida dele nao interessa a voce ~ ou se preferir eu nfo quero que vocé pense que estou inquirindo voce -, ele acha provavelmente, ex acho que ele é assim evo’ deve lembrar disso, ele nio devia ser muito diferente mais novo, ele acha provavelmente que 0 que ele far. nio € interessante ou susceptivel, 2 palavra exata, ou susceptivel de interessar 2 voc E nio é maldade minha, (maldade, calvez?) io é maldade, sim, achar que ele nio esté totalmente errado, ‘yoo’ niio acha? ou eu me engano? Eu estou enganada? LUIZ ~ De fato, nfo & maldade sua, é mais certo. Eu desejo, quanto amim, o que eu desejaria, cx fcaria feliz de poder. CATARINA — Nio me diga nada, eu 0 interrompo, E preferivel que voce nao me diga nada e que voce digaa ele 0 que voct tem para lhe dizer. SEMPER ECEOCEOOHHOOEAEHOAHEAEAEAGES ] 7 . 9 ® ® » 9 ® ® Ey ® ® » 2 > ® » ® s 9 » > » » ® » ° » ® » ° ® > > > “ Aa ita et antes Eu acho que é melhor e voct nio vé nisso nenhum inconveniente. Eu, eu estou fora e nfo vou contar nada, eu sou assim nfo é meu papel ‘ou no assim, 20 menos, que eu imagino. E entio voet, por sua vez, como é que vocé disse? «prevenido contra mim». LUIZ — Ni tenho nada a dizer ou a nfo dizer, nao entendo. CATARINA ~ Muito bem, mais uma razio, perfeito entio, LUIZ — Volte! Catarina! Cona7 SUZANA ~ Essa garota, néo dé pra acredita, na primeira vee que a gente a viu, a gente imaginou cla frégil e desarmada, tuberculosa ou érfi hé cinco geracées, ‘mas a gente se enganou, niio se deve confiar nisso: ela sabe escolher e decidir, cela é simples, clara, precisa. Ela se expressa bem. LUIZ —Voct sempre a mesma, Suzana? SUZANA- Eu? LUIZ - Sim, «A mesma.» Dando «sua opiniio»? SUZANA — Nio, na verdade, ‘cada ver menos. Hoje, um pouco, mas quase nunca. Ukima homenagem em sua honta, 6 para voce ficar com remors0s. Sim? Desculpa? LUIZ~ 0 qué? SUZANA — Normalmente, de costume, 0 Antonio, nessa hora, © Antonio me diz: «Cala a boca, Suzana.» LUIZ. Desculpa, eu nio sabia. «Cala a bea, Suzana Cena 8 A MAE - Isso nao me diz respeito, ‘eu me meto sempre no que no me diz respeito, ex nio mudo, sempre fai asim. Eles querem falar com vocé, tudo isso, mas também eu os conhero, PEE _ OE _— | como € que eu nio saberia? Se nao tivesse ouvido, eu poderia simpicsmente ainda adivinhar, eu adivinharia sozinha, daria no mesmo. Eles querem falar com vocé, cles souberam que vocé voltaria¢ eles acharam que poderiam falar com vocé, tum monte de coisas para te dizer hd muico tempo ¢ finalmente a possibilidade, Files vo querer te explicas, mas vio te explicar mal, porque eles no te conhecem, ou mal. A Suzana néo sabe quem voct é isso nao é conhecer, isso, é imaginas, dla sempre imagina e nio sabe nada da realidade, ele, Anconio, Antonio é diferente, le te conhece mas do jeito dele como conhece tudo e todo mundo, como ele conhece cada coisa ou com ele quer conhecer, se fizendo uma ideia fixa ¢ nao havendo possibilidade de mudanga. Eles vio querer te explicar © & provivel que o fagam, sem jeito, o que eu quero dizer, porque eles vao ter medo do pouco tempo que vvocd dé pra cles, do pouco tempo que voces vio passar juntos cu também, nZo tenho ilusdes, eu também desconfio que vocé néo vai ficar muito tempo por aqui, perto de nds. oct mal tinha chegado, cutevi voc¢ mal tinha chegado e voce jf pensava que tinha cometido um erro e voce quis ir embora na ‘mesma hora, ‘do me diga nada, nao me diga o contririo ~ eles vao ter medo (0 medo, af também) les vao ter medo do pouco tempo e cles serio desajeitados, evai ser tudo mal dito ou dito muito depressa, cde ume forma muito abrupra, 0 que dé no mesmo, e brutalmente ainda, porque eles sio brutos, sempre foram e néo deixario de ser, € duros também, € 0 jeito deles, ¢ vocé nao vai entender, eu sei como isso vai acontecer e como sempre acontecet. Vocé vai responder umas duas ou erés palavras €-vodt ficard calmo como vocé aprendeu a ficar porsi sé - nio fui eu nem teu pai, teu pai menos ainda, rio fomos nés que te ensinamos essa forma tio habil e tio derestavel de ser calmo em todas as citcunstincias, eu no me lembro ou nfo sou responsével - vocé responder apenas umas duas ou trés palavras, ou vocé sorrird, é a mesma coisa, vocé sorriré para eles cles se lembrario, mais tarde PeReeeeerocece CeCe eeeereeceeeceececae * e * ° ° ° ° ° » | ° badl ci 3 | ° 9 | » ° ° > > > 2 > > > * Area bndomenia canta apee a seguis, na seqiiéncia, A noite adormecendo, cles se lembrario apenas desse sorriso, 2 tiica esposta que vo querer guardar de voce, € 6 esse sori que ees vio discutiredisautir de novo, nada vai mudar, bem ao contritio, esse sortiso ters agravado as cosas entre vooés, ‘vai ser como o rastro do desprezo, a pior das feridas. Ela, Suzana, vai fcar triste por causa dessas dias ou trés palavras, por causa destas «apenas duas ou trés palavras» Fancadas as feras, (ou por causa desse sortiso de que fale, por causa desse sorriso, ‘ou dessas «apenas duas ou trés palavras, Antonio vai ser ainda mais duro, e mais brucal. quando ele tiver que filar de voce, ‘ou silencioso ou se recusando a abrita boca, © que seri ainda pior. ‘A Suzana vai querer ir embora, ela talvez jd falou sobre isso, ir para longe e viver uma outra vida (€0 que ela pensa) ‘num outro mundo, essas historias. Nada muito diferente, se nos lembrarmos (cu me lembro) nada muito diferente de vocé, mais novo do que ela nada muito menos complicado. O mesmo abandono. Ele, Antonio, ele queria mais liberdade, néo sei, €a palavra que ele usa quando esti frioso ~ a gente nao acredita vendo ele assim, mas freqiientemente ele é um homem em firia - ele gostaria de poder viver de outra maneira com a sua mulher e seus filhos e nfo dever mais nada outra idéia que ele gosta e que ele repere, nio dever mais nada Aquem, a0 qué? Nao sei, é uma frase que cle diz As vezes, de vez em quando, «nao dever mais nada», Bem, Eu 0 escuto. Tudo isso ¢ nada mais. E & pra vocé que eles querem pedir isso, para vocé que eles parecem querer pedir a autorizagio, 6 uma ideia eetranha evoed se dia que vocé no cntende, que vocé niio deve nada para cles que eles néo te devem nada e que eles podem fazer 0 que cles quiserem das vidas dees, isso, de cerea forma, endo é para te ofendes, para vocd isso tanto far endo ce diz respeito. Talver vo$ nio esteja crrado, ‘muito tempo se passou (toda a histéria vern da), voce munca quis ser esponsével ea gente jamais poderia ve obrigar a scr (Voct se diz talver também, néo sci, eu falo, vocé se diz talver também que cu estou enganada, que eu estou inventando, o ‘Arete ded era tape que eles nio tém nada para te dizer € que o dia vai acabar assim como comegou, sem necessidade, sem importincia, Bem. Talvez,) O que eles querem, 0 que eles queriam, talvez, € que vocé os encorajasse rio foi sempre isso que faltou para eles, que a gente os encoraje?- que vocé os encoraje, que voct os autorize ou que vock os proiba de fazer isto ou aquilo, que vocd diga para eles, que vocé diga para Suzana ~ meso que néo seja verdade, uma mentira, que ‘mal hi nisso? Apenas uma promessa que fuzemos sabendo de anteméo que néo vamos cumprir - que voc’ diga para Suzana para it, is vezes, dass ou ts veres por ano, te visitas, que ela poderé, que cla poderia te visita, se lhe desse vontade, se cla tivesse vontade, que ela poderia ir i onde voce vive agora (nds nao sabemos aonde voct vive). Que cla pode sair cir embora ¢ também voltar € que isso te interessa, no que vocé parece se interessar, mas que isso te interessa, que isso te preocupa. Que voot dé, a ele, a0 Antonio, a sensagdo de que ele nao é mais responsavel por ns, por ela ou por mim | - ele nunca foi, eu sei disso melhor do que ninguém, mas ele sempre achou que fosse ele sempre quis acreditar € sempre foi assim, estes anos todos, cle se sente responsivel por mim ¢ responsavel pela Suzana nada parece tanto um dever na sua vida uma dor também ¢ uma espécie de crime por roubar um papel que nao é0 dele - que voce lhe dé o sentimento, ailusio que voct Ihe dé a iluséo que ele poderd por sua ‘vez, na sua hora, me abandonar ‘cometer uma covardia como essa (a0s olhos dele, tenho certeza que é isso), que ele tctia esse dircito, que ele & capar, Ek nio o fad, Ele vai se construir outros obsticulos ou ele vai se proibir por razées ainda mais secrecas mas ele gostaria tanto de poder imaginar, de ousar immaginat. E um rapaz que imagina téo pouso, isso me faz sofiex. les gostariam os dois que voot estivesse mais por aqui, mais presente, ais vezes presente, que eles possam te encontrar, te telefonas, discutir com vocé ese reconciliar perder o respeito, esse famoso respeito obrigatério para com os irmios mais velhos, ausentes ou estranhos. oct seria um pouco responsével e a e- e e ¥ e oe eo wo ry e meeceeeae ° » » » . 9 » » ® é J a ® s e e s ° e 9 > 2 > > > 2 2 2 2 2 2 > > ° » @ Ago nde made deen tna eles, se tornariam por sua vez, eles teriam o direito e poderiam mesmo abusar disso, eles se tornariam por sua vez, enfim, trapaceiros de verdade. Pequeno sortiso? Apenas was duas ou trés palavras »? LUIZ - Nio. Apenas 0 pequeno sortiso, Eu estava ouvindo. AMAE~E 0 que eu digo. Vocé tem que idade, que idade vocé tem, hoje? LUIZ ~Ew? ‘Vocé esti me perguntande? Eu tenho crinta e quatro anos. AMAE —Trinta e quatro anes. Para mim também, fiz trinta e quatro anos. Eu nem me dou conta: é muito tempo? Cena AMAE —A tarde, sempre foi assim: © almogo dura mais tempo, ‘gente nao tem nada para fazcs, a gente estica as pernas. CATARINA ~ Voot gosaria de um pouco mais de caf SUZANA — Vocé vai ser formal com cle a vida toda, cles véo continuar assim, formais, sempre? ANTONIO ~ Suzana, dls fazem como des quiserein! SUZANA Mas que merda, vocé também! Eu nfo falei com voed, nao estou falarndo com voce, no € com vost que eu estou falando! Ele aio vai largar do meu pé, sempre assim, voce vai ficar no meu pé o tempo todo, eu nao te perguntei nada, © que foi que eu disse? ANTONIO — Eassim que voet fala comigo? Vocé fala comigo assim, nunca te ouvi falar assim. Ela quer apareces, € porque o Luiz estd aqui, é porque voct esté aqui, voed esté aqui ¢ ela quer aparecer, SUZANA ~O queé que isto tem a ver com 0 Luiz, que conversa ¢ essa? Nao é porque o Luiz estd aqui, co que & que voct estd dizendo? Merda, mecda e merdat Compreendicu? Entendeu? Sacow? E tem mais! Vai & merde! AMAE ~ Suzanal Nio deixa eta ir embora, amas que historia ¢ essa? Vocé devia ir acrés delat ei a atta ANTONIO ~ Ela vai voltar. LUIZ ~ Sim, eu gostaria, de um pouco de café, eu gostaria, ANTONIO — «Sim, eu gostatia, de um pouco de café, eu gostatia.» CATARINA ~ Antonio! ANTONIO -O que? LUIZ — Vocé estava zombando de mim, tentando, ANTONIO ~ Todos iguais, vocés sio todos iguais! Suzanat ‘CATARINA ~ Antonio! Aonde voct vai? A MAE - Eles vao volta. Eles voltam sempre. Eu estou contente, eu ndo tinha dito, eu estou contente que nds estejamos todos aqui todos reunidos Aonde voce vai? Lui! Catarina fica sozinha Cena 10 LUIZ No inicio, o que a gente acredita ~ eu acreditei nisso - o que acreditamos sempre, cu imagino, ¢€ trangiilizador, é para ver menos medo, ‘a gente se repete a nés mesmos esta solucdo como para as criangas, que fizemos dormir, © que acreditamos por instantes, ‘o que a gente espera, € que o resto do mundo desaparecerd com a gente, queo resto do mundo poderiacesaparever com a gene, se apagar se devorar ¢ néo mais sobreviver & mim. Partirem todos comigo ¢ me acompanhar ¢ nunca mais volrar Que eu os levee que cu nao esteja sozinho. Em seguida, porém mais tarde ~ 2 ironia voltou, ela me tranqiiliza e me conduz de novo - depois a gente sonha, eu sonhave, agente sonha em ver os outros, o resto das pessoas, depois da nossa morte. és 05 julgaremos. A gente os imagina no enterro, a gente olha para eles, eles nos pertencem agora, a gente 0s observa € n30 gosta mais muito deles, {gostar demais deles nos tornaria tristes © amargos ¢ essa nfo deve ser a regra. A gente os percebe de antemio, a gente se diverte, eu me divertia, a gente os organiza ef e refsz a ondem da vida dees. QRH AAHAEAAAEEHMEHHEEHEHEEES S ° > ® ® s 9 ® ® ® ® ® ® 2 ® ® » ® ® ® ® ° °° ® ® ® ° ° ® ° ° ® ° ° » “ ‘Apo do mind Jani pe A gente se vé também deitado, olhando as nuvens, ‘no sei, como nos livros para criangas, é uma imagem que eu tenho. ‘Que vio fazer de mim quando eu nio estiver mais aqui? A gente gostaria de mandar, de reger, de aproveitar mediocremente da perturbacio deles e conduzi- Jos um pouco mais. A gente gostaria de ouvi-los, eu no 08 ougo, obrigi-los a dizer hesteiras definitivas saber enfim 0 que eles pensam. A gente chora. A gence esté bem. Eu estou bem. As vezes, é como um sobressalto, as veres, eu me agarro mais, me torno odioso, odioso e enraivecido, eu refago as contas, eu me lembro. Eu mordo, as vezes acontece de eu morder. Aquilo que eu tinha perdozdo eu retomo, tum néufrago que mataria seus salvadores, eu enfio a cabega deles no rio, eu descruo vocés sem remorso com ferocidade. Eu xingo. Bu estou na minha cama, é noite, e porque eu tenho medo, nfo saberei adormeces, Eu vorito o édio. Ele me trangiiliza e me extenua ¢ esta exaustio me deixar desaparecer enfim, Amanha, eu estou calmo de novo, lento e pilido, Eu mato voeés, uns depois dos outros, vocés néo sabem e eu sou o tinico sobrevivente, ‘eu morrerei por Gilkimo. Eu sou um assassino € os assassinos nao mortem, seri preciso me abater. ‘Tenho maus pensamentos. Nio gosto de ninguém, nunca gostei de vocés, era mentira, no gosto de ninguém e sou solicit ¢ solitério nfo corro nenhum isco, eu decido tudo, 2 Morte também, ela é minha decisio ¢ momer destrdivoeés ¢ € destrui vooks que ex quero. Morro por despeito, morro por maldade e por mesquinharia, ‘eu me sactifico. Veets sofrerio por mais tempo ¢ muito mais do queeu, «€ cuos verci, eu os perceberei, vou olhar para vocés vou rir de voeés ¢ vou odiar a dor de vocts. Por que é que a Morte deveria me tomar bom? Essa é uma idéia de um sujeito vivo ¢ que se inquieta com as suas possiveis perdigdes. Mau e mediocre, eu tenho apenas minisculos medos ¢ infimas preocupacées, nada pior que isso: © que vocts vio fazer de mim e de todas estas coisas que me pertenciam? Isto néo ¢ bonito mas nao ser bonito me deixaria menos lamencivel. Mais tarde ainda, foi ha alguns meses, eu sumi, Ea visico 0 mundo, eu quero me tomar viajante,etta ‘Tados os moribundos tém estas pretensées, estilhagar a cabesa contra os vidros do quarto, abrir os bragos num grande barer de asas imbecil, crrar,jé perdido e acreditar desaparecer, correr diante da Morte, pretender semeé-la, que ela nunca possa me atingir ou que ela nunca saiba onde me encontrar. La onde eu estava e sempre estive nio escarei mais, cestarei longe, escondido no grande espaco, num. buraco, mentindo para mim e rindo de mim. Eu visito, Eu gosto de ser dilecante, um rapa falsamente frigil que definha e fez poses. Eu sou um estrangeiro, Eu me protejo. Eu me adapto As circunstincias. Devia ter me visto, com 0 meu segredo, nas salas dle espera dos aeroportos, eu era convincente! ‘A Morte proxima e eu, Nos despedindo, nés passcamos, nds caminhamos & noite pelas ruas desersas ligeiramente enevoadas, ¢ nds gostamos miuiro um do ourro, Nés somos elegantes ¢ desenvoleos, ‘n6s somos encantadoramente misteriosos Nés nio deixamos nada transparecer 05 recepcionistas A noite mostram respeito por nds, nbs poderiamos seduzi-los. Eu néo feria nada, eu fazia de conta, eu experimencava a nostalgia. Eu descubro paises, eu os gosto literrios, eu leio livros, eu vejo novamente algumas recordagdes, as vezes fago longos desvios s6 para poder recomesat, em outros dias, sem que eu saiba ou compreenda, me acontecia de querer evitar tudo ¢ nao reconhecer mais nada. ‘Nao acredito em nada. Mas quando numa noite, no cais da estagio (€ uma imagem bastante banal), num quarto de horel, aquele «Hotel d’Anglaterre, Neuchatel, Suicar ou tum outro, «Horel du Roi de Siciler, tanto faz, cou na sala de tris de um restaurante cheio de felizes folides onde eu jantava sozinho na indiferenga e no barulho, vem alguém bater leverente no meu ombro € me diz com um delicado sorriso triste de garoto perdido: «Tudo isto para qué?» este «tudo isto para qué?s rebatedor da Morte ~ ela tinha finalmente me encontrado sem ter me procurado -, ‘este «tudo isto para qué?» me leva para casa, me manda para casa, me encorajando a voltar das minhas confusas e insignificantes evas6es exigindo que de hoje em diante eu pare de brincar. PULUTTCVCTCUCVVYVesTsesae SSeeessesseteese aaa Ss . 2 2 9 . 9 9 9 o 9 9 9 . ° 9 ® 9 ® 9 9 ® » ® ® » ® ® ® » % ® » » » n ‘een de mene dtp Métempo. Atravesto de novo a paisigem em sentido eonttétio. Cada lugar, mesmo 0 mais feio 20 0 mais idiora, ‘cu vou anotar que eu o vejo pela tiltima ver, eu quero guardé-lo. Eu volto e espero. Eu vou ficar trangiiilo agora, eu prometo, nao vou mais cattsar problemas, digno e silencioso, estas palavras que a gente usa. Eu perco. Eu perdi Euarrumo, eu ponho ordem, eu venho aqui fazer uma visita, deixo as coisas nos seus lugares, eu tento terminar, tirar conclusées, estar calmo. eu nio gesticulo mais e pronuncio frases simbélicas cheias de sub-entendidos gratificantes. Eu me delicio, Nada & tio agradével, neste momento, quanto a minha propria angustia, ‘Me acontece também as vezes, «nos iltimos tempos», de sorrir para mim mesmo como que para uma fotografia Futura. Seus dedos percorrem-na evitando sujé-la ou deixar culpéveis marcas, «Ele era exatamente assim» © € to falso, se-vocé refletisse um instante vocé poderia admitir, tho falso, ‘eu estava apenas fingindo que. Cena 11 LUIZ— Eu nao cheguet hoje de manka, cu viaje durante a noite, eu sai ontem & tarde € eu queria chegar mais cedo e mudei de idéia no meio do caminho, eu parei, €o que eu quis dizer, eeu estava na estacio, de madrugada, desde as trés ou quatro horas. stava esperando uma hora decente para vir pra ci. ANTONIO — Por que é que voc# esti me contando isso? Por que é que vocé me diz isso? O que é que eu devo responder, ‘eu devo responder alguma coisa? LUIZ — Nio sei, néo, eu te conto isso, eu quetia que voce soubesse, no tem a menor importincia, eu te conto porque é a verdade ¢ porque eu queria te contar, ANTONIO - Nio comega. LUIZ—O qué? ANTONIO — Vocé sabe. Néo comega, vot vai querer me contar histérias, eu vou me deixar levar, ‘eu te conhego muico bem, vooé vai me contar histirias Vocé escava na estagio, esperando, € pouco a pouco, voce vai me embaralhat. Bem, Vocé visjou essa noite, foi nado bem? Como & que foi? LUIZ — Néo, eu estava te contando isso, no tem a menor importéncia. Sim, foi ado bem. Nao sei, uma viagem um tanto quanto banal, vvocés parecem sempre querer acreditar que eu moro a milhares, a centenas, a milhées de quilémetros daqui. Eu viaje, 9 i Eu nio digo nada se voce nao quer dizer nada, ANTONIO - Nio é esse o problema, cu nio disse nada, cu tc escusu. Neste exaco momento, imediatamente, cu néo te impedia de nada, Sim? Acstag LUIZ — Nao, nada, nada que valha a pena, nada de imporcante, ‘eu estava contando isso, eu pensei que talvez voce ficasse feliz, bem, feliz néo, contente, cu pensei que talvez voot poderia ficar contente por eu te contar, ‘ou por saber, feliz por saber. Eu escava no bar da estacio, no sei a que horas eu cheguei, por volta das pdm tte quatro, talve2, eu estava no bar e esperava, cu estava ld, nao ia vir diretamente pare cé, ausente & tanto tempo ¢ aparecer assim de improviso, nio, eas poderiam se assustas, ou entéo elas nem me abririam a porta imagino muito bem Suzana, ali, exaramence como eu a vejo, cu estou descobrindo cla, imagino muito bem Suzana me reccbendo com wma cspingarda - nao, cu esperava eeu me dizia, cu estava pensando nisso c foi por isso que cu fale’, sio idéias que nos passam pela cabeca ea gemte se diz que mais tarde a gente deverd repetilas (cecomendagées que 2 gente fuz a nés mesmos), cutie disse, eu me fiz a recomendagao entio de te dizer mais. tarde quando eu te visse, ce também, daro, de dizer apenas pra voce, sobretudo, € este o objetivo, esconder isto delss porque elas poderiam ficar bravas, ex me disse que eu te diria que tinha chegado muito mais cedo e que eu tinha andado por ai. ANTONIO - Eisso, ‘exatamente isso, 0 que eu estava dizendo, as hist6rias, € depois 2 gente se embaralha, ecu, ceu tenho que escutar e eu nunca vou saber 0 que éverdade eo que é falso, . 9 9 ® ° ® » ® ® ® ® ® » ® @ » > e ® 2 > 2 ® s 2 2 s ° 2 2 ® 2 ® » ” Iymasofds manda telntacapne aparte de mentira. Vocé é assim, se tem uma cois. (nao, nao é tinical), se tem uma coisa que eu nfo esqueci quando penso em voce , Edisto tudo, extas histrias para nada, histérias, eu nfo entendo nada Vocé nio se dizia nada. Vocé bebia seu café, voce devia beber um café voc’ tinha dor de barriga porque woe? néo fama ¢ lugares como aquele, de manhi cedo, sei disso melhor do que voc, lugares como aquele fedem a cigarro ¢ do vontade de vomitar, ‘com aquela Fumaga que vem de cima e que te dé dor de cabesa e dor nos olhos. Vocé lia 0 jornal, vocé deve ter se tornado esse tipo de homem que 18.05 jornais, os jomais que eu nunca leio ~ As vezes, sentados na minha frente, eu vejo estes homens que Idem esses jornais e eu penso em voce eu me digo, estes devem ser os jomais que o meu irmio It, ele deve ser parecido com estes homens, ¢ eu tento ler a0 contritio e daf eu logo desisto eeu nio estou nem ai, eu figo 0 que eu quero! ~ voce tentava lero jornal porque, no domingo de manhi, no bar da estagéo, ‘voce tem todos os rapazes que foram se divertir « fazem barulho © eles continuam se divertindo voc, no seu canto, ‘io consegue sequer les, e concentrar na sua keinar ea famaga dos cigarros te dé apenas vontade de ir embora, Enisso que voct pensa, 56 nisso. Voct lamentava, ‘voc! lamenta ter feito essa viagem, no, vocé ndo laments, voce nem sabe porque veio, voe€ nao sabe a razi0, eu também néo, eu nao sei porque voc’ velo eninguém entende, € vocé quer lamentar que nés nao sabemos, porque se nés soubéssemos, se cu soubesse, as coisas seriam mais Ficeis para vocé, menos longas € vocé jé teria se livrado dessa chatice. Voeé veio porque vod decidiu, isso te dew na telha um dia, aidéia, apenas uma idk Como € que voce disse? Uma «recomendagion que vooé se fex asi mesmo, a voot mesmo? merda, ‘ou entio, depois de varios anos, serd que eu sei, como é que eu poderia saber? talvez desde o primeiro dia, logo depos de ir embora, no rem, ou logo no ca seguinte, imediaramence depois ~ sempre foi assim lamentando tudo 0 contcirio também - agora depois de varios anos, voot se disse, voc! ngo parava de se repeti, voce se dizia que vocé deveria um dia desses nos visitar, 1nos ver, nos rever, “ a dr bi ae € dai, de repente, vocé se decidiu, nao s ‘Vocé acha que isso € importante para mim? Vocé se engana, néo é importante para mim, no pode mais ser. Vocé nio se dizia nada, cu sci, eu te conhego. Vocé nao se dizia nada, voo® nio pensava que voce me ditia alguma coisa, que vocé diria © que quer que fosse, sto besteiras, voot inventa. Foi agora, hd pouco, vocé me viu, € voc’ inventou tudo isso para falar comigo. Vocé nao se dizia nada porque vocé no me conhece, ‘voc’ acha que me conhece, mas voat no me conhece, oct me conheceria porque eu sou seu irmaoz Isso também sto besteiras, Yoc# nto me conhece mais, faz muito tempo que vvocé nao me conhece mais, voc’ nao sabe quem eu sou, vocé nunca soube, no € culpa sua e também nao é minha, eu também, eu nio te conhego (mas eu nio tenho essa pretensio), a gente no se conhece ¢ gente nao imagina que died isto ou aquilo a alguém que a gente no conhece. © que queremos dizer a alguém que imaginamos, io coisas que imaginamos também, histSrias e nada mais, © qué voce quer, 0 que voc? queria, vYocé me viu € nao sabe como chegar em mim, «como lidar comigor vocés sempre dizem isso, «ndo sabemnos como lidar com ele», ¢ ainda, eu os ougo «é preciso saber lidar com ele», € como a gente fala de um homem mau ¢ bruco - voce queria se chegar e veio com essa, | ‘vocé comega a conversa, vocé faz isso muito bem, € um método, é apenas uma técnica para confundir e aniquilar as bestas, | mas eu, eu ndo quero, nao tenho vontade. Por que voct estd aqui, eu no quero saber, ‘vocé tem esse direito, s6 isso e mais nada, de nao estar aqui, vocé tem o direito também, eu também tenho. ‘Aqui, de certa forma, €a sua casa ¢ voct pode estar aqui sempre que quiser e mais, vocé também. pode ir embora, ‘vocé tem sempre o direito, isso nfo me diz respeito. Nem tudo é excepcional na sua vida, na sua vidinha, é uma vidinha também, eu néo tenho que ter medo disso, nem tudo excepcional, ‘voc’ pode tentar tomar tudo excepcional, mas nem tudo & LUIZ ~ Aonde vocé vai? ANTONIO - Eu nio quero estar aqui Agora voed vai me falar, @eeeeeeeeneeeeeceeeeceeceeegqeceeege / Rall . 2 ® 2 ® ® 9 ® e s ® o o e es 9 e 9 @ e 9 ® 9s 2 2 2 9 ® eo ° ® > » 9 a Joma de mide elntaclaane vvocé vai querer me falar eu vou ter que escurar ¢ néo tenho vontade de escurar. Ea néo quero, Eu tenho medo. Voces tein sempre que me contar tudo, sempre, 0 tempo todo, desde sempre yoots filam comigo eeu tenho que escurar vocts, 4s pessoas que nunca dizem nada, a genteacha apenas que eles querem ouvir, ‘mas muitas vezes, vooe nem sabe, ‘cu me caleva para dar 0 exemplo. Catarina! INTERMEDIO Cena LUIZ —E como a noite em pleno dia, néo vemos nada, et ovco apenas os barulhos, eu escuto, eu estou perdido e néo encontro ninguém., AMAE — O que foi que vor’ diss Eu nfo ouvi, reper, aonde vocé esti? Luis! Cena2 SUZANA - Voct c cu. ANTONIO ~ 0 que vooé quisct. SUZANA ~ Eu te ouvia, voeé estava griaando, no, cu achei que voct estava gritando, ‘eu achava que te ouvia, eu te procurava, vocés estavam brigando, vocés se reeacontraram. ANTONIO ~ Eu fiquei nervoso, nés ficamos nervosos, rio imagine que fosse ser assim, mas «de costusner, nos outros dias, ‘ngs no somos assim, 1nés nao éramos assim, acho que ni. " ‘pen in de and Ja age SUZANA— Nem sempre asim. Nos outros dias, nés vamos cada um para o seu lado, 1 gente nem se esbarra. ANTONIO — Nés nos entendemos. SUZANA ~ Eo amor. Cena LUIZ ~E depois, no meu sonho ainda, todos os cémodos da casa ficavam Jonge uns dos ‘outros, ‘eeu nunca conseguia chegar neles, era preciso caminhar durante horas ¢ eu nio reconhecia nada, Vou da mée: Li LUIZ —E para néo ter medo, como quando eu caminho durante a noite, eu sou crianca, ct tenho agora que volear depressa, ‘eu me repito isto, ou entéo eu canto para ouvir apenas 0 som da minha voz, © apenas isso, cu canto que de agora em di © pior de tudo «sci muico bem, o pior de tudo seria cu estar apaixonado, © pior de tudo seria eu querer esperar um pouco, © pior de tudo...» Cona 4 SUZANA - O que eu nio entendo. ANTONIO — Eu também nto. SUZANA — Voeé ri? Eu nunca te vejo rit. ANTONIO - 0 que nés nfo entencemos. Vex de Catarina: Antonio! SUZANA, gritando, — Sim? O queeu nio entendo nem nunca entendi. ANTONIO -E ¢ pouco provivel que eu niio entenda um dia SUZANA~ Que eu entenda um dia Voz da mite: Lui SUZANA, gritando, ~ Sim? Estamos aquil ANTONIO — O que voct nio entende... MHOTHCSCHCECCECLELETHELECECEECHEE THE Heees Sal ° > » » » ® » 9 ® ® » > 2 a e 2 ® 9 ® 2 ® » s ° ® » ® ® . 2 ® 2 » » 2 Agen fin mand ea ap SUZANA — Nao era assim tao longe, ele podia tex vvindo nos visicar mais vezes, ¢ também nao € nada tio trigico, sem dramas, traigdes, €'ss0 que eu nio entendo, ‘ou nao posso entender. ANTONIO - «Assim» Nio ha outra explicagao, nada mais, Foi sempre assim, desejavel, no sei se a gente pode chamar desse jeito, desejivel ¢ longinquo, discante, nada se presta melhor para esta situacéo. ‘Ter ido embora e nunca ter sentido falta oua simples necessidade. Cena 5 CATARINA — Onde é que eles esto? LUIZ - Quem? CATARINA —Fles, os outros. Nio ougo mais ninguém, vocés estavam discutindo, vocé eo Antonio, 41 no estou enganada, 2 gente tava ouvindo 0 Antonio se irritar ¢ agora é como se todo mundo tivesse ido embora € como se nds estivéssemor perdidos. LUIZ - Eu nio sei. Eles devem estar por ai. CATARINA ~ Onde é que voce vai? Antonio! Vor de Suzana: Sim? Cena 6 SUZANA-E que eu seja iufeliz? ‘Que eu possa ser triste ¢ infeliz? ANTONIO ~ Mas vocé nao ¢ e nem nunca foi. E ele, o Homem infeliz, esse que nic te via mais durante todos esses anos. Voc® acha hoje que voct foi infeliz mas vorés si0 iguais, vocé e ele, een também sou como vacés, voce apenas decidiu que vocé era, que vocé devia ser e voce quis acteditar nisso. Vocé queria ser infeliz porque ele estava longe, mas nao é a raza0, nao é uma boa raz voce néo pode dizer que ele € responsivel, no é mesmo uma razao, é apenas uma fachada, Cena 7 A MAE ~ Eu estava procurando voeés. CATARINA — Bu nao sai daqui, eu nao tinha couvido a senhora. AMAE—Erao Luiz, eu escutava, era o Luis? CATARINA ~ Ele foi por ali AMAE - Luiz) Vor: de Suzana: Sim? Estamos aquit Cena 8 SUZANA ~ Por que & que vocé nunce ~esponde quando 2 gence te chama? Ela te chamou, a Catarina te chamou, e as vezes, | ns também, nés também te chamamos, mas vocé nunca responde e dai é preciso te procurar, a gente tem que te procurar. ANTONIO ~ Vocés me encontram sempre, eu nunca fico perdido por muito tempo, rio me lembro que vooés tenham algum dia sno fim das contes» que vocés tenham algun dia, definicivamente, me perdido, Logo ali, pertinho, podem me agarrar com a méo. SUZANA — Vocé pode tentar me deixar mais tiste ainda, ou mé, 0 que dé no mesmo, nao adianta. ‘Vooé tambéin tem os scus truquezinhos, ea 0s conhego, voc# acha que eu néo os conheco? ANTONIO - Era o que eu estava dizendo: «reencontradon, SUZANA-O qué? Nao entendi, é ridiculo o que voc’ disse, 0 que é que voct disse? Volta! ANTONIO ~ Cala 2 boca, Suzana! Ela ri, ali, completamente sozinha Cena 9 AMAE = Luiz. Vocé nao estava me ouvindo? Eu estava te chamando. LUIZ — Eu estava aqui. O que foi? AMAE -Nao sei. Nio foi nada, achei que vocé tivesse ido embora. ae ® 9 9 LJ » 9 9 9 ® e ® 9 ° ® ® ® ® a 9 ® ® ° ® ° ® 2 2 2 ° a 2 » ° » “ Spa of da med deface SEGUNDA PARTE Cena I LUIZ—E mais tarde, lé pelo firn do dia, é exatamente assim quando penso nisso, que cu tinha imaginado as coisas, 1 pelo fim do dia, sem ter dito nada do que estava mim ~ €apenas uma idéia, mas nao é possivel - sem nunca ter ousido provocar todo esse softimento, eu tomel outra vez meu caminho, eu pedi que me acompanhassem 2 estario, que me deixem partic. Eu promero que no vai mais se passar tanto tempo antes de eu volear, cu digo mestinas, cu prometo estar aqui, de novo, em breve, frases assim. Nas semanas, nos meses talvez, que se seguem, cu telefono, eu dou noxicia, ct ougo 0 que me contam, Fico algum esforgo, cu tenho 0 coracio cheio de boa vontade, ‘mas foi mesmo 2 ikima vez, €0 que eu me digo sem deixar que percebam. Ela, cla me acaricia uma tinica vez 0 rosto, Jentamente, como para me explicar que ela me perdoa nao sei bem quais crimes, € estes crimes que eu desconheso, eu os lamento, eu sinto remorses. © Antonio esté na beirada da porta, cle chacoalha as chaves do carro, le diz varias vezes que ele nfo quer de maneira alguma me apressar, que cle nio descja que eu va embora, que nio esti de forma alguma me enxorando, mas que esti na hora de partis, e mesmo que tudo isso seja verdade, le parcee querer me empurrar, €a imagem que le me passa, € aidéia que eu levo. Ele no me impede, ¢ sem lhe dizer, eu ouso acusd-lo. E disso que cu me vingp. (Um dia, eu me concedi todos os direitos) Cena 2 ANTONIO - Eu 0 acompanho, ex te acompanho, ‘o quends podemos fazer, 0 que a gente poderia fazer, assim seria mais pritico, co quea gente pode fazer, é te acompanhar, te acompanhar indo pra casa, na mesma diregio, fica no caminho, s6 temos que fazer um pequeno desvio, ete acompanhamos, a gente te deixa ld SUZANA — Eu também posso muito bem, vyocts ficam aqui, nds jantamos todos juncos, eu levo ele, sou eu que levo ele, © eu volto em seguida Melhor ainda, mas nunca me ouvem, € ja esti tudo decidido, melhor ainda, ele janta conosco, voce pode jantar conosco = nao sei por que eu me dou 20 traballad - cle pega outro trem, © que qué tem? Melhor ainda, estou vendo que no adianea nada Diz alguma coisa. A MAE ~ Bles fazer como bem entenderem. LUIZ— Melhor ainda, eu durmo aqui, passo a noite aqui, s6 vou embora amanh: melhor ainda, eu almoco amanha aqui em casa, melhor ainda, eu nao trabalho nunca mais, deixo tudo pra la, eu caso com a minha irma, vivernos muito felizes. ANTONIO ~ Suzana, eu disse que eu 0 acompanhava, cla é impossivel, std tudo resolvido e ela quer mudar tudo de novo, voce ¢ impossivel, cle quer ir embora esta noite e vocé, voce repete sempre as mesmas coisas, cle quer ir embora, ele vai embora, 0 acompanho, deixamos ele li, fica no nosso ‘hao é incSmodo nenhum. LUIZ — Juntamos o titil 20 agradavel. ANTONIO — isso mesmo, pronto, exatamente, como é que se diz? «eoatamos dois coethes numa czjadada sé». ‘SUZANA— Como voct pode ser tio desagradével, eu nio entendo, voce & desagradivel, vocé esti vendo como voce fala com ele, voce & desagradivel, éinacredirével. ANTONIO~ Bu? Isso & comigo? Fu sou desagradavel? SUZANA — Vocé nem se dé conta, vocé é desagradavel, é inacreditavel, vocé nao se escuta, se voce se ouvisse.. ANTONIO - © que é que é isto agora? Hoje ela esté impossivel, era o que eu dizia, eu no sei o que é que ela tem contra mim, ‘eu nao sei o que é que voce tem contra mim, vocé esta diferente, Se é 0 Luiz, a presenca do Luiz, CCSSECeSCSSSCCeseeseseseseseesesesesesesegas & | 3 9 2 2 > ° e 9 a ® 2 a e @ @ @ @ ® @ e ® ® e ® ® 9 e ® e 2» ® » » » * Jean de daca Le ndo sei, estou tentando entender, se éo Luiz, Cararina, eu nio sei, eu nao disse nada, talvez seja eu que nio entenda mais nada, ‘Catarina, me ajuda, cu nfo disse nada, estamos resolvendo a ida do Luiz, ele quer ir embors, uo acompanho, eu disse que a gente 0 acompanhava, ndo disse mais nada, ‘co que que eu disse a mais? Eu nfo disse nada de desagraddvel, por que ¢ que eu diria alguma coisa desagradével, ‘0 que ¢ que isto tem de desagradével, tem alguma coisa de desagradavel no que eu disse? Luiz! O que ¢ que vocé acha, eu disse alguna coisa de desagradvel? Nio me olhem todos assim! CATARINA ~Ela nfo te disse nada de mel, vocé esté sendo um pouco brusco, ninguém pode tedizer nada, vocé néo se dé conta, 4s vezes yoo’ € um pouco brusco, cla queria apenas que vocé percebesse. ANTONIO — Eu sou um pouco brusco? Por que é que vocé diz isso? Nio. Eu nfo sou brusco. Vocts sio tertiveis comigo, todos, LUIZ — Nio, ele nao foi brusco, eu nio entendo 0 que vocés querem dizer com isso. ANTONIO — Ah, pra vocé esté tudo bem, «a Bondade em pessoas! CATARINA ~ Antonio. ANTONIO... Eu nao tenho nada, nao me tocs! Facam como vocts quiserem, eu nio queria nada de mal, na queria fazer nada de mal, eu sempre tenho que fazer mal, eu estava apenas dizendo, isso me parecia bem, o que eu queria dizer apenas = voce também, no me toca! - eu nto disse nada de mal, eu s6 estava dizendo que a gente podia acompanhé-lo, e agora, vocés estio todos me olhando como se eu fosse uma alma do outro mundo, nnio havia maldade nenhuma no que eu disse, nao estd certo, ndo € justo, ndo esti certo que voces ‘ousem pensar isso, parem de me tatar sempre como um imbecil ele faz.como ele quises, eu. ndo quero mais nad, cu queria ser titil, mas me enganei, ele diz. que quer ir embora e a culpa vai ser minha, a culpa vai ser minha, isso ndo pode ser sempre assim, nio € uma coisa justa, io podem ter sempre razo contra mir, spn ode mune ace nio é postive, cu dizia apenas, cu s6 queria dizer € nio era com mé intengio, cu dizia apenas, eu s6 queria dizer. LUIZ — Nao chora, ANTONIO ~ Se vocd me tocar: eu te mato, A MAE - Deixe-o, Luiz, diva cle agora CATARINA — Eu gostaria que vocé fosse embora Eu pego que me desculpe, eu nao tenho nada contra voeg, mas vocé deveria ir embora, LUIZ ~ Eu também acho. SUZANA ~ Antonio, olha para mim, Antonio, eu nao queria te magoar. ANTONIO ~ Eu nfo tenho nads, eu sinto muito, eu estou cansado, nem sei mais porqué, eu esrou sempre cansado, hd muico tempo, é 0 que eu acho, eu me tornei um homem cansado, nfo é 0 trabalho, quando a gente esta cansado, a gente acha que é0 trabalho, ou as preocupagées, 0 dinheito, ei li, eu estou cansado, no consigo explicar, hoje, eu nunca estive tio cansado em toda a minha vida. ‘Nio queria ser agressivo, com € que voc’ disse? dbrusco», eu nfo queria ser brusco, eu no sou um homem brusco, nao é verdade, so voeés que imaginam isso, vocés no olham para mim, vocés dizem que eu sou brusco, mas no sou e nunca fai, vocé disse isso € foi como se de repente com voce ecom todo mundo tudo bem agora, eu sinto muito, mas agora eu jé estou bem, foi de repente como se com vocé, em relagio a vocé, e com todo mundo, com Suzana também com as criangas também, eu fosse brusco, como se me acusassem de ser um homem mau mas nao é uma coisa justa, nnio esti certo. Quando nés éramos mais novos, eu € ele, Luiz, voot deve se lembrar, eve cele, come ela disse, a gente sempre se batia era sempre eu que ganhava, sempre, porque cu sou mais forte, porque eu era maior do que ele, talvez, ndo sei, (ou porque esse af > @eeeeeeeeeecceeeaccecsesceecceseeese e o 9 9 9 9 9 9 9 3 e 9 Qo eo @ e Q e e 9 e o eo 9 e 9 2 @ e e ® ® » > ® ” ent onde md de nape é certamente 0 mais correro (eu acabei de pensar nso, ness eto momento, me veio agora na cabeca) porque esse af se deixava bater, perdia de propésito e era sempre o coitadinho, no sei, hoje isso tanto faz pra mim, ‘mas eu nio era brusco, nessa idade eu também no era brusco, eu 26 tinha que me defender, cudo isso, era s6 para me defender. Nao podem me acusar. Nao diga para ele ir embora, ele faz.0 quises, cambém é a casa dele, ele tem o direito, néo Ihe diga nada, Eu estou bem, Ewea Suzana, do é muico espero (me dé yontade de ris, ri comigo, me dé vonade de ris, rio fica assim, Suzana? Eu nio ia bater nele, ndo precisa ter medo, acabou) no muito esperto, cu ¢ a Suzana, nbs deviamos «star sempre juntos, no devlamos nunca nos separar, ‘como € que se diz, se dar as maos? unir forgas, dois néo é muito contra esse af, voct néo parece se dar conta disso, é preciso ser pelo menos dois contra esse al, cu digo isto e me da vontade de rir, Hoje, durante todo o dia, voot esteve do lado dele, vocé nao o conhece, ele nao é ma pessoa, nao no € isso que estou dizendo, mas de qualquer forma voce ndo tem razdo, porque ele nao é roralmente bom, também, voce se engana € nio € muito esperto, €, € isso, no € muito esperto por besteira, vocé ficar contra mim. A MAE - Ninguém estd contra voré ANTONIO ~ Claro. Com certeza. £ possivel. Cena 3 SUZANA ~E depois entéo, um pouco mais tarde. A MAE - Nés quase nao nos mexemos mais, estamos as trés, como que ausentes, a gente olhr para eles, a gente ve cala, ANTONIO - Voct diz que a gente néo te ama, cu tc ougo dizer isso, cu sempre tc ouvi, eu nio me lembro de nenhum momento da minha vida em que voct néo tenha dito isso, hum momento ou outro, to longe quanto cu possa voltar atrés, eu me lembro que vot sempre acabava dizendo isso, asa mancira de condluiras coiss se voc’ ¢ amcado cu me lembro sempre de vocé dizendo isso que a en made ea agen gente nao te ama, que nés nao te amévamos, que ninguém, nunca, te amou, ce que é disso que voce sofre. Voce ¢ crianga, ¢ eu ougo voek dizer isso cu acho, ndo sei por que, sem que eu possa ex sem que eu entenda realmente, eu acho, no entanto eu nao tenho nenhuma prova ‘que cu quero dizer e vocé nao poderia negar se vou’ quisesse se lembrar comigo, que eu quero ce dizer, nico faltava nada pra voc’ e vocé nao passou por nada que se possa chamar de infelicidade. Mesimo a injustiga de ser feio ou de ser desgragado eas humithagées que isso provoca, vocé nao as conheceu ¢ voot foi protegido - eu penso, cu pensava, aque talvea, sem que no entanto eu entenda (como uma coisa que me ultrapassava), que talvez voet nie estivesse errado, € que, de fato, os outros, os nossos pais, eu, 0 resto do mundo, 1nés no éamos bons com voct ends te faziamos mal. Vosé me persuadia, eu eseava convencido de que te faltava amor. Eu acreditava em vocé e eu tinha pena de vocé, e este medo que eu sentia é mais uma ver, éde medo que se trata - ‘sce medo que eu tinha que ninguém nunca amasse voct, este medo, por sua vez, me deizava infeliz também, como sempre 0s irmios mais novos se sentem na obtigagéo de serem, por imitacio e preocupasio, infelizes por sua vez, mas também culpado, culpado também por néo ser tio infeliz, de fazer esforgo para ser, culpado por nio acreditar nisso em siléncio, As vezes, eu ¢ eles, eles of dois, os nossos pais, eles falavam sobre isso e mesmo na minha frente, como ousamos evocar um segredo pelo qual eu devia ser também responsabilizado. Nés pensivamos, e muita gente, hoje eu acho isso, muita gente, homens ¢ mulheres, esses com quem vocé deve viver desde que vocé nos deixou, ‘muita gente deve com certeza pensar isso também, nds pensévamos que vocé nao estava errado, que para repetir tantas vezes, gritando tanto como tum insulto, devia ser verdade, nés pensévamos que, de fato, nés ndo amavamos vocé o suficiente, ‘ou que pelo menos, que néo sabfamos demonstrat (e nao saber demonstrar é 2 mesma coisa, ndo te dizer suficientemente que amavamos vocé, deve sera mesma coisa que nao te amar o suficiente). ‘Nao diziamos assim com tanta facilidade, gevseeeseeseve SSSSISSHPSSSVIVVIVIVIIA ™ ‘Aocms tmdo manda nunca nada aqui ¢ dico com facilidade, nfo, 2 gente no o confessava, ‘mas por certas palavras, certos gestos, os mais discretos, os menos explicitas, por certas gentilezas ~ mais uma expresso que vai te fazer agora nao me importa nem um pouco se sou rid{culo ou nto, voce nem imagina - por certas gentilezas em relagio a vot, rds nos dévamos ordens uns a0s outros, maneiza de dizer, para que se cuicesse melhor € com maior freqiiéncia de voe’, quese desse mais atengio a voce, € nos encorajévamos muruamente para dar a voot a prova de que te amavamos muito mais do que voce poderia imaginar. Eu cedia Tinha que ceder. Sempre, cu tive que ceder. Hoje, nao é nada, nio foi nada, séo coisas {ifimas € eu, também, nfo podia pretender, por minha vez, isso sim seria engracado, sentir uma infelicidade insuperével, ‘mas cu guardo isto sobretudo na meméria: ‘eu cedia, eu te abandonava inteiramente, eu devia ‘tentar ser, esta palavza que me repetiam, eu devia tentar ser wrazodvels, Eu devia fizer menos barulho, te dar o lugar, no ‘te contrariar edesfrutar do espetdculo trangiilizador da sua sobrevivéncia ligeiramente prolongada, Nés nos vigiévamos, a gente se vigiava, nés nos tornavamos responsiveis por esta cl infelicidade. Porque soda a sua infelicidade nunca foi mais do que uma al infelicidade, voc# sabe disso to bem quanto eu, elas também saber, « hoje todo mundo reconhece esse jogo muito ber {esses com quem vooé vive, os homens, as mulheres, ‘oo! no vai me fier acreditar do contro, devem ter descoberto a fraude, cu tenho certezt de que eu no me engano), toda a sua tal infelicidade é apenas uma mancira que vocé tem, que voce sempre teve ¢ que voc’ terd sempre, porque vocé queri vocé néo saberia mai: er disso, voed estd colado a este papel, que vost tem e que voe’ sempre teve de fingit de se proteger e de fugir. Nada em voc$ nunca é atingido, foram precisos anos, ealvez, para que eu percebesse, mas nada em vocé nunca ¢ atingido, ‘vocé nfo sente dor, ~se te doesse, voce nio ditia, eu aprendi isso sozinho e toda a sua infelicidade ¢ apenas uma maneira de responder, uma maneira que voc? tem de responder, de estar aqui na frente dos outros ¢ de no deixi. Jos entrar. va rea fin a mand dance E a sua maneira de ser, 0 seu jeito, a infelicidade estampada na cara como os outras tem um ar de cretinos satisfeitos, voc€ escolheu isso e isco te serviu e voce 0 conservou. E nés, nés nos fizemos mal também, nés nao tinhamas nada a nos reprovar ‘e86 podiam ser os outros que te prejudicavam e nos tornavam responsiveis a todos nés juntos, eu, eles, © pouco a pouco, a culpa era minha, #6 podia ser minha culpa. Deviam gostar muito de mim j& que néo gostavam o suficiente de vocé e entio quiseram me tirar aquilo que nao me davam, ¢ nao me deram mais nada, ecu ficava ali, cheio de bondade sem interesse sem nunca poder me queixar, sorrindo, brincando, sutisfeito, realizado, isso, esta €a palavra, realizado, enquanto que vocé, inexplicavelmente, transpirava sempre a infelicidade dda qual nada nem ninguém, apesar de todos estes csforcns, poderia te distrair e ce salvaz: E quando vocé foi embora, quando vocé nos deixou, quando voct nos zbandonou, ‘eu nem sei mais qual palavra definitiva vocé nos ativou na cara, eu devo ter sido mais uma vez 0 responsivel, ficar em siléncio e admitir a fatalidade, ¢ ter pena de vocé, me preocupar com vocé & distancia ce nunca mais ousar dizer uma dinica palavra contra voct, nem sequer ousar pensar uma tinica palavra contra voce, ficar aqui, como um pater ce esperando, Eu, eu sou a pessoa mais feliz da face da terra, nunca me acontece nada, € agora me zcontece uma coisa que ct no posso me queixar, jd que, wde coscume», nunca me acontece nada. Nao é numa tinica vez, numa ‘inica vezinha, que eu posso covardemente me aproveitar. Eas pequenas vezes, que foram tantas, estas pequenas vezes em que eu podia ter me deitado no chi € nunca mais me mexer, em que eu teria gostado de ficar no escuro ¢ nunca mais respondes, estas pequenas vezes, cu as acumulei tenho centenas na minha cabega, nunca era nada, no fim das contas, 0 que é que erat eu néo podia falar sobre isso, cu nfo saberia explicar € eu ndo posso protescar nada, é como se nunca tivesse me acontecido nada. Eé verdade, nunca me aconteceu nada ¢ eu néo posto achar 0 contritio. ‘Voc# esté aqui, na minha frente, cu sabia que voc? ia ficar assim, me acusando sem palavras, ‘ SRAOGTECHEHEEKEEEEHEECECECEECHEHCHE SHH HOH / 1a gna fm da mde clo Lee com pé na minha frente me acusando sem palavras, ‘€cu tenho pena de vocé, eu sinto piedade por voce, é uma palavra antiga, mas eu sinto piedade por voce, ¢ medo também, e preocupagio, ccapesar de toda essa raiva, eu espero que nio te acontega nada de mal, © eu jd estou me censurando (vocé ainda nem foi embora) pelo mal que eu estou te fazendo hoje, Vocd cstd aqui, vocé me oprime, a gente néo agiienta mais, voce me oprime, vocé nos oprime, eu tevejo, eu tenho ainda mais medo por voce agora do que quando eu era crianga, ecu acho que cu néo posso censurar nada & minha prépria existéncia, que ela é trangiila e doce € que eu sou um pobre imbecil que jé esté se censurando por ter tentado se lamentas, enquanto que voct, silencioso, ah tio silencioso, bom, repleto de bondade, ‘voct espera, retorcido na sua infinita dor interior, cujo inicio do inicio eu nio poderia sequer imaginar, Eu nfo sou nada, eu nfo tenho o diteito, € quando voe8 nos deixar outra ver, quando voce me deixar, eu serei menos ainda, éstarei aqui me censurando as frases que eu disse, tentando lembré-las com exatidio, ‘ou menos ainda, apenas com © ressentimento, ‘6 ressentimento contra mim mesmo. Luiz? LUIZ -Sim? ANTONIO ~ Acabei. Nao vou dizer mais nada, $é 0s imbecis ou aqueles tomados pelo medo, poderiam rir. LUIZ — Eu nfo 0s ouvi. 9 06 SS S595090050008 FSH DVD DHDIIVDIIDII 104 sp of de mdash Lape EP{LOGO LUIZ — Depois, 0 que eu fago, eu vou embora. Ea nio volto nunca mais. Eu morro alguns meses mais tarde, um ano no maximo. ‘Uma coisa da qual eu me lembro e que eu vou contar ainda (depois eu vou ter acabado): Enno verao, durante estes anas em que estive ausente, foi no sul da Franca. Porqute eu me perdi, 4 noite, numa montanha, cu decido caminhar 2o longo da estrada de ferro. Ela me evitard os meandros do caminho, o trajeto seré mais curto ¢ eu sei que ela passa perto da casa onde eu moro. Annoite, nenhum trem circul, nfo corro nenhum rico ¢ seria assim que eu me encontraria ‘Num certo momento, eu estou na entrada de um imenso viaduto, ele domina o vale que eu vislumbro sob 2 luz da Ina, cu caminho sozinho pela noite, & mesma distincia do céu e da terra. O queeu penso (cera isso que eu queria dizer) € que cu devia soltar um grande e belo grito, tum grito longo e feliz que ressoaria pelo vale inteio, que eta essa felicidade que eu deveria me oferecer, berrar de uma vez por todas, ‘mas cu ndo fago, no fiz, Eu retomo o caminho com apenas o barulho dos meus passos sobre 0 cascalho. So esquecimentos como este que ett vou lamentat. Julho 1990 Berlim. O texto Apenas o fim do mundo ganhou Sua primeira montagem no Brasil em 2006, realizada pela Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba, com diregio de Marcio Abreu e no clenco: Ranieri Gonzalez (Luiz), Simone Spoladore (Suzana), Christiane de Macedo (A Mac), Giovana Soar (Catarina) ¢ Rodrigo Ferrarini (Antonio).

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