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LUCIFUGE ROFOCALE – O Código da Sombra

por Luís Gonçalves

NOTA INTRODUTÓRIA:

Este artigo nasceu de um trabalho anterior no qual me centrei nas diferenças entre dois
espíritos da demonologia tradicional: Lucifuge Rofocale, o "espírito dos pactos" que figura
de forma proeminente no Grand Grimoire, e Focalor, o 41º espírito da Goetia. À medida que
o escrevia foi$se tornando claro que vários outros assuntos deveriam ser discutidos, e então
eu decidi expandir o trabalho anterior para outro bem mais completo sobre Lucifuge
Rofocale, contendo também algum material original. A intenção não é apenas partilhar
informação, mas também trazer novas perspectivas que possam ser úteis a certos estudos de
demonologia e simbologia, e fornecer ferramentas novas a quem as saiba usar com
prudência, inteligência e responsabilidade.

É importante salientar, no entanto, que este texto não deve ser encarado como um estudo
puramente académico de uma figura clássica da demonologia ocidental (embora contenha
partes que podem incluídas nesse campo), mas antes uma análise de Lucifuge Rofocale,
incluindo muitas investigações, descobertas e intuições relacionadas com a mesma entidade, com base
na minha própria experiência e em muita coisa que eu aprendi através de outros. Trata$se portanto
de um estudo pessoal, que pode – e deve – ser aprofundado e ampliado por todos aqueles
que vejam neste texto uma ferramenta de estudo (ou trabalho) válida.

***

ÍNDICE:

• O Início
• Parte I – "O Nome"
• Parte II – "A Imagem"
• Parte III – "O Reflexo"
• Parte IV – Anexos
Anexo 1 – Lucifuge Rofocale noutros grimórios?
Anexo 2 – Tabela dos Espíritos
Anexo 3 – "Bem e Mal": Ou será assim mesmo?
Anexo 4 – Galeria de Lucifuge

• Agradecimentos e Dedicatória

***
O INÍCIO:

Há quase duas décadas, eu estava numa livraria a ler partes d'O Livro de Magia Cerimonial de
Arthur E. Waite, quando parei de folhear o livro numa página que continha uma
representação algo tosca de um Espírito que eu nunca tinha visto antes:

LUCIFUGE ROFOCALE

A minha atenção foi imediatamente dirigida para esta imagem, por pelo menos duas razões.
No instante em que vi esta imagem, eu reparei como o Espírito parecia combinar partes de
outras imagens semelhantes que eu tinha visto antes: o "Bode Sabático" Baphomet de
Eliphas Lévi, o deus grego Pan, o Puck ou "Robin Goodfellow" do folclore inglês, ou uma
conjunção bizarra das duas cartas "O Louco" e "O Diabo" do Tarot. A outra razão pela qual
eu me senti impelido de estudar melhor isto foi o Nome do Espírito, por razões que serão
explicadas de seguida. No entanto, antes de entrarmos em maiores detalhes, torna$se
necessário antes explicar "quem" ou "o que" é Lucifuge Rofocale, de acordo com as fontes
tradicionais disponíveis, de forma a dar ao leitor um contexto correcto para este estudo.

***

O PRIMEIRO&MINISTRO DO INFERNO

O espírito Lucifuge Rofocale é de especial interesse porque existe apenas UMA fonte na qual
ele aparece: O Verdadeiro Dragão Vermelho, também conhecido como Grand Grimoire. Neste
grimório é dito que Lucifuge Rofocale é um de seis espíritos inferiores sob as ordens dos três
Superiores: Lúcifer, Beelzebuth, e Astaroth(1) (2).

Estes são os seis espíritos inferiores:

«Lucifuge, Primeiro Ministro


Satanachia, Grande General
Agaliarept, General
Fleurèty, Tenente General
Sargatanas, Brigadeiro
Nebiros, Marechal de Campo»

E mais,

«O primeiro é o grande LUCIFUGE ROFOCALE, Primeiro Ministro infernal, que


detém o controlo, com que Lúcifer o investiu, sobre toda a riqueza e todos os tesouros do
mundo. Os seus subordinados são Baal, Agares e Marbas, assim como milhares de
outros demónios ou espíritos que são seus subordinados.»

A leitura do Grimório revela que este é o clássico demónio dos pactos, o espírito com quem
um pacto pode ser feito para obter poder ou dinheiro, embora, no entanto, ele exija a alma
do karcista (mago) após vinte ou cinquenta anos(3).

Vamos agora passar para o estudo do nome do espírito.

Parte I:
"O NOME"

"LUCIFUGE" – AQUELE QUE FOGE DA LUZ

Tal como disse anteriormente, eu achei o nome "Lucifuge Rofocale" muito intrigante
quando o vi a primeira vez. A primeira parte, "Lucifuge", era semelhante a "Lúcifer", mas eu
lembrava$me de estudos anteriores que "lucifugus" em latim queria dizer "(aquele) que foge

(1) Esta tríade infernal de Lúcifer, Beelzebuth e Astaroth parece derivar de um tratado anterior ao Grand Grimoire em alguns
séculos: o Hygromanteia ou Tratado Mágico de Salomão, no qual os quatro espíritos guardiães dos pontos cardeais são:
Loutzipher (Leste), Beelzeboul (Sul), Astaroth (Oeste) e Asmodai (Norte). Apenas Asmodai – ou Asmodeus – não faz parte da
tríade superior.
(2) Outros documentos, como a Clavicula Salomonis De Secretis, referem Lúcifer, Belzebut e Elestor.
(3) O mago inteligente pode, no entanto, estabelecer um pacto que favoreça tanto ele próprio como o Espírito. As instruções
dadas no Grand Grimoire – ou qualquer outro Grimório – são por vezes intencionalmente confusas ou enganadoras, enquanto
noutros casos escondem pistas à vista de todos. A análise de diferentes edições dos grimórios é também muito enriquecedora.
da luz". Isto é um nome muito curioso para o espírito que governa sobre as riquezas e os
tesouros! O meu primeiro pensamento quando percebi isto foi que perseguir o poder
mundano e auto$engrandecimento através de um "pacto infernal" conduziria
inevitavelmente à perdição, para longe da luz da verdade espiritual. Neste caso, Lucifuge
Rofocale seria uma máscara para o próprio Diabo, o aliciador ou tentador do Homem,
prometendo$lhe todo o poder e riquezas em troca da sua própria alma. Isto, pelo menos, é o
que o Grand Grimoire aparenta transmitir numa primeira análise do texto. Este aspecto
merece uma reflexão mais aprofundada, a qual eu deixarei para quando abordarmos a
simbologia de Lucifuge Rofocale.

Há um outro significado de "Lucifuge", ou neste caso Lucifugus, que vem da obra De


Operatione Dæmonum, "Sobre a Operação dos Demónios", de (pseudo$)Michael Psellus(4). Nesta
obra o autor fornece um sistema de classificação dos vários tipos de dæmons ou espíritos,
organizando$os em seis grupos:

• os ígneos, associados ao elemento Fogo;


• os aéreos, associados ao elemento Ar;
• os aquosos ou aquáticos, associados à Água;
• os terrenos ou terrestres, associados à Terra;
• os subterrâneos, que residem nas profundezas da terra;
• e os heliofóbicos, chamados lucífugos, que são avessos à luz solar.

Os vários tipos de dæmons organizam$se assim num esquema que contém os 4 elementos
aristotélicos mais duas categorias de espíritos que são avessos à luz: os subterrâneos (por
razões óbvias) e os lucífugos, que 'fogem da luz'(5). Assim, não existe aqui qualquer elemento
angelical ou divino, uma vez que todos estes grupos estão inseridos na realidade material formada
pelos 4 elementos e pela ausência de luz. Na realidade, segundo Psellus, os demónios lucífugos
são o pior dos seis grupos, pois apesar de todos os dæmons odiarem Deus e o Homem, os
lucífugos são eminentemente maliciosos e enganadores, superando o intelecto do Homem
com fantasias e ilusões, com intenção de o destruir. Psellus acrescenta que "os subterrâneos e
os lucífugos, se eles se poderem insinuar para dentro dos pulmões daqueles que os encontram, agarramA
nos e sufocamAnos, tornandoAos epilépticos e insanos". Terrível.

E falando em "terrível", aproveito para partilhar convosco a fotografia de uma criatura


horrenda chamada Myotis Lucifugus, conhecida por assombrar os pesadelos de muitas
pessoas:

(4) COLLISSON, Marcus (2010). Michael Psellus on the Operation of Dæmons. Golden Hoard Press.
(5) É importante reparar que neste caso, lucífugo ('lucifugus' no texto original em latim) não se refere a apenas uma
entidade – como é o caso de Lucífugo Rofocale – mas a um grupo de espíritos ou dæmons cuja característica principal
é a sua aversão à luz.
É um morcego. Só.(6)

***

"ROFOCALE" – O ENIGMA DE LUCIFUGE

O nome "Rofocale" foi sem dúvida o mais desafiante dos dois. O nome não parecia ser
latim, nem eu me lembrava de qualquer nome ou palavra latina remotamente parecida com
"Rofocale". Percorri dicionários de latim, grego e hebraico sem qualquer sucesso.

Parecia haver uma pista sobre este nome no texto do Grand Grimoire, pois quando Lucifuge
concorda com as condições do pacto e mostra a sua assinatura, ele diz que a forma de o
chamar é pronunciando a palavra "Rofocale". Isto é muito significativo em termos mágicos,
pois implica que a palavra "Rofocale" é um sigilo sonoro (um mantra) de Lucifuge – ou posto
de outra forma, o nome "Rofocale" representa Lucifuge. Mas como?

Fiz muitas pesquisas sobre esta palavra, até que encontrei uma teoria que, de tantas vezes
repetida como se de um facto comprovado se tratasse, merece ser aqui mencionada.

***

A HIPÓTESE "ROFOCAL=FOCALOR" – UM ANAGRAMA DOS DIABOS

(6) Não é "só" um morcego. Na verdade, 'morcego' em latim é "vespertilio", derivado de "Vesper", Vénus como Estrela
do Anoitecer. O aspecto 'claro' de Vénus é Lúcifer, a Estrela da Manhã. A simbologia é forte.
Na minha procura pelo significado do nome Rofocale, eu tropecei em algumas fontes que
diziam que "Rofocal" (se eliminarmos o 'e' final, que não é pronunciado) é um anagrama de
"Focalor", o nome de um espírito da Ars Goetia, estabelecendo assim uma possível ligação
com base nos seus nomes. Pelo que eu sei, esta suposição parece advir do livro clássico de
Elizabeth M. Butler, "Ritual Magic", primeiro publicado em 1949, o qual foi extremamente
influente até aos nossos dias(7).

Enquanto é certamente verdade que as letras que compõem o nome "Rofocal" são as
mesmas que compõem o nome "Focalor", explicar o significado de "Lucifuge Rofocale"
associando$o a Focalor parece obscurecer esta questão, em vez de a iluminar (desculpem).

De acordo com o texto da Goetia,

«O quadragésimoAprimeiro espírito é FOCALOR, ou Forcalor, ou Furcalor. É


um duque poderoso e forte. Ele aparece na forma de um homem com asas de grifo. O
seu ofício é assassinar homens e afogáAlos nas águas, e afundar navios de guerra, pois
ele tem poder sobre os ventos e o mar, mas não fará mal a ninguém se assim for
ordenado pelo exorcista. Espera regressar aos Sétimos Tronos dentro de 1000 anos.
Governa 30 legiões de demónios, e o seu selo é este:

Selo de FOCALOR, 41o espírito da Goetia.

Esta descrição tem praticamente nada a ver com qualquer descrição de Lucifuge Rofocale,
tanto por aparência como por funções:

• Lucifuge Rofocale é descrito como o "Primeiro Ministro do Inferno", tendo poder sobre
riquezas materiais e tesouros. Ele tem três cornos (ou o que por vezes parece ser um chapéu
de bobo), pernas de bode e cascos, e uma cauda, enquanto segura uma bolsa com moedas e
uma espécie de anel ou arco(8). Existem algumas variações subtis nas representações de
Lucifuge Rofocale, mas todas elas seguem um padrão semelhante.

(7) Por exemplo: GUILEY, Rosemary Ellen (2009). The Encyclopedia of Demons and Demonology. Infobase Publishing.
(8) Ou um corno! É curioso reparar que o "anel" aparece de formas diferentes nas várias representações de Lucifuge. Em algumas
é um anel ou arco, noutras é um corno, enquanto noutras Lucifuge está literalmente a "passar através do anel", enquanto segura
um segundo anel mais pequeno (!!). Estas discrepâncias são curiosas e serão melhor exploradas na segunda parte deste texto – "A
Imagem".
• Focalor é descrito como um duque forte e poderoso, tendo poder sobre os ventos e os
mares, sendo capaz de afogar homens e destruir navios de guerra. Aparece na forma de um
homem com asas de grifo.

Aparentemente não existem razões para acreditar que o nome "Rofocal(e)" possa ser
explicado pela sua associação ao espírito Focalor. No entanto, numa edição francesa do
Grand Grimoire existe uma representação de Lucifuge Rofocale como uma esfinge alada, o
que poderia trazer alguma substância a esta conexão(9).

Apesar de tudo, na maioria das edições o carácter de Lucifuge aparece de forma bem
diferente. Não mostra uma esfinge ou criatura alada, mas em vez disso a cabeça estilizada do
próprio Lucifuge, e um sigilo. Pode ser algo como isto:

ou isto:

(9) STRATTON$KENT, Jake (2009). The True Grimoire. Scarlet Imprint.


ou isto:

Não há asas, nem esfinges, nem grifos, nem nada. Tal como acontece nas imagens de
Lucifuge, existem algumas variações no carácter e sigilo do espírito, mas todos eles seguem
mais ou menos o mesmo padrão.

A explicação do nome "Rofocale" pela sua associação ao espírito goético Focalor permanece
assim inconsistente e, em última análise, ilógica. É uma coincidência que Rofocal (sem o 'e'
final) seja um anagrama de Focalor, da mesma maneira que Bael é um anagrama de Beal,
respectivamente o nome do 1º espírito da Goetia, e um nome alternativo para Berith, o 28º
espírito goético – e no entanto, ambos são universalmente reconhecidos como entidades
muito diferentes.

***

ABRAMELIN MOSTRA A CHAVE

Foi depois de eu aprender esta teoria "Rofocal=Focalor" que a resposta veio até mim: de
forma completamente inesperada, e mesmo à frente dos meus olhos.

Eu estava a ler o Livro III da Magia Sagrada de Abramelin o Mago, o qual contém uma série de
quadrados com letras, com vários poderes mágicos. Com algumas poucas excepções, os
quadrados neste livro são perfeitos palíndromos, isto é, os quadrados podem ser lidos da
mesma forma tanto do início para o fim como o inverso.

No terceiro capítulo são mencionados quatro quadrados usados "para fazer aparecer qualquer
espírito, e tomar qualquer forma, seja de homem, animal, ave, etc". Um desses quadrados mágicos
é este:

L U C I F E R
U N A N I M E
C A T O N I F
I N O N O N I
F I N O T A C
E M I N A N U
R E F I C U L

Primeiro eu notei na primeira linha soletrando "Lúcifer". As palavras seguintes não tinham
qualquer significado para mim(10), mas quando cheguei à última linha... algo de repente fez
sentido. "REFICUL" – "Lúcifer" escrito ao contrário – soou$me muito familiar, pois fazia$me
lembrar o segundo nome do espírito que eu estava a investigar: Lucifuge Rofocale.

Bom... porque não? Se Lucifuge é "aquele que foge da luz" e Lúcifer é o "portador da luz",
então faria perfeitamente sentido que o "sombrio" Lucifuge fosse o inverso do "luminoso"
Lúcifer – num sentido bem literal(11). Assim, tornou$se claro para mim que "Rofocale" foi
uma forma de codificar a verdadeira natureza de Lucifuge, enquanto ao mesmo tempo
serviu para manter o segredo escondido à vista de todos, trocando$se as vogais correctas por
outras – até mesmo adicionando o 'e' final para complicar ainda mais as coisas.

Isto vem confirmar a suspeita anterior, quando primeiro abordámos o nome "Rofocale", de
que "Rofocale" (Reficul, inversão de Lúcifer, o "portador da luz") significa o mesmo que
"Lucifuge" (Lucifugus, "aquele que foge da luz").

***

"ROFOCALE" – CHAMANDO LUCIFUGE PELO SEU NOME

"Resposta e Acordo do Espírito:

«(...) Também aprovo o teu Livro, e douAte a minha verdadeira assinatura em


pergaminho, que afixarás no final, para a usares conforme precisares. Além disso,
colocoAme à tua disposição, para aparecer na tua presença à tua chamada quando,
estando purificado, e empunhando o terrível Bastão Explosivo, abrires o Livro, tendo
traçado o círculo cabalístico e pronunciado a palavra ROFOCALE. PrometoAte ter
relações amistosas com aqueles que estiverem fortificados pela posse do dito Livro,
onde está a minha verdadeira assinatura, desde que me invoquem com consideração,
de forma amigável e de acordo com as regras, na primeira ocasião em que precisarem
de mim. Também me comprometo a entregarAte o tesouro que procuras, com a
condição de manteres o segredo inviolável para sempre, seres caridoso para com os
pobres e me dares uma moeda de ouro ou prata no primeiro dia de cada mês. Se não
o fizeres, serás meu para sempre.

– LUCIFUGE ROFOCALE, APROVADO

(10) Excepto a palavra na segunda linha, por razões unanimemente óbvias.


(11) Este facto é de suma importância nesta investigação, tal como será explicado adiante.
Tendo em conta aquilo que eu escrevi anteriormente, o que aconteceria se trocássemos a
palavra "Rofocale" por "Reficul"? Não faria sentido?...

Esta inversão de nomes, de "Lúcifer" para "Reficul", é sem dúvida o aspecto mais interessante
de Lucifuge Rofocale e aquele que merece a mais demorada reflexão, pois é precisamente aí
que se esconde a sua verdadeira natureza.

Deixarei esse assunto para um próximo capítulo. Por enquanto, irei debruçar$me sobre a
simbologia presente nas várias representações de Lucifuge Rofocale.

Parte II:
"A IMAGEM"
LUCIFUGE ROFOCALE: fonte primária.

«(...) A gente do campo, todavia, continuou a aderir às suas antigas imagens. Nos
meios rurais, o «inimigo» não aparece para ensinar filosofia; proporciona antes conselhos
de natureza mais prática e, em vez de tesouros de sabedoria, dáAlhes dinheiro. Ao
camponês, ele aparecia e ainda o faz sob a forma bestial de épocas remotas, com chifres,
cascos e cauda. É assim que o representam os livros negros do século passado, usando
ainda, ocasionalmente, um casaco franjado, como se tivesse de pagar tributo aos
progressos da civilização. Ostenta os três chifres como um gorro de bobo e as suas patas
de bode são as do seu antepassado Pã. Como traz dinheiro consigo, são muitos aqueles
que o olham com simpatia; porém, tal dinheiro não proporciona uma riqueza
duradoura, uma vez que depressa se converte em excremento de cavalo ou cinzas. É por
essa razão que os feiticeiros estão sempre ansiosos por se verem livres de numerário tão
efémero: tratavaAse literalmente de dinheiro ígneo, porquanto se inflamava quando
lançado por terra. O demónio adopta por vezes uma forma bovina, como podemos ler no
livro de conjurações "A Galinha Preta", embora traje uma antiquada sobrecasaca
bordada e folhos. Contudo, tal não chega para tornáAlo mais amável: vestido de veludo e
rendas, continua a ser o antigo inimigo, um monstro formidável.»

– SELIGMANN, Kurt (1948), "The History of Magic", Pantheon Books Inc.


Inicio esta parte com duas coisas que eu adoro. A primeira é aquela que eu considero ser a
imagem mais emblemática de Lucifuge Rofocale – aquela que eu chamo a "fonte primária" ou
"progenitora" de quase todas as outras versões tradicionais da imagem. Devido à clareza da
imagem, é essa que eu vou usar como modelo de comparação quando explicar os elementos
das várias ilustrações de Rofocale. Eu também tenho uma fotografia de outra imagem de
Lucifuge, que vou partilhar de seguida, que me parece ser um "estágio intermédio" entre esta
figura original e as outras: não tão simbolicamente carregada como a imagem original(12),
nem tão pobre em detalhes como as versões posteriores. Resta saber se a minha "fonte
primária" não terá sido ela própria inspirada noutra gravura mais antiga, pois a edição
francesa acrescenta por baixo da figura: d'après une gravure ancienne ("segundo uma gravura
antiga"). Seja como for, aquilo que importa destacar nestas duas imagens neste momento é a
minúcia do detalhe pois, ao contrário das restantes, são extremamente claras.

LUCIFUGE ROFOCALE: fonte secundária.

A segunda coisa que eu mais gosto neste início é um parágrafo em que eu considero que
Kurt Seligmann conseguiu captar uma parte essencial da simbologia de Lucifuge Rofocale –
não só pela maravilhosa descrição do "espírito dos pactos", como também por referir que o
dinheiro dado pelo diabo é efémero. Essa qualidade efémera do "dinheiro do diabo" é
ilustrada precisamente pela fonte primária das imagens de Lucifuge, a imagem que inicia esta

(12) Ou carregada de outra forma.


Segunda Parte, na qual Lucifuge segura um saco virado ao contrário, deixando cair as
moedas que se inflamam quando tocam no chão.

Antes de passarmos a uma análise da(s) imagem(ns) de Lucifuge Rofocale, é importante


referir que as representações gráficas das entidades extrafísicas não têm de corresponder
exactamente à forma como elas se manifestam no plano físico. Se é certo que nalguns casos
as descrições se aproximam da forma como se dá a manifestação física, também é verdade
que a simbologia das imagens pode ser tanto ou mais importante do que a própria
representação. No caso deste espírito em particular e segundo a minha própria visão(13),
aprendi que tanto a descrição de Rofocale como a simbologia da sua imagem são igualmente
importantes(14).

Passemos, então, ao estudo da imagem de Lucifuge:

***

TRÊS CORNOS... OU UM CHAPÉU DE BOBO?

Quando eu vi pela primeira vez a imagem a Lucifuge Rofocale, não consegui perceber se ele
tinha 3 cornos ou um chapéu de bobo – principalmente porque qualquer um deles ficaria
bem na imagem de Lucifuge! Vejamos: no Tarot, a imagem tradicional do Louco mostra um
homem com chapéu de bobo, segurando um saco (atado numa vara que ele transporta ao
ombro) e usando uma roupa algo parecida com a de Lucifuge. Na carta do Diabo, por sua
vez, aparece... enfim... o Diabo!, com todas as características bestiais que nós já conhecemos.

(13) Quando estudamos certas entidades, nós dirigimos, de forma consciente ou inconscientemente, alguma da nossa energia
para elas. Segundo a lei das correspondências o reverso também acontece, e a própria entidade também foca alguma da sua
atenção em nós – cada um segundo as regras, liberdades e condicionamentos característicos da dimensão física ou extrafísica a
que pertence. "Assim em cima como em baixo". Lembra$se?...
(14) É essencial referir que a experiência com qualquer tipo de entidade é sempre individual e única.
Dois arcanos maiores do Tarot de Marselha: "O Louco" e "O Diabo".

Nalgumas versões do Tarot de Visconti$Sforza, a carta do Diabo é bem mais parecida com a
imagem tradicional de Lucifuge, acrescentando as pernas e patas de bode. É curioso reparar,
no entanto, que dos Tarocchi do século XV que sobreviveram até aos nossos dias, em
nenhum deles se encontra a carta do Diabo(15). As cartas do Diabo que são vendidas
juntamente com os baralhos modernos são cartas de substituição.

Mantendo$se esta dúvida sobre se Lucifuge teria cornos ou um chapéu de bobo, eu tratei de
aprofundar esta questão tentando apanhar todas as imagens do espírito que eu conseguisse.
Hoje posso dizer que tenho uma boa colecção de imagens de Lucifuge Rofocale, desde as
mais antigas às mais modernas (algumas muito boas), o que me permite afirmar que são na
verdade 3 cornos – embora a alusão ao chapéu de um bobo se mantenha, e não me parece
que isso tenha sido despropositado.

Algumas versões da imagem mostram dois cornos em vez de três, como esta:

(15) Artigo de Mary K. Greer (em Inglês) – "Tarot e cartas de jogar na Bruxaria": http://www.marykgreer.com/2008/04/09/tarot$
and$playing$cards$in$witchcraft/
Existe ainda outro factor sobre os três cornos que eu gostaria de referir. No Dictionnaire
Infernal de Collin de Plancy, publicado pela primeira vez em 1818(16), é referido um outro
demónio dotado de 3 chifres – o qual, que eu saiba, é o único além de Lucifuge a ser
representado com esta característica peculiar.(17) Trata$se de Leonard ou Mestre Leonardo, o
"Grande Bode Negro" do Sabbat das Bruxas.

«Leonardo, demónio da primeira ordem, grãoAmestre dos sabbats, chefe dos


demónios subalternos, inspectorAgeral de feitiçaria, magia negra e bruxaria. Ele é muitas
vezes chamado "Le Grand Negre" (O Homem Negro). Ele preside o Sabbat sob a forma
de um bode da cintura para cima; ele tem três cornos na sua cabeça, duas orelhas de
raposa, pêlos finos como cabelo, olhos inflamados e muito abertos, uma barba de bode, e
uma face no seu traseiro. As bruxas adoramAno beijandoAo na face inferior enquanto
seguram uma vela verde nas mãos. Por vezes ele assemelhaAse a um cão de caça, ou um
boi, ou um grande pássaro preto, ou um tronco de árvore com uma face sombria acima.
Os seus pés, quando ele comparece no Sabbat, são sempre de um ganso. Entretanto,
pessoas com experiência de terem visto o Diabo no Sabbat observaram que ele não tem
pés, de todo, quando assume a forma de um tronco de árvore, e noutras circunstâncias
extraordinárias. Leonardo é taciturno e melancólico; mas em todas as assembleias de
bruxas e demónios onde ele é obrigado a aparecer, ele mostraAse em vantagem e faz uso
de uma solenidade soberba.»

(16) A versão que inclui as famosas imagens de Louis Breton só foi publicada mais tarde, em 1863.
(17) Existiu não um demónio, mas uma figura divina da tradição celta chamada TARUOS TRIGARANOS, um touro com três
cornos, que teria estado associado à fertilidade da terra e aos mistérios do 'outro mundo'.
(Mestre) LEONARDO, Senhor do Sabbat das Bruxas.

Eu não sei se existe alguma ligação entre Leonard e Lucifuge, até porque o Grand Grimoire
data, segundo se acredita, de inícios do século XIX – que é precisamente a altura em que o
Dictionnaire Infernal foi publicado. Se existiu alguma influência directa ou indirecta eu
sinceramente não sei – no entanto, acredito que não se trata de uma coincidência. Eu
explicarei a minha opinião quando falar sobre o anel, arco ou corno (instrumento musical
de sopro) que Lucifuge Rofocale segura numa das mãos.

Na fonte primária:
Tratam$se claramente de 3 cornos, sem qualquer margem para dúvidas. O corno do meio,
no entanto, tem um formato muito peculiar, diferente dos outros.

Na fonte secundária:
Não é tão claro que se trate de cornos, devido à sua forma estranha. Há a sugestão de um
chapéu de bobo.

***
UM SACO DE MOEDAS E UM TESOURO

Em quase todas as imagens de Lucifuge aparece um tesouro, um monte de moedas caído (ou
guardado) no chão. E em quase todas as imagens de Lucifuge ele segura um saco, do qual
existem algumas variações que são dignas de nota. Em algumas imagens, ele apenas segura
um saco com moedas – ou pelo menos presume$se que sejam moedas ou dinheiro, sendo ele
o espírito que detém o controlo sobre as riquezas e tesouros do mundo – enquanto uma
espécie de tesouro (monte de moedas) é visível no chão. Noutras imagens Lucifuge segura
um saco, enquanto outro saco com moedas (visíveis) está caído no chão. E numa terceira
variação, que me parece ser das mais relevantes ao nível simbólico, Lucifuge segura um saco
de moedas virado ao contrário, deixando$as cair para o chão. Quando elas tocam no chão,
inflamam$se. Nesta variação, não existe qualquer tesouro ou monte de moedas.

Diferentes versões do saco com moedas e do tesouro no chão.

Também houve algo que eu não referi quando falei dos dois arcanos do Tarot, o Louco e o
Diabo, e que tem precisamente a ver com o saco de Rofocale. O Louco do Tarot transporta
um pequeno saco com todos os bens que possui – o que significa o seu desapego em relação
às coisas materiais. Lucifuge, por outro lado, guarda tesouros no seu saco, os quais se
transformam em cinzas quando lançados por terra – mostrando a natureza ilusória e
transitória dos tesouros, honrarias ou riquezas materiais que ele traz.

Existem até outras variações nas quais nem sequer existe um saco de moedas! Nelas vê$se,
apesar de tudo, um tesouro escondido (enterrado?) no chão, estando Lucifuge a protegê$lo,
parado em cima dele. Esta é uma dessas versões:
Na fonte primária:
Não existe qualquer tesouro. O saco de moedas segurado por Lucifuge está virado ao
contrário, deixando as moedas cair, que se inflamam quando tocam no chão.

Na fonte secundária:
Lucifuge segura um saco (vazio?), e outro saco com moedas visíveis está caído no chão. A
minha suspeita de que o saco segurado por Lucifuge está vazio baseia$se no facto de ele
parecer não conter qualquer peso dentro dele (moedas, etc) devido à sua posição meio de
lado. Um saco cheio de moedas não estaria de lado, como que esvoaçando, mas sim
pendurado. É claro que pode apenas ser liberdade artística por parte de quem desenhou esta
imagem... No entanto, pode haver aqui um trocadilho propositado, baseado na palavra
latina follis, "saco" ou "fole" (literalmente um "saco de ar"), sugerindo a mesma natureza
ilusória e efémera do "dinheiro do diabo" que está presente na fonte primária.
Curiosamente, a palavra latin follis é a origem etimológica das palavras inglesas folly (loucura)
e fool (louco). O Louco do Tarot também carrega um "saco de ar"...

***
UMA CAUDA

«Neste comenos tremeu a Terra e, logo depois desta convulsão, a Lua, toda
manchada de laivos de sangue, desceu rapidamente sobre a encruzilhada de Nevilly e,
apenas tornou a subir para o seu lugar, um grande senhor apareceu fora do círculo, no
qual a virtude das palavras mágicas lhe vedava a entrada.
O corpulento senhor, mais alto do que Siderol, por toda a grandeza do barrete de
Sganarello, tinha grandes e revoltados cornos de carneiro sobre a cabeça, um enorme
rabo de macaco que graciosamente movia por entre as pernas, pés de bode e em cima de
tudo isto uma cabeleira de bolsa e um vestido escarlate agaloado de ouro, porque é
sempre neste aparato que o Diabo costuma aparecer às criaturas.
Se alguma vez chamardes por ele, vereis, cheios de horror, a figura que vos acabo
de mostrar.»

– "O Grande Livro de São Cipriano ou O Tesouro do Feiticeiro"; terceira


parte, "Engrimanços de São Cipriano ou Os Prodígios do Diabo", capítulo II.(18)

A cauda é uma das características sempre associadas ao Diabo. Apesar de o Livro de S.


Cipriano mencionar um "enorme rabo de macaco", a verdade é que não existe, que eu saiba,
nenhuma tradição demonológica que associe o rabo do Diabo a algum animal em
específico. No entanto, encontramos o mesmo motivo em divindades da natureza – usadas
como fonte de inspiração para criar a imagem clássica do Diabo – como o deus cornudo Pan:

(18) Uma das minhas edições preferidas de O Grande Livro de São Cipriano é a edição portuguesa da Nascente, uma chancela da
20|20 Editora. Aconselho também a tradução inglesa do mesmo livro pelo lusitano José LEITÃO: The Book of St. Cyprian – The
Sorcerer's Treasure, publicado em 2014 pela Hadean Press.
Seja qual for a verdadeira origem da cauda do Diabo (isto é, Lucifuge), ela parece
simplesmente representar uma maior ligação à natureza animal/terrena do que no comum mortal,
confirmando assim Lucifuge como o "senhor das coisas materiais".

***

UM ANEL, UM ARCO? OU UM CORNO!

Este parece ser o elemento que sofreu mais mutações ao longo do tempo, sem dúvida por
descuido nas reproduções e reproduções de reproduções a que a imagem de Lucifuge Rofocale
foi sujeita ao longo do tempo. Para explicar melhor aquilo que eu quero dizer, passo a
mostrar três imagens distintas:

Um anel muito estranho...

Não é interessante como na primeira imagem (à esquerda) Lucifuge segura um arco ou um


anel, na segunda segura qualquer coisa que não se percebe (por motivos anatómicos não
pode ser um aro/anel como na primeira imagem), e na terceira Lucifuge está a passar através
do mesmo anel? A sequência, posta desta forma, quase parece um truque de ilusionismo. Se
isto foi propositado ou não, eu não sei, mas é sem dúvida curioso.

A imagem mais à direita faz parte de um conjunto de imagens similares que mantêm
algumas diferenças em relação às versões mais conhecidas, como as duas primeiras –
principalmente no saco de dinheiro que não existe, e de exibirem dois anéis em vez de um.
Curiosamente, a imagem que está mais próxima daquela que eu chamo a "fonte primária" é
a do centro, aquela em que não se percebe bem o que é aquilo que Lucifuge está a segurar.
A mesma representação tosca foi feita noutras imagens:
Verificando a "fonte primária", percebe$se perfeitamente o que é este "anel esquisito":

Trata$se de um corno – um instrumento musical de sopro em forma de corno.

É curioso que em todas as descrições de Lucifuge Rofocale que eu já li, em nenhuma delas se
explica o que é aquele anel, qual a sua função, nem porque é que nalgumas imagens ele não
parece, de todo, um anel. A resposta está precisamente no corno mostrado na "fonte
primária", e não é difícil imaginar como é que os erros de representação foram
transformando o corno, primeiro em algo que não se percebia bem, depois num arco, e
finalmente numa espécie de "portal" em forma de anel que Lucifuge parece estar a
atravessar.
Agora a irresistível questão: porquê um corno?

Eu referi antes uma possível ligação entre Lucífugo e Leonardo, um demónio referido no
Dictionnaire Infernal de Collin de Plancy como sendo o "homem de negro" do Sabbat das
Bruxas, baseando$me no facto de ambos terem traços caprinos e ostentarem três cornos.
Bom, eu não sei se existe de facto alguma ligação, mas quando descobri que o "anel
misterioso" na verdade era um corno, isso levou$me a considerar outras hipóteses.
Em primeiro lugar, porque é que Lucifuge, um demónio representado com três cornos,
pernas e cascos de bode, tocaria um corno?

Nós vemos algo muito semelhante em tradições europeias relacionadas com a Caçada
Selvagem. Nas tradições célticas e germânicas, a Caçada Selvagem é uma horda de espectros
fantasmagóricos que atravessam a noite liderados pelo Rei da Caçada Selvagem, HERNE, o
Deus Cornudo, o qual toca um corno como que a chamar os espíritos e a anunciar a
subversão da ordem vigente.

HERNE, o Caçador – ilustrado por George Cruikshank, c. 1843.

Segundo a tradição, a Caçada Selvagem ocorria entre o início do ano celta, por volta do
início de Novembro (a festa do "Samhain" dos neo$pagãos) e o Solstício de Inverno, que
correspondia ao festival "Jul" ou "Yule" dos povos nórdicos. Esta era uma altura do ano
tradicionalmente associada a um aumento da actividade paranormal, desfazendo$se
temporariamente o "véu" que separa os dois mundos, material e espiritual (ou ctónico). A
Caçada Selvagem está associada, dessa forma, a um tempo entre os tempos e a um espaço entre os
espaços, aquele espaço e tempo que não são espaço nem tempo, nem luz nem trevas, nem
vida nem morte, nem sono nem vigília, mas ambos e nenhum ao mesmo tempo – o Caos
primordial, no qual a Ordem do universo é suspensa temporariamente e se regressa à "Idade
de Ouro" governada por Saturno, o Deus Negro.(19) Não é sem razão que o Diabo aparece
sempre nas encruzilhadas, já que na encruzilhada, no sítio onde os caminhos se cruzam,
estamos num espaço que nem é um caminho nem é o outro, mas é ambos e nenhum ao
mesmo tempo. Este é um dos fundamentos teóricos da Caçada Selvagem segundo as
tradições antigas e modernas de Bruxaria. É inegável também a associação clara entre a
Caçada Selvagem e o Sabbat das Bruxas, mas com uma diferença fundamental: enquanto o
primeiro é uma incursão do mundo dos mortos no mundo dos vivos, o segundo é celebrado
num espaço e tempo além do mundo dos vivos.(20)

O Rei da Caçada Selvagem sempre foi chamado por muitos nomes: poderia ser o celta
Gwynn ap Nudd ou o germânico Wotan, um deus muito romantizado na era moderna mas
que era originalmente um guerreiro$xamã furioso, sábio e traiçoeiro, conhecedor dos
mistérios da morte e da magia. Por vezes podia ser uma deusa, como Herodias (Aradia),
Hécate, ou Frau Holda, enquanto para os cristãos era o Diabo que liderava a Caçada
Selvagem. De facto, o Rei da Caçada Selvagem está intimamente associado à figura do Deus
Cornudo, chamado ora CERNUNNOS ora KARNAYNA nas correntes gardneriana e
alexandriana do Wicca. Este era o senhor dos mistérios da vida e da morte, mostrado em
certos casos como uma divindade sentada numa postura que faz lembrar as asanas yôguicas,
e rodeado de animais. Pela sua íntima associação à Natureza, o Deus Cornudo está também
associado a plantas e árvores, por vezes assumindo até certas formas que são um misto de
humano e árvore. Não é, assim, coincidência que muitos destes animais e símbolos
correspondam precisamente a algumas das formas assumidas pelo demónio Leonardo
quando preside ao Sabbat das Bruxas.

Haverá quem pense que estabelecer uma conexão entre Lucifuge e o Deus Cornudo é um
passo de gigante, tendo$me eu baseado apenas em semelhanças fortuitas – e é bem possível
que o seja, e que as semelhanças sejam apenas coincidências. No entanto, as "coincidências"
não acabam aqui: na verdade, isto é apenas o início.

(19) JACKSON, Nigel (1996). Masks of Misrule. Capall Bann Publishing.


(20) GREY, Peter (2013). Apocalyptic Witchcraft. Scarlet Imprint.
Altar de CERNUNNOS, com Apollo e Mercúrio. Museu SaintARemi (Reims – França).

Nesta imagem, por exemplo, vemos Cernunnos segurando um saco de onde jorram moedas,
como a corrente de um rio, o que simboliza o poder de Cernunnos sobre as riquezas do
submundo – como Plutão, o deus do submundo e das riquezas subterrâneas. Um motivo
semelhante é encontrado nas imagens de Lucifuge, que nós já estudámos, que o mostra
vertendo para o chão as moedas de um saco.

Existe ainda outra imagem (bem mais conhecida) de Cernunnos, que deve também ser aqui
referida:

Repare$se no "anel" (aliás, torque) segurado por Cernunnos – e no outro que ele usa no
pescoço. Parece familiar?
Esta imagem de Lucifuge também é curiosa, pois mostra Lucifuge a passar através do anel
maior, como se se tratasse de um portal, ou um rito de iniciação. Na verdade, existem alguns
círculos megalíticos que contêm pedras com buracos naturais, que fazem parte de uma
antiga tradição de "passar através do anel". Segundo se acreditava, essas "passagens" na pedra
eram guardadas por espíritos ou fadas, e o acto de passar através da pedra teria efeitos
milagrosos – nalguns casos, a cura de uma doença, ou o advento de uma gravidez desejada.
Uma dessas pedras situa$se em Mên$an$Tol, na Cornualha, Reino Unido:

***

Até agora eu explorei diversas gravuras de Lucifuge Rofocale, em que tentei expor a minha
interpretação de alguns detalhes que diferem entre elas. Alguns desses detalhes terão sido
surpreendentes para algumas pessoas, enquanto outros não foram assim tão surpreendentes.
Eu não esperava outra coisa: na verdade, "trataAse apenas de mais uma representação do Diabo",
em que muito já foi escrito sobre esse assunto e já há poucas investigações novas que nos
consigam surpreender. Certo.
A novidade que eu tenciono introduzir neste estudo reside, no entanto, na conciliação
entre o estudo das gravuras de Lucifuge que foi feito no capítulo anterior e as descobertas
descritas na 1ª Parte sobre a relação entre Lucifuge e Lúcifer: ou mais precisamente, entre
"Rofocale" e a inversão de Lúcifer (Reficul). Sendo Lucifuge representado por uma figura
teriomórfica (humana e animal), em que medida é que isso se torna relevante quando
compreendemos que Lucifuge é o inverso de Lúcifer? Em que é que a descrição de Lúcifer
segundo os grimórios nos poderá ajudar, para que possamos compreender melhor a figura
de Lucifuge? É isso que eu me proponho a fazer neste capítulo.

Segundo a descrição presente no Grimorium Verum:

«Lúcifer aparece na forma de um bonito rapaz. Quando zangado ele aparece


avermelhado; no entanto, não existe nada de monstruoso nele.»

Outras descrições de Lúcifer existem. A descrição seguinte é dada na Clavicula Salomonis De


Secretis(21), um "manual das bruxas" capturado pela Inquisição veneziana no ano 1636 da Era
Comum, e que foi um dos livros que inspiraram tanto o Grand Grimoire como o Grimorium
Verum:

«Lúcifer aparece como um jovem, de muito boa aparência, mais bonito do que se
consegue descrever. Os seus olhos irradiam como a imagem do Sol, e quando ele fica
zangado, eles enchemAse de vermelhidão. No entanto, não existe nada de assustador na
sua forma.»

Ilustração de LÚCIFER segundo o "Dictionnaire Infernal" de Collin de Plancy.

(21) PETERSON, Joseph H. (2018), Secrets of Solomon, Twilit Grotto Press.


Como podemos verificar, as fontes tradicionais apresentam sempre Lúcifer em forma
humana, sem qualquer característica monstruosa. Lucifuge, por outro lado, é um monstro
formidável, e isto leva$nos precisamente ao cerne desta questão. Eles são, sem qualquer
dúvida, opostos: enquanto um tem uma forma humana belíssima além de qualquer descrição,
o outro tem a aparência bestial dos antigos deuses da natureza, provocando pânico só de vê$
lo.(22)

Há aqui, no entanto, um aspecto que não pode ser ignorado: ambos são aspectos de uma
mesma realidade! E é precisamente no Grand Grimoire que se encontra esta pista.

***

LÚCIFER É LUCIFUGE!

Para quem ler certas partes do Grand Grimoire sem ideias pré$formadas, é bem claro que
Lúcifer é Lucifuge. Na realidade, isso torna$se óbvio logo na Primeira Conjuração, "dirigida
ao Imperador Lúcifer", quando Lucifuge é conjurado a primeira vez:

«Imperador LÚCIFER, Mestre e Príncipe dos Espíritos Rebeldes, eu te conjuro


a abandonar a tua morada, seja qual for a parte do mundo em que se situe, e
venhas aqui comunicar comigo. OrdenoAte e conjuroAte em Nome do Poderoso Deus
vivo, Pai, Filho e Espírito Santo, a aparecer sem barulhos e qualquer cheiro maldito, a
responder com voz clara e inteligível, ponto por ponto, a tudo o que te perguntar, sem o
que serás certamente forçado à obediência pelo poder dos divinos ADONAI, ELOHIM,
ARIEL, JEHOVAH, TAGLA, MATHON, e por toda a hierarquia das inteligências
superiores, que te forçarão contra a tua vontade. Venité! venité! Submiritillor
LUCIFUGE, ou o tormento eterno te dominará pelo grande poder deste Bastão
Explosivo. In subito.

Se LÚCIFER não se apresentar depois de estas palavras serem pronunciadas,


então deverá realizar a segunda conjuração (...)»

A mesma pista é repetida na Segunda e na Terceira Conjurações. De seguida, depois de o


pacto celebrado entre o Mago e o Espírito, a "Promessa do Espírito" está escrita de forma
que o Espírito se refere sempre a si mesmo como "Lúcifer", em vez de "Lucifuge" como seria
de esperar. Por outras palavras, dizer que Lúcifer é Lucifuge não é apenas uma suspeita, mas
algo que está bem explícito no texto do Grand Grimoire.

(22) A palavra "pânico" deriva do nome do deus grego Pan, com cornos, pernas e cascos de bode, e cauda!
Parte III:
"O REFLEXO"

O título desta Terceira Parte é sugestivo, na medida em que da mesma forma que "Reficul"
(Rofocale) é o 'espelho' de "Lucifer", assim também os sigilos de Lucifuge correspondem aos
mesmos sigilos de Lúcifer, mas espelhados. Esta é a hipótese que eu proponho aqui, em
primeira mão.

No mundo dos grimórios e da Tradição Salomónica existem vários sigilos de Lúcifer, alguns
deles até com algumas variações. Aqueles em que me irei centrar nesta parte são apenas dois
sigilos que estão incluídos no Grimorium Verum, mais um do Grimório de Armadel. Existem
outros sigilos noutros grimórios que são igualmente interessantes, mas para o que eu quero
demonstrar, estes chegam. São eles:

Sigilos de Lúcifer. À esquerda: os caracteres de Lúcifer segundo o Grimorium Verum.


À direita, a verde: o sigilo de Lúcifer segundo o Grimório de Armadel.

Dos sigilos do Grimorium Verum, vou apenas focar$me no sigilo triangular à direita e no
símbolo abaixo, do qual irei tratar à parte dos restantes(23). Não vou preocupar$me em tentar
interpretar o símbolo circular, pois ele parece ter sido copiado de fontes anteriores e os
caracteres são agora ininteligíveis. Estes, no entanto, parecem ter sido baseados nalgum tipo
de escrita mágica, como aquela conhecida como Passing the river ("Passando o rio"), descrita
por Agrippa nos seus Três Livros de Filosofia Oculta.

(23) Este reserva$nos uma surpresa agradável!...


Algo que se pode destacar logo de início é que dos sigilos de Lúcifer que incluem triângulos
(como é este caso), esses triângulos são sempre descendentes – isto é, dois vértices para cima,
e um para baixo. O sigilo presente no Grimório de Armadel é especialmente interessante, pois
não só aparece gravado a verde (a cor de Vénus) no documento original, como também
inclui um símbolo que faz lembrar um Ankh egípcio, ou o símbolo astrológico de Vénus.

Lúcifer sempre esteve associado a Vénus. Sendo o "Portador da Luz", Lúcifer representa
Vénus enquanto Estrela da Manhã, que nasce antes do Sol como que anunciando o
"nascimento da luz". O seu irmão era Vesper, a Estrela do Anoitecer que, sendo visível
depois de o Sol se ter posto, era uma espécie de "anunciador da noite". Transportando esta
simbologia dual de Vénus para este estudo, temos também dois pares de opostos$
complementares: Lúcifer, o "portador da luz", e Lucífugo, "aquele que foge da luz". Esta
equivalência não é por acaso: na verdade, o nascer e o pôr do Sol são os dois momentos do
dia mais poderosos para respectivamente Lúcifer e Lucífugo, pois encarnam o princípio já
mencionado, no contexto da Bruxaria Tradicional, de inbetweenness – nem luz nem treva,
nem dia nem noite. Uma reflexão mais aprofundada sobre isto, nomeadamente no contexto
dos grimórios e das figuras quase míticas dos mágicos Rei Salomão e São Cipriano,
permitirá tirar algumas conclusões interessantes acerca daquilo que eu acabei de escrever(24).
Como disse antes, o meu objectivo não é mostrar verdades mas sim provocar consciências, já que
o trabalho é sempre individual.

Divagações luciferinas à parte... Depois de chegar a estas conclusões acerca de Lucifer e


Lucifuge, aquilo que eu fiz foi simplesmente inverter ou espelhar os sigilos de Lúcifer, de
forma a obter os sigilos de Lucifuge. O resultado foi este:

Apesar do segundo ter sido aquele que eu achei mais interessante num aspecto simbólico,
foi o primeiro que me despertou mais a atenção. Na realidade, sempre que olho para este
sigilo não consigo ver outra coisa senão os braços e cornos de Lucifuge Rofocale!

(24) O Rei Salomão era crente no deus de Israel mas prestava homenagem aos deuses estrangeiros. O seu nome em hebraico,
Shlomo, poderá estar relacionado com Shalim, uma figura divina da mitologia ugarítica que encarnava Vénus como Estrela do
Anoitecer. Cipriano, por sua vez, era sacerdote e feiticeiro, e o seu nome deriva de Chipre (Cyprianus = "homem de Chipre" em
Latim), que era a ilha sagrada da deusa Afrodite (Vénus). Em Latim, "Cypris" era também um nome de Vénus.
Já o segundo sigilo invertido é muito interessante pois aquilo que antes era um Ankh ou um
símbolo de Vénus, torna$se agora um dos símbolos astrológicos da Terra, ou o símbolo
alquímico do Antimónio. Esta equivalência é interessante na medida em que demonstra a
estreita relação de Lucifuge com o plano material, através da sua associação ao símbolo da
Terra. Já na Alquimia, o Antimónio era também chamado o "Lobo Cinzento", pois quando
derretido ele "devora" os outros metais, como o cobre, o estanho e o chumbo, formando
ligas metálicas(25).

– Símbolo astrológico da Terra, ou:


– Símbolo alquímico do Antimónio.

A associação do Antimónio (e por arrastamento, neste contexto, de Lucifuge) a um "lobo


devorador" é muito curiosa, pois faz$me lembrar os lobos, dragões e serpentes das mitologias
mundiais que devoram o Sol ou a Lua durante os eclipses. E na verdade, o Grande Livro de
São Cipriano parece conter uma referência subtil a um eclipse lunar, na história – já
mencionada na Parte II – em que Siderol invoca o Diabo numa encruzilhada:

«Neste comenos tremeu a Terra e, logo depois desta convulsão, a Lua, toda
manchada de laivos de sangue, desceu rapidamente sobre a encruzilhada de Nevilly
e, apenas tornou a subir para o seu lugar, um grande senhor apareceu fora do círculo, no
qual a virtude das palavras mágicas lhe vedava a entrada.
O corpulento senhor, mais alto do que Siderol, por toda a grandeza do barrete de
Sganarello, tinha grandes e revoltados cornos de carneiro sobre a cabeça, um enorme
rabo de macaco que graciosamente movia por entre as pernas, pés de bode e em cima de
(25) Adam McLean: "Animals in the Alchemical Tradition" [http://www.alchemywebsite.com/animal.html].
tudo isto uma cabeleira de bolsa e um vestido escarlate agaloado de ouro, porque é
sempre neste aparato que o Diabo costuma aparecer às criaturas.
Se alguma vez chamardes por ele, vereis, cheios de horror, a figura que vos acabo
de mostrar.»

Durante um eclipse lunar a Lua fica de facto avermelhada, como se estivesse manchada de
sangue. Lucifuge Rofocale, "aquele que foge da luz", seria neste aspecto simbolizado pelo "astro
eclipsante" que provoca o obscurecimento da luz lunar. Não é sem razão, também, que na
perspectiva indiana, o Nodo Lunar Norte, associado a uma Serpente ou Dragão cósmico, é
chamado o "Devorador", pois é representado a devorar os luminares durante os eclipses.
Poderá isso esconder uma associação inteligente para o nome alternativo do Grand Grimoire
– o Dragão Vermelho?

O Dragão Vermelho – o Eclipsante.

Finalmente, na próxima secção irei explorar o último e mais interessante dos três sigilos de
Lúcifer, pois trata$se de uma descoberta fundamental na minha investigação:

***

CLAUNECK – O GUARDIÃO DOS TESOUROS

O Espírito Clauneck é mencionado no Grimorium Verum e é importante para esta


investigação, pois eu acredito que ele poderá ser uma chave para o enigma de Lucifuge.

No Grimorium Verum, Clauneck é o primeiro de 18 Espíritos subordinados e é descrito da


seguinte forma:
«Clauneck tem poder sobre bens e riquezas; pode descobrir tesouros escondidos a
quem fizer um pacto com ele; pode conceder riqueza, pois ele é muito amado por
Lúcifer. Traz dinheiro de muito longe. ObedeceAlhe e ele obedecerAteAá.»

O seu sigilo é este(26):

Aquilo que primeiro me despertou a atenção foi o facto de, tal como Lucifuge, Clauneck
também estar associado a riquezas, e trazer tesouros a quem fizer um pacto com ele. Além
disso, há outra surpresa sobre Clauneck:

À esquerda: sigilo de Clauneck.


À direita: sigilo de Lúcifer, invertido.

Isto é extremamente interessante. Lucifuge Rofocale jamais aparece no Grimorium Verum –


no entanto, aqui temos o exemplo de um Espírito mencionado no mesmo grimório, que
aparentemente tem as mesmas funções de Lucífugo, e que além disso tem como a sua marca
o sigilo invertido de Lúcifer. À luz desta descoberta, não deixa de ser curioso o facto de,
segundo aquilo que tenho vindo a defender ao longo de todo este texto, o nome "Rofocale"
derivar da inversão do nome "Lucifer" – ou seja, "Reficul".

***

A ASSINATURA DE LUCIFUGE ROFOCALE

A esta altura deve ser claro para o meu leitor que a minha abordagem aos grimórios parte de
uma interdependência entre os vários grimórios, havendo certas cifras e códigos que só
conseguem ser decifrados quando se comparam os vários livros e textos. Não sei se é a forma
"correcta", mas é assim que eu trabalho. No capítulo anterior vimos como o sigilo de
Clauneck está relacionado com o mistério da "inversão de Lucifer" presente em Lucifuge
Rofocale. Agora, veremos de que forma a Assinatura de Lucifuge confirma esta descoberta:

(26) PETERSON (2007).


Esta assinatura, visível em todas as edições do Grand Grimoire sempre com a mesma forma,
parece ser dividida em duas partes: duas letras "n" minúsculas no princípio e no fim, mais a
parte central. Retirando as duas letras "n" (como em "N.N.", substituto das iniciais de
qualquer nome), ficamos com a estrutura central do sigilo:

Esta parte central, curiosamente, faz lembrar um Chi$Rho, um conhecido símbolo cristão
que utiliza as duas primeiras letras do nome de Cristo – XPICTOC ("Christos") – mas na
ordem inversa!

Enquanto no Chi$Rho o "P" (letra grega "Rho") se encontra acima do "X" (letra grega "Chi"),
na assinatura de Lucifuge a posição relativa de ambos é inversa – o que faz todo o sentido, já
que na Bíblia a expressão "Estrela da Manhã" (Lúcifer) é usada como sinónimo de Jesus
Cristo. O inverso de Lúcifer/Cristo seria, assim, representado por um sinal semelhante ao
Chi$Rho, mas em que as letras que o compõem ocupassem lugares inversos.

Além disso – e aqui está aquilo que eu acho realmente interessante – a parte essencial da
assinatura de Lucifuge (o tal "Chi$Rho" invertido) faz$me lembrar algo que nós já vimos
antes.

Na verdade, eu arriscaria dizer que a assinatura de Lucifuge é uma ultraAsimplificação do sigilo


invertido de Lúcifer, ou do sigilo de Clauneck:
Já as duas letras "N" levaram$me a concluir que poderiam ser iniciais de palavras – como
acontece no texto do Grand Grimoire, em casos em que em vez de se escrever o nome de
alguém, escreve$se "N.N.". Tratando$se da assinatura de "Lucifuge Rofocale", essas letras
seriam "L" e "R". Algo muito semelhante existe no Grimorium Verum, assim como nos Segredos
de Salomão e nas Clavicules du Roi Salomon par Armadel, em que certas invocações exigem que
adicionemos as iniciais de um primeiro e de um último nome ao sigilo de um Espírito.
Acrescentando as letras certas, teríamos a autêntica Assinatura de Lucifuge Rofocale:

L R
L.R. ... ou "Lucifuge Rofocale"... ou a primeira e última letras de "Lucifer".

A Dualidade persiste até ao fim.

***

REFLEXÃO FINAL (OU QUASE...)

Com este último capítulo eu tenciono deixar uma última provocação aos meus leitores para,
no caso de verem nas minhas palavras algo de valor que possa ser aproveitado, fazerem eles
mesmos a sua própria busca em torno destes mistérios, enigmas e códigos. É verdade que
muito fica por dizer e por mostrar – no entanto, acredito que este texto despertará o
interesse de algumas pessoas que, como eu, sentiram uma chamada para explorarem os dois
caminhos, o luminoso e o tenebroso, apenas para descobrirem que, no final, os dois são
apenas um. Deus e o Diabo andam de mãos dadas. A ilusão da separação só existe na nossa
mente, e no medo irracional que ainda nutrimos por tudo aquilo que ainda não
compreendemos, ou que achamos que vai perigosamente contra as regras do "politicamente
correcto" do mundo moderno. No entanto, o mundo moderno é apenas uma máscara que
nos transmite a falsa segurança de que tudo conhecemos e tudo controlamos. É uma
armadilha do Ego, que tudo deseja controlar, conhecer, qualificar e quantificar. A realidade,
no entanto, não é assim tão simples. A verdade só pode ser descoberta no limítrofe, no
extremo, n'Aquilo que não é nem deixa de ser ao mesmo tempo. Em tempos, houve quem
tenha dado um Nome a este Mistério Supremo: ABRAXAS. Para nós, isto não é mais do que
as Duas Faces de Janus/Jaun, ou os dois aspectos de Vénus: LUCIFER e REFICUL.
(Reconstrução de uma imagem tradicional de Lucifuge por Tiago "Nerve" Gonçalves)
Parte IV:
Anexos

ANEXO 1 – LUCIFUGE ROFOCALE NOUTROS GRIMÓRIOS?

Nas pesquisas sobre Lucifuge Rofocale e a sua referência única no Grand Grimoire, procurei
por possíveis fontes deste texto, de forma a tentar descobrir "antecessores" deste curioso
espírito em grimórios anteriores.

Um dos grimórios que inspiraram directamente o Grand Grimoire foi o Grimorium Verum,
considerado um dos mais influentes livros europeus de magia negra. Aquilo que se torna
interessante neste caso é comparar a lista dos seis espíritos inferiores entre o Grand Grimoire
e o Grimorium Verum.

Os seis espíritos
inferiores, segundo:
Grimorium Verum: Grand Grimoire:
1. Put Satanakia Lucifugé Rofocale
2. Agalierap Satanachia
3. Tarchimache Agaliarept
4. Fleruty Fleurèty
5. Sagatana Sargatanas
6. Nesbiros Nebiros

Algo em que reparamos imediatamente é que cada lista tem uma entidade aparentemente
sem correspondente na outra lista. Por exemplo, Lucifuge Rofocale não figura no Grimorium
Verum, enquanto Tarchimache não tem lugar no Grand Grimoire. A primeira tentação seria
considerar que um é o outro, apenas com nomes diferentes.

O primeiro problema nesta hipótese é que os dois espíritos ocupam lugares diferentes na
hierarquia, e o segundo problema é que nada é dito no Grimorium Verum sobre as
características e funções de Tarchimache(27). Quando estudamos os grimórios e reparamos
em alguma lacuna ou algo que não faz sentido, o melhor é procurarmos os textos que por
sua vez influenciaram o(s) grimório(s) em estudo. E neste caso, essa é realmente a melhor
solução. Existe um texto, pelo menos, que foi a fonte de inspiração para o Grimorium Verum
e para o Grand Grimoire: trata$se do grimório Clavicula Salomonis De Secretis, apelidado aqui
neste texto como Segredos de Salomão(28).

Quando comparamos a "hierarquia infernal" presente nos Segredos de Salomão com as suas
equivalentes no Grimorium Verum e no Grand Grimoire, reparamos que ela tem muito de
semelhante àquelas presentes nos outros dois grimórios, o que seria de esperar – mas
também tem algumas diferenças significativas que, curiosamente, parecem preencher as
lacunas e ao mesmo tempo esclarecem as diferenças entre o GV e o GG – em especial esta
questão de Tarchimache (GV) e Lucifuge Rofocale (GG). É por isso que estes estudos
comparativos se tornam tão importantes.

Quem já estudou o Grimorium Verum poderá pensar que eu estou louco se disser que
Tarchimache e Agalierap, duas entidades aparentemente bem distintas no referido texto, são
exactamente o mesmo. Na verdade, não só são exactamente o mesmo, como os seus nomes
são duas partes do mesmo nome original. E isso eu só entendi quando estudei os Segredos de
Salomão.

Para ilustrar melhor aquilo que estou a dizer, passarei a mostrar$vos uma tabela de
comparação dos seis espíritos inferiores nos Segredos de Salomão, no Grimorium Verum, e no
Grand Grimoire:

Os seis espíritos
inferiores, segundo:
Segredos de Salomão: Grimorium Verum: Grand Grimoire:
1. Syrach Put Satanakia Lucifuge Rofocale
2. Satanachi Agalierap Satanachia
3. Agateraptar Kymath Tarchimache Agaliarept
4. Fteruthy Fleruty Fleurety
5. Serphagathana Sagatana Sargatanas
6. Resbiroth Nesbiros Nebiros

Sabendo que estas listas seguem uma ordem cronológica, desde a mais antiga (Segredos de
Salomão) até à mais moderna (Grand Grimoire), compreenderemos que:

(27) É dito apenas que Tarchimache é subordinado a Beelzebuth.


(28) Ver a este respeito: PETERSON, Joseph H. (2018), Secrets of Solomon, Twilit Grotto Press. Ver também: Grimorium
Verum (2007), do mesmo autor.
– Nos Segredos de Salomão, o primeiro dos 6 espíritos inferiores chama$se Syrach. Por
contraste, no Grimorium Verum Syrach não é um dos seis espíritos inferiores, mas sim um
Duque que governa sobre outros 18 espíritos subordinados;

– Tendo ficado vago o lugar de Syrach, a hierarquia foi modificada de duas formas:

• No Grimorium Verum colocou$se Put Satanakia no primeiro lugar e ao mesmo tempo foi
acrescentado outro nome após Agalierap: "Tarchimache". Estes dois nomes,
Agalierap e Tarchimache, são claramente derivados do nome de um espírito dos
Segredos de Salomão, AGATERAPTAR KYMATH, mas dividindo$o de forma diferente:
"Agaterap–" tornou$se "Agalierap" no GV, e "–tar Kymath" ficou "Tarchimache"(29).

• No Grand Grimoire a hierarquia original foi mantida (apenas com as pequenas


diferenças nos nomes, tal como no GV), mas com a diferença nítida no primeiro dos
espíritos inferiores: em vez de Syrach, temos agora Lucifuge Rofocale.

Com este raciocínio fica assim desmonstrado que Tarchimache não é igual a Lucifuge
Rofocale, mas na verdade é o mesmo que Agalierap, ou Agaliarept.

Em relação a Syrach e Lucifuge Rofocale, trata$se de uma relação curiosa. No Grimorium


Verum é referido Syrach mas não Lucifuge, enquanto no Grand Grimoire acontece o oposto.
Já nos Segredos de Salomão, Syrach ocupa o lugar de Lucifuge na hierarquia dos seis espíritos
inferiores segundo o Grand Grimoire, mas tem também o cargo de Syrach segundo o
Grimorium Verum, governando igualmente sobre 18 espíritos subordinados.

Tirando isto não há muito mais a dizer, pois nenhuma descrição de Syrach é fornecida, nem
nos Segredos de Salomão nem nas Clavicules du Roi Salomon par Armadel, excepto que ele está
sob as ordens de Lúcifer e tem dois sigilos: um correspondente a Syrach na Europa, e outro
correspondente a Syrach na Ásia (os dois continentes de Lúcifer):

Ou nos Segredos de Salomão:

(29) Nas Clavicules du Roi Salomon, par Armadel, Livro Terceiro, também anteriores ao Grimorium Verum, é quando
uma divisão nítida parece ter sido feita. Neste caso temos dois espíritos, Agateraptor e Himacth, com selos diferentes.
ANEXO 2 – TABELA DOS ESPÍRITOS

Clavicula Clavicules du Roi


Grimorium Grand
Salomonis Salomon, par
Verum Grimoire
De Secretis Armadel
Lucifer Lucifer Lucifer Lucifer
3 Espíritos
Belzebuth Belzebut Beelzebuth Beelzebuth
Superiores
Elestor Elestor Astaroth Astaroth
Syrach Sirachi – Lucifuge R.
Satanachi Satanachi Satanakia Satanachia
Agateraptar Agateraptor Agalierap Agaliarept
6 Espíritos
Kymath Himacth Tarchimache –
Inferiores
Fteruthy – Fleruty Fleurety
Serphagathana Stephanata Sagatana Sargatanas
Resbiroth – Nesbiros Nebiros
Claunth Elantiel/Chaunta Clauneck Bael
Reschin Resochin Musisin Agares
Beschard Bechar Bechard Marbas
Frimodth Frimoth Frimost Pruslas
Klepoth Klepoth Klepoth Aamon
Klio Klic/Kleim Khil Barbatos
Mertiel Mertiel Merfilde Buer
Glithret Sirumel/Selytarel Clistheret Gusoyn
18 Espíritos
Sirchael Sirechael Sirchade Botis
Subordinados
Hepath Hepoth Hicpacth Bathim
a Syrach
Segol Fegot Humots Pursan
(excepto GG)
Humeth Humet Segal Eligor
Frulthiel Frulhel Frucissière Loray
Galand Galant Guland Valefar
Surgath Surgatha Surgat Foraii
Menail Menail Morail Ayperus
Fruthmel – Frutimière Naberus
Glasya
Hurchetmigaroth Glitia Huictiigaras
Labolas

Tabela de comparação dos vários Espíritos nos 4 Grimórios.

***
ANEXO 3 – "BEM E MAL": OU SERÁ ASSIM MESMO?

É importante notarmos que considerar um "demónio" como uma entidade "negativa" e um


"anjo" como uma entidade "positiva" é apenas uma criação do modelo de pensamento
religioso/moralista de origem judaico$cristã, que ainda perdura na forma como muitos
interpretam estes assuntos.

Mas e se... um demónio não fosse realmente demoníaco? Eu evitarei usar a palavra "demónio"
ao longo de todo este texto precisamente por causa desses condicionamentos culturais de
que muitos acabam por ser vítimas. Depois, como pensam que estão a lidar com "demónios"
que são "maus", convém, quando se decidem a invocar o Diabo, que se protejam com os
nomes potentíssimos de Deus: Adonay, Elohim, Ariel e Jehovah – tudo exactamente como
está escrito nos grimórios, pois é assim que tem de ser. Se algo falhar, será a danação eterna
para o mágico. Disparates.

Para um pagão, um 'demónio' que rege sobre as tempestades seria um "deus da tempestade";
outro que regesse o dinheiro ou as aquisições materiais, seria o "deus da riqueza". Por outras
palavras, o facto de lhes chamarmos demónios ou deuses só reflecte aquilo que nós pensamos
sobre eles, e não aquilo que eles são.

Se mantivermos a nossa mente aberta a esta possibilidade, perceberemos então que tal como
no mundo material, alguns espíritos são pacíficos e amorosos, e outros são autênticos filhos
da puta. Regra geral, anjos são considerados "anjos" porque são entidades que pertencem a
planos de existência mais 'elevados' do que o material / energético, e como tal a sua coA
criação juntamente com o Mago será dirigida para fins mais relacionados com a
espiritualidade. Por outro lado, "demónios" são considerados dessa forma uma vez que
existem em níveis mais 'baixos', e mantêm, por isso mesmo, maior poder sobre as realidades
material e energética – sendo assim mais frequentemente chamados para fins mundanos,
práticos, do dia$a$dia. Se alguns não se importariam de reduzir o leitor a cinzas? Com certeza
que não. Mas todos são necessários, cada um com uma função diferente. "Assim em cima
como em baixo". Lembra$se? Não sei se me faço entender...(30)

Enfim. Isto daria para várias páginas de texto, mas a minha intenção não é explicar como
fazer um pacto com o diabo. Aquilo que eu considero importante reter com esta mensagem
pode ser resumido em três pontos:

• "Bem" e "Mal" são classificações morais e/ou religiosas criadas pelo ser humano, para
que ele possa ter a ilusão de que conhece tudo o que o rodeia, incluindo as realidades
superiores – ou inferiores – ao mundo físico;

(30) Por outras palavras, os filhos da puta existem tanto "cá em baixo" como "lá em cima"! Assim como os bonzinhos!
• O contacto com realidades suprafísicas implica que o homem (re)conheça a sua
própria realidade suprafísica, para que possa movimentar$se em ambos os planos com
mestria e não seja vítima das circunstâncias que ele próprio propiciou;

• No círculo mágico, por vezes o maior inimigo do mágico é ele próprio. Assim como o
seu maior amigo.

***

ANEXO 4 – GALERIA DE LUCIFUGE

UM ESTUDO COMPARATIVO DAS DIFERENTES VERSÕES DAS IMAGENS DE LUCIFUGE


(OU: UMA "CRONOLOGIA SEM DATAS" DAS IMAGENS DE LUCIFUGE)

"Cronologia sem datas" não deixa de ser uma expressão curiosa, e irónica. A questão – e por
isso é que tem mesmo de ser "sem datas" – é que grande parte das imagens de Lucifuge que
eu consegui reunir até hoje foram retiradas de cópias em PDF de diferentes edições do
Grand Grimoire, as quais, como é óbvio, não contêm elementos suficientes para que se possa
identificar os anos das referidas edições. Assim, esta tentativa de uma "cronologia sem datas"
resulta apenas num primeiro estudo comparativo das diferentes representações de Lucifuge Rofocale,
em que me baseei nas semelhanças e diferenças das várias imagens de forma a poder
estabelecer, de um modo mais ou menos seguro, quais são as imagens originais e quais são
as imagens derivadas dessas originais.

Passemos então ao estudo propriamente dito, agrupando as imagens em 4 tipos + 1:

***

TIPO 1 – FONTE & IMAGEM(NS) DERIVADA(S):


Esta primeira é a mais óbvia de todas. As imagens são semelhantes em todos os pormenores,
havendo apenas a diferença na qualidade e nos pequenos detalhes, que me permitem
afirmar com toda a certeza que a imagem à esquerda é a imagem original.

***

TIPO 2 – FONTE & IMAGENS DERIVADAS:


Esta variação e as suas derivadas distinguem$se por, ao contrário da Fonte 1, o "corno de
sopro" já não ser tão óbvio como na imagem original. Tratam$se, de facto, do "estágio de
transição" entre o desenho do corno e desenho do arco (vide Tipo 3, já a seguir).

***

TIPO 3 – FONTE & IMAGENS DERIVADAS:

A imagem original (à esquerda) parece pertencer a uma edição italiana, e aparenta ser o
protótipo das imagens que mostram Lucifuge já com um arco, em vez de um corno de
sopro. De reparar também que aquilo que parece ser uma "tampa do tesouro" no chão, na
imagem original, já não é tão perceptível nas imagens derivadas.

***

TIPO 4:
Entre estas imagens e outras semelhantes, não consegui descobrir uma que pudesse ser a
imagem$fonte. Todas elas mostram Lucifuge com características similares: 2 cornos em vez
de três, sem roupa, e segurando um anel enquanto passa através de um anel maior, como se
se tratasse de um "portal".

***

TIPO 5 – IMAGEM ÚNICA:


Esta imagem é tão diferente de qualquer outra que merece a sua própria categoria especial.
Contém o mesmo pormenor presente naquela que eu chamei a "fonte primária" (Tipo 1),
com o saco invertido e as moedas inflamando$se quando tocam no chão. No entanto, ao
contrário dessa imagem, onde Lucifuge segura um instrumento de sopro em forma de
corno, nesta ele também está como que a passar "através do anel", à semelhança das imagens
do Tipo 4. Também ao contrário de qualquer outra, nesta imagem a ponta da cauda de
Lucifuge está enrolada ao seu braço esquerdo. Outro pormenor curioso: apesar de ser uma
imagem de Lucifuge Rofocale, ela é legendada como se se referisse ao Imperador Lúcifer
("L'Empereur Lucifer", em cima). É preciso fazer mais comentários?

***

AGRADECIMENTOS E DEDICATÓRIA:

Este texto nunca teria sido possível sem a ajuda de algumas pessoas cujo apoio, consciente
ou inconscientemente, foi essencial ao longo de todo este processo. Falo em "processo"
porque para mim foi realmente um processo – por vezes doloroso e outras vezes
recompensador, em que muitas vezes pensei que iria caminhar para a minha própria auto$
destruição e só quis desistir, e noutras vezes senti que a minha mão era guiada por Algo que
eu não sei bem descrever. Só sei que este foi o artigo mais difícil e mais recompensador que
eu escrevi até hoje. Descobri muitas coisas sobre mim próprio ao longo deste processo, e
percebo agora que eu tinha de o escrever. Porquê? Não sei nem consigo adivinhar. E se o
leitor quiser que eu seja sincero, ainda hoje não sei se fui só eu que escrevi isto...

* Ao esforço e paciência invejáveis do meu Irmão, Tiago "Nerve" Gonçalves, pelo trabalho
admirável com a imagem de Lucifuge Rofocale. You're THE Man!

* Aos membros dos grupos do Facebook: "Solomonic – Secrets of the Magickal Grimoires" e
"Magic & Grimoires" – um grande OBRIGADO pela vossa ajuda essencial, apesar de poder
ter parecido simples ou sem importância.

* Aos autores: Joseph H. Peterson, Jake Stratton$Kent, Aaron Leitch, e o conterrâneo José
Leitão – os vossos trabalhos foram para mim uma verdadeira musa inspiradora. Obrigado!
Thank you!

* À minha querida amiga A.C. – as tuas intuições revelaramAse mais acertadas do que tu ou eu
alguma vez poderíamos ter imaginado. Obrigado! :)

* E finalmente:

A São Cipriano:

Que com a mão direita celebra a Missa


e com a mão esquerda comanda o Sabbat;

Que a Experiência há 19 anos revelada pela Tua Sabedoria


possa agora servir como Farol no meu caminho.

Que os Teus passos sejam os meus passos,


E que a Tua aprendizagem seja também a minha aprendizagem.

AMEN!

Luís Gonçalves

Quarta$feira, 26 de Setembro de 2018

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