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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 18(1): 39-48, 2004 TENDÊNCIAS DO CONTROLE PENAL NA ÉPOCA CONTEMPORÂNEA: REFORMAS ...

TENDÊNCIAS DO CONTROLE PENAL NA


ÉPOCA CONTEMPORÂNEA
reformas penais no Brasil e na Argentina

RODRIGO GHIRINGHELLI DE A ZEVEDO

Resumo: Este artigo parte da análise comparativa das reformas da legislação penal no Brasil e na Argentina,
identificando três âmbitos de mudança: a expansão do Direito Penal, o Processo Penal de Emergência e a
informalização da Justiça Penal. O estudo realizado visa contribuir para a compreensão dos movimentos de
política criminal que se expressam através das reformas legais investigadas.
Palavras-chave: reformas penais; política criminal; informalização da justiça.

Abstract: This article begins with a comparative analysis of the reforms in penal legislation in Brazil and
Argentina, identifying three areas of change: the expansion of Penal Law, the Emergency Penal Process, and
the informalization of Penal Justice. The study attempts to contribute to the understanding of the criminal
policy movements behind the legal reforms being examined.
Key words: penal reforms; criminal policy; informalization of justice.

E
ntre o conjunto de reformas no funcionamento presou muitos bolsões de conflitualidade social emergen-
da máquina estatal, realizadas nos países da te (Adorno, 1994).
América Latina a partir do final dos anos 80, e Para os novos governos eleitos na região, em todas as
que tiveram por objetivo tanto a reconstituição e moder- esferas de administração (federal, estadual e municipal),
nização de uma institucionalidade democrática quanto a o problema da segurança pública tem sido colocado como
adequação ao chamado “Consenso de Washington”, no uma das principais demandas da chamada “opinião públi-
sentido de uma redução da atividade estatal às tarefas es- ca”, muitas vezes amplificada por via da atuação dos meios
senciais de promoção do crescimento econômico e manu- de comunicação de massa. O “sentimento de inseguran-
tenção da ordem, uma das áreas em que tais mudanças vêm ça” é crescente, com o aumento da percepção pública a
ocorrendo, de forma pontual, fragmentada e muitas vezes respeito das diversas esferas da criminalidade, desde a
contraditória, é a que diz respeito ao poder de punir do economia do tráfico na favela e a criminalidade urbana
Estado: a administração do controle penal, desde a violenta até os centros dos sistemas político e financeiro,
tipificação de novos delitos até o funcionamento dos ór- onde ocorre a lavagem de dinheiro e o desvio de recursos
gãos policiais, passando pelos procedimentos dos órgãos públicos para o enriquecimento privado. A resposta esta-
oficiais de administração da justiça e o sistema prisional. tal é insistentemente cobrada, e colocada no centro do
Com a redemocratização, os novos administradores do debate político em períodos eleitorais.
Estado, agora eleitos pelo voto popular, depararam-se com O resultado é a crescente perda de legitimidade do sis-
uma situação de aumento das taxas de criminalidade, de- tema penal, incapaz de justificar o seu grau de seletivida-
corrente de fatores como a grande concentração popula- de e a sua incapacidade de dar resposta ao sentimento de
cional produzida pela migração do campo para as gran- insegurança e impunidade da maioria da população
des metrópoles urbanas, consolidada no Brasil durante o (Zaffaroni, 1991). O sistema político reage com propos-
período de governo militar que, por meio do arbítrio, re- tas de reforma do sistema de controle penal.

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Em relação à polícia, o debate gira em torno da sua REFORMAS PENAIS NA ÚLTIMA DÉCADA
reciclagem, para atuar em um Estado Democrático de
Direito, visando assegurar os direitos de cidadania de toda Expansão do Direito Penal
a população, e não apenas das elites; também com vistas
à economia administrativa e à racionalização dos esfor- Uma das tendências mais evidentes no tocante às nor-
ços de informação e prevenção necessários ao enfrenta- mas penais nas sociedades contemporâneas é a da hiper-
mento da criminalidade em seus vários níveis, com a re- trofia ou inflação de normas penais, que invadem campos
dução da seletividade na atividade policial, ou o seu da vida social anteriormente não regulados por sanções
redirecionamento para os delitos mais graves em termos penais. O remédio penal é utilizado pelas instâncias de
de conseqüências sociais. Tais mudanças esbarram em uma poder político como resposta para quase todos os tipos de
cultura repressiva, fruto do papel historicamente desem- conflitos e problemas sociais.
penhado pela polícia em países com grande desigualdade A resposta penal converte-se em resposta simbólica
social, como Brasil e Argentina. (Baratta, 1994) oferecida pelo Estado em face das deman-
O sistema judicial é alvo de constantes propostas de das de segurança e penalização da sociedade, expressa-
mudança, que ocorrem de forma fragmentada, por meio das pela mídia, sem relação direta com a verificação de
de leis muitas vezes feitas ao sabor dos clamores da opi- sua eficácia instrumental como meio de prevenção ao de-
nião pública, amplificados pela mídia, sem uma unidade lito. O direito penal converte-se em recurso público de
capaz de garantir um mínimo de segurança jurídica e coe- gestão de condutas utilizado contingencialmente, e não
rência interna (Koerner, 2000). Novos delitos são cria- mais como instrumento subsidiário de proteção de inte-
dos, novas áreas de criminalização aparecem, novos pro- resses ou bens jurídicos. Nos casos de Brasil e Argentina,
cedimentos são propostos, tudo na tentativa de recuperar a inclusão de algumas novas áreas dentro do denominado
a legitimidade perdida e um mínimo de eficácia frente a controle penal formal não foi compensada pela diminui-
uma realidade social que cada vez mais foge ao controle ção do rigor repressivo nas áreas tradicionalmente sub-
dos mecanismos institucionais de controle penal. metidas ao controle penal convencional.
O sistema prisional, carente de meios para responder Entre as áreas novas ou ao menos distintas das tradicio-
ao número crescente de condenados que lhe é enviado, nalmente contidas no Código Penal brasileiro e no argen-
tradicionalmente degradante e estigmatizante em todo o tino, atingidas pela expansão do direito penal, cabe men-
continente, carece de toda a possibilidade de resso- cionar as disposições penais em matéria de delitos
cialização, servindo mais como ponto de reunião de toda econômicos e financeiros – sonegação fiscal, lavagem de
uma cultura da delinqüência, cujos maiores beneficiários dinheiro, etc. (Brasil e Argentina); criminalização das con-
dificilmente recebem uma pena privativa de liberdade dutas contrárias às relações de consumo (Brasil); crimina-
(Velho e Alvito, 1996:290-304). lização de delitos ambientais (Brasil) e relacionados com
Além da dimensão local e conjuntural do problema da resíduos perigosos (Argentina); tipificação de delitos de
segurança pública, a reforma do sistema de controle pe- discriminação racial ou de outro tipo e da chamada
nal precisa também ser compreendida na sua relação com criminalidade organizada (Brasil e Argentina); crimi-
determinados fenômenos mais abrangentes, que têm sido nalização do assédio sexual (Brasil) e de condutas relacio-
objeto da sociologia jurídica, como a judicialização cres- nadas com espetáculos esportivos e terrorismo (Argentina).
cente da realidade social e a pluralidade de formas e de
graus de incidência das normas sobre o espaço social, le- Processo Penal de Emergência
vando à necessidade daquilo que Boaventura Sousa San-
tos denomina uma cartografia simbólica do direito na tran- Para caracterizar esse momento de mudanças no âmbi-
sição pós-moderna (Santos, 1996:260). to da legislação e das práticas punitivas, têm sido utiliza-
Essa cartografia pressupõe que, ao contrário da tradi- da a denominação direito penal de emergência, ou pro-
ção jurídica dogmática, circulam na sociedade não uma, mas cesso penal de emergência (Ferrajoli, 2002). Conforme
várias formas de direito ou modos de juridicidade e, na área Fauzi Choukr (2002:6), “Emergência vai significar aqui-
penal, a conseqüência disso é que a eficácia da legislação lo que foge dos padrões tradicionais de tratamento pelo
penal depende de uma série de mediações com os mecanis- sistema repressivo, constituindo um subsistema de
mos institucionais e burocráticos responsáveis pela sua derrogação dos cânones culturais empregados na norma-
aplicação na realidade social em que atuam. lidade. Num certo sentido, a criminologia contemporânea

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dá guarida a esse subsistema, colocando-o na escala mais manência em presídios estaduais ponha em risco a ordem
elevada de gravidade criminosa a justificar a adoção de ou incolumidade pública.”
mecanismos excepcionais a combatê-la, embora sempre O art. 5o acrescentou inciso ao art. 83 do Código Pe-
defenda o modelo de estado democrático de direito como nal, determinando que, para que haja a concessão de li-
limite máximo da atividade legiferante nessa seara”. vramento condicional ao condenado a pena privativa de
No Brasil, a emergência penal pode ser constatada com liberdade, nos casos de condenação por crime hediondo,
a edição da Lei no 8.072/90, conhecida como Lei dos Cri- prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e dro-
mes Hediondos, que regulamentou o que havia sido pre- gas afins, e terrorismo, deverão ter sido cumpridos mais
visto na Constituição de 1988, que no art. 5o, inciso XLIII, de dois terços da pena.
criou a figura dos crimes hediondos, nos seguintes termos: O art. 6o da Lei dos Crimes Hediondos aumentou a pena
“XLIII – A lei considerará crimes inafiançáveis e dos delitos rotulados como hediondos. Para exemplificar,
insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o trá- o latrocínio, que tinha pena mínima de quinze anos de
fico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e reclusão, passou ao mínimo de vinte anos; a extorsão
os definidos como crimes hediondos, por eles responden- mediante seqüestro, cuja pena mínima era de seis anos de
do os mandantes, os executores e os que, podendo evitá- reclusão, passou a ter o mínimo no patamar de oito anos.
los, se omitirem; (…).” O mesmo crime, se praticado contra menor de dezoito anos
Em seu art. 1o , a Lei no 8.072/90 definiu como hedion- ou por quadrilha, ou se durar mais de 24 horas, que tinha
dos os delitos de homicídio qualificado e homicídio pra- pena mínima de oito anos, passou para doze anos de re-
ticado em atividade típica de grupo de extermínio, o la- clusão. Se do seqüestro resultar a morte, a pena mínima,
trocínio, a extorsão qualificada pela morte, a extorsão que era de vinte anos, passou para 24 anos. O estupro,
mediante seqüestro e na forma qualificada, o estupro e o que tinha pena mínima de três anos de reclusão e oito como
atentado violento ao pudor, a epidemia com resultado máxima, passou ao mínimo de seis anos e máximo de dez
morte, falsificação, corrupção, adulteração ou alteração anos. O atentado violento ao pudor passou de um
de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, apenamento mínimo de dois anos e máximo de sete anos
consumados ou tentados. O parágrafo único do art. 1o da para seis e dez anos, respectivamente.
mesma lei rotulou também como hediondo o crime de O mesmo diploma legal introduziu pela primeira vez
genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de no ordenamento jurídico brasileiro a figura da delação
1o de outubro de 1956, tentado ou consumado, com reda- premiada, prevendo que o participante e o associado que
ção dada pela Lei no 8.930/94. denunciarem à autoridade o bando ou quadrilha, possibi-
Em seus arts. 2o e 3o, a Lei no 8.072/90 estabeleceu as litando seu desmantelamento, terão a pena reduzida de um
regras aplicáveis aos delitos hediondos e aos a eles equi- terço a dois terços.
parados, nos seguintes termos: Outro exemplo de legislação emergencial é a Lei no
“Art. 2o - Os crimes hediondos, a prática da tortura, o 9.034/95, que dispõe sobre a utilização de meios opera-
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terroris- cionais (meios de prova e procedimentos investigatórios)
mo são insuscetíveis de: para a prevenção e repressão de ações praticadas por or-
I - anistia, graça e indulto; ganizações criminosas. O art. 1o define organizações cri-
II - fiança e liberdade provisória. minosas como sinônimo de quadrilha ou bando ou orga-
§ 1o - A pena por crime previsto neste artigo será cum- nizações ou associações criminosas de qualquer tipo. De
prida integralmente em regime fechado. acordo com o art. 2o, em qualquer fase de persecução cri-
§ 2o - Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá minal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. lei, os seguintes procedimentos de investigação e forma-
§ 3o - A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no ção de provas:
7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos “II - a ação controlada, que consiste em retardar a
neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável interdição policial do que se supõe ação praticada por
por igual período em caso de extrema e comprovada organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que
necessidade. mantida sob observação e acompanhamento para que a
Art. 3o - A União manterá estabelecimentos penais, de medida legal se concretize no momento mais eficaz do
segurança máxima, destinados ao cumprimento de penas ponto de vista da formação de provas e fornecimento de
impostas a condenados de alta periculosidade, cuja per- informações;

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III - o acesso a dados, documentos e informações fis- praticada por organizações criminosas será realizada in-
cais, bancárias, financeiras e eleitorais; dependentemente da identificação civil (art. 5o).
IV - a captação e a interceptação ambiental de sinais Uma das principais inovações previstas pela Lei no
eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e 9.034/95, em seu art. 6o, era que, nos crimes praticados
análise, mediante circunstanciada autorização judicial; em organização criminosa, a pena será reduzida de um a
V - infiltração por agentes de polícia ou de inteligên- dois terços, quando a colaboração espontânea do agente
cia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.
especializados pertinentes, mediante circunstanciada au- O art. 7o impede a concessão de liberdade provisória,
torização judicial. com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e
Parágrafo único. A autorização judicial será estritamen- efetiva participação na organização criminosa, estabele-
te sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdu- cendo o art. 8o que o prazo para encerramento da instru-
rar a infiltração.” ção criminal, nos processos por crime de que trata esta
O art. 3o prevê que, nas hipóteses do inciso III do art. lei, será de 81 dias, quando o réu estiver preso, e de 120
2o, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preser- dias, quando solto.
vado pela Constituição ou por lei, a diligência será rea- Dispõe ainda o art. 9o que o réu não poderá apelar em
lizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso liberdade, nos crimes previstos nesta Lei. O art. 10 esta-
segredo de justiça. Para realizar a diligência, o juiz po- belece que os condenados por crimes decorrentes de or-
derá requisitar o auxílio de pessoas que, pela natureza ganização criminosa iniciarão o cumprimento da pena em
da função ou profissão, tenham ou possam ter acesso aos regime fechado, aplicando-se, no que não forem incom-
objetos de sigilo. O juiz, pessoalmente, fará lavrar auto patíveis, subsidiariamente, as disposições do Código de
circunstanciado da diligência, relatando as informações Processo Penal.
colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos do- Na Argentina, exemplos de legislação emergencial tam-
cumentos que tiverem relevância probatória, podendo, bém podem ser encontrados, no âmbito do controle penal
para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no do tráfico de entorpecentes. A primeira legislação espe-
parágrafo anterior como escrivão ad hoc. O auto de dili- cífica a tratar do tema do uso e tráfico de entorpecentes,
gência será conservado fora dos autos do processo, em retirando-o do âmbito do Código Penal, foi a Lei no 20.771,
lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, de 1974, substituída posteriormente pela Lei no 23.737,
somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, em 1989.
as partes legítimas na causa, que não poderão dele ser- A Lei no 20.771 sancionou com penas entre três e doze
vir-se para fins estranhos à mesma, e estão sujeitas às anos de prisão as atividades vinculadas ao tráfico e co-
sanções previstas pelo Código Penal em caso de divul- mercialização de estupefacientes, entre as quais o cultivo
gação. de plantas ou sementes, a produção, extração, fabricação
Conforme o § 4o do art. 3o, os argumentos de acusação ou preparação de estupefacientes, o seu comércio, distri-
e defesa que versarem sobre a diligência serão apresenta- buição, armazenamento ou transporte, assim como a sua
dos em separado para serem anexados ao auto da diligên- entrega, facilitação ou aplicação em terceiros. A lei tam-
cia, que poderá servir como elemento na formação da con- bém previa penas de prisão de cinco a quinze anos para
vicção final do juiz. E o § 5o estabelece que, em caso de os financiadores e organizadores de qualquer das ativida-
recurso, o auto da diligência será fechado, lacrado e en- des antes descritas, e com três a oito anos de prisão, as-
dereçado em separado ao juízo competente para revisão, sim como a difusão pública do seu uso.
que dele tomará conhecimento sem intervenção das se- A lei previa ainda a aplicação de medida de segurança
cretarias e gabinetes, devendo o relator dar vistas ao Mi- curativa, consistente em tratamento para desintoxicação
nistério Público e ao Defensor em recinto isolado, para o e reabilitação, por tempo indeterminado, para o condena-
efeito de que a discussão e o julgamento sejam mantidos do pelos delitos acima com dependência física ou psíqui-
em absoluto segredo de justiça. ca de estupefacientes, embora não tenham sido criadas as
O capítulo III do referido diploma legal estabelece, em instituições previstas para a aplicação dessa medida.
seu art. 4o, que os órgãos da polícia judiciária estruturarão A respeito da posse de estupefacientes para consumo
setores e equipes de policiais especializados no combate pessoal, o art. 6o da Lei no 20.771 previa a pena de prisão
à ação praticada por organizações criminosas, sendo que de um a seis anos, mesmo que fossem destinados ao con-
a identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação sumo pessoal. Isso significa que o tipo penal não repri-

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mia diretamente o consumo em si mesmo, mas sim indire- d) Si los hechos se cometieren por un funcionario pú-
tamente, punindo a posse da droga. Esta previsão legal blico encargado de la prevención o persecución de los
entrou em choque com o dispositivo constitucional pre- delitos aquí previstos o por funcionario público encargado
visto no art. 19 da Constituição, que garantia a impu- de la guarda de presos y en perjuicio de éstos;
nibilidade de ações privadas que não ofendessem a moral e) Cuando el delito se cometiere en las inmediaciones
e a ordem pública, nem prejudicasse a terceiro. o en el interior de un establecimiento de enseñanza, cen-
Depois de uma longa polêmica jurisprudencial, em tro asistencial, lugar de detención, institución deportiva,
agosto de 1986 a Corte Suprema finalmente declarou a cultural o social o en sitios donde se realicen espectáculos
inconstitucionalidade da proibição penal da posse de es- o diversiones públicos o en otros lugares a los que escola-
tupefacientes para consumo pessoal (Virgolini, 1992:124), res y estudiantes acudan para realizar actividades educa-
abrindo caminho para o reconhecimento da autonomia de tivas, deportivas o sociales;
consciência individual e convertendo-se em uma medida f) Si los hechos se cometieren por un docente, educa-
concreta de redução do âmbito de intervenção penal. A dor o empleado de establecimientos educacionales en ge-
Corte Suprema fundamentou sua decisão pelo fato de que neral, abusando de sus funciones específicas.”
não havia investigações ou comprovações empíricas ca- Previu ainda a Lei no 23.737 a possibilidade de utiliza-
pazes de demonstrar que entre o consumo de estupefa- ção de agentes policiais infiltrados, em seu art. 31 bis,
cientes e a periculosidade social do consumidor existisse conforme segue:
uma vinculação necessária, que justificasse a penalização “Art. 31 bis. Durante el curso de una investigación y a
da posse de drogas. A Corte fez referência igualmente às los efectos de comprobar la comisión de algún delito pre-
recomendações de organismos internacionais que desa- visto en esta ley o en el artículo 866 del Código Aduanero,
conselhavam a punição do consumidor, que na maioria dos de impedir su consumación, de lograr la individualización
casos se mostrou prejudicial para o tratamento ou o detención de los autores, partícipes o encubridores, o
reinserção social de quem mantinha uma relação ocasio- para obtener y asegurar los medios de prueba necesarios,
nal com a droga (Cavallero, 1997:61-72). el juez por resolución fundada podrá disponer, si las fina-
Em sentido contrário à decisão da Corte Suprema, o lidades de la investigación no pudieran ser logradas de
debate prosseguiu, com a proliferação de posições no sen- otro modo, que agentes de las fuerzas de seguridad en
tido de uma maior severidade no tratamento do consumo actividad, actuando en forma encubierta:
e tráfico de drogas no interior do campo político e nos a) Se introduzcan como integrantes de organizaciones
meios de comunicação de massa. delictivas que tengan entre sus fines la comisión de los
O resultado foi a promulgação da Lei no 23.737, em delitos previstos en esta ley o en el artículo 866 del Códi-
1989, que não alterou substancialmente os tipos penais go Aduanero, y;
da lei anterior, mas trouxe um sensível aumento das pe- b) Participen en la realización de alguno de los hechos
nas cominadas. Embora tenha mantido a previsão de pu- previstos en esta ley o en el artículo 866 del Código Adua-
nição para a posse de estupefacientes para uso pessoal, a nero.
nova lei previu alternativas para a execução da pena de La designación deberá consignar el nombre verdadero
prisão, como a sua suspensão e substituição por medida del agente y la falsa identidad con la que actuará en el
de segurança curativa ou educativa. caso, y será reservada fuera de las actuaciones y con la
O art. 11 desse diploma legal previu o aumento de um debida seguridad.
terço do máximo e da metade do mínimo de previsão de La información que el agente encubierto vaya logran-
apenamento, nos seguintes casos: do, será puesta de inmediato en conocimiento del juez.
“a) Si los hechos se cometieren en perjuicio de mujeres La designación de un agente encubierto deberá
embarazadas o de personas disminuidas psíquicamente, o mantenerse en estricto secreto. Cuando fuere absolutamen-
sirviéndose de menores de dieciocho años o en perjuicio te imprescindible aportar como prueba la información
de éstos; personal del agente encubierto, éste declarará como testigo,
sin perjuicio de adoptarse, en su caso, las medidas previs-
b) Si los hechos se cometieron subrepticiamente o con
tas en el artículo 31 quinques.”
violencia, intimidación o engaño;
Previu ainda o art. 31 ter. que não é punível o agente
c) Si en los hechos intervinieren tres o más personas infiltrado que, como conseqüência necessária do desen-
organizadas para cometerlos; volvimento da atuação encomendada, tenha sido compe-

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lido a incorrer em delito, desde que a conduta não impli- comprovar a participação de outras pessoas no delito,
que em pôr em perigo a vida ou a integridade física de desde que o delito em que esteja envolvido o beneficiário
uma pessoa ou a imposição de grave sofrimento físico ou seja mais leve que aquele a respeito do qual forneça sua
moral a terceiro. Sendo acusado em um processo, o agen- colaboração (art. 2o).
te infiltrado fará saber ao juiz de instrução, de maneira No mesmo sentido, o art. 3o prevê a aplicação do míni-
confidencial, sua condição, e este deverá encerrar o pro- mo legal de pena quando a informação fornecida permita
cesso sem revelar a verdadeira identidade do imputado. comprovar a existência de associação ilícita, desbaratar
O art. 31 quáter estabelece que “ningún agente de las suas atividades ou comprovar a intervenção de algum de
fuerzas de seguridad podrá ser obligado a actuar como seus membros no fato delitivo, determinando assim o
agente encubierto. La negativa a hacerlo no será tenida submetimento a processo de quem não tenha sido imputa-
como antecedente desfavorable para ningún efecto”. do até então.
Conforme o art. 31 quinques, estando com sua segu- O art. 6o prevê pena de prisão de um a três anos para
rança ameaçada a pessoa que tenha atuado como agente qualquer das pessoas que, valendo-se das possibilidades
infiltrado por haver sido descoberta sua verdadeira iden- abertas por esta lei, formulem afirmações falsas ou pro-
tidade, terá direito a optar entre permanecer na ativa ou porcionem dados inexatos sobre terceiros.
aposentar-se, seja qual for o tempo que tenha trabalhado O art. 7o trata da proteção ao imputado que tenha opta-
no serviço público, com proventos iguais aos que corres- do por colaborar, passando a correr riscos à sua integri-
ponderiam a quem tenha dois graus acima na carreira. dade pessoal e à de sua família, mediante provisão de re-
De acordo com o art. 31 sextes, o funcionário ou em- cursos indispensáveis para a mudança de suas atividades
pregado público que revele indevidamente a real identi- laborais e substituição de identidade.
dade de um agente infiltrado, assim como a nova identi-
dade ou o domicílio de uma testemunha protegida, será INFORMALIZAÇÃO OU SIMPLIFICAÇÃO
reprimido com prisão de dois a seis anos, multa de 10.000 DO PROCESSO PENAL
a 100.000 pesos e inabilitação absoluta perpétua para a
função pública. Já o funcionário ou empregado público Em que pese a existência de modelos diferenciados, os
que, por imprudência, negligência ou inobservância dos elementos conceituais que configuram um tipo ideal de
deveres de seu cargo, permitir ou der ocasião a que outro informalização da justiça nos Estados contemporâneos são
conheça estas informações, será sancionado com prisão os seguintes: uma estrutura menos burocrática e relativa-
de um a quatro anos, multa de 1.000 a 30.000 pesos e ina- mente mais próxima do meio social em que atua; aposta
bilitação especial de três a dez anos para o cargo. na capacidade dos disputantes promover sua própria de-
A Lei no 25.241/00 foi elaborada especificamente para fesa, com uma diminuição da ênfase no uso de profissio-
o combate a fatos delitivos relacionados com o terroris- nais e da linguagem legal formal; preferência por normas
mo. Para os efeitos desta lei, são considerados atos de substantivas e procedimentais mais flexíveis, particularis-
terrorismo as ações delitivas cometidas por integrantes de tas, ad hoc; mediação e conciliação entre as partes mais
associações ilícitas ou organizações constituídas com o do que adjudicação de culpa; participação de não juristas
fim de causar alarme ou temor, e que se realizem empre- como mediadores; preocupação com uma grande varie-
gando substâncias explosivas, inflamáveis, armas ou quais- dade de assuntos e evidências, rompendo com a máxima
quer elementos de elevado poder ofensivo, colocando em de que “o que não está no processo não está no mundo”;
perigo a vida ou a integridade de um número indeterminado facilitação do acesso aos serviços judiciais para pessoas
de pessoas (art. 1o). com recursos limitados para assegurar auxílio legal pro-
O art. 2o deste diploma legal prevê a possibilidade de fissional; um ambiente mais humano e cuidadoso, com uma
redução excepcional da pena, aplicando-se a da tentativa justiça resolutiva rápida, e ênfase em uma maior imparcia-
ou limitando-a à metade, ao imputado que, antes de dita- lidade, durabilidade e mútua concordância no resultado;
da a sentença definitiva, colabore eficazmente com a in- geração de um senso de comunidade e estabelecimento
vestigação. Para obter o benefício, deverá ser fornecida de um controle local através da resolução judicial de con-
informação essencial para evitar a consumação ou conti- flitos; maior relevância em sanções não coercitivas para
nuação do delito ou a perpetração de outro, ou que ajude obter acatamento (Azevedo, 2000a:108).
a esclarecer o fato objeto da investigação ou outros No Brasil, a incorporação dessas inovações no sistema
conexos, ou que forneça dados de manifesta utilidade para judicial teve impulso a partir do final dos anos 80, em

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especial após a promulgação da Constituição de 1988. Uma Havendo queixa-crime ou representação ou sendo o
série de novos mecanismos para a solução de litígios foi crime de ação penal pública incondicionada, o Ministério
prevista, com vistas à agilização dos trâmites processuais, Público poderá propor ao autor do fato a transação penal,
entre os quais têm um significado relevante os Juizados com a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou
Especiais Cíveis e Criminais, voltados para as chamadas multa, a não ser no caso do acusado ser reincidente, ou no
pequenas causas e para os delitos de menor potencial caso de “não indicarem os antecedentes, a conduta social
ofensivo, regulamentados pela Lei Federal no 9.099, de e a personalidade do agente, bem como os motivos e as
setembro de 1995. circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da
A implantação dos Juizados Especiais Criminais – JEC medida” (art. 76). Não aceita a proposta, o representante
integra uma lógica de informalização, entendida não como do Ministério Público oferecerá ao juiz, de imediato, de-
a renúncia do Estado ao controle de condutas e ao alarga- núncia oral, e o processo seguirá o rito sumaríssimo, pre-
mento das margens de tolerância, mas como a procura de visto na Lei no 9.099/95.
alternativas de controle mais eficazes e menos onerosas Oferecida a denúncia, poderá ainda o representante do
(Dias e Andrade, 1992:403). Para os Juizados Especiais Ministério Público propor a suspensão do processo por
Criminais vão confluir determinados tipos de delitos (com dois a quatro anos, desde que o agora denunciado não
pena máxima em abstrato até um ano), e de acusados (não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por
reincidentes). Com a sua implantação, esperava-se que as outro crime. A suspensão será revogada se, no curso do
antigas varas criminais pudessem atuar com maior priori- prazo, o denunciado for processado por outro crime ou
dade sobre os chamados crimes de maior potencial ofen- descumprir qualquer outra condição imposta. Expirado o
sivo (Azevedo, 2000a; 2000b; 2001; 2002). prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a puni-
De acordo com o que estabeleceu o legislador no art. 62 bilidade. Caso não seja possível a suspensão do processo,
da Lei no 9.099/95, o processo perante os Juizados Espe- o juiz deverá intimar as partes para a audiência de instru-
ciais Criminais deve ser orientado pelos critérios da ção e julgamento, que se inicia com a resposta oral da
oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, defesa à acusação formulada na denúncia ou queixa-cri-
objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos me. Aceita a argumentação da defesa, o juiz não recebe a
sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de denúncia ou queixa e encerra o processo. Recebida a de-
liberdade. Dispensando a realização do inquérito policial, núncia ou queixa, são ouvidas a vítima e as testemunhas
a Lei no 9.099/95 determina que a autoridade policial, ao de acusação e de defesa, o acusado é interrogado e reali-
tomar conhecimento do fato delituoso, deve imediatamen- zam-se os debates orais entre defesa e acusação. Em se-
te lavrar um termo circunstanciado do ocorrido e encaminhá- guida, o juiz profere a sentença final condenatória ou
lo ao Juizado, se possível com o autor do fato e a vítima, absolutória.
providenciando a requisição dos exames periciais necessá- Os recursos previstos pela Lei no 9.099/95 são a apela-
rios para a comprovação da materialidade do fato (art. 69). ção (em caso de sentença condenatória ou absolutória ou
Não sendo possível o comparecimento imediato de qual- da decisão de rejeição da denúncia ou queixa) e os em-
quer dos envolvidos ao Juizado, a Secretaria do Juizado bargos de declaração (em caso de obscuridade, contradi-
deverá providenciar a intimação da vítima e do autor do ção, omissão ou dúvida na sentença), a serem encaminha-
fato, por correspondência com aviso de recebimento, para dos a uma Turma Recursal composta de três juízes em
que compareçam à audiência preliminar (art. 71). exercício no primeiro grau de jurisdição.
Na audiência preliminar, presentes o representante do Na Argentina, a informalização ou simplificação dos
Ministério Público, o autor do fato e a vítima, acompanha- procedimentos penais foi adotada mediante a Lei no 24.825/
dos de advogado, o juiz esclarecerá sobre a possibilidade 99, que incorporou ao Título II do Livro III do Código
de composição dos danos, assim como sobre as conseqüên- Procesal Penal de la Nación o Capítulo IV, art. 431 bis,
cias da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena tratando do chamado juízo abreviado.
não privativa de liberdade ao autor do fato (art. 72). Nos Tecnicamente, não se trata da criação de uma nova
crimes de ação penal privada e de ação penal pública condi- instância judicial, e sim de um procedimento abreviado
cionada à representação, o acordo para composição dos de conclusão da causa, visando a aceleração do processo
danos extingue a punibilidade. Não obtido o acordo, o juiz penal comum. Para Luis Niño (apud Alvero e Ranuschio,
dá imediatamente à vítima a oportunidade de exercer o direito 2001:1), “en lugar de abreviar la etapa del procedimiento
de oferecer queixa-crime ou representação verbal (art. 75). preparatorio, clara supervivencia inquisitiva en cuerpos

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 18(1) 2004

de leyes como el vigente en nuestra órbita federal, dade ao Tribunal de Juicio Oral. O pedido poderá ser ne-
suprime el juicio, que es la etapa republicana por gado com base na necessidade de um melhor conhecimento
excelencia”. dos fatos; na discrepância fundada com a qualificação le-
O fundamento da instauração do mecanismo proce- gal; em que o pedido tenha sido feito extemporaneamente;
dimental do Juízo Abreviado é a impossibilidade do em que a conformidade do imputado tenha sido condicio-
sistema judicial penal para dar conta da grande quantidade nada ou afetada por algum vício de vontade ou não resul-
de casos em tramitação. Diante da impossibilidade de te congruente com o conteúdo da prova produzida na ins-
julgar todos os delitos que chegam até o Judiciário, e do trução; ou em que sejam vários os imputados e não haja
fato de que a solução prática era a prescrição, optou-se concordância de todos eles.
por substituir o princípio da verdade real pelo da verdade Conforme o inciso 4o se o Tribunal rechaça o acordo
consensuada, já que a aplicação de uma pena passa a de juízo abreviado, deve-se proceder segundo as regras
depender de um acordo entre o acusado e o Ministério do procedimento comum, remetendo-se a causa à instân-
Fiscal. cia devida. Neste caso, a conformidade prestada pelo im-
Segundo o inciso 1o da referida Lei, se o Ministério putado não será tomada como indício contra ele, nem o
Fiscal estimar suficiente a imposição de uma pena priva- pedido penal formulado vincula o representante do Mi-
tiva de liberdade inferior a seis anos ou uma pena não pri- nistério Fiscal que atua no debate.
vativa de liberdade, poderá solicitar, ao formular o reque- O inciso 5o dispõe que a sentença que homologa o acor-
rimento para a elevação a juízo, que se proceda de acordo do de juízo abreviado deverá fundar-se nas provas rece-
com o chamado Juízo Abreviado. Neste caso, deverá co- bidas durante a instrução, não podendo ser imposta uma
locar expressamente o pedido de pena acordado com o pena superior ou mais grave que a pedida pelo Ministério
acusado. Fiscal. Os requisitos da sentença são idênticos, portanto,
O Juízo Abreviado não é aplicável para os delitos de àqueles que seriam exigidos uma vez realizados os deba-
ação privada, mas somente para os casos de pena de re- tes. Não pode basear-se somente no acordo. Caso o Tri-
clusão, inabilitação e multa ou penas conjuntas. bunal decida aplicar uma pena menor, a única exigência é
A Lei estabelece dois momentos nos quais se pode que seja respeitado o mínimo apenamento legal estabele-
realizar o pedido de Juízo Abreviado: no momento de cido no tipo penal respectivo.
elevação a juízo, que implica uma negociação e um acor- Alvero e Ranuschio (2001:5) afirmam: “El problema
do prévio entre o acusado e o representante do Ministé- se plantea si el Tribunal, de acuerdo al principio de
rio Fiscal; ou no momento dos atos preliminares no Tri- culpabilidad y al momento de la graduación de la pena,
bunal Oral, até o momento da fixação da data da audiência decide que debería imponer una pena superior (esto no
de debate. Embora a Lei nada diga a respeito, no caso de está previsto como causa de rechazo del acuerdo como lo
que o acordo se efetue no Tribunal Oral quem irá reali- hizo la Provincia del Chaco). Al imponerle el Fiscal al
zar a negociação da pena será o Fiscal General, que é Juez la pena máxima aplicável, estaría ejerciendo
quem irá atuar perante o Tribunal Oral (Alvero e atribuciones judiciales. Al selecionar la pena, imposibilita
Ranuschio, 2001:2). al juez ejercer integramente su función jurisdiccional que
O inciso 2o da Lei estabelece que, para que a solicitação entre otras cosas supone la facultad de graduar las
de Juízo Abreviado seja admissível, deverá estar acom- sanciones que impone. En este caso, se comiezan a
panhada da manifestação de conformidade do imputado, confundir los roles de los órganos estatales que en el mundo
assistido por defensor, sobre a existência do fato e sobre del derecho moderno están muy bien delimitados y
a participação nele, descritas no requerimento de elevação demarcados”.
a juízo e da qualificação legal respectiva. A conformidade O inciso 6o estabelece que contra a sentença é admis-
sobre a existência do fato e sua participação, conforme sível o recurso de cassação, podendo este ser interposto
formulada pela acusação fiscal, e sobre a qualificação do pelo Fiscal ou pelo querelante contra a sentença que apli-
delito, não implica uma confissão. Se não se admite o Juízo ca uma pena inferior à acordada ou absolve o imputado.
Abreviado o procedimento seguirá conforme o pro- O imputado não terá direito a recorrer do acordo por ele
cedimento comum, e a conformidade não implicará um firmado, por ausência de interesse jurídico, salvo no caso
indício contrário ao imputado. de invocação de alguma causa de nulidade.
O inciso 3o da Lei estabelece que o Juiz de Instrução Segundo o inciso 7o, a ação civil ex delito não será re-
encaminhará a solicitação e a manifestação de conformi- solvida pelo juízo abreviado, salvo se existir acordo entre

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TENDÊNCIAS DO CONTROLE PENAL NA ÉPOCA CONTEMPORÂNEA: REFORMAS ...

as partes neste sentido. O querelante não tem direito a ser Já no que diz respeito às transformações do direito
escutado antes da decisão, tampouco se prevê a possibili- penal, a globalização traria as seguintes conseqüências: a
dade de audiência com a participação do imputado e do globalização dos crimes e dos criminosos, em razão das
querelante para a obtenção de um acordo. Não obstante, facilidades da globalização – livre circulação financeira,
tem o querelante a possibilidade de recorrer da sentença, informatização – fazendo com que os crimes se globalizem
mediante recurso de cassação, na medida em que a sen- (narcotráfico, tráfico de armas, de órgãos humanos,
tença possa influir sobre o resultado de uma ação civil corrupção internacional); a globalização dos bens
posterior. jurídicos, traduzindo a idéia da sociedade de risco, como
Para seus críticos, o sistema de juízo abreviado é a ecologia, genética, segurança nas comunicações; a
inconstitucional, uma vez que, sob a aparência de um sis- globalização das vítimas, no sentido de que da vítima
tema acusatório, tem-se na verdade uma fórmula com alto individual passou-se a ter a vítima coletiva, e, em alguns
conteúdo inquisitivo, utilizando-se de uma verdadeira casos, a vítima planetária (como nos casos de delitos
coação sobre o acusado, a quem se coloca frente ao dile- ambientais, vírus na informática, etc.); a globalização da
ma de aceitar o trâmite acelerado ou confrontar-se com o explosão carcerária; a globalização da desformalização da
risco de uma condenação maior, se optar pelo juízo co- justiça penal, reduzindo garantias penais e processuais,
mum. Para Schunemann (apud Alvero e Ranuschio, 2001: para que o sistema seja mais eficiente; a hipertrofia do
9) “no se garantiza el consenso, sino sólo un compromiso Direito Penal, pela inflação legislativa (Gomes; Bianchini,
al cual la parte más débil debe adherirse, por necesidad, 2002:22-26).
al punto de vista de la parte más fuerte, además en tales A “distorcionante” instrumentalização do direito penal
casos no es posible individualizar la pena”. (Gomes; Bianchini, 2002) está vinculada a vários fatores,
Além disso, o juízo abreviado reuniria a faculdade podendo destacar-se, entre eles, as influências políticas e
acusatória e, em certa medida, a decisória sobre a exis- da mídia. Dadas as condições da realidade social, o Esta-
tência do fato punível e a decisória sobre o tipo e tama- do contemporâneo, que reduz a intervenção em matéria
nho da pena, faculdade que, quando o caso vai ao juízo social, endurece a legislação penal, transformando o di-
comum, estariam repartidas entre o Ministério Fiscal e o reito penal de forma de intervenção subsidiária em prin-
Juiz. cipal forma de combate aos problemas sociais. Analisando
aspectos da política criminal nas sociedades pós-indus-
GLOBALIZAÇÃO, PÓS-MODERNIDADE E triais, o criminólogo espanhol Jesus-María Silva Sanchez
POLÍTICA CRIMINAL constata a existência de uma tendência dominante na gran-
de maioria dos países no sentido da introdução de novos
O fenômeno da globalização trouxe para o âmbito do tipos penais, assim como um agravamento das penas para
controle penal uma série de transformações na forma de os já existentes, fato que o leva a caracterizar o momento
regulação legal erigida na modernidade. Diante da inse- atual como de expansão do direito penal (Silva Sánchez,
gurança gerada pelo processo de globalização, nota-se um 2002:21).
aumento na sua utilização, tanto simbólica quanto instru- Rejeitando uma explicação simplista para este fato,
mental. No entanto, como alertam Luiz Flávio Gomes e como a daqueles que afirmam que o mesmo se deve à per-
Alice Bianchini (2002:19), é preciso distinguir as tendên- versidade dos gestores do aparato estatal e dos legislado-
cias político-criminais na era da globalização das trans- res, na busca permanente de uma solução fácil e simbóli-
formações no âmbito da legislação penal. ca aos problemas sociais mediante a legislação penal, Silva
Segundo estes autores, as principais tendências de po- Sánchez reconhece que a questão é mais complexa, e, na
lítica criminal no contexto contemporâneo seriam a linha de David Garland (2001), procura relacionar o fe-
descriminalização dos chamados crimes antiglobalização nômeno com causas mais profundas e múltiplas, que têm
(descaminho, evasão de divisas, etc.); globalização da suas raízes no modelo social que vem se configurando no
política criminal, especialmente no que tange à criminali- decorrer das últimas décadas.
dade transnacional; globalização da cooperação policial Por um lado, há que reconhecer a existência de uma
e judicial, mediante tratados ou acordos de cooperação verdadeira demanda social por mais proteção frente ao
bilaterais ou multilaterais; globalização da justiça crimi- incremento da criminalidade, canalizada de modo mais ou
nal, com a criação do Tribunal Penal Internacional pelo menos irracional como demanda de punição. Para Silva
Tratado de Roma (Gomes; Bianchini, 2002:19-22). Sánchez, “a profundidade e a extensão das bases sociais

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 18(1) 2004

da atual tendência expansiva do direito penal não têm nada ________ . Código Penal y Leyes Complementarias. Buenos Aires:
Editorial Estudio, 1999.
a ver com as que na década de 70 – e posteriores – respal-
AZEVEDO, R.G. Conciliar ou Punir? – Dilemas do controle penal na
davam o movimento, inicialmente norte-americano, de law época contemporânea. In: WUNDERLICH, A. et al. Diálogos so-
and order” (Silva Sánchez, 2002:224). Naquele momen- bre a justiça dialogal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p.55-
80.
to, enquanto alguns setores apoiavam propostas de rea-
________ . Juizados Especiais Criminais: uma abordagem socioló-
ção legal, judicial e policial mais contundentes contra a gica sobre a informalização da justiça penal no Brasil. Revista
criminalidade urbana violenta, outros – os excluídos, os Brasileira de Ciências Sociais, v.16, n.47, p.97-110, 2001.
intelectuais e os movimentos de direitos humanos – opu- ________ . Informalização da Justiça e Controle Social. São Paulo:
IBCCrim, 2000a.
nham-se a elas. A atual tendência expansiva, ao contrá-
________ . A informalização da justiça penal e a Lei no 9.099/95 –
rio, mostra uma ampla unanimidade, um consenso quase Entre a rotinização do controle social e a ampliação do acesso à
geral, sobre as virtudes do direito penal como instrumen- justiça. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 8, n.31,
to de proteção dos cidadãos. p.311-324, 2000b.

A partir desta matriz explicativa, é possível compreen- BARATTA, A. Funções Instrumentais e Simbólicas do Direito Penal.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.5, p.5-24, jan./mar.
der a complexidade do processo de transformação do con- 1994.
trole penal nas sociedades contemporâneas, em que con- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Rio de
vivem mudanças no sentido de um abrandamento dos Janeiro: Forense, 2002.
mecanismos de controle, especialmente por mecanismos ________ . Constituição Federal, Código Penal, Código de Proces-
so Penal. Organização de Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Ed. Re-
terapêuticos ou compensatórios, com a tendência a optar vista dos Tribunais, 1999.
pela alternativa repressiva ou carcerária para a tutela de CAVALLERO, R.J. Justicia Criminal – Debates en la Corte Suprema.
um número cada vez maior de interesses e para a solução Buenos Aires: Universidad, 1997.
de conflitos sociais. CHOUKR, F.H. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2002.
O resultado de todo este conjunto de mudanças no
DIAS, J. de F.; ANDRADE, M.C. Criminologia – o homem delinqüente
âmbito do controle penal ainda não está de todo claro, e é e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Ed., 1992.
muitas vezes paradoxal e ambíguo. De um lado, não se FERRAJOLI, L. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Pau-
pode negar uma ampliação das possibilidades de controle lo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.
por parte do Estado. De outro, a complexidade do con- GARLAND, D. The Culture of Control – Crime and Social Order in
texto social em que operam os mecanismos de controle, e Contemporary Society. Oxford: Oxford University Press, 2001.
as dificuldades de gerenciamento do próprio aparato pu- GOMES, L.F.; BIANCHINI, A. O Direito Penal na Era da Globaliza-
ção. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.
nitivo, são de tal ordem que cada vez mais se torna fictí-
KOERNER, A. Desordem Legislativa, Distribuição de Poder e Desi-
cia a idéia de um monopólio dos meios de violência legí- gualdade Social – Reflexões a Propósito da Lei nº 9.677. Dispo-
tima por parte do mesmo, assim como se reforçam as nível em: <http://www.ibccrim.com.br/desordem.htm>. Acesso em:
15 fev. 2000.
características de seletividade do sistema e a impunidade SANTOS, B. de S. Uma cartografia simbólica das representações
para a maioria dos delitos. sociais: Prolegómenos a uma concepção Pós-Moderna do Direi-
to. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4, n.13, p.253-
277, 1996.
SILVA SÁNCHEZ, J.-M. A expansão do Direito Penal – Aspectos da
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS política criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução de Luiz
Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
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ADORNO, S. Violência, controle social e cidadania: dilemas da ad-
VELHO, G.; ALVITO, M. (Orgs.). Cidadania e violência. Rio de Ja-
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cias Sociais, n.41, p.101-127, dez. 1994.
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ALVERO, M.; RANUSCHIO, D. El Juicio Abreviado en el Proceso
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Aires: Abeledo Perrot, 2002a.
________ . Código Procesal Penal de la Nación. 9. ed. Buenos Aires:
Abeledo Perrot, 2002b.
________ . Régimen Penal Argentina. Buenos Aires: Legis Argenti- RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO: Professor e Pesquisador do Progra-
na, 2001. ma de Pós-Graduação em Sociologia/UFRGS (rgdeazevedo@uol.com.br).

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