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RESUMO INTRODUÇÃO
o artigo
analisa um dos aspectos mais rele-
A reflexão feita pela Teoria Crítica sobre a in-
vantes da Teoria Crítica (desenvolvida por integran-
dústria cultural I, especialmente a de Adorno, insere-
tes da chamada Escola de Frankfurt) procurando
e-se no solo da análise da decadência da cultura da
estabelecer uma estreita ligação entre a estética de
sociedade burguesa, na era do capitalismo mono-
Theodor Adorno e sua acirrada crítica 'a indústria
polista tardio, conforme a formulação dos próprios
cultural, termo por ele criado, juntamente com Max
frankfurteanos. A concepção de arte autêntica, tão
Horkheimer, na obra Dialética do Esclarecimento.
valiosa para os frankfurteanos, como promesse de
bonheur-, num mundo administrado pela raciona-
lidade instrumental, constitui-se num contraponto
RESUMÉE inseparável para a análise realizada por Adorno so-
bre a indústria cultural, com vistas a uma compreen-
L 'auteur établie une étroite liaison entre Ia são mais adequada deste fenômeno.
théorie esthétique de Theodor Adorno, essentielment A expressão indústria cultural foi cunhada por
auprês de Ia cathégorie de médiation, três precieuse Adorno e Horkheimer em A Dialética do Esclareci-
pour lui, et sa critique radicale par rapport aux mento, de 1947. Recusando estabelecer um sinal de
produits de I 'industrie culturele, expression crée par igualdade entre cultura de massa, expressão já em
Adorno et Max Horkheimer, dans leur livre voga, e democratização da cultura, Adorno expressa
"Dialektik der Aufklãrung". decididamente sua descrença no aspecto popular e
espontâneo que a expressão cultura de massa pode-
ria aludir. No limite, não é cultura, nem vem das mas-
sas. Para Adorno, a noção de massa, por múltiplas
razões, é ideologia. A indústria cultural nos provê de
uma cultura reificada, sem espontaneidade. "A indús-
I Professor Assistente do Departamento de Ciências Sociais e Filo-
tria cultural é a integração deliberada, a partir do alto,
sofia da UFC cursando, atualmente, o doutorado em Sociologia da
USP, na área de concentração de Sociologia da música. de seus consumidores" (ADORNO, 1986:92). A tra-
O texto-resumo sobre a indústria cultural (Adorno, 1986, Gran-
des Cientistas Sociais, organizada por Gabriel Cohn), base deste
artigo, é fruto das conferências radiofonizadas, proferidas por 2 Para os frankfurteanos, a arte autêntica representa a derradeira
Adorno na Alemanha, em 1962. Muitas de suas concepções trincheira das aspirações humanas por um novo tipo de sociedade.
criticas, que seriam posteriormente tematizadas de forma mais "A arte, desde que se tornou autônoma, conservou a utopia que a
aprofundada na Dia/ética do Esclarecimento, já se encontravam religião não mais portava" (Horkheimer, apud Jay, 1977 :211). "A
antecipadas em ensaios sobre o panorama musical de sua época, arte, para utilizar uma fórmula de Stendhal que o Instituto gosta-
escritos na década de 30, sobretudo no "Über Jazz" (Sobre o va especialmente de citar, oferece une promesse de bonheur "'.
Jazz) de 1936/37 e o famoso Fetichismo na Música e a Regressão (Jay, 1977:211). A expressão também era do agrado de Niestzche,
naAudição, de 1938, em resposta ao não menos famoso ensaio A para se opor à gratuidade da concepção kantiana de arte, que via o
Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução, de Walter belo objeto de um desejo desinteressado (Cfr. Jay, op. cit.: 368,
Benjamim. nota n" 33).
", ...
dicional distinção entre arte superior e inferior se dissolve isto é, O princípio de seu valor de troca e não o do seu
num novo estilo unificado, para atender a um possível próprio conteúdo e de sua figuração adequada, os pro-
gosto médio, um sistema de "não-cultura", uma espécie motores da indústria cultural abolem um atributo essenci-
de "barbárie estilizada", na expressão de Nietzsche, à al da arte autêntica - sua autonomia. Na verdade, uma
qual os autores da Dialética do Esclarecimento aderem autonomia pura na arte, nem o próprio Adorno admitia.
(ADORNOIHORKHEIMER, 1991:121). No "milagre estético" da Grécia antiga, predomi-
Essa nova estilização compulsória, ao desejar a nava um princípio utilitário na concepção da arte entre
integração vertical, obedece à racional idade tecnológica os clássicos. A teoria geral da arte na filosofia da épo-
da concentração econômica e administrativa do grande ca, encontrava subordinada à sua teoria sobre a técnica
capital. A indústria cultural traz no seu bojo as marcas enquanto manufatura. Segundo Sócrates, es bello 10
típicas do mundo industrial moderno. que es útil y no /0 es más que en cuanto útil. (apud
BA YER, 1993 :32). Platão, no Hippias Maior, propõe a
"[...] o terreno no qual a técnica con- definição de beleza como "eficácia para algum bom pro-
quista seu poder sobre a sociedade é o pósito" (apudOSBORNE, 1993:31). A tragédia desem-
poder que os economicamente mais for- penhava função social fundamental, na educação do
tes exercem sobre a sociedade. A cidadão livre da e para a pólis. Na verdade, o ideal
racionalidade técnica hoje é a racio- grego do kalon kai agathon, belo e bom, apontava para
nalidade da própria dominação [...]. Os a primazia do belo da bios theoretikos, da vida
automóveis, as bombas e o cinema man- contemplativa e da práxis, do fazer ético. Num plano
tém coeso o todo.. Por enquanto, a téc- derradeiro, encontra a-se o belo utilitário, inferior por
nica da indústria cultural levou apenas estar preso ao mundo sensível das coisas. "Para os gre-
à padronização e à produção em série, gos do 50 século, a fórmula /'art pour l'art teria sido
sacrificando o que jazia a diferença monstruosa ou simplesmente ininteligível" (SIKES, apud
[alteridade negativa] entre a lógica da ORBORNE, 1993 :31). A idéia contemporânea de arte
obra [código interno da obra de arte] como "expressão" sensí el da pulsão criativa do artista
e a do sistema social [lógica externa]" seria igualmente estranha à mentalidade clássica grega.
(ADORNOIHORKHEIMER, 1991 :114). Na idade média, a grosso modo, a manifestação
artística expressa na música, pintura e escultura, além
Ao adaptar seus produtos "culturais" ao consu- de sua subsunção total à religião romana, enquanto for-
mo das massas, determinada pela lógica do mercado, a ma e fundo, desempenhou papel crucial na propagação
indústria provoca perdas, tanto nas formas culturais su- e educação da fé cristã.
periores quanto inferiores. Na arte superior, perde-se a É na modernidade renascentista que a arte en-
seriedade, na inferior sua rudeza espontânea que resis- ceta sua trajetória rumo à autonomia e que terá seu
te ao controle social. Na sociedade administrada, a men- apogeu no século XVIII, com a concepção de Beaux
sagem implícita de uma arte autônoma autêntica, outrora Arts, ao se consumar o divórcio entre o artista e os
protesto, nada mais é do que conformismo e resigna- artífices e oficiais, nos campos utilitários. Aliada à con-
ção. A arte, como expressão da negatividade do exis- cepção de belas artes, desenvolveu-se a concepção
tente, como promesse de bonheur, espécie de utopia de prazer estético, ou seja, a sensação de gozo estéti-
estética, a ser realizada numa sociedade "outra", torna- co na fruição da obra de arte, num clima de interioridade
se consolo. A música popular, expressão da autentici- contemplativa.
dade do Volkgeist (espírito de um povo), é destruída por Para ADORNO, é na fase do capitalismo liberal
um processo que faz dela, como de resto de toda arte que a arte, no horizonte do projeto civilizatório da Ilus-
popular, objeto de manipulação e difusão impostas por tração visando ao processo de autonomização dos ho-
cima. Em certa medida, elementos culturais autênticos mens, aí também incluindo a Aufklãrung estética,
e espontâneos do Volkgeist, travestem-se em cultura constitui-se como promessa de autonomia, o que lhe é
võlkisch, muito comum nas sociedades totalitárias, onde frustrado com o advento da racionalidade do mundo
velhas formas e hábitos culturais são reacionariamente instrumentalizado. Antes, até a perda total de sua auto-
recuperados e reciclados para atender novas necessi- nomia, a arte poderia ser secundariamente mercadoria,
dades da racionalidade instrumentalizadora. ao preservar o primado do seu valor-de-uso. Agora, os
Ao eleger o primado do efeito, como caracterís- produtos da indústria cultural são integralmente merca-
tica fundamental e imediata das mercadorias culturais, dorias - é o império do seu valor-de-troca.