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FILOSOFIA

A JUSTIÇA EM ARISTÓTELES

ÉTICA A NICÔMACO - LIVRO V


A justiça está baseada na forma que o
homem passa classificar suas relações
com o seu semelhante de igual para
igual, onde todos tenham sua parte e que
essa parte não seja nem maior e nem
menor que a do outro.
Mas como podemos deliberar sobre o que é
justo e o que é injusto a cada um? Como
instigar o homem a esquecer do seu estado de
natureza e se tornar colaborador dentro da
pólis?
A justiça observada como aquela que traz a
mediedade das relações e mantém a ordem na
pólis, tem um contraponto: se ela é o meio-
termo, então a injustiça é uma extremidade e
qual seria a outra extremidade?
Justo é o homem que age de maneira onde
todos aqueles que o observarem, sabem e o
definem como justo, é o caráter de saber que
age justamente e quem o vê agir desta forma
não tem dúvidas ao apontá-lo e dizer: “este é
um homem justo”. Já o injusto é aquele que ao
agir, na maioria das vezes, sabe que age
injustamente e quando é observado pelos
demais, estes também o denominam como
injusto.
O JUSTO E O INJUSTO

Justo, por assim dizer, é o homem que tem um


caráter indubitável, ele tem suas ações
baseadas nas leis de sua comunidade, é
honesto e assim se mantém.
“As virtudes éticas derivam em nós do hábito:
pela natureza, somos potencialmente capazes
de formá-los e, mediante o exercício,
traduzimos essa potencialidade em atualidade.
Realizando atos justos, tornamo-nos justos,
adquirimos a virtude da justiça, que, depois,
permanece em nós de maneira estável como
um habitus, o qual, em seguida, nos fará
realizar mais facilmente ulteriores atos de
justiça”.
REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. Volume II.p.413
O injusto procura seu próprio beneficio, para
ele não importa o bem da comunidade, se
houver a necessidade de infringir as leis, ele o
fará sem dúvidas, é visto como ganancioso,
desonesto, logo, uma pessoa não pertinente
para uma comunidade, pois trará problemas e
desarmonia o que é incoerente com a finalidade
da pólis.
“Desse modo, como o homem sem lei é injusto e o
cumpridor da lei é justo, evidentemente todos os atos
conforme à lei são atos justos, em certo sentido, pois
os atos prescritos pela arte do legislador são
conforme à lei, e dizemos que cada um deles é justo.
Nas disposições sobre todos os assuntos, as leis
visam à vantagem comum. Seja a de todos, seja a dos
melhores ou daqueles que detêm o poder ou algo
semelhante, de tal modo que, em certo sentido,
chamamos justos os atos que tendem a produzir e a
preservar a felicidade e os elementos que a compõem
para a sociedade política.
Ética a Nicômaco, Livro V, Capítulo I, 1129b 10
As leis bem elaboradas são aquelas que farão com que o
homem justo se mantenha assim. Ele será possuidor de
todas as virtudes que são desejáveis tanto para o homem
que as possui, quanto para aqueles que com ele
convivem.
É por isso que as leis devem ser bem elaboradas e que
favoreçam a comunidade que tem fundamentação nelas,
pois assim o homem justo se identificará com a leis a que
deve obedecer.
As leis devem influenciar o ato corajoso, temperante,
logo de acordo com essas e outras virtudes.
"Por isso, a justiça é muitas vezes considerada a
maior das virtudes, e nem Vésper, nem a estrela d`alva
são tão maravilhosas; e proverbialmente, “na justiça
se resumem todas as virtudes”. Com efeito, a justiça é
a virtude completa no mais próprio e pleno sentido do
termo, porque é o exercício atual da virtude completa.
Ela é completa porque pessoa que a possui pode
exercer sua virtude não só em relação a si mesmo,
como também em relação ao próximo, uma vez que
muitos homens exercem sua virtude não só em
relação a si mesmo, como também em relação com as
outras pessoas.”
Ética a Nicômaco, Livro V, Capítulo I, 1129b 25
Justiça, uma virtude que tem como função a
ordem nas relações humanas, pois o homem
tem que ser justo, usar de meio-termo tanto
com os outros como consigo mesmo.
“Mas – perguntar-se-á – a que se referem “excesso”,
“falta” e “justo-meio” do qual se fala a propósito das
virtudes éticas? Referem-se – esclarece Aristóteles –
a sentimentos, paixões e ações.” Aristóteles, ainda
completa que “a justiça não é apenas uma parte da
virtude é, mas a virtude inteira e a injustiça não é
apenas uma parte do vício, mas o vício inteiro.”
REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. Volume II.p.414
JUSTIÇA:NO SENTIDO AMPLO E NO SENTIDO
PARTICULAR

Ao particularizar a justiça e a injustiça, é


possível evidenciar, para melhor entendê-las, as
ações injustas e notar a sua divisão, pois
aparecem uma injustiça no sentido amplo e uma
injustiça no sentido particular.
Com a existência da deficiência moral, a qual
encontramos presente na injustiça é percebido
que está não pode ser comparada com todo
tipo de injustiça mas em um sentido particular,
já o ganancioso que não apresenta os vícios da
deficiência moral, apresenta uma intenção ao
fazer a injustiça por isso ele se coloca no
sentido amplo – contrário à lei.
O injusto ainda deve ser diferenciado de
ilegítimo e ímprobo, já o justo legítimo e probo.
“Tudo que é ímprobo é ilegítimo, mas nem tudo que é ilegítimo é ímprobo.”
Desta maneira, partindo para a questão que se
destaca ao mencionar acima a injustiça particular,
temos como contraparte a justiça particular que
divide-se em espécie de distribuições (para manter
a igualdade nas distribuições) e nas transações
(voluntárias e involuntárias).
JUSTIÇA DISTRIBUTIVA: PROPORÇÃO GEOMÉTRICA

Para que haja justiça, é necessário que as partes envolvidas


possam receber igualmente o que deve ser distribuído entre
duas pessoas, por exemplo, aqui justo se dá pela mediedade
ou meio-termo, é chegar ao ponto onde nenhuma das partes
seja prejudicada. Além da igualdade também há a
relatividade, isto é, como a desigualdade nas relações e
ações humanas, não seria justo sempre dar partes iguais a
todos que participarem da divisão. Essas divisões, Aristóteles,
destaca para o mérito de cada indivíduo, uma
proporcionalidade para aquele que tem mais destaque na sua
área, na comunidade, enfim, conforme é reconhecido.
“Temos então que a justiça distributiva é a
conjunção do primeiro termo de uma proporção
com o terceiro, e do segundo com o quarto, e o
justo neste sentido é meio-termo, e o injusto é o
que viola a proporção, pois o proporcional é o
intermediário, e o justo é o proporcional.”

Ética a Nicômaco, Livro V, Capítulo III, 1131b 10


JUSTIÇA CORRETIVA – PROPORÇÃO
ARITMÉTICA

Quando é pensado em justiça distributiva,


pode ser dizer que está se fazendo justiça ao
distribuir proporcionalmente um bem.
Tratando de transações voluntárias e involuntárias, é
necessário uma justiça corretiva - proporção
aritmética - para que a justiça permaneça, pois se um
homem lesa o outro, entra o mediador deste
desacato – o juiz - que é a representação da justiça.
Este, o juiz, por meio das leis estabelecidas na
comunidade, deve fazer com que a justiça seja
restabelecida e aquele que feriu a lei e cometeu o
delito contra o outro, deve então expiar a perda da
vítima, conforme o juiz instituir a pena a ser reparada.
“Assim, o igual é intermediário entre o maior e o menor,
mas o ganho e a perda são respectivamente menores e
maiores de modos contrário: maior quantidade do bem
e menor quantidade do mal são ganho, e o contrário é
perda; o meio-termo entre os dois é como já vimos, o
igual, que chamamos justo; portanto, a justiça corretiva
será o meio-termo entre perda e ganho.”

Ética a Nicômaco, Livro V, Capítulo IV.1132a 15


Se o juiz fosse visto como o soberano de Adam Smith,
ele poderia ser comparado na forma da exigência de
proteção a cada membro da sociedade. Adam Smith
dizia que o soberano devia proteger os membros da
sociedade da injustiça ou opressão de tos os outros
membros, assim como Aristóteles define o juiz como
aquele que deve estabelecer o cumprimentos das leis
para que possa haver justiça.
O juiz, através das leis, traz a divisão correta para
ambas as partes, tendo assim uma nova representação
do justo. Onde ninguém perde mais do que ganha, ou
ganha mais do que perde nas transações involuntárias.
RECIPROCIDADE

A justiça distributiva ou a corretiva não podem ser


identificadas com a reciprocidade. Reciprocidade deve
ser proporcional e não igual, assim se estabelece a
ordem.
Através da diferença, um proporciona ao outro o que
este necessita e este deve retribuir com o seu serviço
que também é necessário, por isso , haveria uma
permuta de bens necessários a ambas as partes.
Bens estes que devem ter o mesmo valor, se um por um
é injusto, então é inevitável que se de tantos quanto
forem precisos para equiparar a aquele um.
“A retribuição proporcional se faz pela conjunção
cruzada. Por exemplo, suponhamos que A é um
arquiteto, B um sapateiro, C uma casa e D um par de
sapatos. O arquiteto deve receber do sapateiro o
produto do trabalho deste, e dar-lhe o seu em
retribuição. Se houver uma igualdade proporcional de
bens e ocorrer uma ação reciproca, o resultado que
mencionamos será verificado. Se não for assim, a
permuta não será igual, nem válida, pois nada impede
que o trabalho de um seja superior ao do outro, e neste
caso os produtos terão de ser igualados.”

Ética a Nicômaco, Livro V, Capítulo V, 1133a 10


O dinheiro já “ substitui” o que chamamos de troca,
dizia Aristóteles, pois ele garante a compra de outros
produtos, no período que há necessidade destes
objetos tendo o cuidado com a desvalorização da
moeda, assim como o produto desvaloriza.
Além de possibilitar a compra quando se precisa do
bem, ele (o dinheiro) facilita a “troca” sob a mesma
medida de bens diferentes, pois se alguém quer
comprar um bem A que custa cinco moedas, e o bem B
que esse alguém vende custa uma moeda, somente
precisa vender cinco do produto que ele fabrica para
adquirir o bem A.
A justiça está sendo feita quando estabelece um valor X
para cada coisa. Aristóteles dizia que era injusto
possuir muito e injusto possuir pouco. Mas se
pensarmos que o bem A tem maior valor e menor
procura e o bem B tem menor valor e maior procura,
poderá se equiparar embora um tenha mais trabalho
que o outro, ou ainda, ultrapassar o valor do B, se
tornando injusta a divisão, mas isso tudo depende do
que se vende, do que se compra, do que tem mais
utilidade, logo do que tem mais procura.
Podemos usar uma passagem de Adam Smith onde é
definido o significado da palavra valor , isto é,
demonstrando o que ela diz em relações comerciais, logo
o que parece justo, às vezes, é inútil mas desejável. Os
cidadãos desejam possuir alguns objetos, o que lhe apraz
ou que lhe é útil, é isso que definirá sua posição na
sociedade. Com a divisão e o estabelecimento de valores
nos objetos, abre uma suposta possibilidade de transição
social, logo, justiça. Mas o valor de cada coisa é muito
subjetivo para dizer que haverá realmente esta
possibilidade.
"Importa observar que a palavra VALOR tem dois significados: às
vezes designa a utilidade de um determinado objeto, e outras vezes
o poder de compra que o referido objeto possui, em relação a
outras mercadorias. O primeiro pode chamar-se “valor de uso”, e o
segundo, “valor de troca”. As coisas que têm o mais alto valor de
uso freqüente têm pouco ou nenhum valor de uso. Nada é mais útil
que a água, e no entanto dificilmente se comprará alguma coisa
com ela, ou seja, dificilmente se conseguirá trocar água por outra
coisa. Ao contrário, um diamante dificilmente possui algum valor
de uso, mas por ele se pode, muitas vezes, trocar uma quantidade
muito grande de outros bens.”

Smith, Adam. Investigação sobre sua Natureza e suas


Causas. p.85 a 86. Volume I
Aristóteles não está pretendendo uma transição
social, pois afinal “se as pessoas não são
iguais, não podem receber coisas iguais” a não
ser de acordo com o mérito de cada um, mas
ainda assim depende se o homem é livre, se é
nobre de nascimento, excelência, e isto é na
visão de democratas, oligarquicos ou ainda
aristocratas.
JUSTIÇA POLÍTICA

As questões acima determinam a injustiça no adquirir


e no lucrar, mas o homem não se torna propriamente
um injusto por seu trabalho ser mais procurado.
O que Aristóteles procurou é uma justiça política,
aquela que coloca os homens na comunidade como
iguais, mas essa justiça deve ser através da lei, não
através de um governante que pode apenas manifestar
seus próprios interesses.
Essa justiça deve apenas manifestar-se em sentido
público, porque nas relações privadas, elas não
poderiam interferir.
JUSTIÇA POLÍTICA: NATURAL E LEGAL

A duas justiças que percebemos na comunidade


são: natural e legal.
A justiça natural é aquela que é aceita em
qualquer comunidade, já a legal é aquela que faz
parte dos costumes de uma comunidade, onde
todos ou alguns (os melhores) irão deliberar
sobre o que se faz necessário para manter a
comunidade em ordem
JUSTO OU INJUSTO: DEPENDE DA
VOLUNTARIEDADE

O homem não pode ser considerado injusto se


agiu de forma involuntária, isto é, se sua ação
não tinha uma tal intenção como resultado. Mas
ainda nos atos voluntários há aqueles que são
feitos por escolha, por que viu que essa é a
maneira justa, ou ainda, não por escolha, desta
maneira não podemos dizer que o último foi
justo, pois foi um involuntário.
Os atos cometidos por ignorância são os atos
involuntários que fazem o homem ter uma
conseqüência diferente daquela esperada, os
atos cometidos na ignorância onde o homem
tem o resultado que queria agindo de forma
irracional são voluntários. Neste dois casos,
agindo por ignorância, são perdoáveis, mas
agindo na ignorância não são desculpáveis
pois havia intenção.
VOLUNTARIEDADE

Será que sempre o injustiçado é involuntário?


Nem sempre o injustiçado é culpado na concepção de
Aristóteles, pois ele parte de uma premissa em que esse
injustiçado poderia querer ser injustiçado. Ele da o exemplo
de um homem que divide algo e se dá a menor parte que a
outro, este foi voluntário em seus atos e não pudesse dizer
que ele não queria este resultado esse poderia ser
denominado de incontinente.

“Por conseguinte, a justiça é algo essencialmente humano.”

Ética a Nicômaco, Livro V, Capítulo IX.1137a 30


Assim aquele que julga – o juiz – por
ignorância não pode ser considerado
injusto, a não ser que tenha o
conhecimento de causa e esteja visando
lucrar com seus atos.
A UNIVERSALIDADE DA LEI – EQÜIDADE

Toda a lei é universal, mas cada caso tem suas


particularidades, pois é quase impossível que dois
acontecimentos sejam iguais. Então como julgar cada
fato através de uma lei universal? Se a lei universal
não consegue julgar um caso, pois a regra não
adequa-se então a correção da lei que, usando de
eqüidade.

“...o decreto se adapta aos fatos.”


O homem deve julgar conforme as leis
e usar de eqüidade quando necessário
para adequar os fatos a ela. Essa
imparcialidade fará que a lei universal
possa julgar e aproximar-se para obter
um bom resultado nos casos
particulares.
O que Aristóteles completa sobre a justiça é que agir injustamente é possuir uma
deficiência moral, pois ninguém quer ser injustamente tratado, mas se ninguém deseja
isso então não poderia causar tal ação ao outro. Talvez quem causa tal justiça
voluntariamente, não vê problema em sofrer injustiça? Essa concepção é difícil de
acontecer, alguém desejar ser injustamente tratado por isso que é definido como
deficiência moral, porque não segue uma conduta reta e universal para todos, não
cumpre a leis da comunidade em que tem como fim o bem e a justiça para todos que
fazem parte dela.
A uma demonstração de que a justiça com a definição geral de igualar a todos e de que
tudo é de todos, fica a desejar, não traz benefícios nem para o indivíduo e nem para a
comunidade. Por isso é necessário uma justiça bem elaborada, utilizando-se de
proporções geométricas, aritméticas, por que nem todos são iguais e nem todos podem
receber o mesmo por que não tem os mesmos méritos.
Podendo-se aplicar nas relações comerciais, onde o homem se torna um particular, a
justiça atua na forma de corrigir, para que o homem não passe a tentar lucrar de forma
ilegal, esse lucro também deve pertencer ao “certo mérito”.
O juiz, forma animada da justiça, será aquele que através das leis que pertence a
comunidade, trará a justiça para todos os atos cometidos dentro da comunidade.

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