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kh ISTITUTO SOCIOAMBIENTAI. dae ld da om! od... CENTRO DE TRABALHO INDIG ctiguar@dialdata.com.br 1S’ 4 = PROJETO: “MONITORAMENTO AMBIENTAL E FOMENTO DE ATIVIDADES NAQ PREDATORIAS EM TERRAS INDIGENAS NO BRASIL” = ORGANIZADOR: CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA - C1 oe APOIO: RAINFOREST ~ SEMINARIO: “PRATICAS DE SUBSISTENCIA E CONDIGOES DE SUSTENTABILIDADE DAS Z COMUNIDADES GUARANI NA MATA. ATLANTICA” DOCUMENTO BASE CONTEUDO ) 1, INTRODUGAO, d i 2. EQUIPE DE TRABALHO 3 3, PROCEDIMENTO PARA LEVANTAMENTO DE DADOS a 4, ASPECTOS RELATIVOS AO MEIO FiSICO 5. INFORMACORS SOBRE OS GRUPOS LOCAIS GUARAN 6. RECURSOS DE SUBSISTENCIA 6.1, AGRICULTURA 6.2. FRUTIFERAS, 7 6.3. CRIACAO ANIMAL, = 6.4. CACA 6.5, CULTURA MATERIAL 6.6. OUTROS RECURSOS a ANEXOS a AGOSTO DE 1997 a se Rozen re: an Jeet a ie CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA email - etiguar@dialdata.com.br 1. INTRODUGAO CTI iniciou seu trabalho com os Guarani do litoral em 1979, quando da sua fundagéo. Nos primeiros trés anos as atividades do CTI concentravam-se nas areas de educago e sade em aldeias da periferia de Sao Paulo - Barragem, Crucutu, Mboi Mirim, Jaragué -, concomitante a um apoio ds. rogas ¢ as, rimeiras agbes voltadas & regularizagdo fundidria dessas aldeias e a de Boa Esperanga no Espirito Santo, A partir de 1981 passamos, através do Projeto Guarani, a desenvolver agées sistematicas também nas demais aldeias compreendidas entre © litoral sul de Séo Paulo (a partir do municipio de Itariri) e 0 Rio de Janeiro (mun, de Angra dos Reis): Itariri, P, 1, Peruibe (apoio eventual), Rio Branco, Rio Silveira, Boa Vista, Araponga, Bracui. Embora 0 Projeto Guarani se constituisse em apoiar o sistema de produgio agricola dos Guarani segundo a sua organizagdo social, calendario agricola e promovendo reuniées entre as virias comunidades - 0 objetivo principal do CTI era a regularizagéo das areas ocupadas pelos indios. O Projeto Guarani viabilizava 0 conhecimento da situagtio da terra, das relagdes sociais, das aliancas © desentendimentos com a populagto regional, das expectativas ou rejei¢o quanto a demarcagio. Até 1988 apoiamos as atividades agricolas das aldeias de So Paulo, demarcadas em 1987. A partir de entio concentramos nossas agdes nos levantamentos € nos encaminhamentos para regularizacao fundidria das areas Guarani do Rio de Janeiro, do litoral do Parand, do litoral de Santa Catarina e outras aldeias no litoral sul de So Paulo. Até 0 momento, 0 conjunto das areas Guarani homologadas no Hitoral, entre os estados do Rio Grande do Sul ¢ Espirito Santo, compdem um total de apenas 10.581,64 ha Ha varios processos de {dentificagdo sem continuidade, iniciados a partir de 1992 Em 1996, 0 CTI passa a contar com o apoio da KFS - “Kofinanzierungsstelle fl Entwicklungszusammenarbeit” a0 projeto “Recuperagdo de Terras e Subsisténcia do Povo Guarani” coordenado por Maria Inés Ladeira com o apoio de um agrénomo, que vem sendo desenvolvido Prioritariamente em areas que apresentam conflitos fundidrios ou que ainda ndo esto regularizadas, Até 0 momento, concentramos nossas agdes nas aldeias Araponga e Parati Mirim (municipio de Parati - RJ) , Rio Branco de Cananéia ¢ IIha do Cardoso (mun. de Cananéia - SP), com pequenos apoios pontuais a Aguapet (mun, Mongagud - SP), a aldoia Nova Jacunda (mun. Jacunda - PA) e a Boa Esperanga (mun. Aracruz ~ ES). 05 objetivos desse projeto sio: “implementar programas agricolas e atividades sustentaveis compativeis com préticas ndo destrutivas, de acordo com a organizagao sociale sistemas tradicionais do grupo, recuperando as reas degradadas das aldeias indigenas e propiciando aos indios maior autonomia e controle do seu proprio territério; oferecer alternativas concretas para @ recuperagio de espécies da flora nativa, recuperando ou melhorando as condigées locais de reas degradadas, com base no conhecimento dos Guarani; apoiar atividades agricolas que assegurem a subsisténcia das comumidades; reforgar # unidade (politica) dos Guarani” Para © semninirio “Priticas de Subsisténcia © Condigdes de Sustentabilidade das Comunidades Guarani na Mata Atlintica” (bloco 2 do Projeto “Monitoramento Ambiental e Fomento de Atividades no predatérias em Terras Indigenas do Pais) escolhemos para estudo as aldeias situadas no mun, de Cananéia: Rio Branco, no continente, ¢ “Santa Cruz” e “Sitio Grande” na ha do Cardoso. O objetivo ¢ observar 0 modo de ocupagao e manejo ambiental Guarani na mata Atlantica, em dreas que , apesar da proximidade geogrifica ¢ de néo estarem regularizadas, apresentam caracteristicas distintas que impOem 4s comunidades {que as habitam formas proprias de sobrevivéncia, est oe PPro NI RGAE TEE CENTRO DE TRABALHO INDIG) email - ctiguar@dialdata.com.br A aldeia de Rio Branco, embora no demarcada, tem seu perimetro configurado pela ocupagdo de entomo, sendo a érea destinada aos indios muito restrta (menos de cem hectares), ja foi ocupada por familias de “brancos” até aproximadamente dez. anos atras que desenvolveram atividades agricolas intensas, os recursos de fauna e flora so escassos pois a regio é ocupada sistematicamente hd muitas décadas. A tha do Cardoso, Parque Estadual desde 1962, apesar das agées predatorias de invasores (cagadores, palmiteiros, etc), proporciona as familias Guarani maiores quantidades e qualidades de alimentos nativos (mel, larvas, frutos silvestres), obtidos com a pritica da coleta As famitias que vive nessas aldeias _possuem fortes vinculos sociais com as demais familias que vivem na regido lagunar estuarina de Iguape (SP) - Paranagué (PR). formada pelas Ithas Superagui e Pegas no Parané (mun, de Guaraquecaba) e Ilha do Cardoso em Sao Paulo. Essas Hhas compOem respectivamente © Parque Nacional do Superagui ¢ 0 Parque Estadual da Ilha do Cardoso. Além dos indios que viviam neste estuatio & época da conquista, vérias geragdes ocuparam cssas Ilhas com intensidade e formas variaveis em diferentes épocas. Atualmente, entre todas as areas que compéem o territério Guarani (no Brasil, na Argentina ¢ no Paraguai), é nessa regio, onde nfo se efetuou a demarcagao de terras para os Guarani, que esses indios dispdem de areas continuas de mata com recursos naturais relativamente preservados. © CT! acompanha o processo de ocupagdo Guarani na regido lagunar estuarina desde 1987, a partir a Iiha da Cotinga (mun. de Paranagua), iniciando levantamentos nas Peas € Superagui em 1990. Desde 0 final de 1992. acompanhamos a ocupacao das familias Guarani na Tiha do Cardoso e, em 1994, na aldeia do Rio Branco. Os estudos realizados nessas aldeias constituiram dois relatdrios antropolégicos: um (1990) sobre a ocupacao Guarani nas ihas do Parana com proposta de delimitagao da aldeia da Ilha da Cotinga (homologada em 1994) ¢ outro (1993) sobre a presenga indigena na TIha do Cardoso no contexto mais amplo que abrange 0 complexo estuarino lagumar Iguape / Paranagua como um todo, A partir de entéo vimos observando @ dindmica social e espacial Guarani sobretudo nas aldeias da IIha do Cardoso ¢ do Rio Branco, elaborando genealogias e observando os processos de mudangas no interior das aldeias. Os Guarani que vivem nesse regido pertencei ao subgrupo Mbya (ver informagdes sobre o grupo em anexo) A realizagdo de um levantamento interdisciplinar (antropologia, agronomia, biologia) © de um seminério com profissionais que trabalham com projetos sustentaveis ou que atuain junto aos Guarani, podera contribuir com subsidios em varios niveis, entre os quais: ao Projeto do CTI “Recuperagao Ambiental, Subsisténcia do Povo Guarani”; apontando elementos para pesquisa as entidades e pesquisadores que participario do seminario; orientando a relagao entre as diversas instituigées ¢ as comunidades Guarani no que se refere as politicas ambiental e funda. Embora seja um levantamento preliminar, onde pretendemos apontar ¢ nfio elucidar questées - @ vastiddo do assunto no se encerra aqui - acteditamos que a contribuigdo dos participantes, através de suas experincias de campo, enriquecerao 0 debate ¢ este documento, Pretendemos, com isto, gue a tonica do seminétio seja ampliar os estudos, 2s informagies € as questdes, em detrimento do cardter politico e polémico que tem revestido as reunides que tratam da presenga Guarani nessas Unidades de Conservagao. (OBS* Durante 0 Semindtio estardo expostos fotografias, mapas e outros documentos Sia ae CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA ‘email - etiguar@dialdata.com.br 2, EQUIPE DE TRABALHO: Pesquisa, campo, elaboragio do documento base Luiz Claudio Bona - Agrénomo ecologista Adriana Perez. Felipim - Agrénoma Mariana Carvathaes - Bidloga mestre em Ecologia Maria Inés Ladeira - Antropéloga doutoranda em Geografia Humana ( coordenadora ) Organizagtio do Seminario Marie Bernadette Franceschini Virginia Valado Maria Inés Ladeira Mediador : Josef Schoenmaker Metodologia CPC: Construgao Participativa do Conhecimento 3, PROCEDIMENTOS PARA LEVANTAMENTO DE DADOS Em razo da maior experiéncia do CTT ocorrer_no campo da antropotogia onde, consequentemente, temos maior disponibilidade de informagdes € conhecimento acumulado, optamos por estruturar 6 trabalho de campo a partir do enfoque metodoldgico das areas de agronomia e biologia, acoplando as referéncias ‘etnogréficas necessérias & compreensio do modo de produgdo agricola, de aspectos relacionados a dicta, etc. As informagdes etnogrificas constantes deste documento foram coletadas ou reiteradas durante os Jevantamentos de campo, pois muitas delas precedem este trabalho sendo imposstvel ignoré-las, Reunides Durante o period de maio a agosto foram realizadas oito reunides entre a equipe interdisciplinar de trabalho, trés delas precedendo as viagens, duas durante os intervalos das mesmas, e trés ap6s as viagens, AAs reunides que antecederam as viagens se concentraram em: introdugao da equipe no contexto do trabalho do CTI ¢ fornecimento de informagoes gerais sobre a dinémica social Guarani e sua localizagdo no litoral / Mata Atlantica; discussdo de aspectos metodolégicos de cada drea de estudo (antropologia, agronomia e biologia) para definiga0 de um enfoque envolvendo as especificidades de catla uma; compilago dos documentos jé existentes no CTI (mapas, estudos técnicos, documentagao fotogrifica, informes diversos, etc.) sobre as populagies € a regitio em foco. Nas reunides realizadas durante os intervalos das viagens discutimos os conteiido dos dados coletados em campo pelos membros da equipe, visando uma interagdo das distintas observagdes. Em virtude das condicionantes deste trabalho (tempo, recursos materiais, etc.) realizar um levantamento fitossociol6gico seria impraticdvel. Decidiu-se assim, apés a primeira viagem, que seria feito uma caracterizagio do meio fisico da regio onde encontram-se localizadas as aldeias e uma andlise centrada nos aspectos relativos & subsisténcia das comunidades. Com esses objetivos foi proposto um rotciro bascado cm observagées diretas ¢ conversas com informantes, para 0s Jevantamentos de dados no campo sobre o modo de ocupago - organizagtio do espago interno das aldeias ( casas, terreiros, trilhas, agua ), produgdo agricola e outras atividades de subsisténcia - Cpe 2 EE Se ee wee fina see ee Ah ale ES CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA email - ctiguar@dialdata.com.br considerando-se as caracteristicas fisicas € peognificas da area € as ocupagdes pré existentes (rogas) € concomitantes (trilhas de caga, coleta, extrago de palmitos e de outros vegetais) as das familias Guarani habitantes, ‘Ap6s as viagens foram realizadas mais 3 reunibes para a produgio do Documento Base Viagens de campo: Foram realizadas trés viagens, com cerca de 3 dias cada uma, as aldeias da Ilha do Cardoso € Rio Branco, Os Jevantamentos de campo consistiram em: identificagio de recursos utilizados na aldeia provenientes do meio ambiente natural (floresta) e também das espécies manejadas no meio ambiente transformado (rogas, unidades produtivas), com suas respectivas procedéncias; observagSes sobre 0 manejo agroflorestal exercido pelas comunidades; coleta de informagdes sobre @ agricultura e frutiferas, artesanato (doméstico ¢ ritual - comercial), construgao de casas, fauna, flora. Em fungao dos limites e dos objetivos do trabalho, as observagées de campo limitaram-se aos niicleos residenciais, as éreas de roga (novas e antigas), a0 aspecto fisiondmico da vegetacdo nativa presente nas éreas de entomo as rogas ¢ nas trithas de acesso a estas rogas € as casas. As infosmagGes foram obtidas através de conversas informais, durante as caminhadas nas trihas, nas freas de roga e no interior das casas, com integrantes das aldeias indicados pelas chefias locais. Prevaleceram 6s informantes com melhor dominio da lingua portuguesa. Além dos indios conversamos especialmente ‘com seu Jo80 Cardoso, morador vizinho da aldeia da Itha do Cardoso, seu Joo (posseiro da ltha do Cardoso) ¢ seu Moisés, descendente dos antigos donos (posseiros) de areas onde se localiza a aldein do Rio Branco. Nenhum questiondrio de entrevista foi aplicado. 4, ASPECTOS RELATIVOS AO MEIO FiSICO. As aldeias da IIha do Cardoso e Rio Branco esto localizadas no municipio de Cananéia na regio costeira do baixo Vale do Ribeira, ao sul do estado de Sa0 Paulo. As caracteristicas neograficas ¢ a precariedade de suas vias de acesso sto fatores que propiciaram um certo isolamento da regiéo om relagdo ao restante do Estado de Sao Paulo, interferindo no processo de desenvolvimento econdmico. De ceria forma, esta situagdo favoreceu a concentragio na regio do Vale do Ribeira de um dos mais significativos remanescentes de Mata Atlantica do Estado que encontram-se, atualmente, protegidos legaliente através das Unidades de Conservagdo (APAs, Parques © Estagies Ecolégicas). Nas regides sul sudeste do Brasil, @ designagdo Mata Atlantica abrange formagies florestais com diferentes aspectos fisionémicos ¢ floristicos como matas de planicie, matas de encosta e matas de altitude. Estas formagdes apresentam-se distintas devido a caracteristicas geolégicas, geomorfologicas, pedologicas, limaticas e hidrologicas, atusis e pretéritas, além do efeito antrépico a que estdo submetidas, Parte do municipio de Cananéia esté situado na porgo continental, onde destaca-se as éreas montanhosas como a Serra do Itapitangui e as planicies arenosas. J4 a sua parte insular & constituida pela Ilha de Cananéia (sede do municipio) que apresenta uma formagao fluvio-marinha e a ha do Cardoso asicamente composta por rochas cristainas pré-cambriana, Ambas as ilhas estdo inseridas no Complexo Esfuarino-Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranagud Se Sine ee ae wee CENTRO DE TRABAL! it - ctiguar@:dialdata.com.br HO INDIGENIST.A clima geral do municipio de Cananéia pode ser considerado megatérmico superiimido, com nenhum déficit hidrico e grande excesso no verdo, apresentando aproximadamente 150 dias de chuvas por ‘ano, alcangando indices anuais de mais de 3.000 mm, A temperatura apresenta como médias de méximas 25,5 °C ¢ de minimas 17.4°C (FUNARI et alli 1987). A ftea da Ilha do Cardoso € de 22,500 ha (segundo decreto de ctiag#o n° 40.319 de 1962 do Parque Estadual da Ilha do Cardoso). Em sua porgo central encontramos um macigo rochoso que atinge até 900 metros de altitude. Em sua face leste, 0 macigo mergulha no mar originando o litoral escarpado. Ao norte © nordeste limita-se com a Baia de Trapandé e a oeste € ao sul fax divisa com o Canal do Ararapira, J nas extremidades sul e norte o relevo baixo, com planicies formadas por depésitos arenosos atuais Todos os tipos de vegetagdo ocorrentes sob 0 Dominio Atlintico estdo representados, em pequena escala na Tha do Cardoso: vegetagdo pioneira de dunas, vegetagao sobre restinga, floresta pluvial tropical da planicie litoranea, floresta pluvial tropical da Serra do Mar ¢ vegetagao de mangue, além da vegetario arbustiva de topo de morro ¢ as formagoes secundarias decorrentes das agdes antrépicas. Segundo o cadastro de ocupantes efetuado por Milanclo M. ¢ publicado em 1992 ( 2° Congreso sobre esséncias nativas ), vivem na tha do Cardoso uma populagao de 370 habitantes distribuida em diferentes localidades: Manujé, Pontal, Enseada da Baleia, Foles, Peteirinha, Cambri, Praia da Lage, Sitio Filhote, Sitio Andrade, Sitio Santa Cruz, Sitio Tajuva, Sitio Trapandé, Sitio Jacared, Sitio Barreirinha, Sitio Barreira Grande, Sitio Pedro Luiz e Tha da Casca ‘A comunidade Guarani na ha do Cardoso tem ocupado para moradia, rogas, trilhas de ligago & demais atividades de subsisténcia, areas dos antigos Sitio Grande € Sitio Santa Cruz (este de posse das familias Cardoso) ¢ defronte a Iiha da Casca. . Nao temos dimensdo da area total da ha do Cardoso utilizada pclos indios pata as atividades de caga ¢ coleta. Dada a localizagdo dos Sitios Grande e Santa Cruz, em frente a Baia do Trapandé, observamos as seguintes formagdes florestais no interior de suas areas: manguezais, floresta paludosa, floresta pluvial tropical de planicie litordnea e floresta pluvial tropical da Serra do Mar. Na poredo continental do municipio de Cananéia destacam-se os Baitros de Porto Cubstao e IRapitangui (pequenos nicleos com prestagdo de servigos basicos), predominando formagdes florestais como mata pluvial de planicie e manguezais. Atravessando 0 Bairro do Itapitangui em dirego @ Serra do mesmo nome, temos acesso ao Bairro Rio Branco, caracterizado por pequenas médias propriedades rurais com atividades agropecuarias em rea de mata atlantica de planicie € de encosta A aldeia Guarani situada no bairro Rio Branco esti a cerca de 25 Km da sede do municipio de ‘Cananéia. A ocupagio no entorno da aldeia pressupde a alteracio do meio ambiente natural, em razao do tipo das atividades desenvolvidas o que limita, naturalmente, o continuo florestal existente no interior da aldeia. A ‘vegetagaio da érea constitui-se de mata pluvial tropical de encosta secundéria, representada por fragmentos de diferentes tamarhos e em diferentes estégios sucessionais de regeneragio, O Rio Branco atravessa a aldeia ¢ suas nascentes encontram-se no interior desta 5. INFORMAGOES SOBRE OS GRUPOS LOCAIS GUARANI As aldeias Guarani Mbya podem ser formadas a partir de uma familia extensa, desde chefia espiritual ¢/ ou politica prépria, O contigente populacional das aldeias situadas no estado de Sao Paulo, varia de 15a 300 pessoas, compondo unidades familiares integradas por apenas uma chefia politica ‘RO DE TRABALHO INDIGENISTA, email - ctiguar@dialdata.com.br ‘A ommanizacao espacial interna das aldeias € determinada pelas relagdes de afinidade © consanguinidade ha do Cardoso ‘A comunidade Guarani da Itha do Cardoso é liderada por Marcilio Karai. Em meados da década de 80 (ndo se tem registro desde quando) o grupo familiar chefiado por Atandsio, pai de Marcilio, vivia na ha das Pecas (Guaraquegaba-PR). Em 1991, Marcilio com sua familia (esposa e filhos) deixou a Iiha das Pecas € passou cerca de oto meses na beira da BR J01, no municipio de Itajai - SC. Em 1992 retoma a regitio Iagumar - estuarina reunindo seus pais e o restante da familia para viver na ha do Cardoso, com a intengdo expressa de viver 0 mais préximo possivel dos preceitos tradicionais. A partir de 1993, dois outros grupos familiares (Tiago € Ailton) se agregaram ao de Marcilio (ver gencalogia). Os nicleos residenciais, as rogas ¢ outros cultivares foram distribuidos nas regiées do Sitio Grande, Santa Cruz. ¢ defronte a Ilha da Casca em locais jé ocupados por antigos moradores, Em jutho de 1997, 0 micleo familiar de Ailton abandonou a aldeia ¢ stas areas j4 preparadas para o plantio, em razlo de desentendimentos com a lideranga predominante de Marcitio. Atualmente a comunidade nao conta com um lider espiritual residindo na aldeia, Seu Clemente, sogro de Tiago, que viveu cerca de 2 anos na itha do Cardoso conduzindo as rezas ¢ realizando as curas, mudou-se em 1996 para a aldeia do Rio Branco. Nas iltimas visitas a aldeia encontramos Mario, pajé de outras aldeias do litoral (viveu nos dltimos anos na aldeia de Itaoca, mun, Mongagué - SP). A auséncia de uma chefia espiritual permanente (que pode ou néo coincindir com a chefia politica), pode ser a causa de um autoritarismo mais acirrado por parte da chefia politica para impor © comando da comunidade, com maiores interferéncias na vida doméstica das famitias nucleares. Este parece ser 0 caso na IIha do Cardoso, ‘Os Guaranis da Ilha do Cardoso mantém estreitas retagdes de vizinhanga que implicam em favores, afetos ¢ intrigas com Jodo Cardoso, morador antigo € permanente da Ilha, descendente dos Cardoso que deram origem ao nome da mesma. Seu Jodo € sua familia (mulher © uma Gilha) vivem da agricultura de subsisténcia e da pesca Outras quatro familias de nao indios tém suas posses na regio proxima aldeia, sem residéncia fixa mas com frequéncia assidua, Estes posseiros, vizinhos, apresentam um discurso de solidariedade com relagio aos indios, Desde o final de 1992, o entendimento entre os Guarani ¢ os téenicos do Instituto Florestal (IF) que edministram 0 PEIC (Parque Estadual Tha do Cardoso) tem sido dificil. Estiveram envolvidos mais diretamente na questo: LF, e outros setores da SMA - Secretaria do Meio Ambiente SP, Gaia Ambiental (entidade local), pardquia de Canangia, CTI, FUNAT e M.P.F. através da Procuradoria da Republica SP (Situagao similar vivem as familias Guarani das Mhas Pegas e Superagui que compdem 0 Parque Nacional do Superagui (Ps), administrado pelo IBAMA. Nao foram definidas diretrizes conjuntas entre SMA, IBAMA © FUNAI relativas as éreas Guarani no complexo lagunar estuarino de Iguape -Cananéia - Paranagu). Rio Branco de Canangia grupo local chefiado por Marcelino, encontra-se nesta aldeia a partir do final de 1994. O processo de chegada deste grupo diferencia-se dos demais pois, na época, este ndo possuia relagdes de afinidade com as demais familias Guarani das aldeias da regiao. Sate Po ene a Saat CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA email - ctiguar@dialdata.com.br Estas relagdes entre aldcias proximas sto fundamentais para as familias novas no lugar pois ¢ a reciprocidade, advinda das aliangas de casamento, que garante a integrago 20 meio (© grupo familiar de Marcelino vivia em 1994, na aldeia de Itacca (Mongagui-SP) © foi levado @ uma drea em Cantagalo (municipio de Cananéia) através de uma ago organizada pela pardquia de Cananéia. 0 objetivo dessa ago (estrategicamente equivocada) era “fundar” uma nova aldeia no continente, de modo & atrair para fora da Itha do Cardoso 2s familias Guarani que 14 viviam, Quando 0 CTI conheceu o grupo familiar de seu Marcelino, no final de 1994, este estava acampado em um terreno particular de Cananéia, ¢ jé havia abandonado a drea de Cantagalo (alegaram varias razies), cencontravam-se sem roga e sem lugar. Na aldeia do Rio Branco vivia, desde maio de 1994, o grupo familiar de seu Benito (cerca de 35 pessoas) que passou a ocupar a étea (por indicacGo da Prefeitura de Cananéia) apés ter vivido, cerca de 1 ano e meio, numa terra em Taquari (continente de Cananéia) imprépria para a lavoura devido aos extensos, intensos € constantes elagamentos. Seu Benito aceitou acolher © grupo de seu Marcelino, impondo a este restriges precisas quanto aos usos da terra. Seu Benito manteve a chefia local até meados de 1996, quando setomou ao litoral de SC onde vivera nos iiltimos anos que precederam a sua vinda para Cananéia, atraido por seu filho Mario, genro de Atanasio (pai de Marcilio), ‘Apés a saida do grupo de Benito, a configuragio espacial da aldeia Rio Branco modificou-se, sobretudo em relagio aos espagos de moradias, terreiros e rogas. Seu Marcelino atraiu a familia de seu Clemente, da Itha do Cardoso para a aldeia, promovendo a unio de seu filho Carlito (que precisou separar-se da esposa) com uma das filhas de seu Clemente, A importéncia de ter um lider espiritual na aldeia, € manifestada na especial atengo ¢ nos servigos que 0 gento Carlito dispensa ao sogro, nos lugares reservados Junto & casa de rezas para esse grupo familiar que prefere nao manter contato direto com os brancos. ‘Atualmente © grupo de seu Marcelina tem também relagdes de afinidade com a familia de Marcilio (Iiha do Cardoso) 0 que possibilita intercambios de matérias primas e técnicas de artesanato, géneros agricolas, plantas medicinais, etc 6, RECURSOS DE SUBSISTENCIA 6.1 - Agricultura E a principal atividade de subsisténcia, produgio de alimentos destinados exclusivamente para o ‘consumo intemo, Nao existe comercializagao de produtos originados nas rogas pelos Guarani das aldeies observadas, Trata-se de uma questio cultural, além do que a produgdo tem sido historicamente pequena, no suprindo a demanda alimentar dos integrantes das aldeias, 0 calendario agricola, aliado ans ciclos da Iua, que determina a organizagio das demais atividades sociais © de subsisténcia da aldcia (visitas entre aldeias, confecgdo ¢ venda do artesanato, caga ). O plantio principal acontece preferencialmente na primeira lua minguante de agosto (a lua cheia é a menos indicada), com algumas variantes em fungdo do proprio calendério lunar, da meteorologia, ou de condicionantes externos. ere’ See CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA email - ctiguar@dialdata.com.br De toda a forma ¢ apés a colheita do milho Guarani, “avaxi etei”, plantado nessa época, que realizam a ceriminia do batismo do milho € das criangas, Esse evento deve coincidir com a época dos “tempos novos”, caracterizado pelos fortes temporais que ocorrern no vero. Desse modo a associagao entre a colheita do mitho € a ceriménia do batizado (nimongarai) impde o calendério agricola e é fator que define o tempo de permanéncia das familias nas aldcias Segundo os padrdes tradicionais Guarani, a familia extensa € composta, em principio, pelo casal, filhas, genros e netos, constituindo-se numa unidade de produgdo € consumo. Atualmente, a familia -grande ainda que tenha algumas variantes na sua composigao, € a unidade de produgdo. Porém, a “propriedade” das Togas € 0 consumo dos produtos é da familia elementar, depois do nascimento de filhios do easal, Isto mo exclui os servigos nas rogas do sogro ea realizacdo de mutirdes entre as familias. As relagies entre sogros © genros nas aldeias da Cananéia ¢ sua influéncia na divisio dos espagos e do trabalho nas rogas € nos sistemas de reciprocidade ¢ mobilidade € nitida. Fla ¢ obscrvada (ver gencalogias) na tIha do Cardoso, através das situagées de crise recentes, Com a morte de sua mulher, seu Atandsio viajou, ha cerca de um més, para a aldeia de Guarita (RS) para visitar um filho por tempo indeterminado © nao tera sua roga na Ilha do Cardoso, este ano. Este fato foi determinante para que prevalecesse 0 desejo de Marcilio quanto @ safda, da Itha do Cardoso, de seu cunhado Mario (e sua irma e sobrinhos) pois antes, a quebra da relagdo sogro/genro estabelecida por seu pai, ndo seria possivel. Ailton saiu da aldeia, por razdes politicas, seauindo seus sogros Dionisio € Jiilia € 0s outros genros dos mesmos. Jé seu jrmfo Alcides, genro de Marcilio, permaneceu junto na Iha do Cardoso. Nelson, filho de Marcilio, easou-se hha pouco tempo com a filha de Marcelino e foi morar na aldeia do Rio Branco, com 0 sogro. A alianga criada por Marcelino, através do casamento do filho Carlito com a filha de Clemente foi fundamental para ‘organizagao de sua aldein, quando pode exercer a chefia politica, apés a saids de Benito. Seu Clemente mudou-se com todo seu grupo familiar para 0 Rio Branco onde vive num espago proprio, contando com os servigos de um genro novo, em detrimento da companhia do genro mais antigo, Tiago, que permaneceu na tha, ‘As visitas para este levantamento foram realizadas antes do periodo de plantio nao sendo possivel verificar o desenvolvimento das plantas. Por outro lado, pudemos observar aspectos relativos a distribuigao © destinago das areas de rogas ja preparadas de acordo com as aliangas e cisdes ovorridas nos iiltimos meses. Sistema de produgao O sistema de produgao adotado pelos Guarani nas aldeias da tha do Cardoso e Rio Branco & 0 itinerante, comegando com 0 corte/demubada, seguido de amontoa e queima das folhazens © ramos finos, limpeza (com enxada}, plantio, manutengdo e colheita. Preferem reutilizar areas jé abertas, cultivando um mesmo local por varios anos (5 anos no caso de uma raga na Tha do Cardoso). partir do enfraquecimento geral dos cultivos, abandonam a area em pousio por varios anos, No primeiro ano plantam de tudo, priorizando as espécies mais exigentes em fertilidade (mitho, feijio, amendoim, etc.), destinando partes mais “fracas” para cultivos menos exigentes. Como resultado tem- se rogas com boa diversificagao. A partir do enfraquecimento do solo, abrem novas éreas para estas culturas ¢ utilizam a area anterior para aipim, banana, batata doce, aroz, Numa area de roga jé com cinco anos de uso, solo bastante arenoso € plano na Ilha do Cardoso, 0s indios irdo plantar mitho, batata doce, cana e aipim, Se Pee Sina ea NTRO DE TRABALHO INDIGENISTA email - etiguar@dialdata.com, Segundo informagdes, as reas novas (detrubada de capoeiras) e mais afastadas dos micleos residenciais, sto repartidas entre as familias. Todos os integrantes da aldeia - homens, mulheres, criangas - trabalham desde a derrubada até a colheita, A preparagdo da terra para o plantio envolve mais o trabalho masculino, 20 passo que na colheita predominam as mulheres A abertura de novas éreas & feita em fungo do plantio de mitho e feijao. Nao necessariamente serdo plantadas apenas estas espécies, porém elas so usadas como referéncia em fung3o da maior exigéncia em fertilidade do solo. ‘A pritica da derrubada da mata é efetuada entre J € 3 meses antes do plantio, em sistema de mutirdo. A experiéncia deles mostra que a umidade do ar e a intensa pluviosidade impede que o material demrubado seque o suficiente para queimar. Além disto, 0 crescimento de espécies nativas pioneiras & tao répido que, num prazo maior de descanso antes do plantio, jé precisam fazer nova rogada. ‘A queima restringe-se 20s ramos folhosos das drvores que so reunidos em pontos de maior adensamento. Do que sobra, parte ¢ retirado ¢ amontoado nas margens do rogado ¢ os troncos sio deixados no local. A queima dos ramos também é feita em conjunto. Fazem aceiro nos locais de maior risco, onde existem muites plantas rasteiras e suficientemente secas na ocasido. Geralmente dispensam esta pritica porque queimam em pontos isolados entre si Realizam a limpeza do solo imediatamente antes de plantar. Retiram parte da liteira (restos em diferentes estagios de decomposi¢ao que recobrem o solo) para faclitar o plantio. Existem subdivisbes dentro da drea, destinadas as rogas das familias clementares. Fstas pequenas subdivisbes néo apresentam wi limite fisico aparente e, segundo informagoes, cada familia pode cultivar o que quiser nestas dreas plantio € feito com enxada, faco ou mesmo tocos pontiagudos. Abrem pequenas covas onde depositam as sementes, geralmente 2 a 3 de milho, 2 de feijao, uma estaca de mandioca, um tubérculo de batate doce. As capinas, so feitas de acordo com a necessidade de cada parcela. Areas novas “sujam” menos que aquelas em reutilizagdo. A incidéncie de ervas rasteiras aumenta ano a ano, de acordo com 0 grau de degradagao do solo, dentre outros aspectos. Em se tratando de rogas bastante diversificadas, a colheita é feita em diferentes épocas. De acordo com as informagées, quando a produgdo é boa, constrdem um paiol para armazenamento, nos mesmos moldes das casas, Na aldeia Rio Branco havia um pequeno paiol proximo a casa de seu. Clemente, ainda sem uso devido ao “insucesso dos cultivos anteriores” Localizagto e tamanho das rogas: As freas de roga apresentam-se dispostas nas proximidades dos niicleos residenciais (entomno) € no interior da mata, no muito afastadas das residéncias. As rogas de derrubada localizam-se ao longo das trithas ‘Trata-se de uma regio de ocupagdo antiga e os indios tém aproveitado areas de capoeira, cultivadas ‘em diferentes épocas ¢ abandonadas para o pousio,Nao encontramos nenhuma derrubada de mata primésia Estdo nitidamente aproveitando o que jé foi aberto, ere een Se a ee CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA email - ctiguar@dialdata.com.br Pudemos observar que sto preferidos os solos de coloracdo marrom, com textura argilo arenosa, sendo este critério prioritério em relacto 4 dectividade e profundidade do mesmo. Nao existem padroes quanto a insolaggo do rogado. As dimensGes e formatos das rogas variam de acorde com as caracteristicas da parcela, Em geral so algo retangulares. Medem em bracas (2,2m) e litvos (605 m2). Na aldeia Rio Branco estimamos wn total de 2 hectares em culfivo (ou em preparo para plantio) dispostos em 4 Areas, 3 na mata ¢ 1 ao redor das casas. Areas de roga em pousio e reutitizagao Das rogas feitas pelos indios € abandonadas em pousio, observamos na tha do Cardoso (Sitio Grande) duas éreas: uma proxima ao micleo residencial e outra no interior da mata, ambas localizadas em uma drea de transigdo entre a planicie arenosa de restinga ¢ a encosta. A drea em pousio proxima ao nicleo residencial foi utilizada desde 1993 para o plantio de mitho e feijao e encontra-se abandonada ha cerca de 1 ano, Ailton informou-nos que se houver interesse em destinar esta érea para o plantio de banana, seria necessario esperar mais 3 anos de pousio. Para novo plantio de milho e feijao, 0 tempo de pousio deve ser de cerca de 10 anos. A cobertura vegetal nativa presente sobre esta area detém uma fisionomia herbiicea- arbustiva caracteristica de estigio inicial de regeneragdo. A dres disposta no interior da mata, segundo Ailton, também se encontra em pousio ha cerca de 1 ano € foi utilizada para o cultivo de milho e feij2o. Pretendem utilizar esta érea novamente para milho, feijao, mandioca, batata-doce, melancia, entre outros cultivares apricolas, em fungio da “boa qualidade da terra”. Na Aldeia Rio Branco, das areas de rogas antigas destinadas para pousio, foram utilizadas 2 areas no interior da mata para o plantio de milho e feijao. Dessas, uma se encontra em pousia ha cerca de dois anos © ‘outra ha cerca de trés anos. Ambas as areas se localizam em Area de encosta ¢ apresentam uma fisionomia arbéres-arbustiva caracteristica de estégio inicial de regeneragdo. Carlito informou-nos da intengo de reutilizar a érea que se encontra abandonada ha trés anos para o plantio de mitho e fei. Rogas em utilizago ‘Ao redor dos niicleos residenciais existem Areas cultivadas com aipim (mandioca), batata doce, milho, feijéo, além de outras espécies em menor escala como 0 fumo, cana ¢ amendoim. Na aldcia Rio Branco algumas espécies foram plantadas nos iltimos dois meses: mitho guarani,feijéo guarani, batata doce, amendoim e aipim, Na ltha do Cardoso (Santa Cruz) encontramos apenas areas com aipim em ponto de colheita As familias Guarani estio utilizando estas éreas pare o plantio na IIha do Cardoso desde 1993 (Santa Cruz) e 1995 (Sitio Grande) ena aldeia Rio Branco desde 1995. Os cultivares agricolas Guarani Pouco se sabe em termos qualitativos ¢ quantitativos sobre as espécies cultivadas que migram junto ‘com estas populagées indigenas. Tais cultivares so plantados nas areas de roga constituindo verdadeiros bancos de germoplasma “in situ”. Os indios dedicam atengao especial & estas espécies. Priorizam a ‘manutengdo das sementes e consomem os excedentes. Seale eae RABALHO INDIGENISTA ‘email - etiguar@dialdata.com.br Do milho Guarani “avaxi ctci”, levantamos as seguintes classificagdes (feitas pelos indios): avaxi mitaim (avaxi yuyi, karapei, ponyi), avaxi ju e avaxi pytd (mesma classificago), avaxi takua, avaxi ti (avaxi tovel, para, paraguagu, paracau, ovy, um). Segundo pudemos entender, uma mesma “qualidade” presenta diferentes coloragdes dos eros, tamanhos da espiga, tamanhos do pé de milho, entre outras. Observa-se que ha diversas denominagdes para uma mesma qualidade de milho, de acordo com suas caracteristcas (Segundo Ailton, devido a escassez de sementes, ocomeu a mistura das vasiedades de milho ‘atualmente, uma mesma espiza chega a apresentar coloragdes distintas nos graos). Ja Marcilio apresentou algumas espigas de avaxi ju (¢ pyta) e avaxi ti, ainda com caracteristicas originais ¢ explicou como fard para cultivé-las isoladamente, Na aldeia Rio Branco as sementes remanescentes ja estavam plantadas, ndo sendo possivel saber se howve preocupagdo com o isolamento de cada uma delas Segundo Marcilio, existe uma s6 qualidade de feijo Guarani “Kumanda etei” (joperi rayi) com dois, tipos que diferem no porte da planta: o grande ¢ o pequeno. Na Ilha do Cardoso possuem apenas 0 pequeno, ‘0 “Kumandé etei” é um vigna sp., semelhante ao feijdo de vara (feijdo de corda) e por ter hbito trepador, necessita tutoramento © que ¢ feito com o proprio mitho (quando em plantio consorciado). por plantas deixadas no meio das parcelas ou pela rebrota dos tocos. Segundo nos foi mostrado, os grdos de “Kumanda tei” também apresentam distintas coloragdes (preto, vermelho, amarelo). Outros cultivares Guarani como a batata doce “jety mandi” ¢ a cana-de-agucar “takuaree avaxi", foram encontrados. Na aldeia do Rio Branco, segundo informagao de Carlito, estas mudas foram trazidas da aldeia de Xapeco (mun, de Xanxeré - SC), onde reside sua mae e irmaos, Outras cultivares encontrados nas aldeias: Os indios denominam os cultivares obtidos através dos brancos de “ tupi”, Os cultivares agricolas provenientes do meio social extemo variam qualitativamente conforme a propria caracterizago deste meio. ‘Também o relacionamento com # populagao regional e com as instituigdes locais e as condiges de acesso silo fatores de diferenciagao entre as aldeias no que refere a variedade ¢ quantidade desses cultivares. Parte das rogas ainda nfo estavam totalmente preparadas porque as sementes de milho, feijéo e arroz. ainda nfo haviam chegado (0 CTI, através do projeto, contribui com sementes) Dos cultivares intercambiados entre as aldeias ¢ entre membros de uma mesma aldeia destacamos: 0 famo, a porunga (cabaga), 0 amendoim e as espécies denominadas proprias dos Guarani (avaxi etei, Kumandé etei, takuaree avaxi, jety mandi6, capid, yaum). O fumo (penty) ea porunga encontrados na aldeia da Sha do Cardoso, foram levados para a aldeia Rio Branco, O amendoim (mindui) encontrado na aldeia Rio Branco veio da aldeia de Xapecd (SC) Na aldeia da tIha do Cardoso, cultivares agricolas provenientes do sitio de seu Joo Cardoso foram introduzidos: caré-guagu, cari-nagé, caré-mirim, cari-d’angola,, Além destes, algumas plantas de uso medicinal: boldo chinés, salgueiro, sabugueiro e erista de galo. at re entre a ee CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA email - ctiguar@dialdata.com.br 6.2. Frtiferas Encontramos, nas duas aldeias, algumas fiutiferas ao redor dos miicteos residenciais ¢ a0 longo das trilhas, dentre elas: laranjas, limées, ponkan, mamao, goiaba, banana, aragé, sempre em pequeno mimero & dispostas de forma ocasional. Merecem destaque as jaboticabeiras “seculares” encontradas na Tha do Cardoso. A maioria destas espécies foram introduzidas pelos antizos moradores da regio, assim como € 0 caso do café cultivado na sombra das bananeitas, ings € outras drvores ao redor das casas, como foi observado no caminho de acesso a aldeia Rio Branco € na casa de seu Joao Cardoso, na ilha Algumas espécies foram replantadas pelos indios, a exemplo da banana ¢ do mando. 6.3. Criagto animal A avicultura, principalmente galinhas, é a mais difundida entre os Guarani e é praticada num sistema semi-extensivo, As aves so mantides num pequeno galinheiro somente durante a noite e slo soltas logo pela ‘manhd, sempre nas proximidades dos niicleos residenciais. Recebem porgdes de milho tritarado em pilio e depois pastam (restos de alimentos ¢ graminea) ao redor das casas, 6.4. Caga A atividade da caga € realizada nas duas aldeias, porém, a disponibifidade de fauna & bastante irregular na regiao, Na Ilha do Cardoso, a. variedade de animais é evidentemente maior do que na aldeia Rio Branco onde praticamente nao existe mais caca em fungo da historia de ocupagao da rezio. Para os Guarani Mbya a caga no tem seu sentido exclusivamente na alimentagdo. Portanto nfo & ‘uma pratica intensiva, obedecendo a ciclos derivados dos calendarios lunar e agricola sendo, muitas vezes, precedide de rituais religiosos. A possibilidade de exercé-la hoje em dia é um privilégio possibilitando, aos meninos, a iniciagao a atividade através da caga a anta que inclui o aprendizado do uso do arco ¢ flecha As espécies consideradas como apropriadas a dieta Guarani sto 0 cateto “koxi” ¢ a queixada (animais cuja came é preferida em razao do menor teor de sal), paca “jaixd”, anta, veado “guaxu', tatu, cotia, ‘quati, jacutinga, entre outras, Os tabus alimentares no se relacionam somente com a espécie do animal (incluindo os peixes). Segundo Carlito, ha uma variedade de regras que condicionam a alimentagdo de criangas, gestantes e velhos e ainda aquelas relacionadas aos resguardos € a couvade, Os Guarani tém uma relagao especial com as ongas “jaguarete” (denominagio mitica do xivi nuvixa). Os nomes atribuidos por seu Marcelino e Carlito as diversas espécies de ongas referem-se as caracteristicas fisicas das mesmas: xivi um (onga preta), xivi paraxive (onga pintada), xivi pyt& (vermetha), xivii red Gaguatirca), xivi karapéva, Os Guarani priorizam a condig2o de cayadoras das ongas, no tendo interesse nesse animal enquanto caga. Segundo Marcilio e Carlito a onga é abatida somente quando provoca ou pede 0 confronto, quando aproxima-se dos nacleos residenciais atacando os animais domésticos. Recentemente, uma Jjaquatirica morreu casualmente numa armadilha e outra foi abatida nos arredores das casas da aldeia da ha do Cardoso. ene CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA ‘email - ctiguar@dialdata.com.br 2 Segundo Marcilio € Carlito, nesses casos, sua came cozida ou moqueada. & destinada aos des “jagua” para se tornarem também bons cagadores, Fazem os ces cheirar o anus da onga para reconhecerem quando esta proxima e evitar que ataque as galinhas. reciso observar, no que se refere as regras alimentares, que estas norteiam as atividades sociais ¢ de subsisténcia e estdo sujeitas, em determinadas ocasides (imediatas) a serem transgredidas. Em principio, as transeressdes sto individuais e sdo assimiladas pela comunidade. As transgressdes coletivas (de um ou mais 7 grupos familiares) indica, em geral, uma situago de crise revertida na perda de identidade com 0 lugar : (social e meio) e que antecede a partida, temporiria ou nao, do grupo. Além de alimentarem-se com # came das cagas os indios utilizam as peles e/ou penas e dentes na 7 confecgao de artesanatos ¢ como remédios. Os Guarani em geral costumam “domesticar” alguns animais silvestres, mantendo-os nos terreiros (okapy) temporariamente. Entre eles, preferem algumas aves como papagaio e pica pau, quatis, catetos ¢ 7 bbugios (cai) Na aldeia Rio Branco, observamos pequenas anmadithas dispostas nas rogas, uilizadas para capturar as aves € 05 ratos (anguj) que se alimentam das plintulas de milho. Quando capturados, estes animais so * consumidos. As rogas € as criagdes de animais domésticos constituem-se num atrativo & fauna sifvestre, indicando uma possivel relagdo entre a disposigao das areas de roga ea atividade da cage, a 6.5. Cultura material i Nas duas aldeias, as casas s8o construidas com madeiras nativas, com domindncia do jacatirao j (tibouchina sp.), porém um dos critérios para a escolha dz madeira a ser util ja, segundo informagaes, & 0 7 didmetro similar dos troncos. Para a cobertura so utilizadas espécies vegetais disponiveis nas aldeias. Na Itha Z do Cardoso as coberturas so de guaricanga indaia No Rio Branco, as casas so cobertas com guaricanga € capim-bravo, i j ‘As madeiras oriundas da derrubada das rosas so aproveitadas para lenha, méveis (jiraus e bancos), . flechas, armadilhas de caga © pequenos mundéus dispostos nas rogas para aprender aves e pequenos roedores, bodoques (bolinhas de barro), etc... Quanto aos utensilios domésticos oriundos do meio natural, observamos a porunga (cabaga) e cestos de taquara. Das espécies vegetais nativas utilizadas em maior escala ‘como materia prima, destaca-se a taquara para a confecgo dos varios tipos de cestos. Os artesanatos sto confeccionados a partir de matérias primas coletadas nas areas de mata das aldeias. A mata Atlantica apresenta grande niimero de especies que representam recursos madeiteiros e no ~ madeireiros utilizados pelos Guarani. A maioria dessas espécies ocorem nas duas aldeias. A caixeta e 0 = cedro (Marcilio mostrou 2 arvores) so encontrados na Ilha do Cardoso. Guajuvira, alecrim ¢ cancla, usadas na confecgio de instrumentos rituais no so espécies da regio sendo estas madeitas, ou os préprios instrumentos, trazidos de aldeias de outras regides (interior do Pr, SC, RS). Na ilha do Cardoso, onde hé ~ disponibilidade de argila, confeccionam cachimbos de barro. Se Peer } RO DE TRABALNO INDIGENISTA email - ctiguar@dialdata,com.br Sio comercializados, com muita aceitacdo, miniaturas de animais silvestres confeecionados com caixeta. A caixcta é uma espécie existente apenas na aldeia da lha do Cardoso, onde ha 0 dominio dessa ‘técnica (predominantemente masculina). Com as aliangas de casamento que acarretaram na mudanga, da Tha do Cardoso pata o Rio Branco, de pessoas com 0 dominio da técnica, esta passa a ser difundida também nesta aldeia. Colares de capia e yaum sao confeccionados para a venda, porém estas espécies nao so nativas da repido. So cultivadas pelos Guarani, Para a confeceio dos colares utiliza-se, como cordao para as contas, as fibras do tucum, Além das contas, os colares podem ser complementados com penas (de galinhas ou de aves silvestres ~ alma de gato, pica -pau, entre outras) e dentes de animais silvestre. ‘Também sao comercializados arcos, flechas, cestas, pulseiras machadinhas, chocalhos, flautas, abanos, Além de Cananéia, sacm em grupos para vender em Itapitangui, Jacupiranga e Iguape. A oferta de artesanato & maior que a demanda de compra, Relagao das espécies vegetais - Cultura material Tape Tonia aa Tine don Tie aa Tage Fale Biecanet 7s Ths hod | Tn dare Ro cenbesisiona Brno alow emer zs 2 | reas ets “a Cane Taba cana) Esa mista 2] Hh de Carino Gignonaese) fins ives (zeuets Cot rene Ea amch Ta deGadeoTiie Bence Tec. 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RIO BRANCO{ de itonhabm ) Nt aguareu 2.Tagca, 13, BANANAL 1S. RIO GRANCO{ de Cenanéie) 16. ILA 00 cano0s0 17 BARRA 00 ARARAPIRA( Superogu!) 18 MORRO DAS PACAS (Superagui) 19, PEScADA 20, CERCO GRANDE 21, COTINGA 22. mpicuacu . 23. PALHOGA/ MASSIAMBU ‘28 MORRO 00S CAVALOS. 25, voTOURO . ° ° . ecunanizapio ronoiina “inca 0¢ stuacio anrenon AcoMPANnAMENTO FumDuiRio ALoEuS cuanant MAPA DE LOLALIZAGAC DAS AREAS GUARANI - REGIOES CTI = Centro de Trabalho Indigeniste - 1-996 SUDESTE | SUL SxtsA 999999999999 939599399999999993999999 999999999993999 Informagdes sobre grupo indigena Guarani Maria Inés Ladeira - CT! 1. 0 Territério Tradicional “Antes da chegada dos europeus, os Guarani integravam a grande familia ou nagao conhecida com o nome de Guarani-Tupi. A mesma ocupava uma vasta regio que, de maneira descontinua, descia pelas costas do Oceano Atlantico desde a desembocadura do Amazonas alé o estudtio Platino, estendendo-se rumo ao interior até os contraforles andinos, especialmente em volta dos rios. A familia Guarani-Tupi habitava pois, grande parle dos atuais territérios do Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai, Guiana, Bolivia, Peru e Equador. O nuicleo Guarani propriamente dito se centrava entre os rios Parana e Paraguai com certas prolongacdes; pode-se dizer que parte da costa Atlantica até o Brasil e a provincia de Misiones na Argentina, com algumas fixagdes em territérios bolivianos pelo noroeste e Uruguai pelo sudeste.” (Saguier, 1980) Helene Clastres resume a ocupacao Tupi-Guarani no século XVI sem contradizer a definicdo de Saguier, da seguinte forma: “Os Tupis ocupavam a parte média e inferior da Bacia do Amazonas e dos principais afluentes da margem direita. Dominavam uma grande extenséo do litoral Atléntico da embocadura do Amazonas até ‘Cananéia. Os guaranis ocupavam a porgdo do litoral compreendida entre Canan (SP) e 0 Rio Grande do Sul; a partir dai, estendiam-se para o interior até os rios Uruguai, Parana e Paragual. Da confluéncia entre o Paraguai e 0 Parana, as aldeias indigenas distribuiam-se ao longo de toda a margem oriental do Paraguai e pelas duas margens do Parand, Seu territério era limitado ao norte pelo Rio Tieté, a oeste polo Rio Paraguai. Separado deste bloco pelo Chaco, vivia outro povo guarani, os chiriguanos, junto as fronteiras do império Inca’. (1978:8) 2. Classificagao - Localizagao Qs indios Guarani que vivem no Brasil foram classificados nos anos 50, por ‘Schaden (1974: 2) em trés grandes grupos - Kaiove, Nhandéva, Mbya - conforme , diferengas dialetais, de costumes e de praticas rituais. Embora’em outros paises (Paraguai, Argentina, Uruguai, Bolivia) existam outros subgrupos Guarani, no Brasil, dada a grande dispersdo causada pelos movimentos migratérios em diregdo ao leste, algumas diferencas culturais e linglisticas foram alenuadas, As experiéncias vividas por estes diversos grupos - nas redugSes jesuiticas, durante o periodo de colonizagao ibérica, com a politica indigenista oficial e o contato sistematico e diversificado‘Com a sociedade nacional - influiram nos modos de organizacdo comunitétia dos Guarani, promovendo novos reagrupamenitos e a miscigenagao entre subgrupos diversos. Conforme a classificagao de Aryon Dall'igna Rodrigues (Melati, 1987:36), Mbya, Nhandéva e Kaiova so dialetos do idioma Guarani que pertence a familia Tupi Guarani, do tronco lingiistico Tupi. D2O.0: 9 OO) a aaa Or) oa D > 999999999 999999999999999999 Os Kaiova concentram-se em varias aldeias no Mato Grosso do Sul e no leste do Paraguai, Apesar da auséncia de registros anteriores sobre sua presenga no Itoral, conhecemos uma familia que viveu durante alguns anos na aldeia Boa Esperanga no litoral do Espirito Santo e, recentemente, um grupo que viveu cerca de 2 anos na aldeia Parati Mirim (RJ). Os Kajova, nao se autodenominam Guarani preferindo se identificar, perante aos outros Guarani ou a sociedade regional, como Kaiova. Os Nhandéva vivem no Posto Indigena de Arariba situado no interior do estado de Sao Paulo, em varias aldeias no Mato Grosso do Sul e no Paragual, no litoral paulista, (nas aldeias do Rio Silveira, Itarir, Itaoca, Bananal) e no Iitoral catarinense (em Morro dos Cavalos até dezembro de 1994, Mbiguagu , Praia de Fora e Barra Velha). Os. demais subgrupos Guarani também se aulodenominam Nhandéva (que quer dizer “n6s" ou “nossa gente" ) mas ndo de forma exclusiva, como os remanescentes dos bandos Tanigua, Apapocuva, Oguauiva e outros que hoje sdo identificados pela literatura etnogréfica como Nhandéva. Outra denominagao comumente atribuida a este grupo é a de Xiripa. No Mato Grosso do Sul, onde se encontram reservas que abrigam 0s Kaiova e Nhandéva, estes ditimos sao conhecidos como Guarani. Em Sao Paulo, os Mbya chamam os Nhandéva das aldeias do litoral sul de Tupi Guarani. Os Mbya esto presentes em varias aldeias, no leste do Paraguai, norte da Argentina e Uruguai, no interior ¢ no litoral dos estados do sul do Brasil - Parana, Santa Calarina, Rio Grande do Sul. Em So Paulo, Rio de Janeiro e Espirito Santo estéo estabelecidos no litoral junto a Mata Atlantica. Fora dos limites de seu tertitério tradicional encontram-se familias Guarani Mbya vivendo no Para (aldeia Nova Jacunda) em Tocantins numa das dreas Karaja de Xambioa. Outras classificagdes séo encontradas, como nas publicagdes no Projeto Pai- Tavyterd (Valle; 1976:10) "os mesmos grupos so respectivamente referidos por nomes duplos, que indicam a subdivisao entre paraguaios e brasileiros: Mbya/Ka'yngud, Chiripa/Guarani e PaifKaiova". A denominagéo comumente empregada pelos Mbya ao referirem-se aos Nhandéva em geral 6 a de Xiipa - uma vez que Nhandéva também é autodenomiriagéo Mbya. Os dois subgrupos entretanto reivindicam para si, com exclusividade, a categoria de legitimos indios Guarani Para Schaden (1974:3), "Mbud (gente) é a auto denominagao mais usada pelos Guarani conhecidos na bibliografia como Kaingud, Kaiva, e que os Nhandéva chamam tambéadpé (chiripé largo) ou txeiru, fianeiru (‘meus' ou ‘nossos’ amigos). Nao raro, encontra-se também para esses indios a denominacao aputeré, ou seja, apyteré, que eles proprios, no entanto, repelem como depreciativo. Entre os paraguaios séo conhecidos pelo apelido de baticolas, em atenc&o ao chiripé que usam entre as pernas. ‘Também se ouve em outros subgrupos o apodo de Avéhuguai, ‘homens de cauda’, dado pelo mesmo motivo". Em Cadogan (1959: 8), "o nome pelo qual os Miya se designam em suas tradigses € Jeguakdva, ou Jeguakava Tenonde Porangue i, Jeguakava, em linguagem ‘comum, significa adomo (de plumas para a cabeca); jeguakéva, no vocabulério religioso, é 0 nome utiizado para designar ao homem, & humanidade masculina; 9999999999999999999999999999939999999399995990999 2 Jeguakava Tenonde Porangue i seria: os primeiros homens escolhidos que receberam 9 adorno de plumas”, O correspondente feminino dessa denominagao, ainda segundo Cadogan, é Jachukava. Os Guarani que vivem no literal brasileiro junto a Mata Atlantica , identificam-se como Mbya e Nhandéva. Os Nhandéva formaram suas aldeias no litoral a partir de fluxos migratérios originarios em séculos passados. Os Nhandéva de Santa Catarina nao identificam hoje parentes no litoral sul de Sao Paulo e vice versa, nado mantendo nenhum intercambio social. Este fato talvez indique a antiguidade da presenga Nhandéva nas regides de suas aldeias. E, se antigamente existiam vinculos de parentesco entre os grupos migratérios Nhandéva que chegaram ao liloral nos séculos passados, ao longo do tempo foram se esvanecendo e concentrando-se regionalmente. Assim como observa-se maior desenvoltura no relacionamento entre os Nhandéva e a sociedade envolvente, também algumas unides entre esses indios e individuos da populacdo regional so notadas, nas titimas gerages, nas aldeias do litoral dos dois estados. Conforme relatos de histérias de vida dos Nhandéva que vive atualmente no litoral catarinense, estes se instalaram na regio a partir do inicio deste século, Como "senhores’ dos lugares no querem perder o “dominio para os Mbya. Visitam todas as. aldeias formadas pelos Mbya que chegam ao Storal, tratando-os com certo “paternalismo* e “autoritarismo". Reconhecem nos grupos familiares recém chegados alguns parentes, frutos de casamentos e lagos socials entre os dois subgrupos acontecidos no passado, no Paraguai, ou no sul do Brasil Os Mbya do litoral de So Paulo passaram por experiéncias similares quand. oriundos dos estados do sul instalavam-se nas aldeias Nhandéva de Peruibe e Itariri, no litoral sul de Sao Paulo. Estas estadias eram provisérias e esbarravam sempre com © autoritarismo do chefe Nhandéva do momento. As aldeias Guarani do Itoral esto distribuidas numa longa faixa geogréfica que se estende do Rio Grande do Sul ao Espirito Santo. Seu contingente populacional é composto por grupos familiares que, historicamente, procuram formar seus assentamentos junto & Mata Atiantica sob a perspectiva poltico-religiosa de alcangar a “Terra sem Mat", que se encontra além do oceano. Dentre os trés grupos Guarani so os Mbya que vem dando continuidade ao processo de migrago ao litoral a partir do leste paraguaio, nordeste da Argentina e sul do Brasil. Apesar do constante proceso migratério e da miscigenagao entre os varios grupos Guarani, com experiéncia ou nao nas redugdes, os Mbya mantém uma unidade cultural e lingiistica bem determinada, o que lhes permite reconhecer seus iguai mesmo vivendo em aldeias separadas por grandes distancias geogréficas e envolvidos por distintas sociedades nacioneis (Brasil, Paraguai, Argentina e Urugual). 3999999999999 99999999999999399999993939999999992953 ) 3. Aspectos do contato Embora controvertidos, varios estudos sobre os Guarani apontam que os Mbya descendem dos grupos que nao se submeteram aos “encomenderos” espanhdis € tampouco as misses jesulticas, refugiando-se nos montes e nas matas sub-tropicais, da regio do Guaira paraguaio e dos Sete Povos. No século XIX aparecem na literatura ‘com 0 nome genérico de Caingua ou Kaygua. Kaygua, conforme Cadogan (1952: 233) provém de Ka aguygua, nome depreciativo aplicado aos Mbya, que significa "habitante da mata”. Os Guarani referem-se aos “brancos” como jurua, No se sabe ao certo desde quando empregam esse termo, porém hoje ele tem uso corrente e parece destituido de ‘seu sentido original. Jurua quer dizer, iteralmente, "boca com cabelo", uma referéncia & barba e bigode dos europeus, portugueses e espanhdis conquistadores. Nesse sentido, ‘© nome jurua foi criado a partir do contato com esses brancos, embora hoje seja utiizado com relagao a todos os nao indios. Os Guarani possuem uma histéria antiga (desde o século XVI) e conturbada de contato, configurada pelo confisco de seu territério, Entretanto, a despeito da existéncia de uma meméria coletiva desta historia, encontra-se, entre os Mbya, uma minoria falante do portugués e indmeras familias com pouca comunicagdo com a sociedade envolvente. ‘Além da tolerdncia e diplomacia, somam-se caracteristicas do contato sistemético, desde a conquista, que produziu, nesse povo, formas muito especificas e desenvolvidas para preservarem suas tradigdes e estabelecerem relacdes com a sociedade dominante. Os Guarani, a5 custas do contato antigo e intenso com os brancos caracterizado por perseguicdes culturais e fisicas, desenvolveram varios mecanismos para guardar e viver suas tradigdes culturais e religiosas, garantindo sua reprodugao enquanto povo ¢ etnia. Seus métodos néo excluiram o convivio inevitavel ‘com 0 branco, com quem sempre procuraram manter um relacionamento amistoso. A demonstracao de respeito aos costumes e religioes alheias, 0 modelo de trajarse copiado da populacao regional significavam, mais do que a submisso a um proceso continuo de aculturagao, uma estratégia de auto-preservagao. Desta forma, sob o traje que encobre diferencas profundas, 0s Guarani tentaram, embora nunca renegando sua condi¢ao de indios, com tolerancia e intencional opacidade, resquardar-se de novas feridas. Os Guarani, além de carregarem o estigma de “indios aculturados" em virtude do uso de roupas e outros bens e alimentos industrializados, sao considerados como indios errantes ou némades, ‘vindos do Paraguai", etc. Esse'fato, aliado & averséo desses indios em brigar por terra, via de regra era distorcido de seu significado original uflizado para reiterar a tese, difundida entre os brancos, de que os Guarani néo precisavam de terra pois nem “lutavam" por ela. Dessa forma, favorecendo os interesses econémicos especulativos, pretendia-se descaracterizar a ocupagdo Guarani fas encostas da Serra do Mar e adjacéncias, negando-thes, sistematicamente, o direito terra. Ae ee ee eM ede cae eed deed Neste século, em virlude das pressGes exercidas pela sociedade envolvente, os Guarani perderam areas que jamais poderao retomar, desviaram sua trajetéria em fungao das novas rodovias, mas conseguiram manter as aldeias como pontos estratégicos e vitais que permitem manter a configuracdo de seu espago e presenca junto a Serra do Mar. Bibliografia CADOGAN, Leén. “Los indios Jeguaké Tenondé (Mbya) del Guaird, Paraguay’, América Indigena. No 2, vol Vill, 1948, México. “La encamacién y la concepcién; la muerte y la resurreccion en la poesia sagrada ‘esotérica’ de los Jeguaké-Tenondé Poré-Gué (Mbya-Guarani) del Guaird, Paraguai’, Revista do Museu Paulista. Vol IV, 1952. CLASTRES, Helene. Terra sem Mal. O profetismo Tupi-Guarani. Brasiliense, 1978, S40 Paulo. MELATTI, Julio Cezer. Indios no Brasil. HUCITEC, 5* ed. , 1987, Brasilia. SAGUIER, Ruben B. Literatura Guarani del Paraguai. Biblioteca Ayacucho, 1980, Caracas. SCHADEN, Egon. Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani. E.P.V. / EDUSP, 3° ed., 1974, VALLE, Lilia. Consideragées sobre o parentesco PAI. FUNAI, xerox, 1979.

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