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LITERATURA SOBRE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

Michelle Carducci1 (2010), Eneida Desirée Salgado 2 (2011 e 2012), Carolina Reis Jatobá Coelho
e Christine Oliveira Peter da Silva3 (2011), Vinicius Castrequini Bufulin4 (2012), Iara Menezes Lima e João
André Alves Lança5 (2012), Alexandre Douglas Zaidan Carvalho6 (2013),

SANABRIA, José Luis Keal; DUEÑAS, Carlos Cerda. La mutación constitucional del principio de
no intervención. Revista Mexicana de Derecho Constitucional, n. 35, 2016, p. 81-118.

Peter haberle Prolegómenos de um entendimento da Constituição “adequada ao tempo”.


Revista Síntese de Direito Público, n. 56, 2014, p. 24-53.

FALEIROS, Marina Garcia. O crescent fenômeno da mutação constitucional e a atuação do


Supremo Tribunal Federal na adoção de novas interpretações constitucionais. Revista Eletrônica da
Faculdade de Direito de Franca, v. 12, n. 1, 2017, p. 215-242.

Clemerson Cleve e LORENZETTO, Bruno Meneses. Mutação constitucional e segurança


jurídica: entre mudança e permanência. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do
Direito, v. 7, n. 2, 2015, p. 136-146

CADENA, Carlos Alberto Lopez. Mutación de lós derechos fundamentales por la interpretación
de la corte constitucional colombiana: concepto, justificación y limites. Tese de doutorado. Universidad
Carlos III de Madrid, 2015.

BEZERRA, Fábio Luiz de Oliveira. Mutação constitucional do art. 109, I, da CF/88: competência
da Justiça Federal nas demandas de benefícios previdenciários decorrentes de acidente de trabalho.
Revista de Informação Legislativa, n. 192, 2011, p. 137-146

MODESTO, Paulo. Teto Constitucional de remuneração dos agentes públicos: uma


crônica de mutações e emendas constitucionais,

1
CARDUCCI, Michelle. Sobre a distinção entre as mutações constitucionais informais “puras” e
“impuras”. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, n. 15, 2010, p. 152-180.
2
SALGADO, Eneida Desirée. Ensaio em defesa do constitucionalismo e da democracia: a questão das
mutações (in)constitucionais na jurisprudência brasileira. Revista de Derecho y Ciencias Sociales, n. 4,
2011, p. 59-73. Cf. _____. Os limites explícitos e implícitos aos processos formais e informais de
mudança da Constituição: ensaio em defesa do constitucionalismo e da democracia. Revista de Direito
Administrativo e Constitucional, n. 48, 2012, p. 159-176.
3
COELHO, Carolina Reis Jatobá; SILVA, Christine Oliveira Peter da. Mutação constitucional: a atuação
da “sociedade aberta” como protagonista na interpretação da Constituição brasileira de 1988. Direito
Público, n. 38, 2011, p. 73-98.
4
BUFULIN, Vinicius Castrequini. Controle de constitucionalidade em face da mutação constitucional e
da mutação legal. Scientia Iuris, v. 1, 2012, p. 447-470.
5
LIMA, Iara Menezes; LANÇA, João André Alves. A força normativa da Constituição e os limites à
mutação constitucional em Konrad Hesse. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 62, 2012, p.
275-303.
6
CARVALHO, Alexandre Douglas Zaidan de. A hermenêutica constitucional entre a estabilidade e a
dinâmica: elementos para uma compreensão do conceito de mutação constitucional. Revista do Instituto
do Direito Brasileiro, n. 9, 2013, p. 9187- 9220.
SILVA, Diogo Bacha e. Da mutação constitucional à living constitution: a hermenêutica
constitucional entre a sintática e a pragmática. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, n. 12,
2012, p. 113-121.

Georges Burdeau, Traité de science politique, 1969, v. 4, p. 246-247

- Marcus Vinicius Martins Antunes, Mudança constitucional: o Brasil pós-1988, 2003;


Raul Machado Horta, Permanência e mudança na Constituição, in Direito constitucional, 2002

- MC no RE 630.733

- Antunes, Marcos Vinicius Martins. Mudança constitucional: o Brasil pós-88,


especialmente p. 69

- Souza Neto, Cláudio Pereira de; Sarmento, Daniel. Direito constitucional: teoria,
história, métodos de trabalho, p. 339

Tiago de Oliveira Melgaço. Mutação Constituição e Poder Constituinte Difuso

Anderson Vichinkeski Teixeira; João Luiz Rocha do Nascimento. Mutação


Constitucional como Evolução Normativa ou Patologia Constitucional?

Peter Häberle, Zeit und Verfassung, in Probleme der Verfassungsinterpretation,


Dreier, Ralf/Schwegmann, Friedrich (orgs.), Baden‐Baden: Nomos, 1976, p. 312‐313

Casos: O fenômeno da inflação pode levar a uma visão diferente do princípio


constitucional da legalidade, fornecendo exemplo de mutação constitucional. Veja‐se que,
num primeiro momento, quando a corrosão da moeda não era extrema, a jurisprudência
afirmava que “a correção monetária somente pode ocorrer em face de autorização legal” (STF,
RE 74.655, DJ de 1o‐6‐1973). Mais adiante, quando o problema monetário se agravou, passou‐
se a entender que o princípio da legalidade conviveria com a correção monetária sem lei
expressa nos casos de dívida de valor (STF, RE 104.930, DJ de 10‐5‐1985). Atingidos os
patamares do descontrole inflacionário a correção monetária vem a ser aplicada em qualquer
dívida, independentemente de previsão legal (STJ, REsp 2.122, RSTJ, 11/384, em que se lê:
“construção pretoriana e doutrinária, antecipando‐se ao legislador, adotando a correção como
imperativo econômico, jurídico e ético, indispensável à justa composição dos danos e ao fiel
adimplemento das obrigações, dispensou a prévia autorização legal para a sua aplicação”).
Outro exemplo de mutação constitucional é colhido do HC 82.959, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ
de 1o‐9‐2006. Ali, decidiu‐se, revertendo jurisprudência anterior, que a proibição em abstrato
da progressão no regime de cumprimento de pena fere a Constituição. A questão foi analisada
como hipótese de mutação constitucional, conforme se observa do minucioso e
pormenorizado voto vogal do Ministro Gilmar Mendes.

AUBERT, Jean-François - "Traité de droit constitutionnel suisse", Neuchatel, Ides et


Calendes, 1967, 2 vs.

Campos, Milton, "Constituição e realidade", "R. For.," Rio de Janeiro, 1960

Flávio Pansieri, Henrique Soares de Souza - Mutação constitucional à luz da teoria


constitucional contemporânea, Livraria do Advogado Editora, 2018.

Como bem afirmam os professores Artur J. Jacobson (New York) e Bernhard Schlink
(Berlim) em sua obra Weimar: a jurisprudence of crisis,  o dualismo metodológico –
45

positivismo legalista-positivismo sociológico – que perpassa toda a obra de Jellinek


(v.g., Verfassungsänderung und Verfassungswandlung)  e que serve de base para a tese
46

da mutação constitucional (Verfassungswandlung) impediu o jurista alemão de lidar


normativamente com o reconhecimento daquelas que seriam “as influências das realidades
sociais no direito”.
STF, no Recurso Extraordinário 778.889, relatado pelo Min. Roberto Barroso,
tratando sobre a equiparação da licença-adotante ao prazo da licen-ça-gestante

CASSEB:

Essa hipótese de mudança informal da Constituição tomou foro no Brasil re-


lativamente às medidas provisórias. Até a promulgação da Emenda Constitucional no 32, de 11
de setembro de 2002, a partir de quando se passou expressamente a admitir uma única
reedição de medidas provisórias pelo Presidente da República, destaca Marcelo Medina15
que, em face do silêncio da Constituição, o Supremo Tri- bunal Federal consentiu com a prática
de reedição ilimitada de medidas provisórias não rejeitadas pelo Congresso Nacional, algo que
ecoou no equilíbrio institucional entre os Poderes.

A segunda forma de expressão da mutação constitucional relaciona-se à im-


possibilidade de cumprir-se fielmente o comando da Constituição. Aqui, a prer- rogativa ou
competência de poder, atribuída pelos dispositivos constitucionais, a certos sujeitos, órgãos ou
poder não é exercida a contento, de sorte que a realidade jurídica já não mais condiz com o
exercício efetivo das relações de poder.

Georg Jellinek classifica esse tipo de mutação como desuso. No entanto, con- testa-o
acertadamente Hsü Dau-Lin, o desuso configura a razão da impossibilidade de exercício da
competência, estabelecida pela Constituição.
A modalidade de mutação em apreço tomou foro em discussão travada no Su- premo
Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação no 4.335/AC. Seu relator, o Min. Gilmar Mendes,
defendeu que a regra disposta no artigo 52, X, da Constituição teria sofrido uma mutação
constitucional, decorrente do desuso, razão por que a compe- tência do Senado Federal para
suspender a eficácia de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, a partir
de então, limitar-se-ia a “dar publicidade” à decisão da Corte.16

Contra essa orientação, opuseram-se os Ministros Sepúlveda Pertence e Joa- quim


Barbosa. Este último negou a existência de mutação constitucional, porque não haveria
decorrido lapso de tempo necessário à transformação da Constituição e, sobretudo, porque
inexistiria o alegado desuso definitivo do dispositivo (artigo 52, X).17-18

Além do mais, a prevalecer a tese sustentada pelo Min. Gilmar Mendes, pro-
vavelmente se configuraria prática constitucional em dissonância com expresso dispositivo da
Constituição, que, no artigo 103-A, condiciona a eficácia vinculante e os efeitos erga omnes
das decisões do Supremo à edição de súmula vinculante, mediante aprovação por dois terços
dos seus membros.

Desse modo, sob o suposto fundamento da mutação constitucional, dar-se- ia


verdadeira mutação inconstitucional,19 que se revela contrária à Constituição e extrapola seus
limites. A alteração visada, na linha das mutações inconstitucionais, incompatibiliza-se com o
sentido objetivo da norma constitucional, além de frus- trar a efetividade constitucional. Logo,
deve ser rejeitada.

O terceiro modo de manifestação da mutação constitucional advém de uma prática


constitucional que contradiz algum preceito da Constituição, seja pela re- forma material da
constituição, seja pela legislação ordinária, seja por regulamen- tos de órgãos estatais
superiores ou por sua prática efetiva. A tensão é claramente manifestada entre o ser e dever
ser, ou seja, entre o enunciado da norma constitu- cional e a realidade originada pela prática
em curso.

A título de exemplo, pode-se referir às leis inconstitucionais que restringem excessiva
ou indevidamente o âmbito material da norma constitucional. Tais di- plomas normativos
passam a ser validamente aplicados, determinando a realidade constitucional, ao arrepio do
programa da norma. De igual modo, a ausência de controle de constitucionalidade de ato
normativo pode ser a causa dessa mutação inconstitucional, por flagrante violação à
Constituição.
Parece válido fazer-se pequeno reparo a tal modalidade de mutação. A rigor, não se
convola a prática institucional contrária à Constituição em mutação consti- tucional, mas, ao
contrário, configura espécie de mutação inconstitucional, ao ex- trapolar a moldura jurídica do
programa normativo. Portanto, além de constitucio- nalmente inadmissível, deve ser
combatida ao extremo, em nome da efetividade da Constituição. Pretender, pois, ver na
prática em exame legítima mutação constitu- cional não gera senão frustração constitucional e
quebra da confiança na Constitui- ção e de sua força normativa.20

Outra advertência cabe suscitar, ainda. Trata-se do risco de não se efetivar o


comando da Constituição, ao argumento de sua impossibilidade devido às limita- ções práticas
existentes. A impossibilidade social, econômica ou política, não raro, é oposta como fator
impeditivo à implementação constitucional, o que – especial- mente em relação aos direitos
fundamentais sociais – termina por acarretar a ilegí- tima limitação ao direito constitucional
instituído.

Sutil, pois, apresenta-se a diferença entre uma prática constitucional, que não se
adstringe fielmente à Constituição sem descumprir preceito específico algum, daquela outra
que a desrespeita, tida por mutação inconstitucional.

Por fim, a quarta e última hipótese de mutação constitucional, e a mais re- levante, é
aquela oriunda da interpretação da Constituição. Como os preceitos constitucionais são
interpretados segundo a realidade vivida, as necessidades e os valores do intérprete, os quais
estão em constante modificação com o passar do tempo, a norma resultado da interpretação
também terá seu conteúdo alterado, sem qualquer correspondência com o texto fixado na
Constituição ou com o seu sentido originário.

Dignas de nota são as decisões do Supremo Tribunal Federal, no HC no 70.514/ RS,


Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 23.03.1994 e no RE no 147.776/SP, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, julgamento em 19.05.1998. Nelas, a Corte admite ex- pressamente que a
realidade integra o conteúdo da norma, transformando a con- cretização de acordo com as
circunstâncias fáticas e jurídicas subjacentes à Consti- tuição. Tendo em vista a deficiente
estrutura das Defensorias Públicas, o Supremo não hesitou em confirmar provisoriamente a
constitucionalidade da prerrogativa de prazo dobrado em favor das Defensorias e a
legitimidade ad causam do Minis- tério Público para propor ação de indenização cível aos
pobres na forma da lei até que as Defensorias se organizem satisfatoriamente de direito e de
fato, a ponto de efetivar-se o conteúdo do artigo 134 da Constituição. Nesses episódios,
verifica-se que a interpretação perfilhada pela Corte se sujeita à cláusula rebus sic stantibus,
ou seja, determinada forma de compreender-se a Constituição é aceita até que a evolu- ção
social, no caso a organização e a estruturação das Defensorias, atinja patamares tais, em que
não mais se necessite do prazo em dobro ou da assunção pelo Parquet de competências
inerentes às Defensorias, fazendo com que um novo entendimen- to da Constituição seja
plasmada, conforme à nova realidade.

Em suma, conforme se aprofundará no próximo tópico, o texto constitucional


permanece intacto, mas a prática constitucional que lhe segue é distinta, porquanto outras
circunstâncias fáticas e jurídicas não imaginadas pelo legislador se apresen- tam e atribuem à
Constituição novo conteúdo. Porque a norma constitucional é co- determinada pela realidade
subjacente,21 a mutação constitucional é fenômeno que reflete a evolução social.

4. CONCRETIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO: DE COMO OS FATOS INTEGRAM O DIREITO

Passados mais de 20 anos desde a promulgação da Constituição da República do


Brasil, fortifica-se com maior ênfase, em terras brasileiras, uma compreensão metodológica
mais dinâmica e plural da Constituição, não mais limitada a velhas expressões do formalismo
jurídico e da cultura privatística que ainda marcam o pensamento jurídico brasileiro.22

Com efeito, a recente experiência brasileira demonstra que a realidade consti-


tucional subjacente à norma fundamental aponta para potencialidades hermenêu- ticas
diversas, que ensejam a modificação do próprio conteúdo da norma consti- tucional, não
obstante o texto permaneça inalterado.23 A exemplo de outros países, onde as respectivas
Constituições já se encontram em fase mais avançada de matu- ração institucional, no Brasil,
urge aprofundar as reflexões sobre a transformação da Constituição pelo decurso do tempo e
pelas mudanças dos fatos sociais. Contu- do, para tanto, paradigmas devem ser quebrados.

Já se referiu, com apoio em Konrad Hesse, que a teoria da mutação constitu- cional
só é possível com o sacrifício dos pressupostos do positivismo jurídico, isto é, com a rejeição da
estrita separação entre direito e realidade e da noção de total desvinculação com os aspectos
históricos, políticos e sociais.24 Após as investidas sociológicas não completamente
abandonadas de Ferdinand Lassalle quanto à es- sência da Constituição e, especialmente, os
avanços trazidos pela tópica de Theodor Viehweg, com relevantes impactos na teoria
constitucional, chegou-se à conclusão de que os métodos clássicos de interpretação (literal,
histórico, sistemático e teleo- lógico) sistematizados por Savigny não mais eram inteiramente
aptos a lidar com o fenômeno constitucional, em toda sua complexidade. Isso porque a
realidade cons- titucional, devido aos pressupostos metodológicos do positivismo, não
integrava a norma jurídica, que se limitava ao próprio enunciado linguístico.
Assim, o direito, sistema abstrato de normas e alheio à realidade subjacente, não se
relacionava com os fatos e detinha uma metodologia estática de compre- ensão, em virtude da
qual a força conormativa da realidade era irrelevante. Com a reviravolta linguístico-pragmática
e o desenvolvimento da hermenêutica, perce- beu-se que nenhum texto pode ser
interpretado, independentemente do contexto em que está inserido o intérprete. Dispositivo
algum se compreende senão dentro de um contexto específico; com propriedade, afirma-se
que texto é contexto, e vice- versa.

Os intérpretes (juiz, advogado, cidadão) estão inevitavelmente matizados pela sua


própria experiência de vida. Seu mundo de vida marca decisivamente o modo de ver e de
compreender a Constituição, cujo significado aflora-lhe, num primeiro momento, quase que
intuitivamente. A leitura inicial da Constituição, caracterizada

pela experiência social e individual, forma a pré-compreensão da Constituição,25 a


qual há de ser testada pelos processos comunicativos juridicamente estabelecidos. A
confirmação daquela compreensão anterior e intuitivamente ostentada se submeterá a um
processo comunicativo de verificação entre a adequação do precei- to e a atual
correspondência com realidade vivida.26A comunicação girará em torno dos significados dos
conceitos positivados na Constituição, à época de sua edição, e

o significado hoje, possivelmente transformado pela evolução da sociedade. Para


Müller, a linguagem oferece elementos de compreensão e nexos materiais e dados da
experiência. Por isso, o texto da Constituição abrange uma certa pré- compreensão, que não
deve ser confundida com a prescrição jurídica. Ao mesmo tempo, essa característica da norma
jurídica, cuja concretização parte dos postula- dos iniciais estabelecidos no processo de
positivação do texto, vinculados aos ele- mentos da realidade, informa o caráter de
historicidade da Constituição e permite a atualização do texto segundo os valores e
compreensões social e presentemente

compartilhados. Tamanha complexidade da interpretação jurídica, naturalmente,


não poderia

ser explicada pelo positivismo clássico, que pregara a separação radical entre di- reito
e realidade. Atento à estrutura pluridimensional da norma, Friedrich Müller27 elabora a
metódica estruturante, à luz da qual trabalha o denso processo de concre- tização
constitucional, que se divide em dois elementos básicos: o tratamento do texto jurídico e o os
teores materiais, relacionados ao âmbito material da norma e dos elementos do conjunto de
fatos relevantes.
Com sua teoria estruturante do direito, Friedrich Müller pôde perceber o erro em
que incorrera o positivismo jurídico, ao haver somente lidado com uma dimen- são do
fenômeno normativo, aquela denominada programa normativo.28

O programa normativo é preponderantemente expresso pelo teor literal do texto, tal


qual histórica e tradicionalmente vem sendo compreendido. Não se limita a esse aspecto,
porém. Terá sua significação melhor aclarada, com base nos crité- rios clássicos da
interpretação jurídica (Savigny), quais sejam o gramatical, o histó- rico, o teleológico e o
sistemático. Destarte, além de configurar o ponto de partida da concretização, estabelece seus
limites além dos quais a interpretação não se le- gitimará.

No entanto, há uma outra dimensão da norma jurídico-constitucional relacio- nada


com os elementos materiais, que compõe o âmbito da norma (ou normativo). Essa dimensão
da norma não abstrai a realidade, que integra a norma jurídica. Em outras palavras, o âmbito
normativo corresponde ao aspecto de realidade a que se refere o programa da norma, ou seja,
“o recorte da realidade social na sua estrutura básica”,29 que confere o sentido e o alcance da
norma jurídica. Dentro do recorte material fixado pelo âmbito da norma, definido pela
incidência do programa na rea- lidade constitucional, verifica-se até onde a realidade tem o
condão de corroborar ou não interpretações anteriores.

A perspectiva concretista da norma, em todo decorrente da revolução linguís- tico-


pragmática na filosofia, revolucionou a interpretação constitucional, que agora se torna
apenas uma etapa do processo de concretização normativa,30 e trouxe à ordem do dia o tema
da mutação constitucional e, sobretudo, dos seus limites. Com efeito, a concretização
constitucional é o principal veículo por meio do qual a mu- tação se desenvolve.

Com efeito, se o ponto de partida da concretização, o texto, é revestido dos mais


variados conceitos (devido processo legal, justiça, dignidade da pessoa huma- na, vida,
liberdade de expressão, justiça fiscal etc.), muitos dos quais tidos por inde- terminados, a
possibilidade de transformação de seu sentido pelo desenvolvimento da sociedade, com o
decurso do tempo, é praticamente ilimitada. Logo, as compre- ensões iniciais da Constituição,
também compostas por anteriores interpretações, como seiva bruta, revelam-se ao intérprete
em um feixe mais ou menos delimitável de possibilidades normativas, que deverão ser
definidos e concretizados de modo a preservar a coerência, a integridade e a legitimidade da
Constituição.31

Nesse ínterim, revela notar que os conceitos utilizados pelos constituintes po- derão
assumir significações distintas e, portanto, a compreensão será de alguma forma remodelada,
a partir das novas circunstâncias fáticas e jurídicas subjacentes ao texto constitucional. A
realidade, pois, adentra a norma e reconstrói o significado da Constituição, possibilitando sua
evolução no tempo, desde que não se vulnerem os princípios constitucionais fundamentais,
sobre os quais se criou a Constituição, sob pena de se adulterar a própria identidade
constitucional.

Dessa forma, parece irrecusável reconhecer que a Constituição não só é inter-
pretada, em seu texto, pelas regras clássicas de aplicação do direito, mas também em função
das circunstâncias fáticas (âmbito material da norma) e das decisões já proferidas, bem como
da doutrina, da práxis política, da doutrina etc. (contexto),32 que definem no horizonte de
possibilidades, a interpretação constitucionalmente adequada.

Nessa particular característica da norma constitucional, encontra-se a chave para o


entendimento das mutações constitucionais, como elemento intrínseco à Constituição, e
lançam-se as bases para o tormentoso exame sobre os seus limites.

5. SOBRE OS LIMITES DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

Esse é o ponto de investigação que os teóricos têm procurado definir. Quais os


limites da concretização constitucional e da própria mutação constitucional? Hsü Dau-Lin,35
sem dúvida alguma, ofereceu importante contribuição à temática, quan- do pretendeu
circunscrevê-la aos princípios do sistema constitucional vigente.

Lembra a experiência dos Estados Unidos, ao destacar que, naquele país, em- bora
tenha apresentado uma prática constitucional, de certo modo, incongruente com o texto da
Constituição, os princípios gerais da Constituição norte-americana permaneceram inalterados
(governo limitado, poderes delegados, supremacia do direito federal, tutela dos direitos
individuais etc.). Entretanto, não conseguiu o te- órico chinês aprofundar o conceito de
sistema constitucional, deixando a questão dos limites da mutação constitucional indefinida.

Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros,
2007, pp. 517-524.

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