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2. UFSJ. DAUAP
Universidade Federal de São João del-Rei, Campus Tancredo de Almeida Neves - CTAN à Avenida
Visconde do Rio Preto, s/nº (Rodovia BR 494, km02), Colônia do Bengo, São João del-Rei, MG, CEP:
36.301-360, Prédio REUNI, Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes Aplicadas, Sala 3.03RE.
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RESUMO
A proposta deste artigo é analisar, frente ao paradigma da sociomuseologia, quais as possibilidades
de diálogos e apropriações sociais do Museu das Bandeiras em Goiás - GO, enquadrado numa
tipologia de museu histórico tradicional, considerando que suas coleções e expografia reforçam a
sobreposição de memórias de grupos sociais historicamente menos privilegiados. Quanto à
bibliografia de referência, partimos de pesquisas sobre as novas possibilidades de interpretação do
patrimônio cultural a partir das relações de apropriação social, ventiladas por autores de diferentes
campos de conhecimento: a relação da comunidade com o museu abordada por Mário Chagas na
museologia; o apagamento de memórias por instituições museais enquanto performances culturais
discutido por Girlene Bulhões; a perspectiva do geógrafo Claude Raffestin em relação à sobreposição
de memórias, discursos e interesses a partir de relações de poder que se manifestam espacialmente;
a consagração de bens culturais representativos da elite em detrimento da memória de grupos sociais
historicamente excluídos, particularmente em função da retórica da perda e da perpetuação de
determinados discursos do patrimônio cultural no Brasil conforme análise de Reginaldo Gonçalves;
os dilemas derivados da fragmentação dos museus em especialidades discutidos por Ulpiano
Meneses, especificamente diante do enquadramento do Museu das Bandeiras como um “museu
histórico”. Apresentar-se-á um breve histórico da instituição, no que diz respeito às formas de
interpretação e apresentação do patrimônio cultural (edifício e acervo), bem como um levantamento
teórico acerca de alguns conceitos como: memória, patrimônio cultural, sociomuseologia e
empoderamento de narrativas. A partir da análise de documentos institucionais e um levantamento
historiográfico, metodologicamente, busca-se compreender as fases do museu e levantar dados que
subsidiem a reflexão acerca das novas apropriações sociais do patrimônio cultural.
O edifício do atual Museu das Bandeiras foi construído entre 1761 e 1766 para funcionar
como a Casa de Câmara e Cadeia da Província de Goiás. Na década de 1950 o edifício
passa a abrigar o Museu das Bandeiras, com coleção de mobiliário, louças e prataria da
região goiana típicas dos séculos XVIII e XIX, além da expressiva coleção de fundos
históricos aberta ao público pesquisador. O edifício foi tombado em 1951 pelo IPHAN, como
1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil
Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017
parte da política de preservação que, naquele contexto, priorizava a preservação de
edifícios e núcleos urbanos que faziam parte da história do ciclo do ouro no Brasil
(GONÇALVES, 2002). Atualmente, o edifício abriga uma típica coleção de museu histórico,
além do arquivo da antiga Real Fazenda, cuja gestão é de responsabilidade do Instituto
Brasileiro de Museus – IBRAM.
O tema do papel sociocultural das instituições museais foi reforçado nas discussões sobre a
relação entre museus e paisagens culturais que nortearam a 14ª Semana Nacional de
Museus em 2016, conforme proposição do Conselho Internacional de Museus (ICOM) para
as comemorações do Dia Internacional de Museus em 18 de maio e para a 24ª Conferência
Geral do ICOM realizada em Milão. Os museus foram convocados a abrirem suas portas
para seus contextos externos, dialogando com os diferentes grupos sociais existentes nos
respectivos territórios onde se encontram, enfatizando a necessidade de valorização das
diferentes contribuições culturais e a diversidade dos bens culturais patrimonializados.
Tais esforços intelectuais são salientados, por exemplo, junto ao Movimento Internacional
pela Nova Museologia (MINOM) que compreende o museu “como dispositivo estratégico
para a defesa da dignidade social, da cidadania e do direito à criatividade e à memória”
(CHAGAS; ASSUNÇÃO; GLAS, 2014). Deste modo, museus que foram constituídos na
década de 1950 e permaneceram em seus moldes tradicionais até os dias atuais, como o
das Bandeiras, por vezes apresentam seu diálogo com a contemporaneidade através de
exposições e exibições de curta duração ou palestras e informativos.
2A atribuição da Casa de Fundição era fundir o ouro trazido pelos mineiros, descontando na ocasião os tributos
que incidissem sob o minério. Fonte:
http://www.receita.fazenda.gov.br/historico/srf/historia/catalogo/letraC/fundicao.htm. Acesso em: 23 de junho de
2016.
Ainda reificando4 a sociedade local, por meio de sua expografia, o Museu das Bandeiras
expõe objetos etnográficos no hall de entrada, apresentando-os como referência indígena
antes da chegada dos bandeirantes, ou seja, dos chamados povos nativos. A narrativa
encerra-os ali no hall de entrada, deixando a ideia de que estes não teriam construído a
história de Goiás, apresentada no restante das salas. Toda esta configuração expográfica e
acervo encontram-se no museu desde a década de 1980 e, deliberadamente, não une ao
processo histórico narrado à identidade dos povos indígenas, muito menos se considera a
resistência e os aspectos culturais de povos afrodescendentes também ocupantes da
região, a não ser como escravizados. Além disso, não há inclusão das memórias dos
prisioneiros que viveram na cadeia do edifício por décadas.
Ao longo de quase cinquenta anos de história do museu, seu acervo foi se configurando
para a apresentação da conformação geopolítica identitária excludente do Estado de Goiás
e, por conseguinte, da idealização de uma nação brasileira tal como discute GONÇALVES
4 Reificar: 1. Reduzir (o ser humano e tudo o que lhe é inerente) a valores meramente materialistas. 3.
Transformar algo abstrato como algo concreto. "reificar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha],
2008-2013. Disponível em: https://www.priberam.pt/DLPO/reificar. Acesso em 15 jul.2016.
Inclui-se na missão do museu o “@” que vem sendo utilizado em linguagens informais para
abranger a diversidade de gênero nos processos comunicacionais escritos. Este mesmo foi
inserido nas placas explicativas da exposição de longa duração. Da mesma forma, insere-se
a ênfase aos diversos segmentos étnico-raciais. A título de exemplo, Bulhões (2013)
apresenta-nos a ação “Sim, estou vivendo...”, analisando a questão da inclusão social:
Como escrito em seu texto de abertura, a “Sim, estou vivendo...” foi uma
exposição “feita para afirmar e explicitar a opção dos Museus Ibram em
Goiás pela inclusão social e onde o que menos importa é a falta de
qualidade das fotos, tiradas por uma fotógrafa amadora, com uma máquina
amadora e modelos amadores. Todos amantes do respeito incondicional
aos seres humanos de todas as maltas, matilhas e matizes” (BULHÕES,
2012).
Esta ação repercutiu positivamente no museu, tendo em vista que trouxe resultados
concretos, como a visitação frequente deste grupo social, configurando-se como uma “ação
educativa para o próprio Museu das Bandeiras” (BULHÕES, 2013, p.126). Ações como esta,
que se contextualizam no paradigma da Museologia Social, vêm sendo realizadas no museu
desde então e a partir das ações realizadas é possível observar que a museologia social
vem trazendo novos entendimentos acerca do papel do Museu das Bandeiras junto à
sociedade. Na dissertação de Mana Marques Rosa (2016), intitulada “Sistema Museológico:
por uma etnografia dos museus na cidade de Goiás (GO)” a autora expõe que o Museu das
Bandeiras é um dos mais visitados pelos moradores quando comparado a outros museus,
entretanto, em comparação com perfil de visitantes o número é pouco expressivo, conforme
mapeado no gráfico abaixo.
Segundo os dados ventilados por Rosa (2016), a partir dos diálogos realizados com
moradores e agentes culturais da cidade, os mesmos apontam que o Museu das Bandeiras
tem sido um museu mais aberto e realiza proposta educativas e culturais diferenciadas, na
tentativa de envolver a comunidade no espaço museal. A partir da fala de um dos
entrevistados, a autora analisa que:
Figura 03: Museu Tradicional e Nova Museologia. Fonte: Chagas (2002, p. 72) In: MANA, 2016, p. 58.
Estas ações políticas e intelectuais dadas por meio de Decretos, Leis, Declarações, e
pesquisas são essenciais para a democratização do entendimento de cultura e para a
importância do reconhecimento plural e transversal da memória. Entretanto, apesar do
surgimento dos novos museus5, pode haver dificuldades no trabalho teórico-prático,
conforme reflete Chagas (2001):
Moutinho (2014, p.426) expõe que há um entendimento do fazer museal cada vez mais
amplo ante uma “visão restritiva da museologia como técnica de trabalho orientada para as
coleções”. Trazendo esta colocação para a realidade do Museu das Bandeiras, é possível
entender que há museus que trabalham tanto com a técnica orientada para as coleções, no
sentido restritivo, como também para o desenvolvimento social. Entretanto, as coleções e
narrativas do Museu, objeto desta pesquisa, causam incômodo aos próprios grupos sociais
locais que não se veem naquele contexto. Deste modo, se faz necessário ampliar as
técnicas de trabalho orientadas às coleções e narrativas.
Há de se considerar que os museus não são um corpo rígido e fixo, e que tais dificuldades
teórico-práticas são comuns na constituição de coleções, expografias e ações educacionais.
No Museu das Bandeiras ocorre o movimento contrário ao exposto por Chagas (2001, p.17),
ou seja, um museu tradicional que se esforça para trazer a comunidade ao museu, para ser
democrático em seu papel de preservação de memórias ou se sociomusealizar.
Conclusão
Referências Bibliográficas
BULHÕES, Girlene Chagas. “Sim, estamos vivendo” e “agora, nós vamos invadir sua praia”.
Podem nos chamar de “Edward, Mão de tesoura” ou educadores de museu. Resumo
publicado no Anais do IV Seminário da Rede de Educadores em Museus de Goiás
“Educação, Museus e Cidades”. Goiânia-GO, de 02 a 05 de abril de 2013.
CHAGAS, Mario; ASSUNÇÃO, Paula; GLAS. Tamara. Museologia social em movimento. In:
Cadernos do CEOM. Ano 27, n.41. Museologia Social. p. 429-436.
ROSA, Mana Marques. Sistema museológico (manuscrito): por uma etnografia do dos
museus na cidade de Goiás. Dissertação do Programa de Mestrado em Antropologia Social.
Faculdade de Ciências Sociais, UFG. 2016, 193p.