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'0 BAIRRO DE SANTA TERESA


NO RIO DE JANEIRO

FERNAN DA MAGALHÃES
torna-se, assim, patrimônio e importante referência para o estud um I . -
drão de cidade de colina para o Rio de Janeiro, sobretudo por aind abri ar
diversas particularidades como bairro residencial, com seus modos d vid
específicos e como testemunho vivo e contemporâneo de uma cultura urbaní -
tica peculiar de gênese lusitana.
Santa Teresa, afora a influência direta de muitos loteadores e proprietários das
chácaras locais de origem portuguesa - como a própria toponímia revela -, a
ocupação que serpenteia o morro com ruas muitas vezes dispostas na diagonal
das curvas de nível, as inúmeras visuais e frestas urbanas, o casario em forma de
presépio e as ladeiras que confluem para formar os seus vários largos, denuncia
de forma cabal a tradição da urbanística luso-brasileira que configura aquilo que
denominamos "urbanismo de colina".
O estudo da estrutura urbana e malha irregulares de Santa Teresa, por meio
da leitura configuracional de seus espaços, permitiu destacar aquilo que lhe
INTRODUCÃOl
, é peculiar e que deve ser salvaguardado como valor material e imaterial de
nossa cultura, de forma a minimizar os riscos de intervenções que venham a
A ordem e lógica da cidade portuguesa, construída nas colinas, em terrenos comprometer esses mesmos valores históricos e patrimoniais.
de orografia difícil, à procura de condições de defesa e de funcionalidade,
caracterizam um tipo de ocupação que está presente no padrão da urbanísti-
ca colonial brasileira, sobretudo em suas cidades-capitais, que se constituem ORIGEM DO BAIRRO E PROCESSO DE OCUPACÃO
,
numa representação direta da metrópole no país. Os casos de Santa Teresa e
Ouro Preto, de origem lusitana menos formalizada e também de implantação AS ORIGENS A PARTIR DA CONSTRUÇÃO DO "CAMINHO DAS ÁGUAS"

mais tardia, mantêm essa tradição portuguesa de traçados em encosta. O Morro de Santa Teresa situa-se no Maciço da Carioca, local originalmen-
A cidade do Rio de Janeiro, marcada desde sua origem por esse modelo, não te ocupado pelos índios tamoios que reverenciavam a floresta porque nela
conseguiu, todavia, preservar a memória das primeiras implantações, como o nascia e corria o Rio Carioca. Uma ermida construída pelo português Antônio
Morro do Castelo, demolido pelas reformas urbanas do início do século xx. O Gomes do Desterro, por volta de 1620, deu à região o nome Morro do Des-
Morro de Santa Teresa, cuja ocupação consolidou-se ao longo do século XIX, terro. Nas proximidades da ermida do Desterro, o vice-governador Gomes
Freire de Andrade mandou erguer um convento para nele instalar a Ordem
, Este capítulo é proveniente de uma pesquisa sobre Santa Teresa, realizada na Faculdade de Arquite-
das Carmelitas Descalças. Essa obra, iniciada em 1750 e concluída um ano
tura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da qual participaram os professores e meio depois, é um dos mais importantes projetos de arquitetura do século
Elizabeth Rodrigues de Campos Martins e Ricardo Esteves e os estudantes pós-graduandos Tales
Lobosco, Letícia Bastos e Ricardo Costa. XVIII. A licença para consagrar o convento a Santa Teresa d Ávila, entretanto,

176 Urbanismo de colina: Uma tradição luso-brasileira 177 O bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro
só foi concedida pelo papa anos depois, quando a região passou a ser conhe- Neles estava "cravado o princípio de sua autoridade, seu des j uz I
cida como Morro de Santa Teresa. história" (MARQUES; SIQUEIRA, 1988, p. 29). Esse desejo é ressalt d nu
Ao longo de mais de um século, as discussões sobre a canalização das águas Carta topográfica da cidade do Rio de Janeiro, de 1750, realizada por An-
da Carioca, aliadas às iniciativas de cunho defensivo, levaram à abertura de pi- dré Vaz Figueira durante o governo de Gomes Freire de Andrada, na qual
cadas e caminhos na floresta do Maciço da Carioca. A consolidação definitiva assinala as obras realizadas nessa gestão, caracterizando-as com um sentido
dos principais eixos de penetração no maciço, que guiariam a futura ocupação de monumentos.
da região, ocorreu em meados do século XVIII. Autorizado por carta régia de Entre 1785 e 1810, os Arcos da Carioca foram tematizados nas pinturas de
28 de abril de 1744 e tendo em vista as danificações dos canos de tijolos, que Leandro Joaquim e William Alexander e começaram a provocar comentários
deixaram a população muitas vezes sem água, Freire de Andrade resolveu re- de viajantes como John Barrow (1806 apud MARQUES; SI QUEIRA, 1988, p.
construir o aqueduto da Carioca, conferindo-lhe novo direcionamento. 80) que considerava a obra desnecessária, em razão de seu caráter de "gran-
diosidade e extravagância". Mais de um século depois, Moreira de Azevedo
[. .. ] o sinuoso traçado antigo, que percorria a atual rua Evaristo da Veiga para (1965, p. 539), ao descrever o traçado definitivo do aqueduto, celebraria a
depois, infletindo em direção ao norte, atingir o largo da Carioca. Construiu [se] grandeza da obra:
então o novo aqueduto da Carioca, com dupla arcaria de pedra e cal, que trazia
água diretamente do morro do Desterro ao de Santo Antônio, e que ainda se man- Começa o aqueduto da Carioca em uma grande rocha pela qual corre a água;
tém até nossos dias, embelezando a área central da cidade (ABREU, 1989, p. 58). chama-se a este lugar a Mãe Água, e ali se construíram três tanques de pedra
para reservatórios. Vem ter nestes reservatórios o aqueduto descoberto chama-
o novo projeto do Aqueduto da Carioca ou Arcos Novos da Carioca repre- do Silvestre. Prolonga-se o encanamento pelas encostas dos Morros do Cosme
sentou não somente a concretização de um dos anseios do governador e da Velho e Laranjeiras, e no lugar chamado Segundo Dois Irmãos, que são duas
população, mas também pode ser visto como o maior símbolo da presença do pirâmides triangulares, muda de direção, passa do lado direito para o lado es-
poder público na vida da cidade, no período colonial. As obras empreendidas querdo da estrada. Aqui vem ter ao mesmo aqueduto o encanamento da La-
por Freire de Andrade marcaram uma mudança de atitude e de mentalidade goinha. Continua o aqueduto como uma enorme serpente estendida ao longo
do poder público na gestão do espaço urbano. Se, para Aires de Saldanha, da estrada, mostrando-se ora mais elevado ora mais baixo, conforme o declive
as canalizações do Rio da Carioca haviam sido ditadas por fins estritamente do terreno; se em certo ponto se submerge no centro da terra, em outro surge,
funcionais, o mesmo já não se pode dizer em relação ao empreendimento de notando-se de espaço em espaço torneiras de metal, que fornecem água aos
seu sucessor, que a reveste de grandeza e magnificência, como de resto co- habitantes da vizinhança. No lugar dos Dois Primeiros Irmãos que são duas
meçariam a expressar outras realizações contemporâneas ou imediatamente pirâmides de pedra iguais às que já mencionamos, desviam-se as águas para
posteriores (MARQUES; SIQUEIRA, 1989, p. 189-199). o outro lado da estrada; correm [... ] por meio de uma dupla ordem de arcaria
Em oposição aos Arcos Velhos, os Arcos Novos da Carioca, situados en- de volta inteira, a qual mede uma altura máxima de 17,6 m acima do nível do
tre o Desterro e Ajuda, assumiram uma "função de representação", mar- solo, chegam ao morro de Santo Antônio, e dali ao chafariz da Carioca, tendo
cando e rememorando a nova presença administrativa na vida da cidade. percorrido mais de 8 quilômetros de extensão.

178 Urbanismo de colina: Uma tradição luso-brasileira 179 O bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro
É, portanto, a esse espaço privilegiado, que tem em uma das suas pontas o Inauguram-se, com a expansão do conhecimento do sítio, perspectivas. Apr -
Aqueduto, de morfologia semelhante a muitas das cidades de colina, ainda funda-se a observação panorâmica da cidade e circunvizinhança, a flore ta
que a sua origem sui generis a possa afastar, em alguns aspectos, da tipologia torna-se objeto de aventura, de descobrimento e da conquista do Corcovado.
dominante, que este estudo se dedica. Agora, a floresta e a montanha imbricavam-se efetivamente no processo de de-
senvolvimento do bairro, atribuindo qualidade ambiental e patrimonial a esse
FASES DA OCUPAÇÃO DO SíTIO sítio da cidade. E essa qualidade foi justamente o atributo que uniu o natural
Para apresentar, resumidamente, as origens e o processo de desenvolvimento e o arquitetõnico, que caracterizavam o antigo arrabalde. No início do século
de Santa Teresa, adotou-se como referencial a tese de doutorado da pesquisa- XIX, a área já esboçaria peculiaridades que a diferenciavam dos outros lugares
dora Elizabete Rodrigues de Campos Martins (2002). da cidade, atraindo a Corte portuguesa desembarcada na cidade em 1808.
A "construção" desse bairro pode ser concebida em cinco momentos. O Ora, a atração que passou a exercer a contemplação das paisagens nas altu-
primeiro momento, que se pode designar como o de uma lenta ocupação ras de Santa Teresa provocou a paulatina divisão das propriedades, que iden-
de um espaço natural, corresponde às transformações de um espaço natural tificavam substancialmente a paisagem carioca do século XVIII, e começou,
e às suas apropriações por meio de diferentes toponímias - Mãe D'Água, com esse parcelamento, a transformação desses "arrabaldes" em "bairros"
Morro dos Milagres e Morro do Desterro -, caracterizando um período mar- da cidade.
cado pela contemplação e exploração das potencialidades até então "miste- Esse processo conforma um terceiro momento de construção desse bairro
riosas e mágicas" exclusivas do habitante local. A partir de então, segue-se carioca que tem como marco inicial sua integração com áreas vizinhas, como
um segundo período, o da construção do Caminho das Águas, com eixos de a abertura, em 1846, da Rua Dona Luísa que ligava a Rua do Aqueduto ao
penetração no maciço, com a conquista do solo, com a exploração de um es- bairro da Glória, na fralda sul do morro.
paço cujos limites ainda eram desconhecidos e, principalmente, com a defesa A malha de comunicação viária com as outras localidades consolidou-se ao
dos invasores, o que era uma questão de honra para a Coroa portuguesa. longo do decênio seguinte. E exatamente dez anos após a abertura da Rua
Nesse contexto, a conquista, a exploração e a defesa foram preocupações que Dona Luísa, ocorreu o parcelamento da primeira chácara. Com efeito, em
dominaram o pensamento do português, sobretudo até a metade do século 1856, o parcelamento da Chácara dos Guimarães pioneiramente transforma-
XVIII, na cidade do Rio de Janeiro. Dentre as conquistas portuguesas, a mais va o arrabalde em um bairro do Rio de Janeiro, isto é, consolidava a região
longa e árdua a ser dominada foi a questão da água para o abastecimento como uma zona efetiva da expansão da cidade.
da população, resultando inclusive nas primeiras atitudes preservacionistas O parcelamento da Chácara dos Guimarães representou um momento cru-
da história da cidade. Naquele período, meados do século XVIII, o sentido cial do processo de transformação de fragmentos da paisagem natural em
mítico da religiosidade do Desterro se reafirmava com a construção do con- paisagem construída, traduzido pelo quarto período, caracterizado como do-
vento de Santa Teresa, que viria dar nome ao lugar. Agora, impulsionada por minado pela especulação imobiliária.
modificações e embelezamentos, Santa Teresa também comungaria da ima- Nas quatro últimas décadas do século XIX, o parcelamento do sítio e o de-
gem de um local poupado das epidemias, que, desde o final do século XVIII, senvolvimento da rede de transportes (bondes sobre trilhos) constituíram os
assolavam a cidade. dois processos estruturadores da ocupação do bairro, responsáveis também

180 Urbanismo de colina: Uma tradição luso-brasileira 181O bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro
pela implantação do setor hoteleiro no local. Assim, as antigas chácaras ava- pelo urbanismo e pelas singularidades que acumula. As questõ J t rn 1:\
randadas e caiadas, os sobrados coloniais, os chalés e as construções do tipo ordenação da cidade continuavam perseguindo a ideia oficial, e o urbani a
alpinas foram adaptados para receber confortavelmente os hóspedes, sobre- Alfred Agache é convidado a realizar o primeiro plano de embelezam nt
tudo estrangeiros, que visitavam a cidade, inaugurando, naquele lugar, uma para a cidade de 1926.
outra forma de sociabilidade. Concomitante à instalação da rede hoteleira, Os olhares de Pereira Passos e de Agache em relação ao bairro, embora
implantou-se o sistema de transporte coletivo. profundamente distintos, são expressões de um certo inconformismo. Pas-
O bonde foi o principal responsável pela integração do bairro à malha urba- sos, apesar de brasileiro, quer transformar o Rio de Janeiro numa capital
na da cidade. Em 1896, o aqueduto foi desativado e o bonde passou a utilizar haussmanniana, já Agache, urbanista francês geometrográfico, manifesta seu
a passagem sobre os arcos para chegar até o Largo da Carioca. Nos anos estranhamento diante do território ondulante de Santa Teresa. Entretanto,
1950, a indústria automobilística passou a forçar a desativação dos bondes se Santa Teresa foi tema de reflexão para duas visões urbanísticas opostas, o
na cidade, o que efetivamente ocorreu na década de 1960, resistindo apenas mesmo não se realizou em relação aos olhares dos arquitetos estrangeiros que
os de Santa Teresa. ali estiveram.
Paralelamente a esse processo, digamos, de expansão do bairro para o exte- Le Corbusier encanta-se com a magia dos "simples" do bairro que, com
rior, planejava-se também um tratamento especial para o interior do bairro. grande privilégio, começam a desenvolver suas primeiras favelas e contem-
A área já atraíra as atenções de Pereira Passos no final do século XIX, que plam os mais belos panoramas da cidade. A área se torna um lugar com uma
ali implantara o primeiro projeto turístico no Brasil. Com efeito, o caminho geografia sociocultural bastante diferenciada, e isso também se torna, ao lado
dos trilhos da Estrada de Ferro Cosme Velho-Corcovado construída por ele da arquitetura e do sítio, a sua marca. Conviviam artistas, escritores, poetas,
penetrava na floresta densa, fechada, mas, ao longo do seu trajeto, havia pau- músicos, todos em perfeita harmonia, apesar de alguns serem de esquerda e
sas em locais especiais - Vista Chinesa, Silvestre e Sumaré - que permitiam o de vanguarda, e outros, conservadores. Naquele ambiente eclético, sobretudo
descortinamento de diferentes ângulos dos panoramas do Rio. Como balcões no da Rua do Curvelo, os mentores do modernismo brasileiro discutiam a
sobre a cidade, os espaços - belvedere desse projeto turístico - revelavam o de- cultura brasileira.
sejo preservacionista do futuro perfeito, em relação à natureza e ao modo de Ao longo do século XX, Santa Teresa adquire uma nova complexidade na sua
vida urbano que se ia desenhando no bairro, reiterando a identidade de Santa vida social, animada por novas formas de investimento privado. Exílio, exclusão
Teresa e de seu apogeu. Sob um acelerado processo de construção, os novos e inclusão são palavras que se sobrepõem àquelas em circulação nas camadas
terrenos foram sendo preenchidos por residências em estilos diferenciados, históricas formadas em processos precedentes. Sinal de mudanças provocadas
conferindo à Santa Teresa a aparência de um bairro eclético singular. por tensões não dominadas ao longo de séculos de ocupação ou pelo descaso
Segue-se então um processo de consolidação de um modo de vida - qua- dos poderes públicos em relação a um "mundo à parte", que representa uma
se meio século depois da inauguração do projeto turístico de Pereira Passos, ameaça à visão harmoniosa associada ao lugar. Essa paisagem social complexa
o bairro, no princípio do século XX, estava praticamente todo urbanizado. transforma Santa Teresa em um laboratório de cidadania que revoluciona, em
Concluída a reforma da área central da cidade, o que ocorreu de 1902 a 1906, suas estratégias de ação, a própria noção "museificada" de patrimônio. Nesse
o Rio de Janeiro começa a constituir-se num foco de atração pela arquitetura, contexto, a dimensão estética parece mover a maior parte dos seus habitantes,

182 Urbanismo de colina: Uma tradição luso-brasileira 183 O bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro
alimentada primeiro no isolamento, depois na contemplação e, por fim, na con- do domínio útil dos aforamentos, geralmente propriedade de rd 11 r ligi •
densação e no ajuste de diferentes tempos e sensibilidades sociais. sas. A Lei das Terras de 1850 constituiu o divisor de águas entre pr
Observar Santa Teresa dessa perspectiva é vislumbrar, nas práticas de seus de concessão e o de compra e venda das terras, ampliando e estruturand
habitante , mesmo em momentos de conflitos e violência, uma forma de viver mercado fundiário. O loteamento da extensa Chácara dos Guimarães- m
a cidade que é uma "Arte de Portas Abertas">. 1859 e a abertura de ruas nos seus arredores representaram o primeiro nó de
estruturação do bairro" e marcaram uma nova fase de ocupação caracterizada
VETORES DE CRESCIMENTO URBANO DO BAIRRO AO LONGO AO SÉCULO XIX pelo parcelamento das grandes propriedades, numa tendência de adensamen-
Como já mencionado, a ocupação inicial do bairro deu-se a partir do "cami- to da ocupação das encostas do morro sustentada, entre outros fatores, pelo
nho das águas", que ligava o Aqueduto da Lapa ou da Carioca à nascente do enriquecimento provocado pela expansão e comercialização do café, impul-
Rio Carioca, embrenhando-se pela floresta do maciço do Corcovado, através sionando o bairro como um lugar eclético da burguesia carioca em ascensão
de um acesso suave que acompanhava a curva de nível, em cotas altas da en- envolvida no comércio de exportação e importação.
costa. Esse caminho existente desde o século XVII veio a conformar o princi- O desmembramento da Freguesia de Santo António em 1854, como parte
pal eixo de estruturação urbana, que é a atual Rua Almirante Alexandrino e do processo de adensamento das freguesias centrais da capital, marca o re-
que, em conjunto com o caminho do Desterro que dava acesso desde a várzea conhecimento da ocupação das enc?stas do maciço. Na época, o processo
ao Convento das Cannelitas, deu suporte à ocupação do morro. de urbanização de Santa Teresa foi balizado por três percursos principais. A
Com a in talação, em 1808, da Corte portuguesa na cidade, a "casa de chá- primeira rua de Santa Teresa, Dona Luísa (em chácara de Dona Luísa Cle-
cara" dissemina-se pela encostas do maciço. O rei D. João VI, preocupado mente da Silva Couro), foi aberta em 1846, ligando a Rua do Aqueduto à Rua
com a expansão da cidade, solicita ao físico-mor do reino, Manoel Vieira da da Glória (Cândido Mendes desde 1917). Em 1856, inaugurou-se a Travessa
Silva, um detalhado trabalho sobre o tema. Esse documento recomendava Cassiano (hoje Hermenegildo de Barros) que propiciou o parcelamento da
os lugares elevados da cidade como ideais para a moradia da população, fi- chácara de Luísa Clemente e imediata venda de lotes ao senador Cassiano-.
cando os terrenos planos reservados à plantação de alimentos, e acentuava a Entretanto, as fontes indicam que os mais antigos vetores de ocupação - Rua
importância da floresta na vida da cidade. Assim, para impedir a continuação da Conciliação (atual Barão de Petrópolis), aberta em 1841 pela Câmara com
do desmatamento, principal causa da crise de abastecimento de água (SILVA, recursos dos proprietários lindeiros, e ruas Paula Mattos (1849), do Paraíso,
1988, p. 9-10) e da transformação climática da cidade, o monarca ordena, de São Sebastião e Ladeira do Senado - estão justamente na vertente oposta
por meio de decreto oficial, a proteção ambiental da floresta e dos terrenos do morro, ao norte, e constituem os acessos mais cômodos e mais próximos
situados ao longo da vertente por onde descia o manancial de água. às áreas densamente urbanizadas da cidade.
Até a metade do século XIX, a obtenção de terras nos arrabaldes da cidade
era feita por meio de doações de terras devolutas à Coroa ou pela compra 3 O proprietário, que era uma das primeiras companhias imobiliárias do Rio de Janeiro, se não a primei-
ra, beneficiava-se com o acesso às suas propriedades situadas no alto do morro, pela abertura das vias.
4 Esses loteamentos se organizaram em torno das ruas Áurea, Monte Alegre, Terezina, Mauá e Aprazível.
1 Este é o nome de um evento anual que ocorre no bairro de Santa Teresa, quando artistas expõem seus 5 Registros oficiais sobre o início e a conclusão das obras viárias não estão suficientemente sistemati-
trabalhos, juntamente com apresentações culturais e musicais. zados, impedindo a montagem de uma periodízação mais completa do processo.

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À medida que o uso cotidiano desses percursos foi se generalizando, a área a ocupação da encosta, que se dá segundo Elizabeth Martins (2005) a partir d
passou a atrair novas residências. O interesse pelo lugar gerou uma conste- pelo menos sete direções (ou vetores de expansão) - os sete acessos desde o t p
lação de pequenas propriedades semiurbanas, as casas de chácaras. A partir do morro: 1. Rua da Conciliação (em 1841), 2. Rua Paula Matos (em 1849, que
de 1840, Santa Teresa se afirmou como o privilegiado arrabalde, lugar de fazia a ligação com o bairro do Catumbi), 3. Ladeira do Castro (em 1859, que
residência efetiva dos cortesões, estrangeiros e brasileiros importantes da hie- ligava o Largo do Guimarães ao bairro do Estácio pelo lado da atual Rua do
rarquia social existente. Essas casas eram uma mescla de influências portu- Riachuelo), 4. Rua Dona Luísa e Travessa Cassiano (em 1852, que fazia a ligação
guesas, francesas, orientais ou das chácaras inglesas nos trópicos que subiam com a Glória e chegava ao morro através de uma ligação feita pelo barão do Cur-
pelas abas do morro e mesclavam-se à paisagem, adaptando-se perfeitamente velo pela atual Rua Joaquim Murtinho), 5. Rua Santo Amaro (em 1852, que co-
ao meio. Santa Teresa, em meados do século XVIII, surge como uma pequena nectada à Rua Aprazível chegava ao alto do morro), 6. Rua Nova de Laranjeiras
cidade à parte do casario da várzea. É a cidade da montanha, para gente mais (atual Pereira da Silva, em 1840) e 7. Rua Dona Alice (década de 1880) (Figura 1).
afortunada (LATIF, 1969, p. 157). A partir desses vetores sucessivamente, vão se abrindo novas vias (sobre as
O bairro se expande e as chácaras alcançam o caminho do aqueduto. Iden- quais não existe informação cartográfica) e loteamentos importantes. Paulati-
tificadas com o nome de seus proprietários, as chácaras se mantêm na topo- namente, o bairro foi se desenvolvendo com novas ladeiras e travessas que cor-
nímia urbana do bairro, registra das nas placas das ruas e dos largos (senador tavam o morro e subdividiam as chácaras. Sem seguir um planejamento prévio,
Cassiano, Hermenegildo de Barros, Joaquim Fonseca de Guimarães e barão resultavam das transações comerciais das propriedades e das negociações com o
do Curvelo). Essas transformações e a expansão da cidade são observadas em município. Resultante desse intenso processo imobiliário, em 1892 Santa Teresa
Planta da mui leal e heróica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, dese- torna-se o sexto distrito do Rio de Janeiro - então capital da República.
nhada por John Edgar Kerr em 1852. Nas últimas décadas do século XIX, acentua-se uma divisão social no bairro.
Durante esse período, que vai até 1860, as chácaras de Santa Teresa foram Os terrenos da vertente sul são valorizados e os da vertente norte populari-
sendo desmembradas e loteadas por seus proprietários que vendiam os terre- zados. Já em 1878, era visível a diferença entre as duas vertentes. Também
nos e cediam as áreas para a abertura de vias, muitas vezes abertas pelos pró- na arquitetura era nítida a diferença com tipologias mais simples na vertente
prios proprietários que executavam as obras mediante autorização da Câmara norte e mais complexas na sul. A toponímia das ruas conotava, a sul, valores
ou, em alguns casos, se cotizavam com dinheiro e material para que as obras elitistas com nomes que homenageavam diretamente os proprietários das an-
pudessem ser executadas pelo poder público-. tigas chácaras ou membros da família real.
Na verdade, na medida em que o mais importante caminho consolidado era o A edificação de Chalés marca essa etapa de crescimento do bairro. Espelhan-
das águas, a primeira tarefa dos proprietários na área foi melhorar as próprias do os valores da burguesia, essas construções impõem uma imagem menos
condições de acesso ao topo do morro e às chácaras lindeiras aos canos da Cario- portuguesa a Santa Teresa e redesenham sua paisagem. A abertura da Estrada
ca. Essa fase, circunscrita no período de 1845 a 1859, estrutura definitivamente de Ferro do Corcovado por Pereira Passos", que ligava o Cosme Velho - no

6 Muitas vezes, essas transações se efetuavam com dificuldade, envolvendo problemas fundiários, uma 7 Uma das primeiras do mundo com fins exclusivamente turísticos, projeto pessoal de Passos que pe-
vez que muitas terras eram de foreiras à Câmara com dívidas ou ocupadas irregularmente. diu ao imperador D. Pedro II autorização para executar.

186 Urbanismo de colina: Uma tradição luso-brasileira 187 O bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro
final do Vale das Laranjeiras - ao Corcovado, limita a expansão do bai rr
bre a Floresta da Tijuca, estabelecendo-lhe um limite. No final do é ul
a delimitação da floresta, da área de reserva e do reflorestamento surge m
resposta à violenta especulação imobiliária e ao desmatamento em curso.
A instalação das linhas de bonde no bairros melhorou muito suas condições
de acessibilidade e favoreceu a instalação de muitos hotéis importantes, atraídos
pela paisagem luxuriante e bucólica e por sua inegável vocação turística. A dina-
mização da expansão do tecido urbano após a ação conjunta dos carris de tração
animal e do funicular foi tão significativa que é possível afirmar que, já em 1885,
a ocupação correspondente à vertente norte do morro em direção à Rua Paula
Matos e ao Morro do Senado (centro) estava praticamente consolidada como
mostra a cartografia dessa' época (MASHECK, 1890). Em contrapartida à ver-
tente sul, no lado mais alto do maciço, na Lagoinha e no Silvestre (em direção à
floresta), a paisagem era mantida original, conforme as lentes do fotógrafo Marc
Ferrez registraram - em 1875, ele fotografa a paisagem da Lagoinha e, em 1886,
a do Silvestre, praticamente imutáveis. A dificuldade de essa encosta ser acessível
por transporte coletivo assegurou-lhe uma ocupação mais aristocrática e esparsa.

MORFOLOGIA URBANA

ANÁLISE MORFOLÓGICA DO AMBIENTE URBANO

O SíTIO
Há evidências de que os tamoios foram os primeiros a reconhecer as poten-
cialidades do sítio de Santa Teresa (ou Morro do Desterro), pois consideravam
o local milagroso e era onde se refugiavam do branco, embrenhando-se pelas

À FIGURA 11 BAIRRO DE SANTA


TERESA E OS BAIRROS DO ENTORNO. 8 Em 1875,começam a funcionar as primeiras linhas de bonde por tração animal, e, em 1870, é cons-
CRÉDITO: Imagem do Google Maps© truído um plano inclinado desde a Rua do Riachuelo, no centro, até o Largo dos Guimarães. Daí os
(2009) capturada e adaptada passageiros tomavam o bonde para o Curvelo, o Largo do França e para Paula Matos. Esse serviço
pela autora.
funcionou até 1926 quando foi substituído pela linha de bondes elétricos.

189 O bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro


188 Urbanismo de colina: Uma tradição luso-brasileira
matas exuberantes. O morro era também a fonte de água, onde estava a Mãe de Catumbi ao norte, Lapa ao centro e Glória ao sul. Dessa ba pl " '11-

D'água, nascente do importante Rio Carioca (ou das Caboclas). A cidade iria caixados principalmente nos vales, partem os principais acessos qu
mais tarde buscar em suas águas o abastecimento necessário para seu funcio- nectados a um sistema complementar de vias, permitem chegar à crista d
namento. O caminho da água, a paisagem e o relevo foram assim os elementos morro (a Rua Almirante Alexandrino). Os acessos mais importantes que per-
naturais que deram forma ao espaço ocupado pelo homem. Como referido mitem a conexão do bairro com o contorno exterior são quase sempre por
anteriormente, o clima ameno e a proximidade do centro, além de ser um bom ruas com pouca declividade em áreas de vale, nas fraldas do morro.
terreno para a ocupação humana, se comparado às terras baixas dos brejos e da Existe um conjunto de doze dessas vias de acesso desde o perímetro - três
várzea ao redor, propiciaram a expansão urbana no século XIX para o morro. na vertente norte pelo bairro do Catumbi, cinco pela vertente do Centro-Lapa
O sítio foi o determinante da ocupação urbana de Santa Teresa, o que fica e quatro pela vertente sul através do bairro da Glória. Há mais duas entradas
perfeitamente explícito nas muitas vezes em que é referida como uma "cidade ao bairro - na face dos bairros das Laranjeiras-Cosrne Velho, que, por atra-
no morro". O relevo e os elementos fisiográficos têm uma acentuada influên- vessarem uma porção maior da floresta, são mais distantes e não constituem
cia na configuração das suas ruas e na disposição do seu casario. um acesso direto.
O morro, que é, na realidade, uma ponta do espigão do maciço da Tijuca, O sistema viário é composto por um circuito coletor, com acesso pelos bair-
na encosta do Corcovado, é composto por três subunidades, reconhecíveis ros do Catumbi e Lapa, na sua maioria disposto transversalmente ou ao longo
pelas cumeeiras que saem do espigão em três direções: ao sul, para os bairros da encosta, e que se apoia fundamentalmente na Rua Almirante Alexandrino
da Glória e Lapa, conformando o Morro do Senado (ou de Nova Cintra), o para distribuir o fluxo, de onde parte um conjunto de vias auxiliares, que, por
Morro dos Prazeres orientado para os bairros do Estácio e Catumbi ao norte, meio de atalhos, sobem a encosta, conectando-a com o sistema de ruas peri-
e o Morro de Paula Matos (ou das Neves) ao noroeste, também orientado metrais, na base do morro.
para o Catumbi.
O espigão continua floresta adentro, e a ocupação torna-se cada vez mais ESTRUTURA URBANA
rarefeita. A cidade vai aos poucos dando lugar à floresta densa. Esse espigão Toda a estrutura urbana se configura em função da necessidade de adaptar-
é contornado na sua base, cuja cota é 150, pela Rua Almirante Alexandrino, -se à topografia e vencê-Ia, não sendo possível identificar uma quadrícula ou
que segue através da cumeeira do Morro do Senado até terminar no aqueduto. trama. A morfologia urbana configura-se numa estrutura linear, conformada
É essa via de "meia encosta" e "cumeeira", que serpenteia o morro, acompa- pelos eixos que têm uma grande articulação ao relevo e aos elementos morfo-
nhado a curva de nível, que constituíra o elemento de estruturação linear de lógicos do sitio - os vales, as portelas e a topografia.
toda a trama, e que liga a cidade à Floresta e no topo ao Corcovado. De maneira esquemática, poderíamos imaginar que a estrutura urbana tem a
forma de um "peixe", composta por um anel, com uma conexão diametral ao
ACESSOS DO ENTORNO meio, de onde parte um conjunto de eixos que interliga o diâmetro ao períme-
Na base do morro, há um sistema contínuo de ruas de pouquíssima de- tro (Figura 2). O anel perimetral é conformado pelas vias na base do morro, o
clividade (praticamente planas) que circundam seu perímetro, conformando diâmetro pela Rua Almirante Alexandrino, e as conexões são constituídas por
uma "cinta", que estabelece as fronteiras do bairro com os bairros vizinhos ruas de vale, na maioria de declividade não muito acentuada (entre 2 % e 8 % ).

190 Urbanismo de colina: Uma tradição luso-brasileira 191O bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro
Essas vias de conexão que partem do perímetro r
se interligam a um n-li

junto de vias dispostas perpendicular ou diagonalmente às curvas d nív I (


encosta), em zigue-zague, que servem para "vencer o morro". Essas via têm
uma declividade bastante acentuada (majoritariamente entre 8% e 16%, ma
podendo atingir inclinações entre 25% e 35%). Esse sistema é complernen-
tado por um conjunto de escadarias que serve de atalho para que o pedestre
possa encurtar caminho da base ao alto do morro.
Há pouca presença e hierarquia de espaços livres coletivos na estrutura ur-
bana. Inexistem praças, e as ruas e os largos são os lugares de vida pública. Os
quatro largos do bairro - das Neves (a norte), do França (próximo ao limite
oriental), dos Guimarães (no centro) e do Curvelo (mais próximo à vertente
sul) - constituem centros nevrálgicos de estruturação da trama (Figura 3).
Funcionam também como passagens de topografia plana - portelas - entre
uma face e outra da encosta. Posicionados ao longo do sistema de vias coleto-
ras, esses largos marcam os percursos do bairro. Sem dimensões generosas, já
que se conformam pela confluência (nó) de ruas, sem que haja um alargamen-
to significativo, constituem, entretanto, centralidades em termos de transporte
público, uso do solo e vida coletiva.
Entretanto, são os vales livres verdes, por onde se alinham as casas ao lon-
go das vias de penetração, e as cumeadas que marcam o espaço urbano. Os
panoramas e as vistas que se descortinam por meio dessa estrutura urbana
Rua x curvas de nível
são característicos, conferindo ao bairro uma paisagem bucólica, fortemente
• Aolongo marcada pela presença do verde e do casario (Figura 4) .
• Díagonaís

D OEDIFICADO

A inexistência de uma quadrícula desenha uma trama irregular fortemente


assente na topografia e nos seus elementos naturais. Essa estrutura urbana,
;. FIGURA 21 MAPA SíNTESE
marcadamente linear, conformada por ruas, travessas e escadarias, com for-
COM INFORMAÇÕES SOBRE
ARRUAMENTOS E TOPOGRAFIA DA ma de "peixe" (linhas mais ou menos diagonais que saem de uma espinha
ÁREA DE SANTA TERESA.
CRÉDITO' Imagem do Google Maps© dorsal), é uma maneira extremamente inteligente e pragmática de ocupar o
(200g). capturada e adaptada pela
autora. sítio, vencer as dificuldades do território e aproveitar suas potencialidades.

192 Urbanismo de colina: Uma tradição luso-brasileira 193 O bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro
••• FIGURA 41 VISTA DO BAIRRO,
COM SUAS LADEIRAS. SANTA
TERESA É ÚNICO BAIRRO
DE JANEIRO QUE MANTEVE
DO RIO
ATÉ o edificado se dispõe ao longo dessa estrutura linear, com os lotes perpen-
RECENTEMENTE O USO DO BONDE
COMO MEIO DE TRANSPORTE
diculares as ruas, e com às construções, em banda contínua nos pontos mais
COLETIVO.
baixos de maior densidade ou ao longo de vias de menor declividade, ou ocu-
CRÉDITO: Fotos da autora.
pando ao centro do lote nas regiões mais nobres, mais altas.
A ocupação social do bairro é diferenciada. As partes mais baixas e as la-
deiras que sobem a encosta são ocupadas por uma pequena burguesia, com
lotes e construções menores. As fraldas do morro, que constituíram expansão
natural do tecido de seus bairros limítrofes, têm seus pés fincados em áreas
de ocupação de classe média e baixa, bairros mais ou menos centrais como
Lapa, Glória e Catete. As partes mais altas são ocupadas por casarões da alta
burguesia e hotéis, e por edifícios para a classe média, que, fugindo da especu-
lação imobiliária desde os anos 1940 e 1950, busca, no bairro, uma alterna-
tiva central de moradia. Essas diferenças até hoje marcam as feições de Santa
Teresa, com uma parte alta mais elitizada composta por intelectuais e artistas,
e uma baixa mais proletária (Figura 5).
Essas características permitiram que processos de degradação instalados nos
bairros centrais periféricos penetrassem paulatinamente nas fraldas do morro,
com dinâmicas urbanas muito parecidas. O processo de favelização do bairro
••. FIGURA 31 DETALHE DOS
se intensifica a partir dos anos 1930, com exceção da Rua Júlio Otoni, cuja
PONTOS NEVRÁLGICOS (LARGOS)
ocupação parece remontar ao fim do século XVIII, numa área praticamente
EXISTENTES EM SANTA TERESA.
CRÉDITO' Imagem do Google Maps© dentro da reserva florestal do Parque Nacional da Tijuca.
(2009), capturada e adaptada pela
autora.

'94 Urbanismo de colina: Uma tradição luso-brasileira '95 o bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro
Desenvolvimento Florestal, para controlar a ocupação de suas en
reflorestamento do local. O artigo 182 estabelece condições de u ,ati vi-
dades, ocupações, edificações, construções e parcelamentos do solo na z na
especial-3. O zoneamento da área de estudo (artigo 183) está dividido em trê
áreas A, B e C (anexos 15A, 15B e 15C) e classificadas, respectivamente, como
zona residencial-l (ZR-l), ZR-3 e zona especial-1.
Segundo a legislação, a APA é área de domínio público ou privado, dotada
de característica ecológica e paisagística notável. Nessas áreas, limitam-se ou
proíbem-se o uso e a ocupação do solo e atividades potencialmente poluido-
ras ou degradantes do meio ambiente, visando à melhoria de suas condições
ambientais. Por sua vez, as Apacs são designadas como áreas de relevante in-
teresse cultural e de características paisagísticas notáveis, cuja ocupação deve
'" FIGURA 51 ASPECTOS DA ser compatível com a valorização da sua paisagem e do seu ambiente urbano
OCUPAÇÃO E DENSIDADE DO
BAIRRO. e com a preservação e recuperação dos seus conjuntos urbanos. Ambas são
CRÉDITO: Fotos da autora.
NORMATIVAS URBANíSTICAS PARA O BAIRRO tuteladas pelo DGPC. As áreas irregulares estão enquadradas como área de
COMO PATRIMÔNIO HOJE proteção ambiental e recuperação urbana (Aparu), segundo o plano diretor, e
dependem das ações do poder público para regulamentação do uso e da ocu-
Em 9 de janeiro de 1984, por meio da Lei Municipal n2 495, o bairro de pação do solo e restauração de suas condições ecológicas e urbanas.
Santa Teresa foi transformado na primeira área de proteção ambiental (APA)
do Brasil. Posteriormente foi também transformada numa área de proteção do
ambiente cultural (Apac), consolidada pelo plano diretor da cidade do Rio de RECOMENDACÕES
, PARA SANTA TERESA
Janeiro, por meio do Departamento Geral de Patrimônio Cultural (DGPC). A
legislação edilícia que atende ao bairro está desatualizada, determinando que A situação atual do bairro continua obedecendo aos seus grandes princípios
as residências sejam só unifamiliares. originais de lançamento de ladeiras nas encostas, em zigue-zague, com perfil
O Decreto n2 5.050, de 23 de abril de 1985, regulamenta a lei citada, al- transversal adequado e aproveitamento das encostas e portelas para a consti-
tera o Regulamento de Zoneamento (aprovado pelo Decreto n2 322, de 3 de tuição de largos e cruzamentos, assim como a manutenção de frestas urbanas
março de 1976) e dá outras providências. No artigo 163 dessa lei, as áreas e arborização enriquecedoras da leitura e do embelezamento da encosta, com
que tiverem curvas de nível acima de 100 metros fazem parte da zona es- equilíbrio e harmonia assinaláveis.
pecial-i (ZE-l) delimitada no anexo 15C e também são incluídas na zona O bairro apresenta carências habitacionais por causa da presença de fave-
especial-3 (ZE-3), do anexo 15. De acordo com o artigo 170, o licenciamento las e cortiços. Será necessária uma operação de qualificação progressiva dos
da construção de edificação deverá ser avaliado pelo Instituto Brasileiro de espaços habitacionais degradados, sobretudo por meio de uma campanha de

196 Urbanismo de colina: Uma tradição luso-brasileira 197 O bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro
MARQUES, M. E. C. M.; SIQUEIRA, V. B. C. o Rio de Janeiro Setecentista: a história da construç od pl
educação ambiental e de formação que vise ao empreendedorismo e à promo- tal. Gávea, Rio de Janeiro, v. 7, p. 188-189, dez. 1989.
ção do nível de vida, com o propósito de manter a população no bairro, mas MARTINS, E. R. de C. A construção do bairro de Santa Tereza no Rio de Janeiro. Caderno do Proarq, Rio
de Janeiro, FAU-UFRJ, v. 9, n. 9, p. 227-240, dez. 2005.
sem cair na tentação de permitir uma gentrificação apressada e segregadora.
MARTINS, E. R. de C. Santa Teresa. Entre Ia ville et ta forêi. La structuration et Ia préservation d'un quar-
Seria bom reforçar o sistema de acessibilidade por meio da construção e do tier carioca, 2002. These (Doctorat) - École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 2002.
melhoramento dos atalhos que visem à sua valorização e a uma eventual liga- MASHECK, E. Planta da cidade do Rio de Janeiro e subúrbios. (Escala 1:25.000). Rio de Janeiro: Laemmert
ção mecânica direta entre Santa Teresa e a Glória, para além da manutenção & Cia, 1890.
PESQUISA IPEA/PNUD 2001. Rio de Janeiro: [5. n), 2002.
do "Bondinho" que liga a Lapa sobre o antigo aqueduto e que faz parte de
PLANO ESTRATÉGICO da Cidade do Rio de Janeiro, Pesquisa de percepção (2001-2002). Rio de Janeiro:
sua imagem e identidade. Instituto Pereira Passos. 2002.
Finalmente, há que repor a primazia do pedestre, apoio e melhor ia dos trans- SILVA, M. V. Reflexõessobre alguns dos meios propostos por mais conducentes para melhorar o clima da
portes públicos e restrições severas ao mau uso dos carros e seu estacionamento cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1988.

sobre a via pública, procurando novas soluções criativas e ajustadas às particula-


ridades do meio. Portanto, medidas como melhorar a pavimentação dos percur-
sos de pedestres e acrescentar mais algum comércio e equipamento que garantam
vitalidade e melhor segurança ao espaço público são também importantes.

REFERÊNCIAS

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AZEVEDO, M. D. M. de. O Rio de Janeiro, sua história,jatos notáveis, homens e curiosidades. Rio de Ja-
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CARVALHO, L. A. de; ROCHA, O. P. R A era das demolições: habitações populares. Rio de Janeiro: Secre-
taria Municipal de Cultura.rqqo.
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LATIF, M. de B. Uma cidade nos trópicos: São Sebastião do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Livraria Agir, 1969.
MARQUES, M. E. C. M.; SIQUEIRA, V. B. C. O Rio de Janeiro Setecentista Rio de Janeiro: PUC-RJ, 1988.
Mimeografado.

'98 Urbanismo de colina: Uma tradição luso-brasileira '99 O bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro

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