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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Processo: 1.0000.17.034419-6/002
Relator: Des.(a) Márcia Milanez
Relator do Acordão: Des.(a) Márcia Milanez
Data do Julgamento: 14/03/2018
Data da Publicação: 23/03/2018

EMENTA: INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE - DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS


ARTIGOS 84, CAPUT E SEU § 3º E 85, §§ 1º E 2º, AMBOS DA LEI 13.146/2015 (ESTATUTO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA) E ARTIGO 4º, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL - CURATELA - INCAPACIDADE RELATIVA - VÍCIO
INEXISTENTE - 1. A Lei 13.146/2015, no que tange ao estabelecimento da incapacidade relativa para os portadores
de deficiência, está de acordo com a Convenção da ONU Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, promulgada
pelo Decreto nº 6.949/2009, com status equivalente ao de emenda constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º, da
Constituição Federal. 2. Ao estabelecer que a "curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de
natureza patrimonial e negocial", o art. 85, § 1º, da Lei nº 13.146/15, não estipulou que o exercício do direito se daria
de maneira absoluta, já que ressalvada a proporcionalidade da definição da curatela às necessidades e circunstâncias
de cada caso.
ARG INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.0000.17.034419-6/002 - COMARCA DE UBERABA - REQUERENTE(S):
DESEMBARGADOR(ES) DA 4ª CÂMARA CÍVEL - REQUERIDO(A)(S): DESEMBARGADOR(ES) DO ÓRGÃO
ESPECIAL DE BELO HORIZONTE - INTERESSADO: CARLOS HUMBERTO AZEVEDO CURY, MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, o ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na
conformidade da ata dos julgamentos, em
DESA. MÁRCIA MILANEZ
RELATORA.

DESA. MÁRCIA MILANEZ (RELATORA)

VOTO

Trata-se de incidente de arguição de inconstitucionalidade suscitado pela 4ª Câmara Cível desta Corte, nos
autos da Apelação Cível nº 1.0000.17.034419-6/001, interposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em
face da sentença proferida nos autos da ação de interdição movida por Carlos Humberto Azevedo Cury em face de
Maria Helena Prado de Azevedo Cury, que afastou o pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade dos
artigos 84, "caput" e seu § 3º, e 85, §§ 1º e 2º, ambos da Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com deficiência), e
ainda artigo 4º, inciso III, do Código Civil, alterado pela mencionada Lei.

O Órgão fracionário, por maioria, suscitou o presente incidente, em observância à cláusula constitucional da
reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal), sustentando a necessidade de pronunciamento do Órgão
Especial acerca de questão prejudicial a residir na inconstitucionalidade dos artigos 84, "caput" e seu § 3º, e 85, §§
1º e 2º ambos da Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com deficiência), e ainda artigo 4º, inciso III, do Código Civil,
alterado pela mencionada Lei, por ofensa aos princípios constitucionais estampados nos artigos 3º e 5º da
Constituição da República.

O feito foi distribuído à minha Relatoria neste Órgão Especial, sendo que a Coordenação de Pesquisa e
Orientação Técnica desta Corte informou a inexistência de tramitação de outros incidentes questionando a
constitucionalidade dos dispositivos acima mencionados.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e pela improcedência do incidente.

É o breve relatório.

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Em sede de controle difuso e incidental de constitucionalidade, a Constituição Federal exigiu que a declaração
de inconstitucionalidade de uma norma legal somente poderia ser feita, em órgão colegiado, pela maioria absoluta de
seus membros ou de seu órgão especial, consoante prevê o art. 97, in verbis:
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial
poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Assim, o afastamento da eficácia jurídica de uma lei vigente no direito positivo somente pode ser feito, nos
tribunais, observando-se tal formalidade, conforme frisou o Supremo Tribunal Federa em sua súmula vinculante nº 10:
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não
declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no
todo ou em parte.
Na disciplina de tal formalidade, o Regimento Interno desta Corte assim dispôs:
Art. 297. Arguida, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator,
após ouvir o Ministério Público e as partes, submeterá a questão ao órgão julgador a que competir o conhecimento do
processo.
§ 1º O órgão fracionário não submeterá ao Órgão Especial a arguição de inconstitucionalidade quando já
houver pronunciamento deste ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. (...).
Feitas tais considerações, observa-se que o Setor de Coordenação de Pesquisa e Orientação Técnica desta
Corte informou a inexistência de decisão anterior deste Órgão Especial acerca da norma sob enfoque.
Relevante, pois, a arguição, passo ao exame meritório.
Trata-se, pois, da suscitação de inconstitucionalidade dos artigos 84, "caput" e seu § 3º, e 85, §§ 1º e 2º ambos
da Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com deficiência), e ainda artigo 4º, inciso III, do Código Civil, alterado pela
mencionada Lei, os quais estabelecem que:
Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas.
(...)
§ 3 - A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.
(...)
Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.
§ 1º. A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à
educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de
2015) (Vigência)
(...)
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº
13.146, de 2015) (Vigência)
(....).
Entende o órgão fracionário e o Ministério Público que tais normas seriam inconstitucionais ante a ausência de
classificação da deficiência. Sustenta que a limitação da curatela aos atos negociais e patrimoniais configura proteção
insuficiente àqueles interditados tidos como absolutamente incapazes, já que autoriza a prática dos demais atos da
vida civil (não negociais) a cidadãos que não conseguem exprimir sua vontade consciente, sem, contudo, definir de
que forma se poderá exercer esses direitos, violando assim os princípios constitucionais da isonomia e inviabilizando
a proteção integral do interditado.
Em que pese a alegação de inconstitucionalidade, verifica-se que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº
13.146/15) está de acordo com a Convenção da ONU Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, promulgada pelo
Decreto nº 6.949/2009, com status equivalente ao de emenda constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º, da
Constituição Federal, que assim estabelece:
"§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais."
Dessa forma, a controvérsia dos autos deve se obtemperada sob a ótica estabelecida pela Convenção da ONU
sobre Direitos das Pessoas com Deficiência.
A referida Convenção, na primeira parte do seu art. 1º, estabelece que seu propósito é "(...) promover,
proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas
as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente."
Já no seu artigo 12, item 2, a Convenção assegura que "Estados Partes reconhecerão que as pessoas com
deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da
vida".
Outros dispositivos da Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência também asseguram

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às pessoas com deficiência o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais
pessoas, consoante se infere do seu artigo 22.1 e 23.1 e 29, transcritos a seguir:
"Art. 22.1. Nenhuma pessoa com deficiência, qualquer que seja seu local de residência ou tipo de moradia, estará
sujeita a interferência arbitrária ou ilegal em sua privacidade, família, lar, correspondência ou outros tipos de
comunicação, nem a ataques ilícitos à sua honra e reputação. As pessoas com deficiência têm o direito à proteção da
lei contra tais interferências ou ataques.
"Art. 23.1. Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas
com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade
de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que:
a) Seja reconhecido o direito das pessoas com deficiência, em idade de contrair matrimônio, de casar-se e
estabelecer família, com base no livre e pleno consentimento dos pretendentes;
b) Sejam reconhecidos os direitos das pessoas com deficiência de decidir livre e responsavelmente sobre o número
de filhos e o espaçamento entre esses filhos e de ter acesso a informações adequadas à idade e a educação em
matéria de reprodução e de planejamento familiar, bem como os meios necessários para exercer esses direitos.
c) As pessoas com deficiência, inclusive crianças, conservem sua fertilidade, em igualdade de condições com as
demais pessoas."
"Art. 29. Os Estados Partes garantirão às pessoas com deficiência direitos políticos e oportunidade de exercê-los em
condições de igualdade com as demais pessoas, e deverão:
a) Assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na vida política e pública, em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas, diretamente ou por meio de representantes livremente
escolhidos, incluindo o direito e a oportunidade de votarem e serem votadas, mediante, entre outros:
i) Garantia de que os procedimentos, instalações e materiais e equipamentos para votação serão apropriados,
acessíveis e de fácil compreensão e uso;
ii) Proteção do direito das pessoas com deficiência ao voto secreto em eleições e plebiscitos, sem intimidação, e a
candidatar-se nas eleições, efetivamente ocupar cargos eletivos e desempenhar quaisquer funções públicas em todos
os níveis de governo, usando novas tecnologias assistidas, quando apropriado;
iii) Garantia da livre expressão de vontade das pessoas com deficiência como eleitores e, para tanto, sempre que
necessário e a seu pedido, permissão para que elas sejam auxiliadas na votação por uma pessoa de sua escolha;
(...)"
Nesse contexto, ao estabelecer que a "curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de
natureza patrimonial e negocial", não alcançando "o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à
privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto", o art. 85, § 1º, da Lei nº 13.146/15, nada mais fez do que
assegurar aos portadores de deficiência os direitos que já eram resguardados pela Convenção de status
constitucional.
Não houve, portanto, restrição dos direitos inerentes ao exercício da capacidade pelas pessoas portadoras de
algum tipo de deficiência, mas verdadeira ampliação, já que a finalidade da norma é promover a integração, a
participação em sociedade e o exercício dos direitos e liberdades fundamentais por tais indivíduos.
Por outro lado, ao permitir a prática de atos da vida civil de natureza não negocial, o Estatuto da Pessoa com
Deficiência não estipulou que o exercício do direito se daria de maneira absoluta, já que ressalvada a
proporcionalidade da definição da curatela às necessidades e circunstâncias de cada caso. Senão vejamos:
Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas.
(...)
§ 3 - A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível. (grifei).
Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.
§ 1º. A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à
educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. (grifei).
Como visto o Estatuto da Pessoa com Deficiência limitou-se a definir a área de atuação do curador (atos de
natureza patrimonial e negocial), desaparecendo assim, afigura de interdição completa e do curador com poderes
ilimitados. Isto significa que, a permissão contida no art. 85, § 1º da Lei Federal n. 13.146/2015 não impede o
reconhecimento de incapacidade para prática de determinados atos da vida civil que não se insiram na esfera
patrimonial e negocial, o que deve ser verificado conforme as particularidades do caso concreto.
Nesse sentido foi a conclusão alcançada no parecer da Douta Procuradoria-Geral de Justiça:

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"Sob essa ótica, não se pode retirar do indivíduo a sua capacidade legal para a prática de atos da vida civil apenas
em razão de sua deficiência, devendo a aferição da eventual incapacidade ser feita mediante a análise dos diversos
aspectos biopsicossociais que envolvem o caso concreto".
A propósito, esse é o entendimento deste Eg. Tribunal em caso análogo ao dos autos:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - CURATELA - INTERDITANDO PORTADOR DE RETARDO MENTAL MODERADO A
GRAVE - DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 84, "CAPUT" E SEU §3º, E
85, §§ 1º E 2º, AMBOS DA LEI 13.146/2015, E DO ARTIGO 4º, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL - ESTATUTO DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA - AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ADEQUAÇÃO DA LEI À CONVENÇÃO
SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - STATUS CONSTITUCIONAL - INCAPACIDADE
RELATIVA - ART. 4º, III, CÓDIGO CIVIL - COMPROVAÇÃO DA INCAPACIDADE DO INTERDITANDO PARA O
EXERCÍCIO DOS ATOS DA VIDA CIVIL - CURATELA - NECESSIDADE DA MEDIDA; 1 - A Lei nº 13.146/15, no que
tange ao estabelecimento da incapacidade relativa para os portadores de deficiência, está em conformidade com a
Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, e com status
equivalente ao de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, CF); 2 - Considerando que a prova pericial atesta a
incapacidade do interditando para gerir os atos da vida civil, já que sofre de retardo mental, patologia que afeta seu
juízo e discernimento, deve ser mantida a sentença de procedência do pedido de interdição. (TJMG - Apelação Cível
1.0000.16.086894-9/001, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/04/0017,
publicação da súmula em 27/04/2017)
Mutatis mutantis, o Supremo Tribunal Federal, através da ADI 3537/DF, publicada em 11/11/2016, afastou
arguição de inconstitucionalidade de outros artigos da Lei 13.146/2015, conforme ementa transcrita:
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI 13.146/2015. ESTATUTO DA PESSOA
COM DEFICIÊNCIA. ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA
COM DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.146/2015
(arts. 28, § 1º e 30, caput, da Lei nº 13.146/2015). 1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com
Deficiência concretiza o princípio da igualdade como fundamento de uma sociedade democrática que respeita a
dignidade humana. 2. À luz da Convenção e, por consequência, da própria Constituição da República, o ensino
inclusivo em todos os níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio, mas sim
imperativo que se põe mediante regra explícita. 3. Nessa toada, a Constituição da República prevê em diversos
dispositivos a proteção da pessoa com deficiência, conforme se verifica nos artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII,
40, § 4º, I, 201, § 1º, 203, IV e V, 208, III, 227, § 1º, II, e § 2º, e 244. 4. Pluralidade e igualdade são duas faces da
mesma moeda. O respeito à pluralidade não prescinde do respeito ao princípio da igualdade. E na atual quadra
histórica, uma leitura focada tão somente em seu aspecto formal não satisfaz a completude que exige o princípio.
Assim, a igualdade não se esgota com a previsão normativa de acesso igualitário a bens jurídicos, mas engloba
também a previsão normativa de medidas que efetivamente possibilitem tal acesso e sua efetivação concreta. 5. O
enclausuramento em face do diferente furta o colorido da vivência cotidiana, privando-nos da estupefação diante do
que se coloca como novo, como diferente. 6. É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário
acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja
promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e
IV, CRFB). 7. A Lei nº 13.146/2015 indica assumir o compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática
adotados pela Constituição ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão
pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação
possui e que são densificadas em seu Capítulo IV. 8. Medida cautelar indeferida. 9. Conversão do julgamento do
referendo do indeferimento da cautelar, por unanimidade, em julgamento definitivo de mérito, julgando, por maioria e
nos termos do Voto do Min. Relator Edson Fachin, improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade."
(ADI 5357 MC-Ref, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 09/06/2016, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 10-11-2016 PUBLIC 11-11-2016)
À luz do exposto e em sintonia com o entendimento da douta Procuradoria-Geral de Justiça, REJEITO o
incidente de inconstitucionalidade.

REJEITARAM O INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE

DES. WANDER MAROTTA


Trata-se de arguição incidental de inconstitucionalidade originária da Quarta Câmara Cível deste Tribunal,
conforme consta do relatório, relativa aos arts. 84, "caput" e seu par. 3º; e art. 85, par. 1º e 2º, ambos da Lei
13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiciência), e, ainda, do art. 4º, III, do Código Civil.
A eminente Relatora vota no sentido de rejeitar o incidente, com o que concordo.

MÉRITO

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O controle de constitucionalidade difuso, também denominado de controle pela via de exceção ou defesa, pode
ser exercido por qualquer Juiz ou Tribunal dentro do âmbito de sua competência, objetivando a proteção de direito
subjetivos, mediante análise da lei ou ato normativo considerado inconstitucional de forma incidental ("incidenter
tantum").
É o que se faz neste caso.
Assim dispõem os questionados dispositivos:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas.
(...)
§3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

§1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à
educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

§2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição,
preservados os interesses do curatelado.

Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:


(...);
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.

Não vislumbro nessas regras legais, assim como a douta Relatora, a proclamada inconstitucionalidade nos
referidos artigos, por mais que sobre eles tenha refletido.
Com o advento da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, foi instituído o Estatuto da Pessoa com Deficiência,
destinado a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades
fundamentais por pessoa com deficiência, objetivando a sua inclusão social e cidadania, conforme expressa dicção
legal contida no "caput" do artigo 1º.
O parágrafo único do art. 1º remete às origens da referida lei, assinalando-se ter sido tomado como fundamento a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso
Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008.
Por sua vez, o artigo 6º da mencionada Lei estabelece que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da
pessoa, resguardando-lhe uma série de direitos em condições de igualdade com as demais pessoas.
Ao exame que fiz, entendo não haver, "ipso facto", o alegado vício da lei, a ponto de torná-la nula.
A propósito, confira-se:

Art. 6o A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução
e planejamento familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas.

Como se sabe, a Lei alterou de maneira profunda a legislação cível no que diz respeito à capacidade civil,
assinalando que somente os menores de 16 anos são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da
vida civil.
Contudo, em hipóteses excepcionais, a pessoa com deficiência poderá ser submetida à curatela, com prevê o
artigo 84, a saber:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas.

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§ 1o Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.
§ 2o É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.
§ 3o A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.
§ 4o Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando o
balanço do respectivo ano.

O referido dispositivo deixa claro que a submissão à curatela somente ocorrerá quando se fizer necessário,
estando explicitada de forma visível a excepcionalidade do instituto, com o que se resguarda à pessoa com
deficiência o direito ao exercício de sua capacidade legal.
Como referido no § 2º do artigo supramencionado, além de a Lei ter revogado os dispositivos do Código Civil que
cuidavam propriamente da interdição, criou o instituto da "tomada de decisão apoiada", previsto no artigo 1.783-A do
Código Civil, "in verbis":

Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2
(duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na
tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa
exercer sua capacidade.

§ 1o Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem
apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o
prazo de vigência do acordo e o respeito a` vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar.

§ 2o O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada, com indicação expressa das
pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo.

§ 3o Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada, o juiz, assistido por equipe
multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão
apoio.

§ 4o A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja
inserida nos limites do apoio acordado.

§ 5o Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contra-
assinem o contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado.

§ 6o Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões entre
a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão.

§ 7o Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigações assumidas, poderá
a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz.

§ 8o Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de seu
interesse, outra pessoa para prestação de apoio.

§ 9o A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de
decisão apoiada.

§ 10. O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada,
sendo seu desligamento condicionado a` manifestação do juiz sobre a matéria.

§ 11. Aplicam-se a` tomada de decisão apoiada, no que couber, as disposições referentes a` prestação de contas na
curatela.

Por sua vez, os casos de sujeição à curatela, previstos no art. 1.767 do CC, foram restringidos, sendo delimitado
pelo art. 85 da Lei nº 13.146/2015 que "a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza
patrimonial e negocial". Busca-se preservar um nicho de liberdade, um canto de

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independência e de autonomia ao curatelado naquilo que a sua incapacidade de vontade própria não chega a atingir,
uma fresta de liberdade que a ciência moderna identifica e que o Direito buscou tutelar e proteger, o que se faz sem
qualquer vício de inconstitucionalidade.
Destaque-se a nova redação dada ao artigo 1767 do Código Civil:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:


I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
II - (Revogado);
III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
IV - (Revogado);
V - os pródigos.

Da leitura do dispositivo extrai-se que a sujeição à curatela restringe-se àquelas pessoas que, por causa
transitória ou permanente, não puderem exprimir a sua vontade, do que se retira, nesse momento, que a enfermidade
ou deficiência mental que acarretar a redução do discernimento não enseja necessariamente a incapacidade ampla e
completa para a prática de quaisquer atos da vida civil. Existe uma "zona" de preservação da liberdade, imune à
intervenção estatal, em nome do valor da preservação da individualidade. O racionalismo exacerbado não pode ser
invocado para querer "definir" tudo e toda essa zona, com a sua complexidade natural e que deve ser aceita como é.
Em prestígio ao princípio da dignidade da pessoa, e ponderando-se as complexidades inerentes a cada ser
humano, o Estado deve analisar, caso a caso, o nível de limitação da capacidade do réu, elucidando o grau de
incapacidade do indivíduo interditando. Não existem mesmo regras fixas, nem pode haver, pois a ciência não domina,
em toda a sua extensão, o conhecimento no campo da psiquiatria e da psicologia -- ou mesmo do próprio cérebro
humano. Como poderia o Direito pretender fazê-lo? Para tanto seria necessário passar da "sabedoria" para a
"santidade".
Por tal razão, faz-se necessário que o processo de interdição seja amplamente instruído, de tal maneira que
comprove de forma conclusiva que a pessoa a ser interditada, de fato, não possui capacidade para certos atos da
vida, embora possa ter capacidade para outros, no âmbito de sua vida mais íntima, de modo a que sua privacidade
seja mais preservada.
Tais conclusões estão de acordo com o previsto no Decreto nº 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York,
em 30 de março de 2007, e que detém "status" equivalente ao de emenda constitucional, na forma do art. 5º, § 3º, da
Constituição Federal.
A aludida Convenção tem por finalidade a promoção, proteção e a observância ao exercício pleno e equitativo de
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, promovendo o direito a
sua dignidade.
O artigo 12 impõe aos Estados que reafirmem que as pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas
em qualquer lugar como pessoas perante a lei e que gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as
demais pessoas em todos os aspectos da vida.
Como se nota, não houve supressão de direitos relacionados à capacidade das pessoas portadoras de
deficiência, mas sim a ampliação deles, sendo atribuído ao Estado o dever de assegurar a sua observância, incluindo
o respeito a uma vida independente e devidamente integrada na comunidade, como determinam os seguintes artigos:

Art. 14.1. Os Estados Partes assegurarão que as pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas:
a) Gozem do direito à liberdade e à segurança da pessoa; e
b) Não sejam privadas ilegal ou arbitrariamente de sua liberdade e que toda privação de liberdade esteja em
conformidade com a lei, e que a existência de deficiência não justifique a privação de liberdade.
Art. 14.2. Os Estados Partes assegurarão que, se pessoas com deficiência forem privadas de liberdade mediante
algum processo, elas, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, façam jus a garantias de acordo com
o direito internacional dos direitos humanos e sejam tratadas em conformidade com os objetivos e princípios da
presente Convenção, inclusive mediante a provisão de adaptação razoável.
(...)
Art. 16.1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas de natureza legislativa, administrativa, social,
educacional e outras para proteger as pessoas com deficiência, tanto dentro como fora do lar, contra todas as formas
de exploração, violência e abuso, incluindo aspectos relacionados a gênero.
Art. 16.2. Os Estados Partes também tomarão todas as medidas apropriadas para prevenir todas as formas de
exploração, violência e abuso, assegurando, entre outras coisas, formas apropriadas de atendimento e apoio que
levem em conta o gênero e a idade das pessoas com deficiência e de seus familiares e atendentes, inclusive
mediante a provisão de informação e educação sobre a maneira de evitar, reconhecer

7
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e denunciar casos de exploração, violência e abuso. Os Estados Partes assegurarão que os serviços de proteção
levem em conta a idade, o gênero e a deficiência das pessoas.
16.3.A fim de prevenir a ocorrência de quaisquer formas de exploração, violência e abuso, os Estados Partes
assegurarão que todos os programas e instalações destinados a atender pessoas com deficiência sejam efetivamente
monitorados por autoridades independentes.
16.4.Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para promover a recuperação física, cognitiva e
psicológica, inclusive mediante a provisão de serviços de proteção, a reabilitação e a reinserção social de pessoas
com deficiência que forem vítimas de qualquer forma de exploração, violência ou abuso. Tais recuperação e
reinserção ocorrerão em ambientes que promovam a saúde, o bem-estar, o auto-respeito, a dignidade e a autonomia
da pessoa e levem em consideração as necessidades de gênero e idade.
16.5.Os Estados Partes adotarão leis e políticas efetivas, inclusive legislação e políticas voltadas para mulheres e
crianças, a fim de assegurar que os casos de exploração, violência e abuso contra pessoas com deficiência sejam
identificados, investigados e, caso necessário, julgados.
Art. 17. Toda pessoa com deficiência tem o direito a que sua integridade física e mental seja respeitada, em igualdade
de condições com as demais pessoas.

Art. 19. Os Estados Partes desta Convenção reconhecem o igual direito de todas as pessoas com deficiência de viver
na comunidade, com a mesma liberdade de escolha que as demais pessoas, e tomarão medidas efetivas e
apropriadas para facilitar às pessoas com deficiência o pleno gozo desse direito e sua plena inclusão e participação
na comunidade, inclusive assegurando que:

a) As pessoas com deficiência possam escolher seu local de residência e onde e com quem morar, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, e que não sejam obrigadas a viver em determinado tipo de moradia;

b) As pessoas com deficiência tenham acesso a uma variedade de serviços de apoio em domicílio ou em instituições
residenciais ou a outros serviços comunitários de apoio, inclusive os serviços de atendentes pessoais que forem
necessários como apoio para que as pessoas com deficiência vivam e sejam incluídas na comunidade e para evitar
que fiquem isoladas ou segregadas da comunidade;

c) Os serviços e instalações da comunidade para a população em geral estejam disponíveis às pessoas com
deficiência, em igualdade de oportunidades, e atendam às suas necessidades.

Art. 22.1. Nenhuma pessoa com deficiência, qualquer que seja seu local de residência ou tipo de moradia, estará
sujeita a interferência arbitrária ou ilegal em sua privacidade, família, lar, correspondência ou outros tipos de
comunicação, nem a ataques ilícitos à sua honra e reputação. As pessoas com deficiência têm o direito à proteção da
lei contra tais interferências ou ataques.

Art. 22.2. Os Estados Partes protegerão a privacidade dos dados pessoais e dados relativos à saúde e à reabilitação
de pessoas com deficiência, em igualdade de condições com as demais pessoas.

Art. 23.1. Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas
com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade
de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que:

a) Seja reconhecido o direito das pessoas com deficiência, em idade de contrair matrimônio, de casar-se e
estabelecer família, com base no livre e pleno consentimento dos pretendentes;

b) Sejam reconhecidos os direitos das pessoas com deficiência de decidir livre e responsavelmente sobre o número
de filhos e o espaçamento entre esses filhos e de ter acesso a informações adequadas à idade e a educação em
matéria de reprodução e de planejamento familiar, bem como os meios necessários para exercer esses direitos.

c) As pessoas com deficiência, inclusive crianças, conservem sua fertilidade, em igualdade de condições com as
demais pessoas.

(...)

Art. 29. Os Estados Partes garantirão às pessoas com deficiência direitos políticos e oportunidade de exercê-los em
condições de igualdade com as demais pessoas, e deverão:

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a) Assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na vida política e pública, em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas, diretamente ou por meio de representantes livremente
escolhidos, incluindo o direito e a oportunidade de votarem e serem votadas, mediante, entre outros:

I) Garantia de que os procedimentos, instalações e materiais e equipamentos para votação serão apropriados,
acessíveis e de fácil compreensão e uso;

II) Proteção do direito das pessoas com deficiência ao voto secreto em eleições e plebiscitos, sem intimidação, e a
candidatar-se nas eleições, efetivamente ocupar cargos eletivos e desempenhar quaisquer funções públicas em todos
os níveis de governo, usando novas tecnologias assistivas, quando apropriado;

III) Garantia da livre expressão de vontade das pessoas com deficiência como eleitores e, para tanto, sempre que
necessário e a seu pedido, permissão para que elas sejam auxiliadas na votação por uma pessoa de sua escolha; (...)

Nessa linha, o Estatuto da Pessoa com Deficiência restringiu-se a delimitar a área de atuação do curador,
conferindo-lhe os atos de natureza patrimonial e negocial, sem prejuízo de análise dos requisitos de validade dos
demais atos praticados pelo curatelado.
A lei usa termos amplos, abertos, postos à interpretação, e podem ser entendidos --- como certa parte da doutrina
o faz - como "zonas cinzentas" que contrariam o direito. Assim não ocorre, porém. O fato da indeterminação, da
possibilidade de interpretar, da fluidez dos conceitos, da abertura das vontades, nada disso é contra a lei. Nada disso
desfigura a Constituição. O convívio com a diferença se faz com regras diferentes. Regras rígidas, regras que não
admitem interpretação, regras pétreas, não possuem lugar no terreno mais amplo das liberdades do deficiente,
principalmente o deficiente mental, cujo universo é, na verdade, desconhecido pela ciência em seu atual estágio. A
convivência com todo este complexo esquema de normas e regras é a melhor solução e a Constituição o abriga.
A propósito, registre-se que o STF, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5357/DF,
proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino - CONFENEN, em face do § 1º do art. 28 e do
art. 30, "caput", da Lei 13.146/2015 e que ocorreu em 9.6.2016, concluiu pela improcedência do pedido contido na
ADI, em acórdão assim ementado:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI 13.146/2015. ESTATUTO DA


PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI
13.146/2015 (arts. 28, § 1º e 30, caput, da Lei nº 13.146/2015).
1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência concretiza o princípio da igualdade como
fundamento de uma sociedade democrática que respeita a dignidade humana.
2. À luz da Convenção e, por consequência, da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os
níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio, mas sim imperativo que se põe mediante
regra explícita.
3. Nessa toada, a Constituição da República prevê em diversos dispositivos a proteção da pessoa com deficiência,
conforme se verifica nos artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 40, § 4º, I, 201, § 1º, 203, IV e V, 208, III, 227, § 1º,
II, e § 2º, e 244.
4. Pluralidade e igualdade são duas faces da mesma moeda. O respeito à pluralidade não prescinde do respeito ao
princípio da igualdade. E na atual quadra histórica, uma leitura focada tão somente em seu aspecto formal não
satisfaz a completude que exige o princípio. Assim, a igualdade não se esgota com a previsão normativa de acesso
igualitário a bens jurídicos, mas engloba também a previsão normativa de medidas que efetivamente possibilitem tal
acesso e sua efetivação concreta.
5. O enclausuramento em face do diferente furta o colorido da vivência cotidiana, privando-nos da estupefação diante
do que se coloca como novo, como diferente.
6. É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB).
7. A Lei nº 13.146/2015 indica assumir o compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados pela
Constituição ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua atuação
educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação possui e que são
densificadas em seu Capítulo IV.

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

8. Medida cautelar indeferida.


9. Conversão do julgamento do referendo do indeferimento da cautelar, por unanimidade, em julgamento definitivo de
mérito, julgando, por maioria e nos termos do Voto do Min. Relator Edson Fachin, improcedente a presente ação
direta de inconstitucionalidade.
(ADI 5357 MC-Ref, Relator: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 09/06/2016, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 10-11-2016 PUBLIC 11-11-2016) (destaquei)

Muito embora sejam diversos os dispositivos questionados daqueles aqui abordados, são perfeitamente aplicáveis
ao caso os fundamentos sustentados pelo i. Relator, Min. EDSON FACHIN, de cujo voto faz-se oportuno o destaque
de pequeno excerto:

"A busca na tessitura constitucional pela resposta jurídica para a questão posta somente pode ser realizada com um
olhar que não se negue a ver a responsabilidade pela alteridade compreendida como elemento estruturante da
narrativa constitucional.

A atuação do Estado na inclusão das pessoas com deficiência, quer mediante o seu braço Executivo ou Legislativo,
pressupõe a maturação do entendimento de que se trata de ação positiva em uma dupla via.

Explico: essa atuação não apenas diz respeito à inclusão das pessoas com deficiência, mas também, em perspectiva
inversa, refere-se ao direito de todos os demais cidadãos ao acesso a uma arena democrática plural. A pluralidade -
de pessoas, credos, ideologias, etc. - é elemento essencial da democracia e da vida democrática em comunidade.

Nessa toada, a Constituição da República prevê em diversos dispositivos a proteção da pessoa com deficiência,
conforme se verifica nos artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 40, § 4º, I, 201, § 1º, 203, IV e V, 208, III, 227, § 1º,
II, e § 2º, e 244.

Pluralidade e igualdade são duas faces da mesma moeda. O respeito à pluralidade não prescinde do respeito ao
princípio da igualdade. E na atual quadra histórica, uma leitura focada tão somente em seu aspecto formal não
satisfaz a completude que exige o princípio.

Assim, a igualdade não se esgota com a previsão normativa de acesso igualitário a bens jurídicos, mas engloba
também a previsão normativa de medidas que efetivamente possibilitem tal acesso e sua efetivação concreta.

Posta a questão nestes termos, foi promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009 a Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, dotada do propósito de promover, proteger e assegurar o exercício pleno e
equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência,
promovendo o respeito pela sua inerente dignidade (art. 1º).

A edição do decreto seguiu o procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição da República, o que lhe confere
status equivalente ao de emenda constitucional, reforçando o compromisso internacional da República com a defesa
dos direitos humanos e compondo o bloco de constitucionalidade que funda o ordenamento jurídico pátrio.

(...)

Para além de vivificar importante compromisso da narrativa constitucional pátria - recorde-se uma vez mais a
incorporação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pelo procedimento previsto no art. 5º, §3º,
CRFB - o ensino inclusivo milita em favor da dialógica implementação dos objetivos esquadrinhados pela Constituição
da República.

É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB).

Esse foi inclusive um dos consideranda da celebração da Convenção:

"m) Reconhecendo as valiosas contribuições existentes e potenciais das pessoas com deficiência ao bem-

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

estar comum e à diversidade de suas comunidades, e que a promoção do pleno exercício, pelas pessoas com
deficiência, de seus direitos humanos e liberdades fundamentais e de sua plena participação na sociedade resultará
no fortalecimento de seu senso de pertencimento à sociedade e no significativo avanço do desenvolvimento humano,
social e econômico da sociedade, bem como na erradicação da pobreza,"
(...)"
(ADI 5357 MC-Ref, Relator: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 09/06/2016, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 10-11-2016 PUBLIC 11-11-2016)

Como se vê do entendimento emanado da Suprema Corte, a Convenção Internacional sobre os Direitos da


Pessoa com Deficiência concretiza o princípio da igualdade como fundamento de uma sociedade democrática que
respeita a dignidade humana.
Para que os objetivos traçados no texto constitucional sejam alcançados, é imperioso o convívio com a diferença e
com o indispensável acolhimento, como bem pontuou o ilustre Ministro Edson Fachin.
De todo o exposto, não se vislumbra, renovada vênia, a alegada inconstitucionalidade da Lei nº 13.146/15, seja
quanto à definição dos critérios de capacidade absoluta e relativa, seja no que se refere ao alcance da curatela. O
mesmo, evidentemente, ocorre com o dispositivo do C. Civil (art. 4º).
Assim, como o faz a eminente Relatora, recuso, respeitosamente, a minha adesão à proposta de declarar
inconstitucionais os dispositivos apontados, por considerar que estão perfeitamente abrigados pela Constituição da
República.
Os casos concretos certamente conterão particularidades que poderão - todas - ser analisadas e apreciadas, tudo
sem a necessidade de considerar como inconstitucionais as referidas regras legais.

DES. EDGARD PENNA AMORIM


VOTO CONVERGENTE DO VOGAL
DES. EDGARD PENNA AMORIM

Acompanho a em. Relatora, com os acréscimos do em. Des. WANDER MAROTTA, aos quais acrescento lição do
em. Min. CARLOS AYRES BRITO que resume a importância da controvérsia constitucional posta nos autos do
presente incidente.
Na esteira de manifestação minha no julgamento da ADI n.º 1.0000.15.102764-6-000, em 27.07.2017, neste
Órgão Especial, tenho entendimento de que a Constituição da República tem como objetivo o amplo desenvolvimento
das potencialidades humanas de cada indivíduo, de forma que garanta a convivência das diferenças, em perspectiva
dinâmica e real da vida, a fim de que essa dinâmica do convívio mais dignifique para gerar mais espírito humano,
mais consciência de cidadania, liberdade, dignidade e igualdade.
Para isso, a Constituição da República é, sem sombra de dúvidas, vanguardista na proposta do
Constitucionalismo Fraterno, conforme CARLOS AYRES BRITTO reflexiona nos capítulos de sua obra:
Efetivamente, se considerarmos a evolução histórica do Constitucionalismo, podemos facilmente ajuizar que ele foi
liberal, inicialmente, e depois social. Chegando, nos dias presentes, à etapa fraternal da sua existência. Desde que
entendamos por Constitucionalismo Fraternal esta fase em que as Constituições incorporam às franquias liberais e
sociais de cada povo soberano a dimensão da Fraternidade; isto é, a dimensão das ações estatais afirmativas, que
são atividades assecuratórias da abertura de oportunidades para os segmentos sociais historicamente
desfavorecidos, como, por exemplo, os negros, os deficientes físicos e as mulheres (para além, portanto, da mera
proibição de preconceitos). De par com isso, o constitucionalismo fraternal alcança a dimensão da luta pela afirmação
do valor do Desenvolvimento, do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, da Democracia e até de certos aspectos
do urbanismo como direitos fundamentais. Tudo na perspectiva de se fazer da interação humana uma verdadeira
comunidade. Isto é, uma comunhão de vida, pela consciência de que, estando todos em um mesmo barco, não têm
como escapar da mesma sorte ou destino histórico.
Se a vida em sociedade é uma vida plural, pois o fato é que ninguém é cópia fiel de ninguém, então que esse
pluralismo do mais largo espectro seja plenamente aceito. Mais até que plenamente aceito, que ele seja cabalmente
experimentado e proclamado como valor absoluto. E nisso é que se exprime o núcleo de uma sociedade fraterna, pois
uma das maiores violências que se pode cometer contra seres humanos é negar suas individualizadas preferências
estéticas, ideológicas, profissionais, religiosas, partidárias, geográficas, sexuais, culinárias, etc. Assim como não se
pode recusar a ninguém o direito de experimentar o Desenvolvimento enquanto situação de compatibilidade entre a
riqueza do País e a riqueza do povo. Autosustentadamente ou sem dependência externa. ("In" Teoria da Constituição.
Rio de Janeiro: Forense, 2003. P, 216-217.)

Sobre o princípio constitucional da sustentabilidade (CR, art. 3º, inc. I), JUAREZ FREITAS, em sua atualíssima
obra que lhe rendeu a medalha "Pontes de Miranda" da Academia Brasileira de Letras Jurídicas,

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

define:
Trata-se do princípio constitucional que determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da
sociedade pela conscientização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e
equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo
preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar.
(...)
A sustentabilidade, como princípio jurídico, altera a visão global do Direito, ao incorporar a condição normativa de um
tipo de desenvolvimento, para o qual todos os esforços devem convergência obrigatória e vinculante. Deixa de ser um
slogan para assumir a normatividade, como propõe Nicolas de Sadeleer. (F. 71.) (Sustentabilidade: direito ao futuro.
Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 41; sublinhas deste voto.)

E prossegue o autor, ao explicitar o conteúdo da sustentabilidade inclusiva que entrecruza seu campo de ação
com o conceito de solidariedade constitucional:
(...) a sustentabilidade, como valor constitucional, é inclusiva e tolerante, salvo com aqueles que põem em perigo
irremediável o equilíbrio da vida. A multifacetada sustentabilidade, no acordo semântico exposto no Capítulo 2,
demanda capacidade inclusiva insuprimível e justa preocupação com os menos favorecidos ou mais frágeis (tais
como crianças e idosos), postura que representa guinada, sem precedentes, no pensamento econômico jurídico.
Nesse ponto, Ignacy Sachs fez bem ao incorporar a multidimensionalidade includente do desenvolvimento social,
ambiental, territorial, econômico e político, especialmente ao salientar "o duplo imperativo ético de solidariedade
sincrônica com a geração atual e diacrônica com as gerações futuras. Ela nos compele a trabalhar com escalas
múltiplas de tempo e de espaço, o que desarruma a caixa de ferramentas do economista convencional. (Ob. cit., p.
127/128; sublinhas deste voto.)

Como visto, o imperativo constitucional da inclusão decorrente dos princípios da sustentabilidade e da


solidariedade (CR, art. 3º, inc. I) dão sustentação à edição de legislação infraconstitucional apta a fazer face aos
novos desafios sociais, resultantes da diversidade individual, a ser resguardada, de um lado, pelo princípio da
dignidade da pessoa humana, e de outro, pelo da liberdade.
De outro lado, à luz da Constituição da República, sabe-se que a capacidade civil é um dos direitos fundamentais
da pessoa humana especialmente reforçado com a Convenção de Nova Iorque e com a edição do Estatuto da Pessoa
com Deficiência, que tornaram a curatela um instituto excepcional - mais ainda quando se trata de menor -, que deve
ser imposto sempre como uma forma de proteção e não de punição.
Por sua vez, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi internalizada no ordenamento
jurídico pátrio pelo rito do art. 5, § 3º, da CR, motivo por que tem "status" de Emenda Constitucional e,
consequentemente, integra o bloco de constitucionalidade no Brasil.
Desta forma, o seu propósito de promover e proteger a autodeterminação das pessoas com deficiência deve
orientar a interpretação das normas infraconstitucionais, de modo a dar primazia àquela que melhor concretiza os
direitos fundamentais, na esteira do princípio hermenêutico da máxima efetividade das normas constitucionais e da
força normativa da Constituição que lhe atribuem as características da normatividade e da imperatividade.
Destarte, deve-se optar pela interpretação constitucional que confere maior eficácia ao seu conteúdo normativo, e
extrair dele todas as suas potencialidades em prol da concretização dos direitos fundamentais da pessoa com
deficiência.
Na espécie, os dispositivos legais objurgados são normas direcionadas à abordagem adequada das efetivas
necessidades do portador de deficiência, sem engessar as hipóteses previamente à moldura legal, a fim de que lhes
seja resguardado o gozo máximo dos direitos constitucionalmente assegurados. Vejam-se:
Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas.
(...)
§ 3 - A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.
(...)
Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.
§ 1º. A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à
educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de
2015)
(...)
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
(...) (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Assim, evita-se que o instituto da curatela, a pretexto de proteger o portador de deficiência, impeça o indivíduo,
em processo de descobrimento das faculdades humanas - em muitos casos tolhidas, em outros tantos
potencializadas pela deficiência -, disponha, na medida do possível, dos direitos ao próprio corpo, à sexualidade, ao
matrimônio, à privacidade, à educação e à saúde, ao trabalho e ao voto.
Pelo exposto, acompanho a em. Relatora para rejeitar a arguição de inconstitucionalidade dos arts. 84, "caput" e
seu § 3º, e 85, §§ 1º e 2º, ambos da Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com deficiência), e ainda do artigo 4º,
inciso III, do Código Civil, alterado pela mencionada Lei.

DESA. SANDRA FONSECA


A questão a ser dirimida na presente arguição consiste na constatação da inconstitucionalidade, ou não, dos arts.
84, caput e § 3º e 85, §§1º e 2º, ambos da Lei 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem
como a redação dada ao artigo 4º, inciso III, do Código Civil, em virtude da superveniência da referida norma.
Os mencionados dispositivos estabelecem que:
Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas.
(...)
§ 3o A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.
(...)
Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.
§ 1o A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à
educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº
13.146, de 2015) (Vigência)
(...)
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela
Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

Nesse contexto, a análise a ser feita cinge-se a respeito do tratamento dado àqueles que não puderem exprimir
sua vontade que, em razão da mudança de paradigma trazida pela Lei Federal nº 13.145/2015, passaram a ser
considerados relativamente incapazes para prática dos atos da vida civil e, como tal, sujeitos à curatela que, nos
termos do mencionado dispositivo, se restringe a pratica de atos patrimoniais e negociais.
Na hipótese dos autos, o parquet aponta a contrariedade dos supramencionados dispositivos com o princípio da
isonomia, previsto no art. 5º da CR/88 e a promoção do bem estar de todos sem discriminação, consagrada no art. 3º
da Carta Constitucional, sob o fundamento de que inviabilizada a proteção integral da curatela que, para além das
questões negociais, necessita de representação legal para os outros atos da vida civil, já que incapaz de exprimir sua
vontade.
A Lei Federal nº 13.146/2015 decorre da aprovação da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo foram assinados em Nova York em 30 de março de 2007, pelo Congresso
Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008, em observância ao procedimento
estabelecido pelo parágrafo 3º, do art. 5º, da CF/88, gozando, portanto, suas normas do status de emenda
constitucional.
O referido tratado internacional teve como finalidade, suprir um vazio na normativa internacional acerca das
pessoas com deficiência, que agravavam ainda mais a situação de exclusão existente, sendo que um dos principais
enfoques trazidos pelo aludido tratado diz respeito à superação da marginalização atrelada ao modelo médico de
deficiência.
Nesse sentido leciona André de Carvalho Ramos:
Vale ressaltar, nesse ponto, que o medical model, modelo médico da abordagem da situação das pessoas com
deficiência, via a deficiência como um "defeito" que necessitava de tratamento ou cura. Quem deveria se adaptar à
vida social eram as pessoas com deficiência, que deveriam ser "curadas". A atenção da sociedade e do Estado,
então, voltava-se ao reconhecimento dos problemas de integração da pessoa com deficiência para que esta
desenvolvesse estratégias para minimizar os efeitos da deficiência em sua vida cotidiana. A adoção desse modelo
gerou falta de atenção às práticas sociais que justamente agravavam as condições de vida das pessoas com
deficiência, gerando pobreza, invisibilidade e perpetuação dos estereótipos das pessoas com deficiência como
destinatárias da caridade pública (e piedade compungida), negando-lhes a titularidade de direitos como seres
humanos. Além disso, como a deficiência era vista

13
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

como um "defeito pessoal", a adoção de uma política pública de inclusão não era necessária.
Já o modelo de direitos humanos (ou modelo social) vê a pessoa com deficiência com ser humano, utilizando o dado
médico apenas para definir suas necessidades. A principal característica desse modelo é sua abordagem de "gozo de
direitos sem discriminação". Este princípio de antidiscriminação acarreta a reflexão sobre a necessidade de políticas
públicas para que seja assegurada a igualdade material, consolidando a responsabilidade do Estado e da sociedade
na eliminação das barreiras à efetiva fruição dos direitos do ser humano. Assim, não se trata mais de exigir da pessoa
com deficiência que se adapte, mas sim de exigir, com base na dignidade humana, que a sociedade trate seus
diferentes de modo a assegurar a igualdade material, eliminando as barreiras à sua plena inclusão.
Na primeira parte do art. 1º, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência adota,
expressamente, o modelo dos direitos humanos, ao estabelecer que seu propósito é promover, proteger e assegurar
o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com
deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.
Na parte final do art. 1º, a Convenção estabelece que pessoas com deficiência são aquelas que tem impedimentos de
natureza física, intelectual ou sensorial, o quais, em interação com diversos barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. Assim, vê-se que, tal qual consta do preambulo, a deficiência é
considerada um conceito social (e não médico) em evolução, resultante da interação entre pessoas com a deficiência
e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena efetiva participação dessas pessoas na
sociedade em igualdade de oportunidade com as demais pessoas. (destaquei) (Curso de Direitos Humanos. 2ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 221/222).

Dessa forma, a controvérsia dos autos, deve ser obtemperada sob a ótica estabelecida pela Convenção da ONU
sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, segundo a qual pessoa deficiente é aquela que tem impedimentos de
natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
A propósito a lição de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD:
"É preciso sublinhar, ademais, que a decisão judicial de interdição atinge, frontalmente, alguns valores
constitucionalmente preservados em favor da pessoa, como a liberdade e a intimidade. É por isso que afirmamos não
ser possível considerar para a interdição e pura e simples existência da patologia mental. É necessário atentar que a
medida judicial atinge os direitos e garantias fundamentais e, por via oblíqua, o exercício da cidadania pelo
interditado. Daí a compreensão de que toda e qualquer interdição tem de estar fundada na proteção da dignidade do
próprio interditando, e não ter terceiros, sejam parentes ou não. (destaquei) (Curso de Direito Civil - 6ª edição -
Ed.2014 - p.911)

É dizer, nos termos da novel legislação, a interdição somente se justifica em atendimento às próprias
necessidades do interditando, respeitando, na medida do possível, a manifestação de seu livre desenvolvimento e de
vida, numa clara superação ao "modelo médico da abordagem da situação das pessoas com deficiência" para dar
lugar a uma abordagem social, inclusiva, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, norteador de
todo ordenamento constitucional.
Nesse sentido, já se posicionou o col. STF no julgamento da ADI nº 5357/DF, em que questionados dispositivos
do Estatuto da Pessoa com Deficiência:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI 13.146/2015. ESTATUTO DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI
13.146/2015 (arts. 28, § 1º e 30, caput, da Lei nº 13.146/2015). 1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da
Pessoa com Deficiência concretiza o princípio da igualdade como fundamento de uma sociedade democrática que
respeita a dignidade humana. (...) 5. O enclausuramento em face do diferente furta o colorido da vivência cotidiana,
privando-nos da estupefação diante do que se coloca como novo, como diferente. 6. É somente com o convívio com a
diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária,
em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB). (ADI 5357 MC-Ref, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado
em 09/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 10-11-2016 PUBLIC 11-11-2016)

No mesmo sentido, já se posicionou a col. 6ª Câmara Cível, deste eg. Tribunal de Justiça, em feito de minha
relatoria:
EMENTA: PEDIDO DE CONCESSÃO DE TRANSPORTE GRATUITO - LINHAS REGULARES DO TRANSPORTE
COLETIVO DE DIVINÓPOLIS - PESSOA COM DEFICIÊNCIA - PARÂMETROS NORMATIVOS - CONVENÇÃO DA
ONU SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - STATUS DE EMENDA CONSTITUCIONAL - ESTATUTO DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - IMPEDIMENTO DE NATUREZA SENSORIAL E INTELECTUAL - LIMITAÇÃO À
PARTICIPAÇÃO

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

PLENA E EFETIVA NA SOCIEDADE - DEFINIÇÃO PREPONDERANTEMENTE SOCIAL - RECONHECIMENTO DA


DEFICIÊNCIA - ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO - PROVIMENTO DA APELAÇÃO.
1 - O conceito de pessoa com deficiência veiculado pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência assinada em Nova York em 30 de março de 2007 e aprovado pelo Congresso por meio do Decreto
Legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008, em observância ao procedimento estabelecido pelo parágrafo 3º, do art. 5º,
da CF/88, goza do status de emenda constitucional.
2 - Acerca do conceito de pessoa com deficiência prepondera, contemporaneamente, o modelo social, devendo os
dados médicos ser utilizados para definir suas necessidades, bem como os mecanismos de integração que deverão
ser adotados. (...) (TJMG - Apelação Cível 1.0223.09.293925-3/002, Relator(a): Des.(a) Sandra Fonseca , 6ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/12/2016, publicação da súmula em 16/12/2016)

Nesse contexto, ao permitir a prática de atos da vida civil que não se insiram na esfera patrimonial e negocial,
dando lugar a uma a uma abordagem inclusiva, a Lei Federal nº 13.146/2015 buscou justamente a promoção do bem
estar dos enfermos mentais, assegurando-lhes o direito à participação plena e efetiva na sociedade com as demais
pessoas.
Dessa forma, por se tratar de norma destinada à ampliação do espectro de direitos e garantias fundamentais
inerentes aos portadores de deficiência mental, não vislumbro incompatibilidade entre o disposto nos arts. 84 e 85 da
Lei Federal nº 13.146/2015 e a redação dada ao art. 4º do Código Civil de 2002 com o disposto no art. 5º e art.3º da
Carta Constitucional,
A propósito, o entendimento deste Eg. Tribunal de Justiça em caso idêntico ao dos autos:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - CURATELA - INTERDITANDO PORTADOR DE RETARDO MENTAL MODERADO A
GRAVE - DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 84, "CAPUT" E SEU §3º, E
85, §§ 1º E 2º, AMBOS DA LEI 13.146/2015, E DO ARTIGO 4º, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL - ESTATUTO DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA - AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ADEQUAÇÃO DA LEI À CONVENÇÃO
SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - STATUS CONSTITUCIONAL - INCAPACIDADE
RELATIVA - ART. 4º, III, CÓDIGO CIVIL - COMPROVAÇÃO DA INCAPACIDADE DO INTERDITANDO PARA O
EXERCÍCIO DOS ATOS DA VIDA CIVIL - CURATELA - NECESSIDADE DA MEDIDA; 1 - A Lei nº 13.146/15, no que
tange ao estabelecimento da incapacidade relativa para os portadores de deficiência, está em conformidade com a
Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, e com status
equivalente ao de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, CF); 2 - Considerando que a prova pericial atesta a
incapacidade do interditando para gerir os atos da vida civil, já que sofre de retardo mental, patologia que afeta seu
juízo e discernimento, deve ser mantida a sentença de procedência do pedido de interdição. (TJMG - Apelação Cível
1.0000.16.086894-9/001, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/04/0017,
publicação da súmula em 27/04/2017)

Por outro lado, deve-se ter em mente que, ao permitir a prática de atos da vida civil de natureza não negocial, o
Estatuto da Pessoa com Deficiência não estipulou que o exercício do direito se daria de maneira absoluta, já que
ressalvada a proporcionalidade da definição da curatela às necessidades e circunstâncias de caso:
Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas.
(...)
§ 3o A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

É dizer, a permissão contida no art. 85, §1º da Lei Federal nº 13.146/2015 não impede o reconhecimento de
incapacidade para prática de determinados atos da vida civil que não se insiram na esfera patrimonial e negocial, o
que deve ser verificado conforme as particularidades da curatela e do caso concreto, não havendo que se falar,
portanto, em contrariedade da r. sentença.
Assim, afastada a alegação de inconstitucionalidade dos artigos 84, "caput" e seu §3º, e 85, §§ 1º e 2º, ambos da
Lei 13.146/2015, e da redação dada ao artigo 4º, inciso III, do Código Civil de 2002 e, ausente a alegada
contrariedade, deve ser mantida a r. sentença em sua integralidade.
Com estes modestos adminículos, acompanho a e. Desembargadora Relatora, para REJEITAR O INCIDENTE DE
INCONSTITUCIONALIDADE.
É como voto.

DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL - De acordo com o(a) Relator(a).


DES. AUDEBERT DELAGE - De acordo com o(a) Relator(a).

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

DES. BELIZÁRIO DE LACERDA - De acordo com o(a) Relator(a).


DES. PAULO CÉZAR DIAS - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. ARMANDO FREIRE - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. ALBERTO VILAS BOAS - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. WAGNER WILSON FERREIRA - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. LEITE PRAÇA - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. WANDERLEY PAIVA - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. VERSIANI PENNA - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. LUIZ ARTUR HILÁRIO - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. GERALDO AUGUSTO - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. KILDARE CARVALHO - De acordo com o(a) Relator(a).
DESA. BEATRIZ PINHEIRO CAIRES - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. ALEXANDRE SANTIAGO - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. EDISON FEITAL LEITE - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "REJEITAR O INCIDENTE DE INCONSTITUICIONALIDADE"

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