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Noite de 12/11/2018.

Bianca e Ali,

Acredito que eventualmente, quase todas as pessoas buscam uma resposta no que
concerne ao significado de toda essa experiência que é viver. Os dias passam, as coisas pouco a
pouco mudam, muitas vezes sem percebermos. Se criam, se destroem, deterioram, renovam;
mudamos, crescemos, aprendemos, mas também sofremos, e criamos dentro de nós
sentimentos difíceis de entender e contornar.

Me coloquei na posição de alguém que deu a sorte de estar com tempo e calma para
pensar, e quero dar um ponta-pé inicial numa discussão que nos ensine, todos juntos, a cultivar
calma para viver com mais paz.

Para ser bem claro, a pergunta que quero abordar é: por que fazemos qualquer coisa,
individualmente ou coletivamente, sendo que rumamos todos para o mesmo destino final, a
saber, a morte? Mesmo que não venha a ser a morte a fonte de nossa ansiedade, mas mais
amplamente, o inevitável fim de nossa sociedade e tudo que hoje admiramos ter construído?
Busquemos uma abordagem sincera e ingênua.

Vocês, meus caros, abrigam a resposta escondida por algumas camadas de reflexão.
Quando conseguiram justificar algo que fizeram compulsivamente, ao longo de dias, semanas ou
meses? Lembremos de exemplos bons. Quem de nós pensou na morte quando leu livros longos
nos invernos, tomando um capuccino quente e em roupas de lã? Ali, quando cogitamos a
praticidade de nossas conversas hipotéticas, ao invés de gastar as tardes rindo e apenas
sentindo prazer imenso no interesse que aquelas ideias tinham? E o contemplar, quando foi que
olhamos para uma flor pensando nas estações em que ainda perduraria antes de murchar, ou
apreciamos um quadro imaginando quando fosse apagar, os prédios imaginando ruir, e uma
música, quando tudo se findar e só vácuo restar?

Em condições normais, sabemos que nunca trouxemos o lado mórbido à tona. E quando
porventura o fizemos, era com austeridade tamanha que esse destino fazia parte da
contemplação em si, sem nos incomodar.

Diante desta pequena evidência, levanto a tese de que essa seja nossa condição normal,
antes de tudo. O que quero dizer é que o impulso maior que vem de dentro para realizarmos
todos os atos que nós e todos que nos antecederam fizeram não dá a mínima para para o quão
fúnebre saibamos que o futuro em bilhões de anos vá ser. Somos humanos, e em condições
normais, simples demais para sair de nossa vizinhança local no tempo e espaço para sofrer
imaginando o que há fora dela, ao invés de ter prazer nela.

Isso me trás à síntese do que queria dizer a vocês. O que vejo de mais humano hoje é se
entregar aos impulsos locais. É dançar na festa quando toca aquela música, é cantar Bohemian
Rhapsody junto aos amigos na rua; é apreciar o cheiro de um livro novo ou chorar na emoção de
um filme; mas não precisa ser de natureza emocional essas expressões. Nós três, tenho isso bem
certo, já sentimos o impulso incontrolável de pensar, indagar e nos aproximarmos de uma
espécie de realidade mais firme através da reflexão e apreciação do quão grande é a expansão
do conhecimento humano, da curiosidade. É arte, tudo que vem de expressão desse impulso,
pensada ou não.

Quero ir mais longe, em algo de natureza ainda mais refinada. Vou traduzir a pergunta de
“o que motiva as pessoas?” para um nicho mais específico: como nos inspiramos? Parte do que
eu quero dizer é que o melhor jeito que já encontrei de driblar meu psicológico cheio de auto-
sabotagens e armadilhas é me colocar em alguma direção, me inspirando em alguém que já
chegou lá. Não preciso me preocupar ou ficar ansioso em eu mesmo chegar lá, mas preciso estar
indo. De maneira mais concreta, começo a perceber que não é tolice viver segundo um ideal. É
tolice para quem já não consegue mais o ter, mas viver segundo um ideal é uma alternativa à
loucura e ao vazio. Viver segundo um ideal é dar valor à possibilidade de ser uma vez só, não
perder nosso tempo por causa de insegurança ou conforto. Não precisa fazer sentido, não
precisa “estar certo”, ou durar para sempre. Encontrar um ideal nada mais é um mecanismo de
dar uma resposta a esse tema todo, ou seja, criar o próprio sentido na vida.

Portanto, trago para nós propostas práticas para combater esse sentimento de deriva
num mar prata, sem fundo. Voltemos a premissa básica como crianças de encontrar/criar um
ideal e buscá-lo nos dias. Ele é como se fosse um pano de fundo, algo que nada que nos ataque
possa manchar, nada além de nós mesmos podendo nos impedir de nos apegarmos a ele.

Proponho que tire sim, você ó ser ocupado, um tempo do seu dia para desrespeitar a
ordem, a rotina, e fazer algo que queira, ou algo inesperado. A melhor maneira de se alienar de si
mesmo e de seus gostos é pouco a pouco ir se proibindo de fazê-los por “motivo maior”. Uma
vez perdido, e com eu desafiando-os a reencontrá-los (os gostos), espero que entre aquilo que
lembrem de mim seja de terem aprendido comigo o valor de ainda terem dentro de si um pedaço
de si mesmos, e negarem a todo custo, a toda pressão e vexame, entregar isso a qualquer um,
ou ao vento, ao nada.

Tudo isso é ingênuo sim, mas ingenuidade funciona, e é bem prático. Isso não vai impedir
vocês de terem sucesso na faculdade, no trabalho, nos relacionamentos. Minha opinião é de que
uma dose rebeldia é liberador.

Estou falando demais, e nem vou revisar esse texto. Espero que leiam e pensem o quão
toscas são minhas palavras, para que nunca tenham que dizê-las vocês próprios; e que isso seja
assimilado diretamente para dentro de vocês, se convir e concordarem com o que tenho a dizer.

Amo vocês de coração, e darei o que for necessário para fazê-los bem. Imagino todos os
dias quando vou ter a próxima oportunidade de realizar um desses momentos de apreciação da
natureza, da vida, e da beleza, com vocês, serenos e tranquilos. Pelo momento, continuemos
lutando, rebeldes e ingênuos. Até lá.

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