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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA “ANTROPOLOGIA II”


Professor: Rogério Duarte Do Pateo
Aluna: Ariel Morelo Vianna

Belo Horizonte
3 de outubro de 2016
1) Por que a lingüística foi importante para o surgimento da análise estrutural?
2) Explique como Lévi-Strauss interpreta a proibição do incesto e quais as
conseqüências de sua análise para a antropologia do parentesco?
3) Quais as relações entre o pensamento selvagem, o totemismo e a bricolagem?

Questão 1

O estruturalismo é um método de análise que abrange diversas áreas das ciências


humanas e que surge no século XX com o lingüista Ferdinand de Saussure em oposição
à corrente do empirismo, uma vez que o segundo analisa a realidade a partir de fatos
isolados, enquanto o primeiro pressupõe que os elementos de um determinado sistema
só podem ser compreendidos a partir de da relação de seus pares antagônicos e
solidários, formando um todo interdependente que recebe o nome de estrutura.

Lévi-Strauss foi o primeiro teórico a aplicar os pressupostos da corrente


estruturalista na antropologia através de sua obra “Antropologia Estrutural”,
relacionando antropologia e linguagem através da análise das estruturas fonológicas,
que segundo o autor são análogas às estruturas da cultura, dado que se pode encontrar
um modelo lógico nas estruturas ambos os fenômenos, visto que são igualmente dotados
de simbologia. Para Lévi-Strauss, a fonologia revolucionou a lingüística e
conseqüentemente as demais áreas das ciências humanas, através do método de análise
do fonólogo Nikolai Troubetzkoy que consiste em quatro processos fundamentais. O
primeiro é o alcance da infraestrutura inconsciente através da observação de fenômenos
lingüísticos conscientes. O segundo é a análise destes fenômenos de forma inter-
relacionada, observando seus elementos como parte de um todo estrutural e não
isoladamente. O terceiro consiste na introdução da noção de sistema para compreender
o todo, e finalmente o quarto que é a busca por leis gerais e universais que sejam
aplicáveis ao todo estrutural independente do contexto histórico e cultural. Para Lévi-
Strauss, ainda que existam diferenças entre a lingüística e a sociologia que não podem
ser ignoradas, ambas as áreas se influenciam na mesma medida, tal como exemplificado
no trecho do segundo capítulo da obra Antropologia Estrutural (pag. 45):

O lingüista fornece ao sociólogo etimologias que permitem


estabelecer, entre alguns termos de parentesco, vínculos que não eram
imediatamente perceptíveis. Inversamente, o sociólogo pode fazer
conhecer ao lingüista costumes, regras positivas e proibições que
fazem compreender a persistência de certos traços da linguagem, ou a
instabilidade de termos ou de grupos de termos.

Fica clara a influência da teoria lingüística na teoria estruturalista de Lévi-


Strauss também em sua obra “As estruturas elementares do parentesco” que observou as
regras de parentesco e a proibição do incesto como um sistema universal baseado na
necessidade de troca, ou seja, sua estrutura pode ser aplicada a qualquer contexto social.
Além disso, a problemática das relações de parentesco coloca para o antropólogo a
necessidade de se valer da fonologia para a compreensão de suas bases estruturais, tal
como ele explica no trecho de “Antropologia Estrutural”, (pag. 48):

Como os fonemas, os termos de parentesco são elementos de


significação; como eles, só adquirem esta significação sob a condição
de se integrarem em sistemas; os “sistemas de parentescos” como os
“sistemas fonológicos”, são elaborados pelo espírito no estágio do
pensamento inconsciente; enfim a recorrência, em regiões afastadas
do mundo e em sociedades profundamente diferentes, de formas de
parentesco, regras de casamento, atitudes identicamente prescritas
entre certos tipos de parentes, etc., faz crer que, em ambos os casos, os
fenômenos observáveis resultam do jogo de leis gerais, mas ocultas.

Assim como Ferdinand de Saussure, que propõe um estudo da lingüística de um


ponto de vista sincrônico, e não histórico, o estruturalismo de Lévi-Strauss busca regras
gerais pela qual todas as sociedades operam, independente de sua realidade cultural e
seus desdobramentos históricos. A teoria lévistraussiana absorve esses conceitos de
maneira a focar nas invariantes que compõem a estrutura inconsciente em contraposição
à busca pela multiplicidade de variáveis tal como fazem outros antropólogos, ainda que
Lévi-Strauss não ignore que elas existam. A lingüística saussureana teve suma
importância para estas conclusões, dado que sua base é a solidariedade e oposição entre
seus elementos constitutivos de maneira a compreender o todo estrutural. Aqui fica
clara a crítica de Lévi-Strauss às obras de Radclife-Brown sobre a problemática dos
sistemas de parentesco, pois para o primeiro só é possível observar os elementos que
constituem este sistema em sua totalidade, ou seja, a interdependência contida no
interior de sua estrutura, enquanto o segundo isola os elementos de sua estrutura global
de maneira arbitrária. Ele explicita a aplicação do estruturalismo no fazer etnográfico
no trecho de sua obra “A Eficácia simbólica” (1970):

Para o etnólogo, a sociedade envolve um conjunto de estrutura que


correspondem a diversos tipos de ordens. O sistema de parentesco
oferece um meio de ordenar os indivíduos segundo certas regras; a
organização social fornece outro; as estratificações sociais ou
econômicas, um terceiro. Todas estas estruturas de ordem podem ser,
elas mesmas, ordenadas, com a condição de revelar que relações as
unem, e de que maneiras elas reagem umas sobre as outras do ponto
de vista sincrônico.

Questão 2

Em sua obra “Formas elementares de parentesco”, Lévi-Strauss busca


determinar quais as regras que determinam os sistemas de parentesco em diferentes
grupos sociais afim de encontrar um denominador comum que abrange todas as culturas
seguindo as premissas do estruturalismo, ou seja, as regras universais em que se
estruturam todos estes sistemas. Para Lévi-Strauss, os sistemas de parentescos nada
mais são do que uma maneira de determinar entre quais indivíduos pode-se realizar o
casamento no interior de determinado grupo, e entre quais indivíduos o casamento é
proibido. Deste modo, Lévi-Strauss identifica o incesto como o elemento universal à
todos os sistemas de parentesco, ou seja, em todas as sociedades existe uma espécie de
proibição quanto a quem pode-se casar, ainda que o objeto desta proibição varie entre as
culturas.

Influenciado por Mauss, Lévi-Strauss interpreta estes sistema à luz do conceito


de dádiva, ou seja, a proibição do incesto não significa somente que para um homem
determinadas mulheres são proibidas para o casamento, mas que estas são cedidas para
outros homens enquanto estes cedem suas mulheres para o primeiro, constituindo um
sistema de trocas baseado na reciprocidade, obrigando aos indivíduos de determinado
grupo a se relacionarem com os indivíduos de outro grupo e assim criando laços entre
grupos distintos afim de criar as relações sociais social, além de fortalecer os grupos por
meio de aliança. Ele expressa tais conclusões no trecho da obra “Formas elementares de
parentesco” (pag. 520-521)
É que, com efeito, a troca não vale somente o que valem as coisas
trocadas. A troca, e por conseguinte a regra de exogamia que a
exprime, tem por si mesma um valor social. Fornece o meio de ligar
os homens entre si e de superpor aos laços naturais do parentesco os
laços daí em diante artificiais, porque libertados do acaso dos
encontros ou da promiscuidade da existência familiar, da aliança
governada pela regra.

Com isso, pode-se dizer que as alianças formadas entre os grupos através da
exogamia vão além da reprodução biológica, as relações de afiliação, aliança e
conseguinedade (em específico a primazia da aliança sobre a conseguinedade) são
lugares pelos quais pode-se pensar os princípios da sociabilidade humana. Quem estaria
sob controle do homem e suas variabilidades de sociabilidades seriam as próprias regras
artificiais criadas pelos mesmos. Esta contribuição de Lévi-Strauss contraria os estudos
feitos anteriormente sobre sistemas de parentesco, que baseavam-se somente na idéia de
descendência.

Lévi-Strauss contribui para a antropologia do parentesco refutando algumas das


explicações dadas anteriormente acerca da proibição do incesto. Um grupo de
estudiosos no assunto havia atribuído a proibição do incesto ao “instinto humano” de
forma a evitar desdobramentos biológicos que desfavorecem o homem através da
reprodução entre parentes consangüíneos, teoria que refutada por Lévi-Strauss quando
este observa que a proibição do incesto vai muito além da consangüinidade, proibindo o
matrimônio entre grupos que não reproduzem desvantagens biológicas ao mesmo tempo
que permite o casamento entre parentes consangüíneos próximos em determinadas
culturas. Outros atribuíram à proibição do incesto unicamente ao fator determinante da
cultura, sem explicar as razões para seu caráter universal. Um terceiro grupo havia
correlacionado o fator cultural e o fator natural presentes neste sistema, mas limitando-
se a explicar esta conexão através de uma simples atitude racional do homem.

Lévi-Strauss, finalmente, conclui que o incesto consiste na passagem da natureza


para a cultura. Isto é, de acordo com a teoria levistraussiana os elementos pertencentes
a cultura variam entre cada sociedade enquanto os elementos da natureza são sempre
universais, mas o incesto, apesar de constituir uma regra universal, o alvo de proibição
varia entre as diferentes sociedades, o que qualifica o incesto como objeto de estudo das
ciências humanas ainda que possua um caráter universal, instrínseca à natureza. Isto é, a
proibição do incesto constitui a junção entre os domínio da natureza e da cultura, ou,
nas palavras do autor “Todo casamento é pois um encontro dramático entre a natureza e
a cultura, a aliança e o parentesco” (pag. 530). Além disso, outro fator que demonstra o
caráter social da proibição do incesto consiste no fato de que não existe nenhum
determinismo biológico quanto à quais indivíduos se possa realizar o ato sexual, visto
que não há nada nas estruturas biológicas dos indivíduos que os impeça de o realizar
com a própria mãe, por exemplo. Lévi-Strauss, conclui, portanto, que (pag. 530-531):

Se a interpretação que propusemos é exata, as regras do parentesco e


do casamento não se tornaram necessárias pelo estado da sociedade.
São o próprio estado da sociedade, remodelando as relações biológicas
e os sentimentos naturais, impondo-lhes tomar posição em estruturas
que as implicam ao mesmo tempo que outras e obrigando-as a
sobrepujarem seus primeiros caracteres. O estado de natureza só
conhece a indivisão e a apropriação além da mistura dessas ao acaso.

Lévi-Strauss, no entanto, diz que é impossível pensar na passagem da natureza


para a cultura em termos históricos, uma vez que não se pode pensar o homem fora da
fusão entre estes dois elementos, tal como ele expressa no trecho da obra “Formas
elementares de parentesco (pag. 41):

Não se pode, com efeito, fazer referência sem contradição a uma fase
da evolução da humanidade durante a qual esta, na ausência de toda
organização social, nem por isso tivesse deixado de desenvolver
formas de atividade que são parte integrante da cultura.

Questão 3

“O pensamento selvagem” é uma obra de Lévi-Strauss que visa comparar as


etnologias realizadas em sociedades consideradas primitivas pelos evolucionistas de
maneira a desconstruir suas premissas que entendem as sociedades ditas primitivas
como inferiores às ocidentais. Apesar do nome, “o pensamento selvagem” não pretende
expor sobre o pensamento do selvagem como pode parecer, mas sobre uma estrutura de
compreensão da realidade (pensamento selvagem; livre) observável em quaisquer
contextos culturais que segue uma lógica própria em que se baseiam os mitos e rituais,
por exemplo, ou os sistemas de classificações observados nas etnologias analisadas pelo
autor, ainda que algumas delas não estejam localizadas próximas umas das outras
geograficamente. Para Lévi-Strauss, esta lógica chamada por ele de “lógica do sensível”
apenas opera de maneira diferente do pensamento domesticado presente nas sociedades
ocidentais, baseando-se na experiência sensível e classificando seus elementos através
de critérios estéticos. “As classificações indígenas não são apenas metódicas e baseadas
num saber teórico solidamente constituído. Acontece também serem comparáveis, sob
um ponto de vista formal, àquelas que a zoologia e a botânica continuam a usar” (LÉVI-
STRAUSS, 1989, p. 65). Neste parágrafo o autor reitera que o pensamento selvagem e a
lógica pelo qual ele opera não é passível de observação apenas em sociedades ditas
primitivas, como também nas sociedades ocidentais. Além disto, ele demonstra que os
sistemas de classificação indígenas são equiparáveis às ciências modernas em termos de
profundidade teórica, e não inferiores ou menos evoluídos como pressupõem Radcliffe-
Brown, Malinowski e Evans-Pritchard em suas pesquisas etnográficas.

Para o autor, os sistemas totêmicos são um exemplo de classificação indígena


coerente com sua estrutura cultural que opera através da lógica do sensível do
pensamento selvagem, valendo-se de referenciais simbólicos e critérios estéticos para
sua construção. De acordo com Lévi-Strauss, o pensamento selvagem também chamado
de “pensamento mágico” se relaciona dinamicamente com seu sistema de crenças e
significados, portanto é necessário analisar os sistemas totêmicos para além de suas
representações e classificações dos animais, plantas ou fenômenos naturais, mas em sua
relação com os mitos pertencentes a determinada cultura. Nesse sentido, os significados
que as culturas dão aos sistemas totêmicos variam entre elas, tornando impossível sua
compreensão enquanto um único sistema totêmico como pretendem os antropólogos
evolucionistas nas etnologias analisadas por Lévi-Strauss, mas sistemas totêmicos no
plural, compreendendo sua multiplicidade de classificações e significados atribuídos a
elas.

Os totemismos podem ser definidos através da teoria levistraussiana como um


sistema de classificações relacionados a uma necessidade social e universal de
ordenamento das coisas que exprimem uma propriedade do intelecto humano, sendo
universais em sua estrutura mas podendo se diferir em conteúdo ao analisar o mesmo
sistema em duas realidades sociais distintas. Portanto, Lévi-Strauss conclui que os
totemismos ou os mitos e religiões não diferem da ciência moderna no que se refere às
suas propriedades intelectuais, na medida em que ambos exprimem uma necessidade
humana de classificação e ordenação das coisas através de uma lógica própria, podendo
ser selvagem ou domesticada. A lógica do sensível, no entanto, pode ser observada em
diversas dimensões da vida no contexto das sociedades ocidentais e ela é facilmente
identificável no exercício do fazer artístico, externando a experiência sensível através de
critérios estéticos.

O pretenso totemismo escapa a todo esforço de definição absoluta.


Consiste, quanto muito, numa disposição contingente de elementos
não específicos. É uma reunião de particularidades, empiricamente
observáveis num certo número de casos, sem que resultem, daí,
necessariamente, propriedades originais; mas não é uma síntese
orgânica, um objeto da natureza social (LÉVI-STRAUSS, 1985, p. 16-
7).

A noção de bricolagem introduzida por Lévi-Strauss afim de compreender o


pensamento selvagem ou pensamento mágico baseia-se no pressuposto de que a lógica
do sensível cumpre em última instância a função de preencher lacunas deixadas pelos
sistemas racionais de interpretação da realidade, de maneira que o bricouler consiste em
um sujeito capaz de reunir objetos desconexos e juntá-los de forma a dar a eles um novo
significado tal como operam os mitos, isto é, reunindo elementos que a interpretação
racional não é capaz de compreender e a partir deles criar uma lógica através da
experiência sensível que os ressignifique, dotando-os de significado. Tal como na
mitologia e no pensamento mágico, os sistemas totêmicos estão em constante
ressignificação, uma vez que seus elementos (clãs, palavras, animais) podem deixar de
existir ou perder seus significados, tornando-se necessário o reagrupamento destes
elementos de forma a dotá-los de sentido perante as estruturas dos sistemas totêmicos.

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