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A metamorfose, de Franz Kafka. 1ª publicação: 1915. 227 p.

Somente agora pude fazer uma leitura decente de A Metamorfose, e... que bom. Sim, porque
penso que se tivesse sido obrigada a lê-lo todo no ensino médio, como muitos são, não teria
feito muita diferença em minha vida. Seria mais um livro estranho que falava muito e não dizia
nada.

Digo isso porque eu não era muito fã de livros abertos, que deixassem a cargo do leitor a
tarefa árdua de interpretá-los. Gostava quando tudo se definia ali, no final, com desfechos e
amarrações.

Bom, não preciso nem dizer que a vida, por si só, se encarregou de me mostrar que “as coisas
não são bem assim, amadinha”. E que é muito melhor quando se tem espaço pra pensar -
quando se pode vir por aqui, ou, se preferir, ir por ali. Voltar, cruzar, seguir.

A metamorfose trouxe pra mim inúmeras inquietações. Nem preciso resumir a história porque
acredito que todos já a conheçam. O que se mostra interessante discutir é a chave de leitura
de cada um, seja ela econômica, psicológica, social, sexual... De minhas interpretações, as
palavras que mais me vieram à mente foram: inadequação, rejeição, medo, angústia,
improdutividade.

As metamorfoses são sempre dolorosas, ainda mais quando combinadas com a intolerância
dos que estão ao nosso lado. No começo, as pessoas até contribuem, suportam. Mas passado
algum tempo, quando percebem que a mudança não as beneficia, tudo o que parte delas é
motivado pela dissimulada tentativa de fazer com que o metamorfoseado volte a ser o que era
antes, custe o que custar.

Mas é curioso perceber que, ao mesmo tempo em que nos solidarizamos com Gregor, que
sucumbe (se animaliza) após não aguentar mais a demanda do mundo externo para que se
encaixasse nas engrenagens do sistema, também somos tentados a ter certa empatia com a
família, que não sabe lidar com um fardo que, antes pertencente ao filho, agora é seu.

E Kafka, mais uma vez, não nos oferece resposta, conforto nem salvação. Parafraseando Flávio
Ricardo Vassoler (artigo excelente ao final do livro), me parece que não há nunca um direito de
defesa nas obras kafkianas. Vassoler também usa um termo perfeito: autoexílio – para se
referir à metamorfose de Gregor. Pra mim, é uma obra que traduz muito bem a eterna
sensação de inadequação que muitos sentem (me incluo aí!) e, em decorrência dela, o medo
da exposição (e, em última análise, da própria liberdade). Enfim, A Metamorfose é um clássico
que você lê em 2 horas, mas não termina nunca.

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