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Ártemis – a personificação arquetípica do espírito feminino independente, de Jean Shinoda

Bolen. Tradução de Gilson César Cardoso de Sousa. Publicado pela @editoracultrix, 2020. 272
p.

Que descoberta pessoal foi a leitura desse livro.

Sempre me incomodei com o fato de o mito de Psiquê ser considerado como modelo de
desenvolvimento psicológico da psique feminina. Acho que muitas mulheres, assim como eu,
não veem em Psiquê tantas identificações a ponto de tornar-se um modelo geral. Tampouco
me reconhecia nos arquétipos de Perséfone, Hera e Deméter, representando os papéis
tradicionais de filha, esposa e mãe.

Para a minha surpresa, recentemente caiu em minhas mãos “Ártemis”, deusa até então
desconhecida por mim e pouco falada, até mesmo nos campos de estudos mitológicos. O
arquétipo de Ártemis e sua explicação, pela autora (psicanalista junguiana), através do mito de
Atalanta, acalentou meu coração e me fez (re)descobrir espaços obscuros, e, assim, jogar luz
sobre eles. Ou ao menos tentar. De qualquer modo, perceber que eles existem e que é
possível ressignificá-los, sem deméritos, já é um enorme passo.

Minha identificação profunda com esse arquétipo tornou a leitura mais prazerosa, certamente.
Mas creio que a escrita profunda, e ao mesmo tempo moderna, de Bolen, prenda qualquer
leitor(a) interessado(a) em psicologia junguiana. Além de discorrer sobre a história de Atalanta
e especificar as diversas versões em que o mito foi repassado, oferecendo chaves de
compreensão a cada novo detalhe, a autora utiliza exemplos contemporâneos para facilitar o
entendimento e até mesmo incentivar-nos a procurar mais sobre determinadas
personalidades famosas, que, em sua opinião, são boas representes do arquétipo.

Pois bem, Ártemis é considerada a deusa da caça e da lua, conhecida como Diana entre os
romanos. Era irmã gêmea de Apolo, o deus do sol; compõe o trio de deusas virgens, junto com
Atena e Héstia (a virgindade entendida aqui não no sentido físico, mas psicológico, como
aquela que não se deixa invadir por outro, que permanece íntegra, autônoma); compõe
também uma segunda trindade importante – a das deusas da lua, junto com Selene e Hécate.
Ártemis representa a lua em sua fase inicial de crescimento (jovem). É considerada também a
deusa do nascimento, dedicada ao amor philia, à proteção do meio ambiente e de meninas e
mulheres violentadas sexual ou psicologicamente (como a mãe ursa do mito de Atalanta), da
independência, da superação e da coragem.

Há também o lado escuro do arquétipo, como a frieza, o narcisismo, a inabilidade em


reconhecer seus próprios sentimentos e necessidades emocionais e até mesmo a
desconsideração de sentimentos alheios, motivada pela tendência à solidão, consequência da
internalização dos abandonos/rejeições do começo da vida. A dificuldade de criar vínculos e
estabelecer confiança também pode levar a mulher identificada com o arquétipo de Ártemis à
total supressão do amor Eros, em nome da não-vulnerabilidade.

Importante ressaltar que nascemos com certos traços de personalidade e propensões que
poderão ser incentivados ou reprimidos por nosso meio social, de acordo com as expectativas
da família e da sociedade. E assim são os arquétipos. A personificação dos traços de Ártemis,
representada por Atalanta, poderá vir à tona em diferentes fases da vida da mulher que com
ele se identifique, conforme o meio venha a possibilitar.

Leitura mais do que indicada a todas e todas e todos que queiram conhecer mais sobre este
arquétipo, seja porque se sentiram identificadas(os), conhecem alguém que o personifica, ou
simplesmente tenham interesse por análises junguianas.

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