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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

CURSO DE FILOSOFIA

INTRODUÇÃO AO FILOSOFAR

A MULHER E A INTELECTUALIDADE:
Uma Perspectiva Steiniana E Contribuições Tomistas

KAUANA MACHADO NUNES

CAXIAS DO SUL
2022
INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como proposta fazer uma investigação sobre a natureza e
essência da mulher e como esta se aplica a vocação da intelectualidade. Esta investigação
está baseada na obra A Mulher da filósofa Edith Stein, posto que esta tem como filiação
filosófica o tomismo, tem-se por conveniente apresentar concomitantemente considerações
do Doutor Angélico diante do assunto enquanto convém.

Todo o gênero textual de investigação está voltado para uma problemática, por isso, vale-se
aqui apresentar a questão epistemológica diante das já propostas investigações do
feminino. A autora trata da literatura existente até então e como está muito baseada em
sentimento e instinto e acusa a falta de rigorismo diante do método utilizado para análise.
Também denuncia a noção errônea de como se deve tratar da mulher, seja impondo um
ideal, seja pela experiência particular, ambas falhas.

"Todos conhecem mulheres por sua própria experiência e, por isso, acham que sabem o
que é uma mulher.” (Stein, Edith, 2020; pág.158)

Edith Stein como acadêmica, mulher e religiosa utiliza de todas as perspectivas,


ferramentas e métodos para entender a mulher na sua integralidade e individualidade. A
fenomenologia se faz presente no método base da escritora: nega as formas já impostas de
forma pronta para então reconstruir sua noção, olhando as diversas faces, perspectivas, do
assunto.

A contribuição tomista, além de como raiz da autora, também conta nesse conteúdo com os
escritos da Suma Teológica para verificar a concordância entre ambos.

Não se busca aqui advogar em favor de causas ou falsas dicotomias, mas trazer um breve
esclarecimento e reflexão acerca do tema, evidentemente que toda investigação filosófica é
extremamente profunda e exige muito. Portanto, dentro das circunstâncias isso não nos é
possível, contudo, ainda se preza pela verdade.

Há dois espantalhos nessa discussão: um deles é de que há uma igualdade entre homens e
mulheres em todos os aspectos, com certeza que isso não procede, se assim o fosse, não
haveria tal distinção, outro é de que a mulher está destinada a somente uma coisa e é
incapaz de qualquer outra, isso também não procede, nossa realidade obrigatoriamente, por
necessidade, mostra o contrário frequentemente desmentindo tal colocação.

Em uma leitura fria das obras do Aquinate é capaz de escandalizar-se com a impressão que
suas falas podem causar, contudo, com um pouco de atenção somos capazes de esclarecer
suas falas e compreender a visão tomista acerca da natureza feminina de forma mais
branda e menos cheia de vieses.

A NATUREZA FEMININA

Na obra A Mulher de Edith Stein a autora usa de todos os artifícios, meios e


ferramentas que estejam ao seu alcance e dispor para analisar a mulher, estes como a
fenomenologia, a psicologia, sua antropologia, o método histórico e a própria observação e
por fim, também as suas “auctoritas”, a saber: Santo Tomás, fontes citadas e a Igreja. Aqui,
olharemos somente a face da filosofia.

O ponto de partida é que a natureza é inata. Mas o que é a natureza? É válido citar uma
espécie de “dialética” que Hume usa para tratar do natural, ele contrasta este conceito com
os seguintes outros conceitos, a saber: milagroso, inabitual, artificial e cultural.
Indiretamente na raiz steiniana, Aristóteles trata da natureza como a essência, que pode
também explicar seu funcionamento e seu desenvolvimento.¹

A filósofa conversa com o Doutor Angélico ao dizer que o físico feminino, sua constituição
morfológica atesta a sua e é para a sua vocação original de ser esposa e mãe. Estes dois
últimos conceitos, como será visto eventualmente, não reduzem a função feminina a estes
papéis como literalmente postos aí, a mulher pode exercer sua maternidade de diversas
formas, ou usar das “ferramentas” que usaria para a maternidade em outros meios que não
estes.

No âmbito da alma, a mulher está destinada a sujeitar-se a uma cabeça, isto segue da sua
concepção religiosa, onde a punição para a mulher após a queda seria prestar obediência
“ao cabeça” que seria o homem, que nem sempre pode ser racional.

"Além disso,é predestinada a ser proteção e refúgio para outras almas poderem se
desenvolver. Ambas as funções, o companheirismo da alma e a maternidade da alma, não
estão restritas aos limites da condição física de esposa e mãe, estendendo-se a todos os
seus humanos que entram no campo de visão da mulher." (p.115)

A alma da mulher é ampla e aberta a tudo o que é humano e seu interesse tende a estar na
pessoa e condição humana. Ela tende a ser pouco objetiva.

É interessante apontar analogias quanto a função e papel da mulher de forma abstrata e


social e a sua fisiologia. Enquanto a alma da mulher é refúgio para o desenvolvimento de
outras almas, o corpo da mulher é abrigo para o desenvolvimento de outro corpo também.

Tratando do corpo, os textos biológicos de Santo Tomás de Aquino quanto à constituição


feminina convém para compreendermos a mulher em sua essência. Vale lembrar que
Aquino compreende a natureza humana comum, que constitui todo ser humano, mas aqui
se fala da natureza segunda, que trata das especificidades de cada gênero. Ele afirma
sobre a mulher o seguinte:

“Na sua natureza particular, a fêmea é um ser deficiente e falho. Porque a virtude ativa, que
está no sémen do macho, tende a produzir um ser perfeito semelhante a si, do sexo
masculino. Mas o facto de ser a fêmea a gerada provém da debilidade da virtude ativa, ou
de alguma indisposição da matéria; ou ainda, de alguma transmutação extrínseca, p. ex.,
dos ventos austrais, que são úmidos, como diz Aristóteles.” (S.Th.I, q. 92, a. 1, ad 1).

A primeira vista, o texto é polêmico mas será compreendido, ele será analisado em conjunto
com este:

“Era conveniente que a mulher fosse formada da costela do homem. – Primeiro, para
significar que deve haver união entre o homem e a mulher. Pois, nem esta deve dominar
aquele e, por isso, não foi formada da cabeça; nem deve ser desprezada pelo homem, nem
como sujeição servil, e por isso não foi formada dos pés.” (S.Th. I, q. 92, a. 3, co).

Aqui se fala de embriologia aristotélica, na reprodução, a mulher recebe o ser (o semen),


enquanto dentro de si ela têm papel passivo de deixar o ser receber as atualizações
(desenvolver-se), ela apenas recebe a realização do ser. Sendo o pai gerador e ativo nesta
situação. Quando se gera um feto do sexo feminino se entende que a vitude ativa do pai se
degenerou porque “semelhante gera semelhante.” A mulher nisso tudo tem o papel
adjutório, que é aquilo o qual não se pode realizar algo sem o auxílio, isto é, a mulher é um
auxílio fundamental. Esta segunda natureza é a que se constitui a distinção e admite a
causalidade, entretanto, na primeira e semelhante a todo ser humano, para o Aquinate, está
na sua teologia, onde o pensador afirma que Deus infunde o intelecto nos seres, de forma
direta, pessoal e de forma igualitária independente dos sexos e quaisquer outro tipo de
variação.

“(...) deve-se dizer que a alma preexiste no embrião, sendo, a princípio, nutritiva, depois,
sensitiva e, por fim, intelectiva. (...) sendo a geração de um ser a corrupção de outro,
necessário é admitir que, tanto no homem como nos animais, advindo-se uma forma mais
perfeita, corrompe-se a anterior de modo que a forma consequente tenha tudo o que tem a
antecedente, e ainda mais.” (S.Th. Ia q. 118 a. 2 ad 2).

O intelecto sendo imaterial, não poderia ser gerado, mas sim, vir a ser a partir do nada, i.é.,
criado. No tomismo, a criação de dá somente por Deus, por isso, conclui-se que a criação
do intelecto é feita por Deus. Desta forma, Deus age de forma direta e individual ao infundir
o intelecto em cada qual. E na medida que o ser humano tem intelecto, ele pode ser
imagem e semelhança de Deus. A teologia tomista visa uma igualdade entre os sexos
enquanto no âmbito da embriologia, temos uma distinção. E é de grande importância que
não se coloque juízo de valor quanto a distinção, boa ou ruim, não importa, ela acontece e
aí está.

E de fato, isso é algo relativamente neutro, pois veremos em Edith Stein quanto a vocação e
atuação feminina, nada impede a mulher, antes alguns aspectos podem ser usado a seu
favor e beneficiar a todos. Evidentemente, não olhamos a via histórica, social e humana
quanto ao tratamento da mulher, sem surpresas encontraríamos grandes controvérsias,
problemas e dilemas, mas não é este o foco aqui.

A MULHER NA INTELECTUALIDADE

Quando Edith trata da natureza feminina ela não deixa de fora a consideração
quanto a individualidade, característica do seu relativo personalismo e como moderna,
valora o subjetivo. Diz ela:
"Toda mulher tem aptidões e dons individuais que a fazem aspirar a uma vocação especial
além da feminina em geral." (p.114)

Além da sua concepção antropológica e da formação humana, são comentários que


caberiam também aqui levando em consideração a sua pedagogia. Nesse caso da vocação,
influências e formação humana é de suma importância o conceito de ethos. Diz ela que se
trata de algo duradouro que regula os atos do ser humano e é algo que atua de dentro,
entre estes há os hábitos inatos, inclinações naturais e hábitos infusos.

"Quando a ideia genérica do hábito torna - se específica, sob o ponto de vista do valor,
temos o Ethos. Falando em Ethos pensamos num hábito ou numa maioria de hábitos de
valor positivo que correspondem a exigências ou leis objetivas." (p.47)

Quando se fala de ethos se fala de uma marca homogênea, isto até em âmbito profissional
e quando falamos de ethos profissional, falamos de vocação. Ainda neste aspecto, a
Filósofa reforça e insiste que a alma e corpo da mulher foram formados para uma finalidade
específica a qual a mulher está destinada: "companheira do homem e mãe dos seres
humanos". (p.48)

Na obra se faz a diferenciação entre a inclinação natural de interesse masculino e feminino.


A mulher tem interesse amplo, ela se interessa por tudo aquilo que julga útil para o
desenvolvimento humano, e ela é capaz de se envolver com tudo a esta medida.
Entretanto, o homem corre o risco da especialização.

A autora também compreende as características de cada sexo dentro das ferramentas e


perspectivas consideradas, em ambos os casos — feminino e masculino — os extremos
podem ser prejudiciais e viciosos, desviando o indivíduo da virtuosidade, excelência e
santidade.

Estas características não são deterministas, mas compreende-se uma flexibilidade e


indeterminismo, como por exemplo, uma influência feminina pode ser útil num ambiente de
trabalho concreto e objetivo ou mesmo o trabalho objetivo pode ajudar a mulher a
equilibrar-se quanto a afetividade. A Filósofa diz:

"[...] em caso de necessidade, qualquer mulher normal e sadia pode exercer uma profissão.
E mais: não há profissão que não possa ser exercida por uma mulher ." (p.52)

Se fala também de profissões femininas que nada mais são do que profissões que exigem
algo que já está no seio natural da essência feminina, profissões que exigem um senso de
maternidade, auxílio, zelo, cuidado e afetividade, como no caso da profissão de professora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Algo intrínseco de quando se analisa uma problemática diante de um autor sempre


haverá seus pressupostos, aqui não é diferente, dentro do vasto trabalho de Aquino e Edith,
em conjunto a ousada investigação, há muito o que se considerar.
Mas em suma podemos compreender que a mulher e o homem são dotados da
intelectualidade, cada qual com sua diferenciação pelo sexo, sua individualidade diante da
formação, da inclinação diante da fisiologia, da tendência diante do contexto histórico-social.
O ser humano é uma totalidade de partes que tem por produto o sujeito, que em última
instância se determina fugindo dos determinismo impostos, isto vale para a mulher e a
intelectualidade.

BIBLIOGRAFIA

Stein, Edith. A Mulher: sua Missão Segundo a Natureza e a Graça: sua Missão Segundo a
Natureza e a Graça. Ecclesiae, 2020.

Mautner, Thomas. Dicionário de Filosofia. Edições 70, 2010.

de Aquino, santo Tomás. Suma Teológica - Vol. 1 (Volume 1). Ecclesiae, 2016.

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