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Santa Edith Stein — uma mulher judia convertida católica e posteriormente mártir — fora desde

sempre muito dada aos estudos, a primeira mulher a defender uma tese de filosofia na Alemanha e também,
discípula de Edmund Husserl. Por fim, se tornara filósofa, teóloga, professora e pedagoga. Mais tarde se
tornou uma carmelita descalça. Em seu estudo, suas filiações eram, além da fenomenologia, a escolástica.
Dentro do seu contexto acadêmico e período filosófico, Edith Stein incorpora bem o que se vê no livro a ser
resenhado: a harmonia, sua harmonia pode ser vista quando ela está consciente e ao mesmo tempo adere às
tendências de seu tempo e vai de contramão de forma deliberada, resgatando estrategicamente conceitos e
métodos da escolástica. Pode-se atestar estas e demais características steinianas na obra A Mulher, uma
coletânea de oito ensaios sobre um dos seus principais objetos de estudo: a mulher.
Nesta obra o leitor é apresentado de forma leve a um retrato de todo sistema steiniano e ao seu
pioneirismo quanto ao objeto de estudo, tendo um panorama sobre toda a doutrina de Edith Stein, da sua
antropologia humana e feminina, concomitantemente. O livro é separado em oito capítulos, cada um é um
ensaio.
Logo no primeiro ensaio o leitor é apresentado a fortes pontos característicos da filósofa: a questão da
natureza imutável e das variáveis individualizantes do mundo sensível, isso está no contexto do ethos
profissional, entretanto, eventualmente ao longo do livro e capítulos esse assunto será retomado em outras
perspectivas e melhor explanado.Neste, a autora apresenta a distinção dos gêneros, suas tendências e
preferências e de que modo isso reflete nas profissões. Eis outro ponto steiniano: ela sempre demonstra
como o âmbito metafísico e espiritual se comporta na vida concreta cotidiana. Isto serve para retomar a
harmonia em seu pensamento, onde mesmo trazendo algo além do físico, ela compreende os objetos em sua
realidade atual e desenvolvimento histórico. Todas as faces do objeto são consideradas para uma análise
integral a fim de atingir o pleno desenvolvimento. Portanto, assim se manifesta a fenomenologia em Edith
Stein.
No caso das profissões, ela define o ethos, nesta definição temos a questão da alma, hábitos e
formação em conjunto. O ethos é ou algo intrínseco do ser humano ou mesmo pode ser desenvolvido e no
âmbito feminino há um conjunto de constantes da alma da mulher que formam o ethos das profissões
femininas. A primeira vista isso pode ser um determinante limitante para a mulher, mas Edith o apresenta para
mostrar como a atitude feminina é essencial, fundamental, basilar e comunicável, como a mulher pode se
expandir, exercer todas as profissões, ocupar todas as áreas. Isso é possível graças a uma atitude feminina
de que têm vista o pessoal-vivente e visar o todo. A mulher sempre está olhando o todo para todos, nunca a
si própria e se interessa pelo inanimado na medida que este serve o animado, isto é, os seres. Daí
seguem-se exemplos, casos e demonstra como isso se aplica em certas circunstâncias como por exemplo, de
que maneira a feminilidade pode ser útil num ambiente puramente masculino e como a mulher pode usar
desses meios para tratar de desvios de virtude, para educar a vontade, para quebrar maus hábitos que
podem ser tendências em conjunto a natureza feminina. E relembra, sempre, de tendências e inclinações
individuais ou pessoais que podem ir contra as tendências gerais, isto nunca é apresentado negativamente.
Por fim, ela trata do assunto de modo descritivo e normativo. Descreve a realidade, apresenta a problemática
e trás uma solução, o problema pode ser da realidade mesmo ou como um dilema debatido, e então ela se
posiciona. Na parte normativa trata da parte religiosa, como teóloga, apresenta sua resposta a um dilema
através de auctoritas, esclarecendo a questão. É conhecer o metafísico da natureza para extrair
consequências práticas na realidade.
No segundo capítulo — ou ensaio — olha a mulher na perspectiva teológica e religiosa, a autora trata
da queda e sua relação com o conhecimento, as consequências advindas do acontecimento e como isso
reflete nos papéis de gênero, além do mais, relata a estrutura familiar religiosa com ênfase sobre a hierarquia.
Disserta sobre a relação da mulher com a criação, isto para que no próximo ensaio a autora relate, então, a
vida cristã da mulher, com questões sobre a alma feminina, a sua formação e as vocações. Nestas partes
Edith toca em assuntos como a mudança de como se dava a salvação feminina, seu papel na
mensagem da redenção e conclui de maneira normativa constatando como a educação tem um papel
fundamental para refrear e ordenar as consequências da queda, além do compromisso com as próximas
gerações. Para completar, a filósofa aproveita para fazer uma análise do desenvolvimento histórico do mundo
e no tocante da relação da mulher com o desenvolvimento da tecnologia que ela mesma presenciara no
período das duas guerras mundiais.
Quando Edith Stein trata da vida da mulher cristã nos deparamos com uma filosofia mais
existencialista, ela cita casos de mulheres retratadas na literatura e relaciona suas histórias com as virtudes
cristãs e as apresenta como exemplos a serem seguidos ou não. Vemos então, mulheres na existência com
seus dilemas, Edith faz uma análise profunda dos casos, puramente existencial, utilizando termos
heideggerianos, também temos fortes tendências fenomenológicas, a saber: a relação da mulher com seu
corpo, perspectivismo e também grande raiz aristotélica com conceitos como formação da alma, potência e
filosofia da ação.
Nos capítulos seguintes — centrados no tema da formação feminina — temos um caráter muito mais
normativo. Ela relata a realidade de seu tempo, circunstâncias das quais as mulheres de seu período histórico
estavam começando a lidar, como por exemplo, a jornada dupla de trabalho, a mulher neste período não
estava pronta e estava sendo demandada fora de casa, um novo fenômeno que é um problema até hoje e
divide o feminino.. Por isso, Santa Edith Stein junta toda sua bagagem da fundamentação de uma
antropologia, a influência do misticismo católico, o repertório judaico-cristão, o tomismo fenomenológico e
forma seu imperativo da formação feminina. A filósofa argumenta que a mulher não deve somente ser
inserida nas instituições de ensino, mas ter a sua própria, a mulher deve ser formada por uma outra mulher
completa, segue-se deste ponto que ela apresenta a problemática da precariedade do preparo de docentes
femininas. Uma gritante sobre quando a pensadora trata do assunto da formação é no tocante da
individualidade, há sempre a ressalva da individualidade do ser que pode se dar por um conjunto de fatores,
isto é forte característica do seu personalismo.
No método steiniano, quando a mulher é investigada, limites epistemológicos são traçados. Edith trás
um panorama das maneiras cuja a mulher já fora apresentada e com isso ela delimita o que é aceitável ou
não, como por exemplo, que não é justo comparar uma mulher ideal com as da realidade concreta, nem o
inverso. Para concluir, a mulher na Igreja, Edith compreende a Igreja num evoluir histórico, como um fato que
está na realidade e não a parte dele, portanto, anda em conjunto com o desdobrar da história universal, o que
é importante pois abre margem para mudanças — um devir da criação para Deus, ou de Deus na Sua criação
— fugindo da visão caricata do dogmatismo religioso.
Por se tratar de uma coletânea de ensaios esta obra contém um riquíssimo panorama de quem é Edith
Stein, se se possui um conhecimento da pensadora pode-se, então, captar boas referências, todavia, quem
não o tem, pode ser um bom meio de entrada ao rico universo steiniano. É um conteúdo amplo, harmonioso,
um sistema complexo sem fios soltos, uma teia que capta o ser humano da maneira mais minuciosa e o
delinea de maneira delicada. Na forma de Stein conduzir seus estudos se vê uma epistemologia do feminino,
características da alma da mulher, vide, a expansividade, o cuidado, acolhimento e abertura. É sutil e
delicada, onde somente um olhar cuidadoso e sensível é capaz de apreender a sua magnitude.O pensamento
steiniano deve ser entendido conforme a proposta de Edith Stein mesmo, ela oferece e dita os mecanismos
usados para lê-la como ser humano e pensadora, caso não se efetive, muito irá se perder. Mas ainda sim é
aberto a todos, qualquer um poderá ler estes textos, alguns terão maior capacidade de apreensão e relações,
outros mesmo com certa dificuldade, — dado o repertório filosófico, histórico, teológico e antropológico
contidos na obra — compreenderão a tese central do que se quer dizer.

BIBLIOGRAFIA
Stein, E. (2020). A Mulher: sua Missão Segundo a Natureza e a Graça: sua Missão
Segundo a Natureza e a Graça (1ª edição ed.). Ecclesiae.

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