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Homem como microcosmos e consequências formativas na

“Estrutura da Pessoa humana” de Edith Stein

Leonardo Haag1

Resumo
Esta explanação tem por objetivo abordar a análise feita sobre a pessoa humana pela filósofa Edith Stein na obra
“Estrutura da Pessoa humana”, sob a perspectiva do conceito de homem como microcosmos, e apresentar as
exigências formativas advindas deste conceito, possibilitando luzes sobre os problemas do século atual. Almeja-
se alcançar como resultado desta pesquisa, partindo do método especulativo, a clara apresentação do conceito de
pessoa segundo Edith Stein, explanando por isso a importância da fenomenologia como método próprio para
chegar à essência do objeto de estudo em questão, a profunda conexão entre a ontologia do ser humano, a ideia
epistemológica de homem e a prática formativa – que possibilita uma maior interação entre o conceito ontológico
e o campo das ações do homem – expondo, principalmente, o conceito de microcosmos como revelador do que é
o homem, em sua estrutura geral, comum a todos os demais seres humanos, e no que o faz único e irrepetível: a
sua individualidade. Pressupondo também que o ser humano é um ser em formação, portanto, inacabado, buscar-
se-á, à luz da conexão existente entre a ideia de homem e a prática formativa, esclarecer a importância do conceito
de homem como microcosmos para uma prática formativa que conduza o ser humano de modo individual, como
indivíduo e membro de uma sociedade, a alcançar sua ontologia na sociedade atual. Chegar-se-á com este trabalho
a um conceito atual de pessoa humana livre de “pré-conceitos” que respeite a ontologia do fenômeno a ser
estudado, permitindo, portanto, que a ação do homem, mais especificamente a ação formativa de si e de outros
seres humanos, possa ser regida por um critério objetivo e verdadeiro. Tal trabalho baseia-se no método
bibliográfico e especulativo, onde a partir do acompanhamento do pensamento da autora chegar-se-á a elucidação
do tema proposto.
Palavras-chave: Homem. Microcosmos. Prática formativa

1 INTRODUÇÃO AO PROBLEMA
Nunca, como nesta época moderna-contemporânea, tanto sobre o homem se falou ou tanto
colou-se ele como referência categórica, mas tão pouco se definiu o que ele era. É ele, no senso
da sociedade moderna, objeto e referência de toda pesquisa químico biológica; é ele produtor
dos bens de consumo e usufruidor do mesmo; é sujeito ativo e causa de todo avanço tecnológico
sendo ao mesmo tempo meta de toda rede de produção que busca tonar a tecnologia quase que
sua extensão. É o fenômeno ser humano, nesta era, vértice sob o qual todo o mundo se
concentra, sendo ao mesmo tempo, um objeto que no silêncio de seu existir grita para ser
indagado por alguém em sua essência.
Convém, portanto, ir às coisas mesmas, ir a este fenômeno e deixá-lo falar. Precisa-se
permitir-lhe expressão e dar-lhe atenção devida a fim de descobrir o que este fala sobre si
mesmo.

1
Graduando em filosofia pelo Seminário Maria Mater Ecclesiae do Brasil, situado na cidade de Itapecerica da
Serra, São Paulo. Desenvolve sua pesquisa no campo da antropologia steiniana sobre a orientação da Profª.
Mestrª. Maria Cecília Isatto Parise, mestra da mesma associação.
2

Este artigo tem por objetivo apresentar e explanar suscintamente a tentativa e os resultados
atingidos pela filósofa Edith Stein em sua busca por escutar, ou melhor, entender a essência do
fenômeno homem. Evidenciar-se-á, para isto, como a filósofa chega a ela, demonstrando seu
método e seus pressupostos, o conceito ontológico de homem como microcosmos “Estrutura
da pessoa humana” e as consequências formativas advindas do mesmo.

2 A PROFUNDA CONEXÃO EXISTENTE ENTRE A ONTOLOGIA DO


SER HUMANO, A IDEIA EPISTEMOLÓGICA DE HOMEM E A
PRÁTICA FORMATIVA
Segundo Edith Stein todo atuar concreto do ser humano – todas as atitudes que cada homem
toma – estão fundamentados em um logos2 que o dirige. Este logos nada mais é que a própria
ontologia do ser humano, a sua essência objetiva e real; todo homem somente pode agir de
acordo com este logos que lhe é próprio e que o define.
Tal logos existente, real e experimentado por todos, não é em suma claro em seu conteúdo.
Isto se nota pelo fato de todo ser humano, por evidência, saber que é homem, mas ao mesmo
tempo ter dificuldade de definir de fato o que ele é, como sujeito particular que se experimenta
e como ser humano em sua concepção universal e objetiva, ou seja, em sua própria essência –
no que lhe é próprio e que só faz parte de sua estrutura.
Edith Stein, percebendo tal impasse, afirma que essa busca pelo conteúdo da ontologia do
ser humano deve ser introduzida “em um sistema conceitual baseado em um claro
conhecimento, isto é, em uma teoria”3 que tenha como objetivo principal respeitar o que o
fenômeno diz de si mesmo, sem antes partir de pré-conceitos estabelecidos4.
De modo imediato, segundo a filósofa, a pedagogia mostra-se como um sistema conceitual
que aproxima uma ideia de homem à uma prática a partir desta. Porém, por si só, a pedagogia
não consegue chegar a ideia de homem em si mesma, ao logos em si mesmo. Necessita,
portanto, da ajuda de uma via que tenha por tarefa a doutrina sobre o homem5, e que de fato

2
Segundo a filósofa, o logos refere-se a uma ordem objetiva dos entes, em que está incluída toda a ação humana.
Também, tal conceito alude à concepção viva dessa ordem objetiva por parte do ser humano, levando-o a
conduzir-se em sua prática formativa conforme o próprio logos. Cf. STEIN, Edith. Estructura de la persona
humana, p. 561
3
STEIN, Edith. Estructura de la persona humana, p. 562
4
Tal necessidade de não partir de pré-conceitos estabelecidos, apontada por Edith Stein, é característica da
Fenomenologia desenvolvida por Edmund Husserl, que a partir do método desenvolvido pelo mesmo, busca
aproximar-se da essência do objeto de estudo em questão deixando que este fale por si; com isto, Husserl e seus
sucessores, assim como Edith Stein, transcendem a dicotomia moderna entre idealismo e empirismo.
5
Afirma Edith Stein sobre esta necessidade: “se a ideia de homem é de relevância decisiva tanto para a estrutura
da pedagogia como para o trabalho educativo, é de urgente necessidade para estas últimas gozar de um firme
apoio nessa ideia. A pedagogia que careça de resposta a pergunta ‘que é o homem? ’ não irá senão construir
3

responda claramente o que é o homem a nível ontológico: tal doutrina é a antropologia,


vinculada à disciplina filosófica que através do conhecimento natural, sem se fechar em si
mesma, busca desvelar6 o que é o homem.
Em suma, Edith Stein demonstra a necessidade de desenvolver uma antropologia – teoria
– que esteja fundamentada na análise da própria ontologia – essência do homem – tendo por
objetivo mostrar ao homem curioso qual é o seu logos de fato, portanto, qual é o parâmetro
formativo que este, ao contemplá-lo, deve pôr a si mesmo e aos demais para se formar e se
aperfeiçoar como homem.
Necessita-se, agora, explanar o método que a filósofa utiliza para chegar a essência do ser
humano e apresentar a antropologia que ela desenvolve a partir do encontro com a mesma.

3 O MÉTODO FENOMENOLÓGICO COMO AQUELE PRÓPRIO PARA


SE CHEGAR A ESSÊNCIA DO ONJETO DE ESTUDO EM QUESTÃO.
Edith Stein opta, entre vários métodos7, pelo fenomenológico, desenvolvido por Edmund
Husserl; um método eidético que chega à essência a partir da parentetização de dados
secundários. Tal método, tem como objetivo fixar-se nas coisas mesmas, na essência de algo,
de modo que a análise do objeto de estudo parta de baixo, ou seja, a partir do fenômeno mesmo,
sem a presença de conceitos pré-estabelecidos pelo sujeito cognocente - erro que E. Husserl
julga ter cometido as teorias idealistas e empiristas.
O ato que capta a essência chama-se percepção espiritual; segundo Edith Stein, é uma
intuição do que a coisa é por essência, ou seja, o que é por seu ser próprio –existência – e o que

castelos no ar. Encontrar uma resposta a essa pergunta é tarefa de uma doutrina sobre o homem, da
antropologia” (“Si la idea del hombre es de relevancia decisiva tanto para la estructura de la pedagogía como
para la labor educativa, será de urgente necesidad para estas últimas gozar de um firme apoyo en esa idea. La
pedagogía que carezca de respuesta a la pregunta ‘qué es el hombre? ‘ no hará sino contruir castillos en el aire.
Encontrar una respuesta a esta pregunta es la tarea de uma doctrina sobre el hombre, de la antropología.”)
STEIN, Edith. Estructura de la persona humana, p. 579.
6
Ajuda a entender o ato de desvelar a essência a analogia com o ato de tirar o véu. Para se chegar a essência do
que é o homem deve-se afastar aquilo que impede sua contemplação perfeita – seus aspectos secundários –
deixando vir à luz, vislumbrando o que lhe é próprio.
7
É importante ressaltar que Edith Stein em sua busca por entender, desvelar, a essência do ser humano, coloca-
se frente a diversos métodos que a possam ajudar neste seu intento. Percebe a filósofa que, sendo a antropologia
uma teoria elaborada a partir de um logos que dirige a ação humana, não poderia ela restringir-se a uma análise
apenas experimental e individual do ser humano. Neste erro encontravam-se as antropologias baseadas no
individual, que se contentavam com a descrição do homem tal como ele é no seu caráter individual, desprezando
o seu aspecto universal - a ontologia do objeto, seu logos - que se experimenta na análise da condição humana.
Em erro também se encontravam as antropologias baseadas somente na empiria, incapazes de responder ao
problema da coletividade espiritual, ou seja, qual a devida relação existente entre o indivíduo e a sociedade;
qual o papel de responsabilidade exercido pelo indivíduo nesta coletividade de pessoas humanas.
4

é por sua essência universal8. Foge, portanto, de todo perigo e reducionismo idealista em sua
análise do homem.

4 A ANÁLISE DO HOMEM COMO MICROCOSMOS


Após a eleição do método, Edith Stein parte para a análise do fenômeno homem, a partir
do que temos ante nossos olhos na experiência viva9, tendo por objetivo com esta análise chegar
a estrutura geral comum a todos os seres humanos; a uma essência comum.
Segundo a filósofa, a primeira coisa que do ser humano se percebe é sua natureza
material (altura, peso, etc.)10, o que caracteriza o homem como coisa material – um corpo
inscrito na natureza material; posteriormente, com um olhar mais atento, vê-se que o mesmo
revela-se como um ser vivo que movimenta a si mesmo – é um corpo vivo comum a vegetais e
animais; entretanto, nos animais e no ser humano observa-se ainda que ambos possuem um
contato íntimo com o seu ser - são ambos, neste sentido, seres animados; porém, somente no
homem vê-se um intercambio espiritual; só ele possui uma profunda experiência do próprio eu,
em que nota a si mesmo e sua finitude aberta a um infinito – onde se percebe um buscador de
Deus. Notando ser possível a comparação entre o ser humano e os demais seres do cosmos,
pode-se dizer que é o homem como um microcosmos em que se unem todos estes estágios:
coisa material, ser vivo, ser animado, ao modo de pessoa espiritual. Compete delinear como se
dá a comparação do mesmo com cada tipo de seres em cada estágio, evidenciando o que já
demonstra o que lhe é específico, e, portanto, único nos seres de alma espiritual11 - no homem.

8
“Tudo isso soa muito a empirismo, porém não o é, se é que por ‘empiria’ se entende somente a percepção e a
experiência de coisas particulares. Em efeito, o segundo princípio [da fenomenologia] diz assim: dirigir o olhar
ao essencial. A intuição não é somente a percepção sensível de uma coisa determinada e particular tal como é
aqui e agora. Existe uma intuição do que a coisa é por seu ser próprio e o que é por sua essência universal”
(“Todo eso suena mucho a empirismo, pero no lo es, si es que por ‘empiria’ se entiende solamente la percepción
y la experiencia de cosas particulares. Em efecto, el segundo principio reza así: dirigir la mirada a lo esencial.
La intuición no es solamente la percepción sensible de una cosa determinada y particular, tal como es aqui y
ahora. Existe una intuición de lo que la cosa es por su ser proprio y lo que es por su esencia universal”) STEIN,
Edith. Estructura de la persona humana, p.591.
9
Cf. STEIN, Edith. Estructura de la persona humana, p. 591
10
Tal constatação pode ser vista também nos minerais existentes, como por exemplo, uma pedra.
11
Este ato de comparação que a autora realiza entre o que é próprio do homem em cada “estágio cósmico” e o que
é próprio de cada ser que se encontra naquele estágio é, pois, uma forma de voltar-se diversas vezes sobre o
mesmo objeto com a intenção de vê-lo em toda sua claridade. Cf. STEIN, Edith. Estructura de la persona
humana, p 592.
5

4.1 O HOMEM COMO COISA MATERIAL12

O homem em sua corporeidade constitui uma figura já determinada, fechada em si mesma


e não unificável com outras13. Seu corpo é constituído de simetria e é estruturado a partir de
diversas leis que servem de parâmetro para todos os indivíduos desta espécie. É constituído de
órgãos que se orientam para uma finalidade específica; seu corpóreo aponta para algo que
supera a si mesmo como meramente corpo. Seus sentidos manifestam, ainda, que recebe um
impulso desde dentro, que lhe permite movimentar e se manifestar a partir de sons – assim
como os animais. Seu corpo manifesta, portanto, desde o primeiro olhar, algo que transcende
seu modo puramente sensorial e sua análise como corpo meramente material, mostrando que
todo ser humano não se reduz somente a sua matéria.

4.2 O HOMEM COMO ORGANISMO VIVO14

Vendo que o homem se configura desde dentro – pelo fato de seu corpo manifestar esse
configurar-se – apresenta-se, em uma contemplação mais profunda do homem, um peculiar
modo de ser caracterizado por S. Tomás como forma interna e por Aristóteles como alma. Este
modo de ser aponta para determinada figura; prova disso são os órgãos humanos que cumprem
uma função específica no contexto do todo. Esta forma interna – alma – é algo determinado que
qualifica o todo: uma espécie, sendo também uma força viva que realiza a configuração em um
material, em uma matéria15. Comparando aos vegetais, o homem possui uma posição vertical,
que lembra seu desenvolvimento. Porém, é muito distinto dos mesmos, por estar aberto para
dentro. Os vegetais não o estão, não existem para si mesmos, não vivem em si mesmos.

4.3 O HOMEM COMO ANIMAL16

O movimento animal parece ser impulsionado desde dentro, ao passo que é atraído deste
fora. Quando é afetado dá-se nele a origem do movimento reativo, designado com o nome de
sensação. Deste modo, é o animal um ser que nota o que lhe passa, um ser que não se esgota
somente na sua atividade de se configurar – assim como acontece com as plantas; é uma alma

12
Cf. STEIN, Edith. Estructura de la persona humana, p. 595
13
Difere dos demais seres simplesmente materiais que permitem a agregação ou separação de elementos a sua
materialidade.
14
Cf. STEIN, Edith. Estructura de la persona humana, p. 601.
15
Segundo Edith Stein, se esta forma não encontrasse obstáculos nas condições materiais, poderia levar a uma
plena e perfeita configuração daquele exemplar da espécie.
16
Cf. STEIN, Edith. Estructura de la persona humana, p. 608.
6

dotada de sentidos, e por isso sensitiva. Através da experiência é notável ainda que estes
parecem estar sempre amarrados ainda sob as leis férreas do instinto.
Comparando com o homem ambos estão abertos para dentro e para fora. Porém, em
relação as manifestações de estados da vida anímica, a animal se dá através de sons –
acasalamento, fúria, fome, etc – providos de leis naturais, manifestando-se no homem através
de uma linguagem portadora de significados fixos. Com a carência de contexto interno de
sentido a comunicação animal mostra-se desprovida de condição racional. Contrariamente, o
homem percebe as coisas que o cercam não somente como estímulos sensoriais, mas revestidos
de uma configuração objetiva, percebendo o mundo como coisas que possuem uma essência.
Por último ainda pode-se evidenciar que a alma do homem e suas capacidades espirituais
mesmo estando ligadas a suas partes inferiores – vegetativa e sensitiva – não estão atadas a seu
corpo imediata e indissociavelmente, no sentido de poderem exercer atividade própria.

4.4 O HOMEM E O ESPECIFICAMENTE HUMANO17

Visto parecer o homem estar em grau mais elevado na hierarquia cósmica e eidética, não
basta apenas evidenciar, sob a perspectiva comparativa, o que é comum e distinto entre o
homem e os demais seres. Deve-se expor o que lhe único e próprio. Como primeira
característica, além das já elencadas anteriormente, Edith Stein evidencia a sua
responsabilidade como característica própria do homem. Assim fala a filósofa: "Dele depende
o que ele é, e se lhe exige fazer de si mesmo algo concreto: pode e deve formar-se a si mesmo"18.
É também senhor de sua alma e pessoa livre; no contato com outro eu igual a si experimenta a
total liberdade de deixar ou não que este outro entre em seu interior. É ainda alguém que diz de
si mesmo "eu" – ou seja, é capaz de captar-se a si mesmo como eu, capaz de sair de si e de se
acercar a algo que lhe é externo – é, em suma, pessoa espiritual. Só ele tem a possibilidade de
adentrar, penetrar nas demais coisas19. Além do mais, sua liberdade, apoiada em sua
espiritualidade pessoal, configura suas ações; derivando daí o dever. Sua forma básica enquanto
alma – espiritualidade – é caracterizada especialmente por sua intencionalidade - ou seja, ele
está dirigido a objetos20. Por ser espírito pode refletir, abstrair, querer; ou seja, possui vontade

17
Cf. STEIN, Edith. Estructura de la persona humana, p. 648.
18
“(...) de él depende lo que él es, y que se le exige hacer de sí mismo algo concreto: puede y debe formarse a sí
mismo”. STEIN, Edith. Estructura de la persona humana, p. 648.
19
Cf. STEIN, Edith. Estructura de la persona humana, p. 649.
20
Essa sua vida anímica é caracterizada por um eu que vê um objeto; o objeto a que o eu olha; o ato em que o eu
vive em cada caso e se dirige a um objeto desta ou daquela maneira, sempre sabendo que sua intencionalidade
é regida por sua correspondência com a estrutura do mundo formal dos objetos – em correspondência com a
ontologia do mundo real.
7

livre, ordenada por sua estrutura de valores e intelecto. Além de tudo isto, é ainda possuidor de
um núcleo da alma, no qual se encontra sua singularidade. Este núcleo é o lugar onde a alma
possui seu lugar próprio, no qual ela mesma se recolhe, sendo o núcleo o lugar a partir do qual
cada indivíduo toma suas decisões, toma partido. É ele um eu pessoal e singular que é um eu
anímico, pertencente a esta alma. Tal eu singular é o centro do ser humano, e é aquilo que lhe
faz único e irrepetível; pode-se dizer que ele é a forma pela qual um indivíduo em concreto
preenche a sua estrutura comum. Neste sentido este eu constitui o modo próprio de possuir suas
vivências. Aquele que possui, portanto, a humanidade participa de uma estrutura comum – ser
humano – e é indivíduo absoluto ao mesmo tempo.

5 PRÁTICA FORMATIVA ADVINDA DO CONCEITO DE


MICROCOSMOS21
Convém, por último, elencar algumas consequências formativas práticas advindas do
conceito de homem como microcosmos22.
Em primeiro lugar tal conceito conduz a percepção de que o homem possui uma estrutura
essencial fixa23 e imutável, mas ao mesmo tempo não acabada. Demonstra, através da
explanação da característica anímica do homem, a necessidade de uma prática formativa que
passa por um processo de auto formação em que cada indivíduo deve aproximar-se mais da
plenitude humana – do ideal essencial.
Apresenta a obrigatoriedade universal de que todos devem viver a patir do próprio eu
espiritual, segundo o que lhe é próprio, não estando preso a sua dimensão meramente corpórea24
nem a sua dimensão animal25, mas de acordo com sua dimensão espiritual, em que se mostra
aberto para fora e para dentro, dotado de inteligência, que rege seus instintos, e de vontade livre;
exige a vivencia da responsabilidade humana, visto o ser humano ser dono de si, além de exigir
a vivência do seus deveres, da escolha de valores, e de sua abertura à transcendência.
O conceito de homem como microcosmos exige ainda ver a humanidade, já que procede
de uma mesma raiz e se dirige a um mesmo fim, como implicada em um mesmo destino. Neste

21
Para explanar as consequências pedagógicas advindas do conceito de microcosmos usar-se-á sua explanação
sobre o ideal de educação. Cf. STEIN, Edith. Estructura de la persona humana, p. 573 - p. 737 (sobre a pertença
a um povo – nacionalidade)
22
Estas servem como provas da importância da reflexão elaborada por Edith Stein acerca do homem, visto
contribuírem para a prática humana.
23
Que é um ser corpóreo, vivo, animado em sua maneira de ser de alma espiritual e possuidor de sua singularidade.
24
Estando, deste modo, regido por aquilo que este exige de modo mais imediato, não procurando estar aberto para
dentro e para fora de si.
25
Situação onde seus instintos, seu subconsciente, sua libido o controlaria por completo.
8

sentido, pela natureza mesma do homem, cada indivíduo torna-se também responsável por
desenvolver a aproximação dos demais seres humanos à sociedade de modo que o gênero
humano mais se aproxime da sua perfeição.
No campo formativo, a natureza espiritual do homem - razão e liberdade - exige
espiritualidade no ato pedagógico, ou seja, exige uma colaboração do educador e do educando
para que aja eu despertar da atividade espiritual.
O educador – formador – deve aos poucos permitir a atividade própria do educando -
levando-o a auto atividade e autoeducação. Também deve entender que sua atividade tem
limites marcados pela natureza do formando pautada por seu caráter não apenas estrutural,
geral, mas pela sua individualidade, que deve ser fomentada e estimulada. Entra aqui a diferença
entre educar, a partir da ontologia humana26 a partir de uma forma engessada, em que a
individualidade fica aprisionada, ou educar e formar a partir de uma forma – essência – que
respeite o caráter de irrepetibilidade e singularidade de cada ser humano - entrando assim em
posição dialética em que se aproxima estrutura geral e o modo único que cada indivíduo possui
para preencher essa estrutura.
Pressupõe-se ainda ao formador o respeito pela individualidade e pelo núcleo da alma, o
eu individual do formando, quando este se manifesta e lhe é confiado por aquele. Tem, pois, o
educador – pais, professores, reitores, etc. – a missão de permitir que a alma se expresse
livremente, compreendendo os fins a que a natureza humana se orienta por si mesma, ajudando
o que é educado a retificar quando ele mesmo se desvia disto.
Pressupõe-se deste modo, uma nova estrutura educativa, uma nova estrutura social, em que
o homem individual e social volte-se à contemplação de sua ontologia, a nível geral e
individual, no objetivo de que todas as suas ações permitam uma reaproximação da plenitude a
qual tende a alma humana, como forma interna.

REFERÊNCIAS
PARISE, Maria Cecília Isatto. As colorações da alma na análise da pessoa humana segundo Edith Stein.
Dissertação. São Paulo, UNIFESP, 2014-1
BELLO, Angela A., A fenomenologia do ser humano, Trad. Antonio Angonese. Bauru, SP. EDUSC,
2000
STEIN, Edith. Estructura de la persona humana. Trad. J. Urkiza, Fco. J. Sancho, Ed. Monte Carmelo.

26
Que compreende toda a pessoa, em sua sexualidade, vivências, espiritualidade.

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