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Para entender o pensamento pedagógico: concepções filosóficas de ser humano

Outro aspecto filosófico está presente na Educação e relacionado diretamente à


Didática: para se falar em educar e como educar, partimos de uma concepção de ser
humano e de aprendizado que a filosofia nos ajuda a compreender.
No decorrer de nossa história, foram pelo menos três concepções mais
comumente aceitas: metafísica (essencialista); naturalista e histórico-social. E, apesar
de o tempo e contexto histórico serem determinantes para o surgimento de cada uma
delas, todas pode coexistir ainda hoje.
A teoria metafísica é herdada dos primeiros filósofos gregos e seria necessária
mais de uma aula e muito mais que uma nota de rodapé para dar forma aos diversos
sentidos desta palavra, de maneira muito sintética, metafísica, seria tudo o que está
além da física, da empiria e da comprovação, mas que fazem parte do pensar humano.
Como por exemplo, falar na ideia de Beleza, de Justiça ou de Deus, são questões
metafísicas.
Dentre elas, a ideia de essência. O que é a essência de alguma coisa? É aquilo
que lhe dá identidade, que a faz ser ela e não outra coisa. Qual seria, por exemplo, a
essência de uma cadeira? O que é essencial para ela ser chamada assim senão ter
“pernas”, “assento” e “encosto”, posto que, se tirássemos o encosto não seria mais
cadeira, mas sim um banco. Quanto a sua cor, matéria, etc. é contingente, ou seja,
tanto faz ser azul, preta, de madeira, de plástico, que não deixa de ser cadeira.
Da mesma forma, desde os gregos falamos e buscamos uma essência humana,
algo comum a todos os humanos que os identifique como tais: uma natureza humana
imutável que torna o humano de fato humano e que deve ser atingida por todos.
“Tal concepção de natureza humana está nas teorias dos filósofos Antigos, passando
pela Idade Média e Modernidade. Nela a educação é compreendida como um processo
de aperfeiçoamento em que o indivíduo é levado a realizar suas potencialidades. Existe
um modelo de homem que a criança deve alcançar ao ir atualizando a essência que
tem potência por meio da educação. É assim que Kant, no século XVIII diz que o “fim
da educação é desenvolver em cada indivíduo, toda perfeição de que ele já seja capaz”.
Os limites da tendência essencialista se encontram na visão parcial do problema
educacional, pois está excessivamente centrado no interior do indivíduo e nas formas
ideais que determinam a priori (antes da experiência) o que é o homem e como deve
ser a educação”. (ARANHA, 2006).
Já a concepção naturalista se funda com a força da ciência na Idade Moderna
(séc. XVII), profetizada com o “saber é poder”, de Francis Bacon, bem como o
desenvolvimento das teorias de Descartes, Locke, Galileu e Newton. A ciência surge
como uma forma rigorosa de conhecer que permite perceber regularidades na
natureza, levando à formulação de leis e, portanto, à previsibilidade dos fenômenos.
Dessa forma, o que se busca é descobrir as regularidades do homem naquilo que é
palpável e analisável: o corpo. O homem, reduzido a sua dimensão corpórea estaria,
então, reduzido às forças da natureza, não gerindo seu próprio destino. A consciência e
a metafísica são deixadas de lado, pois são tomadas como inacessíveis aos
procedimentos considerados científicos.

A psicologia comportamentalista ou behaviorismo toma seu espaço


inspirando uma metodologia que enfatiza uma rigorosa programação,
determinando os passos para se adquirir o conhecimento, bem como as
técnicas e os procedimentos pedagógicos. “Skinner, um dos representantes
desta tendência, criou a famosa ‘máquina de ensinar’. Na década de 70, a
tendência tecnicista é fortemente influenciada pelo behaviorismo (ARANHA,
2006, p. 113).

A principal característica da tendência naturalista é “a tentativa de adequar a


metodologia das ciências humanas ao método das ciências da natureza, que se baseia
na experimentação, no controle e na generalização.” (ARANHA, 2006, p. 113).
Por fim, a concepção histórico-social, que tem seus primeiros passos no
Romantismo alemão, séc. XVIII e a primazia do sentimento sobre a razão. Segundo
Chauí (2006), Jean Jacques Rousseau (1712 – 1778) exerceu grande influência neste
processo de transformação da teoria pedagógica tradicional em que o centro do
processo educacional estava no mestre, passando a fixar o discípulo como centro e, ao
destacar e separar os níveis natureza e sociedade aponta para uma nova concepção de
homem.
Somado a tais transformações, o pensamento de Hegel (1770 -1831) com o
desenvolvimento da filosofia do devir, cuja concepção do ser é movimento, um
processo, privilegia a história, concebendo o homem como ser no tempo. Sua
concepção histórica é dialética, na medida em que compreende a história não como
uma justaposição de acontecimentos, mas um movimento, um processo cujo motor
interno é a contradição. Sua filosofia é considerada idealista, na medida em que
considera o indivíduo participando do movimento de manifestação do Espírito[1],
posição que será questionada posteriormente por Marx (1818 – 1883) que, apesar de
aproveitar sua concepção de dialética, “transforma o idealismo em materialismo: o
mundo material é anterior ao espírito, e este deriva daquele” (ARANHA, 2006, 114).
Segundo o chamado materialismo histórico marxista, somente partindo da
análise da forma como os homens produzem os bens materiais necessários à vida, das
relações produtivas e de trabalho, é que podemos compreender como pensam e como
são e não o contrário. Não há uma natureza humana universal e imutável, mas são as
condições econômicas e de trabalho, os modelos sociais, que situam o homem real e
concreto em um contexto histórico-social que o definem. Não se busca um homem
abstrato, mas é no cotidiano e na contextualização histórica, social, econômica e
política que se compreende o humano.
No século XX, correntes como a fenomenologia (mencionada na aula passada) e
o existencialismo partem também da negação essencialista e naturalista do ser,
fundamentando ainda mais a concepção histórico-social. Quando, por exemplo, o
existencialismo cujo mais conhecido representante foi Jean Paul Sartre (1905- 1980),
aponta que “a existência precede a essência”, ou seja, não há uma essência pré-
estabelecida e comum aos homens, mas uma condição humana, e são as escolhas e
ações que determinam o ser: “o homem não é mais que o que ele faz”. A concepção
histórico-social se expressa em inúmeras tendências. Apesar das diferenças entre elas,
todas estão marcadas pela “preocupação com o processo (nada é estático), com a
contradição (não há linearidade no desenvolvimento, que resulta do embate e do
conflito)”, além do “caráter social do engendramento humano (o ser do homem se faz
permeado pelas relações humanas e por isso se expressa de formas diferentes ao
longo da história)” (ARANHA, 2006, p. 114).
Uma nova dimensão do homem passa a ser considerada como superação da
visão essencialista e estática, um ser social, que compreende a relação entre sujeito e
sociedade, bem como relações de poder (ARANHA, 2006).
Assim, de acordo com a concepção de homem que se possui é que se “adota” uma
tendência pedagógica e didática em detrimento de outras.
Ao partir de uma ideia essencialista, o mestre ensina aos educandos para que se
aperfeiçoem e desenvolvam suas potencialidades humanas preexistentes e atinjam ao
que se espera de um adulto. Já sob uma concepção naturalista, buscamos entender o
comportamento e condições observáveis dos alunos para que, entendendo seu
desenvolvimento físico e “natural”, possamos melhor controlá-los e até condicioná-los
para o conhecimento. Sob o aspecto histórico-social, desconsideramos uma
possibilidade de essência humana a ser atingida ou a apreensão empírica
comportamental como sendo geral e comum a todos os alunos, mas consideramos a
condição histórica, social e econômica como contexto que vai influenciar em todo
processo de ensino e aprendizagem.
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[1] Espírito: em seu sentido metafísico, notadamente em Hegel o espírito,
absolutamente primeiro, é a verdade da natureza: é a ideia que chegou ao ser-para-si:
essa interiorização do ser-fora-de-si, que é a natureza. Desenvolve-se do espírito
subjetivo (alma. consciência, fatos psíquicos) ao espírito objetivo (direito, costumes,
moralidade) e ao espírito absoluto (através da arte. da religião) a fim de chegar à
filosofia, que é a forma última na qual se unem a arte (representação sensível) e a
religião (JAPIASSÚ, 2001, p.92).

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