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CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DE CONHECIMENTO, TEORIAS

PSICOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS QUE IMPLICAM NA DIDÁTICA11

A concepção filosófica idealista teve como representantes, na Idade Antiga, Sócrates


(469 a.C-399 a.C) e Platão (428/427-348/347 a.C), continuou, na Idade Média, com Santo
Agostinho (354- 430) e, na Idade Moderna, passou a denominar-se racionalista, com Descartes
(1596-1650), que criou o método dedutivo (todo para partes) para produzir o conhecimento
científico. Na Idade Contemporânea destaca-se o filósofo Hegel (1770-1831) que utiliza-se do
método dialético.
O Idealismo/racionalismo fundamentou a criação da teoria psicológica
inatista/humanista, também conhecida como apriorista ou natista, que baseia-se na crença de
que as capacidades básicas de cada ser humano (personalidade, valores, comportamentos,
formas de pensar e de conhecer) são inatas, ou seja, se encontram praticamente prontas ao
nascimento e ficam na dependência da maturação para se manifestar. Essas teorias enfatizam
que os fatores maturacionais e hereditários são definidores da constituição do ser humano e do
processo de conhecimento.
Pensar dessa forma pode trazer comprometimentos às questões didático-pedagógicas,
na medida em que a educação pouco ou quase nada altera as determinações inatas. Com isso, os
processos de ensino só podem ser realizados na medida em que o aluno estiver “pronto”,
“maduro” para efetivar determinada aprendizagem. Isso faz com que se tenha uma expectativa
limitada do papel da educação para o desenvolvimento individual, pois considera-se o
desempenho do aluno fruto de suas capacidades inatas.
Com isso, as características comportamentais manifestadas pelos alunos, tais como
agressividade, sensibilidade ou passividade, acabam sendo interpretadas como inatas e;
portanto, com reduzidas chances de modificarem-se. Com isso, as influências culturais pouco
interferem na formação do sujeito, pois a personalidade, os valores, os hábitos, as crenças e a
forma de pensar e de agir estão previamente prontas, ao nascer, sofrendo poucas transformações
do meio sociocultural. Esses postulados inatistas podem servir para justificar as práticas
didático-pedagógicas espontaneístas, pouco desafiadoras e que, na maioria das vezes,
subestimam a capacidade intelectual dos sujeitos, na medida em que o sucesso ou fracasso
depende, quase exclusivamente, do talento, aptidão, dom ou maturidade. Dessa maneira, a
responsabilidade acaba sendo do sujeito e não da sua relação com o contexto social mais amplo,

1
RIBEIRO, Marilene Marzari. Memória de Migrantes: onde viver o fazer faz o saber. Cuiabá: Cathedral
Publicações, 2005. Texto adaptado para uso exclusivo em sala de aula.vezes, subestimam a capacidade intelectual
dos sujeitos, na medida em que seu sucesso ou fracasso depende, quase exclusivamente, de seu talento, aptidão,
dom ou maturidade. Dessa maneira, a responsabilidade toda acaba sendo do sujeito e não da sua relação com o
contexto social mais amplo, nem da própria dinâmica interna da escola. Nessa concepção filosófica e psicológica
fundamentam-se as pedagogias escolanovista/renovada e não-diretiva.
nem da própria dinâmica interna da escola. Assim, a concepção filosófica idealista e a teoria
psicológica inatista/humanista fundamentam a pedagogia/didática escolanovista/renovada e
não-diretiva.

A concepção filosófica empirista de Aristóteles (384 a.C - 322 a. C) diz que o


conhecimento está no mundo (empiria) e o sujeito aprende pelos sentidos. Na Idade Média
destaca-se São Tomás de Aquino (1225- 1274) que comunga das ideias empiristas, na Idade
Moderna sobressaem vários autores como Copérnico (1473- 1543), Galileu (1564-1642),
Newton (1643- 1727), John Locke (1632- 1704) que diz ser o sujeito uma tábula rasa, Francis
Bacon (1561-1626) cria o método indutivo (Ciências Naturais) para produzir o conhecimento
científico, entre outros. Na Idade Contemporânea destaca-se Augusto Comte (1798-1857) e
Émile Durkheim (1858-1917) com a concepção filosófica positivista que atribui significativo
poder a sociedade que determina os valores, as ideias e as regras que formam o espírito do sujeito
fazendo com que siga as regras estabelecidas no meio social em que vive. Essa filosofia
fundamenta a criação da teoria psicológica Behaviorista/ambientalista/comportamentalista e
entende que as características individuais dos sujeitos são determinadas por fatores externos.
Assim, a educação é pensada para criar no homem um ser que se adapte às condições
existentes no meio social, ou seja, é fundamental à preparação moral e intelectual do aluno para
que assuma sua posição na sociedade. Nesse sentido, a escola é supervalorizada, já que o aluno
é considerado uma tábula rasa e a transmissão de informações torna-se de extrema relevância.
Cabe ao professor, por ser o detentor do conhecimento inquestionável, ser exigente e rigoroso
na tarefa de direcionar, punir, treinar, vigiar, organizar os conteúdos e os meios para garantir o
aprendizado.
Nessa perspectiva, a aprendizagem é confundida com a memorização e repetição
mecânica de conhecimentos enquanto produto da ciência e desarticulados da realidade. O ensino
é transmissivo, fragmentado e estimulado por reforços positivos (elogios e recompensas) ou
negativos (notas baixas e castigos). Para o empirismo/positivismo e a teoria psicológica
Behaviorista a construção do conhecimento ocorre por meio das relações que os alunos
estabelecem com os objetos do meio físico. Daí acreditar que o desempenho e as características
individuais são resultantes da educação recebida na família e no ambiente em que vive.
As causas das dificuldades dos alunos na escola, muitas vezes, são atribuídas aos fatores
do universo social, tais como: pobreza, desnutrição, composição familiar, televisão, crise
econômica do país, entre outros. Consequência disso é a insignificância dada ao papel da
educação escolar, que se torna impotente e sem instrumentos para lidar com os alunos,
principalmente aqueles proveniente das camadas populares. Filiam-se a essa filosofia e teoria
psicológica as pedagogias/didáticas tradicional e tecnicista.
A concepção filosófica do materialismo histórico e dialético, de Karl Marx (1818-
1883) e Friedrich Engels (1820-1895), criada na Idade Contemporânea, busca entender a
dinâmica e a transformação da história e da sociedades. Para Marx, a reformulação da dialética
tem como princípio a ideia de movimento contínuo, onde nada é eterno, fixo e absoluto. A
totalidade e a contradição são princípios, nos quais todos os fenômenos sociais, religiosos,
políticos e econômicos devem ser analisados de maneira total, ou seja, da estrutura que envolve
a relação com o todo, não existindo uma verdade absoluta/incontestável, mas verdades
contraditórias explicitadas de diferentes formas. Assim, para o pensamento marxista o que
importa é “[...] descobrir as leis dos fenômenos de cuja investigação se ocupa; o que importa é
captar, detalhadamente, as articulações dos problemas em estudo, analisar as evoluções, rastrear
as conexões sobre os fenômenos que os envolvem (PIRES, 1997, p. 852)
Assim, o materialismo histórico e dialético representa uma concepção filosófica em que
“[...] a única realidade é a matéria em movimento, que, por sua riqueza e complexidade, pode
compor tanto a pedra quanto os extremamente variados reinos animal e vegetal” (ALVES,
2010, p. 013). Nesse sentido,

[...] o termo materialismo diz respeito à condição material da existência


humana, o termo histórico parte do entendimento de que a compreensão
da existência humana implica na apreensão de seus condicionantes
históricos, e o termo dialético tem como pressuposto o movimento da
contradição produzida na própria história (GOMIDE, 2013, p. 014).

De acordo com o materialismo dialéico, tudo está sujeito a uma desmitificação,


uma reformulação de conceitos e dogmas. Outra característica dessa concepção é que
todos os fenômenos de desenvolvimento, sejam eles econômicos ou sociais, são
resultantes da ação humana, logo somente pode ser transformada por meio dessa ação.
Essa concepção dialética fundamentou a criação da psicologia histórico-cultural,
de Vygotsky (1896- 1934), Luria (1902- 1977) e Leontiev (1903- 1979) e a Psicogênese de
Henri Wallon (1879- 1962). Essas psicologias defendem a ideia de que a aprendizagem e o
desenvolvimento humano processam-se a partir das relações que o sujeito estabelece com o
contexto histórico em que está inserido e apoia-se

2
PIRES, Marília Freitas de Campos. O materialismo histórico-dialético e a Educação. Interface — Comunicação,
Saúde, Educação. vol.1, n.1, Botucatu, 1997.
3
ALVES, Alvaro Marcel. O método materialista histórico dialético: alguns apontamentos sobre a subjetividade.
Faculdade de Ciências e Letras da UNESP-Assis. Revista de Psicologia da UNESP 9 (1), 2010.
4
GOMIDE, Denise Camargo. O materialismo histórico-dialético como enfoque metodológico para a pesquisa
sobre políticas educacionais. Anais da XI Jornada do HISTERDBR, 11.: 2013: Cascavel, PR. Disponível em:
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada11/artigos/2/artigo_simposio
_2_45_dcgomide@gmail.com.pdf. Acesso em: 10 jan. 2020.
[...] na ideia de interação entre organismo e meio e vê a aquisição de
conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante toda a
sua vida, não estando pronto ao nascer e nem sendo adquirido passivamente
graças às pressões do meio. Experiências anteriores servem de base para
novas construções que dependem, todavia, também da relação que o
indivíduo estabelece com o ambiente numa situação determinada (DAVIS &
OLIVEIRA, 1992, p. 365).

Nessa dinâmica de internalização (reconstrução de uma operação externa em uma


operação interna) e apropriação do conhecimento produzido historicamente (“tornar seu”,
adquirir “seu modo próprio” de perceber e de lidar com as coisas do mundo). Para isso, a
interação com os mais experientes é fundamental para a formação do pensamento teórico e o
desenvolvimento cognitivo/mental. Para Vygotsky (19916) tanto a aprendizagem como o
desenvolvimento são concebidos como processos que se efetivam na cultura, na medida em que
os grupos sociais fornecem os signos culturais necessários para mediar à relação do sujeito com
o mundo. Portanto, “[...] o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que
realiza num determinado grupo cultural, a partir da interação com outros indivíduos da sua
espécie” (REGO, 2001, p. 717).
As pedagogias/didáticas libertária, libertadora, histórico-crítica e crítica social dos
conteúdos fundamentam-se nessa filosofia e teoria psicológica para entender o conhecimento, a
aprendizagem e o desenvolvimento dos sujeitos.
Essas diferentes concepções filosóficas e teorias psicológicas permitem dizer que
existem vários entendimentos a respeito da aprendizagem e do desenvolvimento e de suas
finalidades. Aprimeira enfatiza o sujeito como portador de ideias inatas; a segunda destaca a
influência do meio no desenvolvimento humano e; a terceira pontua as relações estabelecidas
entre o sujeito e o meio, entendido como o mundo físico e social que inclui a dimensão
interpessoal e cultural.

5
DAVIS, Cláudia; OLIVEIRA, Zilma de. Psicologia na Educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1992 (Coleção
Magistério. 2º grau. Série Formação do Professor).
6
VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
7
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 12. ed. Petrópolis: Vozes,
2001.

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