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Educação e Liberdade

Uma educação não-diretiva e a constituição psicológica de um indivíduo autônomo e realizado

Abraão Vinicius Vieira Guimarães1

“Raramente se ouve uma criança chorar, porque as crianças,


quando em liberdade, têm muito menos ódio a expressar
do que quando são oprimidas.” - A. S. Neill

Resumo
Esse artigo visa trazer reflexões sobre a influência no desenvolvimento de crianças e adolescentes
em um sistema educacional livre de coerção, repressão e um currículo obrigatório e
predeterminado, utilizados na maioria das escolas. Esse texto toma como base a obra literária
Liberdade sem medo (Summerhill) de A. S. Neill (1960), trazendo reflexões psicopedagógicas e do
desenvolvimento humano a partir da Psicologia Humanista e da Pedagogia não-diretiva defendida
por Carl Rogers. O texto busca trazer reflexões hipotéticas de aplicação de uma educação centrada
no aluno, fazer paralelos com a pedagogia tradicional aplicada no Brasil e as possibilidades de
aplicação de um método não-diretivo de ensino.

Palavras-chave: educação; liberdade; autonomia; desenvolvimento humano; psicologia humanista;


pedagogia não-diretiva

Summary
This article aims to bring reflections on the influence on the development of children and
adolescents in an educational system free of coercion, repression and a mandatory and
predetermined curriculum, used in most schools. This text is based on the literary work Freedom
without fear (Summerhill) by A. S. Neill (1960), bringing psychopedagogical reflections and human
development from the Humanist Psychology and the non-directive Pedagogy defended by Carl
Rogers. The text seeks to bring hypothetical reflections on the application of a student-centered
education, making parallels with the traditional pedagogy applied in Brazil and the possibilities of
applying a non-directive teaching method.

Keywords: education; freedom; autonomy; human development; humanistic psychology;


non-directive pedagogy

1
Graduando da Licenciatura em Filosofia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, e Bacharelado em Psicologia
na Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR). Bolsista do projeto de pesquisa intitulado: Memória, corpo e
padecimento existencial: um olhar sobre obras de Frida Kahlo e Vincent Van Gogh a partir da Psicanálise e da Filosofia.
E-mail: avvguimaraes@gmail.com ou 201820794@uesb.edu.br
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Introdução

O primeiro contato do ser humano com a educação acontece na família, onde visões de
mundo, formas de se comportar, pensamentos e ideologias são transferidos metodologicamente aos
sujeitos pelas figuras cuidadoras e parentais que circulam e visitam o ambiente da criança. Desde
bebê, o indivíduo é inserido em um sistema social fechado e previamente construído, que é o núcleo
familiar. As primeiras significações são advindas desse convívio até certa fase do desenvolvimento,
ao passo que, geralmente após os dois anos, os indivíduos começam a expressar pensamentos
verbalmente, reproduzindo um comportamento já conhecido entre seus entes. (VYGOTSKY, 1987).
De tal maneira, “as crianças, desde muito pequenas, precisam interagir com os objetos aos quais
estão expostas e aprender os hábitos socioculturais da sua coletividade” (BARBOSA, 2006, p. 38).

Por conta disso, a autonomia e a liberdade de escolha devem ser incentivadas ao longo de
todo o processo de desenvolvimento, para que a criança não se atenha apenas à repetição e a
incorporação de comportamentos externos como as únicas realidades possíveis de ser-no-mundo2.
Logo, deixá-la escolher fora de uma expectativa e demanda fechada, faz com que ela se constitua
mais segura, autoconfiante e com uma autoestima saudável na construção de uma identidade segura
e resiliente. Porém, algumas famílias são mais conservadoras e fechadas em relação às suas próprias
metodologias de educação e suas expectativas para com a criança e, de certa forma, o mesmo
acontece nas escolas, local em que a criança também é inserida em um ambiente fechado, com
várias regras de convivência, expectativas comportamentais e curriculares. Essas formatações
podem gerar uma supressão da identidade em construção e a levar à ideia de fracasso em relação ao
meio, e consequentemente, sentir-se excluída e incapaz de suprir as necessidades do ambiente
(PATTO, 1999).

Na escola tal qual conhecemos, as demandas comportamentais e curriculares são para todos,
sendo que as disciplinas ou tarefas lúdicas, na maioria das vezes, não são de escolha da criança ou
baseadas no que ela gosta de fazer, mas sim, em uma metodologia de ensino que visa o melhor
desempenho do aluno e que ele supra as expectativas cognitivas e psicossociais demandadas à sua
idade (PATTO, 1999). Como argumenta Wallon (GALVÃO apud WALLON, 2000) em sua teoria do
desenvolvimento humano, a criança tem seu desenvolvimento único, o que nos traz a ideia de que
cada criança em seu contexto educacional, seja ele familiar ou escolar, irá se desenvolver de
maneira própria e progressiva a partir das possibilidades do seu próprio ambiente, da cultura e do
seu desenvolvimento sociocognitivo (GALVÃO apud WALLON, 2000). Dessa maneira, ter um
sistema educacional fechado, pautado em expectativas intelectuais adotadas para cada idade, e um
currículo predeterminado e obrigatório, exclui a atenção à unicidade do desenvolvimento de cada
aluno, demandando mais do que ele consegue entregar (PATTO, 1999). Segundo Galvão (apud
WALLON, 2000), o desenvolvimento do indivíduo não é linear e regido por regras absolutas, já que
ele tem crises, entraves, rupturas, retrocessos e reelaborações, o que faz com que o desenvolvimento
no âmbito educacional quase nunca seja como o esperado.

A metodologia deste trabalho é de caráter qualitativo, sendo um artigo de opinião, que tem
como objetivo trazer reflexões acerca dos sistemas educacionais fechados, coercitivos e punitivos,
bem como seus desdobramentos. Com isso, busca-se fazer uma análise sobre como uma educação

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Em "Ser e Tempo", obra fundamental do filósofo alemão Martin Heidegger, publicada em 1927. Nesta obra,
Heidegger busca investigar a questão do ser humano (Dasein) em sua existência concreta, questionando o sentido da
existência humana e a relação do homem com o mundo. Heidegger destaca que o Dasein, ou ser-no-mundo, é um ser
que existe sempre imerso no mundo, e que sua existência é caracterizada pela projeção constante em possibilidades de
ser. Essas possibilidades não são meras opções que o Dasein escolhe, mas sim uma dimensão essencial da sua própria
existência.
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não-diretiva, que preza pela autonomia e que não pune, impactaria de maneira positiva nos
processos psicológicos dos alunos.

1. Um aparato histórico: a Psicologia e a Pedagogia Positivistas do século XIX e a sua


influência na construção dos métodos educacionais

O movimento filosófico positivista do século XIX contribuiu em grande parte para a


constituição das metodologias de ensino que temos hoje. O positivismo trazia consigo a ideia de
que todo conhecimento é quantificável, observado, submetido a leis universais, e
consequentemente, passível de controle e previsão (COMTE, 1830). O positivismo tinha como
teorias centrais: o empirismo, o reducionismo, o mecanicismo e o determinismo. Paralelamente, a
Psicologia e a Pedagogia surgiam como campos de estudos distintos, e foram altamente
influenciadas por esse movimento filosófico. Na psicologia positivista o homem é resultado de ação
e reação com meio ambiente, ao passo que seus comportamentos poderiam ser previstos,
controlados e quantificados (BOCK, 2001). Todos esses pensamentos constituíram o funcionalismo,
e por seguinte, a psicologia experimental. Nessa época as práticas educacionais foram influenciadas
pelas pesquisas em psicologia experimental, principalmente no campo da aprendizagem, guiando-se
por intermédio de frequentes perguntas, as quais: como o ser humano aprende? Como se forma um
comportamento? Como podemos ensinar a ciência positiva?

Várias dessas pesquisas e reflexões acerca da aprendizagem e com a influência do


positivismo, levou a construção da ideia de que era possível moldar o comportamento (por ser
palpável, quantificável e previsível) e que o processo de aprendizagem poderia ser dado por um
ensino sistematizado, resultando no aprendizado das ciências e conhecimentos imprescindíveis para
os avanços da época. Isso influenciou para que se abandonasse qualquer ideia de subjetividade,
forças metafísicas e explicações religiosas, dando espaço para que o ser humano aprendesse como
uma máquina de assimilação, reprodução e resposta. Heather (1997, n.p) afirma que “sob a
influência do positivismo, os psicólogos tentaram espremer o estudo da vida humana reduzindo-o a
uma situação de laboratório, onde ela se torna irreconhecivelmente diferente de sua forma natural.
Assim, a Pedagogia foi influenciada pela psicologia e filosofia positivistas para a construção dos
seus métodos educacionais, valorizando a ideia de que o conhecimento só poderia ser passado de
forma científica, sistemática e pré-determinada, com a rigorosidade e disciplina da ciência,
garantindo o conhecimento positivo do aluno. Conforme Iskandar e Leal,
[...] as ideias positivistas influenciaram a prática pedagógica na área das ciências exatas,
influenciaram a prática pedagógica na área de ensino de ciências sustentadas pela aplicação
do método científico: seleção, hierarquização, observação, controle, eficácia e previsão.
(Iskandar e Leal, 2022, pág. 3)

A educação começou a ser feita no método positivo. Saint-Simon (1760-1852) argumentava


que o que é favorável à indústria também seria para o homem, assim, ele trazia o argumento da dita
sociedade industrial. Nada mais esperado que a metodologia responsável pela transmissão de
conhecimento e construção do cidadão fosse adaptada nesses moldes, a educação industrial, ou
seja, uma educação produtivista que preza um conhecimento que gere avanços produtivos para a
burguesia, aumentando os lucros e otimizando a produção. Logo, pode-se afirmar que a educação
do século XIX foi remodelada para ser um dos pilares de sustentação do capitalismo moderno em
ascensão na época, numa relação na qual ambas se encontram intrinsecamente atreladas.
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2. Teste de Binet-Simon

Com os avanços tecnológicos e intelectuais no final do século XIX e começo do XX e


submetida à influência positivista, a Psicologia Experimental fazia inúmeros avanços,
principalmente no campo da aprendizagem e, procurava em partes descobrir, ou até mesmo fabricar
novos grandes gênios da ciência. O teste Binet-Simon de 1905, mais conhecido como Teste de Q.I
(Quociente de Inteligência), foi uma das maiores influências para essa ideologia da inteligência. O
teste foi criado para mensurar a capacidade mental. A intenção era válida, porém, devido à sua
fama, o teste contribuiu para a ideia de que a inteligência resumia as capacidades do indivíduo, em
mais ou em menos capacitados intelectualmente.

Assim, para a época, os mais inteligentes teriam mais probabilidade de sucesso na vida.
Esses fatores contribuíram, e muito, para a segregação de alunos e para a sensação de fracasso
escolar tida como incapacidade de aprender, e que eram comumente chamados de burros. Assim,
quem não cumprisse os requisitos do aparato escolar, se via impelido a desistir dos estudos devido à
influência do meio social que os classificava constantemente como incapazes, restando-lhes
adentrar precocemente ao mercado de trabalho.

Como resultado, no campo educacional, tanto no Brasil, quanto em outros países, as


crianças começaram a ser separadas e classificadas por quem conseguia absorver, assimilar e aplicar
o conhecimento com mais facilidade. Os que o faziam eram tidos como superdotados, e os que não
conseguiam tantas proezas, ou nenhuma, eram tidos como alunos com déficit de aprendizagem.
Os superdotados eram vistos como os que iriam contribuir para os avanços tecnológicos, científicos
e mercadológicos, enquanto os estudantes com determinadas dificuldades eram vistos como futuros
trabalhadores industriais ou operários por serem considerados menos inteligentes. Todavia, tal
concepção era apenas a causa de um modelo capitalista de pensar a escolaridade. (Patto, 1999).

No Brasil, conforme trazido por Rocha (2019), Noemy Silveira e Isaías Alves examinavam
vários alunos com testes de inteligência com esse mesmo viés, notando que:
[...] O que estava em jogo era o modelo de expansão do sistema educacional brasileiro,
relacionado ao advento da República. É nesse contexto que se situa a convergência entre o
ideal de modernização nacional e a crença no papel da educação como elemento de
transformação do país. Assim, Alves e Silveira tinham ao seu lado o discurso que associava
ciência e modernidade, e que via nos conhecimentos psicológicos um dos caminhos de
entrada da ciência na escola. (Rocha, 2019, pág. 3)

Isaías Alves e Noemy Silveira nasceram em momentos e lugares distintos. Enquanto Isaías
Alves nasceu em 1888 em Santo Antônio de Jesus, Bahia, Noemy Silveira veio ao mundo em 1902
em Santa Rosa de Viterbo, São Paulo. Ambos cresceram em regiões rurais. Suas formações
acadêmicas também foram diferentes: Isaías Alves formou-se em ciências jurídicas na Bahia em
1910, enquanto Noemy Silveira diplomou-se como professora primária na Escola Normal do Brás,
em 1918. Ambos realizaram pesquisas na área de psicologia educacional e na aplicação de testes de
inteligência.

Uma das principais críticas aos testes de inteligência é que a medida de inteligência é
limitada, pois não leva em conta outros fatores que podem influenciar o desempenho acadêmico e
profissional, como a motivação, a personalidade e as habilidades socioemocionais. Além disso, o
uso de testes de inteligência pode levar a estereótipos e preconceitos, pois as medidas podem ser
influenciadas por fatores culturais e socioeconômicos, o que pode levar a interpretações
equivocadas e injustas. Isso é especialmente relevante no Brasil, que é um país multicultural e
diverso.
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"Os testes de inteligência são culturalmente específicos e dependem das circunstâncias


históricas e sociais em que foram criados e desenvolvidos. Como resultado, eles podem
levar a avaliações injustas e à perpetuação de preconceitos culturais e socioeconômicos"
(Fonseca, 2000, p. 318)

Outra crítica é que a ênfase na inteligência medida pelos testes pode levar a uma valorização
excessiva do conhecimento acadêmico e a uma exclusão de outras habilidades e talentos, como as
artísticas, as esportivas e as manuais. Isso pode levar a uma abordagem muito estreita da educação,
que não considera a diversidade de interesses e habilidades dos alunos. Portanto, apesar das
contribuições de Noemy Silveira e Isaías Alves para o estudo da psicologia educacional, é
importante reconhecer as limitações dos testes de inteligência e considerar outras abordagens para
avaliar a aprendizagem e o desenvolvimento humano.

3. Educação Positivista e Educação Humanista

Como vimos, o método positivista de educação não centraliza sua forma de ensino na
subjetividade e individualidade dos alunos, mas numa homogeneização das intelectualidades a
partir do método científico positivo de ensino, quase sempre não atribuindo nenhuma influência de
processos individuais de aprendizagem. Em contrapartida a este modelo, “a escola deve privilegiar
a busca do que é prático, útil, objetivo, direto e claro.” (Iskandar e Leal, 2022, pág. 3).

Com esse enfoque apenas na produtividade, dessensibilização e cientifização do ser


humano, a Psicologia do século XX viu a necessidade de refletir sobre os problemas que essa
metodologia educacional poderia vir a resultar. O pensamento positivista, mecanicista e cientificista
estava deixando de lado as relações humanas na construção do conhecimento, construindo pessoas
máquinas pensantes, porém, na maioria das vezes, insatisfeitas com suas questões pessoais e
excluídas por não suprirem expectativas educacionais. Gerando indivíduos necessitados de
autoestima, confiança e autorrealização.

A Psicologia Humanista surge em 1950 como uma terceira força da psicologia a partir de
um questionamento crítico acerca dos dois movimentos psicológicos existentes: o behaviorismo e a
psicanálise. O behaviorismo é uma abordagem teórica da psicologia que se concentra no estudo do
comportamento humano e animal. Segundo essa abordagem, o comportamento é moldado por meio
de reforços e punições, e pode ser previsto e controlado por meio de técnicas de condicionamento.

Por outro lado, a psicanálise é uma teoria psicológica e uma forma de terapia criada por
Sigmund Freud que se concentra na compreensão do inconsciente humano e na análise dos conflitos
internos e traumas emocionais que afetam o comportamento. A psicanálise enfatiza a importância
da infância e das experiências emocionais precoces na formação da personalidade e do
comportamento adulto. A psicologia humanista surge como uma crítica a essas duas abordagens,
que eram as abordagens dominantes na psicologia na época. Essa abordagem foi criada na década
de 1950 por psicólogos como Abraham Maslow e Carl Rogers, que acreditavam que a psicologia
deveria se concentrar na experiência subjetiva do indivíduo e na sua busca por significado e
propósito na vida. Essa abordagem psicológica enfatiza a capacidade do indivíduo de tomar
decisões e de buscar o seu próprio crescimento e desenvolvimento pessoal.

Carl Ransom Rogers (1902-1987) foi e é, até hoje, considerado o mais influente teórico do
movimento humanista, como também é o criador da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP).
Fonseca, (2010), conforme citado por Lima (2018)

[...] destaca os aspectos holísticos da psicoterapia humanizada e da abordagem centrada na


pessoa (ACP), que auxilia para outras áreas das Ciências Sociais, abrangendo os campos da
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educação, das relações interpessoais, das relações familiares, das relações conjugais, da
comunicação interpessoal, da gestão de recursos humanos, da gestão de empresas, da
resolução e mediação de conflitos, pessoais, interpessoais e sociais, nos universos políticos
e raciais e por fim no trabalho de grupos de encontro que foi o foco de Rogers a partir da
publicação da obra “Uma Maneira de Ser” publicada em 1980, faz referência a sua filosofia
de vida que implicou e ainda implica em todos os domínios do humano, se tornando eficaz
em vários aspectos das relações humanas. (Lima, 2018, pág. 163)

Na educação, a teoria humanista destaca a importância do ensino centrado no aluno, que


leva em conta as necessidades e interesses individuais do estudante, em vez de seguir um modelo de
ensino padronizado e imposto, essa abordagem pedagógica busca encorajar a participação ativa do
aluno no processo de aprendizagem, valorizando suas perspectivas e contribuições.

4. Uma pedagogia não-diretiva

A Psicologia Humanista considera que a educação deve ir além da mera transmissão de


conhecimento. Ela enfatiza a importância da individualidade e do livre-arbítrio do aluno,
reconhecendo que cada estudante tem necessidades e interesses únicos e que, portanto, deve haver
uma abordagem personalizada para atender a essas necessidades, é o que Rogers chama de
pedagogia não-diretiva (ROGERS, 1985). Essa abordagem pedagógica busca incentivar o
desenvolvimento pessoal do aluno, encorajando-o a buscar e explorar seus próprios interesses e
capacidades, a fim de construir uma compreensão significativa e profunda do mundo ao seu redor.
Acredita-se que a aprendizagem ocorre melhor quando o aluno é capaz de se envolver ativamente
no seu processo, sendo um participante ativo e crítico em sua própria educação (ROGERS, 1973, p.
34). Conforme Rudio (2003), com
[...] a orientação não-diretiva, acredita-se que existe em todo ser humano um processo
natural e permanente de desenvolvimento, onde o indivíduo está em busca de sua
autorrealização, autonomia e ajustamento. Considera-se que a base necessária para
mudanças desejáveis é a aceitação de si, aqui e agora: a partir do que o indivíduo realmente
é, os recursos atualmente existentes podem ser descobertos, reconhecidos e utilizados para
as mudanças necessárias numa direção mais construtiva (RUDIO, 2003, p. 17).

Na obra "Torna-se Pessoa", Carl Rogers enfatiza a relevância do conhecimento


autodescoberto para o processo de ensino e aprendizagem. Ele argumenta que, quando os alunos são
incentivados a buscar o conhecimento por si mesmos, eles o assimilam de forma mais significativa
e duradoura, e esse processo de aprendizagem é mais envolvente e prazeroso (ROGERS, 1987).
Segundo Rogers, o conhecimento autodescoberto ocorre por meio da experiência pessoal do aluno,
que deve estar aberto e receptivo às suas próprias vivências. O sujeito deve ser encorajado a se
envolver em atividades que o permitam experimentar o mundo e descobrir o conhecimento por
conta própria, em vez de simplesmente receber informações passivamente (ROGERS, 1987).
a Pedagogia não diretiva propõe uma educação centrada no aluno, visando formar sua
personalidade através da vivência de experiências significativas que lhe permitam
desenvolver características inerentes à sua natureza. Pressupostos de aprendizagem – a
motivação resulta do desejo de adequação pessoal na busca da autorrealização; é portanto
um ato interno. A motivação aumenta, quando o sujeito desenvolve o sentimento de que é
capaz de agir em termos de atingir suas metas pessoais, isto é, desenvolve a valorização do
“eu”. Aprender, portanto, é modificar suas próprias percepções (LUCKESI, 2011, p. 78-80).
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Na Pedagogia não-diretiva a aprendizagem é vista como um processo de modificação das


percepções do indivíduo, e a motivação é considerada um ato interno resultante do desejo de
adequação pessoal na busca da autorrealização.

Nessa abordagem a valorização do "eu" e o desenvolvimento da capacidade do aluno de agir


em termos de atingir suas metas pessoais, é algo central. Em suma, a pedagogia não-diretiva
enfatiza a importância de permitir ao aluno a liberdade de explorar e experimentar, de forma a
incentivar seu desenvolvimento pessoal e maximizar sua capacidade de aprender e se desenvolver.

5. Summerhill

Summerhill é uma escola localizada em Leiston, no condado de Suffolk, na Inglaterra. Foi


fundada em 1921 pelo educador Alexander Sutherland Neill (A. S. Neill), sendo uma das primeiras
chamadas "escolas democráticas". De acordo ao fundador,

[...] Summerhill governa-se pelo princípio de autonomia, democrático em sua forma. Tudo
quanto se relacione com a sociedade, o grupo, a vida, inclusive as punições pelas
transgressões sociais, é resolvido por votação nas Assembléias Gerais da Escola, nas noites
de sábado. (NEILL, 1970, p. 41).

Sendo uma escola privada, Summerhill é destinada para pessoas de classe média e,
infelizmente, não está acessível aos menos abastados, pelo menos na época em que foi fundada.
Muitos iniciam o processo escolar aos cinco anos, enquanto outros aos quinze. Todavia, as crianças,
comumente tendem a permanecer na escola até completarem dezesseis anos (NEILL, 1970, p. 3).
Em Summerhill, as crianças não são obrigadas a estudar, e podem escolher matérias e afazeres com
os quais mais se identificam. Tais métodos se ancoram no fato de que
[...] Obviamente, uma escola que faz com que alunos ativos fiquem sentados nas carteiras,
estudando assuntos em sua maior parte inúteis, é uma escola má. Será boa apenas para os
que acreditam em escolas desse tipo, para os cidadãos não-criadores que desejam crianças
dóceis, não criadoras, prontas a se adaptarem a uma civilização cujo marco de sucesso é o
dinheiro. (Neill, 1970, p. 4).

A.S. Neill enfatiza a importância de uma escola que valorize a criatividade e a liberdade do
aluno, permitindo que ele desenvolva suas habilidades e talentos naturais. Ele acredita que a escola
deve ser um espaço onde o aluno possa explorar e experimentar, e que a aprendizagem deve estar
conectada com a vida real e ter um propósito significativo.

5.1 A Educação de Summerhill versus Educação Padronizada

Em Summerhill não existe um currículo obrigatório e predeterminado. Diferentemente, as


crianças vivem em liberdade quase total: “Não sofrem inspeção dos quartos e ninguém vai apanhar
o que eles deixarem fora do lugar. Ficam em liberdade. Ninguém lhes diz o que devem vestir. Usam
a roupa que querem, a qualquer momento” (NEILL, 1970, p. 3). Mesmo em 1921, quase 30 anos
antes das famosas teorias de Carl Rogers, A. S. Neill já era o que podemos chamar de defensor da
pedagogia humanista não-diretiva:
[...] Meu ponto de vista é que a criança, de maneira inata, é sensata e realista. Se for
entregue a si própria, sem sugestão adulta alguma, ela se desenvolverá tanto quanto for
capaz de se desenvolver. Logicamente, Summerhill é um lugar onde as pessoas que têm
habilidade inata e desejo de se fazerem eruditas, serão eruditas, enquanto as que apenas,
sejam capazes de varrer ruas, varrerão ruas. Mas, até agora, não produzimos nenhum
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varredor de ruas. Não escrevo isso para me dar ares, pois preferia antes ver a escola
produzir um varredor de ruas feliz do que um erudito neurótico (Neill, 1970, p. 4).

Neill reforça que os alunos não são obrigados a realizar nenhuma atividade, inclusive estudar coisas
que não se sentem confortáveis:
[...] Nenhum aluno é forçado a frequentar as aulas. Mas, se Jimmy vem para o Inglês na
segunda-feira e não mais aparece até a sexta-feira da semana seguinte, os outros reclamam,
com toda a razão, dizendo que ele está atrasando o trabalho. E podem expulsá-lo, por
impedir o progresso (Neill, 1970, p. 4).

As únicas atividades ditas obrigatórias são as de limpeza e convívio com os outros alunos.
Todas as regras de divisão de tarefas, resoluções para quem vier a afetar negativamente os demais,
será levada à uma assembleia e a resolução será votada por todos. Além disso, todos os votos em
Summerhill têm o mesmo valor, tanto para adultos quanto para crianças, sendo que alunos e
professores não são vistos como diferentes. Inclusive, os alunos podem aceitar ou não a presença do
professor na escola através do sistema de votação. Assim, Neill afirma que “não há perigo em armar
barulho com uma criança, quando o fazemos em termos de igualdade” (NEILL, 1970, p. 8).

Do período da manhã até às 13h00 são ministradas aulas, sendo da escolha do aluno
frequentá-las ou não, sem nenhuma punição pela sua escolha. As tardes são livres, e todos, inclusive
adultos, podem realizar a atividade que se sentirem confortáveis, desde jardinagem até oficina
mecânica. Summerhill defende que a criança é suficientemente capaz de escolher e se desenvolver
plenamente sozinha, com os professores apenas observando, cuidando e gerindo coisas das quais as
crianças ainda não estão aptas a manusear. Neill ainda afirma que tanto
[...] crianças, como adultos, aprendem o que desejam aprender. Toda outorga de prêmios,
notas e exames, desvia o desenvolvimento adequado da personalidade. Só os pedantes
declaram que o aprendizado livre é educação (NEILL, 1970, p. 23).

A escola defende a formação de indivíduos sem punição e coerção, preza por formar
humanos, dos mais diversos tipos, capazes de pensar por si mesmos e de ajudarem a sociedade com
o que são bons em fazer e que escolheram para si, assim, tendem a ser mais verdadeiros e satisfeitos
com suas próprias vidas:
[...] Educação de alto nível e diplomas universitários não fazem a mínima diferença na
confrontação dos males da sociedade. Um neurótico letrado não faz diferença alguma de
um neurótico iletrado. Em todos os países, sejam eles capitalistas, socialistas, ou
comunistas, primorosos prédios escolares são construídos para a educação dos jovens. Mas
todos os laboratórios e oficinas maravilhosos nada fazem para ajudar John, Peter ou Ivan a
vencer os prejuízos emocionais e os males sociais nascidos da pressão sobre eles exercida
pelos pais, pelos professores e pela qualidade coercitiva da nossa civilização. (Neill. 1970,
p. 26)

O critério de sucesso do sistema educacional de Summerhill para A. S. Neill é capaz de


trabalhar alegremente e de viver positivamente (NEILL, 1970, p. 27). No livro citado, Neill traz
relatos do que acontece aos alunos que se formam em Summerhill quando se tornam adultos. Nele o
autor relata que os antigos estudantes de Summerhill geralmente são adultos muito satisfeitos e
felizes com suas próprias vidas, alguns mal sabem ler, mas são ótimos ferramenteiros e gostam do
que fazem. Ele relata o caso de Jack, um rapaz que não conseguia aprender a ler:
Ninguém pôde ensinar Jack, pois mesmo quando pedia que lhe dessem lições de leitura,
havia alguma dificuldade oculta que não lhe permitia distinguir entre b e p, l e k, deixando
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posteriormente a escola com dezessete anos, sem possibilidade de ler. Hoje, Jack é
ferramenteiro. Gosta de conversar sobre trabalhos de metalurgia. Agora sabe ler, mas, tanto
quanto me consta, lê principalmente artigos sobre assuntos de mecânica, e, às vezes,
trabalhos que tratam de psicologia. Penso que jamais leu um romance, contudo fala um
inglês perfeitamente gramatical, e seus conhecimentos gerais são notáveis. Um visitante
norte-americano, nada sabendo da história dele, disse-me: — Que garoto inteligente é o
Jack! (Neill. 1970, p. 28)

A história de Jack sugere que uma educação padrão nem sempre é suficiente para formar um
indivíduo bom e bem-sucedido. Jack não se encaixava no sistema escolar tradicional, mas
encontrou sua paixão e habilidade em trabalhos manuais e mecânicos. Apesar de não ter aprendido
a ler na escola, ele encontrou outros meios de adquirir conhecimento e desenvolver suas
habilidades.

Em suma, com esse relato Neill destaca a importância de uma educação personalizada que
leve em consideração as habilidades, interesses e necessidades individuais de cada aluno. Nem
todos os alunos se encaixam no modelo padrão de educação, e é importante reconhecer que existem
muitas maneiras diferentes de aprender e de se desenvolver como pessoa.

6. Conclusões

Trazendo Summerhill como uma referência real da pedagogia não-diretiva de Rogers,


podemos inferir que a educação curricular, com coerção e punição, não é garantia de formação de
indivíduos autônomos, satisfeitos e realizado, mas, mais uma forma de assegurar e manter o sistema
de meritocracias. Quem sabe, com uma adaptação desse sistema atual para um sistema mais aberto,
menos rigoroso, metódico e meritocrático, com uma parte do currículo sendo recomendada e outra
parte optativa, poderíamos auxiliar na construção de indivíduos mais satisfeitos, autônomos,
realizados, e dispostos a usar suas habilidades para o bem coletivo.

A pedagogia tradicional supõe que as crianças possuem uma tendência natural ao egoísmo,
sendo necessário uma interferência autoritária por parte da família e da escola, para desenvolver o
altruísmo. Summerhill parte do princípio de que as crianças realmente são egoístas, mas que,
crescendo sem medos, desenvolvem o altruísmo naturalmente. Ao tentar impor a elas um
comportamento altruísta para fugir do pretenso egoísmo natural, é que se cristaliza esse
comportamento. Ou seja, a educação tradicional erra por acreditar que é necessária uma
interferência autoritária, sem perceber que é justamente esse tipo de interferência que alimenta
aquilo que identifica como problema. Segundo Neill, é somente através do medo que se pode tentar
forçar o interesse de alguém.

Porém, Summerhill continua sendo uma escola privada em um país desenvolvido. Seria
utópico esperar que todas as escolas, ou pelo menos a maioria delas, seguissem sua metodologia.
Muitas problemáticas poderiam barrar a implementação de um sistema semelhante, como a
ideologia capitalista para formar trabalhadores que apenas saibam ler, escrever e resolver problemas
lógicos e tecnológicos, ou que exerçam suas funções de forma correta sem reclamar; a reformulação
da grade curricular de todas as etapas do ensino e a desdogmatização de que a educação fechada
como conhecemos é a única que consegue formar cidadãos aptos para viver em sociedade.

Por fim, a abordagem não-diretiva de Rogers é um método que permite ao indivíduo


explorar lugares desconhecidos em sua jornada de autoconhecimento, o que o leva a uma nova
visão sobre o processo de aprendizagem do aluno. É importante notar que a falta de direcionamento
não significa falta de direção; é, antes, uma abordagem que permite ao indivíduo seguir seu próprio
caminho sem interferência externa. Como Klockner (2010, p. 41) observou, não dirigir não é o
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mesmo que não se importar; é, em vez disso, não impor uma direção. Isso requer um cuidado
apreciativo, uma atenção cuidadosa e uma observação atenta dos fenômenos que ocorrem, o que
permite que a essência da pessoa seja revelada e investigada. Em outras palavras, a abordagem
não-diretiva de Rogers é um meio de ajudar os alunos a descobrir seu potencial inato, sem impor
limites ou direcionamentos à sua jornada.

Referências

VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos


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