GODOI, C. K.; BANDEIRA-DE-MELLO, R. & SILVA, A. B.
Pesquisa Qualitativa em Estudos Organizacionais: Paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, p. 17-51, 2006. (Capítulos 1 e 2).
O primeiro capítulo aborda os dilemas paradigmáticos e a abertura interdisciplinar dos
estudos organizacionais. A obra aponta a trajetória evolutiva da concepção dominante de ciência na modernidade, destacando não só seus aspectos ambíguos, mas também a convergência de paradigmas ocorrida em meados do século XVI que repercutem até hoje. Para os autores, o pensamento moderno se firmou ao longo do tempo sob uma perspectiva antropocentrista, onde a ciência foi se tornando mais complexa e começou a se emancipar da filosofia, adquirindo um viés mecanicista e matematizado da natureza, legitimando a dualidade entre o mundo natural-objetivo e o mundo humano-subjetivo. Nesse contexto, a obra destaca que matemáticos como Galileu Galilei e René Descartes apontavam a natureza como passível de objetivação, descrição e elaboração matemática, acarretando em uma transição de uma percepção qualitativa para uma percepção quantitativa da realidade. Nesse período têm-se inovações como o relógio mecânico, auxiliando a quantificação do tempo, e um novo modelo de carta marítima, auxiliando a quantificação do espaço, fatos já abordados nas aulas de epistemologia ao tratar da transição entre a era pré-industrial e a era industrial. Os autores acrescentam que, em meados do século XVII, cientistas do mundo inteiro passaram a considerar a linguagem lógica, com base em contribuições de Descartes e Gassendi, objetivando a identificação da essência duradoura do mundo. Para Platão, se o homem permanecesse dominado pelos sentidos, ele seria sempre restrito ao mundo das aparências, não possuindo um conhecimento amplo do mundo real, o que foi denominado como doxa (opinião). Segundo Aranha e Martins (1993) o conhecimento verdadeiro do mundo real, denominado episteme (ciência), contempla o alcance do mundo das ideias, por meio da razão. Assim, o conhecimento sensível deveria fundamentar-se no conhecimento matemático e, em um viés platonístico, promover a interligação deste com as emoções e a razão, fazendo com que a episteme fosse composta pela combinação entre inteligência e amor. Ademais, embora diversas convergências tenham contribuído para o desenvolvimento da ciência moderna, uma série de divergências são consideradas no resgate de sua gênese, como os pensamentos de Galileu Galilei, Isaac Newton, René Descartes e Francis Bacon. Soares (2001) destaca que, no século XVIII, cartesianos procuram incorporar em seu processo de construção de conhecimento as perspectivas newtonianas, embora possuam uma visão dedutivista, enquanto Newton, Galileu e Bacon eram caracterizados como indutivistas. Cabe salientar que Bacon apresentava-se em um viés muito mais qualitativo do que quantitativo em suas experiências, sendo considerado por Soares (2001) o último grande nome do racionalismo-experiencial, pois considerava que a própria mente seria guiada em um experimento se os métodos adequados estivessem sendo utilizados. A obra pontua a participação do historiador holandês Reyer Hooykaas (1986) ao apontar três características gerais da ciência moderna: Ela reconhece apenas a autoridade da própria natureza, ou seja, o empirismo racional e crítico predomina sobre o racionalismo; Ela não se baseia apenas na observação da natureza, tendo experiências controladas como aspectos essenciais na pesquisa; Ela está associada a formação de uma imagem mecanicista de mundo. Diante disso, a concepção organicista de natureza, onde o todo possuía valor superior as partes que o compõem, cede espaço a concepção mecanicista, onde as partes atomizadas da natureza podem ser controladas objetivamente. De fato, a revolução científica viabilizou o nascimento de ciências particulares, especializadas, onde os fatos analisados são objetos das ciências naturais quando envolvem a estrutura e dinâmica do mundo natural, como a física, a química e a biologia, enquanto fatos ligados aos seres humanos e a sociedade são objetos das ciências humanas ou sociais, como a história e a sociologia. Áreas como a psicologia e a administração são consideradas controvérsias pelo autor, pois a psicologia associa as abordagens natural e fenomenológica, enquanto que a administração é reconhecida como uma ciência factual, derivada das ciências humanas e sociais, mas incorpora também métodos das ciências físicas. Tal contextualização da revolução científica, por meio de um resgate de sua gênese e de suas dualidades, também trouxe à tona algumas conexões com a instauração do positivismo, pois, a partir de novas descobertas oriundas do período renascentista, a modernidade passou a aspirar um mundo mais previsível e controlável, buscando referências na filosofia de Descartes e no positivismo de Comte, onde este pressupõe uma evolução linear do conhecimento do mundo. Conforme destaca Vergara e Peci (2003), embora tais pressupostos tenham sido questionados diversas vezes, eles fundamentam os desdobramentos das teorias das organizações e compõem as raízes dos pensamentos predominantes mundialmente em instituições de ensino e pesquisa. Assim, a obra destaca traços histórico-filosóficos da concepção dominante da ciência na modernidade que refletem em duas grandes correntes das ciências das organizações, que são a escola clássica e a escola das relações humanas. Os fundadores da escola clássica da administração tiveram suas ideias compartilhadas em meados do século XX, com destaque para o norte-americano Taylor e para o francês Fayol. Taylor possuía um pensamento indutivista e mecanicista, baseando-se em rigorosos controles das linhas de produção, com estudos de tempos e movimentos que reduziam o trabalhador à condição de uma simples peça de uma engrenagem. Para Gabor (2001) o taylorismo não conhece fronteira geográfica nem ideológica. Fayol possuía um pensamento lógico-dedutivo, racionalizando a estrutura administrativa e identificando as cinco funções básicas dos administradores: planejar o futuro, organizar os recursos, coordenar as atividades, comandar e controlar a execução dos planejamentos. Tais funções compõem a base dos princípios da administração e, com isso, observa-se que a ênfase da teoria clássica está na estrutura da empresa. Um fato interessante tratado é a existência da ciência da gestão, a qual é definida na obra em questão como a aplicação do método científico e do raciocínio analítico ao processo de tomada de decisões dos executivos. Tal ciência se fortaleceu com o surgimento da pesquisa operacional e era aplicada ao controle da produção e aos inventários industriais, disseminando-se para outras áreas de alocação escassa de recursos, como marketing, finanças e recursos humanos. Já a escola das relações humanas é representada principalmente por Elton Mayo, tendo o homem como o produtor de ideias e de cultura, valorizando o homo socialis, pois é quem executa os objetivos traçados para a organização. Em contraponto a escola clássica, a abordagem das relações humanas aponta que os sujeitos não podem ser obrigados a realizar tarefas sem saber a finalidade das mesmas, além de, restritamente, participar de forma mais ativa das decisões. Com isso, a escola analisa a relação entre moral e produtividade para que haja a motivação dos trabalhadores com a organização, ponderando a predominância entre as habilidades gerenciais e habilidades técnicas dos sujeitos, fazendo com que o trabalho se adapte ao trabalhador, e não o contrário. Nesse contexto, as críticas da escola de relações humanas à escola clássica foram aprofundadas pelos behavioristas, por meio de estudos do comportamento humano, enquanto os estruturalistas defendiam a integração de aspectos weberianos e marxistas ao modelo. Destaca-se a crítica da sociologia a escola em questão, ao apontar que sua abordagem é responsável pelas configurações atuais entre a personalidade ajustável dos sujeitos em relação à cultura das diferentes organizações. Assim, ao analisar as características de ambas as escolas, nota-se como a revolução científica perpassa por dualidades nas teorias organizacionais, principalmente quando analisadas sob à luz do Grande Paradigma do Ocidente (GPO). A obra propõe um resgate ao cartesianismo para melhor compreensão desse ponto, mais especificamente ao momento em que Descartes indica que as regras ligadas à produção de conhecimentos confiáveis funcionam apenas para estimular uma receptividade mental ao novo, pois a cultura humana necessita das “ideias-mestras” . Essa concepção positivista de separação da ciência em saberes particulares é criticada por Edgar Morin como uma visão disjuntiva-redutora, denominado o Grande Paradigma do Ocidente, separando o sujeito do objeto investigado, bem como a ciência da filosofia, criando duas polaridades: a objetividade, com os objetos passíveis de observação e experimentação, e a subjetividade, com objetos ligados a problemas existenciais, comunicação e consciência. Tal fato faz com que essa dupla natureza seja “dependente de um mesmo paradigma”. O segundo tópico do capítulo aborda diferentes conceitos de paradigma e o surgimento do conceito de matriz disciplinar. Para Thomas Kuhn, aparentemente há uma evolução gradual do conhecimento científico, mas, ao analisar a história e a filosofia da ciência, é possível observar que a especialização das ciências não geram conhecimentos que, necessariamente, nos aproximam da realidade. Kuhn (1989) define paradigma como realizações científicas que são reconhecidas globalmente e, temporariamente, identificam problemas e proporcionam soluções a determinada comunidade científica. Logo, Kuhn aponta que o termo paradigma pode ser explicitado de forma global, adequado a esforços compartilhados por uma comunidade científica, ou a esforços específicos dentro da mesma, ocorrendo então a existência de grandes e pequenos paradigmas. A obra aponta que, inspirado nesse contexto, existe também o pensamento de Grof (1987) que define paradigma como uma série de crenças, valores e técnicas compartilhadas por integrantes de uma comunidade científica, tanto com viés filosófico como com viés restrito, sendo este último dependente do primeiro. Cabe salientar que Kuhn caracteriza as ciências sociais como imaturas e “pré- paradigmáticas” por não terem um consenso, mas sua própria pesquisa possui uma interdisciplinaridade, reconhecendo que a investigação sociológica possui relevância sobre a dinâmica científica. Nesse contexto, o filósofo reconhece a complexidade que atribuiu ao conceito de paradigma, apresentando várias versões para o conceito, inclusive contraditórias. Tal fato faz com que Godoi, Bandeira-de-Melo e Silva, autores da obra em questão, desaconselhem a utilização dos conceitos paradigmáticos de Kuhn no campo dos estudos organizacionais. Posto isso, com base nos estudos de Kuhn sobre paradigmas, Margareth Masterman identificou 21 possíveis interpretações distintas sobre paradigmas na obra do autor, fato que fez com que ele reconhecesse a ambiguidade do conceito apresentado e propôs uma renomeação do mesmo, surgindo assim a noção de matriz disciplinar. No tocante a matriz disciplinar, a obra destaca as observações do físico Gerard Fourez (1995) que, em meados do século XIX, identificou que os estudos ligados à física apresentavam bastante sintonia com o paradigma Newtoniano, porém, o surgimento de questionamentos a este paradigma fez com que fosse instaurada uma fase de revolução paradigmática na área. Assim, para Fourez, uma revolução paradigmática redefine o objeto e as práticas de uma disciplina científica, em um processo composto por três fases: pré- paradigmática, paradigmática e pós-paradigmática. A fase pré-paradigmática ocorre quando existe uma flexibilidade das regras que norteiam as práticas da pesquisa e as demandas sociais possuem uma importância relevante junto ao fator existencial. Na fase paradigmática o objeto é construído de forma mais estável, com técnicas mais rigorosas e as demandas sociais deixam de ser condicionantes no processo, atribuindo uma identidade ao corpo científico. Já a fase pós-paradigmática ocorre no rompimento da disciplina com as demandas sociais, fazendo com que o paradigma seja oficialmente inadequado ou consiga responder aos questionamentos que venham a surgir, sendo este último o cenário onde a disciplina se torna acabada, passível apenas de reprodução. Fourez também analisa a definição paradigmática de Kuhn e identifica que existe uma dualidade: forças e debilidades. Para o físico, os paradigmas descritos por Kuhn são fortes por viabilizar o embasamento de muitas questões vivenciadas na modernidade, porem são débeis porque separam a ciência das vivências cotidianas, enquanto que a força da ciência provém exatamente da sua aplicação no mundo real, de modo a simplificá-lo. Assim, o conceito estabelecido por Kuhn torna-se cada vez menos atrativo para as ciências sociais. O terceiro tópico da obra aborda a fenomenologia e suas dualidades, o paradigma disjuntor-redutor e o da complexidade. Santos (2000) aponta que as ciências sociais possuem duas vertentes ligadas ao paradigma disjuntor-redutor: a positivista e a fenomenológica, onde a primeira pressupõe uma unidade metodológica da ciência, enquanto a segunda busca um estatuto metodológico próprio para as ciências sociais. Para os autores, a fenomenologia busca incorporar o interior dos indivíduos em suas pesquisas e análises, bem como os sentidos conferidos as suas ações, tornando os métodos qualitativos e interpretativos mais adequados à obtenção dos conhecimentos intersubjetivos e compreensíveis. A fenomenologia possui um caráter pré-paradigmático para Santos (2000), pela contradição entre a rejeição de hipóteses sobre condicionantes biológicos do comportamento humano e a utilização de argumentos biológicos para descrever determinadas especificidades do homem. Porém, tal vertente possui uma valiosa contribuição no tocante a interdisciplinaridade, ainda que limitada as ciências sociais e à filosofia, proporcionando diálogos importantes ao desenvolvimento de áreas como a psicologia e a antropologia, além de ser considerada uma vertente complexa. No tocante ao paradigma disjuntor-redutor, destacou-se também a contribuição de Morin, que desenvolveu uma hipótese para a construção de uma alternativa a esse paradigma (disjuntor-redutor), partindo da compreensão de que os sujeitos condicionam seus pensamentos e ações aos paradigmas que suas culturas internalizam. Assim, é possível identificar a visão de Morin e a visão da ciência moderna sobre o paradigma em questão. Para Morin, os paradigmas (todo e qualquer) podem ser caracterizados como: não passíveis de falsificação; dispõem do princípio de autoridade axiomática e de exclusão de ideias que não reconhece; tornam suas exclusões pontos cegos; são invisíveis e vulneráveis, portando não podem ser atacados e vencidos diretamente; criam evidências ao se ocultarem; são co-geradores do sentimento de realidade; são ligados repetidamente aos discursos que o geram; determinam visões de mundo. Já a ciência moderna aponta como princípios do paradigma disjuntor redutor: o princípio de universalidade, de que só há ciência do geral; eliminação da irreversibilidade temporal; princípio que reduz o conhecimento do todo ao conhecimento das partes; princípio que reduz o conhecimento organizacional às ordens que a compõem; princípio de causalidade linear; princípio de separação entre o objeto e seu ambiente; princípio de separação entre o objeto e quem o concebe; eliminação da problemática do sujeito na ciência e da existência quantificada; não concepção de autonomia; princípio de confiabilidade absoluta da lógica na busca pela verdade; pensamento com ideias claras e distintas. Apresenta-se também o paradigma da complexidade. Morin se beneficiou do pensamento dos autores anteriores, porque percebeu que ainda eram visões “simplificadoras”. Ele acredita que vários paradigmas podem coexistir, englobando a noção de Kuhn, mas considerando-a limitada, defendendo a necessidade de um pensamento complexo. Assim, ele pressupõe uma visão holística do saber, o qual deve ser analisado como um todo, em uma complexidade que abrange tanto o que parece simples, como suas limitações, pois a segmentação do saber reduz a incidência de conhecimentos em comum entre as áreas, construindo conhecimentos limitados. Para Morin, não se consegue identificar verdades bem construídas na ciência fragmentada, caracterizando como uma fase de crise do conhecimento, com teorias objetivas-subjetivas, ou seja, os dados objetivos são construídos com base na subjetividade dos cientistas de cada área. O autor defende a necessidade de compreensão de posições antagônicas entre paradigmas, com enfoque não só na informação, mas na estrutura da construção do conhecimento, o qual tem o seu sentido explicitado pela filosofia que acompanha a ciência em um contexto totalizante e complexo. Outro ponto relevante na obra refere-se aos princípios do paradigma da complexidade a partir da concepção de Morin (2000), sendo eles: princípio sistêmico, ligando o conhecimento das partes ao conhecimento do todo; princípio hologramático, de que não só a parte está no todo, mas o todo está nas partes; princípio do anel retroativo, onde a causa age sobre o efeito e o efeito sobre a causa; princípio do anel recursivo, onde os produtos e os efeitos produzem e causam o que os produz; princípio de auto-eco-organização, onde a autonomia do indivíduo é dependente do meio ambiente; princípio dialógico, unindo princípios excludentes; e princípio da reintrodução do sujeito à construção do conhecimento. Por fim, o quarto tópico do primeiro capítulo aborda a relação entre as teorias organizacionais e o paradigma da complexidade, comparando as ideias de Guerreiro Ramos, Edgar Morin e Gareth Morgan. Para Guerreiro Ramos (1981), as organizações são, simultaneamente, sistemas cognitivos, epistemológicos e cenários sociais. Ele desenvolveu uma abordagem sistemática da teoria organizacional, com duas missões ligadas a racionalidade substantiva, por meio da qual a realidade apreendida pelos sujeitos não é deformada: análises que detectem os fundamentos epistemológicos dos cenários organizacionais e análises organizacionais sem distorções de linguagem e conceptualização. Dentre as principais críticas de Ramos a teoria das organizações estão: a presença de um viés ideológico e econômico no conceito de racionalidade; não distinção entre o significado substantivo das organizações e o significado formal; ausência de compreensão do papel dos relacionamentos interpessoais; visão mecanomórfica das atividades produtivas. Assim, ele assume uma incapacidade da teoria das organizações ser analisada frente aos sistemas sociais e propõe um novo paradigma, o paraeconômico. Segundo Ramos, com tal paradigma é possível ocorrer uma delimitação organizacional, distinguindo a economia da interação simbólica e destacando a diversidade existente na unidade das formas organizacionais, fato que viabiliza a auto-realização do sujeito em meio ao contexto multicêntrico da sociedade. Já Morin evidencia a unidade entre as diferentes formas de se pensar as organizações, também viabilizando a auto-realização do sujeito em meio ao contexto multicêntrico da sociedade. Ou seja, Ramos e Morin buscam a compreensão da unidade na diversidade, bem como da diversidade na unidade. De modo a complementar as abordagem supramencionadas, o capítulo aborda o estudo de Morgan (1986; 1996). Para ele, as organizações não são apenas máquinas ou organismos vivos, mas também envolve aspectos como culturas, prisões psíquicas, sistemas políticos e dominação, pois a prática está ligada a teoria, em uma realidade objetiva-subjetiva. Morgan destaca que as divisões organizacionais apresentadas em aspectos humanos, políticos e culturais, ocorrem muito mais na mente dos sujeitos do que na realidade. Comparando ao pensamento de Morin, Morgan busca compreender a complexidade organizacional como unidades sociais nucleares, enquanto Morin busca compreender as formas organizacionais em seu contexto social. Em paralelo, Guerreiro Ramos ocupa-se tanto com as organizações econômicas, fenonômicas e isonômicas, como com as formas organizacionais sociais.
O segundo capítulo do livro, intitulado “Perspectiva multiparadigmática nos estudos
organizacionais” aborda como os paradigmas foram difundidos no campo das organizações, partindo da compreensão de que paradigmas são teorias ampliadas que, conforme Guba e Lincoln (1994), orientam pesquisas em seu caminho que perpassa pela ontologia, metodologia e epistemologia. Além disso, os autores apontam que paradigmas filosóficos exercem influência sobre visões de mundo existentes, como os funcionalistas que pressupõem uma realidade concreta e objetiva, os interpretativistas que focam na subjetividade e os marxistas que inspiram-se em construções sociais históricas. Assim, os debates passaram a sair de um comportamento particular voltado a cada paradigma e passou a contemplar possibilidades de conversação entre os mesmos, viabilizando uma ciência multiparadigmática aplicável ao campo organizacional. O capítulo inicia abordando a perspectiva paradigmática proposta por Burrel e Morgan (1980) para os estudos organizacionais, a qual contempla quatro visões de mundo e seus respectivos pressupostos teóricos que auxiliam na concepção do conhecimento objetivo e subjetivo: paradigma funcionalista, paradigma interpretativo, paradigma humanista radical e paradigma estruturalista radical. Os autores acreditavam que tais paradigmas viabilizariam a compreensão de fenômenos organizacionais, principalmente ao serem combinados em uma matriz 2x2 e considerados mutuamente excludentes, abordagem bastante criticada por apresentar uma natureza estática de enquadramento da teoria social e organizacional. De fato, os paradigmas mencionados são apresentados no capítulo com suas principais características importantes para o desenvolvimento da teoria organizacional, se valendo também de uma análise crítica de suas contribuições para tal. Um dos importantes auxílios dos paradigmas metateóricos de Burrel e Morgan (1980) para a teoria organizacional refere-se a delimitação de pressupostos ontológicos, metodológicos e epistemológicos, fatores que necessitam ser essencialmente claros aos pesquisadores em seus estudos. Os autores apresentam cada enfoque epistemológico da seguinte forma: o paradigma funcionalista como uma epistemologia predominante nos estudos organizacionais, objetivando a explicação do contexto social a partir de seus elementos e das relações causais que os constituem, viabilizando também a compreensão do papel do homem na sociedade, além de considerar que o comportamento do homem é moldado pelas relações sociais que o permeiam; o paradigma interpretativista, que tem a realidade social como resultado das vivências subjetivas e intersubjetivas dos sujeitos, bem como as realidades organizacionais; o paradigma humanista radical, que objetiva analisar a união entre ação e pensamento como uma forma de superação da alienação, dominação e repressão oriundas do contexto organizacional; e o paradigma estruturalista radical que, baseado no marxismo, busca compreender as tensões sociais e os modelos de dominação que partem da concepção materialista da realidade. Com isso, nota-se que existem divergências filosóficas e científicas entre os paradigmas, principalmente entre visões objetivas e subjetivas de mundo. A obra aborda a visão objetivista como uma perspectiva concreta, que impulsiona uma epistemologia a analisar as relações que viabilizam a concepção de uma estrutura, e a visão subjetivista que analisa a realidade sob a perspectiva da imaginação, focando em compreender a relação e os significados da relação entre o homem e seu mundo particular. O autor aponta que, ao longo do tempo, os estudos organizacionais foram se desenvolvendo em contextos revolucionários, inaugurando perspectivas de distinções e de interseções que contribuem para muitos diálogos, principalmente distinções. Assim, os paradigmas são inseridos em uma disputa que conduz à fragmentação, o que promoveu a existência de novas alternativas, reduzindo o foco funcionalista existente e fazendo com que a ciência da organização dê espaço para os estudos organizacionais. A partir disso, o capítulo nos conduz à um cenário de ascensão da perspectiva multiparadigmática, a qual foi vista como solução para amenizar os conflitos oriundos da categorização de Burrel e Morgan (1979). Tal perspectiva introduz algumas posições metateóricas que, segundo Schultz e Hatch (1996), estão vinculadas a teoria organizacional: o paradigma da incomensurabilidade, que pressupõe diferentes posicionamentos ontológicos, metodológicos e epistemológicos, criando diferentes formas de integração e intensificando a ausência de comunicação entre si; a integração dos paradigmas, que objetiva um modelo geral multiparadigmático a partir das contribuições de cada paradigma; e o cruzamento dos paradigmas, que viabiliza o confronto de diferentes paradigmas de modo a enaltecer não apenas suas concordâncias, mas, principalmente, seus contrastes. Outro aspecto interessante destacado pelo autor é que existem estratégias específicas para que tal cruzamento paradigmático ocorra, sendo elas: sequencial, considerando que, apesar da exclusividade de cada paradigma, os resultados gerados a partir de sua utilização revelam complementariedades entre os mesmos; paralela, onde vários paradigmas são aplicados simultaneamente em uma mesma questão de pesquisa, permitindo comparações; de ligação, pressupondo a existência de intercessões entre os paradigmas, identificadas em zonas que enfatizam suas semelhanças; e de interação, viabilizando a análise de fenômenos organizacionais a partir das semelhanças e contrastes paradigmáticos. É possível notar que os estudos organizacionais vão avançando, a partir de Burrel e Morgan (1979) sem o objetivo específico de contrapor tal referência, mas sim de enaltecer a existência de alternativas para a utilização dos paradigmas no campo das organizações. O autor ressalta a proposta de Lewis e Grimes (1999) voltada a construção de teorias a partir da perspectiva multiparadigmática, denominada metatriangulação, almejando uma maior exploração das inter-relações paradigmáticas nos fenômenos estudados. Nesse contexto o capítulo nos revela algumas implicações da perspectiva multiparadigmática na pesquisa qualitativa, principalmente o fato de que o pesquisador não deve ser limitar previamente entre objetividade e subjetividade, ou ignorar a utilização de outros paradigmas em estudos anteriores aos seus, sobre o mesmo fenômeno. Sabe-se que a perspectiva entre objetividade e subjetividade é diretamente ligada à visões quantitativas e qualitativas, onde, segundo Minayo (1995), a pesquisa qualitativa objetiva adentrar no mundo dos significados, enquanto a quantitativa analisa fenômenos concretos e observáveis, mas ambas analisam o real, complementando-se. Cabe considerar a importância de, ao invés de se restringir a uma dicotomia entre tais naturezas, o pesquisador toma-las como complementares, respeitando cada questão de pesquisa a ser respondida. Posto isso, o capítulo permite a compreensão de que, desde as primeiras tentativas de definições paradigmáticas, com Kuhn (1978), diversos debates contribuíram para o desenvolvimento das ciências sociais, saindo de uma perspectiva de restrição aos paradigmas dominantes e permitindo uma análise de suas relações entre si, o que contribui para a menor restrição também em relação à dicotomia entre métodos qualitativos e quantitativos. A visão de que existem diferentes formas de pensar a estudar um mesmo fenômeno é essencial para o desenvolvimento do âmbito científico, superando lacunas entre o prático e o filosófico, além de substituir ou complementar paradigmas antigos. Desse modo, o autor reforça que a perspectiva multiparadigmática contribui para uma ciência social mais ética e consciente, além de um processo cíclico de construção de novos saberes, integrando pesquisas de diferentes unidades. Para tal, faz-se necessário o estímulo a debates no interior das universidades e centros de pesquisa, superando fronteiras e conflitos, de modo a focar no desenvolvimento de novas teorias e na melhoria da qualidade das produções científicas dos estudos organizacionais.
A Administração Enquanto Ciência Social: Limites e Possibilidades de Superação Da Dicotomia Empirismo Versus Racionalismo Por Meio Do Materialismo Dialético - Sidnei Silva Suerdieck
LENOIR, RÄmi (1996), "Objeto Sociológico e Problema Social", in Patrick Champagne Et Al., Iniciação A Prática Sociológica, PetrÇpolis, Vozes, Pp. 59-106. II