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GODOI, C. K.; BANDEIRA-DE-MELLO, R. & SILVA, A. B.

Pesquisa Qualitativa em
Estudos Organizacionais: Paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, p. 17-51,
2006. (Capítulos 1 e 2).

O primeiro capítulo aborda os dilemas paradigmáticos e a abertura interdisciplinar dos


estudos organizacionais.
A obra aponta a trajetória evolutiva da concepção dominante de ciência na
modernidade, destacando não só seus aspectos ambíguos, mas também a convergência de
paradigmas ocorrida em meados do século XVI que repercutem até hoje.
Para os autores, o pensamento moderno se firmou ao longo do tempo sob uma
perspectiva antropocentrista, onde a ciência foi se tornando mais complexa e começou a se
emancipar da filosofia, adquirindo um viés mecanicista e matematizado da natureza,
legitimando a dualidade entre o mundo natural-objetivo e o mundo humano-subjetivo.
Nesse contexto, a obra destaca que matemáticos como Galileu Galilei e René
Descartes apontavam a natureza como passível de objetivação, descrição e elaboração
matemática, acarretando em uma transição de uma percepção qualitativa para uma percepção
quantitativa da realidade. Nesse período têm-se inovações como o relógio mecânico,
auxiliando a quantificação do tempo, e um novo modelo de carta marítima, auxiliando a
quantificação do espaço, fatos já abordados nas aulas de epistemologia ao tratar da transição
entre a era pré-industrial e a era industrial.
Os autores acrescentam que, em meados do século XVII, cientistas do mundo inteiro
passaram a considerar a linguagem lógica, com base em contribuições de Descartes e
Gassendi, objetivando a identificação da essência duradoura do mundo. Para Platão, se o
homem permanecesse dominado pelos sentidos, ele seria sempre restrito ao mundo das
aparências, não possuindo um conhecimento amplo do mundo real, o que foi denominado
como doxa (opinião). Segundo Aranha e Martins (1993) o conhecimento verdadeiro do
mundo real, denominado episteme (ciência), contempla o alcance do mundo das ideias, por
meio da razão. Assim, o conhecimento sensível deveria fundamentar-se no conhecimento
matemático e, em um viés platonístico, promover a interligação deste com as emoções e a
razão, fazendo com que a episteme fosse composta pela combinação entre inteligência e amor.
Ademais, embora diversas convergências tenham contribuído para o desenvolvimento
da ciência moderna, uma série de divergências são consideradas no resgate de sua gênese,
como os pensamentos de Galileu Galilei, Isaac Newton, René Descartes e Francis Bacon.
Soares (2001) destaca que, no século XVIII, cartesianos procuram incorporar em seu processo
de construção de conhecimento as perspectivas newtonianas, embora possuam uma visão
dedutivista, enquanto Newton, Galileu e Bacon eram caracterizados como indutivistas. Cabe
salientar que Bacon apresentava-se em um viés muito mais qualitativo do que quantitativo em
suas experiências, sendo considerado por Soares (2001) o último grande nome do
racionalismo-experiencial, pois considerava que a própria mente seria guiada em um
experimento se os métodos adequados estivessem sendo utilizados.
A obra pontua a participação do historiador holandês Reyer Hooykaas (1986) ao
apontar três características gerais da ciência moderna: Ela reconhece apenas a autoridade da
própria natureza, ou seja, o empirismo racional e crítico predomina sobre o racionalismo; Ela
não se baseia apenas na observação da natureza, tendo experiências controladas como
aspectos essenciais na pesquisa; Ela está associada a formação de uma imagem mecanicista de
mundo. Diante disso, a concepção organicista de natureza, onde o todo possuía valor superior
as partes que o compõem, cede espaço a concepção mecanicista, onde as partes atomizadas da
natureza podem ser controladas objetivamente.
De fato, a revolução científica viabilizou o nascimento de ciências particulares,
especializadas, onde os fatos analisados são objetos das ciências naturais quando envolvem a
estrutura e dinâmica do mundo natural, como a física, a química e a biologia, enquanto fatos
ligados aos seres humanos e a sociedade são objetos das ciências humanas ou sociais, como a
história e a sociologia. Áreas como a psicologia e a administração são consideradas
controvérsias pelo autor, pois a psicologia associa as abordagens natural e fenomenológica,
enquanto que a administração é reconhecida como uma ciência factual, derivada das ciências
humanas e sociais, mas incorpora também métodos das ciências físicas.
Tal contextualização da revolução científica, por meio de um resgate de sua gênese e
de suas dualidades, também trouxe à tona algumas conexões com a instauração do
positivismo, pois, a partir de novas descobertas oriundas do período renascentista, a
modernidade passou a aspirar um mundo mais previsível e controlável, buscando referências
na filosofia de Descartes e no positivismo de Comte, onde este pressupõe uma evolução linear
do conhecimento do mundo. Conforme destaca Vergara e Peci (2003), embora tais
pressupostos tenham sido questionados diversas vezes, eles fundamentam os desdobramentos
das teorias das organizações e compõem as raízes dos pensamentos predominantes
mundialmente em instituições de ensino e pesquisa.
Assim, a obra destaca traços histórico-filosóficos da concepção dominante da ciência
na modernidade que refletem em duas grandes correntes das ciências das organizações, que
são a escola clássica e a escola das relações humanas.
Os fundadores da escola clássica da administração tiveram suas ideias compartilhadas
em meados do século XX, com destaque para o norte-americano Taylor e para o francês
Fayol. Taylor possuía um pensamento indutivista e mecanicista, baseando-se em rigorosos
controles das linhas de produção, com estudos de tempos e movimentos que reduziam o
trabalhador à condição de uma simples peça de uma engrenagem. Para Gabor (2001) o
taylorismo não conhece fronteira geográfica nem ideológica. Fayol possuía um pensamento
lógico-dedutivo, racionalizando a estrutura administrativa e identificando as cinco funções
básicas dos administradores: planejar o futuro, organizar os recursos, coordenar as atividades,
comandar e controlar a execução dos planejamentos. Tais funções compõem a base dos
princípios da administração e, com isso, observa-se que a ênfase da teoria clássica está na
estrutura da empresa.
Um fato interessante tratado é a existência da ciência da gestão, a qual é definida na
obra em questão como a aplicação do método científico e do raciocínio analítico ao processo
de tomada de decisões dos executivos. Tal ciência se fortaleceu com o surgimento da pesquisa
operacional e era aplicada ao controle da produção e aos inventários industriais,
disseminando-se para outras áreas de alocação escassa de recursos, como marketing, finanças
e recursos humanos.
Já a escola das relações humanas é representada principalmente por Elton Mayo, tendo
o homem como o produtor de ideias e de cultura, valorizando o homo socialis, pois é quem
executa os objetivos traçados para a organização. Em contraponto a escola clássica, a
abordagem das relações humanas aponta que os sujeitos não podem ser obrigados a realizar
tarefas sem saber a finalidade das mesmas, além de, restritamente, participar de forma mais
ativa das decisões. Com isso, a escola analisa a relação entre moral e produtividade para que
haja a motivação dos trabalhadores com a organização, ponderando a predominância entre as
habilidades gerenciais e habilidades técnicas dos sujeitos, fazendo com que o trabalho se
adapte ao trabalhador, e não o contrário.
Nesse contexto, as críticas da escola de relações humanas à escola clássica foram
aprofundadas pelos behavioristas, por meio de estudos do comportamento humano, enquanto
os estruturalistas defendiam a integração de aspectos weberianos e marxistas ao modelo.
Destaca-se a crítica da sociologia a escola em questão, ao apontar que sua abordagem é
responsável pelas configurações atuais entre a personalidade ajustável dos sujeitos em relação
à cultura das diferentes organizações.
Assim, ao analisar as características de ambas as escolas, nota-se como a revolução
científica perpassa por dualidades nas teorias organizacionais, principalmente quando
analisadas sob à luz do Grande Paradigma do Ocidente (GPO). A obra propõe um resgate ao
cartesianismo para melhor compreensão desse ponto, mais especificamente ao momento em
que Descartes indica que as regras ligadas à produção de conhecimentos confiáveis
funcionam apenas para estimular uma receptividade mental ao novo, pois a cultura humana
necessita das “ideias-mestras” .
Essa concepção positivista de separação da ciência em saberes particulares é criticada
por Edgar Morin como uma visão disjuntiva-redutora, denominado o Grande Paradigma do
Ocidente, separando o sujeito do objeto investigado, bem como a ciência da filosofia, criando
duas polaridades: a objetividade, com os objetos passíveis de observação e experimentação, e
a subjetividade, com objetos ligados a problemas existenciais, comunicação e consciência. Tal
fato faz com que essa dupla natureza seja “dependente de um mesmo paradigma”.
O segundo tópico do capítulo aborda diferentes conceitos de paradigma e o surgimento
do conceito de matriz disciplinar. Para Thomas Kuhn, aparentemente há uma evolução
gradual do conhecimento científico, mas, ao analisar a história e a filosofia da ciência, é
possível observar que a especialização das ciências não geram conhecimentos que,
necessariamente, nos aproximam da realidade. Kuhn (1989) define paradigma como
realizações científicas que são reconhecidas globalmente e, temporariamente, identificam
problemas e proporcionam soluções a determinada comunidade científica. Logo, Kuhn aponta
que o termo paradigma pode ser explicitado de forma global, adequado a esforços
compartilhados por uma comunidade científica, ou a esforços específicos dentro da mesma,
ocorrendo então a existência de grandes e pequenos paradigmas.
A obra aponta que, inspirado nesse contexto, existe também o pensamento de Grof
(1987) que define paradigma como uma série de crenças, valores e técnicas compartilhadas
por integrantes de uma comunidade científica, tanto com viés filosófico como com viés
restrito, sendo este último dependente do primeiro.
Cabe salientar que Kuhn caracteriza as ciências sociais como imaturas e “pré-
paradigmáticas” por não terem um consenso, mas sua própria pesquisa possui uma
interdisciplinaridade, reconhecendo que a investigação sociológica possui relevância sobre a
dinâmica científica. Nesse contexto, o filósofo reconhece a complexidade que atribuiu ao
conceito de paradigma, apresentando várias versões para o conceito, inclusive contraditórias.
Tal fato faz com que Godoi, Bandeira-de-Melo e Silva, autores da obra em questão,
desaconselhem a utilização dos conceitos paradigmáticos de Kuhn no campo dos estudos
organizacionais. Posto isso, com base nos estudos de Kuhn sobre paradigmas, Margareth
Masterman identificou 21 possíveis interpretações distintas sobre paradigmas na obra do
autor, fato que fez com que ele reconhecesse a ambiguidade do conceito apresentado e propôs
uma renomeação do mesmo, surgindo assim a noção de matriz disciplinar.
No tocante a matriz disciplinar, a obra destaca as observações do físico Gerard Fourez
(1995) que, em meados do século XIX, identificou que os estudos ligados à física
apresentavam bastante sintonia com o paradigma Newtoniano, porém, o surgimento de
questionamentos a este paradigma fez com que fosse instaurada uma fase de revolução
paradigmática na área. Assim, para Fourez, uma revolução paradigmática redefine o objeto e
as práticas de uma disciplina científica, em um processo composto por três fases: pré-
paradigmática, paradigmática e pós-paradigmática. A fase pré-paradigmática ocorre quando
existe uma flexibilidade das regras que norteiam as práticas da pesquisa e as demandas sociais
possuem uma importância relevante junto ao fator existencial. Na fase paradigmática o objeto
é construído de forma mais estável, com técnicas mais rigorosas e as demandas sociais
deixam de ser condicionantes no processo, atribuindo uma identidade ao corpo científico. Já a
fase pós-paradigmática ocorre no rompimento da disciplina com as demandas sociais, fazendo
com que o paradigma seja oficialmente inadequado ou consiga responder aos
questionamentos que venham a surgir, sendo este último o cenário onde a disciplina se torna
acabada, passível apenas de reprodução.
Fourez também analisa a definição paradigmática de Kuhn e identifica que existe uma
dualidade: forças e debilidades. Para o físico, os paradigmas descritos por Kuhn são fortes por
viabilizar o embasamento de muitas questões vivenciadas na modernidade, porem são débeis
porque separam a ciência das vivências cotidianas, enquanto que a força da ciência provém
exatamente da sua aplicação no mundo real, de modo a simplificá-lo. Assim, o conceito
estabelecido por Kuhn torna-se cada vez menos atrativo para as ciências sociais.
O terceiro tópico da obra aborda a fenomenologia e suas dualidades, o paradigma
disjuntor-redutor e o da complexidade. Santos (2000) aponta que as ciências sociais possuem
duas vertentes ligadas ao paradigma disjuntor-redutor: a positivista e a fenomenológica, onde
a primeira pressupõe uma unidade metodológica da ciência, enquanto a segunda busca um
estatuto metodológico próprio para as ciências sociais.
Para os autores, a fenomenologia busca incorporar o interior dos indivíduos em suas
pesquisas e análises, bem como os sentidos conferidos as suas ações, tornando os métodos
qualitativos e interpretativos mais adequados à obtenção dos conhecimentos intersubjetivos e
compreensíveis. A fenomenologia possui um caráter pré-paradigmático para Santos (2000),
pela contradição entre a rejeição de hipóteses sobre condicionantes biológicos do
comportamento humano e a utilização de argumentos biológicos para descrever determinadas
especificidades do homem. Porém, tal vertente possui uma valiosa contribuição no tocante a
interdisciplinaridade, ainda que limitada as ciências sociais e à filosofia, proporcionando
diálogos importantes ao desenvolvimento de áreas como a psicologia e a antropologia, além
de ser considerada uma vertente complexa.
No tocante ao paradigma disjuntor-redutor, destacou-se também a contribuição de
Morin, que desenvolveu uma hipótese para a construção de uma alternativa a esse paradigma
(disjuntor-redutor), partindo da compreensão de que os sujeitos condicionam seus
pensamentos e ações aos paradigmas que suas culturas internalizam.
Assim, é possível identificar a visão de Morin e a visão da ciência moderna sobre o
paradigma em questão. Para Morin, os paradigmas (todo e qualquer) podem ser caracterizados
como: não passíveis de falsificação; dispõem do princípio de autoridade axiomática e de
exclusão de ideias que não reconhece; tornam suas exclusões pontos cegos; são invisíveis e
vulneráveis, portando não podem ser atacados e vencidos diretamente; criam evidências ao se
ocultarem; são co-geradores do sentimento de realidade; são ligados repetidamente aos
discursos que o geram; determinam visões de mundo. Já a ciência moderna aponta como
princípios do paradigma disjuntor redutor: o princípio de universalidade, de que só há ciência
do geral; eliminação da irreversibilidade temporal; princípio que reduz o conhecimento do
todo ao conhecimento das partes; princípio que reduz o conhecimento organizacional às
ordens que a compõem; princípio de causalidade linear; princípio de separação entre o objeto
e seu ambiente; princípio de separação entre o objeto e quem o concebe; eliminação da
problemática do sujeito na ciência e da existência quantificada; não concepção de autonomia;
princípio de confiabilidade absoluta da lógica na busca pela verdade; pensamento com ideias
claras e distintas.
Apresenta-se também o paradigma da complexidade. Morin se beneficiou do
pensamento dos autores anteriores, porque percebeu que ainda eram visões “simplificadoras”.
Ele acredita que vários paradigmas podem coexistir, englobando a noção de Kuhn, mas
considerando-a limitada, defendendo a necessidade de um pensamento complexo. Assim, ele
pressupõe uma visão holística do saber, o qual deve ser analisado como um todo, em uma
complexidade que abrange tanto o que parece simples, como suas limitações, pois a
segmentação do saber reduz a incidência de conhecimentos em comum entre as áreas,
construindo conhecimentos limitados. Para Morin, não se consegue identificar verdades bem
construídas na ciência fragmentada, caracterizando como uma fase de crise do conhecimento,
com teorias objetivas-subjetivas, ou seja, os dados objetivos são construídos com base na
subjetividade dos cientistas de cada área. O autor defende a necessidade de compreensão de
posições antagônicas entre paradigmas, com enfoque não só na informação, mas na estrutura
da construção do conhecimento, o qual tem o seu sentido explicitado pela filosofia que
acompanha a ciência em um contexto totalizante e complexo.
Outro ponto relevante na obra refere-se aos princípios do paradigma da complexidade
a partir da concepção de Morin (2000), sendo eles: princípio sistêmico, ligando o
conhecimento das partes ao conhecimento do todo; princípio hologramático, de que não só a
parte está no todo, mas o todo está nas partes; princípio do anel retroativo, onde a causa age
sobre o efeito e o efeito sobre a causa; princípio do anel recursivo, onde os produtos e os
efeitos produzem e causam o que os produz; princípio de auto-eco-organização, onde a
autonomia do indivíduo é dependente do meio ambiente; princípio dialógico, unindo
princípios excludentes; e princípio da reintrodução do sujeito à construção do conhecimento.
Por fim, o quarto tópico do primeiro capítulo aborda a relação entre as teorias
organizacionais e o paradigma da complexidade, comparando as ideias de Guerreiro Ramos,
Edgar Morin e Gareth Morgan.
Para Guerreiro Ramos (1981), as organizações são, simultaneamente, sistemas
cognitivos, epistemológicos e cenários sociais. Ele desenvolveu uma abordagem sistemática
da teoria organizacional, com duas missões ligadas a racionalidade substantiva, por meio da
qual a realidade apreendida pelos sujeitos não é deformada: análises que detectem os
fundamentos epistemológicos dos cenários organizacionais e análises organizacionais sem
distorções de linguagem e conceptualização.
Dentre as principais críticas de Ramos a teoria das organizações estão: a presença de
um viés ideológico e econômico no conceito de racionalidade; não distinção entre o
significado substantivo das organizações e o significado formal; ausência de compreensão do
papel dos relacionamentos interpessoais; visão mecanomórfica das atividades produtivas.
Assim, ele assume uma incapacidade da teoria das organizações ser analisada frente aos
sistemas sociais e propõe um novo paradigma, o paraeconômico. Segundo Ramos, com tal
paradigma é possível ocorrer uma delimitação organizacional, distinguindo a economia da
interação simbólica e destacando a diversidade existente na unidade das formas
organizacionais, fato que viabiliza a auto-realização do sujeito em meio ao contexto
multicêntrico da sociedade.
Já Morin evidencia a unidade entre as diferentes formas de se pensar as organizações,
também viabilizando a auto-realização do sujeito em meio ao contexto multicêntrico da
sociedade. Ou seja, Ramos e Morin buscam a compreensão da unidade na diversidade, bem
como da diversidade na unidade.
De modo a complementar as abordagem supramencionadas, o capítulo aborda o estudo
de Morgan (1986; 1996). Para ele, as organizações não são apenas máquinas ou organismos
vivos, mas também envolve aspectos como culturas, prisões psíquicas, sistemas políticos e
dominação, pois a prática está ligada a teoria, em uma realidade objetiva-subjetiva. Morgan
destaca que as divisões organizacionais apresentadas em aspectos humanos, políticos e
culturais, ocorrem muito mais na mente dos sujeitos do que na realidade.
Comparando ao pensamento de Morin, Morgan busca compreender a complexidade
organizacional como unidades sociais nucleares, enquanto Morin busca compreender as
formas organizacionais em seu contexto social. Em paralelo, Guerreiro Ramos ocupa-se tanto
com as organizações econômicas, fenonômicas e isonômicas, como com as formas
organizacionais sociais.

O segundo capítulo do livro, intitulado “Perspectiva multiparadigmática nos estudos


organizacionais” aborda como os paradigmas foram difundidos no campo das organizações,
partindo da compreensão de que paradigmas são teorias ampliadas que, conforme Guba e
Lincoln (1994), orientam pesquisas em seu caminho que perpassa pela ontologia, metodologia
e epistemologia.
Além disso, os autores apontam que paradigmas filosóficos exercem influência sobre
visões de mundo existentes, como os funcionalistas que pressupõem uma realidade concreta e
objetiva, os interpretativistas que focam na subjetividade e os marxistas que inspiram-se em
construções sociais históricas. Assim, os debates passaram a sair de um comportamento
particular voltado a cada paradigma e passou a contemplar possibilidades de conversação
entre os mesmos, viabilizando uma ciência multiparadigmática aplicável ao campo
organizacional.
O capítulo inicia abordando a perspectiva paradigmática proposta por Burrel e Morgan
(1980) para os estudos organizacionais, a qual contempla quatro visões de mundo e seus
respectivos pressupostos teóricos que auxiliam na concepção do conhecimento objetivo e
subjetivo: paradigma funcionalista, paradigma interpretativo, paradigma humanista radical e
paradigma estruturalista radical. Os autores acreditavam que tais paradigmas viabilizariam a
compreensão de fenômenos organizacionais, principalmente ao serem combinados em uma
matriz 2x2 e considerados mutuamente excludentes, abordagem bastante criticada por
apresentar uma natureza estática de enquadramento da teoria social e organizacional.
De fato, os paradigmas mencionados são apresentados no capítulo com suas principais
características importantes para o desenvolvimento da teoria organizacional, se valendo
também de uma análise crítica de suas contribuições para tal. Um dos importantes auxílios
dos paradigmas metateóricos de Burrel e Morgan (1980) para a teoria organizacional refere-se
a delimitação de pressupostos ontológicos, metodológicos e epistemológicos, fatores que
necessitam ser essencialmente claros aos pesquisadores em seus estudos.
Os autores apresentam cada enfoque epistemológico da seguinte forma: o paradigma
funcionalista como uma epistemologia predominante nos estudos organizacionais,
objetivando a explicação do contexto social a partir de seus elementos e das relações causais
que os constituem, viabilizando também a compreensão do papel do homem na sociedade,
além de considerar que o comportamento do homem é moldado pelas relações sociais que o
permeiam; o paradigma interpretativista, que tem a realidade social como resultado das
vivências subjetivas e intersubjetivas dos sujeitos, bem como as realidades organizacionais; o
paradigma humanista radical, que objetiva analisar a união entre ação e pensamento como
uma forma de superação da alienação, dominação e repressão oriundas do contexto
organizacional; e o paradigma estruturalista radical que, baseado no marxismo, busca
compreender as tensões sociais e os modelos de dominação que partem da concepção
materialista da realidade.
Com isso, nota-se que existem divergências filosóficas e científicas entre os
paradigmas, principalmente entre visões objetivas e subjetivas de mundo. A obra aborda a
visão objetivista como uma perspectiva concreta, que impulsiona uma epistemologia a
analisar as relações que viabilizam a concepção de uma estrutura, e a visão subjetivista que
analisa a realidade sob a perspectiva da imaginação, focando em compreender a relação e os
significados da relação entre o homem e seu mundo particular.
O autor aponta que, ao longo do tempo, os estudos organizacionais foram se
desenvolvendo em contextos revolucionários, inaugurando perspectivas de distinções e de
interseções que contribuem para muitos diálogos, principalmente distinções. Assim, os
paradigmas são inseridos em uma disputa que conduz à fragmentação, o que promoveu a
existência de novas alternativas, reduzindo o foco funcionalista existente e fazendo com que a
ciência da organização dê espaço para os estudos organizacionais.
A partir disso, o capítulo nos conduz à um cenário de ascensão da perspectiva
multiparadigmática, a qual foi vista como solução para amenizar os conflitos oriundos da
categorização de Burrel e Morgan (1979). Tal perspectiva introduz algumas posições
metateóricas que, segundo Schultz e Hatch (1996), estão vinculadas a teoria organizacional: o
paradigma da incomensurabilidade, que pressupõe diferentes posicionamentos ontológicos,
metodológicos e epistemológicos, criando diferentes formas de integração e intensificando a
ausência de comunicação entre si; a integração dos paradigmas, que objetiva um modelo geral
multiparadigmático a partir das contribuições de cada paradigma; e o cruzamento dos
paradigmas, que viabiliza o confronto de diferentes paradigmas de modo a enaltecer não
apenas suas concordâncias, mas, principalmente, seus contrastes.
Outro aspecto interessante destacado pelo autor é que existem estratégias específicas
para que tal cruzamento paradigmático ocorra, sendo elas: sequencial, considerando que,
apesar da exclusividade de cada paradigma, os resultados gerados a partir de sua utilização
revelam complementariedades entre os mesmos; paralela, onde vários paradigmas são
aplicados simultaneamente em uma mesma questão de pesquisa, permitindo comparações; de
ligação, pressupondo a existência de intercessões entre os paradigmas, identificadas em zonas
que enfatizam suas semelhanças; e de interação, viabilizando a análise de fenômenos
organizacionais a partir das semelhanças e contrastes paradigmáticos.
É possível notar que os estudos organizacionais vão avançando, a partir de Burrel e
Morgan (1979) sem o objetivo específico de contrapor tal referência, mas sim de enaltecer a
existência de alternativas para a utilização dos paradigmas no campo das organizações. O
autor ressalta a proposta de Lewis e Grimes (1999) voltada a construção de teorias a partir da
perspectiva multiparadigmática, denominada metatriangulação, almejando uma maior
exploração das inter-relações paradigmáticas nos fenômenos estudados.
Nesse contexto o capítulo nos revela algumas implicações da perspectiva
multiparadigmática na pesquisa qualitativa, principalmente o fato de que o pesquisador não
deve ser limitar previamente entre objetividade e subjetividade, ou ignorar a utilização de
outros paradigmas em estudos anteriores aos seus, sobre o mesmo fenômeno. Sabe-se que a
perspectiva entre objetividade e subjetividade é diretamente ligada à visões quantitativas e
qualitativas, onde, segundo Minayo (1995), a pesquisa qualitativa objetiva adentrar no mundo
dos significados, enquanto a quantitativa analisa fenômenos concretos e observáveis, mas
ambas analisam o real, complementando-se. Cabe considerar a importância de, ao invés de se
restringir a uma dicotomia entre tais naturezas, o pesquisador toma-las como complementares,
respeitando cada questão de pesquisa a ser respondida.
Posto isso, o capítulo permite a compreensão de que, desde as primeiras tentativas de
definições paradigmáticas, com Kuhn (1978), diversos debates contribuíram para o
desenvolvimento das ciências sociais, saindo de uma perspectiva de restrição aos paradigmas
dominantes e permitindo uma análise de suas relações entre si, o que contribui para a menor
restrição também em relação à dicotomia entre métodos qualitativos e quantitativos. A visão
de que existem diferentes formas de pensar a estudar um mesmo fenômeno é essencial para o
desenvolvimento do âmbito científico, superando lacunas entre o prático e o filosófico, além
de substituir ou complementar paradigmas antigos.
Desse modo, o autor reforça que a perspectiva multiparadigmática contribui para uma
ciência social mais ética e consciente, além de um processo cíclico de construção de novos
saberes, integrando pesquisas de diferentes unidades. Para tal, faz-se necessário o estímulo a
debates no interior das universidades e centros de pesquisa, superando fronteiras e conflitos,
de modo a focar no desenvolvimento de novas teorias e na melhoria da qualidade das
produções científicas dos estudos organizacionais.

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