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OBSERVAÇÕES SOBRE O PAPEL DA CIÊNCIA E DA ESTÉTICA:


OS NOVOS PARADIGMAS DA EDUCAÇÃO

RESUMO
Neste trabalho, refletimos sobre o estatuto epistemológico da educação e sua
importância para a prática do ensino. Isso permitirá reavaliar o modelo de ciência e ver
como as mudanças afetaram os paradigmas da ciência e da educação. As consequências
da adesão a certos paradigmas têm repercussões sobre o conceito de ciência, educação e
procedimentos, e, claro, em sua pesquisa metodológica. Refletir sobre o estatuto
epistemológico da educação nos levou a observar a confluência da ciência e da estética.
A pesquisa é bibliográfica e apresenta alguns pontos a serem observados na prática de
ensino. O trabalho está dividido em duas partes, a primeira trata da relação entre a
educação, a ciência e a mudança de paradigmas, e, no segundo, a relação entre a ciência,
a estética e a educação. Por fim, fazemos algumas considerações que os professores
devem ter em conta quando se considera suas práticas pedagógicas, incluindo a estética
no estudo da ciência.
PALAVRAS-CHAVE: Epistemologia da educação, ciência/estética, práxis docente,
mudança de paradigmas.
ABSTRACT
In this paper, we reflect on the epistemological status of education and its importance to
the practice of teaching. This allow re-evaluate the model of science and see how the
changes affected the paradigms of science and education. The consequences of
adherence to certain paradigms, they have repercussions on the concept of science,
education and procedures, and of course, on her methodological research. Reflect on the
epistemological status of education led us to observe the confluence of science and
aesthetics. The research is bibliographic and presents some points to note in the
teaching's practice. The work is divided into two parts, the first deals with the
relationship between education, science and changing paradigms, and in the second, the
relationship between science, aesthetics and education. Finally, we make some
considerations that teachers must take into account when considering their pedagogical
practices, including aesthetic in the study of science.
KEYWORDS: Epistemology of education, science/aesthetics, teaching praxis, paradigm
shift.

INTRODUÇÃO

O trabalho propõe uma reflexão epistemológica sobre a práxis docente. No


trajeto da pesquisa levantamos observações sobre os paradigmas emergentes e a crise
que este movimento ocasiona. Também fazemos algumas propostas para a práxis
educativa, que as mudanças de paradigmas apontam.
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Falar de paradigmas é tratar das “realizações científicas universalmente


reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para
uma comunidade de praticantes de uma ciência”. (KUHN, 1998, p.13). Os paradigmas
influenciam visões de mundo que não só envolvem concepções, teorias e métodos
científicos, senão também, concepções políticas, éticas e estéticas, que trazem novas
representações de valores. Com a transformação de paradigmas, quebra-se a hegemonia
da comunidade científica e o debate instaura-se no meio acadêmico. A denominada
crise de paradigmas é devido a este desenvolvimento da “ciência nova”, que ocasiona
uma mudança na posição entre as tradições científicas e as concepções emergentes
(MARCONDES, 2010).

A humanidade já passou por varias modificações de paradigmas. Na


modernidade surgiu o subjetivismo cartesiano na relação sujeito–objeto e, é ela que dita
os dados à ciência porque da sua percepção depende aquilo que denominamos realidade
(MARCONDES, 2010). E assim, mesmo desconfiando dos sentidos chegamos a obter
conhecimentos, porque as noções da realidade têm seu principal alicerce na razão. A
ciência depende dos dados que a subjetividade do cientista permeia a partir das
percepções sensoriais. O paradigma cartesiano permite o estabelecimento de um forte
critério de autoridade, porque o conhecimento científico depende do critério subjetivo
do cientista pesquisador.

Kant supera a subjetividade individual através do estabelecimento de uma


estrutura universal da subjetividade. Assim, “o grande instrumento do Iluminismo é a
consciência individual, autônoma em sua capacidade de conhecer o real; suas armas são
o Conhecimento, a Ciência, a Educação” (MARCONDES, 2010, p. 24). A subjetividade
cartesiana é deixada de lado pela proposta intersubjetiva de Kant e o paradigma
cartesiano entra em crise.

A queda da subjetividade leva a uma intersubjetividade, que permite o diálogo


entre os indivíduos e afasta o problema sem saída do solipsismo1 cartesiano. Através da
intersubjetividade, os homens podem e devem se comunicar. A nova ciência estabelece
condições para que o conhecimento seja comunicado, surge o conceito de objetividade
como o comunicável, porque os dados da realidade são acessíveis a todos e a
subjetividade fica afastada da ciência.
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Doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os outros entes (seres
humanos e objetos) meras impressões sem existência própria.
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Ao estabelecer os limites do conhecimento, Kant observa que os homens têm


condições a priori de conhecimento e categorias do entendimento que são universais.
Sendo assim, os conhecimentos devem estar dispostos a serem universais, as
experiências individuais podem ser compartilhadas, temos então uma área comum que
pode ser chamada de conhecimento científico. Esta proposta epistemológica teve
consequências científicas e até políticas e éticas. Ao estabelecer as condições e
limitações do conhecimento para todos, Kant colocou uma proposta de conhecimento
democrática. A educação tem agora uma proposta iluminista democrática e a política
deve salvaguardar esta característica do conhecimento.

Observamos assim, que os novos paradigmas trazem mudanças na forma de


pensar e construir os conhecimentos, eles têm repercussão além do plano lógico–
epistemológico, em mudanças de ordem político, ético e até estético (MARCONDES,
2010). E, uma consequência dessa mudança paradigmática será tratada neste trabalho.
Assim iniciamos por observar a relação entre ciência e educação.

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E MUDANÇA DE PARADIGMAS

A educação está sempre preocupada por proporcionar as condições científicas à


sua atividade. Ela tem uma serie de cuidados metodológicos para obter seus
conhecimentos, para aproximar-se da verdade.

Por outras palavras: trata-se de levar a educação para o campo das grandes
artes já científicas - como a engenharia e a medicina— e de dar aos seus
métodos, processos e materiais a segurança inteligente, a eficácia controlada
e a capacidade de progresso já asseguradas às suas predecessoras
relativamente menos complexas (TEIXEIRA, 1957, p.2).
A preocupação científica da educação é evidente e podemos entender a ciência
como um construto humano que está em desenvolvimento, que tenta fazer uma imagem
da realidade de acordo com determinados paradigmas. Sendo assim, apesar das
dificuldades, erros e revoluções científicas, os pesquisadores procuram uma imagem
próxima da realidade para poder entendê-la e explicá-la (FREIRE-MAYA, 1998), e a
educação acompanha estes avanços.

A realidade é uma e a tentamos conhecer. Mas só conhecemos parte da


realidade, e de maneira artificial e convencional denominamos estas parcelas de
“ciências particulares”. Mesmo que,

A ciência não é um organismo composto de partes igualmente bem


entrosadas e bem compreendidas. Os conceitos de mecânica newtoniana,
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relatividade, onda, eléctron, espécie, quark, código genético, gene, mutação,


raça, QI, big bang, carga genética, polimorfismo, dinossauro, buraco negro,
estrela anã, megaevolução, Australopithecus afarensis, inflação, mais valia...
não têm o mesmo nível de amadurecimento; surgiram em épocas diferentes e
cada um evolui como pode (FREIRE-MAIA, 1998, p. 34).
O estudo da realidade é uma tarefa complexa, como a própria realidade. Por tal
razão, este estudo não deve estar orientado pela disputa por uma parcela da realidade,
que pode única e exclusivamente ser estudada e tratada por determinada ciência, que
dela se apodera e não permite que nenhuma outra atue sobre seu objeto. Esta visão
exclusivista do conhecimento, o único que promove é isolamento dos cientistas, atitude
perniciosa para desenvolver qualquer pesquisa e estudo. Por tal razão, tentar definir o
objeto da educação como algo exclusivo, é tentar patentear a realidade. Pelo contrário,
“se faz necessário superar o excessivo encastelamento das diversas disciplinas, de
maneira a tornar possível um olhar múltiplo sobre nossos objetos de estudo”
(PLASTINO, 2010, p.37).

A racionalidade fechada é um paradigma que está sendo abandonado, sem


embargo, este é um processo lento. E assim ainda vemos a rejeição, em nome de uma lei
universal e imutável, diante do novo e do diverso. Nos meios acadêmicos existe a
divisão da ciência em disciplinas, que obedecem a questões didáticas ou burocráticas,
mas, não podemos esquecer que estas divisões correspondem a um consenso, a um
acordo aleatório para facilitar nossas pesquisas.

A mudança de paradigmas e a adoção de novas posturas trazem dificuldades na


ciência. Alguns destes problemas que a ciência e a educação apresentam são
considerados anomalias ou crises, assim,

Constata-se, em primeiro lugar, hoje, uma tendência significativa de críticas


não só à Educação como ciência, mas à ciência em geral, identificando esta
ultima como umas das grandes metanarrativas da modernidade. Pergunta-se
se é justificado o abandono das ciências por causa das falsas pretensões de
verdades universais no passado ou se elas podem continuar sendo úteis,
porém com um senso crítico bem maior em relação à própria validade.
(RÖHR, 2007, p.2).
A crítica às verdades universais na ciência, especificamente na física foi
agudizada com a descoberta do Princípio de Incerteza de Heisenberg e a Teoria da
Relatividade. Estas críticas indicam a chegada de um novo paradigma, que levará a uma
crise epistemológica. A presença de anomalias e crise no processo de conhecimento
deve ser considerada normal, já que representam desafios e nos fazem avançar. Estas
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dificuldades não podem afastar nosso espírito científico, só devem alimentar nosso
cuidado na pesquisa.

A percepção da crise depende do lado do qual é observado, se é de dentro ou de


fora. Para quem olha de fora é muito fácil observar erros e mudanças, mas para quem é
membro de uma comunidade acadêmica, e sofre as anomalias e crise, não é só um
desafio senão um problema a ser resolvido. E claro que a mudança de paradigmas
estremece as estruturas científicas e educativas, constituindo um abalo à comunidade
acadêmica. A crise dos paradigmas colocam um vazio mas,

[...] será que as certezas que tínhamos, se revelaram falsas, são melhores do
que a incerteza com a qual navegamos atualmente? Perda ou libertação?
Creio que ambas. Perda porque muita esperança se depositou no que se
perdeu. Liberação porque, livres das amarras de um projeto predeterminado
por pressupostos rígidos respaldado em uma legitimidade científica, estamos
abertos a novas aventuras. (GARCIA, 2010, p. 63).
Se a ciência entra com novos paradigmas, a educação também fica permeada
deles. E ambas abandonam a certeza das verdades imutáveis e absolutas e optam por
uma visão mais ampla e aberta. O papel da educação não ficou reduzido a ser
preservadora e multiplicadora da ciência, mesmo sabendo que a ciência é muito
importante para a educação. Na práxis educativa entram em jogo outros fatores além do
científico, como os de ordem econômica e política. Mas além deles queremos destacar
um aspecto pouco pesquisado que é a relação entre ciência e estética.

CIÊNCIA, ESTÉTICA E EDUCAÇÃO

Por outro lado, há uma ideia generalizada de que existem duas culturas distintas,
isto é, duas áreas do trabalho intelectual que são separáveis e até antagônicas por
motivos estruturais: a área artística (incluindo as artes plásticas, a música, a literatura
etc.) e a científica (englobando todas as ciências). A primeira seria caracterizada por
uma criatividade livre e executada com uma determinada metodologia, enquanto que, a
segunda se exerceria por uma criatividade controlada e por outro tipo de metodologia.
Essa distinção pode ser válida, mas observando as diferenças dentro de cada área e as
semelhanças entre as duas, verificaremos que existe uma característica que as une e que
merece ser ressaltada. Assim entendemos quando Popper diz que existe uma beleza
inerente à ciência:

Parte da grandeza e beleza da ciência está em podermos aprender, através de


nossas próprias investigações, que o mundo é inteiramente mais diverso do
que imaginávamos – até nossa imaginação ter sido despertada pela refutação
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das teorias por nós elaboradas anteriormente. E não parece haver motivos
para supor que este processo se tenha encerrado (POPPER, 1972, p. 492).
Os novos paradigmas quebraram as fronteiras das disciplinas, de tal maneira que
é possível ver a beleza intrínseca na matemática e nas suas demonstrações. A ciência
tem que ter a modéstia de reconhecer que na regularidade descoberta radica a beleza da
diversidade ainda desconhecida. Ciência e arte são criadoras de formas de beleza.

O cientista também se pode guiar pela intuição, procurando harmonia em suas


teorias, mas, sem afastar-se da racionalidade cientifica, porque estes limites ou critérios
as vezes são muito tênues. Este é o caso dos físicos que trabalham com a teoria das
supercordas que não sabem se estão fazendo pesquisas físicas, porque as suas teorias
jamais poderiam ser validadas por experimentos, mas apenas por critérios subjetivos,
como elegância e beleza. Para Pitágoras a beleza estava representada pela simplicidade
matemática. Os números podem ter um arranjo harmonioso e belo no sentido pitagórico,
que reúne conhecimentos aritméticos, geométricos, astronômicos e acústicos, integrados
pela harmonia (BURLET, 2014).

Ao tentar fazer ciência e criar construtos que expliquem a realidade os valores


utilizados não são unicamente os de verdade, também existem os estéticos, como anota
Kuhn:

Desde Euler e Lagrange no século XVIII ate Hamilton, Jacobi e Hertz no


século XIX, muitos dos mais brilhantes físicos-matemáticos da Europa
esforçaram-se repetidamente para reformular a teoria mecânica sob uma
forma equivalente, mas lógica e esteticamente mais satisfatória (KUHN,
1998, p. 54).
No século XVIII é o apogeu da razão e o positivismo que influencia a ciência e a
educação, procurando valores humanistas, afastando a censura religiosa e aproximando-
se da democracia. Mas, a procura da ciência na procura da verdade, tem predomínio da
razão, deixando a subjetividade e a estética de lado. A estética sempre esteve presente,
mesmo de maneira inconsciente nas descobertas científicas, é que sempre é difícil para
que faz ciência perceber suas influencias e limitações, estás são mais evidente para
quem olha de longe. Neste sentido entendemos o comentário de Kuhn;

Felizmente existe ainda uma outra espécie de consideração que pode levar os
cientistas a rejeição de um velho paradigma em favor de um novo. Refiro-me
aos argumentos, raras vezes completamente explicitados, que apelam, no
individuo, ao sentimento do que e apropriado ou estético — a nova teoria e
“mais clara”, “mais adequada” ou “mais simples” que a anterior. (KUHN,
1998, p. 196).
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São diversos os fatos que permitem o desenvolvimento da ciência e são os


indivíduos que observam estas mudanças que destacam estes fatores. Se num período
surge a razão, ela deslumbra e quase apaga o brilho e a importância de outros fatores
que influenciam a descoberta científica. Assim até o positivismo analítico do século
XX, pouco ou nada tinha de influencia a estética sobre o conhecimento científico. Se a
razão esclarecia outros fatores contaminavam.

O importante papel que a estética cumpre no surgimento de novas teorias e na


escolha de novas propostas científicas é ressaltada,

As primeiras versões da maioria dos paradigmas são grosseiras. Ate que sua
atração estética possa ser plenamente desenvolvida, a maior parte da
comunidade cientifica já terá sido persuadida por outros meios. Não obstante,
a importância das considerações estéticas pode algumas vezes ser decisiva.
(KUHN, 1998, p. 196).
O princípio estético mais influente na ciência foi apresentado por Guilherme de
Occam, filósofo britânico do século XIV. Ele afirmava que a melhor explicação de um
determinado fenômeno é geralmente a mais simples, aquela que tem o menor número de
pressupostos. Esse princípio, chamado “navalha de Occam”, produziu a derrocada do
modelo ptolemaico do sistema solar da Idade Média.

Para que se perceba a razão da importância dessas considerações de natureza


mais estética e subjetiva, recordemos o que esta envolvido em um debate
entre paradigmas. Quando um novo candidato a paradigma é proposto pela
primeira vez, muito dificilmente resolve mais do que alguns dos problemas
com os quais se defronta e a maioria dessas soluções esta longe de ser
perfeita. (KUHN, 1998, p. 196).
A ciência pode atuar junto à estética, mas elas não tratam de criar métodos
infalíveis, apenas ampliar a visão da realidade. Um exemplo disto temos com Ptolomeu,
quem para mostrar que a Terra era o centro do sistema solar afirmou que os planetas
traçavam epiciclos espiralados ao redor da Terra e encima disto criou sua teoria.
Posteriormente, no renascimento Copérnico Kepler e Galileu afirmaram que o centro do
sistema não era a Terra, senão o Sol e dispersaram os epiciclos e as substituíram por
órbitas elípticas, propondo assim um sistema muito mais simples (MOLES, 1998).

Deve haver algo que pelo menos faca alguns cientistas sentirem que a nova
proposta está no caminho certo e em alguns casos somente considerações
estéticas pessoais e inarticuladas podem realizar isso. Homens foram
convertidos por essas considerações em épocas nas quais a maioria dos
argumentos técnicos apontava noutra direção. Nem a teoria astronômica de
Copérnico, nem a teoria da matéria de De Broglie possuíam muitos outros
atrativos significativos quando foram apresentadas. Mesmo hoje a teoria
geral de Einstein atrai adeptos principalmente por razões estéticas, atração
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essa que poucas pessoas estranhas a Matemática foram capazes de sentir.


(KUHN, 1998, p. 199).
O cientista usa muitas vezes processos mentais semelhantes aos artistas:
“podemos admitir que, nas suas raízes, o mecanismo da criação é único, diferindo nas
suas fases finais” (MOLES, 1998, p. 260). Uma mera coleção de verdades particulares
não constitui a ciência, a ciência é uma sistematização de teorias que se arrumam
procurando a simplificação. E neste processo de simplificação, o senso estético ajuda ao
cientista.

A beleza e a elegância da ciência radicam na simplicidade que é fundamental


para ela porque “sem simplificação não há Ciência” (MORGENSBESSER,1979, p.
243). Parece de fato ser inútil separar, criação científica de criação estética: existe
apenas uma única criação intelectual. A beleza da ciência não está unicamente em seu
conteúdo, também está na redação de um trabalho científico, que é uma tarefa literária,
na medida em que o discurso lógico possui algo de literário, de tal maneira que:

Os caracteres fundamentais da criatividade são comuns à área científica e à


artística; sob o ponto de vista estritamente heurístico, as diferenças entre os
dois campos são superficiais no ato criador o cientista não se diferencia do
artista; existe apenas uma criação intelectual (MOLES,1998, p. 260).
Há uma analogia entre a emoção criadora do artista e a ideia criadora do
cientista. E há também uma inspiração na feitura da ciência; não unicamente na
composição de um quarteto ou na pintura de um quadro. É possível que não ocorra
inspiração alguma do dia-a-dia de muitos cientistas rotineiros, isto é, que fazem
exatamente a mesma coisa, variando apenas o material, em todas as suas pesquisas. E,
nessa situação não haveria condições para que uma inspiração se manifestasse. Mas, o
cientista pode procurar a estética no seu trabalho, assim entendemos a Bohn quando diz
que:

Muitos dos profundos pensadores científicos usaram critérios de beleza


matemática no desenvolvimento de suas teorias, defendendo que as
explanações científicas devem ser também matematicamente belas. Sem a
exigência da estética matemática possivelmente muitas descobertas não
teriam sido feitas. (BOHM, 1989, p. 15).
A matemática pode ser considerada como o mais abstrato e logicamente coerente
modo de pensar, semelhante ao musical, totalmente aberto à criação livre e não cercado
por imposições da experiência sensorial. “Não se pode mais dizer que a distinção entre
ciência e arte é que a primeira descobre enquanto a segunda apenas inventa” (FREIRE-
MAIA, 1990, p. 36). Isso poderia parecer verdade segundo paradigmas positivistas, mas
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está longe de ser uma verdade atual. Como muitos visionários científicos, Bohn
esperava que a ciência e a arte acabassem por se fundir. Ele observava que essa divisão
entre ciência e arte é unicamente temporária, assim como não existia no passado, não a
razão para que exista no futuro. Assim como a arte não consiste apenas em obras de
arte, mas numa atitude, no espírito artístico, a ciência também não consiste na
acumulação de conhecimento, mas na criação de novos modos de percepção
(HORGAN, 1999).

As características “artísticas” da criação científica não podem ser descobertas


através da simples leitura de trabalhos científicos. Eles não revelam os segredos que se
escondem nos mecanismos profundos do ator criador. Seria preciso colocar, lado a lado,
cientistas e artistas e deixar que eles contassem “estórias” sobre as suas atividades, para
que os leigos pudessem descobrir o íntimo parentesco que os liga. Na lógica da
invenção, ocorrem muitos motivos que fogem totalmente à lógica, assim como na
criação científica há uma profunda indeterminação ou incerteza.

Seguindo os novos paradigmas, observamos que a práxis pedagógica é científica


e deve ser estética também, porque a arte também descobre e a ciência também inventa.
A ciência cria crenças racionais, mas, isto não impede que possa fazer uso da beleza,
ciência e beleza não são incompatíveis. E observamos a educação num jogo de ciência e
arte,

Deste modo, a educação não é uma ciência autônoma, pois não existe um
conhecimento autônomo de educação, mas é autônoma ela própria, como
autônomas são as artes e, sobretudo, as belas-artes, uma delas podendo ser,
ouso dizer e mesmo pretender - a educação. (TEIXEIRA, 1957, p.9).
Pela inquestionável importância da ciência na sociedade, acreditamos que tanto a
ciência como a estética são dimensões humanas que a educação na sua práxis tem que
plasmar. Sendo assim, procurar uma integração científica, estética e ética é um ideal de
formação humana.

A busca da integralidade, o desenvolvimento de todas as dimensões do


humano de forma proporcional e equilibrada entre as partes consta da nossa
proposta digna de ser discutida, mesmo levando em consideração as enormes
dificuldades que enfrentamos para nos aproximar dessa idéia e a
impossibilidade de realizá-la na sua totalidade. Trata-se, portanto, de um
constante aperfeiçoamento em todos os sentidos, em busca da plenitude.
(RÖHR, 2007, p. 11).
O aperfeiçoamento humano, que é uma busca constante, acompanha o
movimento da ciência, da ética e da estética. Já que a educação se preocupa com a
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formação humana, ela tem que lidar com conhecimento e desenvolvimento. A educação
deve promover o crescimento individual dentro do desenvolvimento do social. É ai que
surge o paradoxo entre o social e o individual, que a educação tem que resolver
mantendo o equilíbrio entre a liberdade e a igualdade de oportunidades. Ambos direitos
devem ser respeitados numa sociedade que pretende ser ética e democrática.

É importante destacar que o educador deve levar em conta desenvolver nos


educandos o espírito de pesquisa, para que não procure unicamente a razão senão
também a estética como norteadora da pesquisa. Assim, dentro da procura científica,
rigorosa e metódica deve ter lugar também a criatividade estética. Porque a
criatividade, além de ser uma manifestação estética, é uma manifestação da liberdade
do pesquisador, mediante a qual pode expressar sua individualidade dentro do espírito
coletivo que procura a ciência. A experiência estética resgata essa liberdade do espírito
criador, que pode encontrar harmonia na matemática, como na música.

Para finalizar, esperamos que este tema seja mais aprofundado posteriormente,
para esclarecer alguns conceitos de estética e vislumbrar com maior clareza como as
ciências, mesmo as exatas, podem manifestar sua estética.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mudanças de paradigmas nos permitem observar as anomalias, os erros e as


crises na ciência. Mas, estes resultados são sintomas de mudança e crescimento. De tal
modo, que as mudanças de paradigma permitem avançar, mesmo que seja isto um
processo lento.

A ciência passou por vários paradigmas ate descobrir da importância da beleza


dentro da ciência. Neste sentido, a humanidade percebeu que a racionalidade científica é
o cérebro da ciência, mas que todos os avanços devem estar acompanhados de estética
porque ela é o coração do conhecimento.

O professor deve observar um equilíbrio entre ciência e estética, acompanhar de


os avanços científicos e manter-se próximo das manifestações artísticas para alimentar
de maneira coerente seus conhecimentos. A realidade tem que ser apreendida através da
ciência e da estética, na procura de uma ampla visão do mundo.
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Na práxis pedagógica, o rigor científico e a pesquisa traz satisfação e ela deve


estar acompanhada pelo prazer estético que a harmonia desperta nos indivíduos. O
docente deve ter o conhecimento científico e a estética no seu dia a dia, em outras
palavras os valores de verdade e de beleza devem complementar-se na sua práxis
pedagógica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BURLET, Alain-Jacques. Pitágoras e a Aplicação dos Números na Harmonia.
Disponível em
http://www.ghtc.usp.br/server/Sites-HF/Alain-Jacques-Burlet/pitagoras.pdf. Acesso em
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