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O ROCK: REGRESSÃO AUDITIVA OU LIBERDADE DE EXPRESSÃO?

Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto


UNIOESTE - bernardosakamoto@yahoo.com.br
Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui
UEL - rosaguilar@hotmail.com
INTRODUÇÃO
Neste estudo sobre a música levantamos duas propostas estéticas, primeiro a visão de
música e arte de Adorno, que traz uma influência platônica focada na harmonia matemática e,
na segunda parte, trataremos a Schiller que também tem uma influência platônica, mas que
está relacionada a uma expressão de equilíbrio, que ele denomina lúdico e libertador. A
proposta é observar que Adorno faz uma crítica não unicamente ao Jazz e a música popular,
senão à música em geral incluindo a chamada séria. Este autor manifesta críticas em torno do
capitalismo, que torna todo o que toca em mercadoria e inviabiliza a produção artística. A
crítica de Adorno nos sugere que em quanto tenhamos uma cultura de alienação e fetichismo,
será impossível ter arte ou desenvolver gosto estético.
Por outro lado, a proposta de Schiller, com antecedentes platônicos também, mostra
uma necessidade de desenvolver em todos os indivíduos o gosto estético, através de uma
aproximação da arte. De fato observamos uma visão educadora que envolve uma formação
estética, equilibradora e libertadora. Temos que considerar que para Schiller o equilíbrio que a
arte proporciona não discrimina nenhuma manifestação estética, neste sentido o rock está
contemplado, assim como qualquer música, desde que atinjam o desejado equilíbrio.
A pesquisa é bibliográfica e tem como principais referências a Teoria Estética de
Adorno e Sobre a Educação Estética do ser Humano numa serie de cartas e outros textos
de Schiller. Ademais destes livros nos auxiliamos com outros textos dos autores, e
comentadores, que nos permitem desenvolver uma proposta valorativa sobre o juízo estético e
o rock em ambos os filósofos.
O trabalho está dividido em duas partes, primeiro trataremos a proposta de Adorno e o
estatuto do rock e depois, a visão de Schiller, a criatividade e o rock. Por último, levantamos
algumas observações à maneira de conclusão sobre o tema abordado.
1. ADORNO A MÚSICA E O ROCK
Adorno desenvolveu suas posições teóricas básicas entre meados dos anos 1930 e o
fim da década de 1940, vislumbrando a música popular como a realização mais perfeita da
ideologia do capitalismo monopolista. A crítica de Adorno está direcionada à política cultural
do nazismo que se apropriava de todo o legado cultural e filosófico alemão e o transformava
em instrumento de alienação e manipulação das massas.
Toda vez que a paz musical se apresenta perturbada por excitações
bacânticas, pode-se falar da decadência do gosto. Entretanto, se desde o
tempo da noética grega a função disciplinadora da música foi considerada
um bem supremo e como tal se manteve, em nossos dias, certamente mais do
que em qualquer outra época histórica, todos tendem a obedecer cegamente a
moda musical, como alias acontece igualmente em outros setores.
(ADORNO, 1999, p. 65)
Observamos uma influencia platônica em Adorno, assim, a referência às festas
bacânticas remete ao culto ao deus Baco, que é associado à embriaguez e excessos, que de
fato contrariam “a função disciplinadora da música”. Essa função servia para manter cada
indivíduo no ápice de sua realização pessoal, assim manifesta Adorno, “o programa ético
musical de Platão possui a característica de uma ação de purificação ática, de uma campanha
de saneamento de estilo espartano” (ADORNO, 1999, p. 68).
Com a rejeição às formas de música que alteram a paz, Adorno rejeita a música
popular que sai dos padrões disciplinadores. Esta exclusão e rejeição têm uma origem
platônica que afasta o prazer da ordem superior da música, uma ordem contemplativa, que
teria como objetivo disciplinar e elevar a condição humana. A música seria é atemporal,
enquanto a popular segue os padrões da moda sendo efêmera e altamente mutável.
Para entender a influência platônica de Adorno, observamos que na antiguidade a
estética estava ligada à lógica, à retórica e à poesia. E Platão está preocupado por manter a
ordem na república ideal, de tal maneira que ele cuida da estética porque ela ajuda a manter a
harmonia da cidade. O ideal platônico é ter uma republica sempre controlada. Mas nesta
cidade deve existir ritmo e harmonia:
Quer o ouçam discorrer com metro, ritmo e harmonia acerca da arte de fazer
sapatos, quer sobre a estratégia militar ou o tema que for, tal o natural
fascínio que exerce com seus recursos. Porém, se despirmos asa criações dos
poetas desse colorido musical e as apresentarmos em expressões comuns,
bem sabes, tenho certeza, a que ficam reduzidas (PLATÃO, 2000, 601b)
Ao falar de metro, ritmo e harmonia, Platão alude a uma beleza quase matemática,
onde deve primar a ordem e a regularidade, que mantêm tudo sob controle. O ritmo e a
harmonia não devem estar unicamente na música, senão no cotidiano, como na vida dos
militares e artesãos. Esta ordem e medida devem ser sempre respeitadas. Por essa razão, os
artistas que não seguem estes princípios desvirtuam a teoria das Formas platônicas. Estes
artistas não se acolhem ao conceito de harmonia, sua arte está corrompida pela cor e os
ornamentos, pretendem despertar gozo.
Platão não aceita a sensualidade como fonte de prazer, os sentidos só podem ser
aceitos como um termo mediador na procura de conhecimento, na procura da verdade das
Formas. A função cognitiva da sensibilidade deve prevalecer sob a função estimulante dos
apetites do corpo, estes são erógenos e estão governados pelo princípio do prazer.
A repressão dos sentidos corporais fez que o conhecimento se tornasse a preocupação
máxima das faculdades “superiores”, contemplativas e não sensuais. Neste contexto, a estética
foi absorvida pela lógica e metafísica. A sensualidade é considerada uma faculdade “inferior”,
destinada unicamente a proporcionar matéria prima para o conhecimento. O conteúdo e a
validade da função estética foram diminuídos, por estar sempre ligada à sensualidade. Não
havia uma estética, como a ciência da sensualidade que corresponda à lógica como a ciência
da compreensão conceitual.
A crítica contemporânea mais aguda ao prazer na arte se encontra na Teoria estética
de Theodor Adorno. Ele considera que buscar prazer na obra de arte é banal; as palavras como
“um regalo para os ouvidos” delatam esta situação. Ele compara a satisfação estética com a
satisfação que a matemática produz:
A estética da satisfação, expurgada uma vez da crua materialidade, coincide
com as relações matemáticas no objecto artístico, de que a mais célebre, na
arte plástica, é a secção de ouro, que tem o seu equivalente nas relações dos
harmônicos simples da consonância musical. (ADORNO, 1970, p. 62)
Adorno acredita que tirando o prazer da obra de arte, ela fica mais pura e poderá ser
apreciada com maior plenitude. Assim entendemos quando afirma “Na realidade, quanto mais
se compreendem as obras de arte, tanto menos se saboreiam.” (ADORNO, 1970, p. 24). A
obra de arte, afirma Adorno, deve por si mesma ser importante, o que ela proporciona é a
verdade. Sendo assim, as obra de arte não são um meio de prazer, se a consideramos assim, as
convertemos em um produto, em mercadorias:
Enquanto que a obra de arte excita aparentemente o consumidor pelo seu
caráter sensual, ela torna-se-lhe estranha, alienada: transforma-se em
mercadoria, que lhe pertence e que ele receia constantemente perder. A falsa
relação à arte encontra-se intimamente ligada à angústia da posse. A
representação feiticista da obra de arte como propriedade que é possível ter e
que se pode destruir pela reflexão corresponde estreitamente à representação
feiticista do bem utilizável na economia psicológica. (ADORNO, 1970, p.
25)
Aquele que não seja capaz de desprender-se do gosto prazenteiro na arte fica à altura
dos produtos culinários ou a pornografia, segundo Adorno. O prazer artístico não seria outra
coisa que uma reação burguesa contra a espiritualização da arte e, com isso, o fundamento
para a indústria cultural de nosso tempo, a qual serve aos ocultos interesses dominantes.
Numa sociedade onde a arte já não tem nenhum lugar e que está abalada em
toda a reacção contra ela, a arte cinde-se em propriedade cultural coisificada
e entorpecida e em obtenção de prazer que o cliente recupera e que, na maior
parte dos casos, pouco tem a ver com o objecto. (ADORNO, 1970, p. 27)
A crítica de Adorno esta vinculada com a crítica social. A arte burguesa é vista como
arte de entretenimento. A indústria cultural transforma a arte em diversão, em especial a
música, que perde todo seu valor estético em meio a um universo de mercadorias. O impacto
dessa desvalorização é medido pelo fetichismo da mercadoria. Ante isso Adorno apela a
erradicar o prazer da obra de arte:
A felicidade produzida pelas obras de arte é uma fuga precipitada e não um
fragmento daquilo a que a arte se subtraiu; é sempre acidental, mais
inessencial para a arte do que a felicidade do seu conhecimento. O conceito
de deleite artístico enquanto constitutivo deve ser eliminado. (ADORNO,
1970, p. 27)
Segundo Adorno, a arte que procura o prazer procura uma felicidade infantil, enquanto
que ao se recusar a isso ela se torna mais espiritualizada (ADORNO, 1970, p. 151). Para este
filósofo, a arte possui um valor de verdade, que pode ser alcançado através da reflexão
filosófica. As massas estão mais ligadas a uma arte de entretenimento, arte ligeira, que
banaliza a obra autêntica. A estética tem o dever de expor a verdade da arte, este conteúdo não
é identificável de imediato. Assim: “a filosofia e a arte convergem no seu conteúdo de
verdade: a verdade da obra de arte que se desdobra progressivamente é apenas a do conceito
filosófico” (ADORNO, 1970, p.151) e o conteúdo da obra de arte não é o que ela significa
senão é uma interpretação filosófica. Sendo assim, uma autêntica experiência estética para
Adorno, deve ser filosófica. A verdade da arte é uma verdade metafísica.
Quando Adorno avalia o gosto musical das pessoas, ele alude não a um gosto estético
próprio do indivíduo, senão a uma situação à qual os indivíduos estão expostos devido à
sociedade de consumo, assim,
Se perguntarmos a alguém se gosta de uma música de sucesso lançada no
mercado, não conseguiremos furtar-nos a suspeita de que o gostar e o não
gostar já não corresponde ao estado real, ainda que a pessoa interrogada se
exprima em termos de gostar e não gostar. Em vez do valor da própria coisa,
o critério de julgamento é o fato de a canção de sucesso ser conhecida de
todos; gostar de um disco de sucesso e quase exatamente o mesmo que
reconhecê-lo. (ADORNO, 1999, p. 66)
O valor estético no sistema de mercado se perde. Para adquirir um novo motivo do
consumo da música - que não responde sequer ao desenvolvimento do gosto, senão a um
condicionamento mecânico, a um impulso de consumo - manipulam-se os indivíduos através
de reiterados estímulos auditivos através do mercado musical. A sensibilidade estética, o
gosto e a capacidade de fazer juízos estéticos se perdem porque,
O comportamento valorativo tornou-se uma ficção para quem se vê cercado
de mercadorias musicais padronizadas. Tal indivíduo já não consegue
subtrair-se ao jugo da opinião pública, nem tampouco pode decidir com
liberdade quanto ao que lhe é apresentado, uma vez que tudo o que se lhe
oferece é tão semelhante ou idêntico que a predileção, na realidade, se
prende apenas ao detalhe biográfico, ou mesmo a situação concreta em que a
música é ouvida. (ADORNO, 1999, p. 66)
Se o critério de escolha de música não tem nada a ver com o senso estético, fica muito
difícil decidir diante de produtos audíveis, que são “fabricados” para ser compulsivamente
consumidos e, que o único fim que têm é aumentar o lucro dos produtores. Este consumo não
exige nenhum senso crítico, visto que o senso estético perdeu-se. Agora o que impera é a
manipulação dos consumidores que atuam alienados, por desejos e compulsões de consumo.
Em lugar de criatividade artística, o que está em desenvolvimento são pesquisas sobre as
reações dos consumidores diante do marketing e propaganda.
O que está em jogo neste juízo musical já não é estético, senão um condicionamento
que limita a liberdade do indivíduo. A sensibilidade estética fica atrofiada.
O fascínio da canção da moda, do que é melodioso, e de todas as variantes
da banalização, exerce a sua influência desde o período inicial da burguesia.
Em outros tempos este fascínio atacou o privilégio cultural das camadas
sociais dominantes. Hoje, contudo, quando este poder da banalidade se
estendeu a toda a sociedade, sua função se modificou. (ADORNO, 1999, p.
71)
A ilusão que provoca a música de moda escutada frequentemente alcança a todas as
esferas sociais, porque a mídia é a que propicia estes efeitos de banalização. E surge um
conceito generalizado que leva a pensar que a música ligeira é mais democrática ou melhor
que a séria,
A ilusória convicção da superioridade da música ligeira em relação a séria
tem como fundamento precisamente essa passividade das massas, que
colocam o consumo da música ligeira em oposição as necessidades objetivas
daqueles que a consomem. (ADORNO, 1999, p. 72)
Em realidade a mídia ataca com seu efeito mercantilizante qualquer tipo de música. O
mercado percebeu que pode manipular qualquer tipo de música, tanto a denominada
“clássica”, como a “ligeira”, ambas são consideradas mercancias. Desta maneira a reação do
ouvinte é a reação de um consumidor exposto a um bombardeio de publicidade alienante, do
marketing. As doenças do capitalismo atacam todas as manifestações musicais, assim,
De vez que os atrativos dos sentidos, da voz e do instrumento são
fetichizados e destituídos de suas funções únicas que lhes poderiam conferir
sentido, em idêntico isolamento lhes respondem — igualmente distanciadas
e alheias ao significado do conjunto e igualmente determinadas pelas leis do
sucesso — as emoções cegas e irracionais, como as relações com a música
na qual entram carentes de relação. Na realidade, as relações são as mesmas
que se verificam entre as músicas de sucesso e os seus consumidores.
(ADORNO, 1999, p. 76)
As relações de consumo embotam os sentidos, fetichizam a música e, então, a relação
estética fica impossibilitada. As denominadas músicas de moda, podemos entender dentro
delas o rock, são as que fazem sucesso e, para alcançar este patamar obviamente não se
utilizaram recursos artísticos ou estéticos, senão meios de propaganda, estratégias para induzir
o consumo, para manipular os indivíduos (SENNETT, 2006). Esta relação entre indivíduos e
música é uma descarnada relação de consumo. Sendo assim, esperar atingir os ouvintes
através da música é um absurdo, porque “tão estranho, alienado da consciência das massas
por um espesso véu, como alguém que tenta falar aos mudos” (ADORNO, 1999, p. 76). A
música perdeu sua natureza estética,
Com efeito, a música atual, na sua totalidade, é dominada pela característica
de mercadoria: os últimos resíduos pré-capitalistas foram eliminados. A
música, com todos os atributos do ético e do sublime que lhes são
outorgados com liberalidade, é utilizada sobretudo nos Estados Unidos,
como instrumento para a propaganda comercial de mercadorias que é preciso
comprar para poder ouvir música. Se for verdade que a função
propagandística é cuidadosamente ofuscada em se tratando de música seria,
no âmbito da música ligeira tal função se impõe em toda parte. Todo o
movimento do jazz, com a distribuição grátis das partituras as diversas
orquestras, está orientado no sentido de a execução ser usada como
instrumento de propaganda para a compra de discos e de reduções para
piano. (ADORNO, 1999, p. 77).
Esta crítica de Adorno bem pode ser estendida ao rock, jazz, etc. e não como um
preconceito contra a música popular, senão com uma concepção pessimista ao observar que a
arte esta massificada e afastada de valores puramente estéticos. Para Adorno, na sociedade de
consumo a expressão “arte pela arte”, carece de sentido, agora é arte como mercadoria
(HORKHEIMER e ADORNO, 1997). A arte deixa de ter mérito artístico porque é um
investimento, que vale de acordo às ventas, e quem põe qualidade ao produto é o mercado, o
investimento e a publicidade.
O rock pode ser considerado uma música de qualidade? Que é qualidade estética?
Segundo Adorno, todos se esqueceram disso, porque ninguém procura essas qualidades numa
mercadoria. A indústria cultural permite que seus produtos sejam consumidos rapidamente
para que o movimento do mercado cresça e, para que este fenômeno funcione o consumo
deve ser rápido é inconsciente (HORKHEIMER e ADORNO, 1997). Segundo a visão crítica
de Adorno, boa música na sociedade de consumo é aquela que vende. De quem depende o
êxito artístico, obviamente do empresário que cuida de marketing e vendas.
2. SCHILLER, A CRIATIVIDADE MUSICAL E O ROCK
Friedrich Schiller, autor das Cartas sobre a Educação Estética do ser Humano
(1791-1793) ressalta a importância da educação estética para a formação do indivíduo. Para
este autor, a realidade está formada pelas condições materiais das que faz uso o artista (tinta,
papel, sons, técnicas, idioma, exercícios, regras, etc.) e a forma representa o espírito do artista,
a intenção que o material expressa. O artista tem que ter as duas condições para expressar sua
arte, sua mensagem.
Schiller concebe a beleza como o ideal superior platônico, eterna e indivisível, que
está num ponto de equilíbrio estático e “não se pode encontrar na realidade um efeito estético
puro”, mas, esta beleza platônica tem um reflexo na obra de arte, nela se plasma e consegue
uma realidade concreta. “A excelência de uma obra de arte apenas pode residir numa maior
aproximação desse ideal de pureza estética”. Ele considera a beleza ideal como único
referencial que guia a procura da beleza, mas este autor valoriza a obra de arte real porque, “a
beleza no plano da experiência será pelo contrário, eternamente dupla, porque numa oscilação
pode ser perturbado o equilíbrio de duas maneiras” (SCHILLER, 1993, p. 65).
Unicamente a obra de arte real consegue um equilíbrio particular a partir de um
movimento, do esforço do artista para comunicar (a forma) a partir dos meios técnicos da arte
(a matéria). Cada artista procura seu equilíbrio como uma experiência pessoal, isto enriquece
o conceito de arte. A realidade nos permite ver que para perceber a beleza temos que ter em
conta a época, o artista, a técnica, seu entorno, e saber que cada obra de arte é uma
experiência única. A experiência artística é única e criativa porque cada artista tem suas
próprias condições materiais e sua própria mensagem.
Observamos que para Schiller a experiência estética faz confluir emoção e razão,
reações culturalmente ricas, que agrupam os instrumentos dos quais nos servimos para
aprender o mundo que nos rodeia. Os dois princípios opostos que se equilibram na
experiência estética são de um lado, a forma que expressa o sentimento, o subjetivo, e se
manifesta de maneira espontânea e, de outro, a matéria que representa o racional, o objetivo,
as regras, a técnica. “No caso do homem espiritual, a beleza da experiência estética o afasta da
forma e o aproxima da matéria para equilibrá-lo” (SCHILLER, 1993, p. 69).
Este equilíbrio proposto pela estética é uma fusão cuidadosa de dois elementos que
mobilizam o indivíduo: o sentimento e o entendimento. De tal maneira que, “não se note no
todo qualquer traço de divisão” e é necessária esta união para a “perfeita unidade”. O
equilíbrio proposto por Schiller entre sentimento e entendimento é fundamental para poder
chegar ao conceito de beleza, por isso:
Os filósofos que, não refletirem sobre este tema, se deixam cegamente dirigir
pelo seu sentimento, não poderão chegar a um conceito de beleza, uma vez
que não distinguem nenhum aspecto isolado no total da impressão sensível.
Os outros, que tomam em exclusivo, o entendimento como guia, nunca
poderão atingir um conceito da beleza, uma vez que no total da mesma nada
mais discernem para além das partes, permanecendo para eles o espírito e a
matéria eternamente separados, mesmo na sua mais perfeita unidade. (1993,
p. 70).
O conceito de beleza se alcança graças a um equilíbrio entre o sentimento e o
entendimento, entre a liberdade criatividade e a razão reguladora. O exercício estético nos
conduz ao que é ilimitado, ao ideal de beleza, a um ponto ideal, estático em equilíbrio
perfeito, mas, assim como a ciência pretende aproximar-se da Verdade platônica, assim a
estética procura a Beleza platônica perfeita. Unicamente o estado estético é um todo em si,
que permite a nossa humanidade expressar-se com integridade, sem rupturas entre razão e
sentimento. Schiller explica esta fusão da seguinte maneira:
Através da disposição estética do ânimo abre-se assim, a atividade própria da
razão já no campo da sensibilidade, quebra-se o poder da sensação já dentro
cede seus próprios limites, vendo-se o homem físico enobrecido a tal ponto
que o homem espiritual apenas necessita de desenvolver-se a partir dele, de
acordo com as leis da liberdade. (1993, p. 70).
A estética graças ao auxílio da razão permite que o homem físico, aquele dominado
pela experiência sensível, reflita enriquecendo suas sensações e saindo dos limites que elas
lhe colocam. Este homem consegue atingir o espiritual, integrando os sentimentos na sua
experiência, mas, sem deixar-se dominar por eles, encontrando um equilíbrio. A formação do
indivíduo não pode deixar esse conceito de estética como equilíbrio porque:
Se se pretende que o [indivíduo] seja capaz e este apto para elevar-se a partir
do estreito círculo dos fins naturais, para fins racionais, nesse caso ele deverá
já se ter exercitado dentro dos primeiros, tendo à vista os últimos,
executando a sua determinação física com uma certa liberdade de espírito,
i.e., de acordo com as leis da beleza. (SCHILLER, 1993, p. 79).
A arte é um caso privilegiado de razão e sensibilidade, tanto para o artista que cria
obras concretas e singulares quanto para o apreciador que se entrega a elas para encontrar-lhes
o sentido. O verdadeiro artista utiliza razão e intuição na expressão da sua arte. Ele vê, ou
ouve, o que está por trás da aparência exterior do mundo, para um artista um bloco de
mármore deixa de ser uma pedra para ser um meio físico de expressar seus sentimentos. O
artista atribui significados ao mundo por meio da sua obra. O espectador lê esses significados
nela depositados, capta essa mensagem de razão e espiritualidade.
O rock pode não despertar a beleza imediata, mas pode suscitar uma reflexão e
valorizar o trabalho do artista. O rock agrada as pessoas? Ele deve despertar o desejo da
compreensão de quem vê o deslumbramento. O expectador não só deve ficar no
deslumbramento, deve penetrar na intenção e no sentido do artista.
A experiência estética através da beleza moderará a vida, permitindo a passagem das
sensações aos pensamentos e, proporcionando a forma ao sensível, reconduzindo o conceito à
intuição e a lei ao sentimento. Desta experiência se favorecem tanto o homem guiado pelas
sensações, o homem físico, como aquele guiado pelos sentimentos, o espiritual. O papel da
experiência estética como meio equilibrador do indivíduo, integrador de ciência e beleza, é
fundamental para a formação do indivíduo.
Para Schiller, o ideal do homem é alcançar a beleza através do jogo de equilíbrio, onde
o sensível e o racional se harmonizam. A atividade estética ajuda o homem a realizar-se. A
noção de jogo é fundamental na teoria estética de Schiller, de tal maneira que, “nunca
erraremos se buscarmos o ideal de beleza de um ser humano pela mesma via através da qual
satisfazemos o nosso impulso lúdico” (SCHILLER, 1993, p. 64). Tal impulso lúdico não é um
instinto particular e puramente espontâneo, ele é uma síntese entre um impulso sentimental
que estabelece a forma e uma força de ordem biológica que impõe o sensível. O lúdico se
converte “num projeto de otimização da natureza humana por intervenção do artifício, um
jogo sensível e reflexivo” (SCHILLER, 1993, p. 20).
O lúdico em Schiller nos remete a seu conceito de liberdade. O impulso lúdico é o
equilíbrio que o homem consegue quando se libera das limitações da sensibilidade e da razão,
a partir de um salto dialético que supera esta oposição. De tal maneira que, “o ser humano só
joga quando realiza o significado da palavra homem, e só é um ser plenamente humano
quando joga” (SCHILLER, 1993, p. 64).
A experiência lúdica permite um salto qualitativo na experiência humana, que se
converte numa manifestação formadora e transformadora que humaniza, e equilibra
restaurando aquela harmonia perdida na divisão do trabalho e na especialização. Neste
sentido, o lúdico como experiência estética não é um meio didático, ele é um objetivo ao qual
a formação do indivíduo deve aspirar.
O artista criador não é o único que experimenta o equilíbrio, o espectador ao
interpretar a obra de arte também pode experimentá-lo, posto que está compartindo com o
artista essa experiência unificadora de razão e sentimentos. Estes dois âmbitos do humano
coexistem, de tal maneira que:
Quando domina o impulso formal, reina o princípio universal da espécie,
impõem-se os juízos universais da ciência, as normas universais da
humanidade. Já onde domina o impulso sensível (material), reina a
inclinação subjetiva e variável, o sentimento particular e passageiro
(SCHILLER, 1963, p. 22).
Nenhum dos dois impulsos deve ultrapassar os limites, pelo contrário, o ideal é manter
os dois equilibrados para convertê-los em um terceiro impulso, o lúdico. A arte que se
manifesta no lúdico harmoniza o imperativo categórico com a inclinação natural. A Estética
estabelece o elo entre a razão e a sensibilidade. O verdadeiro feito da arte demanda o humano
jogo das formas sensíveis e racionais, de tal maneira que: “a beleza deve libertar o homem de
dois erros e desvios – da brutalidade física do selvagem e da decadência requintada do
bárbaro culto” (SCHILLER, 1963, p. 22). Daí, a importância da educação estética para a
formação dos indivíduos, para a educação. A educação estética deve permitir experimentar
aquele jogo de equilíbrio entre a razão e a sensibilidade tanto no caso do artista que cria como
aquele que percebe a arte. A importância da estética na formação humana é que ela é o eixo
que equilibra o homem dominado pela razão e também àquele dominado pelos sentimentos.
Buscamos a arte pelo prazer que ela nos causa e “tal prazer provém da vivencia da
harmonia descoberta entre as formas dinâmicas de nossos sentimentos e as formas do objeto
estético” (DUARTE, 2004, p. 60). Uma sinfonia, um quadro, um romance, todos são refúgios
que nos dão prazer ou produzem emoção. No fundo, são os mesmos motivos que nos fazem
assistir um jogo de futebol. A diferença está nas emoções artísticas que são ricas e fecundas, o
prazer e a evasão só são “alienações” num primeiro momento: transformando nossa
sensibilidade, elas transformam também nossa relação com o mundo. (COLI, 1988, p. 112)
convertendo-se em experiência que enriquecem e nos integram ao mundo da arte.
A fruição da arte não é imediata, espontânea, um dom, uma graça, ela pressupõe um
esforço diante da cultura. Assim, para que possamos desfrutar ao assistir um esporte, é
necessário conhecer as regras desse jogo, do contrário, a emoção que transmite passará
despercebida. Para experimentar, com maior prazer a obra de arte temos que estar
familiarizados com sua forma de expressão.
A compreensão da arte exige conhecer um conjunto de relações e de referências que o
jogo estético possui e que, evoluem com o tempo, envelhecem e transformam-se nas mãos de
cada artista. “Tudo na arte é mutável e complexo, ambíguo e polissêmico. Com a arte não se
podem apreender regras de apreciação. E a apreciação artística não se dá espontaneamente”
(COLI, 1988, p. 116). A arte não oferece regras únicas para conceber a beleza, com isto ela
afasta os preconceitos, porque não tem como avaliar uma obra em função de outra.
Sendo assim, se queremos entender o rock, ou qualquer manifestação artística, temos
que manter contato com essa expressão artística, de maneira constante, para aperfeiçoar a
compreensão da linguagem artística, porque cada expressão artística é única e o artista cria e
recria sua linguagem continuamente. O fato de o rock ter sido consumido por um largo
público significa apenas que ela possuía elementos capazes de seduzir um grande número de
pessoas em um momento determinado. Isto nos diz que as linguagens artísticas mudam com o
tempo e lugar.
Para poder vivenciar a arte temos que educar o que Schiller denomina: o gosto, que é
indispensável para compreender a percepção e os juízos estéticos. Mas, para educar o gosto, a
experiência estética deve comportar tanto os elementos subjetivos como os objetivos. Ter
gosto é ter capacidade de julgamento sem preconceitos. A própria presença da obra de arte é
que forma o gosto, isto é, transcende a percepção sensível, reprime as particularidades da
subjetividade, converte o particular em universal. De tal maneira que:
“Gostar” ou “não gostar” não significa possuir uma “sensibilidade inata” ou
ser capaz de uma “fruição espontânea” – significa uma reação do complexo
de elementos culturais que estão dentro de nós diante do complexo cultural
que está fora de nós, isto é a obra de arte (COLI, 1988, p. 117).
O gosto é a capacidade de poder valorizar a obra, é perceber sua complexidade para
além de todo saber e toda técnica através do contato com a obra de arte. A experiência estética
é a experiência da presença tanto do objeto estético como do sujeito que o percebe. Os objetos
artísticos encontram-se intimamente ligados aos contextos culturais: eles nutrem a cultura,
mas também são nutridos por ela e só adquirem razão de ser nessa relação dialética, só podem
ser apreendidos a partir dela. A cultura é fundamental na obra de arte porque “é constituída,
em última análise, por elementos culturais mais profundamente necessários que os próprios
elementos materiais” (COLI, 1988, p. 118).
A educação do gosto deve contemplar que precisamos estar em harmonia com a razão
e a sensibilidade, isto é, aquele que quer experimentar a beleza de uma obra de arte tem que
ter, de um lado, a capacidade de apreciar a manifestação técnica da obra e, de outro, a
suficiente sensibilidade para valorizar a intenção do artista num conjunto que se pode
denominar: a beleza artística. À arte chega-se com disciplina e dedicação, tanto para ter a
capacidade de expressar através de um artifício a beleza, como para poder captá-la e decifrá-
la. O espectador não deve ficar num plano de observador superficial, tem que valorizar a
técnica e a sensibilidade do artista. Numa experiência estética estas características não se
separam. Porque do contrário acontece que:
Escritores que tem mais espírito do que entendimento, e mais gosto do que
ciência, tornam-se culpados deste engano com demasiada freqüência, e
leitores mais habituados a sentir do que a pensar mostram-se demasiado
prontos a perdoar-lhes. Em geral, é problemático dar ao gosto a sua
formação plena antes de ser exercitado o entendimento, enquanto faculdade
pura de pensar, e de se ter enriquecido a mente com conceitos. (SCHILLER,
1993, pp. 115-116).
Schiller denomina de “espírito de superficialidade e frivolidade” àquele que se deixa
dominar por sua intuição, o contrário também pode ocorrer àquele que só observa a técnica, as
regras, os procedimentos e não é capaz de captar a sensibilidade do artista. De tal maneira
que, “matéria sem forma é deserto [...]. Forma sem matéria, em contrapartida, é apenas a
sombra de uma posse” (SCHILLER, 1993, p. 116). O belo já produz o seu efeito na mera
contemplação, o verdadeiro requer estudo. A estética equilibra as duas experiências sem
separá-las porque “o artista embora trabalhe unicamente para o agrado da contemplação, só
pode conseguir o [equilíbrio] através de um estudo fatigante”. (SCHILLER, 1993, p. 117).
Se o gosto é uma capacidade, um critério, que se forma com cuidado e dedicação e, é
necessário que a educação desperte em nós essa sensibilidade para perceber na obra de arte a
técnica e o sentimento do artista, isso é valorizar o esforço do mesmo. Porque pode acontecer
como aponta Jorge Coli: “o que é grave nas ideias de ‘espontâneo’, de ‘sensibilidade inata’, é
que elas impedem uma relação mais elaborada com a obra de arte, o esforço necessário para o
contato mais rico com ela”. (COLI, 1988, p.120). Então, para conseguir dialogar com a obra
de arte é necessário enriquecer esse contacto e a formação do indivíduo deve permitir esse
crescimento.
Educar o gosto é necessário para não privarmos, por exemplo, de experimentar uma
música clássica, obra que comumente exige de um maior esforço para interpretar que a
música popular. Ambas alcançam a beleza, só que a clássica experimenta maiores recursos
melódicos para nos agradar. Aprimorar o gosto através da educação é necessário para captar
melhores as múltiplas manifestações da beleza.
A educação na arte propõe um caminho indispensável: o da convivência com as obras
de arte. No caso específico do rock, precisamos aprender a perceber nele a ciência e a emoção
juntas. O rock, como manifestação artística, não pode jamais ser a conceitualização abstrata
do mundo. Ele é uma forma de percepção da realidade na medida em que cria formas
sensíveis que interpretam o mundo e o podem manifestar através de um equilíbrio entre a
técnica e o sentimento.
O aprimoramento de nossa capacidade de percepção, de nosso gosto, se consegue
mantendo contato com as obras de arte, porque “freqüentar uma obra de arte é antes de tudo,
um ato de interesse. Ouvir uma sinfonia é escutá-la e reescutá-la; olhar um quadro é examiná-
lo, observá-lo, detalhá-lo” (COLI, 1988, p.121). Tudo isso implica numa operação delicada
que exige esforço e humildade: é como se estivéssemos diante de um enigma a ser decifrado.
Em suma, educar nosso gosto exige conhecer a obra de arte com paciência e dedicação, tanto
na chamada popular como na erudita, sem preconceitos. Assim, um dos principais desafios da
educação não é definir o que é a arte, é saber como nos aproximamos dela (COLI, 1988,
p.126).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observamos que Adorno tem uma visão pessimista da arte e a cultura, dada a época
que ele viveu. Entendemos seu ceticismo por conseguir fazer arte depois de Auschwitz.
Advertimos alguns pontos em comum entre estes dois filósofos. A exigência pela
qualidade da arte é observada tanto em Adorno como em Schiller. Também os dois
desenvolvem além de trabalhos filosóficos, um envolvimento com a arte, assim como uma
forte influência platônica. Mas, estes autores também se distanciam teoricamente. Adorno
adota um pessimismo extremo e um desconhecimento à qualidade de arte, ele quase nega a
possibilidade de realizar arte, já seja de música ligeira ou séria. Já Schiller segue uma visão
otimista, acredita na educação e na necessidade de fazer uma educação estética. Ele observa
que na arte o individuo consegue um estado de liberdade, já seja através de manifestações
artísticas populares ou tecnicamente mais elaboradas.
Se para Adorno, a música está em uma situação degradada de mercadoria, e nesta
manifestação entendemos também o rock, ele rejeita esta manifestação como artística e faz
parte de um momento histórico, que é de regressão da audição. Já Schiller aceitaria o rock,
sempre que ele consiga atingir o requisito de toda manifestação artística, isto é, estabelecer o
equilíbrio entre sensibilidade e técnica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO Theodor. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 1970.
_______________. Textos Escolhidos. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural,
1999.
COLI, Jorge. O que é arte. São Paulo: Brasiliense, 1988.
DUARTE, Junior. Por que arte-educação? São Paulo: Papirus, 2004.
HORKHEIMER, Max. e ADORNO, Theodor. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos
filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
PLATÃO. A República. Belém: EDUPFA, 2000.
SENNETT, Richard. A cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006.
SCHILLER, Friedrich. Sobre a Educação Estética do ser Humano numa serie de cartas e
outros textos. Lisboa: Imprensa Nacional casa da Moeda, 1993.
_________________. Sobre a Educação Estética da Humanidade. São Paulo: Herder,
1963.
VERÁSTEGUI, Rosa. Estética. São Luis: Uemanet, 2012.

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