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a ciência não se destrói, [...] nenhuma crise interna pode deter seu
progresso, que o seu poder de integração permite-lhe aproveitar aquilo
que a contradiz. Uma modificação nas bases da ciência produz uma
expansão no seu cimo. Quanto mais se escava a ciência, mais ela se
eleva (BACHELARD, 1971, p.139).
Boaventura afirma que passamos por uma profunda crise que classifica como
“irreversível.” Segundo o autor, passamos por “um período de revolução científica que
se iniciou com Einstein e a mecânica quântica” e só se pode “especular acerca do
paradigma que emergirá” (ver, p.8). A crise tem repercussão direta sobre as perspectivas
epistemológicas.
EPISTEMOLOGIAS
A crise que marca a ciência hoje está ligada, conforme Boaventura (ver, p.2), a
um movimento em que “perdemos a confiança epistemológica; [...] daí a ambigüidade e
complexidade do tempo cientifico presente.” Kuhn avalia que a perspectiva epistemologia
ocidental, na qual a experiência dos sentidos é fixa e neutra, e as teorias interpretação humana de
dados já duram três séculos. No entanto, não atende mais as demandas da pesquisa atualmente.
Desta maneira, ela continua vigente. Para o autor, “na ausência de uma alternativa já desdobrada,
considero impossível abandonar inteiramente essa perspectiva. Toda via ela já não funciona
efetivamente” (2001, p.161).
Japiassu (1981) segue a proposição de Kuhn ao reafirmar que “somente o saber
positivo ou científico, enquanto não se puser a si mesmo em questão e enquanto não
conseguir reconstruir-se sobre novas bases, está longe de reconstituir todo o saber
científico.” (p.6). Para o autor, “Não compete ao epistemólogo estudar o passado de uma
ciência atual. Ele está mais interessado em estudar uma ciência atual em seu passado”
(p.4).
Neste cenário, “A universidade não pode continuar a pôr-se a margem num mundo
em que, uma vez excluída a certeza, a função do intelectual está necessariamente em vias
de mudança e a idéia de cientista neutro é fortemente posta em causa.” (WALLERSTEIN,
VER, p.114). Bachelard (1973, p. 206) vai falar da necessidade constante de “formar e
reformar a dialética da história ultrapassada e da história sancionada pela ciência
atualmente ativa”. As pesquisas institucionalizadas, tendo na universidade uma esfera de
legitimação, possuem um importante papel a cumprir nesse sentido.
Bachelard (1973) diz que no ensino científico apreende-se o fato, deixando em
segundo plano as razões, provocando o “empirismo da memória”. Propõe então uma
revolução epistemológica “para evidenciar o racionalismo (a ordem das razões) e situar
em posição subalterna o empirismo (a ordem dos fatos) pode parecer simples paradoxo”
(p.35).
A idéia de revolução, ou pelo menos de transformação, perpassa a reflexão de
Norris (2007, p.21) que propõe uma pesquisa mais ligada aos princípios de Aristóteles,
buscando uma concepção ética do conhecimento. Uma abordagem que “enalteça as
vitudes epistêmicas e se disponha a repensar a relação entre o que conhece e o que é
conhecido em termos que permitem evitar os áridos dualismos que têm até aqui
constantemente perturbado o debate” (NORRIS, 2007, 21).
A epistemologia constitui-se, para Bachelard (JAPIASSU, 1981), numa reflexão
sobre questões de teoria, método e conclusões. “ É a esses três níveis da démarche
científica que, inicialmente, refere-se a epistemologia. Daí pode ser conceituada como a
teoria crítica dos princípios, dos métodos e das conclusões. Porque o conhecimento real
é uma luz que sempre projeta sombras em algum lugar” (p.3). Propõe-se também a
“elaborar uma reflexão crítica permitindo-nos descobrir e analisar os problemas tais como
eles se colocam ou se omitem, se resolvem ou desaparecem, na prática efetiva dos
cientistas.” (p.96).
Bachelard (1973) verifica que, na epistemologia contemporânea, diferentes
abordagens experimentais são solidárias às organizações teóricas e propõe que “O
racionalismo integral só poderá ser um domínio das diferentes axiomáticas de base. E
designará o racionalismo como uma atividade dialética, dado que as axiomáticas diversas
se articulam entre si dialéticamente.” Tal postura epistemológica aproxima-se da proposta
de Einstein (JAPIASSU, 1981, p.29), convidando a valorizar os aspectos subjetivos, pois
a “lógica da descoberta é tão importante quanto a lógica da prova”.
Os aspectos subjetivos estão aqui colocados no sentido do terceiro mundo. Popper
(1992) vai dizer que “A interpretação, enquanto objeto do terceiro mundo, será sempre
uma teoria [...]e, como tal, está ligada a outras teorias e com outros objetos do terceiro
mundo” (p.155).A consolidação de uma confiança epistemológica num novo consenso,
ou paradigma, gera uma alteração no contexto, pois “[...] não é apenas nem tanto uma
melhor observação dos fatos como sobretudo uma nova visão de mundo e da vida, os
protagonistas do novo paradigma conduzem uma luta apaixonada contra todas as formas
de dogmatismo e de autoridade” (BOAVENTURA, ver, p.3).
Os problemas da epistemologia - da verdade, do conhecimento e da garantia
evidencial - estão “ligados ao comum interesse humano de obter juízos informados e
ponderados em toda uma variedade de áreas de investigação” (NORRIS, 2007, 13). No
entanto, principalmente a categoria de verdade não dever ser considerada o objetivo de
uma pesquisa e nem mesmo está refletida no paradigma utilizado. Conforme Japiassu
(1981, p.), cientistas e filósofos estão convencidos de que “no término das suas
investigações, não é a verdade que irão encontrar, mas tão somente verdades descobertas
após um penoso e longo processo de produção histórica.” (JAPIASSU, 1981, p.29).
A consciência da produção de verdades descobertas torna-se fundamental para a
profissionalização, pois “em nenhuma outra comunidade profissional o trabalho criador
individual é endereçado a outros membros da profissão (e por ele avaliados) de uma
maneira tão exclusiva” (KUHN, 2001, p.206). Mesmo analisando os processo de crise e
revolução científica, o autor vai defender que essa produção de conhecimento científico
é um produto europeu, gerado nos últimos séculos, pois “apenas as civilizações que
descendem da Grécia helênica possuíram algo mais do que uma ciência rudimentar”
(p.210). A análise, neste caso, restringe-se somente as modificações internas da ciência
normal, desconsiderando a sua própria perspectiva da ciência como uma construção
sócio-histórica.
Essa questão está colocada no centro da crise de paradigma científico na ciência
como um todo e nas discussões sobre as especializações das ciências sociais
(WALLERSTEIN, 1996). Contrariando Kuhn, Engelbert Mveng vai dizer que “O
Ocidente, hoje, concorda quando afirmamos que a via para a verdade passa por inúmeros
caminhos que não o da lógica aristotélica e tomista ou o da dialética hegeliana. Há que
descolonizar as próprias ciências sociais e humanas” (1978 apud WALLERSTEIN, 1996,
p.85).
Pierce (1877, p.17) diz que “a investigação científica tem tido os mais
maravilhosos triunfos na forma de estabelecer opinião.” Esse princípio guarda a questão
ideológica, presente na querela referida acima, demonstrando que a presente crise e
consequente disputa por hegemonia não se restringe a uma questão paradigmática.
Estende-se até mesmo a discussão sobre o que é fazer ciência. A disputa se dá por “que
aqueles que detêm o poder social têm uma tendência natural para considerar universal a
situação vigente, uma vez que ela os beneficia” (WALLERSTEIN, 1996, p.86). Desta
forma, “o modelo de epistemologia nomotécnica que gradualmente se fora tornando
dominante nas ciências sociais no período posterior a 1945” (p.91), ainda se mantém
como paradigma, mas tem sido colocado permanentemente em dúvida. No relatório da
comissão sobre as ciências sociais, por exemplo, está indicado que
O autor alerta que a verdade primeira não se constitui numa verdade fundamental
de objetividade que está ligada. Desta maneira, torna-se necessário um rompimento com
o conhecimento imediato, gerado pela evidência primária que será contraposta pela
verificação crítica.
O método deve ser portanto uma estratégia para se chegar a uma verdade
descoberta, constitui-se numa “astúcia de aquisição” (p.136). Critica a utilização de
métodos que apresentam excessiva eficária e por isso “acaba por passar da categoria de
método de descoberta para método de ensino.” (p.136), por acreditar que este método só
possui um passado. Por outro lado, o desenvolvimento de um método particular “se for
verdadeiramente fecundo determina expansões tais na cultura que é possível espantarmo-
nos com as habituais homilias contra a especialização” (BACHELARD, 1973, p.137).
Nessa perspectiva, acentua-se o valor dos métodos múltiplos que pela recombinação vão
produzir algo novo. Diz também que toda crise profunda no método utilizado “é
imediatamente uma consciência da reorganização do método” (p.138).
Gortari (1956) vai defender o procedimento dialético que “estabelece a análise
explicativa e concreta dos processos e, as vezes, leva a descoberta de sua existência e
define em sua integridade, o procedimento metodológico que permite conhece-lo.” (p.27).
Para ele, o observador deve ter consciência de que intervêm no processo, sendo a pesquisa
a “observação provocada dentro de condições controladas pelo investigador” (p.36). Por
isso, deve-se nos resultados procurar reduzir os erros de observação, considerando as
intervenções no desenvolvimento do processo, independendo das hipóteses (p.36).
Considera também que a pesquisa é “a fonte do conhecimento científico” (p.37) e a
atividade prática é o único critério objetivo desse conhecimento.
A proposição do problema como dinamizador de uma pesquisa e esta estar ligada
a objetos da realidade vai de encontro com os princípios da ciência moderna positivista
que propunha uma proeminência das idéias sobre as coisas. Boaventura (1986, p.4) diz
que nessa perspectiva são “as idéias que presidem à observação e à experimentação são
as idéias claras e simples a partir das quais se pode ascender a um conhecimento mais
profundo e rigoroso da natureza. Essas idéias são as idéias matemáticas.” Reforçando a
importância do problema Popper (1992, 172) defende que “o primeiro passo vital para
entender uma teoria é compreender a situação problemática a partir da qual esta surge.”
Gortari (1956) diz que a investigação científica deve corresponder ao “movimento
da natureza e da vida social”, partindo de hipóteses que são “resultado de experiência
anterior”. A partir da experimentação, portanto, uma hipótese pode ser rechaçada,
abrindo espaço para outras hipóteses, modificada ou então confirmada, quando
transforma-se em teoria, desta forma “a teoria científica não é outra coisa que a hipótese
comprovada experimentalmente” (p.29). A investigação, segundo ele, vai seguir alguns
postulados [paradigmas, na concepção de Kuhn], balizando-se por hipóteses particulares
dentro da ciência normal. Quando estes não se mostram eficientes para responder a um
objeto problematizado, abre-se espaço para novos paradigmas que “vê coisas novas nos
mesmos pontos já examinados” (KUHN, 2001, p.145).
REFERÊNCIAS
ECO, Humberto. Apocalípticos e integrados. 6ª Ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2004.
KHUN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 6. Ed. São Paulo: Ed.
Perspectiva, 2001.
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