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SANTOS, Boaventura de Sousa.

Um discurso sobre as ciências / Boaventura de Sousa


Santos. – 7. ed. – São Paulo: Cortez, 2010. p. 20-92
Lucas Ian Rocha Barros*
Boaventura Santos dá início a sua didática apresentando suas hipóteses de
trabalho, objetivando a elaboração de uma discussão pautada, a princípio, na idealizada
distinção entre ciências naturais e ciências sociais. Vale salientar, antes de qualquer coisa,
que a obra tem um direcionamento epistemológico – reflexão da natureza e limites do
conhecimento humano – além de uma visão conceitual do sujeito epistêmico e do sujeito
empírico. Para fins metodológicos, ao abordar as hipóteses, a citação direta do autor será
um mecanismo explicativo para esclarecer devidamente o seu pensamento.
• Hipótese 1: A criação de conexões entre as ciências, naturais e sociais, inviabilizando
suas distinções.
Ao adentrar nesse aspecto, o autor começa expressando o porquê de se pensar em
uma distinção. Para isso, ele formula a ideia de que as ciências naturais, em uma
concepção moderna, são fundamentadas em algo quantificável, ou seja, controlável. Já as
ciências sociais, essas dependem do fator humano, o qual é facilmente modificado e
dependente de fatores específicos.
“O que não é quantificável é cientificamente irrelevante. Em segundo lugar, o método
científico assenta na redução da complexidade. O mundo é complicado e a mente humana
não o pode compreender completamente. Conhecer significa dividir e classificar para
depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou.” (p. 28)
“[...] as ciências sociais não podem estabelecer leis universais porque os fenómenos
sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados; as ciências
sociais não podem produzir previsões fiáveis porque os seres humanos modificam o seu
comportamento em função do conhecimento que sobre ele se adquire [...]” (p. 36)
Contudo, Boaventura, ao citar o filosofo americano Ernest Nagel, define que na
medida em que há diferenças entre as ciências, elas são superáveis ou negligenciáveis.
Mais adiante, o autor realiza uma afirmação que modifica toda a conjuntura
argumentativa anterior: “Não há natureza humana porque toda a natureza é humana.” (p.
72). Assim, ele determina, de uma forma direta, o princípio para construir conexões entre
as ciências.
• Hipótese 2: A síntese que operar entre elas tem como polo catalisador as ciências
sociais.
“A concepção humanística das ciências sociais enquanto agente catalisador da
progressiva fusão das ciências naturais e ciências sociais coloca a pessoa, enquanto autor
e sujeito do mundo, no centro do conhecimento, mas, ao contrário das humanidades
tradicionais, coloca o que hoje designamos por natureza no centro da pessoa.” (p. 71-72)
• Hipótese 3: As ciências sociais terão de recusar todas as formas de positivismo lógico
ou empírico ou mecanicismo materialista ou idealista, com a consequente
revalorização das humanidades.
A ideia de mecanicismo materialista, por exemplo, está atrelada a ideia de mundo
estático e estável (p. 30-31), o que contradiz as relações sociais interligadas à plasticidade
– capacidade de moldar-se – da natureza humana, criada pelo inglês Francis Bacon. Este
pensamento, por sua vez, foi aderido pelo autor e abordado como um fomentador da
formulação das “Leis da Sociedade”.
Nessa perspectiva, com a arcaica percepção de domínio do homem sobre a natureza
e a nova construção da ideia deste como agente moldador dela, houve a necessidade de
conhecer melhor como a sociedade é construída e, ao mesmo tempo, modificada pela
ação do homem em uso e desfruto da sua cultura, surgindo, assim, espaço para uma
revalorização dos estudos humanísticos.
“Sucede contudo que, também como referi, o avanço do conhecimento das ciências
naturais e a reflexão epistemológica que ele tem suscitado têm vindo a mostrar que os
obstáculos ao conhecimento científico da sociedade e da cultura são de facto condições
do conhecimento em geral, tanto científico-social como científico-natural. Ou seja, o que
antes era a causa do maior atraso das ciências sociais é hoje o resultado do maior avanço
das ciências naturais.” (p. 70)
• Hipótese 04: A síntese não visa uma ciência unificada, mas uma convergência em
linhas de água.
Seria tênue dizer que é possível unificar ambas as ciências, tendo em vista todas suas
complexidades. Estas, por sua vez, o autor tentou fatiar durante todo o seu livro, a fim de
estabelecer uma visão conjunta entre ambas, mas não as unir totalmente. A exemplo disso,
cita-se os fragmentos abaixo:
“Para estudar os fenómenos sociais como se fossem fenómenos naturais, ou seja, para
conceber os factos sociais como coisas, como pretendia Durkheim, o fundador da
sociologia académica, é necessário reduzir os factos sociais às suas dimensões externas,
observáveis e mensuráveis.” (p. 35)
“A ciência social será sempre uma ciência subjectiva e não objectiva como as
ciências naturais; tem de compreender os fenómenos sociais a partir das atitudes mentais
e do sentido que os agentes conferem às suas acções, para o que é necessário utilizar
métodos de investigação e mesmo critérios epistemológicos diferentes dos correntes nas
ciências naturais, métodos qualitativos em vez de quantitativos, com vista à obtenção de
um conheci mento intersubjectivo, descritivo e compreensivo, em vez de um
conhecimento objectivo, explicativo e nomotético.” (p. 38-39)
Entretanto, embora a existência dessas diferenciações, o autor busca atribuir
conexões, como já citado. Isso é perceptível de forma mais objetiva no trecho seguinte:
“Deixado a si mesmo, o senso comum é conservador e pode legitimar prepotências,
mas interpenetrado pelo conhecimento científico pode estar na origem de uma nova
racionalidade. Uma racionalidade feita de racionalidades.” (p. 90)
• Hipótese 05: A distinção hierárquica entre conhecimento cientifico e conhecimento
vulgar tenderá a desaparecer a partir do desenrolar da síntese.
No inicio da leitura, o autor define o “Modelo Global de Racionalidade”, cuja
característica fundamental é a negação de um caráter racional a todo conhecimento que
for obtido por um modo diferente de seus princípios epistemológicos e de suas regras
metodológicas. Assim, Boaventura define, inicialmente, os conhecimentos não
científicos obtidos pelo senso comum e pelos estudos humanísticos como
“potencialmente perturbadoras e intrusas”.
“Ao contrário da ciência Aristotélica, a ciência moderna desconfia sistematicamente
das evidências da nossa experiência imediata. Tais evidências, que estão na base do
conhecimento vulgar, são ilusórias” (p. 24)
Contudo, no decorrer do livro, Boaventura atribui não somente laços entre as
ciências, mas também na obtenção dos seus conhecimentos. Ele, ao final de sua escrita,
realiza uma visão pós-moderna sobre a devida importância a cada um deles:
“Ao contrário, a ciência pós-moderna sabe que nenhuma forma de conhecimento é,
em si mesma, racional; só a configuração de todas elas é racional. Tenta, pois, dialogar
com outras formas de conhecimento deixando-se penetrar por elas. A mais importante de
todas é o conhecimento do senso comum, o conhecimento vulgar e prático com que no
quotidiano orientamos as nossas acções e damos sentido à nossa vida. A ciência moderna
construiu-se contra o senso comum que considerou superficial, ilusório e -falso. A ciência
pós-moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer nesta forma de
conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o mundo” (p.
88-89)
Portanto, conclui-se que a obtenção do conhecimento não se restringe a instrumentos
privilegiados de análises e uma lógica de investigação, teses formuladas e consolidadas
na ciência moderna, mas sua formação é resultado de um conjunto de saberes sociais que
se distanciam cada vez mais de apenas conclusões pela observação (sujeito epistêmico e
sujeito empírico, respectivamente).

*Discente do curso de Direito do CERES/ UFRN

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