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gente criando o futuro


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Diretor-presidente Jânyo Diniz

Diretoria Executiva de Ensino Adriano Azevedo

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ASSISTA
Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações comple-
mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado.

CITANDO
Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa
relevante para o estudo do conteúdo abordado.

CONTEXTUALIZANDO
Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato;
demonstra-se a situação histórica do assunto.

o CUR IOS IDADE


Informa ção que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto
\ tratado.

DICA
Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma
informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado.

EXEMPLIFICANDO
Informa ção que retrata de forma objetiva determinado assunto.

EXPLICANDO
Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da
área de conhecimento trabalhada.
Unidade 1 - Introdução à psicologia fenomenológica existencial na clínica
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 13

Temas fundamentais da Fenomenologia e Existencialismo ........................................ 14


A existência humana dentro da perspectiva fenomenológica ............. ............ ...... . 16
O ser humano e o aspecto transcendenta l ................................................................. 18
O ser humano dentro de uma visão integradora ........................................................ 20

Aspectos conceituais sobre a Clínica Psicológica ....................................................... 21


A fenomenologia e a psicoterapia ................................................................................ 22

O conceito de saúde e doença e a questão do normal versus patológico ................ 24


A relação entre a saúde e a doença na fenomenologia ........................................... 25
O sofrimento psicológico ........................................ ....................................................... 27

Sintetizando ........................................................................................................................... 30
Referências bibliográficas ................................................................................................. 31
Unidade 2 - Diagnóstico na perspectiva fenomenológica-existencial e intervenções
clínicas
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 34

O diagnóstico na perspectiva fenomenológica-existencial ........................................ 35


O que e, o d.1agnost1co
, . ps1co
. 1og1co
, . ?. ................ ...... ...... ............ .................. ...... ...... ...... . 37
Etapas do diagnóstico psicológico ............................................................................... 42
O olhar do psicólogo existencialista na compreensão do diagnóstico ................ . 43

Intervenções clínicas .......................................................................................................... 45


A psicoterapia e a prática fenomeno lógica ... ...... ...... ...... ...... ............ ...... ...... ...... ...... . 46
A re lação entre psicoterapeuta e o cliente ... ...... ...... ............ ..................................... 48
Resultados da atuação fenomenológica-existencial ..... ...... ...... ...... ...... .................. . 50

Sintetizando ........................................................................................................................... 53
Referências bibliográficas ................................................................................................. 55
Unidade 3 - A psicologia fenomenológica-existencial na clínica
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 58

A clínica e o cuidar .............................................................................................................. 59


O que é o cuidar dentro da prática fenomenológica -existencial ............... ...... ...... . 60
Quais as principais características da clínica fenomenológica-existencial ....... . 62

A situação existencial ......................................................................................................... 64


O conflito existencial ..... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ............ ...... ...... ...... ...... ...... ...... ............ . 65
A visão dimensional do ser ....... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... . 65

O tempo e o espaço .............................................................................................................. 67


O contexto de desenvolvimento ..... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... . 68
A existência humana e o seu tempo ... ............ ...... ...... ...... ...... ...... ...... ............ ...... ...... . 70

O outro e a fala ...................................................................................................................... 11


A escuta sem julgamento .......... .................................... ............ .................................... . 72
O dilema em ser o outro ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... . 73

Sintetizando ........................................................................................................................... 74
Referências bibliográficas ................................................................................................. 75
Unidade 4 - O plantão psicológico sob a perspectiva fenomenológica-existencial
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 78

Noções básicas sobre o aconselhamento psicológico em instituições ................... 79


Aconselhamento na saúde ............................................................................................ 83
Aconselhamento psicológico durante a pandemia de Covid-19 .......... ...... ...... ....... 87

Definição do plantão psicológico ..................................................................................... 89


Objetivos e desenvolvimento da prática no plantão psicológico ... ...... ...... ...... ...... . 91
A atuação do aconselhador no plantão psicológico .................. ...... ............ ............. 93
Plantão psicológico no ambiente hospitalar .............................................................. 96

Sintetizando ........................................................................................................................... 99
Referências bibliográficas ............................................................................................... 100
A Fenomenologia Existencial na clínica é uma das abordagens dentro do
grande e amplo campo de atuação da psicologia, tratando-se de uma linha que,
como o próprio nome "existencial" aponta, se refere a uma atitude em relação
aos seres humanos que se apresentam como um conjunto de pressupostos
que definem sua existência como "ser".
Essa perspectiva começa a ser entendida dentro do âmbito da filosofia, in-
fluenciando diversas correntes sobre a existência humana e a origem de seus
comportamentos. Portanto, dentro de uma perspectiva teórica que aponta
como o homem vive e estabelece as relações consigo próprio e com seus pares,
é uma obrigação conhecer, analisar e ter uma visão ampla da disciplina, sem
contar que as principais questões apontadas servem de base para a prática
clínica dentro do contexto da Psicologia.
Compreender como a Fenomenologia auxilia na compreensão do conceito
de saúde e doença, além da atuação profissional dentro de uma visão huma-
nista do sofrimento humano, traz um entendimento prático referente ao lugar
de psicoterapeuta e cliente. Assim, a ideia de normal e patológico é tratada na
perspectiva de quebra dos estigmas e estereótipos que cercam o papel do psi-
cólogo na prática clínica. Tal abordagem contribui para a formulação de como
é possível que um ser se relacione com outro, entendendo a comunicação a
partir da concepção do aspecto consciente.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


A professora Francisca Edinete
Nogueira de Sousa é mestre em
Ciências Humanas pela UN ISA - Uni-
versidade de Santo Amaro (2020),
especialista em Neuropsicologia pela
UNIPAR - Universidade do Paraná,
em Parceria com a UN IFESP - Univer-
sidade Federal de São Paulo (2016), e
graduada em Psicologia pela UNISA -
Universidade de Santo Amaro (2004).

Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0014542991364943

Dedico este trabalho a Deus, em primeiro lugar, por ter me proporcionado


esta possibilidade, aos meus professores, que sempre motivaram a passar
meu conhecimento adiante, aos meus filhos, fonte de toda a minha
inspiração para a vida pessoal e profissional e que me impulsionam a ser
um bom ser humano.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


A professora Maynara Priscila Perei-
ra da Silva é mestre em Psicologia pela
Universidade São Francisco - USF (2021 ).
Graduada em Psicologia pela Universi-
dade Paulista - UNIP (2018). Trabalha na
linha de pesquisa de construção, valida-
ção e padronização de instrumentos de
medida. Membro do Núcleo de Estudos
e Pesquisa em Psicologia do Esporte e do
Exercício (NuEPPEE). Possui conhecimen-
tos voltados para as seguintes áreas: ava-
liação psicológica, psicometria e psicolo-
gia do esporte.

Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2101004737875827

Dedico este trabalho a todos que valorizam o conhecimento e a aprendizagem,


aos meus professores e aos meus alunos, que me incentivaram e ainda são
motivos para eu permanecer no mundo acadêmico.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


UNIDADE

educacional
Obietivos da unidade

Apresentar os pressupostos da abordagem fenomenológica existencial;

Contextualizar o aspecto histórico dos conceitos de saúde e doença;

Contribuir para a prática clínica da abordagem fenomenológica existencial.

Tópicos de estudo
Temas fundamentais da Feno- O conceito de saúde e doença e a
menologia e Existencialismo questão do normal versus patológico
A existência humana dentro da A relação entre a saúde e a
perspectiva fenomenológica doença na fenomenologia
O ser humano e o aspecto O sofrimento psicológico
transcendental
O ser humano dentro de uma
visão integradora

Aspectos conceituais sobre a


Cl ínica Psicológica
A fenomenologia e a psicoterapia

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



Temas fundamentais de Fenomenologia e Existencialismo
A relação entre Psicologia e Fenomenologia é um tema relevante dentro
dos estudos da Filosofia. O primeiro filósofo a se interessar por estaques-
tão, o alemão Edmund Husserl (1859-1938), concebe a fenomenologia como
uma nova disciplina, composta por um método rigoroso, passando a ser
considerada uma nova ciência dentro do campo da Psicologia. Husserl tam-
bém fundamenta, ainda na segunda metade do século XIX, a compreensão
do homem por meio de uma nova abordagem. A palavra Fenomenologia
tem origem grega, representada por duas partes:
• FENÔMENO : Tudo aquilo que se apresenta e é percebido através dos
sentidos;
· LOGIA: Estudo de uma determinada situação por meio de uma teoria.
Dessa forma, é possível pensar que o grande interesse é explicar que o
ser humano possui uma capacidade intrínseca para refletir sobre determi-
nado fenômeno, procurando uma explicação para sua existência, se tratan-
do de uma nova corrente dentro da Psicologia. Essa é uma das questões que
se pretende responder, já que a fenomenologia se fundamenta em rigor me-
todológico, rejeitando todo o cientificismo naturalista presente na filosofia
e estudando a subjetividade de uma forma racionalista e não experimental.
O método fenomenológico passa a fazer parte dos estudos da cons-
ciência e, nessa perspectiva, todo conhecimento se dá a partir de como
a consciência interpreta os fenômenos, traduzindo o seu sentido na ótica
fenomenológica e relacionando-o com o conceito de "objeto". No tocante
ao método fenomenológico, são levantados
aspectos ligados a uma das linhas de aten-
dimento dentro da psicologia, porém, é
importante salientar que este método
de investigação garante uma constru-
ção sólida dentro do campo que estuda as
transformações de um campo de atuação, o
que requer técnica e domínio profissional, em
especial a respeito do entendimento do fenômeno na expe-
riência humana.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


O método fenomenológico é empregado de modo a fazer o profissional
compreender o fenômeno da forma
como ele se apresenta para além do
entendimento do senso comum, que
------
entende como fenômeno qualquer
coisa que aparece. Com vistas a essa
compreensão, a fenomenologia exis-
tencial impõe a ideia da subjetividade
e de contexto, ou seja, a subjetivida-
de só é analisada num determinado
contexto e necessita ser interpreta-
Fígura 1. Ilustração representando Edmund Husserl, filósofo
da de forma muto particular. alemão. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 06/08/2021.

Quando se pensa na questão do indivíduo num contexto, ele é respon-


sável por atribuir significado a tudo que acontece a sua volta e, em razão
disso, se fala da interpretação dos fatos. Toda a relação com o mundo co-
meça pela percepção, ou seja, pelos sentidos. O ser humano interpreta os
acontecimentos ao seu redor e procura dar sentido a cada um deles, numa
dinâmica de dar sentido aos eventos do cotidiano que não é "pura", mas que
produz interpretações a partir de um contexto específico, fazendo sentido
a quem se insere nele.
Para Husserl, o mundo só pode ser compreendido a partir da forma
como se manifesta, isto é, como aparece para a consciência humana. Não
há um mundo em si e nem uma consciência em si, embora a consciência seja
responsável por dar sentido às coisas. Quando se pensa numa nova aborda-
gem, denominada Fenomenologia Existencial, surge a necessidade de com-
preender que tal abordagem traz a concepção de que os atos
psíquicos têm início dentro das indagações filosóficas pois,
uma vez que se mostra uma técnica eficiente
dentro do campo da Filosofia, cresce a de-
manda desse tipo de fundamento dentro
da ciência psicológica, como lembrado
por Goto, na página 13 de Introdução à
Psicologia fenomenológica: a nova psicologia
de Edmund Husserl, editado em 2008.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Nessa relação, o trabalho do psicólogo na perspectiva fenomenológica
existencial deriva da relação entre a psicologia e fenomenologia transcen-
dental, abordando o problema da distinção entre subjetividade psicológica
e subjetividade transcendental. O método não alude apenas a um conjunto
de ferramentas e procedimentos de análise de uma situação trazida num
campo terapêutico, mas faz com que o profissional tenha um cuidado para
desvendar o que lhe é trazido, cabendo uma interpretação para além do que
é mostrado e o significado que lhe é atribuído.
A psicologia fenomenológica existencial surge no cenário brasileiro como
uma perspectiva humanista na década de 1970, mesma época em que a
própria psicologia em si, com outras linhas teóricas, busca espaço. Yolanda
Cintrão Forghieri, uma das primeiras psicólogas a trazer a prática da pers-
pectiva humanista rogeriana (de Carl Rogers), ao se deparar com os Estudos
de Edmund Husserl, citando a Filosofia Existencial, passa de uma atuação
clinica com a visão humanista para uma clínica fenomenológica existencial.
Na visão de Forghieri, o elo com o mundo pode não ser um lugar ou o
tempo, mas uma pessoa. A angústia mediante a perda dessa pessoa ou pela
falta de compreensão aponta que a relação de "Ser-no-mundo" só pode ser
ressignificada na relação com outro ser. Nesse ponto, devido ao modo como
se enxerga o mundo, a Psicologia Humanista e a Fenomenologia se aproxi-
mam em suas práticas, pois elas analisam o indivíduo e sua relação com a
, . . ,.. .
propr1a ex1stenc1a.


A existência humana dentro da perspectiva fenomenológica
Evangelista, em Psicologia fenomenológica existencial: a prática psicológica à
luz de Heidegger, de 2016, afirma que homem e mundo não se separam. Qual-
quer tentativa de separação faz com que se perca a possibilidade de conhecer
de fato o humano, uma vez que não é possível conhecer o outro sem
conhecer o seu mundo. Com base nesse entendimento, a
fenomenologia faz uso da projeção, um termo da psica-
nálise. O que o indivíduo projeta no mundo está ligado
ao significado que ele representa, externalizado a par-
tir de uma concepção interna.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


O mesmo autor cita Van Den Berg, importante teórico do método fenome-
nológico e que traz essa discussão sobre a projeção (mecanismo de defesa da
psicanálise), declarando que, se o paciente está doente, tudo que corresponde
ao seu mundo também está doente e, por consequência, seus objetos. Além
disso, a abordagem fenomenológica existencial prega que o ser humano é um
ser com toda a responsabilidade por meio de suas ações. Assim, ao longo da
vida, ele cria um sentido para sua própria existência.
A partir desse pressuposto de autonomia moral e existencial, o indivíduo
faz escolhas na vida, traçando caminhos e planos. Nesse sentido, toda escolha
implica numa perda ou em várias, de acordo com as várias possibilidades im-
postas ao indivíduo. Logo, essa é a interpretação realizada por psicoterapeutas
numa visão fenomenológica existencialista, indicando que o ser humano é res-
ponsável por suas escolhas, haja vista o livre arbítrio.

Figura 2. O ser aprisionado por suas crenças. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 06/08/2021.

A avaliação subjetiva que o indivíduo realiza sobre um determinado evento


pode acontecer devido a crenças irracionais. A Figura 2 demonstra que as cren-
ças e os valores interferem na forma como uma pessoa se comporta, assim, a
subjetividade muda o conceito das pessoas conforme um acontecimento.
Portanto, a perspectiva de acreditar ou não em um fato é gerada pela expe-
riência, dando margem a um sentimento de angústia, o que revela uma fragili-
dade humana. O ser humano é o único responsável sobre seus atos, mas vale
ressaltar que há uma necessidade de orientar a sua existência para um projeto
individual ou social de forma livre, o que permite fazer escolhas mais conscien-
tes e de acordo com a essência.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Nesse sentido, está presente na discussão o livre arbítrio, referente à liber-
dade do indivíduo fazer escolhas nem sempre positivas ou marcantes. Jean-
-Paul Sartre, um dos grandes percursores dentro da Fenomenologia Existen-
cial, se torna alvo de muitas críticas devido à ideia do livre arbítrio, que ignora
os princípios de uma sociedade e faz uma análise de ocorrências consideradas
fora dos padrões de moralidade, que se devem ao fato de haver um consenti -
mento embutido no que o autor chama de escolha existencial.
Uma das obras mais importantes dentro da perspectiva fenomenológica
existencial, o livro Ser e tempo, escrito por Heidegger, faz uma análise da exis-
tência humana, sendo essa a principal tarefa do "ser psicólogo", termo que
também define o profissional atuante numa proposta que leva a uma análise
mais apurada e realista do fenômeno.

EXPLICANDO
A escolha existencial, vista como um dos pressupostos básicos da
Fenomenologia Existencial descrita por Jean-Paul Sartre, é aquela
na qual o homem se vê diante de um dos seus maiores dilemas pois,
mesmo com uma normatização imposta por crenças e valores, há a
consciência intencional que impulsiona escolhas e traz responsabilida-
de pelas consequências.


O ser humano e o aspecto transcendental
De acordo com o Dicionário de Filosofia de Abbagnano (1998), a transcen-
dência é um termo que se vincula à concepção de divindade, indo para além
do ser em sua existência e ultrapassando os limites da consciência. Essa com -
preensão parte do pressuposto de que o corpo é uma substância física e que
a transcendência está ligada à alma, à natureza inteligível, sendo um aspecto
incapaz de ser explicado pela ciência psicológica, que só pode observar acon -
tecimentos que não tem explicação e que fazem parte da existência humana.
Portanto, esse termo traz a ideia de que Deus está além de todas as deter-
minações concebíveis, até mesmo do ser, da possibilidade de existência, nunca
se resolvendo no possível e com o qual a única relação que o homem pode ter
consiste na impossibilidade de alcançá-lo. Nesse sentido, o tema transcendên-
cia do ego é entendido como a superação da identificação com uma defensiva

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


e socialmente imposta imagem de si, em seu sentido mais amplo, caracteri-
zando antes uma temática transpessoal e motivando a necessidade de uma
compreensão além da explicação humana, acrescentando uma característica
humana para além de uma mera justificativa do existir.
Para Nietzsche, a transcendência é a busca da perplexidade, denominada
dentro de uma concepção comparada ao termo alienação, ou seja, a pessoa
tem uma visão dualista do mundo (real e ideal), do erro, de engano e que deve
ser deixado de lado em relação ao superior e completo mundo ideal, em que
o humano está sempre a perseguir e se projeta nesse ideal. Nesse sentido, o
ser humano é responsável pelas escolhas e consequências, algo explicitado no
conceito de livre arbítrio.
Os objetos do mundo são seres
em si e transcendentes, ao passo que
o ego (sujeito), por sua vez, é um ser
transcendente e em si mesmo. Quan- ~)
do a consciência diz "eu penso", ela
reconhece a existência e, de algum
modo, deposita no ego a sua própria
espontaneidade. Por isso, cabe recor-
dar que o ego transcendental de Hus-
serl coloca em risco toda a teoria da
Figura 3. Ilustração representando Friedrich Nietzsche, filósofo
i ntenciona Iidade. alemão. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 06/08/2021.

Sartre, como exposto no livro A Transcendência do Ego, editado em 2013,


propõe que o Ego muda através do estímulo de habilidades existentes, ou de
um conjunto dessas habilidades, sendo suscetível a captar e agregar para si
tudo ao redor. Portanto, desde que essa escolha seja compatível com a sua
realidade, o ser humano escolhe quem ele quer ser.
Quando o autor se propõe a investigar a relação de consciência intencional,
ele se refere ao fato do ser humano ser livre para fazer suas escolhas. Dentro
dessa visão, há algum tempo, existe uma preocupação sobre a compreensão
da existência humana e o aspecto transcendental, que se apesenta como uma
das explicações, posto que está além de uma explicação concreta, uma vez que
se associa de maneira direta à subjetividade, o que explica a consciência inten-
cional presente nas escolhas.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



O ser humano dentro de uma visão integradora
A Fenomenologia Existencial tem como pressuposto básico apontar para
uma visão integradora do ser humano, rejeitando ideias de que o ser huma-
no nasce bom e que as relações estabelecidas o moldam e o desviam dessa
bondade original. Dentro dessa visão fenomenológica existencial, não há como
não destacar que o homem procura dar sentido às suas vivências, que nem
sempre são vividas no presente, uma vez que é possível dirigir o pensamento
para algo já vivenciado ou que se tem a expectativa de vivenciar.
Definindo o homem dentro de uma visão integradora, julga-se necessário
expor à condição humana, permeada por eventos internos e externos, a inter-
pretação mediante os objetos que demonstram certa implicação no mundo.
Ser livre, ter reponsabilidade e intencionalidade são características inerentes
ao humano que podem e derivam de interpretações do comportamento, le-
vando em consideração a subjetividade.
Nesse mesmo sentido de compreensão, a psicologia fenomenológica salien-
ta a ideia de Carl Rogers, um grande teórico que fundamenta a visão integrado-
ra do ser humano a partir de um método centrado na pessoa, compreendendo
o homem como detentor de potenciais que necessitam de desenvolvimento e
de qualidades que as facilitem, como congruência, aceitação positiva e capaci-
dade de empatia.
A visão humanista é apontada como uma das perspectivas que mais se apro-
ximam da fenomenologia, passando a
entender o homem e a relação esta-
belecida com o mundo, além do en-
tendimento da forma como o homem
se relaciona com seus semelhantes.
Essa nova força surge numa época em
que o método fenomenológico é visto
como essencial e validado na tentativa
de trazer uma outra concepção, dando
significado e conceituando com feno- ,
menologia existencial a compreensão -
do fenômeno e a existência humana.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


A partir de uma concepção sólida e de outras correntes, a Psicologia Huma-
nista aparece como uma perspectiva que alcança seu lugar de respeito a nível
mundial no campo da Psicologia referente à teoria, prática e pesquisa. O méto-
do humanista se aproxima da perspectiva fenomenológica e dá grande ênfase
a ela pelo fato de que seu precursor, Carl Rogers, ao responder seus pacientes,
facilitava a compreensão do discurso, repetindo de forma que o indivíduo pu-
desse se conectar ao terapeuta.
Tal método, ao facilitar uma fluência livre de sentimentos e pensamentos,
pode levar esse indivíduo a uma elaboração por meio de lembranças de forma
empática, pois o paciente se sente seguro na relação com o psicoterapeuta.
Dentro desse entendimento do livre fluir dos sentimentos, é possível pensar
nos objetivos de olhar o homem como um todo dentro do aspecto
da evolução, levando ao autodesenvolvimento e à autorrealização.
Um outro teórico nessa linha de pensamento é Abraham
Maslow, que explicita a ideia da influência do existen-
cialismo na forma de compreender a personalidade e
as escolhas de indivíduo para alcançar seus objetivos e
desenvolver seu bem-estar.


Aspectos conceituais sobre a Clínica Psicológica
May, em A Psicologia e o dilema humano (2009), afirma que a fenomenologia
existencialista se desenvolve na Europa, dentro da Psicologia e da Psiquiatria. Sob
diversas ênfases, o autor ressalta que, nesse movimento de desenvolvimento da
perspectiva fenomenológica, três pontos de vista se sobressaem.
O primeiro olha de outra maneira para realidade do paciente por meio do méto-
do fenomenológico em si, algo abordado por Edmund Husserl. A segunda questão
apontada é a de que a psicoterapia baseada na fenomenologia existencial se propõe
a compreender, dentro de uma visão holística, o homem em sua totalidade.
A terceira ênfase faz uma junção das duas primeiras e tem como definição como
um termo referente à Ontologia, mas ainda pouco conhecido dentro da Psicologia.
Segundo o aristotelismo, parte da filosofia tem por objeto o estudo das proprieda-
des mais gerais do ser, a partir da infinidade de determinações que, ao qualificá-lo
particularmente, ocultam sua natureza plena e integral.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


A atuação do profissional do psicó-
logo numa perspectiva fenomenológi-
ca existencial traz a proposta de que
o paciente é compreendido na relação
particular e concreta, ou seja, na re-
lação paciente e terapeuta, diante de
uma relação estabelecida no encontro
do terapeuta-paciente. Nesse sentido,
o atendimento do paciente acontece a
partir dele mesmo e da maneira como
Figura 3. Ilustração representando Martin Heidegger, filósofo
ele vive, nUm encontro existen eia 1. alemão. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 06/09/2021.

Heidegger é um dos teóricos que apontam que a Ontologia permite a elu-


cidação da vivência do paciente na situação e na sua relação particular e con-
creta que se estabelece a cada encontro. A atitude do terapeuta permite que
o paciente compreenda sua situação dentro de uma posição de interrelação .


A fenomenologia e a psicoterapia
A fenomenologia é descrita como a forma de olhar o ser humano no mundo
a partir de como ele próprio interpreta determinados fenômenos de sua exis-
tência. Dessa forma, fazer uma relação da fenomenologia dentro da atuação
psicoterápica é importante para criar um elo entre a prática e o indivíduo, possi-
bilitando que ele se beneficie do trabalho psicológico.
Conforme descrito por Holanda (2007), o campo fenomenológico está sem-
pre em encontro com outro campo, estabelecendo uma relação dualista, em
que há a partilha de experiências e sentimentos mútuos. Contudo, deve-se ficar
claro que não há a troca de lugar, mas, sim, uma projeção em campos diferentes.
Nesse sentido, entende-se que a psicopatologia necessita de uma análise
em sua totalidade e, diante dessa realidade, a abordagem fenomenológica se
mostra como uma revolução de paradigma. Isso porque, a partir da adoção des-
sa metodologia, a doença passa a ser entendida dentro de pres-
supostos inerentes à concepção humana, buscando-se a com-
preensão da doença mental de maneira geral, o que ressalta a
importância do terapeuta e do setting terapêutico.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Assim, quando aplicada à psicoterapia, a fenomenologia subentende a postura
do indivíduo, analisando sua atitude no encontro com o fenômeno e revelando, as-
sim, a dificuldade pessoal em entender sua subjetividade quando esta entra em con -
tato com a subjetividade do outro - uma relação intersubjetiva e de ser-no-mundo.
Os psicólogos que atuam com a perspectiva fenomenologia devem expressar
uma atitude que leve o paciente, de acordo com o que ele pensa e sente, a trilhar
um percurso para o alcance da autorrealização. Logo, o papel do terapeuta envolve
aceitar o que é trazido pelo paciente, sem que haja qualquer tipo de julgamento,
uma vez que o conteúdo expresso equivale ao que o indivíduo vivencia. De acordo
com Heidegger:
O campo por onde passamos lá fora, mostra-se como o campo que
pertence a alguém, que é por ele mantido em ordem; o livro usado foi
comprado em tal livreiro, [.. .] o barco ancorado na praia refere-se a um
conhecido que nele viaja ou então um barco desconhecido mostra ou-
tros (HEIDEGGER, 1998, p. 169, adaptado).
Com essa afirmação, enfatiza-se que os encontros entre os seres acontecem de
forma diferente em um mesmo mundo, sendo importante compreender o contexto
em que cada um está inserido e como o ambiente influencia suas decisões. Logo,
busca-se um profissional do encontro que assuma uma postura de compartilha -
mento da existência. Ele deve se considerar como um ser limitado também, mas que
busca desvendar os obstáculos que impedem aquele que o procura de encontrar
seu verdadeiro sentido para a existência.
O encontro terapêutico possibilita ao indivíduo analisar suas decisões e refletir
sobre valores e crenças responsáveis por quaisquer escolhas que venha a ter. Assim,
partindo da premissa de não julgar, tende-se a compreender as influências existen-
tes, com base na subjetividade, a qual pode ser descrita como a percepção do eu.
Portanto, nessa abordagem, o campo terapêutico tem
um papel essencial devido à relação estabelecida, uma
vez que o aspecto do vínculo é abordado de maneira
particular. Com isso, objetiva-se levar o paciente a vi-
ver de forma livre e plena, havendo resposta positiva
frente ao processo terapêutico e permitindo a ele o au-
toconhecimento em consequência do desenvolvimento
de suas potencialidades.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



O conceito de saúde e doença e a questão do normal
versus patológico
O conceito de saúde se modifica conforme o contexto em que o indivíduo
está inserido, sendo preciso analisar o tempo, a cultura e os valores aos quais
ele está relacionado. Scliar (2007) reforça tal ideia, afirmando que a concei-
tuação de saúde carrega a ligação direta com alguns aspectos, como fatores
econômicos e políticos. Logo, diversos fatores devem ser considerados para
que haja uma definição adequada.
No que concerne à época, por exemplo, saúde e doença foram vistas como
situações de grande interferência de concepções divinas. Diante desse pa-
norama histórico, apareciam como uma espécie de desobediência frente às
regras impostas pela igreja. O entendimento sobre saúde foi descrito ainda
como ausência de doença. Porém, com os avanços em estudos, houve uma
reformulação conceituai, passando-se a entender a saúde como a capacidade
de lidar de forma satisfatória com as adversidades do dia a dia das pessoas.
Dessa forma, ela pode causar prejuízos de acordo com as possíveis reações a
situações e até mesmo restabelecer bem-estar físico e mental.
Na visão fenomenológica, doença e saúde, mais especificamente a primeira,
são concebidas como tentativas de preservação do ser por parte do indivíduo.
A exemplo dos acometidos por uma doença mental, há uma dificuldade de fa-
lar sobre o assunto, uma vez que os quadros podem resultar em sofrimento e,
muitas vezes, são frutos de preconceito na sociedade. Entretanto, sendo uma
condição como qualquer outra doença que venha a atingir um indivíduo, ela
possui tratamento e, por isso, necessita de uma cons-
tante compreensão, fato este que se expande para o
estudo do funcionamento cerebral (PAREKH, 2018).
Permeada por valores e crenças responsáveis por
decisões, ressalta-se que a relação entre saúde, doen-
ça e concepção do dilema humano é influenciada
e influencia a percepção do indivíduo. Por isso,
dentro da abordagem fenomenológica, o termo
responsabilidade se apresenta com um fator de-
terminante a ser analisado.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



A relação entre a saúde e a doença na fenomenologia
Os conceitos de saúde e doença devem ser analisados de acordo com a evo-
lução histórica e a partir de um contexto cultural, social, político e econômico.
Isso porque houve uma mudança das ideias, diretamente ligadas à experiência
humana. A exemplo de tal evolução, tem-se a Lei Antimanicomial, que setor-
nou um marco para o campo da Psicologia. Segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS, 1978), a saúde não é ausência da doença, e, sim, um conjunto de
habilidades específicas que determinam como uma pessoa lida com situações
adversas a seu cotidiano.

CONTEXTUALIZANDO
A Lei Antimanicomial n. 10.216 IBRASIL, 2001) dispõe so-
bre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental, criando as bases legais para um cuidado
que respeite os direitos humanos e busque tratar em liber-
dade, com prioridade para a rede ambulatorial de serviços.
Com relação aos hospitais psiquiátricos antes permitidos,
Antonin Artaud, escreveu em 1925 uma carta relatando o
sofrimento dos pacientes. Para ler o conteúdo dela, acesse
o site da Rede Humaniza SUS.

De acordo com Frayze-Pereira (1984, p. 22), "se o normal se define mediante


a execução de um projeto normativo, este, ao mesmo tempo que engendra o
anormal (o anormal é condicionado pelo normal), é acionado por ele (o anor-
mal é condição do normal)". Nesse sentido, a relação estabelecida entre os con-
ceitos de normalidade e anormalidade é concebida diante de um cenário que
depende da análise da conjuntura em que foi desenvolvida em uma determina-
da sociedade. Assim, considera-se o que é valorizado e qual é o entendimento
do conceito de doença que leva um ser a ser normal ou anormal.
Dentro da fenomenologia, o conceito de doença está diretamente ligado
ao fato de o ser humano ser visto pelos papéis que exerce na sociedade, a qual
é criadora de padrões. Quem foge a esses padrões se apresenta como um ser
anormal e, com isso, não é possível distinguir o normal do patológico, uma vez
que a estrutura de saúde está relacionada aos dois conceitos.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


ASSISTA
Ofilme Nise: o coração da loucura (2016), dirigido por Roberto Berliner,
retrata a história de Nise da Silveira, na década de 1950, que revolucionou
o tratamento psiquiátrico, contrariando seus colegas. Essa profissional
inicia uma nova forma de lidar com os pacientes por meio da arte e ressig-
nifica a doença de seus pacientes.

Nesse sentido, a doença mental deve ser entendida como um produto da


interação entre as condições de vida social, a trajetória específica do indiví-
duo e sua estrutura psíquica. Ela pode ser justificada de duas formas: por
meio de um processo orgânico; ou consequência de processo psicofuncional.
Ao se questionarem sobre a origem das doenças mentais, os profissio-
nais podem se deparar com uma questão difícil de ser respondida. Uma das
possíveis respostas é a crise de identidade vivenciada pelos homens nos
tempos atuais. Ela pode desencadear o fenômeno da ansiedade, que pode
levar à destruição da capacidade de um ser interpretar de forma positiva suas
experiências, havendo uma despersonalização e, por consequência, o adoe-
cimento mental.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Por conseguinte, compreender o significado da doença mental é, em mui-
tos casos, como montar um quebra-cabeça. Para tal, faz-se necessário for-
mular pressupostos ontológicos, uma vez que o terapeuta não conhece muito
sobre o paciente, além da busca por uma centralidade perdida, que pode ter
acontecido devido à angústia ou à ansiedade, por exemplo.
Atenta-se ainda à concepção sobre a corporeidade, especificamente hu-
mana, que designa o corpo vívido ou existencial, sendo uma noção criada por
alguns teóricos da Psicologia. Também descrita como conflito existencial,
quando se compreende a ideia de corporeidade, pode-se perceber a enfer-
midade como uma ruptura da unidade do corpo, que, para a fenomenologia,
não pertence ao ser humano.
Essa ruptura representa a perda de funcionalidade e controle que o indiví-
duo tem sobre seu corpo, fazendo com que a doença ou enfermidade se reve-
le como um desgaste na capacidade racional diante da existência. A perda da
familiaridade com seu próprio corpo representa também a falta de liberdade,
uma vez que, geralmente, há a submissão a tratamentos que levam a uma
cisão com a realidade. A liberdade, dessa forma, é entendida como se fosse
direcionada por outros.
Nesse sentido, a fenomenologia pode ser de grande contribuição para a
situação de adoecimento. Dentro da prática clínica, ela permite que o ser hu-
mano na vivência de um dilema, caracterizado por um sentimento dúbio,
enfrente o que ele é, o mundo e como ele se apresenta, ou seja, a relação com
o objeto e consigo próprio.


O sofrimento psicológico
O sofrimento é uma questão que permeia a humanidade, sendo observado
de diversas maneiras, com várias terminologias e formas de ser compreendido.
Uma dessas formas baseia-se em explicar a existência humana diante da veri-
ficação de que o humano possui um vazio existencial que causa solidão. Esse
vazio pode ser caracterizado como uma marca de como as pessoas são e tem
sido frequentemente uma das principais queixas presentes nos consultórios,
aliada às crescentes dificuldades de estabelecer relacionamentos duradouros
e amorosos verdadeiros.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


O sofrimento nasce de uma relação de causa e efeito e da interpretação que
o indivíduo faz diante de uma determinada vivência. Nesse sentido, a atuação
frente ao sofrimento precisa ser construída por meio de uma dialética que pos-
sa ser investigada a partir da compreensão da subjetividade .

..
• •

Figura 5. Demonstração do sofrimento em diversos contextos. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 06/08/2021.

A problemática do sofrimento psíquico está no fato de que ele pode setor-


nar patológico. Isso ocorre pois ele pode levar a uma adaptação do indivíduo
com relação a uma determinada situação, impedindo o desenvolvimento de
sua potencialidade de maneira positiva e o estabelecimento de relações inter-
pessoais de forma assertiva.
Perante o sofrimento de uma pessoa que procura ajuda, existe uma pers-
pectiva de que isso ocorre devido a um desequilíbrio. Os sintomas apresenta-
dos estão, assim, diretamente associados à maneira como o indivíduo mantém
sua existência, aspecto que está em desequilíbrio e pode levar a um desajus-
tamento. Nesse sentido, o ajustamento é necessário para que a centralidade
seja mantida.
Pode-se dizer que a noção de ser-no-mundo, levantada pela fenomenolo-
gia, não se dá apenas nas relações que se estabelece consigo mesmo e com os
outros; está na abertura do ente em sua totalidade. A perspectiva de totalidade
está determinada pelo cuidado e também pelo fato de que o próprio ser é ex-
perimentado como um ser no mundo.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Conforme descrito por May (2009), diante da realidade de pacientes que
precisam de auxílio para o ajustamento, a psicoterapia necessita da fenomeno-
logia para tecer uma análise diante da relação entre terapeuta e paciente, que
tem origem na clássica transferência. A transferência, assim como outros con-
ceitos trazidos por Freud (1976), designa uma ampliação da influência da per-
sonalidade, ou seja, a compreensão de que vivemos nos outros e eles, em nós.

Autoconceito Autoimagem Autoestima

Figura 6. Conceito de si mesmo, como a pessoa se vê e na relação com o outro. Fonte: Shutterstock. Acesso em:
06/08/2021.

Dessa forma, a abordagem fenomenológica auxilia a responder algumas


questões formuladas, a exemplo de como o ser humano pode se relacionar
com outro sem que haja interferências. Essa resposta é possível, em muitos
casos, porque se entende que a transferência acaba por contribuir para uma
distorção na relação terapeuta e paciente.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Sintetizando
-----------------------
· •

O objetivo dessa unidade foi apresentar um panorama geral da Psicologia


Fenomenológica como uma abordagem que tem como principal fundamento a
compreensão do ser humano a partir da relação que este estabelece consigo
próprio e com o mundo. A fenomenologia tem suas raízes na Filosofia, bus-
cando tornar racionais e científicas questões que permeiam a subjetividade
humana.
Para compreender a doença com auxílio dessa perspectiva, é preciso en-
tender o conceito de normalidade, partindo do pressuposto de que o normal é
uma construção social. Ademais, existe a necessidade de contextualizar cada
uma das questões que levam o indivíduo a desenvolver um quadro de doença
que o leve a sofrimento psíquico. Dessa forma, indica-se uma atuação mais
humanizada para que sejam criadas estratégias de enfrentamento frente a de-
terminados problemas.
Assim, para auxiliar sua trajetória como psicoterapeuta, cabe ressaltar que
a relação que se estabelece com o paciente, apesar de necessária, depende da
capacidade de separar o que é seu e o que é do outro e de ser empático. Assim,
ao considerar o uso da fenomenologia, busca-se não somente experimentar o
sofrimento do outro, mas também compreender o que o fez ter essa percepção
diante de um fenômeno, possibilitando a ele a mudança necessária.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Referências bibliográficas
••
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia . São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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EVANGELISTA, P. E. R. A. Psicologia fenomenológica existencial : a prática
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FO U CAU LT, M. História da loucura : na Idade clássica. 6. ed. São Pau I o:
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HEIDEGGER, M. Ser e tempo - parte 1. Petrópolis: Vozes, 1998.
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SARTRE, J- P. A Transcendência do Ego. 2. ed. São Paulo: Vozes, 2013.
SCILIAR, M. História do conceito de saúde. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva,
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Acesso em: 06 ago. 2021.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


SOUZA, E. A. Antonin Artaud: carta aos médicos-chefes dos manicômios
(1925). Rede Humaniza SUS, [s. I.J, 13 abr. 2015. Disponível em: <https://re-
deh uma n izasus. net/89562-a nton i n-a rta ud-ca rta -aos-me d icos-chefes-dos-
-manicom ios-1925/>. Acesso em: 06 ago. 2021.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


UNIDADE

educacional
Obietivos da unidade

Mostrar o diagnóstico psicológico sob a perspectiva fenomenológica


existencial;

Expor linhas de intervenções clínicas na perspectiva fenomenológica.

Tópicos de estudo
O diagnóstico na perspectiva Intervenções clínicas
fenomenológica-existencial A psicoterapia e a prática fenome-
O que é o diagnóstico psicológico? nológica
Etapas do diagnóstico psicológico A relação entre psicoterapeuta
O olhar do psicólogo exis- e o cliente
tencialista na compreensão do Resultados da atuação fenome-
diagnóstico nológica-existencial

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



O diagnóstico na perspectiva fenomenológica existencial
Dentro da atuação psicológica, em especial de quem atua dentro da clíni-
ca, o diagnóstico é um dos principais passos para estabelecer o plano tera-
pêutico para uma pessoa submetida a processo de avaliação física ou mental.
Entender o diagnóstico auxilia na compreensão da enfermidade, da etiologia
e de quais os fatores inseridos no contexto individual. Nesse sentido, muito
mais do que apenas classificar uma doença, diagnosticar é um auxílio à pró-
pria atuação profissional.
Delimitar os pressupostos de um diagnóstico não é uma tarefa tão sim-
ples, pois requer domínio de técnicas e habilidades específicas, de modo a
garantir uma visão realista das condições de alteração física e mental. Numa
abordagem fenomenológica que estuda a manifestação e a essência das coi-
sas tais como elas aparecem, em se tratando do diagnóstico, é necessário ter
atenção ao que o paciente manifesta, analisando e interpretando a forma
como esse ser enxerga os diversos fenômenos que aparecem e influenciam
sua existência.

Visão Audição Olfato Paladar Tato

Figura 1. As percepções, em geral, se dão pelos sentidos. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 10/09/2021.

O método fenomenológico pressupõe que o indivíduo avalia de forma sen-


sorial, logo, os sentidos revelam como cada pessoa avalia sua vivência. Esse
método se contrapõe ao que as ciências positivistas até agora veem como aná-
lise de comportamento, porque a ideia é chegar a uma perspectiva mais huma-
nista, olhando as vivências, mas sem esquecer o rigor científico, aspecto que se
faz presente em qualquer metodologia de estudo da mente humana.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


A avaliação de uma condição de fragilidade vai além da compreensão
de algo objetivo, pois entender a subjetividade e a construção de uma ex-
periência traz explicações sobre o comportamento das pessoas e como elas
constroem suas realidades, que, às vezes, podem se apresentar distorcidas.
Vários autores contribuem para a perspectiva de que a fenomenologia ex-
plica a essência e a manifestação de determinados fenômenos, porém, tal
manifestação nem sempre se relaciona à interpretação que a pessoa tem da
realidade, uma vez que o significado da existência humana se dá pela inter-
pretação pura e única da própria experiência.
Como essas questões levantadas são muito complexas e merecem ser
abordadas de uma maneira mais objetiva, para entender como a fenome-
nologia chega ao diagnóstico, é importante traçar uma linha mais clara e
objetiva do que é o diagnóstico psicológico de uma visão tradicional para,
em seguida, chegar à perspectiva do método fenomenológico. O processo de
diagnóstico pode estar ligado a eventos situacionais vivenciados pelas pes-
soas em certas fases de sua vida. Por isso, avaliar significa olhar para o ciclo
vital e compreender o que é esperado para cada momento.
Um exemplo disso se dá quando um adolescente chega ao consultório e
apresenta crises relativas ao momento de vida, que podem ser decorrentes
da própria fase de desenvolvimento. Ou seja, a adolescência é por si só uma
fase crítica, em que muitas questões estão em processo de definição e o psi-
cólogo que se depara com esse caso tem pela frente um grande desafio, dife-
renciando o que é patológico daquilo que é esperado para essa fase.
Nesse sentido, o método de investigação fenomenológico identifica quais
os pressupostos do contexto, na tentativa de estabelecer um
parecer realista e útil para traçar uma intervenção. Todavia,
dada a necessidade de olhar para as questões
citadas, é importante uma análise numa pers-
pectiva existencialista sobre qual o nível de
sofrimento em que o adolescente se en-
contra e até que ponto isso influencia, de
maneira negativa, a forma como ele enxer-
ga a realidade a sua volta, promovendo uma
visão realista do evento.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


O método fenomenológico como forma de investigação traz uma dimen-
são explicativa que vai além do que o senso comum apresenta, isto é, o fenô-
meno pode ser uma construção social e, a partir disso, é possível pensar que
a adolescência também é algo construído e, nesse construto, estão presentes
questões muito peculiares e que merecem ser investigadas de uma maneira
mais efetiva e realista da situação.
Um dos pressupostos da existência humana consiste em se deparar com
o dilema de ser sujeito e objeto ao mesmo tempo. Isso se nota pela observa-
ção dos pacientes nas vivências, com alguns se transformando em pacien-
tes psiquiátricos. Contudo, dentro dos termos de um diagnóstico, existe
um organismo em situação de desajustamento e há uma busca desse orga-
nismo para tentar se organizar em maior ou menor extensão. Por isso, se
faz necessário exercer a empatia na relação com o paciente, independente
do diagnóstico.

DICA
No livro O paciente psiquiátrico - esboço de uma psicopatologia feno-
menológica, Jan Hendrik Van Den Berg, um importante teórico holandês,
aponta uma perspectiva que trata uma questão importante na compre-
ensão de um fenômeno como ele aparece, fazendo uma retomada da
filosofia e da contribuição dela para o entendimento de que mente e corpo
não se separam. Tal leitura possibilita uma compreensão do processo de
adoecimento de uma pessoa e como a percepção é responsável por esse
adoeci menta.


Oque é o diagnóstico psicológico?
O diagnóstico psicológico aborda uma questão presente no campo da psico-
logia, procurando, por meio de uma série de ferramentas, direcionar o melhor
caminho para uma questão, como uma doença que pode ter causa mental ou
emocional. Esse conceito de diagnóstico não representa algo novo
dentro do campo da psicologia, uma vez que ele provém de
outras áreas de conhecimento, como a medicina. Men-
surar questões que justificam determinados tipos de
comportamento é um desafio, pois exige a compreen-
são da etiologia em situações específicas.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Um primeiro ponto alude ao fato do diagnóstico psicológico se pautar por
uma série de técnicas específicas, de modo a garantir uma avaliação fidedigna
e válida, no tocante ao que é apresentado, para melhor interpretar as questões
relacionadas ao diagnóstico de algo que se denota como patologia. Entender o
conceito e sua função são passos importantes, pois eles se relacionam, ou seja,
diagnosticar é identificar o estado em que um indivíduo se encontra e descrever
os principais sintomas apresentados.
Outra questão que merece destaque é o delineamento do que é definido
como quadro clínico do sujeito para, de acordo com a percepção e observação
do terapeuta, abordar de forma mais realista e útil dentro da intervenção. A
grande diferença para os outros métodos, posto que o método fenomenológico
propõe outros pontos de vista para a compreensão da questão exposta, está no
principal objetivo da fenomenologia, que consiste em olhar para o processo de
saúde para além de uma mera classificação que conceitua uma doença.
Em algumas abordagens, há preferência por um processo de transparência
entre o terapeuta e o cliente. Na abordagem fenomenológica não é diferente, já
que a primeira forma de tratamento e de intervenção e tarefa primordial do pro-
fissional, é garantir a informação ao paciente. Com todo esse direcionamento, é
possível traçar os benefícios de estabelecer o diagnóstico, em especial se a pes-
soa estiver ciente, e o melhor alinhamento da intervenção clínica. A fim de evitar
confusões entre os significados, o Quadro 1 traz a diferenciação do diagnóstico
e do quadro clínico.

QUADRO 1. DIFERENÇA ENTRE DIAGNÓSTICO E QUADRO CLÍNICO

Quadro clínico Diagnóstico

Situação em que o paciente se encontra Classificação dos sintomas

Sintomas apresentados Definição da intervenção clínica

Estado mental Definição do estado mental

Estado físico Definição do processo físico

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Fixar uma diferença entre quadro clínico e diagnóstico é vital numa inter-
venção clínica eficaz e útil para a realidade do paciente, pois o quadro clínico
nem sempre reflete o diagnóstico, que abrange questões mais amplas. Ou seja, a
queixa nem sempre reflete o que acontece de fato ou está relacionada à questão
existencial, pois é nesse aspecto que a fenomenologia existencial se fundamen -
ta. O diagnóstico psicológico também tem como premissa deliberar as diferen-
ças entre sintomas físicos e psicológicos presentes num quadro de adoecimento.
A Figura 2, por exemplo, ilustra um quadro de ansiedade, uma das doenças que
se manifestam de forma que causa desequilíbrio, levando a pessoa a desenvol-
ver sintomas físicos e psíquicos.

Fatores de Sintomas
risco Oque é físicos

Dificuldades e como se livrar dela Problemas


financeiras de sono

n ~
• • • •
él
Medo de
falhar
Timidez • .. Sem
~

concentração
Aumento da
frequência cardíaca

N"W" n n. .
m
• •

Más Eventos Medo Suor


notícias dramáticos

Tratamentos 0
Comunicação Psicoterapia Atividades físicas

Figura 2. Quadro de ansiedade. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 10/09/2021. (Adaptado).

Um quadro de ansiedade precisa ser avaliado de forma com -


preensiva e ampliada, pois o que parece ser uma questão física
pode trazer uma concepção muito maior do que é, uma
vez que a doença pode ser impactante para quem a
desenvolve, porém, em muitos casos, ela é inter-
pretada somente como uma questão física, o que
dificulta o diagnóstico real.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


EXPLICANDO
A ansiedade é uma das enfermidades mais incapacitantes e que, nas
últimas décadas, tem sido apontada como a maior causa de afastamentos
de profissionais em diversas áreas. Várias pesquisas (GANDRA, 2020)
apontam que a população brasileira é uma das mais ansiosas do mundo, o
que se deve a fatores como o contexto social de intensa competição e as
autoexigências desenvolvidas pelas pessoas.

Nessa perspectiva, é possível identificar a forma como o indivíduo convive


com essa doença e qual a relação estabelecida, isto é, a relação de ganho nessa
situação. Quando um paciente chega ao consultório em busca de um olhar para
a questão patológica que interfere na sua existência, causa um certo desajusta-
mento diante de uma situação muito particular, que tem como conceito direto o
modo de comportamento no mundo.
O diagnóstico também é uma possibilidade de oportunizar o paciente a se
conciliar com a sua existência, resolvendo conflitos que não se tinha ideia da
existência. Um exemplo dessa questão é o entendimento de que o diagnóstico
pode levar o indivíduo ao autoconhecimento e ao desenvolvimento de formas de
lidar com sua situação de uma maneira mais positiva, trazendo uma melhoria no
relacionamento consigo e com os outros.
No concernente ao diagnóstico na perspectiva fenomenológica existencial, o
método fenomenológico se baseia na descrição da realidade como ela se apre-
senta. Antes de descrever como essa investigação acontece, no entanto, é preci-
so compreender o que se define como "atitude fenomenológica". Logo, a etapa
seguinte ao diagnóstico traça a melhor abordagem para uma intervenção clínica
adequada a cada necessidade.
Quando se investiga o fenômeno a partir da
compreensão da atitude fenomenológica, se
tem como prerrogativa trazer respostas a
situações de inquietação. Nesse sentido, a
atitude fenomenológica pode ser traduzida
como aquilo que se acumula como experiência
até o presente momento e que causa, por conta
de algum evento, influências na maneira como um indivíduo
avalia suas ações e seu futuro.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Figura 3. O indivíduo é responsável por aquilo que constrói. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 10/09/2021.

O que o indivíduo traz como pressuposto está ligado ao que é construído por
ele até então, por isso, a fenomenologia tem como objetivo auxiliar na interpreta-
ção da imagem dessa construção por meio das atitudes que baseiam a realidade
vivenciada. Compreender um fenômeno e classificá-lo como uma psicopatologia é o
primeiro passo, na perspectiva da Psicologia, quando se pensa num diagnóstico que
revela questões da existência humana, que é recheada de momentos e escolhas
que podem gerar dúvidas e levar o indivíduo a sofrer por conta de uma exigência
interna e externa.
Durante muitos anos, os estudos de psicologia compreendiam que as reações
humanas eram instintivas e, com a presença de uma perspectiva de humanização,
novos elementos se tornavam parte do cotidiano, trazendo novas formas de inter-
pretação. Aqui não se pretende tirar a importância da percepção humana e de como
ela reage às situações instintivas, mas, sim, contribuir para a compreensão de rea-
ções que acontecem porque há uma ligação direta de como o ser interpreta o fato,
algo ligado à sua experiência.
Com isso, se chega à ideia de que o comportamento humano, numa situação
aqui descrita como fenômeno, é maior que uma mera reação motivada por um as-
pecto sensorial diante de determinados estímulos, o que aponta para a investigação
de uma situação, que só ocorre quando há a compreensão de quem é esta pessoa
que se apresenta e a forma como ela lida com situações ligadas à sua existência.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Outro ponto importante se refere ao fato de levantar o conhecimento de um
evento em que sujeito e objeto se relacionam, obtendo uma hipótese do que
pode acontecer nessa interrelação que se estabelece, uma vez que conhecer um
objeto só é possível pelo reconhecimento das condições dessa questão, como
os objetos envolvidos - se são conhecidos pelo indivíduo ou se referem a uma
representação mental.


Etapas do diagnóstico psicológico
O diagnóstico psicológico, na perspectiva fenomenológica, exige a com-
preensão de que "ser doente" se está falando, além do sentido de sua existên-
cia. Dentro da Psicologia tradicional,
uma das primeiras etapas para chegar
ao diagnóstico de uma enfermidade
compreende até que ponto a enfer-
midade interfere na capacidade do
indivíduo de lidar com situações coti-
dianas, identificando os sintomas e a
evolução deles na vida do paciente.
Quando há a presença de uma si-
tuação que causa uma desorganização
de personalidade, o indivíduo pode
desenvolver um quadro de angústia
perante aquela situação, causando uma tensão que, além de questões emo-
cionais, leva a alterações físicas que submetem o restabelecimento do estado
de saúde do indivíduo a uma avaliação, o que requer um método investigativo
para garantir uma indicação segura e eficaz.
Ao procurar a psicoterapia, o paciente possui uma necessidade existencial
de compreensão, questão que aponta para uma conexão a ser esclarecida
numa realidade referente ao próprio paciente, dada a situação de sofrimen-
to observada. Na atualidade, o método fenomenológico é descrito como um
recurso que se aprimora diante das limitações das demais visões dentro da
Psicologia, no sentido de apresentar técnicas e procedimentos que aliviam as
causas das aflições humanas.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Figura 4. Método de compreensão de forma mais empática. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 10/09/2021.

Vale lembrar que o diagnóstico vai além de um método avaliativo com apli-
cação de ferramentas e procedimentos, pois cada paciente é um ser único e,
por isso, deve ser olhado dentro de suas particularidades e peculiaridades. Ter
conhecimento das etapas de um diagnóstico é importante para assegurar, por
parte do profissional, uma efetividade na forma de levantamento de uma hipó-
tese, o que envolve um processo pelo qual o indivíduo é colocado numa con-
dição de avaliação que por si só causa uma fragilidade, posto que a avaliação
mexe com estruturas intactas ou emergentes.


O olhar do psicólogo existencialista na compreensão
do diagnóstico
A personalidade é o ponto central dos estudos da psicologia, seja qual a
linha de abordagem. Assim, entender seu funcionamento ajuda a determinar
os pontos interpretados e levados em consideração numa intervenção sobre
o que leva o indivíduo a adoecer. Ao profissional que atua numa perspectiva
fenomenológica, se faz necessário compreender que tipo de funcionamento
o paciente tem ao procurar um tratamento. O método fenomenológico é em-
pregado na tentativa de fazer com que o profissional compreenda o fenômeno
para além do entendimento do senso comum, que entende como fenômeno
qualquer coisa que aparece.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


O método fenomenológico, após um processo de transposição, sai da filo-
sofia e passa a fazer parte do escopo da Psicologia, tendo como fundamento
investigar o objeto por meio de uma concepção de que, até então, só seria pos-
sível chegar a uma composição de classificação do que o indivíduo tem como
justificativa para aquilo que ele tem através de uma parte da ciência objetiva.
A fenomenologia existencialista surge com a tarefa de prover uma com-
preensão mais aprofundada e fundamentada para investigações mais lógicas
e com base na observação de como os indivíduos interpretam os fenômenos
presentes em sua existência, o que se denomina como diagnóstico dentro da
psicologia. Conforme descrito por Goto (2008), o despertar da fenomenologia
se inicia com a refutação do psicologismo e com a plena diferenciação entre a
filosofia e a psicologia. O autor cita Husserl, precursor da fenomenologia, e a
impossibilidade da Psicologia em fundamentar certas questões de forma que o
método fenomenológico não perca o rigor das intervenções.
A ideia central da Fenomenologia Existencial não é a de se distanciar da Psi-
cologia tradicional, mas de desenvolver um olhar diferenciado para o mesmo
aspecto que, no caso, é a consciência. O método investigativo na perspectiva
fenomenológica é designado como uma maneira de investigar e denominar a
subjetividade presente num fenômeno e suas estruturas presentes na existên-
cia humana.
Ainda de acordo com Goto (2008), para o cumprimento da Fenomenologia
como método investigativo, Husserl
teve que impor questões relacionadas
"às coisas e a si mesmas", estabelecen-
do uma explicação muito relacionada à
origem das coisas. Compreender a re-
lação entre terapeuta e cliente é uma
das premissas do método fenomeno-
lógico, bem como os componentes da
história do terapeuta, aspectos pre-
• A •

sentes na sua ex1stenc1a e que servem


de exemplo do que o cliente produz
com outras pessoas, embora esses aspectos sejam considerados na relação de
modo a não gerar atitudes equivocadas.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



Intervenções clínicas
A intervenção clínica na Psicologia consiste em tratar o sofrimento e a dor
presente nos quadros de adoecimento. O sofrimento decorrente de quadros
de desordens psicológicas ou psiquiátricas necessita de uma intervenção psi-
cológica e, dessa forma, um trabalho terapêutico tem como princípio básico
diminuir o sofrimento de uma pessoa que busca mudança frente a uma si-
tuação. A intervenção clínica requer a capacidade de exercer a empatia, de
forma subjetiva, mesmo que a pessoa traga algo que foge de uma realidade
concebida. Não cabe ao terapeuta julgar o sofrimento ou a realidade apre-
sentada, pois seu papel é livre, uma vez que o diálogo com o outro acontece
o tempo todo.
No desenvolvimento do método fenomenológico existencial, seja no âm-
bito da psicologia ou da psiquiatria, os profissionais fogem de padrões cons-
truídos, apenas explicando as coisas pelas suas causas. Algo presente nesse
campo é a busca das causas das coisas, estabelecendo causa e efeito nas
situações. A afetividade é um componente da relação terapêutica que leva ao
sucesso ou não. Na maioria dos casos, o processo terapêutico traz benefícios
ao paciente que se motiva com esse processo, que oferece um espaço de es-
cuta de modo a possibilitar ao indivíduo ressignificar sua existência.
A escuta na abordagem fenomenológica existencial tem um papel pri-
mordial ao auxiliar o terapeuta na compreensão da expressão do sofrimento
humano, sendo a mais importante ferramenta do
terapeuta, que precisa desenvolver uma habilida-
de específica para facilitar essa questão, o que
exige treino e tempo para aprimorar essa habili-
dade. Tal atitude garante o alcance de bons resulta-
dos dentro de um processo terapêutico, tendo em
vista que ouvir é o primeiro ponto de interven-
ção e escutar vai além de avaliar somente o
que é dito. Quem fala, elabora o seu conteú-
do por meio de uma linguagem desorganiza-
da, mas que traz conteúdos que se organizam
de maneira muito singular.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Em muitos casos, a presença do sofrimento acarreta dor, por isso, é im-
portante ter em mente que a aproximação de um indivíduo em tal situação,
ou que se encontra nessa condição, requer um aprimoramento da escuta, de
forma a traçar uma estratégia muito mais efetiva no alívio desse sofrimento.
Vale ressaltar que a ideia não é dar uma resposta, mas promover um mo-
mento de acolhimento para um sofrimento que precisa ser ouvido dentro
da realidade da pessoa, posto que a dor nem sempre é percebida da mesma
forma por quem está a seu lado. Desenvolver um método cujo pressuposto
é a capacidade de compreensão do homem e da forma como ele se relaciona
com outras pessoas e ao mesmo tempo se relaciona com o objeto que está
dentro de si é muito importante, além de seguir alguns passos nesse proces-
so, elementos essenciais para a investigação.


A psicoterapia e a prática fenomenológica
Ao abordar a psicoterapia e a prática fenomenológica, se faz necessário pen-
sar sobre pontos importantes, em especial no que diz respeito às eventuais di-
ferenças entre a psicoterapia em outras perspectivas e linhas de abordagem da
prática fenomenológica Tal questão é complexa, assim como a prática fenome-
nológica, no sentido de abordar um dos principais aspectos levantados pela psi-
cologia tradicional, visto que a neutralidade na relação com o outro deve existir
como principal característica de efetividade num trabalho psicológico. Na práti-
ca fenomenológica existencial não existe neutralidade, uma vez que o encontro
existencial de terapeuta e paciente se trata de um momento de troca e de víncu-
lo que se estabelece e, como na própria psicanálise, isso não consiste em atuar
na contratransferência, pois esse aspecto se relaciona à empatia.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


O método fenomenológico compreende o ser humano dentro de sua pers-
pectiva, fugindo de padrões estabelecidos de maneira objetiva. Isso se dá em
razão da disputa entre as abordagens no que tange à construção da imagem
humana. Com isso, antes de tudo, a fenomenologia traz essas compreensões
dentro de uma visão humanista, dando sentido ao que o paciente expõe como
realidade, olhando para essa pessoa e entendendo qual seu sofrimento diante
de uma situação. Desse modo, a abordagem fenomenológica existencial afirma
que se deve olhar para o ser humano e sua natureza de homem dentro de uma
visão ontológica.

CONTEXTUALIZANDO
A ontologia se refere ao processo de reflexão de uma forma abrangente
do ser, numa perspectiva em que ele pode ter outras existências, não sen-
do algo limitado e se opondo a uma questão física que limita a existência
humana. Um dos precursores desse termo dentro da filosofia foi o filósofo
alemão Martin Heidegger.

Essa visão também é importante para compreender a responsabilidade do


cliente no processo terapêutico, uma vez que o estabelecimento de uma relação
terapêutica saudável se dá por meio de uma atitude primordial do indivíduo,
dando margem à importância de identificar sua postura frente ao processo in-
terventivo. A fenomenologia existencial não
descarta questões relacionadas ao proces-
so de resistência que é apresentado por
um indivíduo.
Em muitas abordagens, há uma ten-
tativa de imposição do ponto de vista, po-
rém, a fenomenologia existencial não traça
seus objetivos a partir dessa postura. Assim,
o indivíduo requer um olhar acolhedor frente à
intervenção clínica proposta. A percepção do
paciente com relação ao evento sobre o fenô-
meno faz com que a esfera do inconsciente
seja aumentada, logo, é importante olhar para
o que emerge no primeiro encontro para terapia.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Mundo real

Conceitualização

Modelos

Ontologia

Figura 5. A ontologia surge da perspectiva de que não há uma explicação única. Fonte: ISOTANI; BITTENCOURT, 2015 .


A relação entre psicoterapeuta e o cliente
Um ponto importante a se pensar é que tal relação acontece numa pers-
pectiva interpessoal e que muitas intervenções só têm êxito de acordo com
a qualidade da relação. A primeira questão levantada na intervenção está
em compreender o que motiva a pessoa, descrita como paciente ou cliente,
na busca por um profissional que possa direcioná-lo para um caminho de
descobertas rumo à mudança esperada. A segunda questão diz respeito ao
conhecimento do método que o profissional tem como premissa, já que as ex-
pectativas da linha de abordagem são diferenciais, assim como o profissional,
que deve ter domínio da linha de atuação, a fim de que o paciente se dê conta
de que estar ali representa um encontro existencial entre terapeuta e cliente.
Com base nesses aspectos, o que se pretende abordar é que a
relação terapêutica tem um caráter fundamental para o resulta-
do de todo o processo psicoterápico. Em muitos ca-
sos, há uma negligência por parte do profissional
em não compreender o que o paciente traz como
sofrimento e tal atitude impacta na relação, que
é essencial para desfechos positivos dentro do
método fenomenológico.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


A relação entre terapeuta e paciente, descrita como encontro, se estabe-
lece antes da ida ao consultório, logo, o encontro existe antes da sua concre-
tização, dada a expectativa que permeia todo o processo. O estudo dessa
relação na abordagem fenomenológica existencial compõe a busca por uma
ajuda, descrita como um evento que causa, a princípio, uma certa curiosida-
de em compreender a presença da pessoa, algo que pode ter um significado
muito particular.

Figura 6. O papel do terapeuta é interpretar e traduzir o que o paciente traz. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 10/09/2021.

Essa relação é o resultado de uma troca de saberes entre o profissional e


quem traz uma história carregada de emoção e, em muitos casos, uma carga
de sofrimento que interfere no modo de vida. Em muitos casos, a situação
trazida na psicoterapia reflete um conflito existencial que leva o indivíduo
a um desajustamento e desorganização diante da vida, que o impede de agir
com naturalidade e equilíbrio.

ASSISTA
Ofilme Um homem sério, lançado em 2009 e dirigido por Joel e Ethan
Coen, traz questões que apontam para os conflitos existenciais. O filme
traz a história de um homem que enfrenta muitas angústias, vive em crise
por diversos fatores que acompanham a sua vida - como o relacionamen-
to com os filhos, a esposa e o trabalho - e, na busca da resolução de seu
conflito existencial, procura várias explicações.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


O comportamento do terapeuta é um fator determinante na relação com
o cliente, visto que a atitude frente ao outro é um aspecto que determina a
atitude do outro. Conforme colocado, a atitude fenomenológica explicita que,
numa postura filosófica, é compreender que a fenomenologia de Edmund
Husserl é, em primeiro lugar, uma atitude ou postura filosófica e, em segundo
lugar, um movimento de ideias com método próprio, visando ao rigor radical
do conhecimento. Assim sendo, Husserl acompanha o sonho de Descartes,
de fundamentar a filosofia e as ciências numa verdade única, embasada sob
diferentes perspectivas.

Resultados da atuação fenomenológica-existencial



Os resultados da atuação fenomenológica-existencial não são fáceis de se-
rem mensurados, mas é preciso compreendê-los, uma vez que o profissional
precisa se dar conta do seu papel na atuação com o outro. Além disso, a ques-
tão é complexa em virtude da subjetividade presente no processo, pois o re-
sultado é interpretado de formas diferentes, visto que a tarefa de avaliar não
cabe somente ao terapeuta, uma vez que se faz necessária uma interpretação
de ambas as partes dentro da perspectiva teórica.

•• • ••

Figura 7. Acolhimento do sofrimento. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 10/09/2021.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


A escuta é apontada como um dos grandes ganhos da humanidade, em es-
pecial quando há a possibilidade de uma escuta acompanhada do acolhimento,
pontos importantes do trabalho profissional. Essa atuação fenomenológica é
descrita como um encontro existencial e se concebe dentro de uma relação
intersubjetiva, de realidades diferentes, mas de vivências muito próximas, de
forma que o encontro possibilita o exercício da empatia, algo que também não
é fácil de ser exercido.
A fenomenologia existencial pressupõe entrar em contato com a realidade
do outro, por meio da denominada consciência que, dentro do método feno-
menológico, é substituída pela palavra percepção, uma vez que se entende que
a interpretação de um determinado fenômeno parte do pressuposto de que
é pela percepção que ela acontece. Quando se aborda a questão do incons-
ciente, termo muito abordado dentro da psicologia, é possível imaginar que,
na abordagem fenomenológica, o inconsciente passa por uma perspectiva na
qual o sujeito busca uma compreensão profunda do que se é, além de uma
explicação das suas escolhas.
O método fenomenológico descrito por Martin Heidegger traça a questão
Hermenêutica, que se refere à compreensão do ser no mundo, em que o ser
se relaciona à existência do que se é e das escolhas que se faz, porém, é im-
portante lembrar que a abertura para uma vivência só é possível mediante um
sentido estabelecido em dado momento. Pensar em um método terapêutico é
pensar no cuidado, e o cuidar, nesse sentido, representa uma atitude de olhar
para o outro, o que envolve impressões e ideias acerca de um fenômeno.
Ao falar sobre as impressões, está se referindo a algo direcionado pela ma-
neira como cada pessoa enxerga a própria existência de sua forma, conheci-
mento construído de forma imediata pela realidade ligada à experiência atual,
mas que tem relação com o construído pelos sentidos. O método
fenomenológico parte de um pressuposto em que o conhecimen-
to é denominado como transcendental, através da fi-
losofia transcendental e seus estudos sobre a sub-
jetividade, que só é compreendida graças a uma
escuta apurada que, conforme exposto, requer
habilidade de manejo das situações demonstradas
pela pessoa em processo de adoecimento mental.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Com base nessa informação, a subjetividade dentro de um processo de ava-
liação é difícil de ser delimitada, todavia, se trata de um fator importante, pois ela
garante a compreensão de uma real situação. Dentro da perspectiva fenomeno-
lógica existencial, esse é o principal aspecto, visto que o profissional tem o gran-
de desafio de trazer à tona elementos subjetivos que precisam ser investigados.
Com essa concepção de transcendental, o método de atuação fenomenológico
traz uma explicação de como o fenômeno aparece para uma pessoa.
No entanto, antes de compreender o que é um problema mental e como o
profissional auxilia uma pessoa que necessita de tratamento específico, se faz
necessário conceituar que mente e corpo não se separam e, sendo assim, é im-
portante saber como um evento afeta o corpo de tal maneira que, em alguns
momentos, seja impossível para o profissional detectar sua origem. Para expli-
car os resultados de um método fenomenológico, é preciso compreender que a
abordagem trata sobre uma questão de existência e aponta para questões de
mudança diante da visão e interpretação das diversas situações a que uma pes-
soa é exposta no cotidiano e, por isso, até os resultados são permeados por uma
subjetividade que torna o ser único.
A atuação numa perspectiva fenomenológica existencial tem como premissa
levar o profissional da Psicologia a atuar de uma forma investigativa e não perder
a capacidade empática de entender o sofrimento dentro de uma atuação descri-
tiva, haja vista o processo de consciência intencional e a delimitação do que é de
responsabilidade do sujeito na relação estabelecida com o objeto.
Com base nessas questões, é importante compreender que a atuação do
profissional faz com que ele se coloque em uma relação de condução e de re-
solução de uma situação. A proposta resume elementos essenciais para uma
ciência que não deixa de atuar com o seu rigor científico, mas que não perde a
possibilidade de atender ao ser humano de forma humanizada, dentro da capa-
cidade de se relacionar e delimitando as interferências da relação na percepção
do que se é e do que surge a partir da vivência.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Sintetizando
-----------------------
· •

Nesta unidade, foi exposta uma perspectiva do diagnóstico fenomenoló-


gico, além da intervenção clínica sob a perspectiva fenomenológica, em que
foram levantados pontos sobre a relação entre terapeuta e paciente, o que
determina o sucesso ou não do processo. Nessa relação, muitas dimensões
merecem análise, dentre as quais o diagnóstico é um fator que delimita a ma-
neira como a intervenção se realiza.
O diagnóstico não é uma prática simples, pois se trata de um momento que
vai além de uma mera classificação, visto que a classificação não é a principal
característica do método fenomenológico. Por isso, há a compreensão de que
a patologia necessita de um olhar mais humanista que delimite a interpretação
de um fenômeno por parte do indivíduo.
Também foram abordadas questões sobre a etapa do processo de diag-
nóstico que, não obstante, é apenas o início de um processo interventivo e
mais complexo que se refere à intervenção clínica. Uma questão muito evi-
dente aponta que o método fenomenológico se propõe a ter uma atitude mais
acolhedora do sofrimento humano, promovendo uma escuta mais apurada de
situações e vivências subjetivas.
De modo geral, é importante ter a dimensão de como usar dessa estratégia
para traçar um caminho de práticas que alcancem resultados positivos para a
vida das pessoas que recorrem a essa abordagem, mediante uma forma dife-
rente de enxergar a doença. A intervenção clínica é uma das questões mais de-
safiantes em qualquer linha teórica, algo que não é diferente para o método fe-
nomenológico, uma vez que a atuação passa pela perspectiva da relação entre
terapeuta e paciente, que em muitos casos se encontra dentro de um processo
de sofrimento que requer um olhar mais humanista, aspecto que diferencia a
abordagem fenomenológica existencial.
Entretanto, analisar questões dessa magnitude requer muita dedicação e
comprometimento do profissional que se propõe a atuar nessa linha, uma vez
que sua história pode se comparar com a do paciente. O distancia-
mento não é a solução, mas uma visão real de sua existência e
da existência do outro auxilia numa visão do todo e traz mais
benefícios ao indivíduo que precisa de auxílio.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Uma ideia também levantada compreende que o homem está envolvido
num contínuo processo de desenvolvimento e de construção de sua existência.
Como resultado dessas mudanças, surge uma questão importante dentro da
fenomenologia existencial, dado que em cada momento da vida há uma inte-
gração das forças estabelecidas numa relação de troca.
Em suma, nesta unidade, foi feita uma ponte entre a fenomenologia e a psi-
coterapia, apontando que a fenomenologia trouxe uma contribuição inovadora
para a forma de enxergar os problemas provenientes da existência humana, e
que a atitude fenomenológica está associada à relação estabelecida com ou-
tras pessoas. Por fim, o método fenomenológico traz a humanização para um
processo objetivo dentro do campo da Psicologia, em virtude da implementa-
ção de uma prática científica de olhar para o comportamento e apontar para o
que está por trás do que é manifesto.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Referências bibliográficas
••
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FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


REIS, R. R. A abordagem fenomenológico-existencial da enfermidade: uma revisão.
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FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


UNIDADE

educacional
Obietivos da unidade

Apresentar questões sobre o cuidado direcionado ao ser humano;

Conceituar temas referentes à situação existencial frente aos conflitos


humanos;

Proporcionar discussão de temas da fenomenologia e do olhar para o outro


dentro dessa abordagem.

Tópicos de estudo
A clínica e o cuidar O tempo e o espaço
O que é o cuidar dentro da prá- O contexto de desenvolvimento
tica fenomenológica-existencial A existência humana e o seu
Quais as principais caracterís- tempo
ticas da clínica fenomenológica-
-existencial O outro e a fala
A escuta sem julgamento
A situação existencial O dilema em ser o outro
O conflito existencial
A visão dimensional do ser

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



A clínica e o cuidar
A clínica é um espaço de cuidado, definido há muito tempo dentro do campo
da psicologia. Nesse sentido, se faz necessário compreender sua importância,
pois o ser humano, quando procura esse lugar, vem acompanhado de um mo-
mento diferente, permeado por influências em sua vida. O cuidar manifesta uma
atitude de contenção por parte do psicólogo, revelando um nível de suporte cuja
estratégia, com o intuito de fortalecer e restabelecer o bem-estar, além da recu-
peração do equilíbrio emocional, tem como objetivo básico aliviar ou diminuir
o sofrimento do indivíduo. Assim, o cuidar é um ato de atenção dedicado a um
indivíduo em situação de fragilidade ou necessidade específica. Logo, é preciso
abordar a perspectiva de olhar sob a premissa de que o cuidado está ligado ao
fato de escutar o sofrimento de uma pessoa que busca desse cuidado.

DIAGRAMA 1. ELEMENTOS QUE ENVOLVEM OCUIDADO COM OOUTRO DENTRO


DO OLHAR TERAPÊUTICO
~

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


A atuação clínica voltada ao cuidado se refere ao olhar para o outro e em
como o outro estabelece suas relações, que podem ser denominadas como
interindividuais, sem esquecer da relação com outras pessoas. A procura por
descrever o cuidado se dá na mesma perspectiva das características relatadas
pela filosofia da existência. Uma das primeiras características aponta para a
valorização do homem e de seu modo como seu sofrimento e sua angústia é
explicitada. Tal perspectiva de cuidado é descrita como a principal causa pela
busca da psicoterapia.
A atuação fenomenológica existencial exige um contato com a realidade do
outro, no que se denomina consciência, mas que, dentro do método fenome-
nológico, pressupõe uma substituição pela palavra percepção, uma vez que a
interpretação de um fenômeno parte da percepção. Pensar em um método
terapêutico é pensar no cuidado, portanto, o que é cuidar, nesse sentido, re -
presenta uma atitude de olhar para o outro, o que envolve impressões e ideias
acerca de um determinado fenômeno.
No que tange às impressões, elas se condicionam à maneira como cada pes-
soa enxerga sua existência, um conhecimento construído de forma imediata,
por meio da realidade ligada à experiência atual, embora haja relação, por meio
dos sentidos, com o já construído. A fim de auxiliar na trajetória psicoterapêu-
tica, cabe ressaltar que, na relação com o paciente, se faz necessário separar o
que é seu e o que é do outro, pois ser empático não é somente experimentar
o sofrimento do outro, mas também compreender tal percepção diante de um
fenômeno, auxiliando no desenvolvimento da interpretação, a partir do discur-
so diante de um fenômeno.


O que é o cuidar dentro da prática fenomenológica-
-existencial
O cuidar dentro da Psicologia é o pri nci pai aspecto dessa profissão, uma
vez que se busca apontar e encontrar um método de intervenção que ga -
ranta o olhar para essa questão. Nesse sentido, ter uma percepção de to-
talidade institui um aspecto básico dentro dessa abordagem, que é o de
compreender a existência humana e trazer uma concepção do que é acolher
o sofrimento humano.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


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Figura 1. O cuidar e a Psicologia. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 21/09/2021.

A escuta é uma das estratégias que trazem resultado na atuação clínica,


posto que quem procura ajuda busca o acolhimento necessário para o en-
frentamento do seu sofrimento. Nesse sentido, o acolhimento dentro da clí-
nica faz com que o indivíduo entenda o seu lugar no mundo e a sua principal
tarefa dentro disso. Portanto, o autoconhecimento é uma das premissas do
processo terapêutico. A prática clínica suscita considerações importantes
sobre o cuidado, com maior destaque para a escuta clínica, que tem como
objetivo compreender o sofrimento psicológico. O método fenomenológico,
desenvolvido por Heidegger, é o que mais se adequa na investigação da
subjetividade humana.
Compreender o sofrimento humano é um dos maiores desafios no âm-
bito da psicologia, uma vez que tal questão é apontada como uma das prin-
cipais tarefas, pois somente uma compreensão do sofrimento leva ao "cui-
dar", cujo primeiro aspecto é o acolhimento do que o paciente traz, sem
julgamento ou avaliação prévia. Com esse olhar, se garante o entendimento
do fenômeno apresentado.
Essa questão é apontada como um dos maiores desafios da abordagem
fenomenológica existencial clínica, que é de olhar, dentro de
uma unidade, o ser que pertence a uma unidade. Partindo do
princípio de que a unidade é definida como ciclo vital, olhar
o ciclo auxilia na compreensão do momento de vida e o
quanto o fenômeno interfere na existência. O movimen-
to de compreensão do cuidado do outro alude a um
aspecto importante da fenomenologia, mas também à
evolução humana, que é permeada por fatores que im-
pactam o modo como se vislumbra a própria existência.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



Quais as principais características da clínica
fenomenológica-existencial
A fenomenologia existencial tem como pressuposto básico a compreensão
da vida humana dentro de uma perspectiva global, partindo de uma percepção
que esse mesmo indivíduo pertence a uma unidade.

DIAGRAMA 2. ELEMENTOS QUE ENVOLVEM O ENFOQUE


FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
~

Enfoque
fenomenológico-
existencial

1) Permite entrar em contato 2) Permite compreender a


com angústias e medos; indeterminação da existência;

3) Converte finitude e insegurança 4) Conduz ao autossignificado das


em possibilidade e liberdade; vivências e à criação de autonomia.

As características da Fenomenologia Existencial estão ligadas à retomada


de questões relacionadas à consciência, campo que necessita de um método
de abordagem muito peculiar e que, durante muito tempo, foi pouco abordado,
pois as teorias mais clássicas consideravam o aspecto mais digno de interpreta-

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


ção como algo inconsciente. Trazer à consciência os fenômenos do inconscien-
te obriga o "ser" a avaliar sua percepção diante de um fenômeno, fazendo com
que o método dê conta de questões importantes e que necessitam de uma
intervenção mais humanista da situação apresentada.
A grande dificuldade em trabalhar tais questões reside no fato de que a
consciência não é delimitada como um lugar físico. A fenomenologia existencial
na clínica é uma das abordagens psicológicas apontadas como uma terceira
força dentro da psicologia, tendo em vista o olhar para a existência humana. Tal
perspectiva aponta que o "ser" precisa ser compreendido numa perspectiva
humanista e acolhedora. O olhar na clínica traz a concepção de que o trata-
mento necessita de um olhar ampliado, atuando de forma a estabelecer parce-
rias que contribuam para que as doenças sejam tratadas por um olhar além do
tratamento farmacológico.
Nessa perspectiva, é importante refletir sobre a humanidade, no sentido
de entender a qual ser humano se faz referência e qual ser humano se preten-
de definir, ideia que não é tão fácil de ser explanada, uma vez que a existên-
cia humana é permeada por fatores presentes no contexto de uma pessoa. A
questão principal é compreender quem é essa pessoa, muito mais do que com-
preender o que é a pessoa. Nesse sentido, quando mudada a pergunta, muda-
-se também o objetivo, que não é entender a origem da pessoa e, sim, quem
é essa pessoa na realidade compreendida por ela e diante da forma como ela
interpreta sua realidade.
A existência humana, nesse contexto, é descrita por uma reflexão que, den-
tro da abordagem fenomenológica, só se torna possível quando o olhar é o
mais próximo da realidade da própria pessoa, como em épocas cujas angústias
e sofrimentos requerem um olhar mais próximo do contexto, como após a Se-
gunda Guerra Mundial. Outra questão emergente de interesse da ciência é a
de descrever até que ponto todos os eventos vivenciados fazem com que ele
evolua e lide com suas questões.
Nesse ponto, é importante ressaltar que a existência hu-
mana é permeada por fatores que interferem na conduta
do ser em processo de desenvolvimento e, por isso, há
uma necessidade de ter profissionais - no caso, os psicó-
logos - que olhem por uma perspectiva mais humanista.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



A situação existencial
A situação existencial é uma das questões abordadas pelo método fenome -
nológico, sendo descrita como uma das causas que levam o ser humano a de-
senvolver conflitos. Na busca por alternativas à sensibilização para o sentido e
à realização de valores, a vivência humana sofre muitas influências. Descrever
a situação existencial faz com que a existência seja permeada por outros fato -
res, componentes de uma dimensão muito mais complexa do que se imagina.
A abordagem existencial tem como premissa básica se ocupar do ser hu-
mano, evidenciando suas experiências permeadas por fenômenos que trazem
sentido para a vida e que caracterizam sua existência. A experiência cotidiana
requer uma análise minuciosa, na qual se compreende que o ser apresenta
aspectos individuais ou mesmo intencionais que compõem a raça humana.
Heidegger é um dos precursores em trazer a ideia de existência, que preci-
sa ser compreendida dentro de um espaço e de uma temporalidade, aspectos
descritos como contexto e desenvolvimento. De acordo com Heidegger (1998),
o indivíduo não pode ser determinado somente por um aspecto, questão pre-
sente nessa concepção, uma vez que a existência é algo indefinido, pois há uma
independência na forma de atuação na relação com o objeto.
Com base nessa ideia, a existência dentro do método fenomenológico é
definida de uma forma ampla, distinguida por meio das relações que o ser
estabelece com os outros. Dentro da sua existência, o homem também é
concebido como um ser privilegiado, uma vez que possui o dom da existên-
cia. Nessa perspectiva, se destaca que o ser possui traços característicos de
ser-no-mundo. A partir disso, se define que o ser humano possui afetos e
interesses que o determinam como ser humano e, por isso, a ideia de privilé-
gio. Ou seja, o ser estabelece uma relação com o outro e esse fator, por si só,
justifica a existência.

DICA
"Ser-no-mundo" é uma das principais ideias presentes nas obras de
Martin Heidegger, que aponta para questões da existência humana ao
trazer várias concepções sobre quem é uma pessoa, analisando tais
concepções a partir da relação construída com outras pessoas.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



O conflito existencial
O método fenomenológico parte de um pressuposto do conhecimento
transcendental, por meio de uma filosofia transcendental, em que se busca es-
tudar a subjetividade. Os paradoxos humanos fazem com que o ser desenvolva
conflitos existenciais, portanto, compreender o conflito ajuda o profissional a
entender como surge a relação estabelecida com o outro. Essa questão é muito
bem definida quando as dificuldades vivenciadas por uma pessoa passam de
experiências a conflitos e, após isso, o ser sadio alcança as possibilidades de
aceitar e enfrentar tais paradoxos e restrições impostas pela existência.
A partir dessa ideia, a fenomenologia existencial amplia o olhar
para o cuidado clínico, no qual o sofrimento requer que o pro-
fissional tenha uma atuação diferenciada. Com isso,
é importante entender que o psicólogo tem pela
frente um grande desafio, pois precisa ter a
compreensão de que o paciente apresenta um
conflito existencial, que traz um sofrimento
• A •

em sua v1venc1a como ser.

ASSISTA
O filme Para sempre Alice traz a história de Alice, uma professora que,
aos 50 anos, é diagnosticada com a doença de Alzheimer de início pre-
coce. Ela vive um período muito importante da sua vida, que muda de
uma forma inesperada com o diagnóstico. Por isso, é necessário enten-
der que o acometimento por uma doença, seja ela qual for, representa
uma condição que se traduz num impacto para a pessoa e para quem a
cerca, como familiares, amigos ou colegas de trabalho.


A visão dimensional do ser
A ontologia dimensional traz elementos fundamentais da antropologia
heideggeriana e de seu caráter de fundamento para a humanização das
ciências. Esse método proporciona uma perspectiva de apresentar a pessoa
em sua unidade-totalidade, fundada, integrada e garantida dentro de uma
análise existencial.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


DIAGRAMA 3. ELEMENTOS DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA HEIDEGGERIANA
~

Com essa concepção dos pilares da análise existencial, se entende que a


liberdade está ligada à vontade, que se direciona à autotranscendência, com-
preendida por uma visão biopsicossocial e, para além disso, por um ser socio-
lógico dentro da concepção do contexto. Assim, é possível notar que existe
uma dialética que permeia a liberdade do ser humano, ligada ao destino das
pessoas, que conscientiza sobre as diversas possibilidades de resposta que o
ser humano tem diante das situações da vida e sobre seu caráter histórico.
A visão dimensional também remete à ideia de que a vida é permeada por
uma busca de atribuir sentido à existência, dimensionando valores de extrema
importância para contemplar a existência desse ser e buscando a relação do
sentido com a unicidade da pessoa e a singularidade da situação. Também se
faz necessário reconhecer a legitimidade da pergunta pelo sentido último da
vida, algo abordado numa perspectiva diferente dessa existência.
A fenomenologia possibilita um enfrentamento numa realidade de um
mundo pós-moderno, em que se faz necessária uma análise existencial, com
foco na busca por um sentido, contribuindo da forma mais compreensiva pos-
sível para uma problemática que é inerente à condição humana e ao efetivo
desenvolvimento de valores. Dentro da dimensão humana, se pretende tra-

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


zer também questões relacionadas ao mal-estar vivencia-
do numa sensibilização para o sentido da vida, uma vez
que há a necessidade de refletir sobre a problemática e as
consequências da falta de sentido no mundo de hoje.


O tempo e o espaço
O tempo é uma questão muito complexa de ser definida, em especial se a
definição se relaciona à suposição de que a vida necessita de uma compreen-
são num espaço, ou seja, a existência humana é marcada pelo processo de
existência dentro de um tempo e um espaço. A acepção do que é o tempo está
presente dentro da Psicologia, dado o discurso voltado ao tempo que cada ser
possui. Assim, se faz necessário compreender o momento de cada pessoa ao
procurar um atendimento.
O tempo é deliberado pela temporalidade e pela transitoriedade, porém, há
uma necessidade de definição de valores para compreender o tema da transi-
toriedade e temporalidade como condições existenciais para a configuração de
sentido, relacionando as categorias de valores à realização de sentido nas prin-
cipais dimensões da experiência humana, além de refletir sobre a possibilidade
de constituir sentido nas situações limites da existência. Esse tempo reflete
muito do que o indivíduo vive, pois o momento atual tem uma representação
significativa dentro da existência, se interligando ao contexto histórico e aos
fatores que o compõem.
O espaço é outro aspecto que permeia o campo da psico-
logia, tendo uma representação muito importante dentro da
existência humana e sendo também interligado ao tempo,
pois é preciso analisar o lugar em que a pessoa se insere e cuja
influência é primordial na formação humana. O tempo
não para e, com isso, é fundamental ter uma noção de
como o ser humano acompanha tal mudança, tendo
em vista o que há de permanente nos seres huma-
nos, independente do ciclo vital. Em síntese, as trans-
formações causadas pelas mudanças no tempo e no es-
paço se tornam presentes nessa visão de mundo.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Figura 2. O tempo e o ser humano. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 21/09/2021.

A Figura 2 propõe uma breve reflexão sobre o lugar e o tempo, em que


o tempo é algo subjetivo, embora seja demarcado por instrumentos como a
ampulheta e o relógio. O tempo é descrito como uma das questões mais impor-
tantes dentro da perspectiva fenomenológica existencial, ideia essencial para
compreender o momento do indivíduo e como ele se relaciona com a sua exis-
tência, descrita como ciclo vital.


O contexto de desenvolvimento
O desenvolvimento humano é uma das áreas da psicologia mais importan-
tes pois, quando se pensa em desenvolvimento, é preciso compreender que
o indivíduo se forma por meio de diversas influências. Nesse sentido, para
interpretar a concepção de ser, se faz necessário compreender que, numa
perspectiva biopsicossocial, o ser humano evolui e tem influência direta na
própria existência.
A personalidade é moldada ao longo do desenvolvimento humano, haja
vista que uma das características da personalidade é o seu amadurecimento.
Sendo assim, o desenvolvimento humano é dinâmico e a personalidade tam-
bém requer esse dinamismo, assim como a compreensão, a partir da busca
de sentido, do processo de amadurecimento da personalidade.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Figura 3. A evolução humana. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 21/09/2021.

A fenomenologia, dentro de sua concepção do indivíduo, compreende que


o contexto em que uma pessoa se insere tem relação direta com as relações in-
terpessoais ocorridas e, nesse sentido, se faz necessário delimitar seu campo de
interferência por meio de algumas situações. Ao abordar o desenvolvimento, é
preciso relacioná-lo a fases do ciclo vital, pois cada momento do ciclo traz ques-
tões importantes, que podem causar aspectos positivos ou aspectos negativos.
Erik Erikson aborda tais questões ao afirmar que o Ego se fortalece a cada fase,
mas que cada fase gera uma crise para esse indivíduo. Assim, é importante pensar
nisso sob uma abordagem fenomenológica, entendendo a crise do indivíduo e au-
xiliando na forma de lidar com questões que podem tornar essa pessoa mais forte.

DIAGRAMA 4. OS OITO ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO, DE ACORDO COM ERIKSON


~

Os oito estágios de desenvolvimento, de acordo com Erikson

Confiança X desconfiança
(até o primeiro ano de idade);

Indústria/mestria X inferioridade Integridade X desesperança



(dos seis aos 11 anos); (velhice).

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA
Em suma, o desenvolvimento humano é permeado por um contexto social
de relações, por isso, a psicoterapia necessita de uma alteração no campo de
análise, visto que o método fenomenológico traz tal concepção de contexto à
psicoterapia e o fazer clínico inclui a compreensão do contexto.


A existência humana e o seu tempo
Como não é uma tarefa fácil distinguir o contexto em que se dá o desen-
volvimento, tal distinção só é possível quando há uma definição do que se é
e como essa questão interfere na forma como uma pessoa pensa e como sua
existência se dá por meio da compreensão do tempo em que ela acontece.
Tempo e contexto são questões interligadas, logo, olhar para a concepção
humana equivale a se dar conta de muitas situações que fogem da explicação
da psicologia.
Compreender o aspecto transcendental, nesse momento, ajuda a traçar ob-
jetivos que contribuam para a existência humana. Essa questão não é fácil de
ser respondida, embora exija compreensão, uma vez que o profissional que se
propõe a atuar nessa linha precisa se dar conta de qual é o seu papel na atua-
ção com o outro, que é descrita como um encontro existencial que se concebe
numa relação intersubjetiva, de realidades diferentes, mas de vivências muito
próximas, cujo encontro possibilita o exercício da empatia, que também não é
fácil de ser exercida.
A atuação fenomenológica existencial pressupõe um contato com a realida-
de do outro, denominada consciência, mas que, como já exposto, pressupõe,
dentro do método fenomenológico, uma substituição pela palavra percepção,
uma vez que a interpretação de um fenômeno parte da sua percepção. Essa
realidade tem uma ligação direta com o contexto e o tempo de inserção da
pessoa, por meio da qual é possível promover uma reflexão no indivíduo, em
uma perspectiva que alcance resultados positivos, fazendo com que o indiví-
duo olhe de forma mais aprofundada para certas situações.
Ao falar sobre as impressões, está se aludindo à maneira como cada pessoa
enxerga sua existência da sua forma, conhecimento construído de forma ime-
diata por meio da realidade, que está ligada à experiência atual, mas que tem
relação com o que é construído por meio dos sentidos.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



O outro e a fala
Dentro da perspectiva fenomenológica, a procura por ajuda está ligada a
uma necessidade. A fala vem acompanhada de uma perspectiva de um lugar
de escuta, que está ali para trazer sentido à fala das pessoas que buscam
pela escuta. Nesse contexto, a fala é importante, pois faz com que o indivíduo
elabore tal conteúdo. Uma questão importante também se refere ao entendi-
mento de que, por trás da fala do outro, existe algo, muitas vezes encoberto,
que influencia o comportamento.
A escuta clínica se modifica à medida que o campo de atuação também
sofre mudanças. No caso da abordagem fenomenológica existencial, a escuta
se torna essencial dentro do tempo e espaço em que o ser humano se insere.
O desenvolvimento dessa escuta é discutido por vários autores, mas, mesmo
assim, a habilidade profissional faz toda a diferença, visto que observar o outro
é uma possibilidade de enxergar a pessoa para além das aparências.
Uma das atitudes mais frequentes da humanidade é olhar o outro por meio
de um rótulo, o que não ajuda na compreensão do ser na ação genuína, como
uma maneira de preocupação com o outro. Nesse sentido, a escuta ativa é
uma das possibilidades, apesar de ser uma tarefa muito difícil de se colocar
em prática, dada a necessidade de compreensão da fala do outro. A atitude
empática, assim, se constitui numa via de mão dupla, na qual aprender sobre
experiências de outras pessoas é fundamental para enxergar o mundo através
dos olhos dos outros, contudo, também é importante se abrir sobre seus pró-
prios sentimentos e experiências.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



A escuta sem julgamento
A escuta é uma das tarefas mais complexas quando se pensa em humanida-
de. No campo da psicologia, a escuta é uma das ferramentas mais importantes
no processo de compreensão humana, tendo em vista que ela passa pela capa-
cidade do outro de promover, por meio das sensações, algo que faça sentido.
Prova disso é que, ao falar, existe um desejo de expor o que causa dor e/ou
uma percepção de algo desagradável.
A psicologia fenomenológica existencial dentro da clínica compreende que
todo processo de escuta apurada requer alguém do outro lado, que o faça sem
qualquer julgamento do que é dito. O julgamento aqui é descrito como algo que
interfere na perspectiva de quem é o outro, visto que a pessoa julgada pode re-
sistir em falar. Logo, o julgamento não faz parte desse processo, pois a pessoa
busca compreensão, e não julgamento e, além do mais, tal fator não contribui
para o processo de melhora.
A escuta qualificada provê ao profissional informações sobre o ser que quer
ser ouvido, permitindo descobrir até que ponto o adoecimento impacta a vida
de uma pessoa que procura auxílio. A escuta também proporciona a elabora-
ção do conteúdo por parte da pessoa escutada, uma vez que o conteúdo causa
sofrimento a essas pessoas. A partir dessa realidade, é traçado um plano tera-
pêutico realista e que atinge resultados positivos.
No que tange à importância da escuta qualificada como
ferramenta benéfica, ela tem um papel fundamental no
cuidado e na intervenção mais apurada da situação vi-
venciada por uma pessoa, partindo da ideia de que o pro-
fissional deve ter habilidade para desenvolver uma
postura livre de qualquer julgamento ligado ao
desenvolvimento humano e às escolhas que
a pessoa vem a fazer. Em resumo, escutar é
algo além de apenas ouvir, pois está ligado
à capacidade de desenvolver uma postura de
acolhimento, já que quem busca acolhimento se
encontra numa situação de sofrimento psicológico.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


j
'

Figura 4. A escuta qualificada. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 21/09/2021.


O dilema em ser o outro
Uma das questões mais estudadas pela fenomenologia existencial se refere
ao dilema humano que é marcado por uma concepção diferente do que se é
e de onde se pretende chegar. Para a maioria dos teóricos, a psicologia, como
ciência humana que se propõe a enxergar a realidade dessas pessoas, deve
pensar sobre isso, lembrando que uma pessoa que se vê diante de um dilema
é um ser em sofrimento por conta de algum tipo de sensação desagradável. O
dilema está associado à existência humana e, nesse contexto, May (2000, p. 23)
conceitua que:
O dilema humano é aqui lo que se origina da capacidade de um ho-
mem para senti r a si mesmo simu lta neamente como sujeito e como
objeto. Ambas as ca pacidades são necessárias, para a ciência, para
a psicologia e pa ra a vida.
Portanto, toda ação revela uma intenção e, por isso, um ato, mesmo que
acidental, é sucedido por uma consequência. Ser livre é uma das possibilidades
que o ser tem, mas tal liberdade, por vezes, causa uma ambiguidade de pensa -
mento que se transforma em dilema, o que significa que a liberdade humana é
cercada por dilemas que interferem nas escolhas. Tal ideia remete à concepção
de que o dilema é algo presente no desenvolvimento.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Conforme descrito por Sartre (2011 ), se a ação é intencional, isso gera no
indivíduo a capacidade de se tornar independente e responsável por suas conse-
quências. A liberdade é uma condição indispensável ao ser atuante, pois significa
uma ruptura com seu próprio passado, fazendo dele o motivo para a ação.

C) CUR IOS IDADE


Sartre conviveu com Merleau Ponty, uma das figuras mais importantes
\ dentro da abordagem fenomenológica existencial e que, após a Segunda
Guerra Mundial, fundamentou uma das questões mais importantes eco-
nhecidas, que busca uma interpretação do mundo por meio de um método
dentro da filosofia: o existencialismo.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Sintetizando
-----------------------
· •

Nesta unidade, foram abordadas questões importantes sobre a importân-


cia do cuidar. Um dos aspectos que requer compreensão, tendo em vista o con-
texto explicitado, se refere à existência humana e ao olhar diante da conjun-
tura em que a pessoa se insere. A psicologia é um campo de interesse sobre o
desenvolvimento humano e seu processo de formação, por isso, é importante
ressaltar que a pessoa, em seu processo evolutivo, passa por experiências que
dão sentido à existência, mas que a influenciam de forma positiva ou negativa.
A partir dessa compreensão, há a necessidade do ser humano expor suas
vivências num processo de acolhimento e escuta sobre a história de vida de
uma pessoa, algo que não se trata de uma tarefa tão simples assim, tendo
em vista a demanda por um profissional capacitado e atuante, que olhe com
veemência para essas questões sem qualquer julgamento, posto que os aspec-
tos da consciência são importantes nessa compreensão humanista, que passa
pelo encontro existencial discutido por meio desse método de investigação da
condição humana.
Diante de todas essas informações, é importante ressaltar que a experiência
é uma das principais características inerentes à formação humana, sendo a maior
responsável pela composição da personalidade. Embora não se refute a herança
biológica, esse aspecto, aliado às vivências, direciona o desenvolvimento de com-
portamentos que influenciam as relações que um ser estabelece em vida.
Além disso, o desenvolvimento humano é um tema de interesse da aborda-
gem fenomenológica existencial, em especial na compreensão da influência do
contexto em que se dá o desenvolvimento de um ser humano. Ao final desta
unidade, o dilema humano também foi apresentado, uma vez que ele se con-
diciona às escolhas que uma pessoa faz diante de situações que, de
certa forma, podem causar desequilíbrios.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Referências bibliográficas
••
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SARTRE,J-P. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. 20. ed. Petró-
polis: Vozes, 2011.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


UNIDADE

educacional
Obietivos da unidade

Apresentar o aconselhamento psicológico, descrevendo as representações


teóricas e práticas;

Abordar a importância do aconselhamento psicológico para o plantão


psicológico;

Apresentar a definição e os objetivos do plantão psicológico, bem como


debater o papel do profissional neste serviço.

Tópicos de estudo
Noções básicas sobre o acon-
selhamento psicológico em insti-
tuições
Aconselhamento na saúde
Aconselhamento psicológico
durante a pandemia de Covid-19

Definição do plantão psicológico


Objetivos e desenvolvimento
da prática no plantão psicológico
A atuação do aconselhador no
plantão psicológico
Plantão psicológico no ambien-
te hospitalar

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA



Noções básicas sobre o aconselhamento psicológico
em instituições
Desenvolvida por Edmund Husserl, a fenomenologia é um método de pesqui-
sa qualitativa. Husserl estendeu os conceitos e métodos da ciência moderna ao
estudar a consciência, influenciando a filosofia, como também outras humani-
dades e ciências sociais no século XX. Husserl formulou métodos científicos que
se desenvolveram de maneira única, uma vez que eles foram criados para ajudar
pesquisadores psicológicos a estudar experiências e comportamentos humanos.

Figura 1. Matemático e filósofo alemão Edmund Husserl. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 13/10/2021.

Husserl dedicou muita atenção à psicologia ao longo do movimento feno-


menológico com a psicologia da saúde mental. O movimento fenomenológico,
conforme foi sendo construído no decorrer do século XX, recebeu importantes
contribuições, a partir de obras de diferentes autores, tais como Max Scheler,
Martin Heidegger, Jean Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, entre outros. Em-
bora as obras ofereçam conhecimentos inovadores em áreas fundamentais da
psicologia, como observadas no Quadro 1, a psicologia tem o maior impacto no
campo da saúde mental.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


QUADRO 1. ASPECTOS FUNDAMENTAIS PARA A PSICOLOGIA
~

Diz respeito ao processo de tornar algo consciente. Tem relação com


Percepção
atitude corpórea, sensibilidade estética.

Está associada à exploração dos conceitos e estratégias, que permite


Imaginação
a extensão da consciência.

Emoções Qua lquer sentimento que faz parte da subjetividade.


'
Comportamento Atitudes, condutas, reações em determinados momentos.

Capacidade de comunicar-se a partir de aquisição e utilização de sis-


Linguagem
temas complexos.

Processos sociais Relações sociais que acontecem com um ou mais indivíduos.

Alguns desses temas chegaram a ser reunidos em trabalho, com foco na


experiência, no processo e na importância da relação cliente-terapeuta, além
de compreender os problemas por meio da perspectiva do cliente. Esse tra-
balho começou a atrair a atenção de psicólogos americanos e europeus, que
criaram uma onda de interesse dos psicoterapeutas pelo movimento fenome-
nológico existencial. Em 1962, a Duquesne University iniciou seu programa de
doutorado em psicologia fenomenológica existencial para treinar psicólogos e
médicos, bem como acadêmicos nascidos nos Estados Unidos e profissionais
de saúde mental, como James Bugental, Eugene Gendlin e lrvin Yalom.
O aconselhamento psicológico é uma das disciplinas consideradas funda-
mentais na formação do psicólogo, e a sua prática encontra-se regulamentada
no Brasil. A prática do aconselhamento tem sido tradicionalmente associada a
várias opções de ação, como fornecer informações, feedback positivo, orienta-
ção, incentivo e interpretação. Essa diversidade fica evidente na forma como
os profissionais da área são conhecidos: psicólogos, terapeutas, conselheiros,
profissionais de saúde, entre outros (SCHMIDT, 2012).
Existem várias maneiras de definir o aconselhamento psicológico, desde a
adoção de referências generalistas que se concentram na explicação do pro-
cesso de aconselhamento, sem mencionar diretamente as abordagens psico-
lógicas, até as posições que se desviam apenas de um determinado enfoque
teórico para explicar o que se entende por aconselhamento psicológico.
No geral, é uma experiência projetada para ajudar as pessoas a planejar,
tomar decisões, lidar com as pressões diárias e crescer para obter uma autoes-

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


tima positiva. Pode ser vista como uma relação de ajuda, que envolve alguém
em busca de auxílio, alguém disposto a ajudar e capaz de cumprir a tarefa, em
uma situação que permite que o apoio seja dado e recebido.
Outra definição clássica é uma relação pessoal entre duas pessoas, em que
uma delas recebe ajuda para resolver dificuldades educacionais, profissionais e
vitais e a fazer melhor uso de seus recursos pessoais. Ainda em relação às abor-
dagens de aconselhamento genérico, Patterson e Eisenberg (1988) o descrevem
como um processo interativo caracterizado por uma relação única entre o con-
selheiro e o cliente, o último levando a mudanças em uma ou mais das seguintes
áreas: comportamento, construções pessoais, capacidade de ter sucesso em si-
tuações de vida ou conhecimento e capacidade de tomada de decisão.
O aconselhamento é o processo pelo qual os clientes têm a oportunidade
de explorar suas preocupações pessoais, aumentando, assim, a consciência e
a escolha. Apesar das definições mais relacionadas a abordagens psicológicas
específicas, a tarefa de aconselhamento pode ser compreendida como o pro-
cesso, com formulários, orientações e procedimentos para mostrar ou criar
condições para que as pessoas possam julgar as alternativas por si mesmas e
formular suas opções.
Nesse sentido, o aconselhamento seria diferente da psicoterapia, embora
compartilhe semelhanças com essas outras tarefas relacionadas a uma relação
de ajuda. O aconselhamento pode ser entendido como um método de apoio psi-
cológico, que visa restaurar as condições do indivíduo para o seu crescimento e
atualização que lhe permitem perceber sem distorção da realidade que o cerca e
atua nessa realidade, para alcançar uma satisfação pessoal e social abrangente.
Do ponto de vista fenomenológico, trata-se de uma relação
entre duas pessoas em que a presença do conselheiro se torna
existencialmente terapêutica para os aconselhados, razão pela
qual também é chamado a consultar aconselhamento psi-
cológico terapêutico nesta abordagem. Essa relação inter-
pessoal exige a presença genuína do conselheiro, mani-
festada por ele em várias ações, a saber, como fornecer
informações, examinar e refletir sobre as situações de
conflito vividas pelo cliente, reconhecer e explorar recur-
sos pessoais e habilidades.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


A atenção ao indivíduo e a presença genuína do conselheiro também são
elementos centrais do aconselhamento na proposta da abordagem centrada
na pessoa, cujo objetivo é facilitar o crescimento do indivíduo, em vez de solu-
cionar problemas específicos. Ou seja, o conselheiro seria um facilitador desse
crescimento e da busca por maior autonomia e liberdade por parte de quem
busca ajuda.
Nesse sentido, dentro dessa clínica, haveria um local de aconselhamento psi-
cológico, entendido como um espaço clínico caracterizado por um tempo cro-
nologicamente limitado. Assim, é capaz de propiciar esse tipo de encontro, em
que a relação entre o sujeito que tem sua subjetividade em crise e o terapeuta,
convivendo, buscariam, dentro do lugar comum criado por esse encontro, o es-
clarecimento dos significados experienciais e relacionais vivenciados por aquela
subjetividade, como pode ser observado de maneira mais dinâmica no Diagrama
1. Não é função do aconselhamento promover uma mudança qualitativa na per-
sonalidade do indivíduo, como a clínica psicoterapêutica parece propor.

DIAGRAMA 1. O ESPAÇO CLÍNICO NO ACONSELHAMENTO PSICOLÓG ICO


~

Espaço clínico
-.l.,
Tempo limitado

Esclarecimento dos significados Papel de acolher


Compreensão dos sofrimentos Proporcionar escuta ativa
Profissional Cliente
Ressignificação de si 1 Fornecer um ambiente para
conhecer a subjetividade

Uma das justificativas para o aconselhamento psicológico é a possibilida-


de de ser o primeiro espaço de contato da pessoa com um serviço psicológico,
oferecendo apoio psicológico imediato, orientação psicoeducacional em caso
de solicitação focal do indivíduo em tratamento e, por fim, possibilidades de
continuidade, assistência psicológica mais profunda, incluindo psicoterapia.
Exercício, ou seja, a responsabilidade de construir concepções, métodos e prá-
ticas mais suficientes relativos à subjetividade privatizada em crise não é co-
nhecimento ou intenção psicológica. Esta responsabilidade é absolutamente

FENO MENOLOGIA E EXISTENCIALIS MO NA CLÍNICA


,
necessária para todo o conhecimento que a abstração humana reivindica. E
uma pesquisa, talvez uma busca infinita e, por isso mesmo, indispensável.

ASSISTA
No aconselhamento psicológico, a abordagem centrada
na pessoa foi desenvolvida por Carl Rogers, tendo como
foco o indivíduo. Para saber mais, assista ao vídeo Carl
Rogers Aconselhamento Psicológico, no qual o autor
debate junto a outros autores a temática.


Aconselhamento na saúde
Diante da literatura, pode-se encontrar diferentes definições do aconselha-
mento psicológico, inicialmente como um campo delimitado por suas origens
educacionais e organizacionais, com forte influência da teoria das característi-
cas e fatores, e que tem sido aplicado em diversos contextos, inclusive na saú-
de pública. Entre as várias definições, encontram-se expressões como relacio-
namento de ajuda, tecnologia de atendimento, relacionamento interpessoal,
relacionamento com o cliente e profissional.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o aconselhamento se baseia
na criação de relações e condições favoráveis para que as pessoas possam ava-
liar seus problemas e tomar decisões. Para o Ministério da Saúde, é uma escu-
ta ativa, individualizada e centrada no cliente, que pressupõe a capacidade de
construir relações de confiança entre interlocutores, cujo objetivo é poupar os
recursos internos do cliente para que ele próprio tenha a oportunidade de se
reconhecer como sujeito da sua própria saúde e transformação.
Portanto, o aconselhamento em saúde implica esclarecer certos aspectos
do estado de saúde do cliente, para que possa tomar decisões sobre sua saú-
de e tratamento, estando ciente de seus limites e potencialidades, a fim de
lutar por maior autonomia e crescimento pessoal diante dos problemas aos
quais está exposto. Depende do especialista que desenvolve o aconselhamen-
to, que nem sempre é exclusivamente o psicólogo; pode ser, por exemplo, o
enfermeiro e os agentes comunitários de saúde que acompanham o cliente
nesse processo, oferecem suporte emocional e querem apoiá-lo no dia a dia,
nas dificuldades relacionadas à doença.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


DIAGRAMA 2. PROCESSOS BÁSICOS DO ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO
~

2º 3º
Passo Passo

Observação Acompanhamento Intervenção

Conforme observado na Figura 1, o profissional da saúde deve, no primeiro


momento, observar a demanda, estando atento às modificações em seu quadro.
Em seguida, o acompanhamento ao longo do processo de adoecimento se torna
essencial, com o objetivo de fazer com que o profissional compreenda a condi-
ção do cliente, possibilitando elaborar intervenções durante o tratamento.
Ainda na área do aconselhamento em saúde, destaca-se a implicação da
capacidade de avaliar e reconhecer situações de risco, tomar decisões, trocar
informações sobre doenças, prevenção e tratamento e possibilitar uma relação
educativa diferenciada. Um estudo recente, de Pupo e Ayres (2013), descreve o
aconselhamento psicológico na saúde como ferramenta e prática, que oferece
ajuda estruturada, além de ser personalizada para enfrentar situações difíceis
e crises que requerem ajustes e adaptações ao respectivo problema e ao seu
enfrentamento. Assim, é uma prática que se constitui entre o modelo médico
e a formação, que dá voz ao cliente nas suas dificuldades e sofrimentos, como
também promove um espaço de escuta que permite à pessoa alcançar a auto-
nomia e a procura do bem-estar.
No contexto brasileiro, diante de um denso processo de mudanças deriva-
do do processo de democratização do País e da busca pela reforma sanitária
no final do século XX, o direito à saúde foi incluído como responsabilidade do
Estado desde a Constituição Federal do Brasil de 1988, juntamente com o sur-
gimento do Sistema Único de Saúde (SUS) como uma das mais importantes
inovações da reforma do Estado brasileiro. Além disso, a VI II Conferência Na-
cional de Saúde, realizada em 1986, levantou várias discussões, tendo realizado
fóruns nos quais, entre outras coisas, discutiu-se o papel dos profissionais de

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


psicologia neste contexto de mudança. Todo esse movimento de saúde pública
mostra um processo gradativo de democratização no acesso a tratamentos e
intervenções, tendo a atenção básica como prioridade, não a nível de cura, mas
de prevenção e promoção da saúde.
A promoção da saúde elimina a possibilidade de adoecimento e amplia a
educação em saúde, que inclui as práticas e a adoção de atitudes voltadas para
o bem-estar. Portanto, é importante reforçar os aspectos históricos, sociais e
políticos desse momento, que têm contribuído para a construção de um novo
modelo de saúde pública, que não se concentra mais na doença, mas em um
conceito de saúde mais amplo e complexo. A ausência da doença como sinôni-
mo de saúde foi substituída neste novo paradigma por uma ideia de bem-estar
físico, psicológico, emocional, social e espiritual, em que o sujeito pode exercer
suas capacidades e, segundo a OMS, lidar com as tensões normais da vida, tra-
balhar produtivamente e contribuir para a sociedade em que opera. Para com-
preender a saúde como um processo histórico e social, os psicólogos foram
incorporados às políticas públicas de saúde no final dos anos 1970.
Nesse cenário, defende-se que a atuação do psicólogo deve considerar o
processo de cidadania e constituição do sujeito como capaz de agir e propor.
Esse profissional também deve romper com o corporativismo, as práticas iso-
ladas e a identidade profissional hegemônica associada à psicoterapia. Diante
disso, o aconselhamento em saúde deve ser entendido como uma prática inte-
gradora a serviço do trabalho multiprofissional e interdisciplinar com aborda-
gem de promoção da saúde e não diretamente vinculada à psicoterapia, que é
uma prática exclusiva do psicólogo.
Apesar das aproximações e distâncias entre essas áreas - aconselhamen-
to e psicoterapia, postula-se que a primeira contém processos comunicativos
e relacionais, que podem ser realizados por outras profissões da saúde em
sua prática diária. Por exemplo, um oficial de saúde comunitário pode oferecer
uma sala de audição qualificada para a família presente durante as visitas do-
miciliares. Não fará psicoterapia, mas utilizará atitudes como empatia e auten-
ticidade, consideradas mediadoras para construir uma relação de ajuda, bem
como atenção focada para apoiar a pessoa em dificuldades, informá-la sobre
um processo de adoecimento e lhe dar mais autonomia na tomada de decisões
sobre sua área de atuação.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


'-

Figura 2. O papel do aconselhador. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 1111012021.

Conforme é possível observar na Figura 2, esses profissionais de saúde


priorizados na atenção básica são importantes veículos para oferecer ajuda
e esclarecer dúvidas, bem como disseminar práticas de conscientização que
promovam o bem-estar. O aconselhamento em saúde pode fazer parte do pro-
cesso de formação desses profissionais, por exemplo, em colaboração com psi-
cólogos. Essas alianças são possíveis em alguns programas como a Residência
Multiprofissional em Saúde, em que são descritas experiências exitosas com
diversos profissionais da atenção básica.
Em todas essas intervenções, princípios éticos como o sigilo devem ser en-
fatizados, uma vez que o ambiente de atendimento na maioria das vezes é a
casa do cliente. Portanto, a reflexão ética deve fazer parte da formação e da
prática profissional, a fim de gerar um clima de aceitação e confiança para que
as pessoas possam conhecer seus problemas ou sofrimentos em relação ao
processo saúde-doença. O aconselhamento também se apresenta como uma
prática no contexto da educação em saúde, como um conjunto de conhecimen-
tos e práticas para a prevenção de doenças e promoção da saúde. Portanto,
a atenção básica proporciona um contexto privilegiado para ampliar a com-
preensão do processo saúde-doença e buscar relações mais horizontais.
No campo da saúde pública, o psicólogo do aconselhamento precisa ser
capaz de dar ao cliente um espaço para expressar o que sabe, pensa e sen-

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


te, além disso, também deve responder a perguntas e fornecer suporte emo-
cional. Ou seja, deve desenvolver uma comunicação competente que forneça
informações apropriadas e cientificamente corretas para as necessidades do
usuário. Deve-se usar linguagem e informações adequadas sobre os riscos
derivados da experiência do usuário, que devem acompanhar a formação de
outros profissionais de saúde, uma vez que essas ferramentas de comunica-
ção estão presentes no trabalho de diferentes profissionais. Dessa maneira,
o aconselhamento pode ser integrado a uma educação em saúde mais ampla,
sendo o psicólogo um auxiliar nesse processo de desenvolvimento e discussão
sobre a construção da relação de ajuda e as complexidades da comunicação
entre profissionais e clientes.
Abrem-se cada vez mais espaços para a humanização como estratégia de
intervenção no processo de produção da saúde. O pressuposto é que, quando
os sujeitos se mobilizam, são capazes de transformar realidades e transfor-
mar-se no mesmo processo (BENEVIDES; PASSOS, 2005). Para es-
ses autores, humanizar significa qualificar as práticas de saúde,
promovendo o acesso com cuidado, uma oferta inte-
gral e equitativa de responsabilização e fidelização.
É importante focar na avaliação de trabalhadores
e usuários com os avanços na democratização dos
processos de gestão e participação social.


Aconselhamento psicológico durante a pandemia da
Covid-19
O aconselhamento faz parte do acompanhamento regular de psicólogos du-
rante esta pandemia de Covid-19, uma vez que as pessoas temiam o estresse e a
ansiedade durante a quarentena nessas circunstâncias. Diante disso, é responsa-
bilidade dos profissionais experimentar dicas eficazes para controlar a fobia do
vírus. Nessa pandemia, as pessoas pensaram que durante uma gripe normal ou
tosse e resfriado poderiam estar com algo mais grave, podendo acarretar morte.
Conforme apontado por Pratima Murthy, professora do NIMHANS, a pandemia
influenciou parcial ou imparcialmente a opinião de todos, uma vez que existem
muitas informações sobre a situação de disseminação e eclosão do vírus.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Durante a consulta, psicólogos descobriram que todo mundo tem proble-
mas de saúde mental relacionados ao futuro, que são acentuados pela falta de
disponibilidade de vacina ou tratamento. Diante dessa situação, as mídias so-
ciais e eletrônicas reproduziram e verificaram informações que geraram mais
situações de pânico durante a pandemia. No Quadro 2 estão algumas ações
eficazes que os psicólogos realizaram durante o aconselhamento para ajudar
as pessoas a melhorarem sua saúde mental.

QUADRO 2. RECOMENDAÇÕES DURANTE APANDEMIA DA COVID-19


~

1. É uma situação normal se você seguir as medidas preventivas. Não há motivo para pânico.
Assuma o controle da pressão e da depressão por meio de ioga, meditação e melhore seu
bem-estar e saúde mental.

2. Proteja a si mesmo e a comunidade com aspectos positivos da vida, como uma agenda de traba-
lho lotada, aproveite para passar o tempo com sua família. Ajude as pessoas que realmente são.

3. Em alguns casos, assistir às notícias sobre a Covid-19 o tempo todo pode ser perigoso. Por-
tanto, essa prática deve ser minimizada em relação ao surto, visto que se trata de informações
deprimentes que geram mal-entendidos entre as pessoas.

4. Conectar e manter sua rede social.

5. Participe de um estilo de vida saudável, como cuidar do jardim, ler livros, assistir filmes e ou-
tras atividades que desejar.

No momento da pandemia, as pessoas tomam precauções terríveis em sua


prática diária. Em uma situação difícil, é responsabilidade exclusiva do psicólo-
go tentar tirar as pessoas desses sentimentos, fortalecendo -as na luta contra
esta pandemia. O bloqueio provocado pela Covid-19 leva a problemas de saúde
mental nas pessoas, por exemplo, grande parte das mulheres sofrem violência
doméstica. Portanto, é necessário suporte terapêutico, fonte de
sua melhor saúde mental.
A consulta e o acompanhamento online são recursos úteis
para reduzir problemas de saúde mental, como ansiedade
e estresse. Grupos de amigos em sites sociais também
desempenham um papel importante na redução da
solidão das pessoas durante o distanciamento social.
O apoio psicológico é uma parte obrigatória do trata-
mento físico para pacientes com Covid-19 e pessoas em
quarentena.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


CONTEXTUALIZANDO
,
E importante ressaltar que as consequências da pandemia da Covid-19
continuarão presentes por alguns anos, visto o grande efeito na popu-
lação. Por isso, a psicologia fenomenológica se torna essencial para o
acolhimento, acompanhamento e tratamento dos sujeitos, uma vez que
possibilita que a pessoa ressignifique sua dor, transforme sua perspectiva
e consiga vivenciar a vida de maneira positiva e saudável.


Definição do plantão psicológico
O plantão psicológico surge como uma modalidade de atendimento, desen-
volvido pelo Serviço de Aconselhamento Psicológico (SAP), do Instituto de Psi-
cologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), em 1969. O serviço foi elaborado
para clientes que buscavam atendimento, sendo representado como uma alter-
nativa às longas filas de espera. O SAP foi introduzido em um momento de luta
pelo reconhecimento da profissão da psicologia no Brasil e com o advento da
psicologia humanística no país, proposta pelo psicólogo americano Carl Rogers.
Também conhecido como a "terceira força", o serviço surge para abordar ten-
dências psicológicas atuais sobre como combater a psicanálise e o behaviorismo.
Esse fato serviu de ímpeto para cientistas e profissionais em busca de al-
ternativas às teorias e práticas tradicionais, o que nos levou a adotar um novo
modelo clínico de psicologia para acreditar. O plantão psicológico é baseado
no modelo de aconselhamento psicológico proposto por Carl Rogers, o qual
estava inicialmente relacionado ao exame da personalidade por meio de testes
psicológicos. No entanto, Rogers começou a questionar esse modelo de acon-
selhamento a partir de sua prática, e sugeriu uma mudança de perspectiva
passando a dar importância ao cliente e não ao problema, à relação e não ao
instrumento de avaliação, ao processo e não ao resultado.
Rogers não se concentrou apenas na técnica e se voltou para as possibilida-
des da relação de ajuda, diante disso, mudou-se para não se limitar apenas à
prática clínica tradicional (psicoterapia), e seguiu o caminho do aconselhamen-
to psicológico. Ele não se limitou à prática clínica. Ouvindo as questões sociais e
reformulando esse campo a partir das questões, foi possível retornar a outros
contextos que também demandavam ajuda: escolas/educação, grupos, confli-
tos sociais, empresas.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Combinando essas experiências, ele começou a repensar como a origem
das tensões, conflitos e crises das pessoas se encontravam nas diferentes si-
tuações das relações humanas, ou seja, a condição humana no mundo com os
outros. Portanto, o aconselhamento psicológico configura-se com a disponibi-
lidade do conselheiro para aceitar qualquer solicitação que possa surgir.
A ideia é receber o cliente e ajudá-lo a enfrentar seu sofrimento e decidir
se o serviço será aconselhamento, orientação ou psicoterapia. O consultor, ao
dar as boas-vindas ao cliente, pode, juntamente com ele, explorar não só a
reclamação, mas outras possibilidades que a antecedem. O aconselhamento
psicológico, então, é feito de disponibilidade e flexibilidade na proposição de
ajudas alternativas.
O plantão psicológico emerge da necessidade de atendimento psicológico a
uma parcela da população que, na maioria das vezes, no momento de urgência,
não é atendida devido à escassez de recursos públicos para o atendimento à
saúde, o que acaba favorecendo os casos "mais graves", resultando em uma
especialização das solicitações.
Dessa forma, pode-se colocar uma questão: é possível, hoje em dia, saber
o que é "sério" e o que é "trivial"? Possivelmente não, porque cair nisso é uma
falta de respeito pela singularidade do ser humano e, independentemente do
pedido que venha, o que importa é a necessidade de ser ouvido. Por isso, a
questão que se coloca é oferecer um espaço de atendimento a essas pessoas
que estão à margem da sociedade, seja qual for a sua solicitação, visto que o
foco é definido pelo cliente e não pela especialização do profissional. A propos-
ta do plano é aceitar ficar com o cliente no momento presente, no problema
que surge, favorecendo uma melhor avaliação dos recursos disponíveis e am-
pliando o leque de possibilidades.
Nesse sentido, não importa onde esteja ou com que nome se dê, o psicólogo
estará ali no dever de ajudar a pessoa e focar sua atenção no desenvolvimento,
não no problema. A eficácia da mudança psicológica, portanto, não
está relacionada com a solução do respectivo problema,
uma vez que não é a queixa, mas sim o sentido da pessoa
que está em primeiro plano, e o papel do psicólogo é
ajudá-la a refletir e a encontrar novas maneiras de lidar
com seus problemas.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


É importante lembrar que a mudança não é solução para tudo. Os limites
são muitos, muitos deles devido à grande desigualdade social e à falta de ser-
viços públicos. No entanto, a proposta de recolocação se apresenta como o
âmbito do atendimento psicológico a uma população que talvez nunca tenha
tido acesso, como um espaço de acolhimento e informação que confere maior
autonomia emocional às pessoas e como esclarecimento das suas realidades
sociais e direitos de cidadão.


Objetivos e desenvolvimento da prática no plantão
psicológico
No plantão psicológico, o objetivo principal é o atendimento emergencial à
questão. Há uma proposta muito semelhante ao do aconselhamento psicológi-
co, embora essa prática tenha sido desenvolvida a partir de um contexto. Nem
sempre entendida como uma atividade clínica, essa prática se inspira na pro-
posta de atendimento clínico de curta duração, fora do quadro consultivo, pro-
posta por Morato (1999), possibilitando um tipo de atendimento emergencial
que funcione sem necessidade de programação, voltado para as pessoas que
eles usam de forma espontânea, buscando ajuda para problemas emocionais.
A entrevista do plantão visa facilitar ao cliente o esclarecimento da natureza
de seu sofrimento e de seu pedido de ajuda; o tipo de elaboração e o nível de
elaboração alcançado, nesta primeira entrevista, são os critérios norteadores
das possíveis consequências deste primeiro encontro.
O atendimento psicológico na oferta de plantão pressupõe a necessida-
de de disponibilizar o profissional de psicologia (ou plantonista ou estagiário
sob supervisão de um profissional) a determinada comunidade ou instituição
por períodos determinados ou ininterruptos. Esse atendimento pode ser em
uma única reunião ou distribuído a outras pessoas, dependendo da neces-
sidade de quem busca ajuda. O que define a mudança é a não delimitação
ou sistematização dessa oferta de ajuda, de forma que o profissional esteja
disponível para "atender o outro em uma emergência", oferecendo suporte
emocional, espaço para expressão de sentimentos, bem como a possibilidade
de reorganização psíquica. O Quadro 3 apresenta a diferença entre o plantão
e a psicoterapia tradicional.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


QUADRO 3. DIFERENÇAS ENTRE A PSICOTERAPIA EO PLANTÃO
~

Psicoterapia Plantão

O processo terapêutico que visa ampliar o O plantão pressupõe que quem busca ajuda pode
campo perceptivo do paciente, ajudando-o compreender melhor seu problema e sua situação
a adquirir uma visão mais ampla do imediata, e o profissional de psicologia deve estar
mundo, tendo como foco principal os disponível para explorar possibilidades de solução
problemas ou transtornos do indivíduo. do problema, sempre com atitude de interesse no
A partir dessa visão, uma mudança na problema, em relação a ouvir abertamente, com
percepção é fundamentada, fazendo respeito positivo uns pelos outros e pelo que é
com que o sujeito tenha capacidade em relatado. A assistência prestada no plantão pode
perceber e compreender o que aconteceu assumir a forma de acolhimento, compreensão
ao seu redor. A psicoterapia, portanto, da queixa, prestação de informações, mas
auxilia as pessoas a encontrar maneiras também como espaço de escuta e reinterpretação
de se relacionar consigo e com tudo que de atitudes. Posteriormente, essa pessoa
envolve o seu meio, de maneira mais pode ser encaminhada para outros serviços e
positiva e saudável. especialidades.

Várias universidades têm os serviços escolares, como cenários de investigação


e intervenção, para que as instituições continuem a ser locais onde o trabalho psi-
cológico encontra mais abertura e terreno fértil para o desenvolvimento das suas
práticas. Dentre as modalidades mais realizadas nos serviços psicológicos dases-
colas, a mudança psicológica se destaca como uma das intervenções mais impor-
tantes realizadas, tanto pelos bons resultados obtidos nas consultas anteriores
quanto pela possibilidade de grande número de atendimentos de emergência.
Embora esse movimento tenha permitido a continuidade dessa prática
profissional e seu ensino, divulgação e supervisão, é necessário destacar a
necessidade de atenção também em outras instituições e comunidades, bem
como em estudos em hospitais universitários, serviços psiquiátricos, cuidados
paliativos, aconselhamento jurídico, escolas, creches, prisões e comunidades
religiosas. A variedade de cenários possibilita o surgimento de novas formas de
atendimento psicológico, razão pela qual o serviço de plantão é uma modali-
dade suficientemente flexível e, portanto, aplicável e desenvolvível.
Nos relatos de experiência nas escolas de psicologia, as práticas (básicas e
curriculares, obrigatórias para a formação do psicólogo) não aparecem neces-
sariamente em relação a uma disciplina de formação no domínio da orientação
psicológica ou do plantão psicológico, ou mesmo como disciplina de prática
(que, em princípio, garante a formação teórica nesta área). Essa característica
pode significar que o plantão psicológico é uma forma generalizada de supervi-
são, ministrada de forma prática nas universidades, que se baseia na experiên-

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


eia em estágios, questionando a transmissão de conhecimentos teóricos sobre
o assunto. Enquanto os estágios têm conteúdo teórico que os alunos devem
adquirir, o projeto se apresenta ao psicólogo em formação como um campo de
prática essencialmente orientado para a experiência, que pode retroceder a
pesquisa científica para um plano menos proeminente.

o CUR IOS IDADE


A prática do plantão psicológico, geralmente, está presente nas univer-
\ sidades por meio de serviços-escolas, em que os alunos, por intermédio
de supervisão, atuam para atender às demandas consideradas urgentes,
podendo auxiliar de forma mais objetiva e encaminhar de maneira efetiva.
Tais plantões seguem os princípios da fenomenologia-existencial, que tem
como foco a pessoa em vez do problema.


A atuação do aconselhador no plantão psicológico
O plantão surgiu por meio do pressuposto de dever de ouvir as demandas so -
ciais e propor novos modelos, para atender demandas urgentes. A partir dessas
experiências, começou-se a repensar a origem das tensões, conflitos e crises de
pessoas e indivíduos nas várias situações das relações humanas. O atendimento
psicológico em uma abordagem fenomenológica humanística pode servir tanto
para aliviar a ansiedade quanto para servir como serviço de emergência.
Uma emergência pode variar desde o risco de autodestruição até um colapso
emocional, com alguém com fortes laços emocionais. Esse tipo de atendimento
pode ajudar a melhorar a saúde pública em termos de apoio psicológico. Esse
formato de cuidado pode ser entendido como clínico e investigativo, uma vez
que busca esclarecer a queixa com quem faz a reclamação, o que não só favore-
ce a aceitação de seu sofrimento psíquico/existencial, mas também o auxilia no
enfrentamento da situação e cria oportunidades de esclarecimento e confronto.
Chaves e Henriques (2008) defendem o plantão psicológico como uma for-
ma de intervenção psicológica que acolhe a pessoa no exato momento de sua
necessidade, ajudando -a a enfrentar a dificuldade, tomando consciência de
seus limites e descobrindo seus recursos, até então desconhecidos. Essa ação
psicológica é entendida como o atendimento psicológico: por meio do plantão
psicológico, a escuta se apresenta como uma abertura para compreender o

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


desconforto nas relações localizadas, permitindo sua reativação e
significado de experiência. Acompanhar o outro na ex-
pressão do que o machuca, apreendê-lo em sua reali-
dade, é uma solicitação, colocar-se à disposição por
meio de uma escuta que possa permitir a manifes-
tação de elementos norteadores da ação cotidiana,
esclarecendo os caminhos de singularização e possi-
bilitando a apropriação de sentidos no existir.
O psicólogo, ao invés de ouvir, ao compreender a histó-
ria daqueles que, muitas vezes, diante do sofrimento psí-
quico/existencial, consegue apreender os pontos de desor-
dem ou estagnação, facilitando a fala do cliente e deixando
surgirem aspectos conflitantes. O aparecimento de aspectos conflitantes na
fala do cliente, permitindo-se ser influenciado pela fala do terapeuta, pode
fornecer um insight, mantendo o tema devido ao sofrimento. Desse modo,
por meio da autorreflexão, o cliente pode descobrir-se livremente na esco-
lha de suas possibilidades.
Ressalta-se que o cuidado oferecido pelo profissional está associado à
escuta, às reflexões sugeridas por quem busca ajuda, bem como à situação
existencial e socioecológica do plantonista, que possibilitam o acolhimento do
cliente em sua dor na hora exata ou muito perto de onde surgiu, sem a neces-
sidade de agendamento ou espera na fila. O plantão psicológico é realizado em
uma ou mais consultas sem duração predeterminada, se necessário, ser um ou
desdobrar-se em outros.
O tempo de consulta e o possível retorno dependem de decisões mútuas
entre o psicólogo e o paciente que está sendo cuidado, sem a necessidade de
,
um horário planejado. E um espaço privilegiado de escuta e acolhimento, que
incentiva a instrumentalização das pessoas para o enfrentamento de suas difi-
culdades, como as situações de violência, e resguarda os direitos das pessoas
que buscam a instituição. O dever pode ser um espaço de apoio aos proces-
sos de ressignificação das experiências emocionais. Se pensar sob a ótica das
necessidades das unidades de saúde, deve-se abandonar as concepções tra-
dicionais da clínica e abrir sugestões como o dever psicológico de atender as
emergências aos serviços de saúde.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Não se deve esquecer que o trabalho do psicólogo está sempre em anda-
mento, e requer outros conhecimentos que levem em consideração a comple-
xidade da pessoa, o que pode ser verificado no recente envolvimento e atuação
do profissional psicólogo nas políticas públicas, nas ações e intervenções junto
às pessoas cujos direitos estão sendo violados, e em diversos novos e desafia-
dores campos de atuação, bem como na tradição de concepção de sua clínica.
Nesse sentido, o conhecimento psicológico não é a única verdade e deve
servir à população por meio do contato com outras práticas, que também pro-
movam o bem-estar e o desenvolvimento pessoal do trabalho do psicólogo. É
importante estar aberto a outros saberes, à criatividade e à vontade de apren-
der com o que está sendo construído e, às vezes, ainda não teorizado.
O atendimento psicológico é uma novidade e é uma área que pode contribuir
muito, tanto para a população atendida quanto para a equipe de profissionais
que nela atua. Deve-se lembrar também que o foco na promoção da saúde deve
ser a meta de todos os profissionais de saúde, além de prestar assistência quan-
do um problema já existe. Este é um campo da psicologia que deve ser conside-
rado para se adaptar a este contexto de saúde. Em seguida, estudos devem ser
promovidos para que diferentes e diversas perspectivas possam chegar a um
consenso e um melhor aproveitamento para os pacientes deste serviço.

Figura 3. ProVida: banner do plantão psicológico online como suporte ao agravamento das demandas em saúde
mental no cenário da pandemia, proposto pela plataforma Plantão Coronavírus, pela Secretaria Executiva de Políticas
de Saúde da Secretaria da Saúde do Ceará. Fonte: Ceará, 2021.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


Diante dos serviços públicos e da demanda por essas instituições, o plan-
tão psicológico pode ser uma alternativa de hospedagem para impulsionar o
dinamismo e a determinação na atenção à saúde, promovendo o bem-estar e
prevenindo o agravamento de doenças. O plantão é uma alternativa que ofe-
rece um espaço de acolhimento, escuta ativa e respeito, em que os serviços
únicos ouviram e ajudaram a reconstruir recursos que tornaram possível en-
frentar as adversidades. Os problemas foram abordados à medida que sur-
giam, demonstrando preocupação com a história de vida de cada paciente que
utiliza o serviço e proporcionando uma visão da pessoa, seus sentimentos e
comportamentos sobre sua realidade.


Plantão psicológico no ambiente hospitalar
O plantão psicológico apresenta-se como uma alternativa às intervenções
clínicas tradicionais, decorrente de uma percepção da necessidade de amplia-
ção dos serviços disponíveis à população e, também como um questionamento
em relação aos modelos padronizados de atendimento psicológico em vigor
nas instituições de saúde.
A proposta de compreender a afetividade da modalidade aplicada ao con-
texto de uma policlínica, a partir da vivência dos clientes, que no caso eram os
próprios funcionários, conseguiu entender os elementos psicológicos presen-
tes na relação guarda-cliente e um breve olhar sobre a relação cliente-institui-
ção, que permite uma análise da abrangência do campo em questão.
O conceito de emergência emocional pressupõe uma reflexão em relação à
existência de elementos subjetivos em cada pessoa que busca ajuda psicológi-
ca. No serviço de psicologia, em particular, essas dimensões parecem se fundir
no tema da emergência emocional de cada pessoa, ou seja, para
alguns, a emergência pode ser uma briga com o namorado, en-
quanto, para outros, é uma tentativa iminente de
suicídio. Cabe ao cliente definir sua emergência
existencial, como cabe também ao profissional
acolher e compreender esse momento especial
em que o cliente deseja refletir com alguém so-
bre um aspecto pessoal.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


O plantão é uma nova tendência da psicologia clínica com foco no atendimento
de emergência e serve como exemplo afirmativo da importância, valor e utilida-
de de quem busca esse tipo de atendimento. Este serviço implantado em hospi-
tais gerais tem se mostrado em consonância com essa afirmação, e traz consigo
o acréscimo de que, segundo a vivência dos usuários, deve auxiliar não só essas
"emergências", mas também o serviço competente de continuidade para poder
oferecer mais. Essa vivência do plantão foi evidenciada como uma forte influência
na promoção da saúde e da atenção aos usuários ou funcionários.
Ao contrário do que se evidenciou de que a maioria das pessoas que procu-
ram o serviço nas clínicas das escolas apresentam queixas orgânicas ou foram
encaminhadas por médicos, os clientes do serviço psicológico de hospital ge-
ral, apesar de estarem internados em hospital, procuraram esse tipo de atendi-
mento de forma espontânea e sem encaminhamento médico. Isso mostra que
a equipe sabe distinguir entre ajuda médica e psicológica, além de entender o
tipo de ajuda que o serviço psicológico pode oferecer, ou seja, o escopo da ajuda
neste serviço é puramente psicológico e não serve para aliviar doenças físicas.
No plantão, o foco está em compreender o cliente em sua dimensão geral
como pessoa, levando em consideração tanto suas expressões de sentimentos
e emoções quanto seus comportamentos e atitudes para ajudá-lo a refletir à
luz do que ele quer dizer e encontrar novos caminhos para se encontrar quan-
do busca ajuda psicológica. O atendimento é considerado terapêutico quando
o cliente se sente à vontade para se expressar ou se retrair para que, durante
esse processo, reconheça o conteúdo emocional que está vivenciando e re-
configure seu problema, compreendendo seu sofrimento ou transformando
sua dificuldade em uma reflexão sobre ele, novas oportunidades
de vida a partir deste encontro. O funcionamento do serviço de
plantão no hospital geral pautou-se na norma existente a partir
da implementação deste tipo de serviço em acolher, com-
preender, esclarecer, refletir e orientar.
No entanto, também foi confiada a tarefa de pensar
em conjunto ao pessoal do hospital, refugiando-se nos
momentos de dificuldade profissional, organizando ideias
e agindo, e oferecendo segurança emocional, pois sabem
que quando precisam de atendimento psicológico há um serviço dis-

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


ponível. A partir da literatura, foi possível observar as possibilidades do plantão
psicológico em um ambulatório de saúde mental com pacientes egressos da pri-
meira internação em um hospital psiquiátrico, demonstrando que o plantão psi-
cológico funcionava como uma forma de acolhimento afetivo e escuta empática,
além de facilitar um diálogo que abordasse as vivências emocionais quando os
pacientes buscavam algum tipo de ajuda.
Isso mostra que, apesar dos diferentes contextos e grupos-alvo aos quais o
serviço do plantão psicológico se destinava, a compreensão dos usuários era
semelhante. Ressalta-se, ainda, as dificuldades enfrentadas pelos plantonis-
tas durante a fase introdutória do serviço psicológico de plantão em hospitais
devido ao delicado processo de conquista de confiança da equipe e a difícil
divulgação do serviço ao hospital como um todo.
A atitude solidária da equipe de plantão e o acolhimento percebidos pelos
colaboradores permitem valorizar a subjetividade de cada colaborador, de for-
ma a provocar uma mudança de perspectiva e atitude, o que permite ao cliente
uma maior autonomia e poder sobre ele. Rogers (1995) sugeriu a existência de
três atitudes que, quando vivenciadas subjetivamente pelo terapeuta e ade-
quadamente transmitidas ao cliente durante as sessões, promovem a facili-
tação das relações interpessoais: aceitação positiva incondicional, empatia e
autenticidade, que são apresentadas no Quadro 4.

-
QUADRO 4. RELAÇOES INTERPESSOAIS
~

Essa aceitação incondicional por parte do terapeuta faz com que o cliente perceba essa
disponibilidade e se sinta compreendido e respeitado como pessoa. Desta forma, emergem
sentimentos que não foram expressos anteriormente, permitindo ao cliente uma maior com-
preensão de suas dificuldades, problemas e mundo interno.

A empatia é um termo terapêutico essencia l e tornou-se a chave para mudar o processo te-
rapêutico. A natureza da terapia rogeriana seria baseada na empatia não diretiva expressa na
atitude do terapeuta. Por meio da compreensão empática, a visão incondicionalmente positiva
no contexto de congruência é transfer ida para o cliente.
Autenticidade é sinônimo de congruência, harmonia, coerência entre o que o indivíduo pen-
sa, o que sente e seu comportamento. Esse conceito refere-se ao estado de concordância que
existe entre a experiência e sua representação na consciência do indivíduo "normal", isto é,
funciona ndo corretamente.
Fonte: ROGERS, 1995, n. p. (Adaptado).

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Sintetizando
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A partir do conteúdo apresentado, pode-se observar a importância do


aconselhamento psicológico e do plantão psicológico para as pessoas que pre-
cisam desse espaço. Os dois temas ainda são considerados emergentes e pre-
cisam receber atenção de profissionais e pesquisadores, a fim de contribuir
para o desenvolvimento e valorização desse espaço.
O aconselhamento psicológico se apresenta como o primeiro passo dado
pela perspectiva fenomenológica em oferecer um espaço de escuta e acolhi-
mento, buscando compreender a subjetividade do indivíduo e trazer questões
voltadas para a sua existência, por exemplo, as suas dores.
A partir do aconselhamento psicológico, profissionais desenvolvem o plantão
psicológico, sendo um espaço que tem o intuito de oferecer um suporte mais
urgente, assim, podendo proporcionar atendimentos mais rápidos, por conse-
quência, diminuindo as filas de espera de quem necessita de um profissional.
Na maioria das vezes, o plantão psicológico está presente em universida-
des, com os chamados serviços-escolas, podendo ser realizados por um profis-
sional ou por um estudante que está sendo supervisionado. O intuito é propor-
cionar um alívio frente àquela queixa apresentada, por meio de uma relação de
troca, entre o cliente e o profissional, sendo possível trazer todas as questões
da subjetividade do sujeito.
Esses encontros, geralmente, acontecem uma única vez. Contudo, se for
necessário, são realizados outros encontros, pois o foco está em acolher a de-
manda e direcionar para o melhor tratamento possível, dessa forma, o plantão
possibilita que o cliente receba orientações para trabalhar o seu sofrimento.
Além de estar em universidades, o plantão pode estar presente em outros con-
textos, como, por exemplo, o hospitalar. Dentro desse ambiente,
seu foco está em confortar o indivíduo sobre a sua enfermidade,
trabalhando as questões de sofrimento sobre o medo,
. ,
a incerteza e ate mesmo a morte.

FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA


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••
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