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DADOS DO FORNECEDOR
Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design lnstrucional,
Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão.
1 CITANDO
Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa
relevante para o estudo do conteúdo abordado.
1 CONTEXTUALIZANDO
Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato;
demonstra-se a situação histórica do assunto.
o\ 1 CURIOSIDADE
Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto
tratado.
1 DICA
Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma
informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado.
1 EXEMPLIFICANDO
Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto.
1 EXPLICANDO
Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da
área de conhecimento trabalhada.
Unidade 1 - O campo da Psiquiatria e as grandes síndromes psiquiátricas
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 12
Sintetizando ........................................................................................................................... 36
Referências bibliográficas ................................................................................................. 37
Unidade 2 - As síndromes psiquiátricas
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 39
Transtornos de ansiedade................................................................................................... 49
Fobia social e fobias específicas.................................................................................. 51
Transtorno de pânico e agorafobia .............................................................................. 52
Transtorno de ansiedade generalizada (TAG) ............................................................ 54
Ansiedade de separação e mutismo seletivo............................................................. 54
Sintetizando ........................................................................................................................... 63
Referências bibliográficas ................................................................................................. 64
Unidade 3 - Principais transtornos psiquiátricos e deficiência intelectual
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 66
Sintetizando........................................................................................................................... 87
Referências bibliográficas ................................................................................................. 88
Unidade 4 - Urgências psiquiátricas, reforma psiquiátrica, psicofarmacologia e
psiquiatria infantil
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 90
PSIQUIATRIA BÁSICA •
A professora Fabiana Gonçalves Felix
é formada em em Psicologia Cogniti
va Comportamental pelo Instituto WP
(2017), especialista em Saúde da famí
lia e comunidade (UNIASSELVI, 2013),
especialista em Psicologia e Saúde
mental (UNERJ, 2002) e graduada em
Psicologia pela Universidade Regional
de Blumenau (FURB, 2002). É psicóloga
na Prefeitura Municipal de Blumenau e
atualmente atua na assistência à saúde
da mulher e fissurados de lábio e palato.
Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9487271956195456
Minha vivência como psicóloga e minha árdua luta em manter-me crítica não
teria sentido sem a presença de cada pessoa que acolhi e atendi. Sendo assim,
dedico a cada um deles o esforço aqui colocado para que futuros profissionais
possam ter o mesmo cuidado que tenho ao acolher o sofrimento do outro.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
UNIDADE
ser
educacional
Objetivos da unidade
Tópicos de estudo
O campo da Psiquiatria Síndromes relacionadas ao
Epistemologia psiquiátrica comportamento alimentar
Causalidade psíquica versus Síndromes relacionadas às
determinismo biológico substâncias psicoativas
Síndromes relacionadas à
A avaliação psiquiátrica sexualidade
Entrevista e anamnese Síndromes psicorgânicas
O exame do estado mental
As grandes síndromes
psicopatológicas
Síndromes ansiosas
Síndromes depressivas e
maníacas
Síndromes neuróticas
Síndromes psicóticas
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
O campo da Psiquiatria
Relato de experiência
No meu último ano de graduação em Psicologia, iniciei minha especializa
ção em Psicologia e saúde mental. Eu sabia que queria atuar com pacientes
psiquiátricos e que estávamos em plena força no movimento da luta antimani
comial. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) eram recentes e a militância
era contra a institucionalização da loucura e exclusão dos pacientes psiquiátri
cos na sociedade.
Meu primeiro trabalho foi em uma unidade de internação psiquiátrica em
hospital geral. Na primeira semana pude aprender as rotinas da unidade e co
nhecer os pacientes com quem eu iria atuar, auxiliando no processo de alta.
Lembro de um paciente catatônico que não apresentava melhora com os me
dicamentos, estando há três semanas internado e sem qualquer resposta. Foi
quando o psiquiatra me perguntou se eu já havia presenciado o tratamento
de eletroconvulsoterapia (eletrochoque). Claro que não, disse eu, perplexa. Foi
então que ele me chamou para presenciar como era feita a aplicação e acom
panhar o paciente catatônico. Lembro de estar imensamente incomodada, eu
não tinha força alguma de opinar contra, até porque nem poderia, pois eu não
conhecia a terapia, apenas os castigos destinados antigamente da forma per
versa com que era feita essa prática.
O psiquiatra me explicou sobre os cuidados de sedação, de certa forma eu
estava muito curiosa (e angustiada) em ver o reestabelecimento daquele pa
ciente. Assisti o processo de aplicação e não vi manifestação de dor, ele estava
devidamente sedado. Mas eu vi em uma semana a resposta de um paciente to
talmente imóvel, que não se comunicava nem com o olhar, para um mesmo pa
ciente comendo sozinho, chorando suas dores e verbalizando suas angústias.
Naquele momento entendi que eu precisava me abrir para aprender
mais. Eu estava decidida a abrir mão dos meus ideais de humaniza
ção do cuidado e de luta pela inclusão daquelas pessoas,
mas o hospital não era o lugar ideal para minhas lutas.
Ali recebíamos pessoas em crise e tão logo que me-
lhoravam, recebiam alta e mantinham o cuidado am-
bulatorial. Era do outro lado que eu queria estar.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
Por três anos trabalhei no hospital na unidade psiquiá
trica até que fui chamada no concurso do meu municí
pio, para atuar no Centro de Atenção Psicossocial Álcool
e Drogas (Caps Ad). Foi então que eu pude trabalhar da
forma como eu acreditava, no hospital aprendi e passei a
respeitar muitas outras formas de cuidado, a compreender a função
importante da medicalização e do trabalho integrado com outras categorias,
como a terapia ocupacional, a enfermagem, a assistência social, entre outras.
Esse depoimento introdutório não é para dizer a vocês que apoio eletro
choque, mas sim para dizer que é importante fazermos as pazes com a psiquia
tria, que é importante sim conhecer a psicopatologia, até porque há um certo
preconceito de alguns médicos em relação aos psicólogos, visto que muitos
destes também não conhecem o mínimo para saber interagir com uma equipe
multidisciplinar. Os pacientes muitas vezes chegam sabendo mais do que nós
sobre medicamentos e sobre doenças. Quantos colegas já vi desconhecer uma
condição que era fundamental saber para lidar com o paciente com transtorno
de personalidade e paciente em crise, inclusive psicólogos com medo da loucu
ra! É importante conhecer para saber o que enfrentar.
••
Epistemologia psiquiátrica
A epistemologia é uma palavra composta pelos radicais "episteme", que sig
nifica conhecimento, e "logos" que significa estudo ou ciência. Dessa forma,
pode-se dizer que epistemologia é um campo da filosofia que se encarrega
de estudar o conhecimento, as crenças ou sistema de crenças. Ampliando a
compreensão para a epistemologia psiquiátrica, conclui-se que estamos aqui
falando da compreensão do campo da psiquiatria, por onde anda suas crenças,
seu conhecimento e seu estudo.
A psiquiatria deriva do grego e seu significado é: "a arte de curar a alma".
É uma área da medicina responsável pelo estudo, diagnóstico e tratamento
dos transtornos mentais e do comportamento. O psiquiatra trabalha tanto na
prevenção quanto no diagnóstico e na reabilitação de pessoas em diferentes
formas de sofrimento psíquico, como a depressão, as ansiedades, os transtor
nos psicóticos, as demências, entre outros.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
Registra-se que a psiquiatria surgiu ainda no século V (a.C.) e os hospitais
psiquiátricos na Idade Média. Mas foi no século XVIII que a medicina avançou
enquanto um saber médico. Ao longo dos tempos o número de pacientes pas
sou a crescer intensamente e as internações em hospitais passaram a aumen
tar. Foi no século XX que os transtornos mentais passaram a ser estudados a
partir do contexto biológico, com o surgimento de classificação dos sofrimen
tos e dos transtornos, bem como os medicamentos psiquiátricos. Por haver
todo um estudo descritivo de tais doenças, elas passaram a ser diferenciadas
por suas características biológicas e psicopatológicas, a possibilidade de cura,
duração e curso de cada uma delas e a diferenciação do tratamento.
Passamos então a estar diante de uma nova forma de categorização das
pessoas: como elas reagem ao sofrimento. Desde o século XIX passa-se a "com
preender" a forma como algumas delas vão se posicionar diante da vida, sen
do que estamos diante de uma época que ferve a categorização, a divisão, o
julgamento e a avaliação. Podemos imaginar quantas "cobaias humanas" pa
deceram, quantas mulheres foram silenciadas numa sociedade altamente pa
triarcal, quantos pensadores foram silenciados. Na Figura 1 podemos observar
um paciente amarrado em um colete de força, geralmente usado para conter
pacientes agitados.
Figura 1. Paoente em isolamento utilizando um colete de força para conter agitação. Fonte: Adobe Stock. Acesso em: 20/06/2021.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Hoje nós compreendemos que a saúde mental de uma pessoa é influencia
da por uma série de fatores, como a condição biológica, a condição familiar, so
cial e cultural. Esses por sua vez, influenciam a nossa forma de enfrentamento,
de superação ou de padecimento. No entanto, passamos por um período da
história onde o sofrimento era usado de forma ideológica e desumana. Certa
mente, estamos falando do início também de todo o conceito que trazemos até
hoje em relação à medicina psiquiátrica, o medo de muitas pessoas de serem
consultadas por "médicos de louco", de como esses profissionais irão realizar
o tratamento, dando choque ou dopando, criando um afastamento e impedi
mento do trabalho interdisciplinar.
A psiquiatria tem mudado e os no
vos psiquiatras também. Os espaços
de formação hoje são diferentes de
outrora, pois antes os residentes ti
nham apenas o hospital psiquiátrico
como referência de espaço de forma
ção e, portanto, levavam essa prática
para o consultório. A compreensão do
sofrimento se reduzia aos sintomas e a medicalização buscava o silenciamento
dos pacientes. Todo o movimento da reforma psiquiátrica foi fundamental para
essa mudança de paradigma. Hoje temos os Caps, os tratamentos ambulato-
riais e uma lei que impede a internação psiquiátrica sem qualquer justificativa.
Todo esse contexto promoveu uma mudança na grade curricular e os antigos
professores foram saindo de cena. Claro que não podemos afirmar que todos
são humanizados, mas não é uma questão de serem psiquiatras ou não, mas
da condição de valores de cada profissional, independente da categoria.
Psiquiatras são médicos, cuidam do sofrimento psíquico a partir do modelo
biomédico, com uso de medicamentos. Isso não é considerado um problema
na saúde mental, ao contrário, é bem importante. Erro é não haver o traba
lho inter e multidisciplinar. Os psiquiatras realizam exames físicos, interpretam
exames laboratoriais e de imagem e investigam condições clínicas que interfe
rem na saúde mental, visto que há desordens que ocorrem por uma condição
clínica e desordens emocionais ou neurológicas que podem ser melhor obser
vadas através da avaliação neuropsicológicas, com testes.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
A terapêutica envolve alguns protocolos, onde o mais
comum, inclusive, e o motivo de maior procura, é a
prescrição de medicamentos, que geralmente é reco-
mendada por associar com psicoterapia. Psiquiatras
também realizam psicoterapia, onde o ideal é que eles
façam uma formação em uma abordagem clínica (embora
há os que não façam atendimentos de psicoterapia com seus pa
cientes ou façam sem formação, infelizmente, como alguns psicólogos). A inter
nação em unidades psiquiátricas de hospital geral (ou até mesmo internação
na clínica médica), também ocorrem por seu encaminhamento. Antigamente
havia os hospitais psiquiátricos, que deixaram de existir no País a partir da Lei
Paulo Delgado (Lei 10.216, de 2001) e as internações eram longas, até mesmo
viravam depósito de pessoas desprezadas por seus familiares. Atualmente o
tratamento é realizado de forma ambulatorial e, quando necessário, encami
nha-se para a internação. Os encaminhamentos para atendimento psiquiátrico
podem ser feitos por outros profissionais médicos e podem ocorrer de forma
judicial ou por demanda espontânea.
Apesar da psiquiatria ser um dos ramos mais antigos da medicina, sua sig
nificância surgiu a partir do surgimento da neurociência, lembrando que a me
dicina é uma ciência de tamanha relevância e impacto social, sendo assim, o
estudo de fenômenos neuroquímicos deram validação e credibilidade.
••
Causalidade psíquica versus determinismo biológico
Sobre o sofrimento psíquico, o dever do profissional de saúde é avaliar se o
sofrimento tem uma causa de base emocional ou de causa biológica. É muito
comum ouvirmos uma queixa e rapidamente associarmos a questões emocio
nais (pois somos psicólogos e desconhecemos questões clínicas). Muitos mé
dicos, independente da área, encaminham para o psicólogo um paciente que
permanece com queixas após vários exames médicos. Certamente ocorrem
erros de alguns psicólogos que descartam uma condição clínica interferindo
no afeto e comportamento, bem como de médicos que não escutam melhor a
queixa do paciente e desconsideram outros caminhos para a avaliação clínica,
julgando a queixa como de fundo psicológico.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
Essa questão envolve uma postura ética do profissional de saúde, pois é neces
sário trabalhar de forma interdisciplinar e quando não for possível, no mínimo de
forma multidisciplinar. É necessário estudar a queixa, a situação em que o pacien
te se encontra (luto, perdas, adaptações, mudanças de rotina) e, principalmente,
ter uma boa capacidade de escuta. É um treino diário do profissional, mesmo com
anos de atuação.
Nos primeiros debates da antropologia para explicar a existência das diferen
ças raciais entre os homens, surgiram doutrinas estereotipadas em relação à evo
lução humana. Uma delas ficou conhecida como determinismo biológico, onde
as características físicas e comportamentais eram condicionadas a uma herança
genética. Apesar de essas doutrinas terem sido refutadas há quase um século,
ainda persistem preconceitos na atualidade.
Quando nos referimos ao determinismo biológico, estamos dizendo que uma
condição já é predeterminada, não havendo chances de mudança. No caso dos
aspectos psicológicos, o determinismo biológico afirmava que o comportamento
ou afeto de determinada pessoa estava condicionada pelas suas características
hereditárias. Por esse viés, era a condição biológica da pessoa que explicava de
terminados eventos e que teriam grande diferença na escolha de um tratamento.
O que precisamos ter em mente é que a genética tem um fator determinante,
porém este fator pode ser transformado por todas as condições culturais, sociais,
religiosas ou políticas, enfim, o ser humano não está condicionado a sua marca
biológica. Vejamos o exemplo de uma criança com Síndrome de Down, que tendo
um ambiente saudável de crescimento pode muitas vezes alcançar um desenvol
vimento melhor do que uma criança sem a síndrome em condições precárias de
alimentação e demais fatores de proteção. No entanto, sabendo de toda condição
biológica que a caracteriza, precisamos entender seus limites e suas necessidades.
Dessa forma, voltamos para a situação discutida no início, onde a condução ética
do profissional será marcante no sucesso do tratamento.
Quando falamos em causalidade psíquica, estamos nos referindo às condições
somáticas de natureza puramente emocional ou psíquica e que não tenha qualquer
relação com uma disfunção clínica de base biológica. A causalidade psíquica pode
ser explicada de variadas formas, dependendo da abordagem filosófica na qual a
explicação está fundamentada. A psicanálise e a abordagem comportamental po
derão apresentar explicações diferentes sobre a enurese infantil, por exemplo.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Cardoso e Massimi (2017), apre
sentam algumas ideias sobre esse
tema pela perspectiva de Edith Stein.
As autoras explicam que, no início do
século XX, a causalidade psíquica esta
va sendo muito discutida, em virtude
das diversas teorias psicológicas que
emergiam naquele período. De certa forma a discussão era: qual a natureza
das situações psicológicas que originavam doenças físicas e qual o tratamento
específico? A complexidade de respostas e alternativas terapêuticas é estuda-
da até hoje. O que as autoras concluem é que o tema da "casualidade psíquica"
requer problematizar as teorias psicológicas atuais, que têm se deparado com
questionamentos de natureza filosófica e epistemológica, apesar de mais de
um século de estudos. Afirmam que quando a ciência psicológica se separa da
filosofia, corremos o risco de reduzi-la ao naturalismo cientificista (representa-
do pela neurociência e medicina psicossomática) ou relativista das ciências
humanas em geral. As autoras explicam que Edith Stein defendia que somente
uma elaboração filosófica rigorosa é que pode integrar todas as explicações
legais do fenômeno psíquico analisado, sem reduzir um fator ou outro, garan
tindo um diálogo adequado entre as ciências naturais e culturais.
Essa afirmação é muito rica e corrobora com a condição de uma postura
ética do profissional psicólogo: conhecer os determinantes bioló-
gicos, saber o que é e como se comunicar com o psiquiatra, en-
tender qual é a hora de encaminhar para um outro profissional
(médico, nutricionista etc.) e conhecer as doenças psiquiátricas.
EXPLICANDO
Você já ouviu falar na medicina psicossomática? A ciência, através da
neurociência, da biologia celular e molecular e outros estudos em gené
tica, percebeu múltiplas conexões do sistema nervoso com os sistemas
imunológicos e endócrinos, o que possibilitou o desenvolvimento da
medicina psicossomática. Conclui-se que mente e corpo estão integrados
em todos os aspectos da vida humana, inclusive no adoecimento. A medi
cina psicossomática não é uma nova modalidade da medicina, mas uma
habilidade de compreensão da condição do ser humano que deveria estar
presente na prática de todos os médicos.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
A avaliação psiquiátrica
A avaliação psiquiátrica é uma avaliação médica que envolve tanto o exame da
condição geral do paciente, quanto o Exame do Estado Mental (EEM) e a sua história
clínica psiquiátrica. Os médicos podem recorrer aos exames laboratoriais, de ima
gem, testes psicológicos, neurológicos e psiconeurológicos como auxiliares na ava
liação. O diagnóstico tem como referência as psicopatologias, baseadas nas referên
cias do Código Internacional de Doenças - 1 O (CID-1 O) e no Manual de Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais - 5 (DSM-5).
Em geral as pessoas procuram um psiquiatra e não diretamente (ou apenas) o
psicólogo por questões culturais e clínicas. Culturais, pois muitos ainda acham que o
médico é o centro do tratamento e é quem pode melhor indicar a alternativa de cui
dado para o sofrimento, e clínicas pois há situações onde a avaliação médica para o
uso de psicofármacos se torna necessária. Há de considerarmos ainda, que o acesso
ao profissional psicólogo, infelizmente, é limitado.
O medicamento psiquiátrico é um dos principais instrumentos terapêuticos do
psiquiatra, podendo também ser realizada a psicoterapia, embora haja críticas aos
profissionais que não têm formação em alguma abordagem e se arriscam a atender
os pacientes por psicoterapia além de medicar. Há médicos que além de formação
em uma abordagem psicoterápica também usam das práticas integrativas, como
auriculoterapia, aromaterapia, florais, entre outros.
A avaliação inicial do paciente que procura o atendimento psiquiátrico passa pela
condição física e mental. Há várias situações de desorganização mental que tem um
fundamento orgânico, como a confusão mental em idosos que pode ser causada
por uma infecção, por exemplo. A entrevista psiquiátrica é a forma de se obter in
formações importantes como ponto de partida e, quando necessário, outras fontes
são consultadas, como familiares e equipes de saúde, assim como na psicologia.
Em relação aos serviços psiquiátricos, há a atuação ambulatorial, que incluem
as consultas e psicoterapia ou internações, em hospital geral e hospital dia. Há duas
formas de internação: a voluntária e a compulsória. A internação voluntária, como
está dito, é aquela em que o paciente está de acordo com essa forma de tratamento,
está ciente de sua internação.Já a internação compulsória necessita de critérios que
a justifiquem, para que seja uma internação legal, mas no geral é quando o paciente
não está ciente nem de acordo, mas está colocando em risco sua vida e a de outras
PSIQUIATRIA BÁSICA •
pessoas. A Figura 2 mostra uma avaliação psiquiátrica, que pode acontecer tanto no
espaço ambulatorial, quanto no hospital ou outros espaços de internação e tem o
objetivo de realizar o psicodiagnóstico e planejar o tratamento, que pode ser medi
camentoso ou não.
••
Entrevista e anamnese
Primeiramente é importante reafirmar que estamos apresentando confor
me orientação bibliográfica, o que necessariamente não acontece ipsis litteris,
pois a rotina e a prática de consultório, somando às demandas e experiência
profissional, permitem e exigem novas formas de intervenção. De qualquer
forma, o roteiro para entrevista e anamnese é bem rico de informações para os
profissionais conseguirem se apropriar do máximo de informações pertinentes
no diagnóstico de pessoas com transtorno mental.
Ter habilidade e conhecer a técnica para realizar entrevistas é uma condição
fundamental e insubstituível para os profissionais de saúde. Um pouco dessa
habilidade é intuitiva, parte do profissional, da sua personalidade e da sua sensi
bilidade nas relações pessoais, segundo afirma Dalgalarrondo (2000). Tão impor
tante quanto saber das técnicas de medicalização ou intervenção psicoterápicas,
é a condição do profissional de acolher o paciente no seu sofrimento, de conse
guir ouvi-lo para além de seus delírios e desconexões. Necessita-se de paciência,
respeito e habilidade para lidar com pacientes mais invasivos e agressivos.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
O objetivo da entrevista é poder
acolher o paciente, criar vínculo para o
tratamento e estabelecer uma relação
de confiança, colher o máximo de in
formações possíveis para conhecer a
condição psicopatológica do paciente,
bem como sua vida e sua cultura, para
poder identificar o seu diagnóstico e
estabelecer o plano de tratamento.
Dalgalarrondo (2000) sugere, sem
pre que possível, evitar:
1) Posturas rígidas e estereotipa
das: o profissional deve ser flexível, pois
não há como achar que uma forma de
intervir deve ser a mesma para todos;
2) Atitude excessivamente neutra ou fria: o profissional deve evitar pas
sar a ideia de distanciamento afetivo;
3) Reações exageradamente emotivas: o profissional não deve produzir
uma falsa intimidade, que é o contrário da condição anterior. Não é ser frio
nem muito caloroso, é ser acolhedor e respeitoso;
4) Comentários valorativos: ou seja, que tragam juízos de valor sobre a
vida e a condição do paciente, sua família e sua cultura;
5) Reações de pena ou compaixão: esse tipo de reação não ajuda na con
dição de acolhimento nem na explicação de fatos importantes na entrevista;
6) Responder com hostilidade e agressão: o profissional não deve agir
dessa forma, pois não gera empatia com o paciente, infelizmente é fato a pre
sença dessa reação em muitos profissionais;
7) Entrevista excessivamente prolixa: a entrevista não deve ser muito
longa, onde o paciente fala muito, mas não diz nada, que pode ser por negação
ou mesmo falta de condições de se manter na entrevista. Cabe ao entrevista
dor saber manter o foco.
Alguns aspectos são importantes também de estar atento para executar
bem a entrevista, chamada por Dalgalarrondo (2000) como "as três regras de
ouro da entrevista psiquiátrica", segundo mostra o Quadro 1.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
QUADRO 1. AS TRÊS REGRAS DE OURO DA ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA
�
Primeiros contatos
Para pacientes muito tímidos, ansiosos e paranoides é interessante iniciar com perguntas
neutras, (como nome, profissão, onde mora) para aos poucos fazer perguntas mais fortes e
que podem ser constrangedoras ou dolorosas. É a famosa sabedoria popular "comer a sopa
quente pelas beiradas".
Pacientes organizados mentalmente
Para estes pacientes, com nível intelectual capaz de boa compreensão, boa/razoável
escolaridade, fora de um estado ps1cót1co, a entrevista pode ser de forma mais aberta, onde
lhe é perm1t1da uma expressão mais fluente e espontânea.
Pacientes desorganizados mentalmente
Paciente que estão desorganizados mentalmente, que apresentam pouca compreensão
e comprometimento intelectual, precisam que a entrevista seja mais estruturada, de
perguntas mais simples e dirigidas.
Fonte: DALGALARRONDO, 2000, p. 5 1 .
Função Descrição
Nome, sexo, idade, estado civil, grupo étnico, procedência,
Identificação
religião.
Motivo do atendimento, acrescentar a descrição na linguagem do
Queixa principal
paciente.
História da enfermidade Início dos sintomas e sua frequência, duração e flutuações.
atual Descrever na sequência cronológica dos sintomas e eventos.
Pré-natal - nascimento
Gestação, parto, condições do nascimento (incluindo peso, anoxia,
icterícia, distúrbio metabólico).
PSIQUIATRIA BÁSICA •
Desenvolvimento na Condições de saúde, desenvolvimento motor, da linguagem e o
infância, adolescência e controle esfincteriano, vida escolar, relacionamentos, sexualidade.
idade adulta. relacionamento conJugal etc.
História médica e Internações, cirurgias, doenças, tratamentos, medicamentos
psiquiátrica utilizados.
Fazer genograma e ecomapa, descrever histórico de doenças,
Histórico familiar
histórias de suicídio, violação da lei, funcionamento social.
Personalidade
Atitudes e padrões de comportamento (exemplo: competitividade,
preocupações com limpeza, humor habitual, capacidade de
pré-mórbida
expressar sentimentos etc.)
Situação socioeconõmica Classe alta, média alta, média baixa, baixa, pobreza absoluta.
Condições de habitação
Água encanada, energia elétrica, esgoto sanitário e coleta de lixo.
(moradia)
Estrutura e
Equilibrada, conflitos frequentes, apoio.
funcionamento familiar
Grau de sociabilidade Lazer e atividades soc1a1s.
Escolaridade Alfabetizado, analfabeto, ensino fundamental, médio ou superior.
Trabalho Ocupação ou profissão.
Tabagismo, alcoolismo
Tipo, quantidade, início, motivação para parar, quando parou.
e outras drogas
Luto: Tristeza por uma perda importante. Tem curso previsível
(cerca de um ano) no ser humano saudável.
Transtornos de adaptação: angústia, desconforto emocional,
depressão e estresse reativos à necessidade de adaptação por
mudanças importantes e impactantes de vida (exemplo: divórcio,
Atenção a situações
separação dos filhos, mudança de casa, escola, país etc.). São mais
especiais
intensos nas crianças, adolescentes e idosos, pessoas adultas
intolerantes às frustrações e imaturas. Tem início em até 30 dias
após o evento perturbador/modificador da vida da pessoa. Cursa
com humor lábil, impaciência, irritabilidade, desgaste emocional,
sensação de desânimo. Pode causar alterações na atividade laboral.
Fonte: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP, (s.d.). (Adaptado)
••
O Exame do Estado Mental
O Exame do Estado Mental (EEM) é a avaliação clínica do aspecto geral do
comportamento, humor, cognição e outras características, que identificam as
condições mentais de uma pessoa. É realizado nos pacientes que
apresentam alterações em seu comportamento e afeto e avalia as
diferentes condições da função mental. É importante que
a pessoa a ser avaliada esteja com sua atenção preser-
vada, por exemplo: uma pessoa que esteja medicada
de forma que não consiga se atentar às perguntas do
examinador de certo sairá prejudicada.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
Ao realizar o EEM é importante
que o profissional esteja focado na
avaliação geral da pessoa, como está
sua aparência (modo de andar, seus
adornos, cuidados com higiene pes
soal), suas atitudes e postura durante
a consulta ou atendimento - está coo
perativo, indiferente, amedrontado,
histriônico? Além da avaliação geral, o
EEM avalia as funções mentais, ou seja, a forma como a pessoa está proces
sando seus pensamentos e racionalidade. O Quadro 3 demonstra quais os
parâmetros são avaliados no EEM e a forma como pode ser feita.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
Sugere-se a ava l iação do raciocínio lógico; a
capacidade de fazer contas; a capacidade de
Inteligência abstração (capacidade de formular conceitos e
Avalia o conjunto de habilidades cognitivas ideias, compará-los e relacioná-los).
de diferentes processos intelectivos, como o Observar se o paciente se util iza de analogias
raciocínio, planejamento, resolução de problemas, e metáforas (pode ser avaliada a compreensão
pensamento abstrato, compreensão de ideias de provérbios);
complexas, aprendizagem rápida e aprendizagem Sugere-se também avaliar a capacidade
a partir da experiência. É importante considerar de generalização, por exemplo, perguntar
a média esperada para o grupo sociocultural e a sobre grupos de coisas, ani mais. O juízo
faixa etária da pessoa avaliada. crítico é a capacidade de perceber e aval iar
adequadamente a realidade externa e separá
la dos aspectos do mundo interno ou subj etivo.
3) Pensamento
O que avalia? Observações e sugestões
Forma: É a relação e nexo das ideias entre
si, com coerência (construção das frases em
relação à sintaxe), logicidade (pensamento
fundado na realidade), circunstancialidade
(alteração na qual há expressão do pensamento
por meio de detalhes irrelevantes e
redundantes, porém paciente consegue chegar
ao objetivo), tangencialidade (o objetivo nunca
Avalia as funções que conseguem associar é alcançado, ou não é claramente definido,
conhecimentos novos e antigos, integrando, embora o paciente fique sempre próximo ao que
estímulos, analisando, abstraindo, julgando, seria sua meta) e fuga de ideias (associações
concluindo, sintetizando e criando. O pensamento tênues ou livres).
é avaliado, por meio da linguagem, nos seguintes Fluxo: é a velocidade com que as ideias passam
aspectos: forma, fluxo e conteúdo. pelo pensamento (acelerado, lentificado,
adequado ou bloqueado).
Conteúdo: avalia os conceitos emitidos pelo
paciente e sua relação com a realidade, como
conteúdo predominante, preocupações,
obsessões, ideação suicida ou homicida,
presença de delírios (falsa crença não
compartilhada por membros do
grupo sociocultural).
4) Linguagem
PSIQUIATRIA BÁSICA •
6) Humor/Afeto
O que avalia? Observações e sugestões
Avalia-se o humor/afeto pela expressão facial,
gestos, tonalidade afetiva da voz, conteúdo do
O humor diz respeito ao estado emocional de _ _
discurso e psicomotricidade, choro fac1I, nsos
longa duração, interno, não dependente de
imotivados etc.
estímulos externos e pode influenciar a percepçao
Observar a qualidade do afeto: tristeza, culpa,
de si mesmo e do mundo ao seu redor.
alegria, vergonha, etc.;
O afeto é a experiência imediata e subjetiva das
a modulação do afeto: hipermodulação,
emoções sentidas em relação à situação: Inclui a
hipomodulação, embotamento, rigidez; e a_
manifestação externa da resposta emocional do
tonalidade afetiva: hipotimia (sintomas depressivos),
paciente a eventos.
hipertimia (euforia), disforia (tonalidade afetiva
desagradável, mal-humorada),
(7) Psicomotricidade
O que avalia? Observações e sugestões
Observar a velocidade e intensidade da
mobilidade geral na marcha, quando sentado e
na gesticulação; a agitação ou retardo, a acatisia
A integração das funções de motricidade e mental
(movimento de "amassar barro"), os manei rismos
sob o efeito da educação e do desenvolvimento do
(movimentos involuntários estereotipados), os
sistema nervoso. _
tiques (movimentos i nvoluntários e espasmódicos)
e a presença de sinais de catatonia (obediência
automática, flexibilidade cérea).
Fonte: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP, (s.d,). (Adaptado)
ASSISTA
O vídeo O exame do estado mental: avaliando funções afinal
-sacoplimca pj- Ep. 15 (epílogo) mostra a aplicação do Exa
me do Estado Mental (EEM), apresentado por um psicólogo.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
••
As grandes síndromes psicopatológicas
As síndromes psiquiátricas são conjuntos de sinais e sintomas, menciona
dos pelos pacientes e familiares e observados pelos profissionais de saúde,
que possibilitam elaborar as hipóteses diagnósticas dos transtornos
mentais. Sintomas e sinais não necessariamente são doenças. É ne
cessário um conjunto de critérios que irão definir o diag-
nóstico, prognóstico e curso da doença. Uma análise
breve dos principais grupos de síndromes psicopata-
lógicas ou psiquiátricas nos ajudaram a compreender
as principais síndromes psicopatológicas.
••
Síndromes ansiosas
A ansiedade é uma condição patológica que apresenta um sentimento de
temor acompanhado de outros sintomas e sinais de hiperatividade do sis
tema nervoso central. Geralmente os pacientes costumam mencionar preo
cupação, no entanto, há de se diferenciar a ansiedade normal da ansiedade
patológica. A ansiedade normal é aquela relativa a uma condição adaptativa,
que prepara o ser humano para uma ameaça, como: um emprego novo ou
uma prova de vestibular. Já a ansiedade patológica traz grande sofrimento à
pessoa, a ponto de prejudicar suas rotinas diárias e relacionamentos. Atual
mente, as referências técnicas para os transtornos de ansiedade dividem-se
da seguinte forma:
a) Transtorno de ansiedade de separação;
b) Mutismo seletivo;
c) Fobia específica;
d) Transtorno de ansiedade social;
e) Transtorno de pânico;
f) Agorafobia;
h) Transtorno de ansiedade generalizada;
i) Transtorno de ansiedade induzido por substância;
j) Transtorno de ansiedade devido à outra condição médica;
h) Outro transtorno de ansiedade não especificado.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
Antigamente, o transtorno de estresse pós-traumático e o transtorno ob
sessivo compulsivo estavam incluídos nas síndromes ansiosas, mas com o
DSM-5 esses foram incluídos em outra categoria. Os transtornos de ansiedade
têm sido as causas mais comuns de sofrimento e procura de tratamento. De
todos listados acima, os mais comuns são:
• Tran storno de Ansiedade Generalizada (TAG): preocupação excessiva e
abrangente sobre vários assuntos cotidianos, gerando muitos sintomas somá
ticos, como fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração, insônia e prejuí
zo funcional;
• Fobia específica: é quando a pessoa apresenta um medo acentuado de
um objeto, animal ou situação, como pavor de um pássaro, de voar de avião, de
injeção, entre outros, o que pode gerar muitos prejuízos sociais;
• Fobia social: é um medo excessivo de humilhação, de exposição em con
textos sociais, que pode inclusive gerar ataques de pânico. A pessoa apresen
ta medo de falar em público, de usar espaços comuns, até mesmo de ir para
escola e trabalho, o que gera grandes perdas, pois ela faz de tudo para evitar
situações que a exponha.
• Transtorno de pânico: a pessoa sofre com ataques que ocorrem de forma
inesperada, com a presença de grande medo de perder o controle ou morrer,
com sintomas somáticos como taquicardia, sufocamento, tontura, formiga
mentos, aperto ou dor no peito. Há sempre a presença do medo de que novos
ataques aconteçam, por isso a pessoa passa a evitar sair sozinho.
••
Síndromes depressivas e maníacas
As síndromes depressivas são um grande problema de saúde pública e por
muitos anos se mantém como a principal causa de incapacidade en
tre todos os problemas de saúde. Do ponto de vista psicopatológi
co, a síndrome depressiva é caracterizada pelo humor
triste, mas apresenta também uma multiplicidade
de sintomas, inclusive os sintomas psicóticos e fe-
nômenos biológicos associados. Dalgalarrondo
(2000) distribui os sintomas nas seguintes cate-
gorias, conforme Quadro 4.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
QUADRO 4. SI NTOMAS PRESENTES NA SÍNDROME DEPRESSIVA
�
Sintomas Características
PSIQUIATRIA BÁSICA •
QUADRO 4. SUBTIPOS DE SÍNDROMES MANÍACAS
�
Subtipo Característica
Forma mais intensa de mania, agitação psicomotora importante,
Mania franca ou grave
heteroagress1v1dade, fuga de ideias, delírios de grandeza.
Mania irritada ou Predominância da 1mtab1lidade, mau humor, hostilidade, podendo
disfórica ocorrer heteroagressiv1dade e destruição de Objetos.
Presença de sintomas maníacos e depressivos ocorrendo ao
Mania mista
mesmo tempo ou alternando-se rapidamente.
É uma forma leve de episódio maníaco que muitas vezes passa
despercebido pois a pessoa está mais disposta que o normal, fala
Hipomania
muito, conta piadas e tanto a pessoa quanto seu meio social não
saem muito prejudicadas.
Frequentes períodos com a presença de poucos e leves sintomas
Ciclotimia depressivos com discreta elevação do humor. Ocorre sem que o
indivíduo apresente um episódio completo de depressão ou mania.
••
Fonte: DALGALARRONDO, 2000, p. 1 94.
Síndromes neuróticas
Neurose é um termo abandonado na atualidade, mas na psicopatologia ele
é bem colocado para as situações patológicas associado a algum transtorno
somatoforme. As principais são:
1. Síndromes fóbicas: que também estão no grupo das síndromes ansio
sas e são caracterizadas pelo medo irracional e de grande sofrimento para a
pessoa;
2. Síndromes obsessivo-compulsivos: quadro caracterizado por ideias,
fantasias e imagens obsessivas e/ou com atos, rituais e comportamentos ob
sessivos. É uma condição de extremo sofrimento onde a pessoa não consegue
ter controle sobre os pensamentos;
3. Síndromes histéricas: apresentam alterações tanto físicas (alterações
motoras e sensoriais) quanto psíquicas (alterações de consciência, memória e
percepção). Pode ser dissociativa, onde o paciente tem crises que se asseme
lham a crises epiléticas, como também conversivas, onde o paciente
apresenta alterações sensoriais e motoras, como não conse
guir enxergar ou andar.
4. Síndromes hipocondríacas: quadros onde a pes
soa apresenta a ideia de doença grave, sentindo sinais
inexistentes ou hipervalorizando os sinais insignificantes.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
••
Síndromes psicóticas
As síndromes psicóticas são as popularmente chamadas de loucura. Os
sintomas típicos são os delírios, as alucinações, pensamento desorganizado e
comportamento bizarro. Sintomas paranoides são muito comuns, com a sen
sação de perseguição através de alucinações auditivas e visuais. A principal
forma de psicose é a esquizofrenia.
A esquizofrenia apresenta sintomas bem significativos, chamados de "sin
tomas de primeira ordem, que apresentam uma distorção entre o eu e o mun
do". Os sintomas de primeira ordem são, segundo Dalgalarrondo (2000):
• Percepção delirante: uma percepção normal, mas que recebe uma sig
nificação delirante, como se fosse uma "revelação";
• Alucinações auditivas características: vozes de comando ou que co
mentam coisas pejorativas ou ofensivas;
· Eco ou sonorização dos pensamentos: o paciente ouve seus próprios
pensamentos, como uma voz ressoando;
• Roubo de pen samento: sensação que o paciente experimenta que seu
pensamento foi extraído ou roubado;
• Vivências de influência: pode ser corporal, quando o paciente sente
que algo controla seu corpo ou ideativa, sensação que o controle dos seus
pensamentos.
Os sintomas de segunda ordem são os de menor importância no diagnós
tico, ou seja, não é necessário que haja sua presença para que seja confirma
da a esquizofrenia. São eles: perplexidade, alterações sensoriais, empobreci
mento do campo afetivo, intuição delirante, alterações do ânimo.
••
Síndromes relacionadas ao comportamento alimentar
As síndromes relacionadas ao comportamento alimentar são perturbações
nesse comportamento que pode levar desde o emagrecimento extremo, por
deixar de ingerir alimentos ou reduzir de forma inadequada, até a obesidade,
por excesso na ingestão de comida. Muito se percebe que os transtornos ali
mentares estão relacionados com a cultura de determinadas sociedades, o que
demonstra a maior prevalência entre mulheres jovens de países ocidentais.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
Os principais tipos de síndromes relacionadas
ao comportamento alimentar são a anorexia
nervosa e a obesidade. A causa é multifatorial
e está associada principalmente com a condi
ção sócio cultural, mas também conta com fato
res genéticos e da estrutura psicológica.
A anorexia é a perda de peso autoinduzida por
abstenção de alimentos ou por comportamentos como vô
mitos, exercício excessivo e uso de medicamentos diuréticos, laxativos e
anorexígenos. Há a distorção da imagem corporal e um medo excessivo de
ganhar peso, portanto a pessoa começa a desenvolver uma série de com
portamentos compulsivos como pesar-se, medir-se, começam a disfarçar a
magreza e a evitar se alimentar para fugir de comentários e observações de
familiares e amigos. Em função da perda de peso excessiva, começam a sur-
gir alterações endócrinas, metabólicas e eletrolíticas, como a amenorreia,
secreção anormal da insulina, infecções, desnutrição, entre outros.
A bulimia é caracterizada por compulsões alimentares periódicas segui
das de métodos compensatórios inadequados como o vômito autoinduzido,
laxantes, diuréticos e prática de exercícios em excesso para evitar o ganho
de peso. Na bulimia, a pessoa apresenta sofrimento pela forma corporal,
mas seu sofrimento é compensado na compulsão alimentar. Como a perda
de peso não é perceptível como no caso da anorexia, é mais difícil para a
família perceber o transtorno.
O transtorno do comer compulsivo também está no quadro desta sín
drome e consiste em episódios de compulsão alimentar, no entanto, sem
os métodos purgativos de eliminação dos alimentos ingeridos, assim como
não há a preocupação irracional com a forma corporal. A pessoa com esse
transtorno começa a comer compulsivamente e só para quando fica descon
fortável fisicamente, a maioria apresenta obesidade ou sobrepeso, outras
características que está associada é a velocidade que comem, geralmente
mais rápido do que o normal e sentem-se culpados após o consumo.
Existe também o transtorno de Pica, que é caracterizado pela ingestão
de substâncias não comestíveis, como sabonete, cabelo, cinzas de cigarro,
argila etc.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Síndromes relacionadas às substâncias psicoativas
Os transtornos relacionados às substâncias psicoativas referem-se ao abu
so e dependência de substâncias psicoativas, que ativam a região de recom
pensa do cérebro, gerando excitação e prazer. As síndromes são: intoxicação,
fissura, tolerância, síndrome de abstinência, abuso, dependência e as psicoses
induzidas.
A intoxicação, o uso nocivo e o abuso são padrões de uso que trazem danos
tanto à saúde física quanto danos às relações familiares e sociais. A fissura é o
desejo intenso de uso da substância. A tolerância é quando o efeito da droga
acaba ficando menor após repetidas vezes, sendo que o organismo necessita
cada vez de quantidades maiores para causar o mesmo efeito. A síndrome de
abstinência é o conjunto de sinais e sintomas que se apresentam horas ou dias
após a cessação do uso da substância que vinha consumindo continuamente.
A dependência química é o padrão mal adaptativo do uso de substâncias
químicas que traz grande repercussão na vida da pessoa dependente. No caso
da interrupção do uso da substância, o corpo manifesta sintomas de depen
dência, refletido como ansiedade, desconforto, irritabilidade e sintomas de
abstinência.
As psicoses tóxicas são os quadros psicóticos induzidos pelo uso de subs
tância que podem durar horas, dias ou semanas, dependendo da substância,
da quantidade e da condição do indivíduo.
••
Síndromes relacionadas à sexualidade
As síndromes relacionadas à sexualidade exigem bastante cautela, pois se
torna necessário avaliar um arcabouço de situações que são tabus e conse
quentemente geram um impacto psicossocial significativo. A sexualidade sem
pre foi foco de atenção, portanto muitos dos transtornos surgiram ao longo
dos tempos. As categorias de transtornos considerados são: o desejo sexual
inibido, disfunção erétil, ejaculação precoce, vaginismo (dor na penetração), as
chamadas perversões sexuais (pedofilia, zoofilia e necrofilia) e outros proble
mas relacionados ao ato sexual, como abusos ou estupros que ocorrem por
distorções da realidade ou pensamento do abusador.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
••
Síndromes psicorgânicas
As síndromes psicorgânicas são aquelas resultantes uma lesão cerebral,
que podem ter múltiplos fatores, como uma degeneração ou uma lesão vas
cular, por exemplo. As síndromes demenciais, o delirium e outras de origem
psicorgânicas são de origem biológica, no entanto estão entre as condições
clínicas que tem manifestações mentais e comportamentais.
O delirium não é o delírio comumente visto e falado. Trata-se de sintomas
como o delírio da psicose, portanto de causa orgânica. As causas mais comuns
do delirium são a abstinência de drogas, as intoxicações, os traumas físicos, a
hipoglicemia, as infecções do sistema nervoso central (SNC), tumores, epilep
sia, enxaqueca, infecções pelo HIV, entre outros.
As demências são caracterizadas pela perda das múltiplas
habilidades cognitivas e funcionais, como a memória, a função
cognitiva (contas, reconhecimento, linguagem), alteração das
funções executivas e curso progressivo.
1 DICA
O filme Nise: o Coração da Loucura retrata todo o movimento dessa médi
ca no tratamento de pacientes psicóticos.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
Sintetizando •
Esta unidade procurou discutir os assuntos mais introdutórios à psiquiatria,
como uma ideia do campo, seu conceito, espaços de atuação, as condições or
gânicas e psicossomáticas, assim como algumas reflexões sobre a atuação do
psiquiatra e a intersecção com a psicologia.
Foram apresentados conceitos da avaliação psiquiátrica, procurando trazer
alguns aspectos da entrevista, posturas, condutas e habilidades, bem como apre
sentar os principais tópicos examinados na anamnese. Foi apresentado também
o que é o Exame do Estado Mental (EEM) e o significado de cada esfera analisada.
Outro conceito introdutório da psiquiatria é a apresentação das grandes sín
dromes psicopatológicas (psiquiátricas), que é o conjunto de doenças que estão
dentro do espectro de atuação do psiquiatra. Foi apresentado aqui as principais
patologias, pois novas categorias são incluídas devida a complexidade.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Referências bibliográficas
•
CARDOSO, C.R.D.; MASSIMI, M. Causalidade psíquica e a fundamentação da psi
cologia científica segundo Edith Stein. Teocomunicação. Porto Alegre, n. 1, p.
26-38, 2017, v.47. Disponível em:<https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/
teo/article/view/25913/15912>. Acesso em: 20 jun. 2021.
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais.
Porto Alegre: Artmed, 2000.
ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO-USP. Centro de simulação de prá
ticas de enfermagem. Orientações para o Exame Psiquiátrico. [s.d.]. Disponí
vel em: <https://edisci pli nas.usp. br/pl ugi nfile.php/3596396 /mod_resou rce/
content/1/ORIENTACOES_PARA_EXAME_PSIQUITRICO.pdf>. Acesso em: 20 jun.
2021.
NISE - Coração da loucura. Direção de Roberto Berliner. Rio de Janeiro: Imagem
Filmes, 2016. (106min.), son., calor.
O EXAME do estado mental: avaliando funções afinal - sacoplimca pj - Ep. 15
(epílogo). Postado por Breno Sanvicente-Vieiral. (22min. 57s.). son. calor. port.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rlJEjLZkgiA>. Acesso em: 20
jun. 2021.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
UNIDADE
ser
educacional
Objetivos da unidade
Tópicos de estudo
Transtornos de humor: um Transtornos psicóticos e
breve histórico mentais orgânicos
O que os transtornos de Esquizofrenia
humor contemplam? Transtornos neurocognitivos
Transtorno afetivo bipolar (TAB) (TNC)
Transtornos depressivos
Transtornos relacionados ao
Transtornos de ansiedade uso de substância psicoativa
Fobia social e fobias específicas Fases da mudança de
Transtorno de pânico e comportamento
agorafobia
Transtorno de ansiedade
generalizada (TAG)
Ansiedade de separação e
mutismo seletivo
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtornos de humor: um breve histórico
Os sentimentos de dor e vazio na alma são quase universais. Ao longo da
história, grandes mentes se debruçaram sobre essas sensações, tão naturais e
humanas. Em sua tese de doutorado, Almeida (2018) apresenta a história dos
transtornos de humor. Resumidamente, Hipócrates os formula no período co
nhecido como Antiguidade Clássica. A mania e a melancolia, por exemplo, são
os quadros clínicos embrionários da história da medicina. Aristóteles associa o
temperamento melancólico às capacidades artística e intelectual. Para o filóso
fo, tal aspecto era um sinal de transtorno mental causado pelo excesso da bile
negra. Já Areteu caracteriza a tristeza dentro da melancolia e chama atenção
para uma preocupação mórbida de caráter delirante. Dessa maneira, ele es
tabelece um vínculo entre mania e melancolia, sentimentos diferentes dentro
de uma mesma doença. Vale a pena notar que, dentro desse grande e antigo
período, já existia a ideia de uma doença provocar desequilíbrio não apenas no
cérebro, mas no corpo inteiro.
Entrando na Idade Média, marcada pela visão religiosa sobre os transtornos
mentais, inicia-se a fase de "demonologia" do sofrimento psíquico. Por exem
plo, a apatia, considerada como preguiça, entra para o rol dos sete pecados
capitais. Justifica-se, portanto, o preconceito sobre a depressão, que dura até
hoje: algumas pessoas ainda pensam que a doença nada mais é do que "coisa
de gente fraca e preguiçosa" ou, simplesmente, "falta do que fazer".
O movimento renascentista recuperou as perspectivas filosófica, biológica
e psicológica do sofrimento e voltou a vê-lo como uma doença. Em 1621, Ro
bert Burton diferencia a melancolia da loucura. Entretanto, reconhe
ce momentos em que elas ocorrem concomitantemente, como no
caso da mania. Finalmente, a ciência moderna constrói a teoria
dos humores sobre a ideia de um desequilíbrio entre as partes
do cérebro. Segundo Souza e Lacerda (2013 apud Almeida,
•
201 8, p. 29), o termo "depressão" apareceu pela primeira
vez em 1 680; o objetivo era designar um estado de desâ-
nimo ou perda de interesse.
Vale a pena considerar a contribuição de Philippe Pinel
nesse processo, um marco na psiquiatria. Ele defendeu que
PSIQUIATRIA BÁSICA .
esse ramo da medicina deveria ter u m processo de observação rigoroso, além
de se aproximar mais das ciências médicas e se afastar de cenários ideológicos.
Inicia-se, portanto, a doença institucionalizada, em outras palavras, passa-se
a descrever quadros clínicos de maneira adequada e medica-se o sofrimento.
Além disso, a internação surge como medida terapêutica.
De volta às alterações de hu mor, o século XIX começa a descrever melhor
as alterações entre mania e depressão. Apesar de o debate sobre as questões
mentais tender para o aspecto moral, nunca se deixou de lado a h ipótese de
lesões cerebrais ou disfunções físicas. Freud e Kraepelin ma ntiveram discursos
opostos sobre a origem dos transtornos mentais; a famosa rivalidade entre de
terminismo biológico e causalidade psíquica. Em 1905, Adolf Meyer sugere
que se substitua o termo "melancolia" por "depressão". Graças à sua concepção
de que o transtorno psiquiátrico é uma disfunção na capacidade de reagir aos
problemas cotidianos, os postulados do psiquiatra suíço influenciaram signi
ficativamente o primeiro Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM).
A visão da medicina sobre os transtornos de humor evoluiu da seguinte maneira:
a. Ideia determinista, hereditária e "biologicista": do fim do sécu
lo XIX até meados de 1 940, essa visão reinou sobre a maneira com
que se tratava o comportamento depressivo. O coma insulínico, as
terapias convulsivas e a lobotomia são alguns exemplos de terapia
durante esse período;
b. Teorias morais: preocupadas com a dignidade do paciente, elas sur
gem na década de 1 950. Destacam-se as teorias psica nalíticas e da
antipsiquiatria, que já falavam sobre como as influências psicológicas
e sociais moldavam os quadros clínicos;
c. Psicofarmacologia: esse ramo surge como uma esperança de se so
lucionar os transtornos mentais da mesma forma que os antibióticos
atuavam contra i nfecções;
d. Depressão como desequilíbrio químico do cérebro: a perspectiva
biológica da condição retoma os holofotes em função dos avanços
nas pesquisas farmacológicas; e
e. "Década de ouro do cérebro": a partir dos anos 1 990, o congres
so americano considera este órgão como central na explicação dos
transtornos.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Essa lógica perdura até os dias de hoje. As medicações são peças chaves na
adequação das pessoas ao trabalho e ao convívio social e familiar. Tal relação
é fruto de uma sociedade que vive em função de trabalho, tempo, praticidade
e produção. Em outras palavras, trata-se de um contexto social. Não sabemos
mais "como sofrer" e, como consequência, poupamos nossos filhos de frus
trações, o que apenas lhes causa uma série de sofrimentos futuros. Enquanto
isso, profissionais da psicologia e da educação buscam humanizar as relações
sociais e o próprio sofrimento.
••
O que os transtornos de humor contemplam?
O humor é o estado emocional de uma pessoa, isto é, a forma de expres
sar emoções. Frente às situações da rotina diária, é normal que ele oscile ao
longo do dia. Quando tal oscilação prejudica relações, compromissos e a vida
laboral, torna-se patológica. Os termos mais comuns às condições patológi
cas do humor são:
• Disforia: mudança repentina e transitória do humor, com sentimentos
de angústia, pesar, luto e ansiedade;
• Eutimia: humor normal ou estável;
• Hipertimia: felicidade exagerada ou doentia;
• Hipotimia: humor "mais baixo" ou triste.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica os transtornos mentais
e do comportamento por meio do Código Internacional de Doenças (CID). Em
1993, o CID-10 relacionou os transtornos de humor entre os códigos F30 a F39.
Obviamente, cada classificação apresenta suas próprias especificidades. To
memos o exemplo da depressão grave. É possível descrevê-la como: CID F33.2
- depressão grave sem sintomas psicóticos.
O CID-1 O considera esses transtornos como situações em que há alteração do
humor ou afeto de forma que afete o nível global de atividade do indi
víduo. Além disso, é comum observar depressão nesses ca
sos, seja ela associada à ansiedade ou não. A maioria dos
transtornos tende a ser recorrente e geralmente ocorre
por situações estressantes. O Quadro 1 resume a forma
como o CID-10 classifica e qualifica tais transtornos.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
QUADRO 1. TRANSTORNOS DO HUMOR
�
F30.0 H1poman1a
F30.0 Hipomania
F31.1 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco sem sintomas psicóticos
F31.2 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco com sintomas psicóticos
F31.4 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave sem sintomas psicóticos
F31.5 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave com sintomas psicóticos
-
F31.9 Transtorno afetivo bipolar não espec1f1cado
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Outros episódios depressivos
-
Episódio depressivo não especificado
-
Transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve
33.00 - Sem sintomas somáticos
33.01 - Com sintomas somáticos
C1clotimia
Distim1a
-
Transtorno persistente do humor (afetivo) não especificado
-
F38 - Outros transtornos do humor (afetivos)
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtorno afetivo bipolar (TAB)
Em sexto lugar dentre as maiores causas de incapacitação para o trabalho
e demais atividades da rotina diária, o transtorno afetivo bipolar (TAB) é uma
doença crônica e incapacitante, que acomete 1% da população mundial. Des
taca-se pela presença de dois extremos de humor: deprimido e expansível ou
irritável. O TAB se divide em dois tipos:
• Tipo 1: mais raro, com maior taxa de suicídios e um pior prognóstico. Os
sintomas demoram mais para se estabilizarem;
• Tipo li: comum e mais leve, não apresenta episódios de mania, apenas
de hipomania.
Estudos indicam que 1/4 de todos os casos de suicídio apresenta diagnósti
co de TAB. Portanto, é uma doença com alto risco. O diagnóstico e os sintomas
podem se confundir com os de outros transtornos, como os de: personalidade
borderline; déficit de atenção e hiperatividade; e impulso. O Quadro 2 apresen
ta as principais diferenças e características diagnósticas do TAB tipo I e li.
Quadro de mania persiste por, pelo menos, Dura de dias a meses com humor irritável ou
uma semana. impaciência. Mais difícil de diagnosticar.
Quando em mania, sem crítica de sintomas. Paciente apresenta crítica dos sintomas. Ge
Quadro mais grave. ralmente, quadro menos grave.
Em ambos
Autoestima elevada
Dimi nuição do sono
Mais falante
Fuga de ideias
Distração
Aumento de atividade dirigida
Atitudes compulsivas
PSIQUIATRIA BÁSICA .
O TAB se manifesta clinicamente por meio de quadros depressivos com a
presença de anedonia, que os torna mais duradouras; geralmente, ocorrem no
TAB tipo li. Também se observa casos de mania ou de hipomania. Em algumas
situações, inclusive, eles se misturam e há uma superposição de pelo menos
três sintomas. Esse é um estado delicado, com mais índices de internações e
maior risco de suicídio quando comparado às condições "puras" ou não mistas.
Os fatores de risco para a bipolaridade incluem: histórico familiar; manifes
tação de sintomas antes dos 20 anos; maior número de ocorrências depres
sivas no histórico de vida; e depressão pós-parto. Carneiro e Moreno (2020)
afirmam que filhos de pais com TAB têm maior probabilidade de desenvolver
a doença. Seus estudos apontam uma concordância entre 40% a 70% de chan
ces para filhos e 5% a 10% em parentes de primeiro grau. Fatores ambientais
também podem influenciar, seja gerando mudanças a nível biológico ou contri
buindo para o desenvolvimento da doença.
Episódio maníaco
Dentro do transtorno bipolar do tipo 1, esse episódio se caracteriza por um
humor elevado, expansível ou irritado e por um aumento anormal da energia,
que dura por, pelo menos, uma semana e se mantém na maior parte do dia. Ge
ralmente, o indivíduo acometido pela condição apresenta: autoestima elevada;
diminuição da necessidade do sono; eloquência; fuga de ideias; pensamentos
acelerados; agitação; aumento da atividade social ou sexual; e envolvimento
em situações de risco, como investimentos financeiros precipitados.
EXPLICANDO
Você sabe qual é a diferença de humor e afeto? O primeiro diz respeito ao
estado emocional interno do indivíduo. Normalmente, é descrito de forma
subjetiva, como: calmo; feliz; triste; ou impaciente. Já o afeto é a manifestação
do humor ou da emoção. A forma como o médico ou o psicólogo descreve
o humor segue os seguintes elementos: qualidade; quantidade; variação;
adequação; congruência; plano; normal; ou lábil. Por exemplo: um paciente
catatônico encontra-se com o humor embotado; um paciente em mania, com
o humor expansível, inadequado; e um paciente deprimido, com o humor lábil.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
pessoas apresentam sintomas psicóticos, por exemplo. É uma fase afetiva, mas
com níveis de euforia explosivos, exagerados e, possivelmente, negativos. A
sensação de grande eficiência pode rapidamente se transformar em ilusões de
superioridade e fanatismo. Ainda, é possível observar uma perda da autocrítica
do indivíduo, o que pode acarretar em consequências graves.
Hipomania
Caracterizada por um humor anormal, mais expansível ou irritado, essa
condição dura, pelo menos, quatro dias. Entretanto, ela não é tão grave quanto
o episódio maníaco. Há menos comprometimento e o indivíduo não apresenta
sintomas psicóticos. Além disso, raramente precisa ser internado. A hipomania
se diferencia de uma "alegria normal", pois o episódio se associa a uma mudan
ça clara no funcionamento da pessoa que, quando assintomática, não costuma
agir de tal maneira.
Ciclotimia
A pessoa acometida por essa condição, também chamada de transtorno
ciclotímico, experimenta sintomas de depressão e euforia subitamente. Entre
tanto, a situação se diferencia do transtorno bipolar por conta das diferenças
na intensidade e quantidade de crises. Apesar de durarem, pelo menos, dois
anos, os sintomas não são suficientes para preencher os critérios de hipomania
ou depressão maior do DSM-V.
••
Transtornos depressivos
A melhor maneira de qualificar a depressão é usando o plural ao se referir à
condição, pois ela se submete a várias circunstâncias diferentes. Neste espec
tro, incluem-se: transtorno depressivo maior (unipolar); transtorno depressivo
persistente (distimia); transtorno disruptivo da desregulação do humor; trans
torno disfórico pré-menstrual; transtorno depressivo induzido por substância
ou medicamento; transtorno depressivo devido a outra condição médica; e ou
tros não especificados.
O transtorno depressivo maior é a condição clássica. Caracteriza-se obri
gatoriamente pelo humor deprimido na maior parte do dia ou por uma perda
acentuada do interesse ou prazer. Ainda, para se diagnosticar a condição de
fato, é preciso observar ao menos quatro dos seguintes sintomas: perda ou
PSIQUIATRIA BÁSICA .
ganho significativo de peso; insônia ou hipersonia;
agitação ou retardo psicomotor; fadiga ou perda de
energia; sentimentos de inutilidade ou culpa; dimi
nuição da concentração; pensamentos recorrentes
de morte; e ideação suicida. É importante ressaltar
que esses sintomas precisam não só existir por, no mínimo, duas
semanas, mas também devem causar sofrimento significativo ao
indivíduo, prejudicando todo o seu funcionamento social.
A categoria do transtorno no CID-10 é F32. O registro médico depende de
alguns fatos importantes. Por exemplo: se a condição é única ou recorrente; se
seu grau é leve, moderado ou grave; e se há presença de características psicó
ticas. Em crianças e adolescentes, o humor pode se apresentar como irritável
ao invés de triste.
Ressalta-se que o risco de suicídio é maior nesse quadro do que nos demais
transtornos depressivos. Geralmente, o tratamento ambulatorial e psicotera
pia são suficientes, mas, em casos mais graves, a internação é necessária. Por
fim, vale a pena destacar que é comum que o indivíduo acometido pelo trans
torno se afaste do trabalho por mais de 15 dias.
Já o transtorno depressivo persistente, também conhecido como disti
mia, é a forma crônica de depressão. Normalmente, o diagnóstico ocorre quan
do os sintomas permanecem por, pelo menos, dois anos em adultos e um em
crianças. O CID-10 atribui o código F34.1 à condição. Sua principal característica
é, de fato, esse período mínimo no qual os sintomas permanecem. Entretanto,
é preciso observar dois ou mais dos seguintes sintomas: apetite diminuído;
insônia ou hipersonia; baixa energia; baixa autoestima; baixa concentração; e
sentimentos de desesperança.
Note que é possível a ocorrência de um episódio depressivo maior durante
esse período mínimo. Pelo fato dessa ser uma condição crônica e, consequen
temente, tornar-se parte do processo de vida da pessoa, ela sente como se
esse fosse seu jeito. Ademais, costuma naturalizar sua tristeza ou irritabilida
de. E, pior, as pessoas à sua volta também o fazem. Frequentemente a distimia
tem um início precoce.
O Quadro 3 apresenta resumidamente as características dos demais
transtornos.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
QUADRO 3. TRANSTORNOS DEPRESSIVOS MENOS PREVALENTES
�
Transtorno Características
Transtorno disruptivo
Sua principal característica é a irritabilidade crônica grave. Ela se
manifesta por meio de explosões de raiva, que ocorrem três ou
da desregulação do
mais vezes por semana, por pelo menos dois anos e em dois am-
humor
bientes distintos. Além disso, apresentam-se de forma inadequada.
Transtorno disfórico Disforia e ansiedade durante a fase pré-menstrual. Ocorre de
pré-menstrual forma grave e com prejuízos no funcionamento social.
Transtorno depressivo Inclui os sintomas depressivos, mas se associa a alguma substância.
induzido por substãncia Cabe ressaltar, porém, que os sintomas persistem além
ou medicamento do tempo de desintoxicação.
Transtorno depressivo
Relação com AVC, doença de Parkinson e hipotireoidismo,
devido a outra condição
entre outras.
médica
Outros transtornos
A pessoa apresenta sofrimento significativo, mas _n�o preenche
depressivos não espe
os critérios diagnósticos das outras cond1çoes.
cificados
••
Transtornos de ansiedade
Esses transtornos compartilham sentimentos, como medo e ansiedade
excessiva, e causam perturbações comportamentais que comprometem o
bem-estar da pessoa. É importante ressaltar que o medo é uma resposta emo
cional a outra, real ou percebida. A ansiedade, por sua vez, nada mais é que a
antecipação de uma ameaça futura. Por exemplo: uma pessoa demonstra sin
tomas de tremor e taquicardia ao ser assaltada enquanto outra apresenta-os
ao lembrar da defesa de sua tese de doutorado e imaginar que não conseguirá
lembrar de nada na hora de falar.
CITANDO
"O transtorno da ansiedade é uma das condições neuropsiquiátricas mais
prevalentes com cerca de 264 milhões de pessoas no mundo vivendo com
estes distúrbios. Ela é desencadeada quando um indivíduo confrontado com
dada situação ou evento não é capaz de responder às demandas e sente
uma ameaça à sua existência ou valores essenciais" (LIMA et ai., 2020, p. 2).
PSIQUIATRIA BÁSICA .
senta uma reação autonômica de luta ou fuga e o corpo dá um alerta de perigo
imediato. Já a ansiedade se associa frequentemente à tensão muscular ou vi
gilância constante. Ainda, é possível observar: pensamento sempre preparató
rio, com alternativas para o que pode futuramente dar errado e comportamen
tos de cautela, esquiva ou de aceleração para múltiplas atividades.
Não se deve considerar transtornos de ansiedade como um tipo de medo ou
de ansiedade adaptativa. Eles são excessivos e persistem por longos períodos.
Doravante, diferem-se das situações de estresse e de ajustamento a uma situa
ção nova ou desafiadora. Os sintomas mais comuns desses transtornos são: fal
ta de ar; tontura; sudorese; tremores; sintomas gastrointestinais; e taquicardia.
Nas últimas décadas, observou-se um aumento de casos de ansiedade en
tre as pessoas mais jovens e adultos em idade produtiva. De fato, essa é uma
das queixas mais presentes nos consultórios médicos e psicológicos. Os trans
tornos de ansiedade incluem: fobia social; fobia específica; transtorno de pâni
co; agorafobia; transtorno de ansiedade generalizada; transtorno de ansiedade
de separação; mutismo seletivo; transtorno de ansiedade induzido por subs
tância; transtorno de ansiedade devido a uma condição médica; e transtornos
de ansiedade não especificados.
No CID-1 O, os transtornos ansiosos, conforme apresentados no DSM-V, não
seguem a mesma ordem sequencial como os transtornos de humor e depressi
vos. Eles alternam entre a classe de transtornos ansiosos, fóbicos e de início da
infância. Assim, a classe dos transtornos ansiosos corresponde entre DSM-V e
CID-10, conforme o Quadro 4.
DSM-V CID-10
Agorafobia F40.00
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Transtorno de ansiedade de separação F93.0
••
Fobia social e fobias específicas
A fobia social, também chamada de transtorno de ansiedade social, diz
respeito ao medo ou à ansiedade acentuados em situações sociais. Nesses ca
sos, a pessoa acredita que será avaliada ou julgada pelos outros. Ela teme agir de
forma errada ou de fazer algo que mostre sua ansiedade, como ficar ruborizada,
gaguejar, tremer ou tropeçar. Consequentemente, teme que os outros rirão dela
e farão piadas às suas custas. Observa-se medo de rejeição e humilhação, bem
como uma crença de que alguma situação constrangedora ocorrerá com certe
za. Ressalta-se que o grau e o tipo de medo variam em situações diferentes.
Pelo fato de a ansiedade antecipatória ser comum, as pessoas geralmente
evitam situações sociais temidas, o que prejudica a vida laboral e escolar. Um
diagnóstico diferencial comum é a timidez normal, pois se trata de um traço de
personalidade ordinário, não patológico. O que a torna em transtorno é o con
junto de prejuízos sociais e emocionais os quais a pessoa pode cultivar em seu
desenvolvimento. Os critérios diagnósticos, quando não explicados por outras
situações orgânicas ou condições médicas, são:
Medo ou ansiedade acentuados de uma ou mais situação social, como
manter uma conversa ou visitar pessoas da família;
Medo de agir de forma inadequada que resulte em um julgamento humi
lhante ou constrangedor;
• As situações sociais quase sempre provocam medo ou ansiedade.
A pessoa evita situações sociais ou, pelo menos, suporta-as com sofrimento;
• O medo ou ansiedade são desproporcionais à ameaça real;
• O medo, ansiedade ou esquiva persiste por mais de seis meses;
• O medo, ansiedade ou esquiva causam sofrimento e prejuízo no funciona
mento social.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
O tratamento depende do grau de comprometimento do paciente. É ne
cessário alinhar medicamento à psicoterapia a fim de aliviar o sofrimento e
permitir que a pessoa desenvolva a iniciativa proposta em terapia e reaja às
situações de seu cotidiano. Além disso, busca-se minimizar o sofrimento, pois
esta é uma condição muito angustiante para o paciente. É possível que alguns
indivíduos não precisem de psicotrópicos e consigam superar suas dificuldades
apenas com psicoterapia. Entretanto, esses são casos nos quais ainda há boa
autocrítica e apoio familiar.
No caso das fobias específicas, há medo ou ansiedade exagerados sobre
uma situação ou objeto particular; um estímulo fóbico. Alguns exemplos são os
medos de: dirigir; altura; agulha; ambientes fechados; animais; e chuva. Exis
tem inúmeros estímulos fóbicos e, para se diagnosticar a fobia, de fato, é preci
so que os sentimentos frente a eles sejam intensos ou graves.
Pessoas que se veem diante do seu objeto fóbico perdem o controle de
si. Os prejuízos sociais, profissionais e de saúde são menores que os da fobia
social e outros tipos de ansiedade. Ainda, a esquiva pode prejudicar
o indivíduo, pois ele evita ou adia situações importantes para sua
saúde ou bem-estar. Essas pessoas comumente con-
tornam seus medos. A psicoterapia pode beneficiá-
-las mais do que a medicalização, mas isso depen-
derá muito da avaliação do profissional, bem como
do sofrimento e do tipo de fobia e esquiva.
••
Transtorno de pânico e agorafobia
O transtorno de pânico é uma das crises de ansiedade com maior sofri
mento psíquico devido tanto ao pavor que acomete a pessoa quanto ao fato de
que, na crise, apresentam-se de 4 a 13 sintomas físicos e cognitivos. Esse mal se
caracteriza por ataques de pânico inesperados e intensos, acompanhados de
sintomas físicos e de forte sensação de desconforto e mal-estar. As crises po
dem ocorrer em qualquer lugar ou momento e costumam durar entre 1 5 e 30
minutos. De fato, o ataque parece surgir "do nada" mesmo quando a pessoa se
encontra relaxada. Isso modifica suas rotinas e faz com que ela evite situações
importantes do seu cotidiano, pois teme novas ocorrências. Como resultado,
PSIQUIATRIA BÁSICA .
deixa de dirigir e sair sozinha, procura os serviços de emergência repetidamen
te e gasta quantias significativas com exames médicos e medicamentos; enfim,
traz muitos sofrimentos para si própria e sua família.
Geralmente, as preocupações são de ordem física, como o receio de que
os ataques reflitam a presença de doenças graves e morte eminente. Há tam
bém o medo de passar vergonha, de enfrentar julgamento por conta da crise
ou de ser "taxado como louco". Para considerar ataques recorrentes e ines
perados, com picos de minutos, como critérios diagnósticos para esse tipo de
transtorno, é necessário observar quatro dos seguintes sintomas: taquicardia
e palpitações; sudorese; tremores; falta de ar; sensação de asfixia; dor torácica;
náusea ou desconforto abdominal; sensação de tontura ou vertigem; desmaio;
calafrio; parestesias; desrealização ou despersonalização; medo de perder o
controle ou enlouquecer; medo de morrer; cefaleia; gritos e choro incontrolá
vel. Além disso, para se diagnosticar o transtorno, deve-se verificar que a pes
soa também apresenta comportamentos de esquiva e apreensão preocupação
persistente da ocorrência de novos ataques.
O tratamento geralmente combina medicamentos antidepressivos e ansio
líticos com a psicoterapia, fundamental neste processo. A atividade física tam
bém é uma opção importante.
A agorafobia é a ansiedade ou o medo intenso e acentuado de exposição
real ou prevista para duas ou mais das seguintes situações: uso de transporte
público; permanecer em espaço aberto, como estacionamentos e mercados;
permanecer em locais fechados, como teatros, lojas ou cine
mas; permanecer numa fila ou em meio à multidão; e sair de
casa sozinho. Há também situações temidas, como medo de
ataques de pânico em ocasiões de exposição sem a presença
de alguém que possa oferecer auxílio.
Tanto o medo quanto a ansiedade são despro
porcionais ao perigo real, seja ele apresentado ou
imaginado. A esquiva é persistente e geralmente
dura mais de seis meses; só assim pode-se fechar o
diagnóstico. O tratamento mais eficaz para este caso
é a psicoterapia, mas, dependendo da situação e da gra
vidade, a medicalização pode servir como complemento.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtorno de ansiedade generalizada (TAG)
Esse é um dos transtornos mais comuns dentro desse grupo e das patolo
gias psiquiátricas. Sua característica principal é a preocupação excessiva, com
diferentes aspectos. A pessoa costuma apresentar a característica de "não des
ligar" em nenhum momento. Inclusive, essa é a queixa mais frequente. Além
disso, sua antecipação é desnecessária e sua preocupação, desproporcional à
condição real. Por fim, em função de não conseguir se manter despreocupada
com algum assunto, a pessoa apresenta muitos sintomas físicos e psicológicos.
Os critérios diagnósticos para o TAG envolvem ansiedade e preocupação
excessivas na maioria dos dias por pelo menos seis meses, bem como dificul
dade de controlar a preocupação. Além disso, o paciente precisa apresentar, no
mínimo, três dos seguintes sintomas: inquietação ou sensação de estar com os
nervos à flor da pele; fadiga; dificuldade de se concentrar; irritabilidade; tensão
muscular; e perturbação do sono. De acordo com a APA (2014), a ansiedade
causa sofrimento significativo para a pessoa e prejudica suas relações sociais e
funcionais, bem como outras áreas importantes de sua vida.
Em função do desgaste emocional, é bem comum que pessoas com TAG
apresentem comorbidades psiquiátricas, como sintomas depressivos. Geral
mente, o tratamento combina psicoterapia e medicamentos, principalmente
em casos mais avançados e crônicos.
••
Ansiedade de separação e mutismo seletivo
A ansiedade de separação se refere a um medo de "estar longe" ou de se
separar, seja de casa ou da figura de apego da pessoa. O DSM-V não se refere
apenas a esse grupo de pessoas, mas a indivíduos. Afinal, este não é um trans
torno exclusivo de um grupo etário, como afirma a APA (2014). De qualquer
forma, é mais comum em crianças que já deveriam apresentar maior indepen
dência em relação aos pais. Considera-se a condição como um transtorno jus
tamente pelo fato de a criança não se comportar de acordo com o estágio de
seu desenvolvimento.
Não se trata de saudade ou estranhamento de um espaço novo. A ansie
dade envolve sintomas mais graves, que afetam o relacionamento social do
PSIQUIATRIA BÁSICA .
indivíduo, bem como seu processo de aprendizagem, desenvolvimento e,
até mesmo, saúde.
Os critérios diagnósticos são:
• Sentimentos de medo ou ansiedade, sejam eles impróprios ou excessivos,
da separação de pessoas com quem se convive e tem apego. Observa-se
sofrimento forte e recorrente;
Preocupação persistente acerca de possíveis perigos aos quais essas pes
soas se sujeitam quando estão fora de casa;
• Relutância ou recusa de sair ou se afastar de casa;
Temor ou medo excessivo de ficar sem a figura de apego em casa ou ou
tros ambientes;
• Relutância ou recusa de dormir fora de casa ou longe das pessoas de apego;
• Repetidas queixas de sintomas somáticos quando distante dessas pessoas.
O tratamento mais adequado para esses casos é a psicoterapia. Afinal, ela
trabalha tanto a pessoa que sofre da ansiedade quanto as figuras de apego;
normalmente, os pais. Isso se dá pois elas também se anulam e sofrem com
essa condição, mesmo que não sejam as acometidas. É comum que elas se
cansem e não saibam como agir frente as circunstâncias.
Em casos mais sérios, medica-se o paciente, principalmente quando um psi
quiatra o encaminha. É possível, inclusive, que, ao procurar o médico, o indiví
duo já apresente comorbidades.
Na maioria das vezes, o diagnóstico do mutismo seletivo também ocorre
em crianças, mas o DSM-V não discrimina a idade em seus critérios, conforme
a APA (2014). As pessoas que sofrem deste transtorno não conseguem falar
com outras, nem sequer respondê-las, quando estão fora de casa. Na verda
de, mesmo que o indivíduo esteja dentro de casa, mas diante de pessoas des
conhecidas ou, até mesmo, conhecidas, mas de pouco convívio,
como avós e primos, ele não consegue se comunicar. Resumida
mente, essas pessoas costumam se recusar a falar e
apresentam grande ansiedade social. Consequen
temente, seus processos de aprendizado e de-
senvolvimento podem se prejudicar, forçando-
-as a se comunicarem com gestos ou grunhidos.
Tomemos como exemplo um caso real:
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Uma menina de sete anos que não se comunica na escola, mas conversa
normalmente em casa, aparece em um ambulatório do Sistema Único de Saú
de (SUS). Sua avó diz que ela fala "até demais". Entretanto, apesar de demons
trar uma aprendizagem normal na escola, inclusive se alfabetizando, não con
versa fora de casa. Brinca com suas amigas sem trocar palavras e afirma para a
avó que são poucas as crianças com quem não se dá bem. Sua história de vida
é complexa, marcada por vulnerabilidade social e conflitos familiares intensos.
Inicialmente, a profissional de saúde que a recebeu tenta trabalhar com
terapia comportamental cognitiva. Mas a criança é difícil; por conta de sua an
siedade, de grau elevado, arranca o plástico debaixo da cadeira. A profissional
não quer lhe trazer mais sofrimentos e repensa a intervenção terapêutica. In
sere a menina num grupo terapêutico de crianças e, junto com uma assistente
social, modifica algumas das atividades a fim de incluí-la. A princípio, ela só
observa, mas, aos poucos, constrói vínculos, pois se sente bem acolhida. De
pois de algumas sessões, a menina ainda entra muda, mas sai falando e suas
colegas comemoram ao vê-la verbalizar.
A profissional de saúde, então, retoma as sessões individuais com o obje
tivo de ampliar esses "ganhos" e aplicá-los em outros espaços. Aos poucos, o
problema fica para trás e a criança passa a conversar normalmente com os
outros. Jamais se aplicou algum medicamento.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtornos psicóticos e mentais orgânicos
O DSM-V apresenta esses transtornos como espectro da esquizofrenia e
outras condições psicóticas. Isso inclui tanto a esquizofrenia em si quanto o
transtorno da personalidade esquizotípica. Conforme a APA (2014), tais doen
ças apresentam um ou mais dos seguintes sintomas: delírios; alucinações; pen
samento desorganizado; comportamento motor desorganizado, o que inclui a
catatonia; e sintomas negativos.
O Quadro 5 apresenta brevemente as características de cada domínio
esquizofrênico.
••
Esquizofrenia
Essa condição envolve uma gama de disfunções cognitivas, comportamen
tais e emocionais, bem como um conjunto de sinais e sintomas associados a
um prejuízo do funcionamento social, como família, trabalho ou autocuidado.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
O paciente esquizofrênico apresenta muitas variações de ser e as característi
cas variam entre os indivíduos. Mesmo assim, os critérios diagnósticos exigem
a presença de pelo menos dois desses sintomas. Quando a perturbação inicia
na infância ou na adolescência, acompanha um prejuízo cognitivo significativo.
Os pacientes podem apresentar: afeto inadequado, como o ato de rir na
ausência de um estímulo apropriado; humor disfórico, como depressão, ansie
dade ou raiva; padrão do sono perturbado; falta de interesse em alimentar-se;
e déficit cognitivo. Além disso, eles possuem uma expectativa de vida reduzida,
pois lidam com diversas comorbidades, como síndromes metabólicas e doen
ças cardiovasculares e pulmonares. Como se não bastasse, observa-se uma
tendência de cuidar menos da saúde.
Existem seis variações diferentes da esquizofrenia:
1 . Simples: desenvolve-se lenta e progressivamente. Diagnosticá-la é di
fícil, pois seus sintomas são pouco evidentes. No entanto, a mudança
mais marcante é a que ocorre nas relações afetivas e na forma de se
expressar;
2. Hebefrênica: apresenta pensamentos e falas sem sentido. Além disso,
há dificuldade em assimilar a realidade. O paciente apresenta compor
tamento tipicamente infantilizado;
3. Paranoide: a forma mais comum, com presença clara de delírios e alu
cinações auditivas;
4. Catatônica: o paciente se agita extremamente ou fica muito quieto por
horas numa mesma posição e expressa intensa apatia;
5. Residual: sinais isolados de alterações comportamentais e emocionais
persistem após o tratamento de uma crise psicótica;
6. In diferenciada: no lugar de características específicas, a pessoa apre
senta variados sintomas. Não é possível enquadrá-la em uma das outras
categorias.
Não há consenso sobre o que causa a esquizofrenia. Entretan-
to, alguns fatores de risco amplamente reconhecidos são: histó-
rico familiar; abuso de substâncias psicoativas; quadros de
ansiedade; e outros transtornos de humor. O uso de an
tipsicóticos é o pilar terapêutico no tratamento. Afinal, é a
melhor ferramenta para se evitar crises e sintomas típicos. A
PSIQUIATRIA BÁSICA .
psicoterapia pode ajudar bastante, otimizando a melhora das relações entre o
paciente e seus familiares. Já a hospitalização só é necessária em casos graves
ou momentos de crise. Vale a pena ressaltar que a esquizofrenia é uma doença
crônica sem cura. Entretanto, é possível estabilizar o quadro desde que a pes
soa tenha acesso adequado a tratamento.
••
Transtornos neurocognitivos (TNC)
Essa condição se relaciona aos transtornos mentais orgânicos, dos quais
se destacam: doenças relacionadas à demência, como Parkinson, Alzheimer e
Corpos de Levy; delirium; e lesões cerebrais, sejam as causadas por acidente
vascular cerebral (AVC), trauma ou infecção por HIV, entre outros.
Em termos simples, os TNC afetam, temporária ou permanentemente, as
funções cognitivas, como memória, atenção, evocação, linguagem e orien
tação de tempo e espaço. O DSM-V já não os designa como demência, mas
classifica-os de acordo com o impacto na vida do indivíduo e o prejuízo cog
nitivo e funcional:
• Transtorno neu rocognitivo maior: prejudica a independência e auto
nomia do paciente;
• Transtorno n eurocognitivo leve: paciente mantém sua independência,
mas precisa de adaptações.
Depois de avaliar o paciente com um desses dois tipos de transtorno, o
médico determinará qual doença acomete o declínio cognitivo: Alzheimer; Par
kinson; Corpos de Levy; Huntington; Prion; degeneração lombar
frontotemporal; doença vascular; lesão cerebral traumática;
infecção por HIV; ou uso de substância ou medicamento.
Dessa forma o diagnóstico passa a se relacionar com
a doença. Por exemplo: transtorno neurocognitivo
maior por doença de Parkinson. O objetivo do trata-
mento geralmente é impedir a evolução da doença
e reduzir sintomas. Associa-se o uso de medica
mentos à psicoterapia, terapia ocupacional, fisiote
rapia e demais tratamentos que podem melhorar o
bem-estar do paciente.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtornos relacionados ao uso de substância psicoativa
Esses transtornos abrangem dez tipos de drogas que, se consumidas em
excesso, ativam diretamente o sistema de recompensa do cérebro, que reforça
comportamentos e reproduz memórias. Uma vez ativado, a pessoa passa a ne
gligenciar atividades normais que lhe trariam prazer, como ir ao cinema, namo
rar, cozinhar algo que gosta e passar tempo com a família. A droga, então, tor
na-se um caminho mais rápido e "fácil" para ativar essas vias de recompensa.
Cada droga percorre um caminho diferente para ativar o sistema de recom
pensa, mas o resultado sempre são as sensações de prazer. O DSM-V descreve
dez classes de drogas: álcool; cafeína; cannabis; alucinógenos; inalantes; opiói
des; sedativos; hipnóticos e ansiolíticos; estimulantes, como cocaína, crack e
anfetamina; e tabaco e semelhantes.
O que caracteriza o transtorno por uso de substâncias é a presença de
um grupo de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos que crie
problemas significativos para a pessoa. Um aspecto importante dessa con
dição é a alteração básica nos circuitos cerebrais que pode persistir mesmo
após a desintoxicação, especialmente em casos graves. A APA (2014) aponta
que, de forma geral, há um padrão patológico de comportamento que define
o transtorno. O Quadro 6 organiza os detalhes, porém, antes, é importante
ressaltar que este é o usado pelo DSM-V para todas as drogas, portanto, vale
mais a pena discutir a o padrão patológico da dependência química do que os
detalhes de cada substância.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
8) uso recorrente mesmo em situações que envolvem risco à
Uso arriscado da
integridade física; 9) uso permanece mesmo com a ciência dos
substância
prejuízos à saúde física, ps1cológ1ca e social.
EXPLICANDO
A tolerância surge quando se necessita de uma dose cada vez maior da
substância para que se alcance o efeito desejado. O corpo já se acostuma
com a dosagem anterior, que já não faz mais efeito. Já a abstinência tra
ta-se da síndrome que resulta da diminuição da substância no organismo.
A falta da substância gera sintomas no indivíduo, que antevê o uso intenso
e prolongado. Tais sintomas variam para cada droga, mas, geralmente,
incluem fortes episódios de ansiedade.
••
Fases da mudança de comportamento
Existe uma situação clássica ao se trabalhar com pessoas em tratamento
para dependência química. Trata-se dos estágios de mudança ou motivacio
nais. Descrita por James Proschaska e outros estudiosos em 1 977, essa estraté
gia busca desenvolver um modelo dinâmico de mudança comportamental por
meio de fases do pensamento e do próprio comportamento. Para conseguir
mudar, a pessoa precisa passar por cinco etapas, como indica a Figura 1 .
PSIQUIATRIA BÁSICA .
1. Pré-contemplação
•
2. Contemplação
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Sintetizando •
Passamos brevemente por algumas síndromes psiquiátricas. Afinal, não há
como discutir todas as formas de tratamento, critérios diagnósticos e especifici
dades em uma única unidade. Realçamos, porém, os aspectos mais relevantes.
Os transtornos de humor receberam atenção especial, pois, historicamente,
a filosofia, a medicina e a psicologia giram em torno de decifrar os males da alma
e da bile negra. Além disso, compreendemos o sofrimento pelo qual passam os
indivíduos acometidos por essas doenças.
É possível pesquisar e compreender os demais transtornos no DSM-V, a refe
rência mais atualizada para as doenças mentais que existem na psicopatologia.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Referências bibliográficas
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journals.com/index.php/BJHR/article/view/25537>. Acesso em: 27 ago. 2021.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
UNIDADE
ser
educacional
Objetivos da unidade
Tópicos de estudo
Os transtornos de Os transtornos alimentares e
personalidade os transtornos relacionados ao
Transtornos de personalidade do controle de impulsos
grupo A Anorexia e bulimia nervosa
Transtornos de personalidade do Pica e transtorno de ruminação
grupo B Transtorno restritivo/evitativo e
Transtornos de personalidade do compulsão alimentar
grupo C
Deficiência intelectual
Os transtornos dissociativos
Transtorno dissociativo de
identidade
Amnésia dissociativa
Transtorno de despersonalização/
desrealização
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Os transtornos de personalidade
Os transtornos de personalidade (TP) referem-se a um tipo de padrão de
comportamento persistente e desadaptado da cultura do indivíduo, além de
difuso e inflexível, que geralmente se inicia na adolescência ou início da fase
adulta. Ele torna-se estável ao longo do tempo, levando a pessoa ao sofrimento
e a prejuízos de diversas ordens.
Esse padrão de comportamento é considerado um transtorno psiquiátrico
justamente porque há sofrimento e dificuldade em enfrentar as adversidades
em relacionamentos e na vida social e laboral, além de outras áreas. O curso dos
T P é crônico, embora possua tratamento, e alguns deles tendem a ficar menos
evidentes ou desaparecer com o envelhecimento, ao passo que outros não.
Os T P sofrem variações em suas manifestações e o DSM-V os reúne em três
grupos distintos (APA, 2014):
• Grupo A: Transtornos de personalidade paranoide, esquizoide e esquizotí
pica. Geralmente são pessoas descritas como "esquisitas" ou "excêntricas";
• Grupo B: Transtornos de personalidade antissocial, borderline, histriôni
ca e narcisista. Identificadas como pessoas mais "dramáticas".
• Grupo C: Transtornos de personalidade evitativa, dependente e obsessi
vo-compulsiva. Pessoas retratadas como "ansiosas" e "medrosas".
É possível também que algumas pessoas apresentem concomitantemente
transtornos de personalidade de grupos diferentes. Ressalta-se que determi
nadas características podem ser vistas como expressões de "traços de persona
lidade". Os traços de personalidade são padrões de pensamento, comporta
mento e relacionamento que a pessoa mantém ao longo de sua vida em variados
contextos sociais e pessoais, sendo que esses traços se configuram como trans
torno de personalidade quando são mal adaptativos e causam sofrimento.
EXPLICANDO
O tratamento mais indicado para os transtornos de personalidade é a
psicoterapia, seja em grupo ou individual, desde que a pessoa apresente
vontade de mudar. Há pouca responsividade a medicamentos, visto que
se tratam de padrões de comportamento integrados ao modo de vida da
pessoa. Portanto, busca-se mais intensamente a compreensão dos prejuí
zos e as motivações para as mudanças necessárias.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Para diagnosticar um transtorno de personalidade, esses padrões de fun
cionamento precisam ser avaliados a longo prazo e suas características suspei
tas devem estar bem evidentes no início da vida adulta. Além disto, estas carac
terísticas não devem estar associadas a algum evento de estresse ou condição
mental transitória. Isso posto, os T P são descritos no Quadro 1:
Transtorno de personalidade
antissocial
Padrão de desrespeito e violação dos direitos dos outros.
Transtorno de personalidade
histriônica
Padrão de emocionalidade e busca de atenção.
Mudança de personalidade
Perturbação persistente da personalidade decorrente de
efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica - por
devido a outra condição médica
exemplo: lesão no lobo frontal.
Presença de padrões gerais que configuram um transtorno
Outro transtorno de
de personalidade, mas sem preencher os critérios de um
personalidade não especificado
transtorno específico.
Fonte: APA, 2014. p. 645. (Adaptado).
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Para determinados diagnósticos, torna-se difícil compreender se de fato trata
-se de um transtorno de personalidade ou outra condição psiquiátrica, como um
transtorno de ansiedade ou humor. Uma situação observada, neste caso, é que
quem sofre de T P geralmente não apresenta sofrimento pela forma como pensa
ou se comporta. Embora a forma de ser não seja vista como errada, há sofrimento
pelas consequências que seus comportamentos mal adaptativos causam.
Por exemplo: uma pessoa com ansiedade social irá penar por ser uma pes
soa retraída e por não conseguir ter tantos amigos e ser popular, além do so
frimento com as consequências da ansiedade (evitação, mal estar, sintomas
desconfortáveis). Já a pessoa com TP evitativa não sentirá qualquer necessida
de de se enturmar, embora deseje não se prejudicar em processos seletivos ou
sofrer cobranças da família, por exemplo. Em relação aos fatores de risco, para
a maioria dos T P a hereditariedade gira em torno de 50%.
Segundo o DSM-V, os critérios diagnósticos para um transtorno de persona
lidade são avaliados em seis aspectos, conforme evidencia o Quadro 2.
lili
Padrão persistente inflexível e que abrange uma faixa ampla de situações pessoais e sociais.
Padrão persistente que provoca sofrimento clinicamente significativo e prejuízo do
funcionamento social, profissional ou de outras áreas importantes na vida do indivíduo.
aa
Padrão estável e de longa duração com o surgimento ocorrendo pelo menos a partir da
adolescência ou no início da fase adulta.
Padrão persistente que não é mais explicado como uma manifestação ou consequência de
outro transtorno mental.
Padrão persistente não atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (por exemplo: droga de
abuso, medicamento) ou a outra condição médica (por exemplo: traumatismo cranioencefáilco}.
Fonte: APA. 2014, p. 646-647. (Adaptado).
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtornos de personalidade do grupo A
Os transtornos de personalidade do grupo A são aqueles em que a caracte
rística dos indivíduos é do estilo excêntrico. Encontram-se neste grupo o trans
torno de personalidade paranoide, o transtorno de personalidade esquizoide e
o transtorno de personalidade esquizotípica.
O TP paranoide está relacionado à desconfiança e à suspeita. Para as pessoas
que sofrem deste transtorno, os outros sempre tentarão explorá-la, tirar proveito
ou estarão tramando algo contra ela - ninguém é confiável e o mundo é traidor,
mesmo sem evidências que embasem essa suspeita. Há dúvida em relação à con
fiança de amigos ou sócios e surpresa com comportamentos de lealdade.
Sendo assim, há uma relutância em construir uma relação íntima com al
guém, visto que esses indivíduos sempre acham que em algum momento tudo o
que foi dito será usado contra eles, além de ver maldade em qualquer pergunta
ou comentário, inclusive nos positivos. São pessoas que guardam rancores, não
aceitam elogios e criam hostilidades por pequenas atitudes que não justificam
este sentimento, além de serem ciumentos e reagirem de forma raivosa e gros
seira. Frequentemente são rígidos, controladores e buscam ser autossuficientes.
O TP esquizoide refere-se a pessoas com um padrão de distanciamento
social e desinteresse em outras pessoas, bem como pouca expressão emocio
nal em contextos interpessoais. Não são pessoas tímidas, mas sim fechadas
e isoladas, sem desejo por intimidade ou interesse em desenvolver relações
próximas, inclusive com familiares. Preferem ficar sozinhos, optam por passa
tempos solitários e podem apresentar baixo interesse em relações sexuais, até
porque experiências sensoriais e corporais não lhe trazem prazer.
São indiferentes a críticas ou aprovação de terceiros e não se incomodam com
o que os outros possam pensar sobre eles. Gentilezas sociais são irrelevantes e
estes indivíduos não conseguem reagir de forma adequada, tornando-se super
ficiais. Além disso, não apresentam reatividade emocional visível, raramente irão
reagir a sorrisos, apresentam afeto constrito e mostram-se frios e distantes. Res
salta-se que não é apenas gentileza e carinho que não conseguem demonstrar:
também não há manifestação de raiva, mesmo que haja provocações.
O TP esquizotípica está associado a pessoas com ideias e comportamentos
excêntricos. As pessoas com este diagnóstico também apresentam prejuízo so-
PSIOUIATRIA BÁSICA .
cial e interpessoal, manifestando dificuldade em manter relacionamentos íntimos,
distorções cognitivas e comportamento excêntrico. Estas distorções cognitivas ou
perceptivas são ideias de referência (diferentemente do delírio) em que há a cren
ça incorreta de que alguns eventos possuem sentido particular incomum, poden
do ser uma superstição que foge da cultura do indivíduo, a presença de um poder
paranormal ou a capacidade de ler pensamentos alheios, por exemplo.
Pode haver alterações perceptivas, como a sensação de estar ouvindo vozes
chamando seu nome, e é possível que seu discurso inclua palavras que não exis
tem, mas que têm algum sentido para o indivíduo. São pessoas desconfiadas e
incapazes de lidar com afetos, o que pode torná-las inadequadas em sua forma de
interagir. Sendo assim, preferem não ter contatos íntimos ou manter proximidade.
••
Transtornos de personalidade do grupo B
Os transtornos de personalidade do grupo B estão relacionados às pes
soas que têm uma característica mais dramática e emocional. Este grupo con
templa o transtorno de personalidade antissocial, o transtorno de personali
dade borderline, o transtorno de personalidade histriônica e o transtorno de
personalidade narcisista.
O TP antissocial já foi anteriormente chamado de psicopatia, uma vez que
contempla pessoas que apresentam total irresponsabilidade social, falsidade e
manipulação para ganho pessoal, além de um padrão de indiferença e violação
do direito dos outros. Esta forma de agir surge na infância ou na adolescência
e se mantém na vida adulta; no entanto, o diagnóstico só pode ser confirmado
para pessoas acima dos 1 8 anos, desde que tenham apresentado algum trans
torno de conduta antes dos 1 5.
Posteriormente o transtorno de conduta será abordado, mas ressalta-se
que características deste transtorno incluem agressão a pessoas e animais,
destruição de propriedade, fraude ou roubo e grave violação às regras. Indiví
duos com TP antissocial apresentam dificuldade em se ajustar às normas so
ciais, cometendo muitas vezes atos que ferem a legalidade, visto que não é raro
que possuam passagem pela polícia ou processos judiciais. É comum que usem
de manipulação e enganação para ganhos pessoais, como sexo ou dinheiro,
sem sentir culpa ou remorso pelo sofrimento ou prejuízo alheios. Também são
PSIQUIATRIA BÁSICA .
comuns atitudes impulsivas sem qualquer análise de perdas, como mudanças
repentinas de emprego ou moradia.
Esses indivíduos não se importam com sua segurança ou de pessoas pró
ximas, agindo com desdém em relação a fatores de proteção e envolvendo-se
em direção perigosa e comportamento sexual de risco, entre outros. Fica evi
dente que eles apresentam dificuldades no relacionamento familiar e na ade
são ao tratamento psicoterapêutico, visto que sempre haverá desqualificação
do conhecimento da outra pessoa. Se buscam o tratamento, muitas vezes é por
estarem sofrendo consequências de suas atitudes, criando a necessidade de se
redimir para obter novos ganhos. O curso é crônico, mas pode haver remissão
ou menor evidência com o envelhecimento.
O TB borderline é característico em pessoas que, patologicamente, apre
sentam intolerância a solidão e a não priorização pelos outros e forte desregu
lação emocional. Há instabilidade em suas relações afetivas, em sua autoima
gem e em seu afeto, além da presença de forte impulsividade. Esses indivíduos
buscam frequentemente evitar o abandono, seja ele real ou imaginário. Neste
caso, imaginário diz respeito à possibilidade de que a pessoa com este trans
torno fantasie que outrem corresponda a um relacionamento que ela criou
expectativas, mas que não condiz com a realidade.
Esses indivíduos têm um medo intenso de abandono e reagem com raiva e
impulsividade a situações pequenas. Não suportam a ideia de parecerem más
pessoas e têm pouca tolerância à frustração. Atitudes impulsivas, como automu
tilação ou comportamento suicida, podem ocorrer, na tentativa de evitar o aban
dono. Sendo assim, os relacionamentos são instáveis e intensos. Há idealização
e supervalorização, o que pode mudar repentinamente caso não sejam corres
pondidos em suas expectativas. Pode ocorrer instabilidade na autopercepção,
envolvendo valores pessoais, sexualidade e carreira profissional, entre outros.
O TP histriônica é a característica das pessoas que estão em
constante busca de atenção, além de possuírem emocionalida
de excessiva. Sentem-se desvalorizadas se não são o
centro das atenções e costumam ser atrativas, se-
dutoras e carismáticas. Caso não consigam man-
ter o foco da atenção, tomam atitudes dramáticas
e criam cenas, voltando a atenção para si - des-
PSIQUIATRIA BÁSICA .
maiam ou contam histórias tristes e exageradas, por exemplo. A conduta se
xualmente provocativa não é voltada somente para quem elas têm interesse
romântico, mas para todas as pessoas de seu convívio; afinal, o foco é cha
mar atenção. Gostam de impressionar as pessoas através de sua aparência e
possuem discurso impressionista e muita teatralidade. São indivíduos muito
sugestionáveis e que consideram as relações pessoais muito mais íntimas do
que são na realidade.
O TP narcisista refere-se a pessoas que possuem autoestima grandiosa -
embora frágil -, necessitam de admiração e apresentam falta de empatia. Con
sideram-se superiores às outras pessoas, superestimam suas capacidades e
com frequência são vistas como arrogantes e pretensiosas. Estão sempre preo
cupadas com fantasias de sucesso, poder e beleza e comparam-se a pessoas
famosas e de sucesso em sua área.
Esses indivíduos acreditam ser superiores, desdenham as outras pessoas e
quando não recebem o reconhecimento que imaginam ser devido, acreditam
que é por ignorância de quem avalia. Invejam os outros e acreditam que os
outros as invejam; por este motivo são muito sensíveis a derrotas, sentindo-se
humilhados quando não há reconhecimento.
••
Transtornos de personalidade do grupo C
Os transtornos de personalidade do grupo C relacionam-se a pessoas que
aparentam serem ansiosas ou apreensivas. Contemplam este grupo o trans
torno de personalidade evitativa, o transtorno de personalidade dependente e
o transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva.
O TP evitativo é muito similar ao transtorno de ansiedade social. Aqui, a
pessoa procura ao máximo evitar o contato interpessoal por medo de uma
avaliação negativa de outros. A diferença entre ambos é que na ansiedade so
cial o indivíduo normalmente deseja ter uma vida mais socialmente ativa e seu
sofrimento gira em torno dos sintomas ansiosos relacionados a atividades so
ciais. Já no T P evitativa, não há sofrimento pela ausência de interação social: a
pessoa aprecia o isolamento e a solidão e, neste caso, o sofrimento se dá em
função do desconforto das situações a que ela acaba sendo exposta, como ter
que conviver socialmente por causa da família ou do trabalho.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Esses indivíduos apresentam inibição social e sentimentos de inadequação, evi
tando sempre qualquer tipo de atividade que envolva contato interpessoal a fim de
que não sejam confrontados com críticas ou desaprovação. Rejeitam promoções
no âmbito profissional que possam lhe colocar em situações de exposição, evitam
novas amizades e convivem apenas com outras pessoas quando têm certeza que
não sofrerão críticas ou piadas. A intimidade é uma condição difícil para eles, em
bora consigam estabelecer relacionamentos íntimos. Ao menor sinal de desapro
vação, interpretam isto como rejeição e sentem-se extremamente afetados.
O TP dependente está relacionado com o padrão de comportamento de
submissão e necessidade de ser cuidado, o qual surge no início da vida adulta e
faz com que a pessoa tenha certeza de que não conseguirá funcionar adequa
damente sem a ajuda de outros. Não conseguem tomar decisões simples da
vida cotidiana sem receber orientações, tendem a ser passivos e permitem que
alguém próximo e confiável assuma suas responsabilidades e decida por eles.
Como esses indivíduos têm medo de perder apoio ou aprovação, frequente
mente possuem dificuldade de se expressar ou discordar de outros, chegando
ao ponto de concordar com atitudes consideradas erradas para não arriscar per
der ajuda e aprovação. Não conseguem ser proativos, como iniciar um projeto
de forma independente, e podem se submeter a tarefas desagradáveis para con
seguir a atenção de que necessitam, tolerando atos de violência verbal e moral.
O TP obsessivo-compulsivo diz respeito a pessoas que possuem um pa
drão de rigidez, perfeccionismo e obstinação. Apresentam uma preocupação
muito grande com controle, têm pouca flexibilidade e são minuciosas em rela
ção a regras, cronogramas e métricas de maneira tão acentuada que o objetivo
principal da atividade pode se perder. São propensos à repetição e atentos aos
detalhes, além de não conseguirem administrar bem seu tempo devido ao fato
de focarem muito no perfeccionismo, o que lhes causa grande sofrimento.
São indivíduos que apresentam muita dedicação ao trabalho e à produtivida
de, deixando de lado o lazer e atividades sociais. Acreditam que, ao tirar tempo
para férias ou distrações, estão perdendo tempo. Possuem a au-
tocrítica apurada - mais do que a crítica a outros - e tendem a
ser mesquinhos e acumuladores. Apresentam dificuldade de
delegar tarefas a não ser que a pessoa que irá realizá-las se
submeta exatamente à sua forma de fazer as coisas.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Os transtornos dissociativos
Imagine a seguinte situação: uma mulher de 20 anos dá entrada no pronto
-socorro com a queixa de que passou a não sentir suas pernas. Dois dias antes
deste fato, ela havia enterrado sua irmã mais próxima, a qual morreu gestante
de 8 meses após uma queda que ocasionou a perfuração de seu útero. A mu
lher em luto nunca teve qualquer diagnóstico psiquiátrico anterior.
Esta cena real e triste é um exemplo do que pode ser um transtorno disso
ciativo, que configura-se como uma perturbação ou alteração da consciência,
memória, identidade, emoção, percepção, representação corporal, controle
motor e/ou comportamento (APA, 2014). Ou seja: a pessoa perde o controle
de determinadas habilidades motoras, psíquicas ou neurológicas (memória) e
pode haver confusão com relação à própria personalidade.
É comum que estas manifestações surjam como consequência de traumas
emocionais. No DSM-V estes transtornos são descritos de maneira próxima
(embora independente) aos transtornos relacionados a traumas e estressores,
uma vez que estes também apresentam sintomas parecidos. Dessa maneira,
os sintomas dos transtornos dissociativos geralmente ocorrem repentinamen
te e de maneira eventual ou frequente. Os principais incluem:
• Perda ou alteração de movimentos de alguma parte do corpo;
• Lentificação dos movimentos;
Amnésia temporária;
• Formigamento ou perda da sensibilidade de alguma parte do corpo
(mãos, pés, pernas, língua, etc);
• Confusão mental;
Perda da consciência de tempo e lugar.
Os transtornos dissociativos são subdivididos em transtorno
dissociativo de identidade, amnésia dissociativa, transtorno de
despersonalização/desrealização, outro transtorno dissociati-
•
vo e transtorno dissociativo não especificado. O tratamento
principal é a psicoterapia, embora os medicamentos possam
ser essenciais no alívio de sintomas psicóticos, os quais cau
sam muita perturbação e angústia. No entanto, recomenda-se
trabalhar as fontes dos estresses e traumas através da psicoterapia.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtorno dissociativo de identidade
O transtorno dissociativo de identidade é também popularmente chamado de
transtorno de múltiplas personalidades, no qual a pessoa apresenta duas ou mais
formas de ser e de se comportar com características radicalmente diferentes e
independentes - em um momento o indivíduo pode ser alguém muito promíscuo
e em outro ser uma pessoa extremamente recatada. Há culturas que denominam
este transtorno como estado de possessão e há casos em que existe um bloqueio
de memória entre as personalidades.
Essas perturbações na identidade podem ocorrer em momentos de grande
pressão e em uma fase de estresse grave e/ou prolongada. Os estados de alternân
cia entre as personalidades nem sempre são percebidos e observáveis diretamente;
nesse caso, para identificar o transtorno, é necessário observar dois conjuntos de
sintomas: (1) alterações ou descontinuidades repentinas no senso de si mesmo e
no domínio das próprias ações e (2) amnésias dissociativas recorrentes (APA, 2014).
A própria pessoa pode perceber esta alternância na personalidade; alguns
pacientes inclusive chegam a relatar que têm a sensação de serem observado
res de suas próprias falas e ações e não conseguem reverter esta situação. Há
relatos de escuta de vozes e sensação de que seus corpos são diferentes (como
acreditar ser uma criança pequena de outro gênero sexual, por exemplo). Mes
mo que essas sensações sejam subjetivas, determinadas situações podem ser
percebidas pelos mais próximos.
Pode haver amnésia dissociativa no transtorno dissociativo de identidade,
a qual se manifesta de três maneiras: (1) lacunas de memórias antigas da pró
pria vida; (2) lapsos na memória de rotina - o que ocorreu hoje, dirigir, mexer no
computador; e (3) realização de atividades que não se lembram de terem feito.
Diferentemente da amnésia dissociativa, a amnésia no transtorno dissociativo
de identidade não está limitada a eventos traumáticos. Pode neste caso também
ocorrer a fuga dissociativa, em que a pessoa se percebe em determinado local
sem saber como chegou ali.
É comum a associação de outras comorbidades, como depressão e ansieda
de, abuso de substâncias ou outros sintomas. Este transtorno associativo pode
se manifestar em qualquer idade e usualmente está associado a eventos trau
máticos e/ou de abuso.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Amnésia dissociativa
A amnésia dissociativa é a incapacidade de recordar situações importantes
da própria vida que geralmente possuem natureza traumática. Não se trata
do esquecimento comum, mas sim de uma amnésia seletiva a eventos especí
ficos. Pode ser o caso de um indivíduo que sobrevive a um acidente de avião
e consegue se lembrar apenas dos instantes anteriores ao acontecimento ou
de pessoas que sofreram violência na infância e não conseguem se recordar
disso. Descarta-se aqui as amnésias por lesões neurológicas: neste caso, é uma
ocorrência puramente emocional. Assim, o Quadro 3 apresenta as formas de
amnésia dissociativa e suas características:
Amnésia contínua O indivíduo esquece todos os eventos novos à medida que ocorrem.
Fonte: APA, 2014, p. 646-647. (Adaptado).
••
Transtorno de despersonalização/desrealização
Despersonalização é quando a pessoa vivencia experiências irreais de si
mesma (sensação de estar voando), distanciamento (ser um observador exter
no de seu próprio corpo e pensamentos) e sensações e percepções alteradas
(anestesia emocional, física, sentido distorcido do tempo). Já desrealização é
quando a pessoa possui uma vivência irreal em relação a seu ambiente (distor
ção de objetos, os quais podem ser visualmente nebulosos ou inertes).
PSIQUIATRIA BÁSICA .
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ASSISTA
Assista ao vídeo Transtorno dissociativo, despersonalização e �
desrealização - dicas, conceitos e quadro clínico, que explica
habilmente os conceitos de despersonalização e desrealização. 0
••
Os transtornos alimentares e os transtornos
relacionados ao controle de impulsos
Os transtornos alimentares são alterações significativas no comporta
mento alimentar e que fazem com que a pessoa consuma alimentos de manei
ra alterada, o que pode comprometer sua saúde física e psicológica.
As formas diferenciadas de ingestão incluem a anorexia nervosa, a buli
mia nervosa, a pica, o transtorno de ruminação, o transtorno restritivo/evita
tivo e a compulsão alimentar. A seguir, veremos tais transtornos de maneira
mais detalhada.
ASSISTA
Assista ao vídeo Entendendo os transtornos alimentares,
o qual possui uma abordagem completa sobre os trans
tornos alimentares, além de fornecer exemplos sobre
cada forma de sua ocorrência.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Anorexia e bulimia nervosa
A anorexia nervosa se caracteriza pela restrição da ingestão de calorias
causada por medo intenso de ganhar peso e pela perturbação na percepção do
próprio peso/da própria forma. Essas três características são critérios essenciais
para definir tal diagnóstico. Nesse caso, a pessoa costuma manter o peso abaixo
do recomendado e o medo de engordar não é aliviado por sua perda, uma vez
que esses indivíduos costumam distorcer a vivência e o significado de seu peso.
Alguns sabem que não estão acima do peso, mas sempre veem problemas em
seu corpo, acreditando que abdome, coxas ou glúteos possuem tamanho inadequa
do. Recorrem a estratégias doentias, pesando-se freneticamente, olhando-se no es
pelho diversas vezes e lançando mão de laxantes e diuréticos, entre outros. Além
disso, criam crivos de autocrítica muito rigorosos, considerando que a perda de
peso é sinônimo de autodisciplina e o ganho de peso um autocontrole inaceitável.
É comum que a busca por auxílio médico ocorra a partir de familiares, que
percebem a perda de peso marcante e a alteração comportamental. Quando
a busca por ajuda parte deles, é em função da angústia que sentem pelas se
quelas somáticas da inanição, e não necessariamente pela crítica ao compor
tamento em questão. Acrescenta-se que, ao dar o diagnóstico de anorexia ner
vosa, é necessário estipular seu subtipo.
Restritivo
Compulsão alimentar purgativa
(CID-10 = F 50.01)
{CID-10 = F 50.02)
Quando a pessoa, nos últimos 3
Quando a pessoa, nos últimos três meses,
meses, não teve nenhum comportamento
teve comportamento purgativo. como
purgativo. somente através de jejum. dieta
vômitos, laxantes, diuréticos ou enemas
ou exerácio excessivo
(------------
Em remissão parcial ) Ou (
------------Em remissão completa )
1(
leve • IMC � 17 kg/m'
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Pica e transtorno de ruminação
A pica é um comportamento caracterizado pela ingestão de uma ou mais
substâncias que não são consideradas alimentos e que deve estar presente
há pelo menos um mês. As substâncias ingeridas incluem fios de cabelo, sa
bão, giz, talco, pedras e cola, entre outras, que a pessoa sente necessidade de
consumir. É um comportamento que foge da idade de desenvolvimento que
engloba este hábito.
A prevalência aumenta para pessoas com deficiência intelectual e geral
mente se inicia na infância, embora também ocorra na adolescência e na idade
adulta. As comorbidades associadas incluem o transtorno do espectro autista
e a deficiência intelectual para pessoas adultas e, em menor grau, a esquizofre
nia e o transtorno obsessivo-compulsivo.
O transtorno de ruminação é o comportamento de regurgitar repetidas
vezes um alimento e deve ocorrer pelo menos durante um mês. O alimento
regurgitado pode ser remastigado, novamente deglutido ou cuspido. Não há
presença de náusea, ânsia de vômito ou repugnância: a pessoa simplesmente
devolve à boca o que engoliu e volta a mastigar.
Essa regurgitação deve ocorrer várias vezes na semana por pelo menos um
mês para que o diagnóstico ocorra. É um transtorno também mais prevalente
em pessoas com deficiência intelectual, mas quando na infância pode ser indi
cativo da presença de um transtorno ansioso.
••
Transtorno restritivo/evitativo e compulsão alimentar
O transtorno alimentar restritivo/evitativo refere-se a pessoas com difi
culdade de se alimentar, paladar muito infantilizado e que se esquivam ou não
têm interesse em ingerir muitos alimentos. O desinteresse em satisfazer as de
mandas da nutrição ou da ingestão energética é clinicamente significativo. Para
estabelecer o diagnóstico, um ou mais dos seguintes sintomas precisam estar
presentes: perda de peso significativa, deficiência nutricional ou dependência
de alimentação enteral ou suplementos orais. Este tipo de comportamento não
está relacionado à anorexia nervosa, mas a transtornos de ansiedade, obsessi
vo-compulsivo e do neurodesenvolvimento.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
A compulsão alimentar, conforme já dito, é a ingestão de uma quantidade
muito grande de alimento em um curto período de tempo. A pessoa apresenta
falta de controle, tornando-se incapaz de parar de comer ou controlar o quanto
está ingerindo. Em relação aos critérios diagnósticos, no mínimo três dos cinco
sintomas a seguir devem estar presentes, conforme aponta o DSM-V:
1) Comer mais rapidamente do que o normal;
2) Comer até se sentir desconfortavelmente cheio;
3) Comer grandes quantidades de alimento na ausência da sen
sação física de fome;
4) Comer sozinho por vergonha do quanto se está comendo;
5) Sentir-se desgostoso de si mesmo, deprimido ou muito culpa
do em seguida (APA, 2014, p. 350).
Percebe-se a presença de sofrimento significativo, visto que as pessoas
com compulsão alimentar sentem vergonha de seus problemas alimentares e
procuram escondê-los ou serem o mais discretas possível quanto a isso. Estes
indivíduos nem sempre são obesos e, no caso da compulsão, não há presença
de comportamento purgativo, como na bulimia nervosa.
Isto deve ocorrer ao menos uma vez por semana durante três meses para
que se estabeleça o diagnóstico. Assim como na anorexia nervosa, o médico
precisa diferenciar quando diagnosticar a compulsão e se a pessoa está em re
missão parcial ou remissão completa. Também é necessário especificar o grau
de gravidade:
• Leve: 1 a 3 episódios de compulsão alimentar por semana;
• Moderada: 4 a 7 episódios de compulsão alimentar por semana;
• Grave: 8 a 13 episódios de compulsão alimentar por semana;
Extrema: 14 ou mais episódios de compulsão alimentar por semana.
Ressalta-se que a compulsão alimentar é tão prevalente em homens quanto
em mulheres e seus fatores de risco incluem as questões genéticas.
Os transtornos relacionados ao controle de impulsos estão
descritos no DSM-V como transtornos disruptivos, do
controle de impulsos e da conduta. Relacionam-se a
problemas de autocontrole das emoções e de com-
portamentos e especificamente violam os direitos
de outras pessoas, colocando o indivíduo que pade-
PSIQUIATRIA BÁSICA .
ce do transtorno em situações delicadas de conflito com a lei.
Todos estes transtornos tendem a ser mais comuns no sexo
masculino do que no feminino e a se iniciar na infância e na
adolescência.
••
Deficiência intelectual
A deficiência intelectual (DI) encontra-se no grupo de transtornos do neuro
desenvolvimento segundo o DSM-V. É caracterizada por déficit nas capacidades
mentais, incluindo raciocínio, solução de problemas, planejamento, pensamento
abstrato.juízo, aprendizagem acadêmica e aprendizagem pela experiência. Essas
limitações acabam prejudicando a adaptação da pessoa em diversos contextos,
acarretando em dependência pessoal e responsabilização pessoal de terceiros.
PSIQUIATRIA BÁS I CA .
Figura 1. Fatores ambientais, como a estimulação cognitiva e a inclusão escolar, favorecem o desenvolvimento de habi
lidades e a melhor adaptação de pessoas com deficiência intelectual. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 20/09/2021.
-
QUADRO 5. NÍVEIS DE GRAVIDADE PARA A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Relaciona-se à idade no
Comparada com
que diz respeito a cuidados
indivíduos da mesma
pessoais. Necessidade de
Em pré-escolares: sem faixa etária, a pessoa
algum apoio nas tarefas
diferenças óbvias. Em mostra-se imatura
complexas da vida diária,
idade escolar: dificuldade nas relações sociais.
como compras, organização
na aprendizagem e Linguagem mais concreta
do lar e atividades bancárias
necessidade de apoio. e imatura, dificuldade
Leve e financeiras. Habilidades
Em adultos: prejuízo na na regulação da emoção
recreativas normais,
memória a curto prazo, e do comportamento
podem trabalhar bem em
no pensamento abstrato, adequado à idade;
empregos sem necessidade
na função executiva e no compreensão limitada
de habilidades conceituais,
controle financeiro. do risco em situações
Carência de suporte
sociais; e julgamento
na tomada de decisões
social imaturo.
importantes.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Durante todo o Capaz de dar conta de
desenvolvimento, as Fortes diferenças em atividades como alimentar
relação a seus pares no
habilidades conceituais comportamento social se, vestir-se e higienizar-se
ficam aquém em relação enquanto adulto, mes�_o
a pessoas da mesma e na comunicação.
que tenha sido necessano
Relacionamento mais
idade. Em pré- escolares: próximo da família, muito tempo para aprender
linguagem desenvolve-se estas ações. Na vida
lentamente. Em idade mas há capacidade de adulta, há capacidade
estabelecer amizades
escolar: lento progresso e relacionamentos de desenvolver tarefas
Moderada na leitura, escrita, domésticas. Possibilidade de
matemática e demais românticos. Pouca um emprego com lim_itação
capacidade de
conceitos. Em adultos: interpretar pistas sociais; em atividades conce1tua1s
necessita de apoio para se contando com apoio
julgamento social e
desempenhar atividades de colegas e supervisores.
capacidade de tomar
no trabalho e na vida Habilidades recreativas
decisões limitados;
pessoal. Assistência podem ser desenvolvidas
contínua diária para necessidade de apoio e costumam demandar
social para obter sucesso
realização de tarefas nos locais de trabalho. mais tempo de apoio para a
conceituais cotidianas. aprendizagem.
Necessidade de apoio
para todas as atividades
Linguagem falada
Alcance limitado de cotidianas, incluindo
limitada em termos de
habilidades conceituais. vestir-se, alimentar-se
vocabulário e gramática.
Pouca compreensão da e banhar-se, além de
A fala pode ser composta
linguagem escrita ou de supervisão constante. Não
por palavras ou
conceitos que envolvam há capacidade de tomar
expressões isoladas com
números, quantidad_e, decisões importantes e
Grave foco no aqui e agora
tempo e dinheiro. E deve haver assistência
e em eventos diários.
importante a presença para tarefas domésticas e
Compreendem discursos _
de cuidadores para recreativas. A aprendizagem
e comunicação gestual
prestar apoio na solução em vários domínios
simples. Relação com
de problemas ao longo exige constante ensino.
familiares são fonte de
da vida. Há comportamento mal
prazer e ajuda.
adaptativo e pode haver
presença de autolesão.
Habilidades conceituais
Dependência para tod ?s os
envolvem o mundo Compressão limitada da
aspectos do cuidado f1s1co
físico e não processos comunicação simbólica
diário, saúde e segurança,
simbólicos e há uso de de falas e gestos. Podem
ainda que consigam ser
objetos para autocui�ado, compreender instruçõ_es ativos nestas atividades.
trabalho e recreaçao. e gestos simples e ha
Podem adquirir expressão de seus Aqueles sem prejuízos
Profunda graves podem auxiliar em
habilidades de classificar desejos e emoções
tarefas domésticas simples.
e combinar conforme através da comunicação
características físicas. verbal. Os prejuízos Atividades recreativas
podem envolver ouvir
Pode haver prejuízo no sensoriais e físicos músicas, assistir filmes ou
uso funcional de objetos podem impedir muitas
em função de prejuízos atividades soc1a1s. sair para passear, sempre
com apoio de outras pessoas.
motores e sensoriais.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
leves esta identificação se dá com a entrada na escola a partir de dificuldades
de aprendizagem. Caso esteja associada a uma síndrome genética, pode haver
uma aparência física característica (como ocorre com as síndromes de Down
ou de Turner). Quando a DI é adquirida, o aparecimento pode ser repentino e
se dá após doenças como meningite, encefalite ou traumatismo crânio encefá
lico durante o período de desenvolvimento da criança.
A DI não é uma enfermidade progressiva, a não ser que esteja associada
a alguma doença genética que preveja este prognóstico. O curso pode sofrer
influência das condições ambientais e médicas, as quais, se bem cuidadas e
orientadas, podem proporcionar melhora das habilidades e da adaptação. Os
fatores de risco geralmente incluem síndromes genéticas, problemas cromos
sômicos, má formação encefálica, doenças maternas e influências ambientais.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Sintetizando •
Esta unidade buscou apresentar diversos conceitos da Psiquiatria basean
do-se no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - o DSM-V, que é
referência para critérios diagnósticos das síndromes psiquiátricas. Foram expos
tos conceitos das diversas formas de transtornos de personalidade, os quais se
dividem em três grupos: o grupo A, o grupo B e o grupo C.
Os transtornos dissociativos são frequentes nas clínicas e serviços de saúde
mental e estão relacionados com fases de sofrimento intenso e estresse agudo
em que a psicoterapia, mais do que a medicalização, apresenta grandes ganhos
para o paciente.
Os transtornos de alimentação, como a anorexia e a bulimia, têm uma forte
relação com questões sociais impostas às mulheres. Isso posto, foi possível per
ceber que sua prevalência é maior para o sexo feminino, ao passo que que para
o sexo masculino uma maior prevalência está relacionada aos transtornos de
controle dos impulsos - situações que envolvem expressão da raiva, invasão do
direito dos outros e descontrole emocional.
Por fim, a deficiência intelectual, que substituiu o termo retardo mental, pode
ser dividida em leve, moderada, grave e profunda. Além disso, seus fatores de
risco geralmente estão relacionados a doenças maternas, síndromes genéticas e
influências ambientais, entre outros.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Referências bibliográficas
•
APA - AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico
de transtornos mentais: DSM-V. 5. ed. Trad. Maria Inês Corrêa Nascimento. Porto
Alegre: Artmed, 2014.
ENTENDENDO os transtornos alimentares. Postado por Holiste Psiquiatria.
(46min. 59s.). son. color. port. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=rBJeCdi35zA&t=289s>. Acesso em: 20 set. 2021.
TRANSTORNO dissociativo, despersonalização e desrealização - dicas, concei
tos e quadro clínico. Postado por Dr Bruno Machado - Controlando a Ansiedade.
(1 1 min. 49s.). son. color. port. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=65bcX36xMYQ>. Acesso em: 20 set. 2021.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
UNIDADE
ser
educacional
Objetivos da unidade
Tópicos de estudo
Urgências psiquiátricas Noções básicas de
Comportamento agressivo psicofarmacologia
Suicídio Fundamentos da
Quadros orgânicos com neurotransmissão
alterações no estado mental Os neurotransmissores
Uso ou abstinência de Medicamentos antidepressivos
substâncias psicoativas Medicamentos ansiolíticos
Psicose aguda Medicamentos psicóticos
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Urgências psiquiátricas
Urgência psiquiátrica é toda situação que envolve um risco alto de morte ou
dano grave ao paciente ou terceiros, exigindo da equipe de saúde uma inter
venção imediata. Geralmente as urgências psiquiátricas são os comportamen
tos suicidas e a agitação psicomotora da esquizofrenia ou por intoxicação de
drogas, mas há outras situações que podem caracterizar uma urgência psiquiá
trica, como pessoas em crises resultantes de alguma doença clínica, ataques de
pânico e episódios maníacos.
Muitos diferenciam urgência psiquiátrica de emergência psiquiátrica, enten
dendo que a última exige um tempo muito menor de intervenção, contemplando
situações mais graves, enquanto que a urgência seria um estado de atenção e
intervenção rápida, mas que não necessita de um prazo tão curto para interven
ção. De qualquer forma, considera-se o que for citado aqui como situações de
urgência e emergência. Vale destacar que os objetivos prioritários nestes atendi
mentos são: (i) estabilizar o quadro, controlando o sintoma alvo; (ii) reconhecer
as patologias que podem ter ocasionado a condição atual; (iii) estabelecer hipó
tese diagnóstica; e (iv) encaminhar para a continuidade do cuidado.
Vamos falar, então, das situações críticas dentro dos transtornos mentais,
que podem configurar um risco alto, que exige breve intervenção e, geralmen
te, requerem o uso de serviços de atendimento móvel ou serviços de pronto
atendimento nos hospitais.
••
Comportamento agressivo
Apesar de a maioria dos pacientes de saúde mental não se
rem violentos, esta situação é considerada um grande desafio
na área da psiquiatria, pois está presente em vários quadros
psiquiátricos. É diferente de um quadro de agitação psicomo
tora, que é um aumento na atividade cognitiva e moto-
ra. É muito comum que a auto e heteroagressão pos-
sa inferir em conflitos éticos dos profissionais, que
necessitam usar de técnicas proporcionais ao risco
apresentado para evitar maiores danos.
PSIQUIATRIA BÁSICA •
É possível prever indícios de comportamento agressivo, de modo a sinalizar
o risco para os profissionais: agitação psicomotora, violência contra objetos,
dentes e punhos cerrados, ameaças, discussões em tom de voz alto, afeto de
safiador e hostil. Quando os pacientes apresentarem estes riscos, o melhor
é procurar métodos não coercitivos, bem como preparo do ambiente e dos
profissionais para atendimento. O local deve oferecer maior privacidade, ser de
fácil acesso à equipe e segurança, e não ter materiais potencialmente perigo
sos e equipamentos para contenção. O objetivo é uma rápida intervenção, que
impeça a progressão da violência.
O manejo atitudinal é manter-se vigilante e em prontidão para a ação, as
sim como evitar movimentos bruscos, o toque no paciente e o confronto di
reto. É preciso estar atento à comunicação não verbal, reduzir os estímulos,
afastando fatores avaliados como estressores ou desestabilizadores. No ma
nejo verbal, é importante utilizar linguagem simples, clara e concreta, evitar
aumentar o tom de voz, realizar limites e contratos de forma respeitosa, esti
mular a expressão verbal de sentimentos, auxiliar o paciente a reconhecer a
realidade e assegurá-lo de que sua intenção é ajudá-lo. Deve-se evitar ceder
a manipulações e promessas, ameaças, opiniões pessoais, além de sempre
explicar as condutas terapêuticas.
A contenção é a utilização de meios físicos ou farmacológicos para impe
dir que haja um comportamento destrutivo. No Brasil, as contenções físicas e
químicas devem ser prescritas por médicos. A contenção física deve ser em
pregada apenas se os métodos de manejo atitudinal e verbal não surtirem efei
tos. Envolve técnicas para restringir os movimentos e evitar atos destrutivos.
O objetivo é evitar que o paciente se machuque ou machuque outras pessoas,
sendo assim, é considerada uma conduta de segurança e não terapêutica. A
recomendação é que o paciente, quando contido, seja monitorado a cada 15
minutos e possa permanecer o mínimo de tempo possível, a fim de evitar maio
res prejuízos na sua saúde.
A contenção química ideal é a via oral e que o paciente esteja de acordo ou
colaborativo, mas caso não esteja em condições de concordar, pode ser feita
a administração do medicamento via intramuscular. A dose deve tranquilizar e
não sedar, e geralmente são usados benzodiazepínicos, antipsicóticos ou com
binação destes dois tipos de fármacos.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Suicídio
O suicídio é uma morte autoinduzida, sendo um tema complexo, polêmico
e, muitas vezes, mal compreendido. É ainda um tabu na nossa sociedade e
muito impactante. Está entre as dez primeiras causas de morte no mundo, e
entre as três primeiras se colocada a idade entre 15 e 34 anos. O impacto social
e familiar é imensurável.
Quando se fala em comportamento suicida, estamos falando de todo ato
em que a pessoa causa lesão a si mesma, envolvendo pensamentos de au
todestruição e até tentativas de suicídio. O comportamento suicida pode ser
observado em pessoas que tenha pensamentos de autodestruição e que, pos
teriormente, apresentam atos e gestos que levam à tentativa de suicídio ou sua
consumação. As tentativas de suicídio chegam a ser 10 ou 20 vezes maiores
que o suicídio executado, sendo a tentativa mais comum em mulheres, mas o
suicídio consumado, em homens.
O suicídio é multicausal. São considerados fatores de risco para o suicídio:
• Doença física: em especial aquelas de maior gravidade e sem possibilida
de de cura;
• Transtornos mentais: sintomas psiquiátricos como ansiedade, desespe-
rança, impulsividade e agressividade;
• História psiquiátrica prévia;
• Depressão;
• Tentativas de suicídio anteriores.
Independentemente se a intenção da pessoa foi provocar comoção em ou
tra, como machucar-se como forma de punição, é importante considerar que
há riscos grandes em tais comportamentos e a pessoa está sofrendo e utili
zando de comportamentos inadequados para aliviar seu sofrimento.
A avaliação do risco de suicídio pode ser analisada pelo que cha
ma de "4D": depressão, desesperança, desamparo e desespero.
Frases como "minha vida não faz sentido", "vontade de sumir",
"preferia estar morto", "não aguento mais" e "estou cansado"
são sinais de alerta de uma pessoa pedindo ajuda. A Orga-
nização Mundial de Saúde sugere uma classificação para o
risco de suicídio, conforme mostra o Quadro 1.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
QUADRO 1. CLASSIFICAÇÃO DO RISCO DE SUICÍDIO
�
PSIQUIATRIA BÁS I CA .
••
Quadros orgânicos com alteração no estado mental
Os quadros orgânicos são alterações mentais e comportamentais decor
rentes de condições fisiológicas e morbidades orgânicas. É muito importante
que possa ser reconhecido se há a presença de uma alteração orgânica, para
que não seja confundida com um transtorno mental, visto que a intervenção
torna-se diferenciada. Quadros orgânicos que causam alterações psiquiátri
cas apresentam as seguintes características: início agudo, primeiro episódio,
idade avançada, doença ou lesão orgânica atual, abuso de substâncias psi
coativas e alterações cognitivas.
Uma destas condições é o delirium, um quadro orgânico que causa al
terações semelhantes a um quadro psiquiátrico, causado por várias condi
ções fisiológicas.
Podem ocorrer: perturbações da consciência, percepção, cognição e aten
ção; início súbito; flutuação dos sintomas; intoxicação ou abstinência de subs
tâncias. Os cuidados dependem da causa do delirium, do motivo que levou a
essa alteração.
••
Uso ou abstinência de substâncias psicoativas
Os transtornos por uso de substâncias possuem altas taxas de internação
nos setores de emergência. Os cuidados envolvem uma avaliação completa,
intervenção no quadro diagnosticado (se for intoxicação ou abstinência, por
exemplo), a motivação do paciente para iniciar o tratamento e elaboração do
encaminhamento. É importante identificar qual a substância utilizada, a quan
tidade, frequência e duração do uso e o último consumo, histórico do uso de
substâncias, história médica geral e psiquiátrica e testes laboratoriais.
No caso da intoxicação, o objetivo é retirar os efeitos da substância e
recuperar o funcionamento do organismo. Estes efeitos dependem de qual
substância foi utilizada, podendo ser: depressores no sistema nervoso cen
tral, hipotensão e depressão respiratória, hipertensão arterial, taquicardia,
sintomas psicóticos, ansiedade, agressividade, estupor ou coma. Deve-se
proporcionar ambiente seguro e todos os demais cuidados mencionados nas
situações anteriores, como apoio, escuta empática e acolhimento. Na absti-
PSIOUIATRIA BÁSICA .
nência, os sintomas surgem pela interrupção ou redução abrupta da subs
tância utilizada. Geralmente, a abstinência produz efeitos contrários ao que
causa a droga de abuso.
Na internação e tratamento para a abstinência ou intoxicação, surge uma
boa oportunidade de sensibilizar o paciente a realizar um tratamento adequa
do para a dependência. Isso pode contribuir para que haja um encaminhamen
to para a manutenção correta do tratamento.
••
Psicose aguda
Outra condição considerada um caso de urgência ou emergência psiquiátrica
é a psicose aguda, que são as situações nas quais o paciente apresenta delírios
e alucinações e prejuízos no contato com a realidade. Os cuidados devem prio
rizar a segurança do paciente em função da possível agitação psicomotora, a
investigação de possíveis alterações fisiológicas que resultaram no surto, o uso
de linguagem simples e objetiva e deixar claro quais as condutas terapêuticas.
Um aspecto fundamental para que se preste um atendimento eficiente e
humanizado para pacientes em sofrimento psíquico, que se encontram em si
tuação de urgência e emergência psiquiátrica, é a mudança de pensamento
em relação aos transtornos mentais, que ainda é visto com estigma negativo
por muitos profissionais de saúde. Sendo assim, é necessário rever em mui
tos serviços de saúde o protocolo de atendimento e assistência. Nascimento
e colaboradores (2019) realizaram um estudo buscando identificar as maiores
dificuldades que os profissionais de saúde enfrentam para a realização de um
atendimento mais humanizado, levantando as seguintes discussões:
• Com a reforma psiquiátrica, os hospitais gerais ficaram de referência para
os atendimentos de emergência psiquiátrica, especialmente no pronto-socor
ro. Percebe-se que, ainda que a ideia de humanizar o atendimento psiquiátrico
seja a razão da destituição dos hospitais psiquiátricos, os atendimentos nos
serviços de emergência e os atendimentos móveis (SAMU) usam contenções
mecânicas em situações diversas. Sugerem que a falta de capacitação dos pro
fissionais traz essa falha na assistência, percebendo-se que há diferença no
atendimento de pessoas com transtornos mentais em relação àquelas que não
apresentavam tais condições;
PSIQUIATRIA BÁSICA .
• Foi identificado também que os profissionais de enfermagem descrevem o
sentimento de medo, angústia, despreparo e frustrações para as manifestações
de transtornos mentais, mais um aspecto relacionado ao preconceito e estigma;
• Outro aspecto identificado é a formação profissional insuficiente, que faz
com que os profissionais "simplifiquem" para eles com a contenção física e uso
de violência, quando não seriam necessários tais aspectos (contenção);
• Falta de condições e recursos no trabalho também são outros aspectos
que levam os profissionais à improvisação, inviabilizando o bom desenvolvi
mento do trabalho.
••
Psiquiatria comunitária e reforma psiquiátrica
A reforma psiquiátrica é um mo
vimento que busca estabelecer uma
nova forma de cuidado para as pes
soas em sofrimento psíquico, garan
tindo cidadania, respeito pela indivi
dualidade e resgate da capacidade de
sentir e realizar, podendo viver todos
os direitos como cidadão. A intenção é
promover um tratamento humanizado, evitando a internação e eliminando a
exclusão social, por meio do tratamento no próprio território, como os Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS), centros de convivência, oficinas de geração de
renda, residências terapêuticas, entre outros equipamentos de cuidado. Sua
história perpassa pela 8 ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, pela 1ª Con
ferência Nacional de Saúde Mental, em 1987, pela 2ª Conferência Nacional de
Saúde Mental, em 1992, e pela 3 ª Conferência de Saúde Mental, em 2001.
As décadas de 1980 e 1990 foram significativas para a reestruturação da
assistência psiquiátrica no Brasil. Na conferência de Caracas, na Venezuela, em
1990, o Brasil se comprometeu, juntamente com outros países latinos, a pro
mover a reestruturação da assistência psiquiátrica. A " Declaração de Caracas",
o documento resultante deste encontro, pretendia promover a proteção dos
direitos humanos, cidadania, a construção de redes de serviços que substituís
sem o hospital psiquiátrico.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Iniciou-se, então, a intervenção na Casa de Saúde Anchieta, em Santos,
em 1989, transformando-a no primeiro CAPS do Brasil. Sequentemente, sur
giram outros CAPS em São Paulo e no Rio Grande do Sul. A partir de então,
começou a se pensar em espaços substitutivos ao hospital psiquiátrico, que
seriam os CAPS, leitos de internação em hospital geral para os casos de
internação, oficinas e residências terapêuticas. O Ministério da Saúde finan
ciou a iniciativa de cada município.
Em 1992, o Rio Grande do Sul aprovou uma lei estadual (Lei nº
9.716/1992) em que se estabelecia a reforma psiquiátrica no estado. Foi
um marco importante na história da reforma, precedendo a lei federal que
veio a ser aprovada quase 1 O anos depois, em 2001 (a Lei n º 10.216/2001 ).
Ainda em 1990, o MS organizava uma variada legislação, que norteava os
cuidados em saúde mental para o tratamento adequado de pessoas com
transtornos mentais.
Um conceito muito importante na reforma psiquiátrica é a desinstitucio
nalização, que significa colocar o tratamento na comunidade, território ou
distrito, por este motivo chamada também de psiquiatria comunitária. Os de
fensores deste movimento defendem que o grande mal da psiquiatria se ini
ciou na segregação destes pacientes do seu meio social. Desinstitucionalizar
é mais do que acabar com os muros do manicômio, implica também mudar a
forma como essas pessoas são tratadas e vistas dentro da sociedade.
De qualquer forma, é possível concluir que houve muitos avanços nas ex
periências de desinstitucionalização, o que não dispensa manter um olhar
constante de avaliação das práticas exercidas. Os CAPS não devem ser no
vos minimanicômios, com outras caras e sem muros, mas, sim, transforma
rem-se em lugares de passagem, caso contrário podem se configurar um
novo espaço institucionalizador e segregador. É fundamental que os servi
ços se mantenham em constante capacitação, e haja participação dos ges
tores nas discussões junto com as equipes. As unidades de saúde da família
como espaço de cuidado comunitário deveriam ter inserções de cuidados
em saúde mental, mas isso envolve vontade política. As ações devem sair
do modelo biomédico, centrado na doença e articular com outras formas te
rapêuticas, focando na reabilitação psicossocial, clínica ampliada e projetos
terapêuticos individualizados.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
' 1 DICA
Para saber mais sobre a Lei nº 10.216 de 2001, marco importante da
,, reforma psiquiátrica no Brasil, acesse o link.
••
Noções básicas de psicofarmacologia
A psicofarmacologia moderna iniciou-se no final de 1940, com a intenção de
tratar os transtornos psiquiátricos. Inicialmente, com o lítio para tratar os sinto
mas de mania, depois, a criação de uma medicação antipsicótica, a clorproma
zina, que, em 1952, foi reconhecida pela psiquiatria como uma medicação que
não tirava a consciência, mas produzia sonolência, diminuindo a agitação psi
cótica. Seguiu-se, então, com a descoberta dos ansiolíticos e uma ampla gama
de benzodiazepínicos durante a década de 1950.
Gorenstein e Scavone (1999) defendem que a psicofarmacologia emergiu
empiricamente. Foi por meio da observação de uma medicação utilizada para
o tratamento da tuberculose que os cientistas perceberam que ele elevava o
humor e a euforia. Assim, a iproniazida, uma inibidora da monoaminoxidase
(IMAO), foi introduzida no tratamento de pacientes hospitalizados por depres
são na década de 1950. Da mesma forma, estudos de anti-histamínicos pro
moveram a descoberta da imipramina. E, assim, até o final daquela década,
haviam sido descobertos cinco grupos de medicamentos para transtornos
psiquiátricos: antipsicóticos (clorpromazina e haloperidol), antidepressivos
tricíclicos (imipramina), os antidepressivos IMAO (iproniazida), os ansiolíticos
(meprobamato e clordiazepóxido) e antimania (lítio).
A introdução dos psicofármacos foi marcante, e sua adesão e disseminação,
assustadora. Houve uma grande diminuição de internação hospitalar e do tem
po de permanência no hospital também. No decorrer do século XX, expandiu
-se o número de medicamentos que buscavam se superar em relação ao tempo
de efeito, diminuição de toxicidade e efeitos colaterais.
••
Fundamentos da neurotransmissão
A fim de compreender o processo de ação dos medicamentos no Sistema
Nervoso Central (SNC), é importante estar familiarizado com a linguagem e os
PSIQUIATRIA BÁSICA .
princípios da neurotransmissão química. O SNC apresenta duas classes princi
pais de célula: os neurônios e as células de glia.
Fonseca (2021) explica que os neurônios são as células que fazem a co
municação eletroquímica, comunicando-se por meio das sinapses. Possuem
diferentes tamanhos e formas, dependendo de onde se localiza no cérebro.
Quando há qualquer disfunção na transmissão e na anatomia desta célula,
ocorrem sintomas comportamentais como consequência. Entre vários fatores,
as substâncias ou drogas psicoativas podem modificar o processo biológico e
a atividade neuronal. A estrutura de um neurônio possui três regiões: o corpo
celular, os dendrites e o axônio (Figura 1).
Dendritos
Sinapse - terminal axônico
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Antigamente, acreditava-se que as células de glia existiam para alimentar os
neurônios, no entanto, elas possuem muitas outras funções, como interpretar
e receber os estímulos, além de nutrir, proteger e auxiliar na sustentação do
tecido nervoso. Presume-se que para cada neurônio existam dez células gliais,
que são classificadas em dois tipos principais: as microglias (ou micróglias) e
as macroglias (ou macróglias). As microglias têm a função de fazer a defesa
imunológica do SNC, enquanto as macroglias, que se dividem em astrócitos,
células de Schwann, oligodendrócitos e células ependimárias, fazem a função
de regular as funções neuronais, estabelecem relação com os neurônios, fazem
barreira contra agentes tóxicos, formam a bainha de mielina e promovem o re
vestimento do sistema nervoso, permitindo a movimentação do líquor (líquido
cefalorraquidiano), conforme mostra o Diagrama 1.
Micrógrila
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Figura 2. Células gliais. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 05/1012021 .
PSIQUIATRIA BÁSICA .
EXPLICANDO
Neurônio pré-sináptico é o que vai liberar a transmissão elétrica ou quími
ca. Fenda sináptica consiste no espaço entre os neurônios onde circulam
os neurotransmissores. Neurônio pós-sináptico é o que recebe a transmis
são pelos receptores.
••
Os neurotransmissores
Os neurotransmissores naturais estimulam os receptores sinápticos a fa
zerem de forma bem harmoniosa as sinapses, sendo chamados de agonistas.
Mas nem sempre nosso corpo vai dar conta desta produção natural, então usa
substâncias (drogas), que têm esta capacidade de se ligar de forma específica
aos receptores e trabalha para que haja vários eventos no nosso cérebro. Há,
também, as substâncias que bloqueiam a ação do neurotransmissor, os deno
minados antagonistas.
É reconhecido que existem milhares de compostos químicos cerebrais, que
são os neurotransmissores naturais. Mas focaremos aqui nos principais, que
são a serotonina (5-HT), a noradrenalina (NA), a dopamina (DA), a acetilcolina
(ACh), o glutamato e o ácido gama-aminobutírico (GABA). Vejamos as caracte
rísticas de cada um deles:
• Dopa mina (DA): presente em diversas áreas do nosso cérebro, sendo que
seus neurônios se originam em locais distintos no SNC. A DA é transportada
para dentro do neurônio pré-sináptico e armazenada em vesículas que podem
ser usadas futuramente. No entanto, essa DA também pode ser degradada. Os
receptores da DA são chamados de D1, D2, D3, D4 e DS, sendo que eles regu
lam a neurotransmissão dopaminérgica. O mais conhecido destes receptores
é o D2, que liga praticamente todas as drogas antipsicóticas ou neurolépticas,
bem como as drogas que tratam da doença de Parkinson. A neurotransmissão
dopaminérgica desempenha papel fundamental no controle motor, cognitivo e
emocional. É o exemplo da Doença de Parkinson, que é a perda de neurônios
dopaminérgicos. Outra consequência da ação da DA é a sensação de prazer, os
delírios e as alucinações da psicose, funções cognitivas do córtex pré-frontal e
sintomas afetivos (no caso dos afetos relacionados aos sintomas da esquizo
frenia). O aspecto físico está relacionado com a secreção da prolactina. Está
relacionada com a depressão quando prejudicada sua transmissão;
PSIQUIATRIA BÁSICA .
• Noradrenalina (NA): os neurônios noradrenérgicos se localizam no tron
co encefálico e medula espinhal, e podem ser degradados por duas enzimas:
a monoamino oxidase A (MAO-A) e monoamino oxidase B (MAO-B). A NA pode
ser recaptada na fenda sináptica e armazenada em vesículas para ser utilizada
quando outro impulso elétrico ocorrer no neurônio. A NA é responsável pela
regulação do humor e cognição, principalmente. Quando a pessoa está acorda
da (em vigília), os neurônios noradrenérgicos se ativam rapidamente, enquanto
em sono a atividade diminui e chega a ficar desativada no sono REM (o sono
mais pesado). As funções mais atribuídas: regulação do ciclo do sono, aprendi
zagem, memória, apetite, depressão, estresse e ansiedade;
• Serotonina (5-HT): produzida a partir da síntese do aminoácido triptofa
no. Assim como outros neurotransmissores, a 5-HT é envasada em vesículas
até serem utilizadas na neurotransmissão. Sua ação é finalizada quando ela é
degradada pela MAO-A, no momento em que está na fenda sináptica. O neurô
nio serotoninérgico pré-sináptico (que libera 5-HT na fenda) possui um trans
portador de 5-HT, que a retira da fenda sináptica e leva de volta ao interior do
neurônio para que seja usado posteriormente, se necessário. Ela é responsável
em regular processos neuropsicológicos como a depressão, humor, emoções,
memória e aprendizagem, apetite, comportamento sexual, impulsividade, an
siedade, agressividade, ação metabólica, dor, entre outras funções;
• Acetilcolina (ACh): formada nos neurônios colinérgicos, pode ser recap
tada da fenda sináptica e reciclada dentro do neurônio pré-sináptico para nova
transmissão, quando for necessária. Existem numerosos receptores de ACh e
o mais conhecido deles, o M1, é quem faz a regulação da memória. Outros
receptores atuam na regulação da DA no cérebro. Entre esses receptores da
ACh estão os nicotínicos, que são totalmente relacionados com o tabaco, que,
quando consumido, reforça a dependência do uso desta substância. Pelo tron
co encefálico, a atuação da ACh regula a cognição e memória;
• Glutamato: este é o principal neurotransmissor excitatório do SNC, con
siderado a chave central do cérebro, pois pode excitar e ativar praticamente
todos os neurônios do SNC. Acredita-se que é a partir dele que se formam os
processos de armazenamento de informações no cérebro (FONSECA, 2021). Por
ser um aminoácido, sua principal atuação é na síntese de proteínas. O glutamato
acumula-se nas vesículas sinápticas e, quando liberado pelo neurônio pré-sináp-
PSIOUIATRIA BÁSICA .
tico, liga-se nos receptores do neurônio pós-sináptico. Os neurotransmissores de
glutamato não são degradados. Ele está intimamente ligado à neuroplasticidade
cerebral, relacionando-se com a aprendizagem e formação de memórias;
• GABA: o GABA é um ácido presente em altas concentrações tanto no cé
rebro quanto na medula espinhal, sendo, portanto, essencial no cérebro dos
mamíferos. Ao contrário do glutamato, ele é um neurotransmissor inibitório do
SNC, aliviando a ansiedade e atuando junto aos medicamentos para esse fim.
Ele é sintetizado a partir do glutamato, e, depois de ser produzido nos neurô
nios pré-sinápticos, fica armazenado em vesículas para ser utilizado quando
houver necessidade de uma neurotransmissão inibitória. Os benzodiazepíni
cos (remédios para ansiedade) estimulam as ações do GABA em várias áreas do
cérebro, aliviando a ansiedade, sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo,
estresse pós-traumático, entre outros.
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Medicamentos antidepressivos
Em 1957, foi anunciado em um congresso internacional o primeiro antidepres
sivo, a imipramina. Na época, já existia a iproniazida, que se destinava à tubercu
lose, mas apresentava efeitos antidepressivos. Ambos atuavam inibindo a ação da
MAO, que degrada neurotransmissores importantes na regulação do humor. Pos
teriormente, na década de 1960, começaram os estudos sobre medicamentos que
inibiam a recaptação da serotonina e na fenda sináptica, então surge a fluoxetina,
em 1974, que se tornou o antidepressivo mais prescrito no mundo.
O marco para a psiquiatria moderna foi a descoberta, na década de 1960,
dos neurotransmissores responsáveis pela regulação dos transtornos afetivos:
a noradrenalina (NA), a dopamina (DA) e a serotonina (5-HT), estando a depres
são associada a um déficit destes neurotransmissores. A partir desta teoria,
houve uma maior compreensão acerca das funções fisiológicas na depressão e
de como a farmacologia poderia atuar neste processo.
Resumindo, a principal teoria da depressão, portanto, é a de que ocorre por uma
diminuição de neurotransmissores na fenda sináptica, aumentando os receptores
pós-sinápticos e vice-versa: se aumenta os neurotransmissores na fenda sináptica,
diminui os receptores pós-sinápticos. A depressão equivale a uma desregulação
na neurotransmissão. As Figuras 4 e 5 demonstram melhor este processo.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Figura 4. Funcionamento normal de neurotransmissão - o neurônio pré- sináptico joga na fenda sinápti ca uma quanti
dade adequada de neurotransmissores e receptores no neurônio pós-sináptico. Fonte: FONSECA, 2021, p. 63.
Figura 5. Funcionamento anormal, em que há uma quantidade diminuída de neurotransmissor na fenda sináptica.
Muitos receptores e poucos neurotransmissores. Fonte: FONSECA, 2021, p. 6.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Sendo assim, como funciona a ação dos antidepressivos? O objetivo destes
medicamentos é reforçar a ação sináptica da DA, NA e 5-HT, aumentando es
ses neurotransmissores ao bloquear a ação da MAO, que os degrada na fenda
sináptica e também bloqueia as enzimas que recaptam os neurotransmissores
para o neurônio pré-sináptico. Os princípios gerais da ação dos antidepressi
vos, segundo Fonseca (2021) são:
• Antidepressivos clássicos: inibem a ação da MAO (chama-se IMAO = ini
bidores da MAO) e tricíclicos;
• Antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS):
não permitem que enzimas recaptem os neurotransmissores para o neurônio;
• Antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da n oradrenalina
(ISRN): não permitem que enzimas recaptem os neurotransmissores para o
neurônio;
• Antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina e noradrena
lina (IRSN): não permitem que enzimas recaptem os neurotransmissores para
o neurônio;
• Antidepressivos inibidores da recaptação da noradrenalina e dopami
na (IRND): não permitem que enzimas recaptem os neurotransmissores para
o neurônio.
É importante explicar que, em muitos casos, a ansiedade é tratada com an
tidepressivos porque alguns dos neurotransmissores são importantes na re
gulação da impulsividade, da ansiedade, da disposição, memória, entre outras
ações cognitivas e comportamentais. Transtornos como o transtorno obses
sivo-compulsivo (TOC) e o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH) também podem ser tratados com esta classe de medicamentos.
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Medicamentos ansiolíticos
A ansiedade traz diversos sintomas físicos e emocionais que, em muitos mo
mentos, podem ser crônicos e de difícil tratamento. Do ponto de vista neurobio
lógico, trata-se da ativação ou excitação do sistema nervoso autônomo, por isto
os sintomas de aceleração cardíaca, pressão alta, sudorese etc. A amígdala e o
hipocampo, estruturas cerebrais presentes no lobo temporal, têm a função de
regular as emoções, em especial o medo. Ambos têm ativação da noradrenalina.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
O GABA é o principal neurotransmissor inibitório do SNC, exercendo uma
importante função na redução da atividade de muitos neurônios, inclusive da
amígdala e hipocampo. As medicações benzodiazepínicas (diazepam, alprazo
lan etc) fazem o papel de estimular o sistema GABAérgico tanto na amígdala
quanto no córtex pré-frontal, aliviando a ansiedade.
A 5-HT também tem uma função muito importante na regulação da ansie
dade, pois faz conexões com a amígdala, e por isso antidepressivos ISRS são
utilizados no tratamento da ansiedade. Eles permitem que haja maior con
centração de 5-HT na fenda sináptica. Da mesma forma, a NA, que também
regula as ações da amígdala, atua na ansiedade, mas nesse caso, uma hipe
restimulação da NA ocasiona sintomas de pânico, medo e ansiedade. Sendo
assim, os antidepressivos utilizados são de IRSN, para que haja uma adequa
ção, de forma que não haja falta nem de excesso deste neurotransmissor.
Vale lembrar que o excesso de neurotransmissor na fenda sináptica diminui
receptores do neurônio pós-sináptico.
Outro aspecto bem importante a ser considerado na psicofisiologia da an
siedade e da depressão é a presença do estresse na vida do paciente. O estres
se crônico e a depressão causam alterações bioquímicas, o que excita o eixo
hipotálamo e glândula suprarrenal, responsável pela produção de cortisol. O
estresse aumenta esse hormônio, que, por sua vez, suprime o sistema imuno
lógico e aumenta o nível de energia. Um estresse transitório acaba causando
uma ação benéfica, pois o aumento de energia serve para que a pessoa tenha
disposição para reagir e enfrentar o problema que surgiu. Mas o estresse crô
nico causa lesões e atrofia do hipocampo, o que acarreta uma elevação crônica
de todos os hormônios do estresse. Tem-se, então, uma pessoa com a imunida
de baixa e com seus neurotransmissores totalmente desregulados.
Em relação ao tratamento medicamentoso da ansiedade, vamos iniciar fa
lando dos benzodiazepínicos (BZD). Foi na década de 1950, quando houve toda
aquela movimentação em relação aos psicotrópicos, que começaram a empre
gar esforços para achar algum tipo de tranquilizante. No final de 1963, iniciou
-se a comercialização do diazepam. Os BZDs modulam a atividade do GABA-A,
possuem efeito sedativo e hipnótico, sendo utilizados tanto para as insônias
quanto para os casos de ansiedade, como relaxantes e anticonvulsivantes. Os
BZDs têm alta taxa de dependência.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Geralmente, os medicamentos mais usados para os transtornos de ansie
dade são aqueles de recaptação de serotonina (ISRS - fluoxetina, escitalopram,
entre outros) e os de recaptação da noradrenalina (ISRN - venlafaxina, duloxe
tina, entre outros). Os BZDs são usados para ação de início rápido nos casos de
sintomas somáticos mais incômodos e momentos de crise. Os BDZ são usados
inicialmente quando ainda há crises mais presentes e depois vão sendo grada
tivamente retirados.
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Medicamentos antipsicóticos
As manifestações psicóticas são antigas e possuem registros na história da
humanidade desde o Egito Antigo. Foi no século XIX que começaram a fazer
relatos organizados sobre este transtorno em adultos jovens, pois a asseme
lhavam à demência de idosos, e então chamaram de "demência precoce". Tan
tos os transtornos maníacos depressivos quanto a demência precoce foram
publicadas por Kraepelin, em 1899, e se tornou um marco na psiquiatria. Em
1911, surgiu o termo "esquizofrenia" pelos estudos de Bleuler.
A esquizofrenia acomete 1% da população mundial, iniciando geralmente
em adultos jovens, entre 20 e 30 anos. O que essencialmente define a esqui
zofrenia são sintomas psicóticos, incluindo, principalmente, as alucinações e
delírios. Desde 2013, com o lançamento do Manual Diagnóstico e Estatístico
dos Transtornos Mentais (DSM-V), a esquizofrenia é vista como um espectro.
EXPLICANDO
Um transtorno do espectro, dentro da medicina, significa que uma con
dição de sofrimento não se designa apenas a uma única descrição ou
condição, mas a uma síndrome que pode ser composta por muitos outros
subgrupos de sintomas, de outras classes diagnósticas. São considerados
os níveis leve ou grave. Assim, pode-se considerar: o espectro bipolar, o
espectro autista e o psicótico, por exemplo, que podem se mesclar en-
tre alguns diagnósticos e sintomas mais amplos e não somente em uma
"caixinha diagnóstica".
PSIQUIATRIA BÁSICA .
paminérgica, mas também podendo ser um excesso de receptores de DA no
neurônio pós-sináptico, ou até uma combinação destes dois fatores. Também
está no processo psicótico a presença do glutamato, pois este é o principal
neurotransmissor excitatório do SNC. Por este motivo, o glutamato tem sido
alvo de novas drogas para futuros tratamentos da esquizofrenia. Percebe-se
também que há uma inibição no córtex pré-frontal relacionada a uma anorma
lidade nos níveis de GABA em pacientes esquizofrênicos.
Outra teoria neurobiológica para a esquizofrenia, a partir de achados pa
tológicos, é que pessoas com este transtorno podem apresentar um volume
reduzido do hipocampo e da amígdala. Uma outra teoria é que possa haver
uma perda progressiva de função neuronal por perda de dendrites, destruição
de sinapses ou morte neuronal, como um processo de neurodegeneração.
Os medicamentos antipsicóticos (ou neurolépticos) estão no rol do trata
mento da esquizofrenia. Os antipsicóticos são classificados em dois grupos: (i)
antipsicóticos convencionais ou típicos são mais antigos e atuam como antago
nistas dos receptores de DA; (ii) antipsicóticos de segunda geração ou atípicos
atuam como antagonistas dos receptores de 5-HT e DA.
Os antipsicóticos convencionais (típicos) bloqueiam os receptores da DA e
reduzem a hiperatividade dos neurônios dopaminérgicos. São eficientes no
controle dos sintomas psicóticos e são muitos os efeitos colaterais indesejáveis
envolvidos, pois, ao mexer neste tipo neurônio, os pacientes também se mos
tram apáticos, sem motivação e com diminuição reduzida na interação social. O
bloqueio dos receptores da DA neste tipo de medicamento também apresenta
transtornos do movimento, semelhantes à Doença de Parkinson ou outros mo
vimentos indesejados.
Outros efeitos colaterais que se associam ao bloqueio dos receptores de
DA são o aumento da prolactina, levando à secreção mamária em homens
e mulheres; disfunção sexual; e ganho de peso. Exemplo de antipsicóticos
convencionais: clorpromazina, haloperidol, levomepraina, sulpirida etc. Os
antipsicóticos atípicos ou de segunda geração são, atualmente, as principais
drogas no tratamento da esquizofrenia e de pessoas com sintomas psicóti
cos, uma vez que apresentam menos efeitos colaterais. Exemplos de antip
sicóticos atípicos: clozapina, amisulprida, loxapina, olanzapina, risperidona,
quetiapina, entre outros.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
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Introdução à psiquiatria infantil e da adolescência
A psiquiatria da infância e da adolescência é uma especialidade médica re
cente em relação à psiquiatria geral. Seu marco inicial foi num congresso de
psiquiatria infantil na França, em 1937. Mesmo assim, ainda são poucos os psi
quiatras da infância e adolescência (pedopsiquiatras), mesmo que seja grande
o número de crianças e adolescentes com transtorno mental.
A psiquiatria infantil se especializa em diagnosticar e tratar os transtornos
infantis e adolescentes de uma forma bem específica, pois precisa conhecer
os estágios do desenvolvimento da criança e demais peculiaridades de cada
fase. Os transtornos mais comuns em que se procura um psiquiatra infantil
são: depressão, ansiedade, espectro autista, transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade, transtorno opositor desafiante, dificuldades na aprendizagem
e atrasos no desenvolvimento.
O pedopsiquiatra precisa ser muito cauteloso na sua avaliação visto que o
desenvolvimento infanto-juvenil é marcado por muitas fases que interferem
no comportamento e humor. É muito relativo identificar como anormal uma
distração, uma insegurança, um comportamento de isolamento ou agressão
dependendo da idade da criança ou adolescente.
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Avaliação, exame e testagem psicológica
Para a avaliação de uma criança, é importante a entrevista clínica com os
pais, com a criança e outros membros da família, quando for necessário. A
avaliação envolve conhecer o desenvolvimento da criança, suas relações e seu
funcionamento escolar. Testes psiconeurológicos, muitas vezes, são um instru
mento importante para o médico, pois oferecem melhores condições ao médi
co de conhecer onde estão as limitações do paciente.
Para a entrevista, o profissional precisa saber de desenvolvimento infantil.
Outra habilidade importante é engajar a criança na relação terapêutica para
que ela fique à vontade em falar de suas dificuldades com o entrevistador.
O grau de sigilo na entrevista infantojuvenil está relacionado com a idade da
criança e a situação na qual ela está envolvida. Crianças menores têm quase
todas as informações compartilhadas com os pais e responsáveis, enquanto
PSIQUIATRIA BÁSICA .
que com os adolescentes é possível um pouco mais de privacidade. Em relação
a bebês e crianças bem pequenas, é possível o atendimento, que geralmente é
procurado em casos de alto nível de irritabilidade, perturbações alimentares,
dificuldade de ser consolado, perturbações de sono, comportamento retraído
e atrasos no desenvolvimento. Observam-se as brincadeiras, a interação pais e
bebê, e a comunicação verbal e não verbal.
Com crianças na idade escolar, dependendo da situação que as leva ao con
sultório, pode apresentar mais facilidade de conversar com o psiquiatra, pois a
princípio teria maior compreensão da situação. De qualquer forma, é sempre
importante que eles saibam a razão do encaminhamento, de modo que tam
bém possam trazer suas demandas. Os adolescentes podem apresentar mais
apreensão pelo temperamento e fase de desenvolvimento, mas tudo depende
da qualidade da vinculação efetivada.
Na avaliação psiquiátrica da criança, deve-se incluir: uma descrição da ra
zão do encaminhamento; o funcionamento passado e presente; resultado de
testes (se houver); queixa principal; histórico familiar; marcos do desenvolvi
mento; história médica, incluindo imunizações; história escolar; e história de
relacionamento com familiares e com seus pares.
A avaliação neuropsiquiátrica é recomendada para crianças e adolescentes
que apresentem suspeita de um transtorno neurológico, pois sinais e sintomas
neurológicos podem se tratar de alguma lesão cerebral.
Os transtornos a serem cuidados pelo pedopsiquiatra:
• Deficiência intelectual: anormalidades cromossômicas, fatores genéticos,
fatores pré-natais, fatores perinatais, transtornos adquiridos na infância, fato
res ambientais e socioculturais;
• Transtornos da aprendizagem: transtorno da leitura, da matemática, da
expressão escrita;
• Transtornos do desenvolvimento da coordenação;
• Transtornos do neurodesenvolvimento;
• Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade;
• Transtornos do comportamento disruptivo: opositor desafiante, de conduta;
• Transtorno da alimentação;
• Tiques;
• Transtornos da comunicação;
PSIQUIATRIA BÁSICA .
• Transtornos da excreção;
• Transtornos de ansiedade;
• Transtornos do humor, automutilação e suicídio;
• Esquizofrenia com início na infância/adolescência.
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Depressão infantil
Elucidar a depressão infantil é importante para que possamos compreen
der como ela se manifesta nas crianças e adolescentes, bem como as possíveis
formas de manejar esta situação. Souza e Rodrigues (2020) afirmam que, em
10 anos, o número de crianças diagnosticadas com depressão na idade entre 6
a 12 anos aumentou consideravelmente e que a incidência deste transtorno é
de 1% a 3% entre O a 17 anos.
A depressão é caracterizada por "humor deprimido na maior parte do dia,
falta de interesse nas atividades, alterações no sono e apetite, falta de ener
gia, sentimento de inutilidade, dificuldade de concentração e pensamentos ou
tentativas de suicídio" (CRUVINEL; BUROCHOVITCH, 2003, p. 78). Crianças com
depressão, no entanto, podem apresentar sintomas em três diferentes distúr
bios: o transtorno disruptivo de desregulação do humor, o transtorno depres
sivo maior e o transtorno depressivo persistente.
O transtorno disruptivo da desregulação do humor refere-se ao humor ir
ritável, que é crônico, e, além das explosões de raiva, pode ser percebido por
uma irritabilidade constante, sendo mais propensas em crianças do sexo mas
culino em idade escolar. Esta criança apresenta muita dificuldade de se relacio
nar com sua família, professores e colegas de escola e apresenta dificuldade na
realização de tarefas, em especial de grupo.
No transtorno depressivo maior, a criança apresenta humor
deprimido na maior parte do tempo, não tem interesse de brin
car nem de fazer qualquer outra atividade, apresenta perda ou
ganho de peso em razão da alteração de apetite, insônia
ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, cansa-
ço, culpa, sentimentos de inutilidade, dificuldade de se
concentrar e pode ou não apresentar autoagressão ou
comportamento suicida.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
No transtorno persistente (distimia), o humor é deprimido na maior parte
do dia, mas é uma tristeza mais reativa do que o episódio depressivo maior. De
qualquer forma, apresenta alterações no apetite, no sono, tem baixa autoesti
ma, sentimentos de fracasso e desesperança, entre outros.
Visto que a maioria das crianças passa grande parte da sua vida no am
biente escolar, a escola é um lugar de extrema importância para discutir
sobre a saúde mental de seus alunos, bem como a necessidade de capacitar
os professores para que consigam perceber alterações no comportamento
dos mesmos. Não é que eles devam fazer a função dos pais, mas é que mui
tas situações de sofrimento podem ter relação com dificuldades de relacio
namento com eles, entre outros problemas familiares, portanto no núcleo
familiar não será notado.
Além disso, é na escola que se percebem alterações no desenvolvimento,
nas relações, na aprendizagem, o que são indicadores de que algo não vai bem.
Sendo assim, é de grande valor que a saúde e a educação possam fazer par
cerias para uma intervenção adequada e precoce nos alunos, não apenas com
intervenção nos casos detectados, mas como prevenção e promoção de saúde.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Sintetizando •
Esta unidade trouxe conceitos que visam complementar a disciplina de psi
quiatria básica, ampliando a compreensão sobre a psiquiatria e suas formas
de atuação.
A urgência e emergência psiquiátrica apresentam as situações que neces
sitam de intervenção imediata, e geralmente estão relacionadas com os casos
de comportamento agressivo, suicídio, alterações no quadro mental devido a
quadros orgânicos, condições relacionadas à dependência química, como abs
tinência ou intoxicação e os casos de psicose aguda. Abordou-se sobre o mane
jo e os cuidados com a equipe e o paciente.
Foi abordada também a temática da psiquiatria comunitária e reforma psiquiá
trica, que foi um dos grandes marcos na psiquiatria no Brasil e no mundo. Em par
ticular, no Brasil, foram apresentados alguns tópicos da condição histórica.
Um aspecto importante para o conhecimento do psicólogo é a psicofarma
cologia. Mesmo que não nos caiba medicar, muitos pacientes chegam medi
cados ou precisando de encaminhamento para o setor psiquiátrico frente à
sua condição emocional e muitos psicólogos desconhecem as funções de cada
medicamento psicotrópico, neurotransmissão envolvidas. Portanto, procurou
-se oferecer uma introdução e apresentação de conceitos importantes como
a neurotransmissão, medicamentos antidepressivos, ansiolíticos e psicóticos.
Outro aspecto brevemente abordado foi sobre a psiquiatria infantil. Visto
que a psicopatologia não era o foco nesta unidade, procurou-se levantar as
pectos importantes sobre a atuação do psiquiatra infantil e os transtornos em
que ele pode auxiliar.
PSIQUIATRIA BÁSICA .
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