Você está na página 1de 116

ser '1C

gente criando o futuro


Presidente do Conselho de Administração Janguiê Diniz
Diretor-presidente Jânyo Diniz
Diretoria Executiva de Ensino Adriano Azevedo
Diretoria Executiva de Serviços Corporativos Joaldo Diniz
Diretoria de Ensino a Distância Enzo Moreira
Autoria Fabiana Gonçalves Felix
Projeto Gráfico e Capa DP Content

DADOS DO FORNECEDOR
Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design lnstrucional,
Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão.

© Ser Educacional 2021


Rua Treze de Maio, n º 254, Santo Amaro
Recife-PE - CEP 50100-160
*Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência.
Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio
ou forma sem autorização.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.0 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do
Código Penal.
Imagens de ícones/capa:© Shutterstock
1 ASSISTA
Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações comple­
mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado.

1 CITANDO
Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa
relevante para o estudo do conteúdo abordado.

1 CONTEXTUALIZANDO
Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato;
demonstra-se a situação histórica do assunto.

o\ 1 CURIOSIDADE
Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto
tratado.

1 DICA
Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma
informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado.

1 EXEMPLIFICANDO
Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto.

1 EXPLICANDO
Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da
área de conhecimento trabalhada.
Unidade 1 - O campo da Psiquiatria e as grandes síndromes psiquiátricas
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 12

O campo da Psiquiatria ....................................................................................................... 13


Epistemologia psiquiátrica ............................................................................................. 14
Causalidade psíquica versus determinismo biológico .............................................. 17

A avaliação psiquiátrica ..................................................................................................... 20


Entrevista e anamnese ................................................................................................... 21
O Exame do Estado Mental ............................................................................................ 24

As grandes síndromes psicopatológicas ........................................................................ 28


Síndromes ansiosas ........................................................................................................ 28
Síndromes depressivas e maníacas ............................................................................ 29
Síndromes neuróticas ..................................................................................................... 31
Síndromes psicóticas ..................................................................................................... 32
Síndromes relacionadas ao comportamento alimentar ........................................... 32
Síndromes relacionadas às substâncias psicoativas ............................................... 34
Síndromes relacionadas à sexualidade ...................................................................... 34
Síndromes psicorgânicas .............................................................................................. 35

Sintetizando ........................................................................................................................... 36
Referências bibliográficas ................................................................................................. 37
Unidade 2 - As síndromes psiquiátricas
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 39

Transtornos de humor: um breve histórico ...................................................................... 40


O que os transtornos de humor contemplam? ........................................................... 42
Transtorno afetivo bipolar (TAS) ................................................................................... 45
Transtornos depressivos ................................................................................................ 47

Transtornos de ansiedade................................................................................................... 49
Fobia social e fobias específicas.................................................................................. 51
Transtorno de pânico e agorafobia .............................................................................. 52
Transtorno de ansiedade generalizada (TAG) ............................................................ 54
Ansiedade de separação e mutismo seletivo............................................................. 54

Transtornos psicóticos e mentais orgânicos .................................................................. 57


Esquizofrenia .................................................................................................................... 57
Transtornos neurocognitivos (TNC) ............................................................................. 59

Transtornos relacionados ao uso de substância psicoativa........................................ 60


Fases da mudança de comportamento ....................................................................... 61

Sintetizando ........................................................................................................................... 63
Referências bibliográficas ................................................................................................. 64
Unidade 3 - Principais transtornos psiquiátricos e deficiência intelectual
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 66

Os transtornos de personalidade ...................................................................................... 67


Transtornos de personalidade do grupo A .................................................................. 70
Transtornos de personalidade do grupo 8 .................................................................. 71
Transtornos de personalidade do grupo C .................................................................. 73

Os transtornos dissociativos .............................................................................................. 75


Transtorno dissociativo de identidade......................................................................... 76
Amnésia dissociativa ...................................................................................................... 77
Transtorno de despersonalização/desrealização ...................................................... 77

Os transtornos alimentares e os transtornos relacionados ao controle de impulsos ........ 78


Anorexia e bulimia nervosa ........................................................................................... 90
Pica e transtorno de ruminação ................................................................................... 81
Transtorno restritivo/evitativo e compulsão alimentar ............................................. 81

Deficiência intelectual ....................................................................................................... 83

Sintetizando........................................................................................................................... 87
Referências bibliográficas ................................................................................................. 88
Unidade 4 - Urgências psiquiátricas, reforma psiquiátrica, psicofarmacologia e
psiquiatria infantil
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 90

Urgências psiquiátricas ...................................................................................................... 91


Comportamento agressivo ............................................................................................. 91
Suicídio .............................................................................................................................. 93
Quadros orgânicos com alterações no estado mental ............................................. 95
Uso ou abstinência de substâncias psicoativas ........................................................ 95
Psicose aguda.................................................................................................................. 96

Psiquiatria comunitária e reforma psiquiátrica ............................................................. 97

Noções básicas de psicofarmacologia ........................................................................... 99


Fundamentos da neurotransmissão ............................................................................. 99
Os neurotransmissores ................................................................................................ 103
Medicamentos antidepressivos ................................................................................. 105
Medicamentos ansiolíticos .......................................................................................... 107
Medicamentos psicóticos............................................................................................ 109

Introdução à psiquiatria infantil e da adolescência ................................................... 111


Avaliação, exame e testagem psicológica ............................................................... 111
Depressão infantil ......................................................................................................... 113

Sintetizando ......................................................................................................................... 115


Referências bibliográficas ............................................................................................... 116
Queira ou não queira, goste ou não da ideia, os psicólogos precisam ter o co­
nhecimento mínimo de como a psiquiatria atua, pois sempre iremos nos deparar
com pacientes que são acompanhados por essa especialidade médica. Algumas
vezes necessária e fundamental, em outras não. Sempre nos deparamos com os
mais diversos tipos de profissionais: aqueles que encaminham para psicólogos,
que valorizam nossa intervenção, assim como aqueles que desconhecem, des­
prezam e usam de fórmulas químicas para silenciar o paciente.
A disciplina de Psiquiatria básica seria muito melhor escrita por um médico
psiquiatra. Mas o olhar de um psicólogo faz grande diferença, pois pode trazer
consigo a experiência prática de quem já vivenciou trocas valiosas com exce­
lentes profissionais médicos, com pacientes crônicos e de situações de grande
confusão e sofrimento, que não há como não ter o suporte medicamentoso.
Como lidar?
Todas as práticas de cuidado são aliadas. Reforço: práticas de cuidado. Pas­
samos por momentos difíceis na história, onde não era cuidado e respeito, mas
castigo, isolamento, preconceito, medo e exclusão. Então é ético e fundamental
o conhecimento sobre psicopatologia e a atuação da psiquiatria na integralida­
de do cuidado.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
A professora Fabiana Gonçalves Felix
é formada em em Psicologia Cogniti­
va Comportamental pelo Instituto WP
(2017), especialista em Saúde da famí­
lia e comunidade (UNIASSELVI, 2013),
especialista em Psicologia e Saúde
mental (UNERJ, 2002) e graduada em
Psicologia pela Universidade Regional
de Blumenau (FURB, 2002). É psicóloga
na Prefeitura Municipal de Blumenau e
atualmente atua na assistência à saúde
da mulher e fissurados de lábio e palato.

Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9487271956195456

Minha vivência como psicóloga e minha árdua luta em manter-me crítica não
teria sentido sem a presença de cada pessoa que acolhi e atendi. Sendo assim,
dedico a cada um deles o esforço aqui colocado para que futuros profissionais
possam ter o mesmo cuidado que tenho ao acolher o sofrimento do outro.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
UNIDADE

ser
educacional
Objetivos da unidade

Compreender o campo epistemológico da psiquiatria;

Conhecer os princípios da avaliação psiquiátrica, desde a avaliação da


história do paciente, sintomas clínicos e técnicas de entrevista;

Conhecer as grandes síndromes psiquiátricas e suas categorias.

Tópicos de estudo
O campo da Psiquiatria Síndromes relacionadas ao
Epistemologia psiquiátrica comportamento alimentar
Causalidade psíquica versus Síndromes relacionadas às
determinismo biológico substâncias psicoativas
Síndromes relacionadas à
A avaliação psiquiátrica sexualidade
Entrevista e anamnese Síndromes psicorgânicas
O exame do estado mental

As grandes síndromes
psicopatológicas
Síndromes ansiosas
Síndromes depressivas e
maníacas
Síndromes neuróticas
Síndromes psicóticas

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
O campo da Psiquiatria
Relato de experiência
No meu último ano de graduação em Psicologia, iniciei minha especializa­
ção em Psicologia e saúde mental. Eu sabia que queria atuar com pacientes
psiquiátricos e que estávamos em plena força no movimento da luta antimani­
comial. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) eram recentes e a militância
era contra a institucionalização da loucura e exclusão dos pacientes psiquiátri­
cos na sociedade.
Meu primeiro trabalho foi em uma unidade de internação psiquiátrica em
hospital geral. Na primeira semana pude aprender as rotinas da unidade e co­
nhecer os pacientes com quem eu iria atuar, auxiliando no processo de alta.
Lembro de um paciente catatônico que não apresentava melhora com os me­
dicamentos, estando há três semanas internado e sem qualquer resposta. Foi
quando o psiquiatra me perguntou se eu já havia presenciado o tratamento
de eletroconvulsoterapia (eletrochoque). Claro que não, disse eu, perplexa. Foi
então que ele me chamou para presenciar como era feita a aplicação e acom­
panhar o paciente catatônico. Lembro de estar imensamente incomodada, eu
não tinha força alguma de opinar contra, até porque nem poderia, pois eu não
conhecia a terapia, apenas os castigos destinados antigamente da forma per­
versa com que era feita essa prática.
O psiquiatra me explicou sobre os cuidados de sedação, de certa forma eu
estava muito curiosa (e angustiada) em ver o reestabelecimento daquele pa­
ciente. Assisti o processo de aplicação e não vi manifestação de dor, ele estava
devidamente sedado. Mas eu vi em uma semana a resposta de um paciente to­
talmente imóvel, que não se comunicava nem com o olhar, para um mesmo pa­
ciente comendo sozinho, chorando suas dores e verbalizando suas angústias.
Naquele momento entendi que eu precisava me abrir para aprender
mais. Eu estava decidida a abrir mão dos meus ideais de humaniza­
ção do cuidado e de luta pela inclusão daquelas pessoas,
mas o hospital não era o lugar ideal para minhas lutas.
Ali recebíamos pessoas em crise e tão logo que me-
lhoravam, recebiam alta e mantinham o cuidado am-
bulatorial. Era do outro lado que eu queria estar.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
Por três anos trabalhei no hospital na unidade psiquiá­
trica até que fui chamada no concurso do meu municí­
pio, para atuar no Centro de Atenção Psicossocial Álcool
e Drogas (Caps Ad). Foi então que eu pude trabalhar da
forma como eu acreditava, no hospital aprendi e passei a
respeitar muitas outras formas de cuidado, a compreender a função
importante da medicalização e do trabalho integrado com outras categorias,
como a terapia ocupacional, a enfermagem, a assistência social, entre outras.
Esse depoimento introdutório não é para dizer a vocês que apoio eletro­
choque, mas sim para dizer que é importante fazermos as pazes com a psiquia­
tria, que é importante sim conhecer a psicopatologia, até porque há um certo
preconceito de alguns médicos em relação aos psicólogos, visto que muitos
destes também não conhecem o mínimo para saber interagir com uma equipe
multidisciplinar. Os pacientes muitas vezes chegam sabendo mais do que nós
sobre medicamentos e sobre doenças. Quantos colegas já vi desconhecer uma
condição que era fundamental saber para lidar com o paciente com transtorno
de personalidade e paciente em crise, inclusive psicólogos com medo da loucu­
ra! É importante conhecer para saber o que enfrentar.

••
Epistemologia psiquiátrica
A epistemologia é uma palavra composta pelos radicais "episteme", que sig­
nifica conhecimento, e "logos" que significa estudo ou ciência. Dessa forma,
pode-se dizer que epistemologia é um campo da filosofia que se encarrega
de estudar o conhecimento, as crenças ou sistema de crenças. Ampliando a
compreensão para a epistemologia psiquiátrica, conclui-se que estamos aqui
falando da compreensão do campo da psiquiatria, por onde anda suas crenças,
seu conhecimento e seu estudo.
A psiquiatria deriva do grego e seu significado é: "a arte de curar a alma".
É uma área da medicina responsável pelo estudo, diagnóstico e tratamento
dos transtornos mentais e do comportamento. O psiquiatra trabalha tanto na
prevenção quanto no diagnóstico e na reabilitação de pessoas em diferentes
formas de sofrimento psíquico, como a depressão, as ansiedades, os transtor­
nos psicóticos, as demências, entre outros.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
Registra-se que a psiquiatria surgiu ainda no século V (a.C.) e os hospitais
psiquiátricos na Idade Média. Mas foi no século XVIII que a medicina avançou
enquanto um saber médico. Ao longo dos tempos o número de pacientes pas­
sou a crescer intensamente e as internações em hospitais passaram a aumen­
tar. Foi no século XX que os transtornos mentais passaram a ser estudados a
partir do contexto biológico, com o surgimento de classificação dos sofrimen­
tos e dos transtornos, bem como os medicamentos psiquiátricos. Por haver
todo um estudo descritivo de tais doenças, elas passaram a ser diferenciadas
por suas características biológicas e psicopatológicas, a possibilidade de cura,
duração e curso de cada uma delas e a diferenciação do tratamento.
Passamos então a estar diante de uma nova forma de categorização das
pessoas: como elas reagem ao sofrimento. Desde o século XIX passa-se a "com­
preender" a forma como algumas delas vão se posicionar diante da vida, sen­
do que estamos diante de uma época que ferve a categorização, a divisão, o
julgamento e a avaliação. Podemos imaginar quantas "cobaias humanas" pa­
deceram, quantas mulheres foram silenciadas numa sociedade altamente pa­
triarcal, quantos pensadores foram silenciados. Na Figura 1 podemos observar
um paciente amarrado em um colete de força, geralmente usado para conter
pacientes agitados.

Figura 1. Paoente em isolamento utilizando um colete de força para conter agitação. Fonte: Adobe Stock. Acesso em: 20/06/2021.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Hoje nós compreendemos que a saúde mental de uma pessoa é influencia­
da por uma série de fatores, como a condição biológica, a condição familiar, so­
cial e cultural. Esses por sua vez, influenciam a nossa forma de enfrentamento,
de superação ou de padecimento. No entanto, passamos por um período da
história onde o sofrimento era usado de forma ideológica e desumana. Certa­
mente, estamos falando do início também de todo o conceito que trazemos até
hoje em relação à medicina psiquiátrica, o medo de muitas pessoas de serem
consultadas por "médicos de louco", de como esses profissionais irão realizar
o tratamento, dando choque ou dopando, criando um afastamento e impedi­
mento do trabalho interdisciplinar.
A psiquiatria tem mudado e os no­
vos psiquiatras também. Os espaços
de formação hoje são diferentes de
outrora, pois antes os residentes ti­
nham apenas o hospital psiquiátrico
como referência de espaço de forma­
ção e, portanto, levavam essa prática
para o consultório. A compreensão do
sofrimento se reduzia aos sintomas e a medicalização buscava o silenciamento
dos pacientes. Todo o movimento da reforma psiquiátrica foi fundamental para
essa mudança de paradigma. Hoje temos os Caps, os tratamentos ambulato-
riais e uma lei que impede a internação psiquiátrica sem qualquer justificativa.
Todo esse contexto promoveu uma mudança na grade curricular e os antigos
professores foram saindo de cena. Claro que não podemos afirmar que todos
são humanizados, mas não é uma questão de serem psiquiatras ou não, mas
da condição de valores de cada profissional, independente da categoria.
Psiquiatras são médicos, cuidam do sofrimento psíquico a partir do modelo
biomédico, com uso de medicamentos. Isso não é considerado um problema
na saúde mental, ao contrário, é bem importante. Erro é não haver o traba­
lho inter e multidisciplinar. Os psiquiatras realizam exames físicos, interpretam
exames laboratoriais e de imagem e investigam condições clínicas que interfe­
rem na saúde mental, visto que há desordens que ocorrem por uma condição
clínica e desordens emocionais ou neurológicas que podem ser melhor obser­
vadas através da avaliação neuropsicológicas, com testes.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
A terapêutica envolve alguns protocolos, onde o mais
comum, inclusive, e o motivo de maior procura, é a
prescrição de medicamentos, que geralmente é reco-
mendada por associar com psicoterapia. Psiquiatras
também realizam psicoterapia, onde o ideal é que eles
façam uma formação em uma abordagem clínica (embora
há os que não façam atendimentos de psicoterapia com seus pa­
cientes ou façam sem formação, infelizmente, como alguns psicólogos). A inter­
nação em unidades psiquiátricas de hospital geral (ou até mesmo internação
na clínica médica), também ocorrem por seu encaminhamento. Antigamente
havia os hospitais psiquiátricos, que deixaram de existir no País a partir da Lei
Paulo Delgado (Lei 10.216, de 2001) e as internações eram longas, até mesmo
viravam depósito de pessoas desprezadas por seus familiares. Atualmente o
tratamento é realizado de forma ambulatorial e, quando necessário, encami­
nha-se para a internação. Os encaminhamentos para atendimento psiquiátrico
podem ser feitos por outros profissionais médicos e podem ocorrer de forma
judicial ou por demanda espontânea.
Apesar da psiquiatria ser um dos ramos mais antigos da medicina, sua sig­
nificância surgiu a partir do surgimento da neurociência, lembrando que a me­
dicina é uma ciência de tamanha relevância e impacto social, sendo assim, o
estudo de fenômenos neuroquímicos deram validação e credibilidade.

••
Causalidade psíquica versus determinismo biológico
Sobre o sofrimento psíquico, o dever do profissional de saúde é avaliar se o
sofrimento tem uma causa de base emocional ou de causa biológica. É muito
comum ouvirmos uma queixa e rapidamente associarmos a questões emocio­
nais (pois somos psicólogos e desconhecemos questões clínicas). Muitos mé­
dicos, independente da área, encaminham para o psicólogo um paciente que
permanece com queixas após vários exames médicos. Certamente ocorrem
erros de alguns psicólogos que descartam uma condição clínica interferindo
no afeto e comportamento, bem como de médicos que não escutam melhor a
queixa do paciente e desconsideram outros caminhos para a avaliação clínica,
julgando a queixa como de fundo psicológico.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
Essa questão envolve uma postura ética do profissional de saúde, pois é neces­
sário trabalhar de forma interdisciplinar e quando não for possível, no mínimo de
forma multidisciplinar. É necessário estudar a queixa, a situação em que o pacien­
te se encontra (luto, perdas, adaptações, mudanças de rotina) e, principalmente,
ter uma boa capacidade de escuta. É um treino diário do profissional, mesmo com
anos de atuação.
Nos primeiros debates da antropologia para explicar a existência das diferen­
ças raciais entre os homens, surgiram doutrinas estereotipadas em relação à evo­
lução humana. Uma delas ficou conhecida como determinismo biológico, onde
as características físicas e comportamentais eram condicionadas a uma herança
genética. Apesar de essas doutrinas terem sido refutadas há quase um século,
ainda persistem preconceitos na atualidade.
Quando nos referimos ao determinismo biológico, estamos dizendo que uma
condição já é predeterminada, não havendo chances de mudança. No caso dos
aspectos psicológicos, o determinismo biológico afirmava que o comportamento
ou afeto de determinada pessoa estava condicionada pelas suas características
hereditárias. Por esse viés, era a condição biológica da pessoa que explicava de­
terminados eventos e que teriam grande diferença na escolha de um tratamento.
O que precisamos ter em mente é que a genética tem um fator determinante,
porém este fator pode ser transformado por todas as condições culturais, sociais,
religiosas ou políticas, enfim, o ser humano não está condicionado a sua marca
biológica. Vejamos o exemplo de uma criança com Síndrome de Down, que tendo
um ambiente saudável de crescimento pode muitas vezes alcançar um desenvol­
vimento melhor do que uma criança sem a síndrome em condições precárias de
alimentação e demais fatores de proteção. No entanto, sabendo de toda condição
biológica que a caracteriza, precisamos entender seus limites e suas necessidades.
Dessa forma, voltamos para a situação discutida no início, onde a condução ética
do profissional será marcante no sucesso do tratamento.
Quando falamos em causalidade psíquica, estamos nos referindo às condições
somáticas de natureza puramente emocional ou psíquica e que não tenha qualquer
relação com uma disfunção clínica de base biológica. A causalidade psíquica pode
ser explicada de variadas formas, dependendo da abordagem filosófica na qual a
explicação está fundamentada. A psicanálise e a abordagem comportamental po­
derão apresentar explicações diferentes sobre a enurese infantil, por exemplo.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Cardoso e Massimi (2017), apre­
sentam algumas ideias sobre esse
tema pela perspectiva de Edith Stein.
As autoras explicam que, no início do
século XX, a causalidade psíquica esta­
va sendo muito discutida, em virtude
das diversas teorias psicológicas que
emergiam naquele período. De certa forma a discussão era: qual a natureza
das situações psicológicas que originavam doenças físicas e qual o tratamento
específico? A complexidade de respostas e alternativas terapêuticas é estuda-
da até hoje. O que as autoras concluem é que o tema da "casualidade psíquica"
requer problematizar as teorias psicológicas atuais, que têm se deparado com
questionamentos de natureza filosófica e epistemológica, apesar de mais de
um século de estudos. Afirmam que quando a ciência psicológica se separa da
filosofia, corremos o risco de reduzi-la ao naturalismo cientificista (representa-
do pela neurociência e medicina psicossomática) ou relativista das ciências
humanas em geral. As autoras explicam que Edith Stein defendia que somente
uma elaboração filosófica rigorosa é que pode integrar todas as explicações
legais do fenômeno psíquico analisado, sem reduzir um fator ou outro, garan­
tindo um diálogo adequado entre as ciências naturais e culturais.
Essa afirmação é muito rica e corrobora com a condição de uma postura
ética do profissional psicólogo: conhecer os determinantes bioló-
gicos, saber o que é e como se comunicar com o psiquiatra, en-
tender qual é a hora de encaminhar para um outro profissional
(médico, nutricionista etc.) e conhecer as doenças psiquiátricas.

EXPLICANDO
Você já ouviu falar na medicina psicossomática? A ciência, através da
neurociência, da biologia celular e molecular e outros estudos em gené­
tica, percebeu múltiplas conexões do sistema nervoso com os sistemas
imunológicos e endócrinos, o que possibilitou o desenvolvimento da
medicina psicossomática. Conclui-se que mente e corpo estão integrados
em todos os aspectos da vida humana, inclusive no adoecimento. A medi­
cina psicossomática não é uma nova modalidade da medicina, mas uma
habilidade de compreensão da condição do ser humano que deveria estar
presente na prática de todos os médicos.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
A avaliação psiquiátrica
A avaliação psiquiátrica é uma avaliação médica que envolve tanto o exame da
condição geral do paciente, quanto o Exame do Estado Mental (EEM) e a sua história
clínica psiquiátrica. Os médicos podem recorrer aos exames laboratoriais, de ima­
gem, testes psicológicos, neurológicos e psiconeurológicos como auxiliares na ava­
liação. O diagnóstico tem como referência as psicopatologias, baseadas nas referên­
cias do Código Internacional de Doenças - 1 O (CID-1 O) e no Manual de Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais - 5 (DSM-5).
Em geral as pessoas procuram um psiquiatra e não diretamente (ou apenas) o
psicólogo por questões culturais e clínicas. Culturais, pois muitos ainda acham que o
médico é o centro do tratamento e é quem pode melhor indicar a alternativa de cui­
dado para o sofrimento, e clínicas pois há situações onde a avaliação médica para o
uso de psicofármacos se torna necessária. Há de considerarmos ainda, que o acesso
ao profissional psicólogo, infelizmente, é limitado.
O medicamento psiquiátrico é um dos principais instrumentos terapêuticos do
psiquiatra, podendo também ser realizada a psicoterapia, embora haja críticas aos
profissionais que não têm formação em alguma abordagem e se arriscam a atender
os pacientes por psicoterapia além de medicar. Há médicos que além de formação
em uma abordagem psicoterápica também usam das práticas integrativas, como
auriculoterapia, aromaterapia, florais, entre outros.
A avaliação inicial do paciente que procura o atendimento psiquiátrico passa pela
condição física e mental. Há várias situações de desorganização mental que tem um
fundamento orgânico, como a confusão mental em idosos que pode ser causada
por uma infecção, por exemplo. A entrevista psiquiátrica é a forma de se obter in­
formações importantes como ponto de partida e, quando necessário, outras fontes
são consultadas, como familiares e equipes de saúde, assim como na psicologia.
Em relação aos serviços psiquiátricos, há a atuação ambulatorial, que incluem
as consultas e psicoterapia ou internações, em hospital geral e hospital dia. Há duas
formas de internação: a voluntária e a compulsória. A internação voluntária, como
está dito, é aquela em que o paciente está de acordo com essa forma de tratamento,
está ciente de sua internação.Já a internação compulsória necessita de critérios que
a justifiquem, para que seja uma internação legal, mas no geral é quando o paciente
não está ciente nem de acordo, mas está colocando em risco sua vida e a de outras

PSIQUIATRIA BÁSICA •
pessoas. A Figura 2 mostra uma avaliação psiquiátrica, que pode acontecer tanto no
espaço ambulatorial, quanto no hospital ou outros espaços de internação e tem o
objetivo de realizar o psicodiagnóstico e planejar o tratamento, que pode ser medi­
camentoso ou não.

Figura 2. Avaliação psiquiátrica. Fonte: Adobe Stock. Acesso em: 20/06/2021 .

••
Entrevista e anamnese
Primeiramente é importante reafirmar que estamos apresentando confor­
me orientação bibliográfica, o que necessariamente não acontece ipsis litteris,
pois a rotina e a prática de consultório, somando às demandas e experiência
profissional, permitem e exigem novas formas de intervenção. De qualquer
forma, o roteiro para entrevista e anamnese é bem rico de informações para os
profissionais conseguirem se apropriar do máximo de informações pertinentes
no diagnóstico de pessoas com transtorno mental.
Ter habilidade e conhecer a técnica para realizar entrevistas é uma condição
fundamental e insubstituível para os profissionais de saúde. Um pouco dessa
habilidade é intuitiva, parte do profissional, da sua personalidade e da sua sensi­
bilidade nas relações pessoais, segundo afirma Dalgalarrondo (2000). Tão impor­
tante quanto saber das técnicas de medicalização ou intervenção psicoterápicas,
é a condição do profissional de acolher o paciente no seu sofrimento, de conse­
guir ouvi-lo para além de seus delírios e desconexões. Necessita-se de paciência,
respeito e habilidade para lidar com pacientes mais invasivos e agressivos.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
O objetivo da entrevista é poder
acolher o paciente, criar vínculo para o
tratamento e estabelecer uma relação
de confiança, colher o máximo de in­
formações possíveis para conhecer a
condição psicopatológica do paciente,
bem como sua vida e sua cultura, para
poder identificar o seu diagnóstico e
estabelecer o plano de tratamento.
Dalgalarrondo (2000) sugere, sem­
pre que possível, evitar:
1) Posturas rígidas e estereotipa­
das: o profissional deve ser flexível, pois
não há como achar que uma forma de
intervir deve ser a mesma para todos;
2) Atitude excessivamente neutra ou fria: o profissional deve evitar pas­
sar a ideia de distanciamento afetivo;
3) Reações exageradamente emotivas: o profissional não deve produzir
uma falsa intimidade, que é o contrário da condição anterior. Não é ser frio
nem muito caloroso, é ser acolhedor e respeitoso;
4) Comentários valorativos: ou seja, que tragam juízos de valor sobre a
vida e a condição do paciente, sua família e sua cultura;
5) Reações de pena ou compaixão: esse tipo de reação não ajuda na con­
dição de acolhimento nem na explicação de fatos importantes na entrevista;
6) Responder com hostilidade e agressão: o profissional não deve agir
dessa forma, pois não gera empatia com o paciente, infelizmente é fato a pre­
sença dessa reação em muitos profissionais;
7) Entrevista excessivamente prolixa: a entrevista não deve ser muito
longa, onde o paciente fala muito, mas não diz nada, que pode ser por negação
ou mesmo falta de condições de se manter na entrevista. Cabe ao entrevista­
dor saber manter o foco.
Alguns aspectos são importantes também de estar atento para executar
bem a entrevista, chamada por Dalgalarrondo (2000) como "as três regras de
ouro da entrevista psiquiátrica", segundo mostra o Quadro 1.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
QUADRO 1. AS TRÊS REGRAS DE OURO DA ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA

Primeiros contatos
Para pacientes muito tímidos, ansiosos e paranoides é interessante iniciar com perguntas
neutras, (como nome, profissão, onde mora) para aos poucos fazer perguntas mais fortes e
que podem ser constrangedoras ou dolorosas. É a famosa sabedoria popular "comer a sopa
quente pelas beiradas".
Pacientes organizados mentalmente
Para estes pacientes, com nível intelectual capaz de boa compreensão, boa/razoável
escolaridade, fora de um estado ps1cót1co, a entrevista pode ser de forma mais aberta, onde
lhe é perm1t1da uma expressão mais fluente e espontânea.
Pacientes desorganizados mentalmente
Paciente que estão desorganizados mentalmente, que apresentam pouca compreensão
e comprometimento intelectual, precisam que a entrevista seja mais estruturada, de
perguntas mais simples e dirigidas.
Fonte: DALGALARRONDO, 2000, p. 5 1 .

A anamnese é a verificação dos sinais e características de uma complicação


ou comorbidade, realizada através da entrevista clínica. Apesar de cada pro­
fissional de saúde ter um olhar mais específico para determinadas situações,
no contexto da saúde mental, ela pode ser feita por várias categorias para ob­
servar o maior número de detalhes possíveis. É uma etapa bem importante do
tratamento, pois orienta a ordem de prioridade de intervenção de cuidados,
assim como a identificação de fatores que estão interferindo no quadro que
se apresenta.
A anamnese pode ser trabalhada em etapas, organizando o trabalho da equi­
pe ou do profissional executante. No Quadro 2 estão as principais situações que
devem estar presentes na anamnese e a descrição de cada uma delas.

QUADRO 2. INFORMAÇÕES PARA ANAMNESE

Função Descrição
Nome, sexo, idade, estado civil, grupo étnico, procedência,
Identificação
religião.
Motivo do atendimento, acrescentar a descrição na linguagem do
Queixa principal
paciente.
História da enfermidade Início dos sintomas e sua frequência, duração e flutuações.
atual Descrever na sequência cronológica dos sintomas e eventos.

Pré-natal - nascimento
Gestação, parto, condições do nascimento (incluindo peso, anoxia,
icterícia, distúrbio metabólico).

PSIQUIATRIA BÁSICA •
Desenvolvimento na Condições de saúde, desenvolvimento motor, da linguagem e o
infância, adolescência e controle esfincteriano, vida escolar, relacionamentos, sexualidade.
idade adulta. relacionamento conJugal etc.
História médica e Internações, cirurgias, doenças, tratamentos, medicamentos
psiquiátrica utilizados.
Fazer genograma e ecomapa, descrever histórico de doenças,
Histórico familiar
histórias de suicídio, violação da lei, funcionamento social.

Personalidade
Atitudes e padrões de comportamento (exemplo: competitividade,
preocupações com limpeza, humor habitual, capacidade de
pré-mórbida
expressar sentimentos etc.)
Situação socioeconõmica Classe alta, média alta, média baixa, baixa, pobreza absoluta.
Condições de habitação
Água encanada, energia elétrica, esgoto sanitário e coleta de lixo.
(moradia)
Estrutura e
Equilibrada, conflitos frequentes, apoio.
funcionamento familiar
Grau de sociabilidade Lazer e atividades soc1a1s.
Escolaridade Alfabetizado, analfabeto, ensino fundamental, médio ou superior.
Trabalho Ocupação ou profissão.
Tabagismo, alcoolismo
Tipo, quantidade, início, motivação para parar, quando parou.
e outras drogas
Luto: Tristeza por uma perda importante. Tem curso previsível
(cerca de um ano) no ser humano saudável.
Transtornos de adaptação: angústia, desconforto emocional,
depressão e estresse reativos à necessidade de adaptação por
mudanças importantes e impactantes de vida (exemplo: divórcio,
Atenção a situações
separação dos filhos, mudança de casa, escola, país etc.). São mais
especiais
intensos nas crianças, adolescentes e idosos, pessoas adultas
intolerantes às frustrações e imaturas. Tem início em até 30 dias
após o evento perturbador/modificador da vida da pessoa. Cursa
com humor lábil, impaciência, irritabilidade, desgaste emocional,
sensação de desânimo. Pode causar alterações na atividade laboral.
Fonte: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP, (s.d.). (Adaptado)

••
O Exame do Estado Mental
O Exame do Estado Mental (EEM) é a avaliação clínica do aspecto geral do
comportamento, humor, cognição e outras características, que identificam as
condições mentais de uma pessoa. É realizado nos pacientes que
apresentam alterações em seu comportamento e afeto e avalia as
diferentes condições da função mental. É importante que
a pessoa a ser avaliada esteja com sua atenção preser-
vada, por exemplo: uma pessoa que esteja medicada
de forma que não consiga se atentar às perguntas do
examinador de certo sairá prejudicada.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
Ao realizar o EEM é importante
que o profissional esteja focado na
avaliação geral da pessoa, como está
sua aparência (modo de andar, seus
adornos, cuidados com higiene pes­
soal), suas atitudes e postura durante
a consulta ou atendimento - está coo­
perativo, indiferente, amedrontado,
histriônico? Além da avaliação geral, o
EEM avalia as funções mentais, ou seja, a forma como a pessoa está proces­
sando seus pensamentos e racionalidade. O Quadro 3 demonstra quais os
parâmetros são avaliados no EEM e a forma como pode ser feita.

QUADRO 3. O EXAME DAS FUNÇÕES MENTAIS



Funções mentais avaliadas no Exame do Estado Mental (EEM)
1) Nível de consciência

O que avalia? Observações e sugestões


Vígil: apresenta abertura ocular, estado alerta
e responsivo;
Sonolência: lent1f1cação das 1de1as;
Torpor: está dormindo, mas responde a estímulos;
Coma: não pode ser acordado.
2) Estado cognitivo
O que avalia? Observações e sugestões
A orientação Autopsíquica: perguntar dados sobre sua vida,
Avalia a orientação autopsíquica, ou seja, se a como seu nome, nome de familiares, se reconhece
pessoa se reconhece como sujeito, se reconhece as pessoas que a acompanham.
sua condição familiar ou as pessoas próximas; e a Alopsíquica: em que ano está? Cidade, estado ou
orientação alopsíquica, que diz respeito ao tempo país ou lugar daquele momento, como hospital
e ao espaço. ou consultório.
Vigilância: necessita observar se a pessoa
compreende a manutenção de um foco de
atenção para estímulos externos. Pode estar
aumentada (hipervigilante) e diminuída
A atenção (hipovigilante).
Avalia a capacidade para centrar-se em uma Tenacidade: é a capacidade de manter-se em uma
atividade. O seu exame envolve observar: a tarefa específica, termina até alcançar o objetivo.
vigilância, a tenacidade e a concentração. Concentração: é a capacidade de manter a
atenção voluntária, em processos internos
de pensamento ou em alguma atividade
mental. Um exemplo é pedir que se subtraia,
consecutivamente o número 7, a partir do 1 00.
Memória Desenvolve-se atividades capazes de avaliar as
Avalia a capacidade de registrar, fixar, reter, memórias imediatas (últimos minutos), recente
evocar, reconhecer objetos, pessoas, experiências (situações dos últimos dias) e remota (de tempos
ou estímulos sensoriais. antigos vividos, como a infância, por exemplo).

PSIQUIATRIA BÁSICA •
Sugere-se a ava l iação do raciocínio lógico; a
capacidade de fazer contas; a capacidade de
Inteligência abstração (capacidade de formular conceitos e
Avalia o conjunto de habilidades cognitivas ideias, compará-los e relacioná-los).
de diferentes processos intelectivos, como o Observar se o paciente se util iza de analogias
raciocínio, planejamento, resolução de problemas, e metáforas (pode ser avaliada a compreensão
pensamento abstrato, compreensão de ideias de provérbios);
complexas, aprendizagem rápida e aprendizagem Sugere-se também avaliar a capacidade
a partir da experiência. É importante considerar de generalização, por exemplo, perguntar
a média esperada para o grupo sociocultural e a sobre grupos de coisas, ani mais. O juízo
faixa etária da pessoa avaliada. crítico é a capacidade de perceber e aval iar
adequadamente a realidade externa e separá­
la dos aspectos do mundo interno ou subj etivo.
3) Pensamento
O que avalia? Observações e sugestões
Forma: É a relação e nexo das ideias entre
si, com coerência (construção das frases em
relação à sintaxe), logicidade (pensamento
fundado na realidade), circunstancialidade
(alteração na qual há expressão do pensamento
por meio de detalhes irrelevantes e
redundantes, porém paciente consegue chegar
ao objetivo), tangencialidade (o objetivo nunca
Avalia as funções que conseguem associar é alcançado, ou não é claramente definido,
conhecimentos novos e antigos, integrando, embora o paciente fique sempre próximo ao que
estímulos, analisando, abstraindo, julgando, seria sua meta) e fuga de ideias (associações
concluindo, sintetizando e criando. O pensamento tênues ou livres).
é avaliado, por meio da linguagem, nos seguintes Fluxo: é a velocidade com que as ideias passam
aspectos: forma, fluxo e conteúdo. pelo pensamento (acelerado, lentificado,
adequado ou bloqueado).
Conteúdo: avalia os conceitos emitidos pelo
paciente e sua relação com a realidade, como
conteúdo predominante, preocupações,
obsessões, ideação suicida ou homicida,
presença de delírios (falsa crença não
compartilhada por membros do
grupo sociocultural).
4) Linguagem

O que avalia? Observações e sugestões


Observar a quantidade (mutismo, monossilábico,
prolixo, não espontâneo etc.), a velocidade
É o modo de se comunicar. Envolve linguagem
(pode ser rápida, lenta, hesitante), a qualidade
verbal, gestos, olhar, expressão facial e escrita.
(conteúdo do discurso (pobre ou elaborado),
A linguagem falada é o principal ponto de
alterações na articulação das palavras, .
observação.
neologismo (criação de novas palavras), ecolalla
(repetição da última ou das últimas palavras
dirigidas ao paciente) e o volume (alto ou baixo).
S) Sensopercepção
O que avalia? Observações e sugestões
As ilusões ocorrem quando os estímulos
sensoriais reais são confundidos ou interpretados
erroneamente, por exemplo: achar que a cadeira
Designa qual a capacidade de perceber e é um carrinho de bebê. As alucinações ocorrem
interpretar os estímulos que se apresentam aos quando há percepção sensorial na ausência de
órgãos dos cinco sentidos. Quando alterada pode estimulo externo (percepção sem objeto), por
manifestar-se através das ilusões, alucinações, exemplo: ouvir vozes sem que haja estimulo
despersonalização e desrealização. auditivo. A despersonalização é a alteração
na percepção de si próprio, manifestada por
sentimentos de estranheza ou irrealidade e a
desrealização é a alteração na percepção do
meio ambiente.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
6) Humor/Afeto
O que avalia? Observações e sugestões
Avalia-se o humor/afeto pela expressão facial,
gestos, tonalidade afetiva da voz, conteúdo do
O humor diz respeito ao estado emocional de _ _
discurso e psicomotricidade, choro fac1I, nsos
longa duração, interno, não dependente de
imotivados etc.
estímulos externos e pode influenciar a percepçao
Observar a qualidade do afeto: tristeza, culpa,
de si mesmo e do mundo ao seu redor.
alegria, vergonha, etc.;
O afeto é a experiência imediata e subjetiva das
a modulação do afeto: hipermodulação,
emoções sentidas em relação à situação: Inclui a
hipomodulação, embotamento, rigidez; e a_
manifestação externa da resposta emocional do
tonalidade afetiva: hipotimia (sintomas depressivos),
paciente a eventos.
hipertimia (euforia), disforia (tonalidade afetiva
desagradável, mal-humorada),
(7) Psicomotricidade
O que avalia? Observações e sugestões
Observar a velocidade e intensidade da
mobilidade geral na marcha, quando sentado e
na gesticulação; a agitação ou retardo, a acatisia
A integração das funções de motricidade e mental
(movimento de "amassar barro"), os manei rismos
sob o efeito da educação e do desenvolvimento do
(movimentos involuntários estereotipados), os
sistema nervoso. _
tiques (movimentos i nvoluntários e espasmódicos)
e a presença de sinais de catatonia (obediência
automática, flexibilidade cérea).
Fonte: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP, (s.d,). (Adaptado)

Algumas observações são impor­


tantes para refletir: o EEM é uma ava­
liação médica, mas psicólogos devem
saber, especialmente os profissionais
que estiverem atuando diretamente
com pacientes psiquiátricos. Ainda as­
sim, há observações e avaliações feitas
nos quais não nos atemos. Muitas vezes nem os médicos se
atêm com detalhes, a não ser que a situação exija um olhar
mais apurado para um diagnóstico diferencial. Quando o
paciente é avaliado na sua aparência, nos seus adornos, nas
suas vestimentas ou cuidados com a higiene, deve-se sempre
levar em conta sua cultura, seu acesso, mas principalmente a forma como ele se
apresentava antes.

ASSISTA
O vídeo O exame do estado mental: avaliando funções afinal
-sacoplimca pj- Ep. 15 (epílogo) mostra a aplicação do Exa­
me do Estado Mental (EEM), apresentado por um psicólogo.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
••
As grandes síndromes psicopatológicas
As síndromes psiquiátricas são conjuntos de sinais e sintomas, menciona­
dos pelos pacientes e familiares e observados pelos profissionais de saúde,
que possibilitam elaborar as hipóteses diagnósticas dos transtornos
mentais. Sintomas e sinais não necessariamente são doenças. É ne­
cessário um conjunto de critérios que irão definir o diag-
nóstico, prognóstico e curso da doença. Uma análise
breve dos principais grupos de síndromes psicopata-
lógicas ou psiquiátricas nos ajudaram a compreender
as principais síndromes psicopatológicas.

••
Síndromes ansiosas
A ansiedade é uma condição patológica que apresenta um sentimento de
temor acompanhado de outros sintomas e sinais de hiperatividade do sis­
tema nervoso central. Geralmente os pacientes costumam mencionar preo­
cupação, no entanto, há de se diferenciar a ansiedade normal da ansiedade
patológica. A ansiedade normal é aquela relativa a uma condição adaptativa,
que prepara o ser humano para uma ameaça, como: um emprego novo ou
uma prova de vestibular. Já a ansiedade patológica traz grande sofrimento à
pessoa, a ponto de prejudicar suas rotinas diárias e relacionamentos. Atual­
mente, as referências técnicas para os transtornos de ansiedade dividem-se
da seguinte forma:
a) Transtorno de ansiedade de separação;
b) Mutismo seletivo;
c) Fobia específica;
d) Transtorno de ansiedade social;
e) Transtorno de pânico;
f) Agorafobia;
h) Transtorno de ansiedade generalizada;
i) Transtorno de ansiedade induzido por substância;
j) Transtorno de ansiedade devido à outra condição médica;
h) Outro transtorno de ansiedade não especificado.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
Antigamente, o transtorno de estresse pós-traumático e o transtorno ob­
sessivo compulsivo estavam incluídos nas síndromes ansiosas, mas com o
DSM-5 esses foram incluídos em outra categoria. Os transtornos de ansiedade
têm sido as causas mais comuns de sofrimento e procura de tratamento. De
todos listados acima, os mais comuns são:
• Tran storno de Ansiedade Generalizada (TAG): preocupação excessiva e
abrangente sobre vários assuntos cotidianos, gerando muitos sintomas somá­
ticos, como fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração, insônia e prejuí­
zo funcional;
• Fobia específica: é quando a pessoa apresenta um medo acentuado de
um objeto, animal ou situação, como pavor de um pássaro, de voar de avião, de
injeção, entre outros, o que pode gerar muitos prejuízos sociais;
• Fobia social: é um medo excessivo de humilhação, de exposição em con­
textos sociais, que pode inclusive gerar ataques de pânico. A pessoa apresen­
ta medo de falar em público, de usar espaços comuns, até mesmo de ir para
escola e trabalho, o que gera grandes perdas, pois ela faz de tudo para evitar
situações que a exponha.
• Transtorno de pânico: a pessoa sofre com ataques que ocorrem de forma
inesperada, com a presença de grande medo de perder o controle ou morrer,
com sintomas somáticos como taquicardia, sufocamento, tontura, formiga­
mentos, aperto ou dor no peito. Há sempre a presença do medo de que novos
ataques aconteçam, por isso a pessoa passa a evitar sair sozinho.

••
Síndromes depressivas e maníacas
As síndromes depressivas são um grande problema de saúde pública e por
muitos anos se mantém como a principal causa de incapacidade en­
tre todos os problemas de saúde. Do ponto de vista psicopatológi­
co, a síndrome depressiva é caracterizada pelo humor
triste, mas apresenta também uma multiplicidade
de sintomas, inclusive os sintomas psicóticos e fe-
nômenos biológicos associados. Dalgalarrondo
(2000) distribui os sintomas nas seguintes cate-
gorias, conforme Quadro 4.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
QUADRO 4. SI NTOMAS PRESENTES NA SÍNDROME DEPRESSIVA

Sintomas Características

Tristeza, melancolia, choro fácil e/ou frequente, apatia,


Afetivos sensação de falta de sentimento, tédio, irritabilidade,
angústia, desespero, desesperança.
Fadiga, cansaço, desânimo, insônia ou hipersonia, perda ou
Alterações instintivas e
aumento do apetite, constipação, palidez, diminuição de libido
neurovegetativas
e anedon1a.
Pessimismo, cul pa, arrependimento, ruminação, 1de1as de
Alterações ideativas
morte, 1deação ou plano suicida.
Déficit de atenção e concentração, déficit de memória,
Alterações cognitivas
dificuldade de tomar decisões e pseudodemência depressiva.
Alterações da Sentimento de baixa autoestima, insuficiência, incapacidade,
autovalorização vergonha e a utodepreciação.
Alterações da volição e Lentificação psicomotora, diminuição da fala, mutismo,
psicomotricidade tendência a permanecer na cama e recusas.
Ideias delirantes de cunho negativo, delírio de ruína, delírio de
Psicóticos
culpa, hipocondria, alucinações e ilusões auditivas.
Fonte: DALGALARRONDO, 2000, p. 1 90.

As síndromes depressivas podem


ser desencadeadas por diversos fato­
res: biológicos, genéticos, ambientais e
neuroquímicos. Os subtipos de síndro­
mes depressivas podem ser: a) episódio
ou fase depressiva e transtorno depres­
sivo recorrente; b) distimia; c) depressão
atípica; d) depressão psicótica; e) estu­
por depressivo; f) depressão ansiosa; g)
depressão secundária.
As síndromes maníacas dizem respeito à condição de euforia e "alegria pato­
lógica", geralmente presente no transtorno de humor bipolar. Apresenta-se quase
sempre agitação psicomotora, exaltação, logorreia e pensamento acelerado. De
modo geral, os sintomas presentes nas síndromes maníacas são: aumento da au­
toestima, insônia, muita produção verbal e de forma rápida, agitação psicomotora,
irritabilidade, arrogância, heteroagressividade, desinibição social e sexual, tendên­
cia exagerada para compras ou dar presentes (fazer doações), ideias de grandeza,
de poder, alucinações. Os subtipos de mania são especificados no Quadro 5.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
QUADRO 4. SUBTIPOS DE SÍNDROMES MANÍACAS

Subtipo Característica
Forma mais intensa de mania, agitação psicomotora importante,
Mania franca ou grave
heteroagress1v1dade, fuga de ideias, delírios de grandeza.
Mania irritada ou Predominância da 1mtab1lidade, mau humor, hostilidade, podendo
disfórica ocorrer heteroagressiv1dade e destruição de Objetos.
Presença de sintomas maníacos e depressivos ocorrendo ao
Mania mista
mesmo tempo ou alternando-se rapidamente.
É uma forma leve de episódio maníaco que muitas vezes passa
despercebido pois a pessoa está mais disposta que o normal, fala
Hipomania
muito, conta piadas e tanto a pessoa quanto seu meio social não
saem muito prejudicadas.
Frequentes períodos com a presença de poucos e leves sintomas
Ciclotimia depressivos com discreta elevação do humor. Ocorre sem que o
indivíduo apresente um episódio completo de depressão ou mania.

••
Fonte: DALGALARRONDO, 2000, p. 1 94.

Síndromes neuróticas
Neurose é um termo abandonado na atualidade, mas na psicopatologia ele
é bem colocado para as situações patológicas associado a algum transtorno
somatoforme. As principais são:
1. Síndromes fóbicas: que também estão no grupo das síndromes ansio­
sas e são caracterizadas pelo medo irracional e de grande sofrimento para a
pessoa;
2. Síndromes obsessivo-compulsivos: quadro caracterizado por ideias,
fantasias e imagens obsessivas e/ou com atos, rituais e comportamentos ob­
sessivos. É uma condição de extremo sofrimento onde a pessoa não consegue
ter controle sobre os pensamentos;
3. Síndromes histéricas: apresentam alterações tanto físicas (alterações
motoras e sensoriais) quanto psíquicas (alterações de consciência, memória e
percepção). Pode ser dissociativa, onde o paciente tem crises que se asseme­
lham a crises epiléticas, como também conversivas, onde o paciente
apresenta alterações sensoriais e motoras, como não conse­
guir enxergar ou andar.
4. Síndromes hipocondríacas: quadros onde a pes­
soa apresenta a ideia de doença grave, sentindo sinais
inexistentes ou hipervalorizando os sinais insignificantes.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
••
Síndromes psicóticas
As síndromes psicóticas são as popularmente chamadas de loucura. Os
sintomas típicos são os delírios, as alucinações, pensamento desorganizado e
comportamento bizarro. Sintomas paranoides são muito comuns, com a sen­
sação de perseguição através de alucinações auditivas e visuais. A principal
forma de psicose é a esquizofrenia.
A esquizofrenia apresenta sintomas bem significativos, chamados de "sin­
tomas de primeira ordem, que apresentam uma distorção entre o eu e o mun­
do". Os sintomas de primeira ordem são, segundo Dalgalarrondo (2000):
• Percepção delirante: uma percepção normal, mas que recebe uma sig­
nificação delirante, como se fosse uma "revelação";
• Alucinações auditivas características: vozes de comando ou que co­
mentam coisas pejorativas ou ofensivas;
· Eco ou sonorização dos pensamentos: o paciente ouve seus próprios
pensamentos, como uma voz ressoando;
• Roubo de pen samento: sensação que o paciente experimenta que seu
pensamento foi extraído ou roubado;
• Vivências de influência: pode ser corporal, quando o paciente sente
que algo controla seu corpo ou ideativa, sensação que o controle dos seus
pensamentos.
Os sintomas de segunda ordem são os de menor importância no diagnós­
tico, ou seja, não é necessário que haja sua presença para que seja confirma­
da a esquizofrenia. São eles: perplexidade, alterações sensoriais, empobreci­
mento do campo afetivo, intuição delirante, alterações do ânimo.

••
Síndromes relacionadas ao comportamento alimentar
As síndromes relacionadas ao comportamento alimentar são perturbações
nesse comportamento que pode levar desde o emagrecimento extremo, por
deixar de ingerir alimentos ou reduzir de forma inadequada, até a obesidade,
por excesso na ingestão de comida. Muito se percebe que os transtornos ali­
mentares estão relacionados com a cultura de determinadas sociedades, o que
demonstra a maior prevalência entre mulheres jovens de países ocidentais.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
Os principais tipos de síndromes relacionadas
ao comportamento alimentar são a anorexia
nervosa e a obesidade. A causa é multifatorial
e está associada principalmente com a condi­
ção sócio cultural, mas também conta com fato­
res genéticos e da estrutura psicológica.
A anorexia é a perda de peso autoinduzida por
abstenção de alimentos ou por comportamentos como vô­
mitos, exercício excessivo e uso de medicamentos diuréticos, laxativos e
anorexígenos. Há a distorção da imagem corporal e um medo excessivo de
ganhar peso, portanto a pessoa começa a desenvolver uma série de com­
portamentos compulsivos como pesar-se, medir-se, começam a disfarçar a
magreza e a evitar se alimentar para fugir de comentários e observações de
familiares e amigos. Em função da perda de peso excessiva, começam a sur-
gir alterações endócrinas, metabólicas e eletrolíticas, como a amenorreia,
secreção anormal da insulina, infecções, desnutrição, entre outros.
A bulimia é caracterizada por compulsões alimentares periódicas segui­
das de métodos compensatórios inadequados como o vômito autoinduzido,
laxantes, diuréticos e prática de exercícios em excesso para evitar o ganho
de peso. Na bulimia, a pessoa apresenta sofrimento pela forma corporal,
mas seu sofrimento é compensado na compulsão alimentar. Como a perda
de peso não é perceptível como no caso da anorexia, é mais difícil para a
família perceber o transtorno.
O transtorno do comer compulsivo também está no quadro desta sín­
drome e consiste em episódios de compulsão alimentar, no entanto, sem
os métodos purgativos de eliminação dos alimentos ingeridos, assim como
não há a preocupação irracional com a forma corporal. A pessoa com esse
transtorno começa a comer compulsivamente e só para quando fica descon­
fortável fisicamente, a maioria apresenta obesidade ou sobrepeso, outras
características que está associada é a velocidade que comem, geralmente
mais rápido do que o normal e sentem-se culpados após o consumo.
Existe também o transtorno de Pica, que é caracterizado pela ingestão
de substâncias não comestíveis, como sabonete, cabelo, cinzas de cigarro,
argila etc.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Síndromes relacionadas às substâncias psicoativas
Os transtornos relacionados às substâncias psicoativas referem-se ao abu­
so e dependência de substâncias psicoativas, que ativam a região de recom­
pensa do cérebro, gerando excitação e prazer. As síndromes são: intoxicação,
fissura, tolerância, síndrome de abstinência, abuso, dependência e as psicoses
induzidas.
A intoxicação, o uso nocivo e o abuso são padrões de uso que trazem danos
tanto à saúde física quanto danos às relações familiares e sociais. A fissura é o
desejo intenso de uso da substância. A tolerância é quando o efeito da droga
acaba ficando menor após repetidas vezes, sendo que o organismo necessita
cada vez de quantidades maiores para causar o mesmo efeito. A síndrome de
abstinência é o conjunto de sinais e sintomas que se apresentam horas ou dias
após a cessação do uso da substância que vinha consumindo continuamente.
A dependência química é o padrão mal adaptativo do uso de substâncias
químicas que traz grande repercussão na vida da pessoa dependente. No caso
da interrupção do uso da substância, o corpo manifesta sintomas de depen­
dência, refletido como ansiedade, desconforto, irritabilidade e sintomas de
abstinência.
As psicoses tóxicas são os quadros psicóticos induzidos pelo uso de subs­
tância que podem durar horas, dias ou semanas, dependendo da substância,
da quantidade e da condição do indivíduo.

••
Síndromes relacionadas à sexualidade
As síndromes relacionadas à sexualidade exigem bastante cautela, pois se
torna necessário avaliar um arcabouço de situações que são tabus e conse­
quentemente geram um impacto psicossocial significativo. A sexualidade sem­
pre foi foco de atenção, portanto muitos dos transtornos surgiram ao longo
dos tempos. As categorias de transtornos considerados são: o desejo sexual
inibido, disfunção erétil, ejaculação precoce, vaginismo (dor na penetração), as
chamadas perversões sexuais (pedofilia, zoofilia e necrofilia) e outros proble­
mas relacionados ao ato sexual, como abusos ou estupros que ocorrem por
distorções da realidade ou pensamento do abusador.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
••
Síndromes psicorgânicas
As síndromes psicorgânicas são aquelas resultantes uma lesão cerebral,
que podem ter múltiplos fatores, como uma degeneração ou uma lesão vas­
cular, por exemplo. As síndromes demenciais, o delirium e outras de origem
psicorgânicas são de origem biológica, no entanto estão entre as condições
clínicas que tem manifestações mentais e comportamentais.
O delirium não é o delírio comumente visto e falado. Trata-se de sintomas
como o delírio da psicose, portanto de causa orgânica. As causas mais comuns
do delirium são a abstinência de drogas, as intoxicações, os traumas físicos, a
hipoglicemia, as infecções do sistema nervoso central (SNC), tumores, epilep­
sia, enxaqueca, infecções pelo HIV, entre outros.
As demências são caracterizadas pela perda das múltiplas
habilidades cognitivas e funcionais, como a memória, a função
cognitiva (contas, reconhecimento, linguagem), alteração das
funções executivas e curso progressivo.

1 DICA
O filme Nise: o Coração da Loucura retrata todo o movimento dessa médi­
ca no tratamento de pacientes psicóticos.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
Sintetizando •
Esta unidade procurou discutir os assuntos mais introdutórios à psiquiatria,
como uma ideia do campo, seu conceito, espaços de atuação, as condições or­
gânicas e psicossomáticas, assim como algumas reflexões sobre a atuação do
psiquiatra e a intersecção com a psicologia.
Foram apresentados conceitos da avaliação psiquiátrica, procurando trazer
alguns aspectos da entrevista, posturas, condutas e habilidades, bem como apre­
sentar os principais tópicos examinados na anamnese. Foi apresentado também
o que é o Exame do Estado Mental (EEM) e o significado de cada esfera analisada.
Outro conceito introdutório da psiquiatria é a apresentação das grandes sín­
dromes psicopatológicas (psiquiátricas), que é o conjunto de doenças que estão
dentro do espectro de atuação do psiquiatra. Foi apresentado aqui as principais
patologias, pois novas categorias são incluídas devida a complexidade.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Referências bibliográficas

CARDOSO, C.R.D.; MASSIMI, M. Causalidade psíquica e a fundamentação da psi­
cologia científica segundo Edith Stein. Teocomunicação. Porto Alegre, n. 1, p.
26-38, 2017, v.47. Disponível em:<https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/
teo/article/view/25913/15912>. Acesso em: 20 jun. 2021.
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais.
Porto Alegre: Artmed, 2000.
ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO-USP. Centro de simulação de prá­
ticas de enfermagem. Orientações para o Exame Psiquiátrico. [s.d.]. Disponí­
vel em: <https://edisci pli nas.usp. br/pl ugi nfile.php/3596396 /mod_resou rce/
content/1/ORIENTACOES_PARA_EXAME_PSIQUITRICO.pdf>. Acesso em: 20 jun.
2021.
NISE - Coração da loucura. Direção de Roberto Berliner. Rio de Janeiro: Imagem
Filmes, 2016. (106min.), son., calor.
O EXAME do estado mental: avaliando funções afinal - sacoplimca pj - Ep. 15
(epílogo). Postado por Breno Sanvicente-Vieiral. (22min. 57s.). son. calor. port.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rlJEjLZkgiA>. Acesso em: 20
jun. 2021.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
UNIDADE

ser
educacional
Objetivos da unidade

Conhecer os principais transtornos psiquiátricos e suas características mais


relevantes;

Conhecer os detalhes de cada diagnóstico, dados epidemiológicos,


características clínicas e tratamento.

Tópicos de estudo
Transtornos de humor: um Transtornos psicóticos e
breve histórico mentais orgânicos
O que os transtornos de Esquizofrenia
humor contemplam? Transtornos neurocognitivos
Transtorno afetivo bipolar (TAB) (TNC)
Transtornos depressivos
Transtornos relacionados ao
Transtornos de ansiedade uso de substância psicoativa
Fobia social e fobias específicas Fases da mudança de
Transtorno de pânico e comportamento
agorafobia
Transtorno de ansiedade
generalizada (TAG)
Ansiedade de separação e
mutismo seletivo

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtornos de humor: um breve histórico
Os sentimentos de dor e vazio na alma são quase universais. Ao longo da
história, grandes mentes se debruçaram sobre essas sensações, tão naturais e
humanas. Em sua tese de doutorado, Almeida (2018) apresenta a história dos
transtornos de humor. Resumidamente, Hipócrates os formula no período co­
nhecido como Antiguidade Clássica. A mania e a melancolia, por exemplo, são
os quadros clínicos embrionários da história da medicina. Aristóteles associa o
temperamento melancólico às capacidades artística e intelectual. Para o filóso­
fo, tal aspecto era um sinal de transtorno mental causado pelo excesso da bile
negra. Já Areteu caracteriza a tristeza dentro da melancolia e chama atenção
para uma preocupação mórbida de caráter delirante. Dessa maneira, ele es­
tabelece um vínculo entre mania e melancolia, sentimentos diferentes dentro
de uma mesma doença. Vale a pena notar que, dentro desse grande e antigo
período, já existia a ideia de uma doença provocar desequilíbrio não apenas no
cérebro, mas no corpo inteiro.
Entrando na Idade Média, marcada pela visão religiosa sobre os transtornos
mentais, inicia-se a fase de "demonologia" do sofrimento psíquico. Por exem­
plo, a apatia, considerada como preguiça, entra para o rol dos sete pecados
capitais. Justifica-se, portanto, o preconceito sobre a depressão, que dura até
hoje: algumas pessoas ainda pensam que a doença nada mais é do que "coisa
de gente fraca e preguiçosa" ou, simplesmente, "falta do que fazer".
O movimento renascentista recuperou as perspectivas filosófica, biológica
e psicológica do sofrimento e voltou a vê-lo como uma doença. Em 1621, Ro­
bert Burton diferencia a melancolia da loucura. Entretanto, reconhe­
ce momentos em que elas ocorrem concomitantemente, como no
caso da mania. Finalmente, a ciência moderna constrói a teoria
dos humores sobre a ideia de um desequilíbrio entre as partes
do cérebro. Segundo Souza e Lacerda (2013 apud Almeida,


201 8, p. 29), o termo "depressão" apareceu pela primeira
vez em 1 680; o objetivo era designar um estado de desâ-
nimo ou perda de interesse.
Vale a pena considerar a contribuição de Philippe Pinel
nesse processo, um marco na psiquiatria. Ele defendeu que

PSIQUIATRIA BÁSICA .
esse ramo da medicina deveria ter u m processo de observação rigoroso, além
de se aproximar mais das ciências médicas e se afastar de cenários ideológicos.
Inicia-se, portanto, a doença institucionalizada, em outras palavras, passa-se
a descrever quadros clínicos de maneira adequada e medica-se o sofrimento.
Além disso, a internação surge como medida terapêutica.
De volta às alterações de hu mor, o século XIX começa a descrever melhor
as alterações entre mania e depressão. Apesar de o debate sobre as questões
mentais tender para o aspecto moral, nunca se deixou de lado a h ipótese de
lesões cerebrais ou disfunções físicas. Freud e Kraepelin ma ntiveram discursos
opostos sobre a origem dos transtornos mentais; a famosa rivalidade entre de­
terminismo biológico e causalidade psíquica. Em 1905, Adolf Meyer sugere
que se substitua o termo "melancolia" por "depressão". Graças à sua concepção
de que o transtorno psiquiátrico é uma disfunção na capacidade de reagir aos
problemas cotidianos, os postulados do psiquiatra suíço influenciaram signi­
ficativamente o primeiro Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM).
A visão da medicina sobre os transtornos de humor evoluiu da seguinte maneira:
a. Ideia determinista, hereditária e "biologicista": do fim do sécu­
lo XIX até meados de 1 940, essa visão reinou sobre a maneira com
que se tratava o comportamento depressivo. O coma insulínico, as
terapias convulsivas e a lobotomia são alguns exemplos de terapia
durante esse período;
b. Teorias morais: preocupadas com a dignidade do paciente, elas sur­
gem na década de 1 950. Destacam-se as teorias psica nalíticas e da
antipsiquiatria, que já falavam sobre como as influências psicológicas
e sociais moldavam os quadros clínicos;
c. Psicofarmacologia: esse ramo surge como uma esperança de se so­
lucionar os transtornos mentais da mesma forma que os antibióticos
atuavam contra i nfecções;
d. Depressão como desequilíbrio químico do cérebro: a perspectiva
biológica da condição retoma os holofotes em função dos avanços
nas pesquisas farmacológicas; e
e. "Década de ouro do cérebro": a partir dos anos 1 990, o congres­
so americano considera este órgão como central na explicação dos
transtornos.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Essa lógica perdura até os dias de hoje. As medicações são peças chaves na
adequação das pessoas ao trabalho e ao convívio social e familiar. Tal relação
é fruto de uma sociedade que vive em função de trabalho, tempo, praticidade
e produção. Em outras palavras, trata-se de um contexto social. Não sabemos
mais "como sofrer" e, como consequência, poupamos nossos filhos de frus­
trações, o que apenas lhes causa uma série de sofrimentos futuros. Enquanto
isso, profissionais da psicologia e da educação buscam humanizar as relações
sociais e o próprio sofrimento.

••
O que os transtornos de humor contemplam?
O humor é o estado emocional de uma pessoa, isto é, a forma de expres­
sar emoções. Frente às situações da rotina diária, é normal que ele oscile ao
longo do dia. Quando tal oscilação prejudica relações, compromissos e a vida
laboral, torna-se patológica. Os termos mais comuns às condições patológi­
cas do humor são:
• Disforia: mudança repentina e transitória do humor, com sentimentos
de angústia, pesar, luto e ansiedade;
• Eutimia: humor normal ou estável;
• Hipertimia: felicidade exagerada ou doentia;
• Hipotimia: humor "mais baixo" ou triste.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica os transtornos mentais
e do comportamento por meio do Código Internacional de Doenças (CID). Em
1993, o CID-10 relacionou os transtornos de humor entre os códigos F30 a F39.
Obviamente, cada classificação apresenta suas próprias especificidades. To­
memos o exemplo da depressão grave. É possível descrevê-la como: CID F33.2
- depressão grave sem sintomas psicóticos.
O CID-1 O considera esses transtornos como situações em que há alteração do
humor ou afeto de forma que afete o nível global de atividade do indi­
víduo. Além disso, é comum observar depressão nesses ca­
sos, seja ela associada à ansiedade ou não. A maioria dos
transtornos tende a ser recorrente e geralmente ocorre
por situações estressantes. O Quadro 1 resume a forma
como o CID-10 classifica e qualifica tais transtornos.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
QUADRO 1. TRANSTORNOS DO HUMOR

F30 - Episódio maníaco

F30.0 H1poman1a

F30.1 Mania sem sintomas ps1cót1cos

F30.2 Mania com sintomas psicóticos

F30.8 Outros episódios maníacos

F30.9 Episódio maníaco não especificado

F30.0 Hipomania

F31 - Transtorno afetivo bipolar

F31.0 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual hipomaníaco

F31.1 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco sem sintomas psicóticos

F31.2 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco com sintomas psicóticos

F31.3 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo leve ou moderado

F31.4 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave sem sintomas psicóticos

F31.5 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave com sintomas psicóticos

F31.6 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual misto

F31.7 Transtorno afetivo bipolar, atualmente em remissão

F31.8 Outros transtornos afetivos bipolares

-
F31.9 Transtorno afetivo bipolar não espec1f1cado

F32 - Episódio depressivo

Ep1sód10 depressivo leve


32.00 - Sem sintomas ps1cót1cos
32.01 - Com sintomas ps1cót1cos

Ep1sód10 depressivo grave sem sintomas ps1cót1cos

Ep1sód10 depressivo grave com sintomas ps1cót1cos

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Outros episódios depressivos

-
Episódio depressivo não especificado

F33 - Transtorno depressivo recorrente

-
Transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve
33.00 - Sem sintomas somáticos
33.01 - Com sintomas somáticos

Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado


33.10 - Sem si ntomas somáticos
33.1 1 - Com sintomas somáticos

Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave, sem sintomas psicót1cos

Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave, com sintomas psicót1cos

Transtorno depressivo recorrente, atualmente em remissão

Transtorno depressivo recorrente não especificado

F34 - Transtornos persistentes do humor (afetivos)

C1clotimia

Distim1a

Outros transtornos persistentes do humor (afetivos)

-
Transtorno persistente do humor (afetivo) não especificado

-
F38 - Outros transtornos do humor (afetivos)

Outros transtornos únicos do humor (afetivos)


38.00 - Episódio afetivo misto

Outros transtornos recorrentes do humor (afetivos)


38.1 O - Transtorno depressivo breve recorrente

Outros transtornos especificados do humor (afetivos)

F39 - Transtorno do humor afetivo não especificado

Fonte: OMS, 1 993, [s.p.J. (Adaptado).

Percebe-se que a instituição atribuiu todas as medidas possíveis à triste­


za, seja ela com agitação, inatividade, irritabilidade, choro ou, até mesmo, a
ausência dele.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtorno afetivo bipolar (TAB)
Em sexto lugar dentre as maiores causas de incapacitação para o trabalho
e demais atividades da rotina diária, o transtorno afetivo bipolar (TAB) é uma
doença crônica e incapacitante, que acomete 1% da população mundial. Des­
taca-se pela presença de dois extremos de humor: deprimido e expansível ou
irritável. O TAB se divide em dois tipos:
• Tipo 1: mais raro, com maior taxa de suicídios e um pior prognóstico. Os
sintomas demoram mais para se estabilizarem;
• Tipo li: comum e mais leve, não apresenta episódios de mania, apenas
de hipomania.
Estudos indicam que 1/4 de todos os casos de suicídio apresenta diagnósti­
co de TAB. Portanto, é uma doença com alto risco. O diagnóstico e os sintomas
podem se confundir com os de outros transtornos, como os de: personalidade
borderline; déficit de atenção e hiperatividade; e impulso. O Quadro 2 apresen­
ta as principais diferenças e características diagnósticas do TAB tipo I e li.

QUADRO 2. CARACTERÍSTICAS DIAGNÓSTICAS DO TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR


::=:::::::=::::

Transtorno afetivo bipolar 1 Transtorno afetivo bipolar li

Ao menos um episódio de mania ao longo Ao menos um episódio hipomaníaco ao longo


da vida. da vida.

Quadro de mania persiste por, pelo menos, Dura de dias a meses com humor irritável ou
uma semana. impaciência. Mais difícil de diagnosticar.

Possibilidade de sintomas ps1cóticos. Não há sintomas psicóticos.

Quando em mania, sem crítica de sintomas. Paciente apresenta crítica dos sintomas. Ge­
Quadro mais grave. ralmente, quadro menos grave.

Em ambos

Autoestima elevada
Dimi nuição do sono
Mais falante
Fuga de ideias
Distração
Aumento de atividade dirigida
Atitudes compulsivas

PSIQUIATRIA BÁSICA .
O TAB se manifesta clinicamente por meio de quadros depressivos com a
presença de anedonia, que os torna mais duradouras; geralmente, ocorrem no
TAB tipo li. Também se observa casos de mania ou de hipomania. Em algumas
situações, inclusive, eles se misturam e há uma superposição de pelo menos
três sintomas. Esse é um estado delicado, com mais índices de internações e
maior risco de suicídio quando comparado às condições "puras" ou não mistas.
Os fatores de risco para a bipolaridade incluem: histórico familiar; manifes­
tação de sintomas antes dos 20 anos; maior número de ocorrências depres­
sivas no histórico de vida; e depressão pós-parto. Carneiro e Moreno (2020)
afirmam que filhos de pais com TAB têm maior probabilidade de desenvolver
a doença. Seus estudos apontam uma concordância entre 40% a 70% de chan­
ces para filhos e 5% a 10% em parentes de primeiro grau. Fatores ambientais
também podem influenciar, seja gerando mudanças a nível biológico ou contri­
buindo para o desenvolvimento da doença.
Episódio maníaco
Dentro do transtorno bipolar do tipo 1, esse episódio se caracteriza por um
humor elevado, expansível ou irritado e por um aumento anormal da energia,
que dura por, pelo menos, uma semana e se mantém na maior parte do dia. Ge­
ralmente, o indivíduo acometido pela condição apresenta: autoestima elevada;
diminuição da necessidade do sono; eloquência; fuga de ideias; pensamentos
acelerados; agitação; aumento da atividade social ou sexual; e envolvimento
em situações de risco, como investimentos financeiros precipitados.

EXPLICANDO
Você sabe qual é a diferença de humor e afeto? O primeiro diz respeito ao
estado emocional interno do indivíduo. Normalmente, é descrito de forma
subjetiva, como: calmo; feliz; triste; ou impaciente. Já o afeto é a manifestação
do humor ou da emoção. A forma como o médico ou o psicólogo descreve
o humor segue os seguintes elementos: qualidade; quantidade; variação;
adequação; congruência; plano; normal; ou lábil. Por exemplo: um paciente
catatônico encontra-se com o humor embotado; um paciente em mania, com
o humor expansível, inadequado; e um paciente deprimido, com o humor lábil.

O leitor pode perguntar: tanta disposição é ruim? Deve-se entender que,


neste caso, a pessoa não é simplesmente simpática ou expansiva. Ela passa
por um período que pode trazer prejuízos à sua vida financeira e social. Muitas

PSIQUIATRIA BÁSICA .
pessoas apresentam sintomas psicóticos, por exemplo. É uma fase afetiva, mas
com níveis de euforia explosivos, exagerados e, possivelmente, negativos. A
sensação de grande eficiência pode rapidamente se transformar em ilusões de
superioridade e fanatismo. Ainda, é possível observar uma perda da autocrítica
do indivíduo, o que pode acarretar em consequências graves.
Hipomania
Caracterizada por um humor anormal, mais expansível ou irritado, essa
condição dura, pelo menos, quatro dias. Entretanto, ela não é tão grave quanto
o episódio maníaco. Há menos comprometimento e o indivíduo não apresenta
sintomas psicóticos. Além disso, raramente precisa ser internado. A hipomania
se diferencia de uma "alegria normal", pois o episódio se associa a uma mudan­
ça clara no funcionamento da pessoa que, quando assintomática, não costuma
agir de tal maneira.
Ciclotimia
A pessoa acometida por essa condição, também chamada de transtorno
ciclotímico, experimenta sintomas de depressão e euforia subitamente. Entre­
tanto, a situação se diferencia do transtorno bipolar por conta das diferenças
na intensidade e quantidade de crises. Apesar de durarem, pelo menos, dois
anos, os sintomas não são suficientes para preencher os critérios de hipomania
ou depressão maior do DSM-V.

••
Transtornos depressivos
A melhor maneira de qualificar a depressão é usando o plural ao se referir à
condição, pois ela se submete a várias circunstâncias diferentes. Neste espec­
tro, incluem-se: transtorno depressivo maior (unipolar); transtorno depressivo
persistente (distimia); transtorno disruptivo da desregulação do humor; trans­
torno disfórico pré-menstrual; transtorno depressivo induzido por substância
ou medicamento; transtorno depressivo devido a outra condição médica; e ou­
tros não especificados.
O transtorno depressivo maior é a condição clássica. Caracteriza-se obri­
gatoriamente pelo humor deprimido na maior parte do dia ou por uma perda
acentuada do interesse ou prazer. Ainda, para se diagnosticar a condição de
fato, é preciso observar ao menos quatro dos seguintes sintomas: perda ou

PSIQUIATRIA BÁSICA .
ganho significativo de peso; insônia ou hipersonia;
agitação ou retardo psicomotor; fadiga ou perda de
energia; sentimentos de inutilidade ou culpa; dimi­
nuição da concentração; pensamentos recorrentes
de morte; e ideação suicida. É importante ressaltar
que esses sintomas precisam não só existir por, no mínimo, duas
semanas, mas também devem causar sofrimento significativo ao
indivíduo, prejudicando todo o seu funcionamento social.
A categoria do transtorno no CID-10 é F32. O registro médico depende de
alguns fatos importantes. Por exemplo: se a condição é única ou recorrente; se
seu grau é leve, moderado ou grave; e se há presença de características psicó­
ticas. Em crianças e adolescentes, o humor pode se apresentar como irritável
ao invés de triste.
Ressalta-se que o risco de suicídio é maior nesse quadro do que nos demais
transtornos depressivos. Geralmente, o tratamento ambulatorial e psicotera­
pia são suficientes, mas, em casos mais graves, a internação é necessária. Por
fim, vale a pena destacar que é comum que o indivíduo acometido pelo trans­
torno se afaste do trabalho por mais de 15 dias.
Já o transtorno depressivo persistente, também conhecido como disti­
mia, é a forma crônica de depressão. Normalmente, o diagnóstico ocorre quan­
do os sintomas permanecem por, pelo menos, dois anos em adultos e um em
crianças. O CID-10 atribui o código F34.1 à condição. Sua principal característica
é, de fato, esse período mínimo no qual os sintomas permanecem. Entretanto,
é preciso observar dois ou mais dos seguintes sintomas: apetite diminuído;
insônia ou hipersonia; baixa energia; baixa autoestima; baixa concentração; e
sentimentos de desesperança.
Note que é possível a ocorrência de um episódio depressivo maior durante
esse período mínimo. Pelo fato dessa ser uma condição crônica e, consequen­
temente, tornar-se parte do processo de vida da pessoa, ela sente como se
esse fosse seu jeito. Ademais, costuma naturalizar sua tristeza ou irritabilida­
de. E, pior, as pessoas à sua volta também o fazem. Frequentemente a distimia
tem um início precoce.
O Quadro 3 apresenta resumidamente as características dos demais
transtornos.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
QUADRO 3. TRANSTORNOS DEPRESSIVOS MENOS PREVALENTES

Transtorno Características

Transtorno disruptivo
Sua principal característica é a irritabilidade crônica grave. Ela se
manifesta por meio de explosões de raiva, que ocorrem três ou
da desregulação do
mais vezes por semana, por pelo menos dois anos e em dois am-
humor
bientes distintos. Além disso, apresentam-se de forma inadequada.
Transtorno disfórico Disforia e ansiedade durante a fase pré-menstrual. Ocorre de
pré-menstrual forma grave e com prejuízos no funcionamento social.
Transtorno depressivo Inclui os sintomas depressivos, mas se associa a alguma substância.
induzido por substãncia Cabe ressaltar, porém, que os sintomas persistem além
ou medicamento do tempo de desintoxicação.
Transtorno depressivo
Relação com AVC, doença de Parkinson e hipotireoidismo,
devido a outra condição
entre outras.
médica

Outros transtornos
A pessoa apresenta sofrimento significativo, mas _n�o preenche
depressivos não espe­
os critérios diagnósticos das outras cond1çoes.
cificados

••
Transtornos de ansiedade
Esses transtornos compartilham sentimentos, como medo e ansiedade
excessiva, e causam perturbações comportamentais que comprometem o
bem-estar da pessoa. É importante ressaltar que o medo é uma resposta emo­
cional a outra, real ou percebida. A ansiedade, por sua vez, nada mais é que a
antecipação de uma ameaça futura. Por exemplo: uma pessoa demonstra sin­
tomas de tremor e taquicardia ao ser assaltada enquanto outra apresenta-os
ao lembrar da defesa de sua tese de doutorado e imaginar que não conseguirá
lembrar de nada na hora de falar.

CITANDO
"O transtorno da ansiedade é uma das condições neuropsiquiátricas mais
prevalentes com cerca de 264 milhões de pessoas no mundo vivendo com
estes distúrbios. Ela é desencadeada quando um indivíduo confrontado com
dada situação ou evento não é capaz de responder às demandas e sente
uma ameaça à sua existência ou valores essenciais" (LIMA et ai., 2020, p. 2).

Esses dois estados se diferenciam, ainda que pareçam se sobrepor. Afinal,


conforme diz a American Psychiatric Association (2014), ou APA, o medo apre-

PSIQUIATRIA BÁSICA .
senta uma reação autonômica de luta ou fuga e o corpo dá um alerta de perigo
imediato. Já a ansiedade se associa frequentemente à tensão muscular ou vi­
gilância constante. Ainda, é possível observar: pensamento sempre preparató­
rio, com alternativas para o que pode futuramente dar errado e comportamen­
tos de cautela, esquiva ou de aceleração para múltiplas atividades.
Não se deve considerar transtornos de ansiedade como um tipo de medo ou
de ansiedade adaptativa. Eles são excessivos e persistem por longos períodos.
Doravante, diferem-se das situações de estresse e de ajustamento a uma situa­
ção nova ou desafiadora. Os sintomas mais comuns desses transtornos são: fal­
ta de ar; tontura; sudorese; tremores; sintomas gastrointestinais; e taquicardia.
Nas últimas décadas, observou-se um aumento de casos de ansiedade en­
tre as pessoas mais jovens e adultos em idade produtiva. De fato, essa é uma
das queixas mais presentes nos consultórios médicos e psicológicos. Os trans­
tornos de ansiedade incluem: fobia social; fobia específica; transtorno de pâni­
co; agorafobia; transtorno de ansiedade generalizada; transtorno de ansiedade
de separação; mutismo seletivo; transtorno de ansiedade induzido por subs­
tância; transtorno de ansiedade devido a uma condição médica; e transtornos
de ansiedade não especificados.
No CID-1 O, os transtornos ansiosos, conforme apresentados no DSM-V, não
seguem a mesma ordem sequencial como os transtornos de humor e depressi­
vos. Eles alternam entre a classe de transtornos ansiosos, fóbicos e de início da
infância. Assim, a classe dos transtornos ansiosos corresponde entre DSM-V e
CID-10, conforme o Quadro 4.

QUADRO 4. RELAÇÃO DOS TRANSTORNOS ANSIOSOS ENTRE DSM-V E CID-10


DSM-V CID-10

Fobia social F40.10

Fobia específica F40.2

Transtorno de pânico F41.0

Agorafobia F40.00

Transtorno de ansiedade generalizada F41 .1

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Transtorno de ansiedade de separação F93.0

Mutismo seletivo F94.0

F1 O, F15, F16 etc.


Transtorno de ansiedade induzido por substãncia
(depende da substância)

Transtorno de ansiedade devido a uma condição médica F06.4

Transtornos de ansiedade não especificados F41.9

••
Fobia social e fobias específicas
A fobia social, também chamada de transtorno de ansiedade social, diz
respeito ao medo ou à ansiedade acentuados em situações sociais. Nesses ca­
sos, a pessoa acredita que será avaliada ou julgada pelos outros. Ela teme agir de
forma errada ou de fazer algo que mostre sua ansiedade, como ficar ruborizada,
gaguejar, tremer ou tropeçar. Consequentemente, teme que os outros rirão dela
e farão piadas às suas custas. Observa-se medo de rejeição e humilhação, bem
como uma crença de que alguma situação constrangedora ocorrerá com certe­
za. Ressalta-se que o grau e o tipo de medo variam em situações diferentes.
Pelo fato de a ansiedade antecipatória ser comum, as pessoas geralmente
evitam situações sociais temidas, o que prejudica a vida laboral e escolar. Um
diagnóstico diferencial comum é a timidez normal, pois se trata de um traço de
personalidade ordinário, não patológico. O que a torna em transtorno é o con­
junto de prejuízos sociais e emocionais os quais a pessoa pode cultivar em seu
desenvolvimento. Os critérios diagnósticos, quando não explicados por outras
situações orgânicas ou condições médicas, são:
Medo ou ansiedade acentuados de uma ou mais situação social, como
manter uma conversa ou visitar pessoas da família;
Medo de agir de forma inadequada que resulte em um julgamento humi­
lhante ou constrangedor;
• As situações sociais quase sempre provocam medo ou ansiedade.
A pessoa evita situações sociais ou, pelo menos, suporta-as com sofrimento;
• O medo ou ansiedade são desproporcionais à ameaça real;
• O medo, ansiedade ou esquiva persiste por mais de seis meses;
• O medo, ansiedade ou esquiva causam sofrimento e prejuízo no funciona­
mento social.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
O tratamento depende do grau de comprometimento do paciente. É ne­
cessário alinhar medicamento à psicoterapia a fim de aliviar o sofrimento e
permitir que a pessoa desenvolva a iniciativa proposta em terapia e reaja às
situações de seu cotidiano. Além disso, busca-se minimizar o sofrimento, pois
esta é uma condição muito angustiante para o paciente. É possível que alguns
indivíduos não precisem de psicotrópicos e consigam superar suas dificuldades
apenas com psicoterapia. Entretanto, esses são casos nos quais ainda há boa
autocrítica e apoio familiar.
No caso das fobias específicas, há medo ou ansiedade exagerados sobre
uma situação ou objeto particular; um estímulo fóbico. Alguns exemplos são os
medos de: dirigir; altura; agulha; ambientes fechados; animais; e chuva. Exis­
tem inúmeros estímulos fóbicos e, para se diagnosticar a fobia, de fato, é preci­
so que os sentimentos frente a eles sejam intensos ou graves.
Pessoas que se veem diante do seu objeto fóbico perdem o controle de
si. Os prejuízos sociais, profissionais e de saúde são menores que os da fobia
social e outros tipos de ansiedade. Ainda, a esquiva pode prejudicar
o indivíduo, pois ele evita ou adia situações importantes para sua
saúde ou bem-estar. Essas pessoas comumente con-
tornam seus medos. A psicoterapia pode beneficiá-
-las mais do que a medicalização, mas isso depen-
derá muito da avaliação do profissional, bem como
do sofrimento e do tipo de fobia e esquiva.

••
Transtorno de pânico e agorafobia
O transtorno de pânico é uma das crises de ansiedade com maior sofri­
mento psíquico devido tanto ao pavor que acomete a pessoa quanto ao fato de
que, na crise, apresentam-se de 4 a 13 sintomas físicos e cognitivos. Esse mal se
caracteriza por ataques de pânico inesperados e intensos, acompanhados de
sintomas físicos e de forte sensação de desconforto e mal-estar. As crises po­
dem ocorrer em qualquer lugar ou momento e costumam durar entre 1 5 e 30
minutos. De fato, o ataque parece surgir "do nada" mesmo quando a pessoa se
encontra relaxada. Isso modifica suas rotinas e faz com que ela evite situações
importantes do seu cotidiano, pois teme novas ocorrências. Como resultado,

PSIQUIATRIA BÁSICA .
deixa de dirigir e sair sozinha, procura os serviços de emergência repetidamen­
te e gasta quantias significativas com exames médicos e medicamentos; enfim,
traz muitos sofrimentos para si própria e sua família.
Geralmente, as preocupações são de ordem física, como o receio de que
os ataques reflitam a presença de doenças graves e morte eminente. Há tam­
bém o medo de passar vergonha, de enfrentar julgamento por conta da crise
ou de ser "taxado como louco". Para considerar ataques recorrentes e ines­
perados, com picos de minutos, como critérios diagnósticos para esse tipo de
transtorno, é necessário observar quatro dos seguintes sintomas: taquicardia
e palpitações; sudorese; tremores; falta de ar; sensação de asfixia; dor torácica;
náusea ou desconforto abdominal; sensação de tontura ou vertigem; desmaio;
calafrio; parestesias; desrealização ou despersonalização; medo de perder o
controle ou enlouquecer; medo de morrer; cefaleia; gritos e choro incontrolá­
vel. Além disso, para se diagnosticar o transtorno, deve-se verificar que a pes­
soa também apresenta comportamentos de esquiva e apreensão preocupação
persistente da ocorrência de novos ataques.
O tratamento geralmente combina medicamentos antidepressivos e ansio­
líticos com a psicoterapia, fundamental neste processo. A atividade física tam­
bém é uma opção importante.
A agorafobia é a ansiedade ou o medo intenso e acentuado de exposição
real ou prevista para duas ou mais das seguintes situações: uso de transporte
público; permanecer em espaço aberto, como estacionamentos e mercados;
permanecer em locais fechados, como teatros, lojas ou cine­
mas; permanecer numa fila ou em meio à multidão; e sair de
casa sozinho. Há também situações temidas, como medo de
ataques de pânico em ocasiões de exposição sem a presença
de alguém que possa oferecer auxílio.
Tanto o medo quanto a ansiedade são despro­
porcionais ao perigo real, seja ele apresentado ou
imaginado. A esquiva é persistente e geralmente
dura mais de seis meses; só assim pode-se fechar o
diagnóstico. O tratamento mais eficaz para este caso
é a psicoterapia, mas, dependendo da situação e da gra­
vidade, a medicalização pode servir como complemento.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtorno de ansiedade generalizada (TAG)
Esse é um dos transtornos mais comuns dentro desse grupo e das patolo­
gias psiquiátricas. Sua característica principal é a preocupação excessiva, com
diferentes aspectos. A pessoa costuma apresentar a característica de "não des­
ligar" em nenhum momento. Inclusive, essa é a queixa mais frequente. Além
disso, sua antecipação é desnecessária e sua preocupação, desproporcional à
condição real. Por fim, em função de não conseguir se manter despreocupada
com algum assunto, a pessoa apresenta muitos sintomas físicos e psicológicos.
Os critérios diagnósticos para o TAG envolvem ansiedade e preocupação
excessivas na maioria dos dias por pelo menos seis meses, bem como dificul­
dade de controlar a preocupação. Além disso, o paciente precisa apresentar, no
mínimo, três dos seguintes sintomas: inquietação ou sensação de estar com os
nervos à flor da pele; fadiga; dificuldade de se concentrar; irritabilidade; tensão
muscular; e perturbação do sono. De acordo com a APA (2014), a ansiedade
causa sofrimento significativo para a pessoa e prejudica suas relações sociais e
funcionais, bem como outras áreas importantes de sua vida.
Em função do desgaste emocional, é bem comum que pessoas com TAG
apresentem comorbidades psiquiátricas, como sintomas depressivos. Geral­
mente, o tratamento combina psicoterapia e medicamentos, principalmente
em casos mais avançados e crônicos.

••
Ansiedade de separação e mutismo seletivo
A ansiedade de separação se refere a um medo de "estar longe" ou de se
separar, seja de casa ou da figura de apego da pessoa. O DSM-V não se refere
apenas a esse grupo de pessoas, mas a indivíduos. Afinal, este não é um trans­
torno exclusivo de um grupo etário, como afirma a APA (2014). De qualquer
forma, é mais comum em crianças que já deveriam apresentar maior indepen­
dência em relação aos pais. Considera-se a condição como um transtorno jus­
tamente pelo fato de a criança não se comportar de acordo com o estágio de
seu desenvolvimento.
Não se trata de saudade ou estranhamento de um espaço novo. A ansie­
dade envolve sintomas mais graves, que afetam o relacionamento social do

PSIQUIATRIA BÁSICA .
indivíduo, bem como seu processo de aprendizagem, desenvolvimento e,
até mesmo, saúde.
Os critérios diagnósticos são:
• Sentimentos de medo ou ansiedade, sejam eles impróprios ou excessivos,
da separação de pessoas com quem se convive e tem apego. Observa-se
sofrimento forte e recorrente;
Preocupação persistente acerca de possíveis perigos aos quais essas pes­
soas se sujeitam quando estão fora de casa;
• Relutância ou recusa de sair ou se afastar de casa;
Temor ou medo excessivo de ficar sem a figura de apego em casa ou ou­
tros ambientes;
• Relutância ou recusa de dormir fora de casa ou longe das pessoas de apego;
• Repetidas queixas de sintomas somáticos quando distante dessas pessoas.
O tratamento mais adequado para esses casos é a psicoterapia. Afinal, ela
trabalha tanto a pessoa que sofre da ansiedade quanto as figuras de apego;
normalmente, os pais. Isso se dá pois elas também se anulam e sofrem com
essa condição, mesmo que não sejam as acometidas. É comum que elas se
cansem e não saibam como agir frente as circunstâncias.
Em casos mais sérios, medica-se o paciente, principalmente quando um psi­
quiatra o encaminha. É possível, inclusive, que, ao procurar o médico, o indiví­
duo já apresente comorbidades.
Na maioria das vezes, o diagnóstico do mutismo seletivo também ocorre
em crianças, mas o DSM-V não discrimina a idade em seus critérios, conforme
a APA (2014). As pessoas que sofrem deste transtorno não conseguem falar
com outras, nem sequer respondê-las, quando estão fora de casa. Na verda­
de, mesmo que o indivíduo esteja dentro de casa, mas diante de pessoas des­
conhecidas ou, até mesmo, conhecidas, mas de pouco convívio,
como avós e primos, ele não consegue se comunicar. Resumida­
mente, essas pessoas costumam se recusar a falar e
apresentam grande ansiedade social. Consequen­
temente, seus processos de aprendizado e de-
senvolvimento podem se prejudicar, forçando-
-as a se comunicarem com gestos ou grunhidos.
Tomemos como exemplo um caso real:

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Uma menina de sete anos que não se comunica na escola, mas conversa
normalmente em casa, aparece em um ambulatório do Sistema Único de Saú­
de (SUS). Sua avó diz que ela fala "até demais". Entretanto, apesar de demons­
trar uma aprendizagem normal na escola, inclusive se alfabetizando, não con­
versa fora de casa. Brinca com suas amigas sem trocar palavras e afirma para a
avó que são poucas as crianças com quem não se dá bem. Sua história de vida
é complexa, marcada por vulnerabilidade social e conflitos familiares intensos.
Inicialmente, a profissional de saúde que a recebeu tenta trabalhar com
terapia comportamental cognitiva. Mas a criança é difícil; por conta de sua an­
siedade, de grau elevado, arranca o plástico debaixo da cadeira. A profissional
não quer lhe trazer mais sofrimentos e repensa a intervenção terapêutica. In­
sere a menina num grupo terapêutico de crianças e, junto com uma assistente
social, modifica algumas das atividades a fim de incluí-la. A princípio, ela só
observa, mas, aos poucos, constrói vínculos, pois se sente bem acolhida. De­
pois de algumas sessões, a menina ainda entra muda, mas sai falando e suas
colegas comemoram ao vê-la verbalizar.
A profissional de saúde, então, retoma as sessões individuais com o obje­
tivo de ampliar esses "ganhos" e aplicá-los em outros espaços. Aos poucos, o
problema fica para trás e a criança passa a conversar normalmente com os
outros. Jamais se aplicou algum medicamento.

Uma situação como essa mostra a importância de se fortalecer as políticas


públicas e de saúde mental. Para m i n imizar o sofrimento da popu lação, todos
precisam de igual acesso à sociedade. Ainda, deve-se ter como objetivo a re­
dução das consequências que se acumulam de tantas condições de estresse e
frustração para a classe mais vulnerável.
Outros transtornos de ansiedade mencionados no DSM-V, como o induzido
por substância, devido a uma condição médica ou sem especificação, seguem
a mesma lógica do transtorno depressivo. A ansiedade induzida por substân­
cia ocorre quando o quadro ansioso permanece mesmo quando os períodos de
abstinência e intoxicação já passaram. Já o devido a outra condição médica se dá
quando o quadro ansioso deriva de um efeito fisiológico, como doenças endócri­
nas ou neurológicas. Por fim, classifica-se uma ansiedade como "não especifica­
da" quando não se observa nenhum critério definido para os outros transtornos.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtornos psicóticos e mentais orgânicos
O DSM-V apresenta esses transtornos como espectro da esquizofrenia e
outras condições psicóticas. Isso inclui tanto a esquizofrenia em si quanto o
transtorno da personalidade esquizotípica. Conforme a APA (2014), tais doen­
ças apresentam um ou mais dos seguintes sintomas: delírios; alucinações; pen­
samento desorganizado; comportamento motor desorganizado, o que inclui a
catatonia; e sintomas negativos.
O Quadro 5 apresenta brevemente as características de cada domínio
esquizofrênico.

QUADRO 5. CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DOS TRANSTORNOS PSICÓTICOS

Sintoma psicótico Definição

Trata-se de crenças fixas, sem fundamentos e impassíveis de


Delírios mudança. Podem ser: persecutórios; de referência; de gran­
deza; erotomaníacos; niilistas; e somáticos.
Ocorre quando a pessoa tem uma percepção sem um es­
tímulo externo. Diferentemente do delírio, onde existe um
Alucinações estímulo, mas a pessoa distorce a realidade, não há nenhum
estímulo na alucinação. Alguns exemplos são: ouvir vozes;
sentir cheiros; ver vultos; e alucinações táteis.
O chamado "descarrilamento" ou "afrouxamento de ideias··.
Desorganização do
A pessoa não consegue seguir uma lógica no discurso nem
pensamento (discurso)
realizar atividades cotidianas.
o comportamento da pessoa é tão desorganizado que chega
Comportamento motor a prejudicar a realização de atividades cotidianas. Ela se apre­
desorganizado ou anormal senta de forma agitada e chega a ser pueril e imprevisível. No
(inclui catatonia) caso da catatonia, a pessoa se reduz no ambiente, seja com
mutismo, estupor ou rigidez.
Expressão emocional diminuída no contato visual, na en­
tonação da fala ou através da avolia, isto é, da diminuição das
Sintomas negativos
atividades autoiniciadas, como não se levantar, desconforto e
não mudar de posição.
Fonte: APA, 2014, p. 87-88.

••
Esquizofrenia
Essa condição envolve uma gama de disfunções cognitivas, comportamen­
tais e emocionais, bem como um conjunto de sinais e sintomas associados a
um prejuízo do funcionamento social, como família, trabalho ou autocuidado.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
O paciente esquizofrênico apresenta muitas variações de ser e as característi­
cas variam entre os indivíduos. Mesmo assim, os critérios diagnósticos exigem
a presença de pelo menos dois desses sintomas. Quando a perturbação inicia
na infância ou na adolescência, acompanha um prejuízo cognitivo significativo.
Os pacientes podem apresentar: afeto inadequado, como o ato de rir na
ausência de um estímulo apropriado; humor disfórico, como depressão, ansie­
dade ou raiva; padrão do sono perturbado; falta de interesse em alimentar-se;
e déficit cognitivo. Além disso, eles possuem uma expectativa de vida reduzida,
pois lidam com diversas comorbidades, como síndromes metabólicas e doen­
ças cardiovasculares e pulmonares. Como se não bastasse, observa-se uma
tendência de cuidar menos da saúde.
Existem seis variações diferentes da esquizofrenia:
1 . Simples: desenvolve-se lenta e progressivamente. Diagnosticá-la é di­
fícil, pois seus sintomas são pouco evidentes. No entanto, a mudança
mais marcante é a que ocorre nas relações afetivas e na forma de se
expressar;
2. Hebefrênica: apresenta pensamentos e falas sem sentido. Além disso,
há dificuldade em assimilar a realidade. O paciente apresenta compor­
tamento tipicamente infantilizado;
3. Paranoide: a forma mais comum, com presença clara de delírios e alu­
cinações auditivas;
4. Catatônica: o paciente se agita extremamente ou fica muito quieto por
horas numa mesma posição e expressa intensa apatia;
5. Residual: sinais isolados de alterações comportamentais e emocionais
persistem após o tratamento de uma crise psicótica;
6. In diferenciada: no lugar de características específicas, a pessoa apre­
senta variados sintomas. Não é possível enquadrá-la em uma das outras
categorias.
Não há consenso sobre o que causa a esquizofrenia. Entretan-
to, alguns fatores de risco amplamente reconhecidos são: histó-
rico familiar; abuso de substâncias psicoativas; quadros de
ansiedade; e outros transtornos de humor. O uso de an­
tipsicóticos é o pilar terapêutico no tratamento. Afinal, é a
melhor ferramenta para se evitar crises e sintomas típicos. A

PSIQUIATRIA BÁSICA .
psicoterapia pode ajudar bastante, otimizando a melhora das relações entre o
paciente e seus familiares. Já a hospitalização só é necessária em casos graves
ou momentos de crise. Vale a pena ressaltar que a esquizofrenia é uma doença
crônica sem cura. Entretanto, é possível estabilizar o quadro desde que a pes­
soa tenha acesso adequado a tratamento.

••
Transtornos neurocognitivos (TNC)
Essa condição se relaciona aos transtornos mentais orgânicos, dos quais
se destacam: doenças relacionadas à demência, como Parkinson, Alzheimer e
Corpos de Levy; delirium; e lesões cerebrais, sejam as causadas por acidente
vascular cerebral (AVC), trauma ou infecção por HIV, entre outros.
Em termos simples, os TNC afetam, temporária ou permanentemente, as
funções cognitivas, como memória, atenção, evocação, linguagem e orien­
tação de tempo e espaço. O DSM-V já não os designa como demência, mas
classifica-os de acordo com o impacto na vida do indivíduo e o prejuízo cog­
nitivo e funcional:
• Transtorno neu rocognitivo maior: prejudica a independência e auto­
nomia do paciente;
• Transtorno n eurocognitivo leve: paciente mantém sua independência,
mas precisa de adaptações.
Depois de avaliar o paciente com um desses dois tipos de transtorno, o
médico determinará qual doença acomete o declínio cognitivo: Alzheimer; Par­
kinson; Corpos de Levy; Huntington; Prion; degeneração lombar
frontotemporal; doença vascular; lesão cerebral traumática;
infecção por HIV; ou uso de substância ou medicamento.
Dessa forma o diagnóstico passa a se relacionar com
a doença. Por exemplo: transtorno neurocognitivo
maior por doença de Parkinson. O objetivo do trata-
mento geralmente é impedir a evolução da doença
e reduzir sintomas. Associa-se o uso de medica­
mentos à psicoterapia, terapia ocupacional, fisiote­
rapia e demais tratamentos que podem melhorar o
bem-estar do paciente.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtornos relacionados ao uso de substância psicoativa
Esses transtornos abrangem dez tipos de drogas que, se consumidas em
excesso, ativam diretamente o sistema de recompensa do cérebro, que reforça
comportamentos e reproduz memórias. Uma vez ativado, a pessoa passa a ne­
gligenciar atividades normais que lhe trariam prazer, como ir ao cinema, namo­
rar, cozinhar algo que gosta e passar tempo com a família. A droga, então, tor­
na-se um caminho mais rápido e "fácil" para ativar essas vias de recompensa.
Cada droga percorre um caminho diferente para ativar o sistema de recom­
pensa, mas o resultado sempre são as sensações de prazer. O DSM-V descreve
dez classes de drogas: álcool; cafeína; cannabis; alucinógenos; inalantes; opiói­
des; sedativos; hipnóticos e ansiolíticos; estimulantes, como cocaína, crack e
anfetamina; e tabaco e semelhantes.
O que caracteriza o transtorno por uso de substâncias é a presença de
um grupo de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos que crie
problemas significativos para a pessoa. Um aspecto importante dessa con­
dição é a alteração básica nos circuitos cerebrais que pode persistir mesmo
após a desintoxicação, especialmente em casos graves. A APA (2014) aponta
que, de forma geral, há um padrão patológico de comportamento que define
o transtorno. O Quadro 6 organiza os detalhes, porém, antes, é importante
ressaltar que este é o usado pelo DSM-V para todas as drogas, portanto, vale
mais a pena discutir a o padrão patológico da dependência química do que os
detalhes de cada substância.

QUADRO 6. PADRÃO PATOLÓGICO E CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS


PARA TRANSTORNO DE SUBSTÂNCIA
::=::::::::=:::

Padrão patológico Critérios diagnósticos

1 ) consumo em quantidades maiores ou por longos períodos; 2)


desejo persistente de reduzir o uso com esforços malsucedidos;
Baixo controle sobre o
3) gasta-se muito tempo para obter, usar e se recuperar do uso;
uso das substâncias
4) fissura, isto é, desejo ou necessidade intensa de uso a qualquer
momento ou sob gatilhos emocionais.

5) fracasso em cumprir obrigações; 6) o uso permanece mesmo


Prejuízo social depois de consequências sociais e interpessoais; 7) abandona-se
atividades sociais, profissionais ou recreativas em função do uso.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
8) uso recorrente mesmo em situações que envolvem risco à
Uso arriscado da
integridade física; 9) uso permanece mesmo com a ciência dos
substância
prejuízos à saúde física, ps1cológ1ca e social.

Critérios farmacológicos 1 O) grau de tolerância; e 1 1 ) sintomas de abstinência.

EXPLICANDO
A tolerância surge quando se necessita de uma dose cada vez maior da
substância para que se alcance o efeito desejado. O corpo já se acostuma
com a dosagem anterior, que já não faz mais efeito. Já a abstinência tra­
ta-se da síndrome que resulta da diminuição da substância no organismo.
A falta da substância gera sintomas no indivíduo, que antevê o uso intenso
e prolongado. Tais sintomas variam para cada droga, mas, geralmente,
incluem fortes episódios de ansiedade.

É importante diferenciar alguns conceitos do transtorno:


• Uso: consumo casual, que pode ser frequente ou não e, além disso,
não se inclui no transtorno. As pessoas conseguem cessar o uso e,
geralmente, não sofrem danos de longo prazo;
• Abuso: uso nocivo, que se torna mais recorrente ou em maior quan­
tidade e causa algum problema. O usuário passa a sofrer riscos
maiores e se sujeita à dependência. Pode gerar um transtorno em
casos de intoxicação;
• Dependência: somados aos critérios anteriores, observa-se proble­
mas gerados pela compulsão. Já é caso de transtorno, pois o pacien­
te sente necessidade constante de ter a substância no organismo;
• Intoxicação: síndrome resultante de uma ingestão em grandes
quantidades de uma substância. Pode ser aguda ou crônica .

••
Fases da mudança de comportamento
Existe uma situação clássica ao se trabalhar com pessoas em tratamento
para dependência química. Trata-se dos estágios de mudança ou motivacio­
nais. Descrita por James Proschaska e outros estudiosos em 1 977, essa estraté­
gia busca desenvolver um modelo dinâmico de mudança comportamental por
meio de fases do pensamento e do próprio comportamento. Para conseguir
mudar, a pessoa precisa passar por cinco etapas, como indica a Figura 1 .

PSIQUIATRIA BÁSICA .
1. Pré-contemplação


2. Contemplação

Figura 1. Ciclo da mudança. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 03/09/2021 .

Vale a pena ver cada fase em maiores detalhes:


1 . Pré-contemplação: a pessoa ainda não tem a intenção de mudar e pode
não ter consciência do problema associado ao seu comportamento;
2. Contemplação: a pessoa já se dá conta do problema que tem e começa
a pensar sobre as consequências;
3. Preparação: a pessoa planeja sua mudança e já estipula uma data ou
condições para pô-la em prática;
4. Ação: momento de mudanças concretas de comportamentos e atitudes;
5. Manutenção: a pessoa desenvolve novos comportamentos de forma
sustentável e previne um recaída;
6. Relapso: uma recaída pode ocorrer a qualquer momento e
a pessoa deve voltar para a fase anterior ou para
uma que a permita retomar seu processo.
É importante ressaltar que o processo é cíclico,
pois o indivíduo pode perder sua crítica e voltar
para o primeiro estágio.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Sintetizando •
Passamos brevemente por algumas síndromes psiquiátricas. Afinal, não há
como discutir todas as formas de tratamento, critérios diagnósticos e especifici­
dades em uma única unidade. Realçamos, porém, os aspectos mais relevantes.
Os transtornos de humor receberam atenção especial, pois, historicamente,
a filosofia, a medicina e a psicologia giram em torno de decifrar os males da alma
e da bile negra. Além disso, compreendemos o sofrimento pelo qual passam os
indivíduos acometidos por essas doenças.
É possível pesquisar e compreender os demais transtornos no DSM-V, a refe­
rência mais atualizada para as doenças mentais que existem na psicopatologia.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Referências bibliográficas

ALMEIDA, M. A formação social dos transtornos de humor. 2018. 416 f. Tese de
doutorado (Saúde Coletiva) - Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Pau­
lista, Botucatu, 2018. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/bitstream/han­
dle/11449/153333/almeida_mr_dr_bot.pdf?sequence=3&isAllowed=y>. Acesso em:
19jul. 2021.
APA - AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatísti­
co de transtornos mentais: DSM-V. 5. ed. trad. Maria Inês Corrêa Nascimento.
Porto Alegre: Artmed, 2014.
CARNEIRO, A.; MORENO, D. Avaliação de sintomas hipomaníacos/maníacos do trans­
torno bipolar. ln: GORAYEB, R.; MIYAZAKI, M.; TEODORO, M. Programa de atualiza­
ção em psicologia clínica e da saúde. Ciclo 4, v. 1. Porto Alegre: Artmed, 2020.
LIMA, C. et ai. Bases fisiológicas e medicamentosas do transtorno da ansiedade. Re­
search, society and development, [s. I.]. v. 9, n. 9, 2020. Disponível em: <https://
rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/7780/7077>. Acesso em: 03 set. 2021.
OMS - Organização Mundial da Saúde. Classificação dos transtornos men­
tais e do comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósti­
cas. trad. Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
PEREIRA, A. et ai. O agravamento dos transtornos de ansiedade em profissionais
de saúde no contexto da pandemia da COVID-19. Brazilian Journal of Health Re­
view. Curitiba, v. 4, n. 2, p. 4094-4110, 2021. Disponível em: <https://www.brazilian­
journals.com/index.php/BJHR/article/view/25537>. Acesso em: 27 ago. 2021.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
UNIDADE

ser
educacional
Objetivos da unidade

Conhecer os principais transtornos psiquiátricos e suas características mais


relevantes;

Analisar dentro de cada diagnóstico, dados epidemiológicos, características


clínicas e tratamento.

Tópicos de estudo
Os transtornos de Os transtornos alimentares e
personalidade os transtornos relacionados ao
Transtornos de personalidade do controle de impulsos
grupo A Anorexia e bulimia nervosa
Transtornos de personalidade do Pica e transtorno de ruminação
grupo B Transtorno restritivo/evitativo e
Transtornos de personalidade do compulsão alimentar
grupo C
Deficiência intelectual
Os transtornos dissociativos
Transtorno dissociativo de
identidade
Amnésia dissociativa
Transtorno de despersonalização/
desrealização

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Os transtornos de personalidade
Os transtornos de personalidade (TP) referem-se a um tipo de padrão de
comportamento persistente e desadaptado da cultura do indivíduo, além de
difuso e inflexível, que geralmente se inicia na adolescência ou início da fase
adulta. Ele torna-se estável ao longo do tempo, levando a pessoa ao sofrimento
e a prejuízos de diversas ordens.
Esse padrão de comportamento é considerado um transtorno psiquiátrico
justamente porque há sofrimento e dificuldade em enfrentar as adversidades
em relacionamentos e na vida social e laboral, além de outras áreas. O curso dos
T P é crônico, embora possua tratamento, e alguns deles tendem a ficar menos
evidentes ou desaparecer com o envelhecimento, ao passo que outros não.
Os T P sofrem variações em suas manifestações e o DSM-V os reúne em três
grupos distintos (APA, 2014):
• Grupo A: Transtornos de personalidade paranoide, esquizoide e esquizotí­
pica. Geralmente são pessoas descritas como "esquisitas" ou "excêntricas";
• Grupo B: Transtornos de personalidade antissocial, borderline, histriôni­
ca e narcisista. Identificadas como pessoas mais "dramáticas".
• Grupo C: Transtornos de personalidade evitativa, dependente e obsessi­
vo-compulsiva. Pessoas retratadas como "ansiosas" e "medrosas".
É possível também que algumas pessoas apresentem concomitantemente
transtornos de personalidade de grupos diferentes. Ressalta-se que determi­
nadas características podem ser vistas como expressões de "traços de persona­
lidade". Os traços de personalidade são padrões de pensamento, comporta­
mento e relacionamento que a pessoa mantém ao longo de sua vida em variados
contextos sociais e pessoais, sendo que esses traços se configuram como trans­
torno de personalidade quando são mal adaptativos e causam sofrimento.

EXPLICANDO
O tratamento mais indicado para os transtornos de personalidade é a
psicoterapia, seja em grupo ou individual, desde que a pessoa apresente
vontade de mudar. Há pouca responsividade a medicamentos, visto que
se tratam de padrões de comportamento integrados ao modo de vida da
pessoa. Portanto, busca-se mais intensamente a compreensão dos prejuí­
zos e as motivações para as mudanças necessárias.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Para diagnosticar um transtorno de personalidade, esses padrões de fun­
cionamento precisam ser avaliados a longo prazo e suas características suspei­
tas devem estar bem evidentes no início da vida adulta. Além disto, estas carac­
terísticas não devem estar associadas a algum evento de estresse ou condição
mental transitória. Isso posto, os T P são descritos no Quadro 1:

QUADRO 1. TIPOS DE TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE

Transtorno de personalidade Descrição

Transtorno de personalidade Padrão de desconfiança e suspeita em relação ao outro,


paranoide sempre visto com desconfiança.

Transtorno de personalidade Padrão de distanciamento das relações sociais e restrição


esquizoide da expressão emocional.

Transtorno de personalidade Padrão de desconforto agudo nas relações íntimas,


esquizotípica distorções cognitivas e comportamento excêntrico.

Transtorno de personalidade
antissocial
Padrão de desrespeito e violação dos direitos dos outros.

Padrão de instabilidade nas relações interpessoais,


Transtorno de personalidade
na autoimagem e nos afetos, além de presença de
borderline
impulsividade acentuada.

Transtorno de personalidade
histriônica
Padrão de emocionalidade e busca de atenção.

Transtorno de personalidade Padrão de grand1os1dade, necessidade de admiração e


narcisista falta de empatia.

Transtorno de personalidade Padrão de inibição social. sentimentos de inadequação


evitativa e hipersens1b1lidade quanto à avaliação negativa.

Transtorno de personalidade Padrão de comportamento submisso/apegado relacionado


dependente a uma necessidade excessiva de cuidado.

Transtorno de personalidade Padrão de preocupação com ordem, perfeccionismo


obsessivo-compulsiva e controle.

Mudança de personalidade
Perturbação persistente da personalidade decorrente de
efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica - por
devido a outra condição médica
exemplo: lesão no lobo frontal.
Presença de padrões gerais que configuram um transtorno
Outro transtorno de
de personalidade, mas sem preencher os critérios de um
personalidade não especificado
transtorno específico.
Fonte: APA, 2014. p. 645. (Adaptado).

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Para determinados diagnósticos, torna-se difícil compreender se de fato trata­
-se de um transtorno de personalidade ou outra condição psiquiátrica, como um
transtorno de ansiedade ou humor. Uma situação observada, neste caso, é que
quem sofre de T P geralmente não apresenta sofrimento pela forma como pensa
ou se comporta. Embora a forma de ser não seja vista como errada, há sofrimento
pelas consequências que seus comportamentos mal adaptativos causam.
Por exemplo: uma pessoa com ansiedade social irá penar por ser uma pes­
soa retraída e por não conseguir ter tantos amigos e ser popular, além do so­
frimento com as consequências da ansiedade (evitação, mal estar, sintomas
desconfortáveis). Já a pessoa com TP evitativa não sentirá qualquer necessida­
de de se enturmar, embora deseje não se prejudicar em processos seletivos ou
sofrer cobranças da família, por exemplo. Em relação aos fatores de risco, para
a maioria dos T P a hereditariedade gira em torno de 50%.
Segundo o DSM-V, os critérios diagnósticos para um transtorno de persona­
lidade são avaliados em seis aspectos, conforme evidencia o Quadro 2.

QUADRO 2. COMPETÊNCIAS PARA O PROFISSIONAL



Critérios
Padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia acentuadamente das
expectativas da cultura do indivíduo. Esse padrão manifesta-se em duas (ou mais) das seguintes
áreas: (1) cognição; (2) afetividade; (3) funcionamento interpessoal; (4) controle de impulsos.

lili
Padrão persistente inflexível e que abrange uma faixa ampla de situações pessoais e sociais.
Padrão persistente que provoca sofrimento clinicamente significativo e prejuízo do
funcionamento social, profissional ou de outras áreas importantes na vida do indivíduo.

aa
Padrão estável e de longa duração com o surgimento ocorrendo pelo menos a partir da
adolescência ou no início da fase adulta.
Padrão persistente que não é mais explicado como uma manifestação ou consequência de
outro transtorno mental.
Padrão persistente não atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (por exemplo: droga de
abuso, medicamento) ou a outra condição médica (por exemplo: traumatismo cranioencefáilco}.
Fonte: APA. 2014, p. 646-647. (Adaptado).

Em conclusão, para que um TP seja diagnosticado, o indivíduo deve possuir um


padrão estável e inflexível de comportamento. Isso significa que ele não irá se trans­
formar se tomar uma medicação, realizar um sonho, mudar de país ou deixar a casa
dos pais, entre outros. Medicações, mudanças e realizações irão fazer com que ele
melhore aspectos como angústia, padrão de sono e afeto (quando presente).

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtornos de personalidade do grupo A
Os transtornos de personalidade do grupo A são aqueles em que a caracte­
rística dos indivíduos é do estilo excêntrico. Encontram-se neste grupo o trans­
torno de personalidade paranoide, o transtorno de personalidade esquizoide e
o transtorno de personalidade esquizotípica.
O TP paranoide está relacionado à desconfiança e à suspeita. Para as pessoas
que sofrem deste transtorno, os outros sempre tentarão explorá-la, tirar proveito
ou estarão tramando algo contra ela - ninguém é confiável e o mundo é traidor,
mesmo sem evidências que embasem essa suspeita. Há dúvida em relação à con­
fiança de amigos ou sócios e surpresa com comportamentos de lealdade.
Sendo assim, há uma relutância em construir uma relação íntima com al­
guém, visto que esses indivíduos sempre acham que em algum momento tudo o
que foi dito será usado contra eles, além de ver maldade em qualquer pergunta
ou comentário, inclusive nos positivos. São pessoas que guardam rancores, não
aceitam elogios e criam hostilidades por pequenas atitudes que não justificam
este sentimento, além de serem ciumentos e reagirem de forma raivosa e gros­
seira. Frequentemente são rígidos, controladores e buscam ser autossuficientes.
O TP esquizoide refere-se a pessoas com um padrão de distanciamento
social e desinteresse em outras pessoas, bem como pouca expressão emocio­
nal em contextos interpessoais. Não são pessoas tímidas, mas sim fechadas
e isoladas, sem desejo por intimidade ou interesse em desenvolver relações
próximas, inclusive com familiares. Preferem ficar sozinhos, optam por passa­
tempos solitários e podem apresentar baixo interesse em relações sexuais, até
porque experiências sensoriais e corporais não lhe trazem prazer.
São indiferentes a críticas ou aprovação de terceiros e não se incomodam com
o que os outros possam pensar sobre eles. Gentilezas sociais são irrelevantes e
estes indivíduos não conseguem reagir de forma adequada, tornando-se super­
ficiais. Além disso, não apresentam reatividade emocional visível, raramente irão
reagir a sorrisos, apresentam afeto constrito e mostram-se frios e distantes. Res­
salta-se que não é apenas gentileza e carinho que não conseguem demonstrar:
também não há manifestação de raiva, mesmo que haja provocações.
O TP esquizotípica está associado a pessoas com ideias e comportamentos
excêntricos. As pessoas com este diagnóstico também apresentam prejuízo so-

PSIOUIATRIA BÁSICA .
cial e interpessoal, manifestando dificuldade em manter relacionamentos íntimos,
distorções cognitivas e comportamento excêntrico. Estas distorções cognitivas ou
perceptivas são ideias de referência (diferentemente do delírio) em que há a cren­
ça incorreta de que alguns eventos possuem sentido particular incomum, poden­
do ser uma superstição que foge da cultura do indivíduo, a presença de um poder
paranormal ou a capacidade de ler pensamentos alheios, por exemplo.
Pode haver alterações perceptivas, como a sensação de estar ouvindo vozes
chamando seu nome, e é possível que seu discurso inclua palavras que não exis­
tem, mas que têm algum sentido para o indivíduo. São pessoas desconfiadas e
incapazes de lidar com afetos, o que pode torná-las inadequadas em sua forma de
interagir. Sendo assim, preferem não ter contatos íntimos ou manter proximidade.

••
Transtornos de personalidade do grupo B
Os transtornos de personalidade do grupo B estão relacionados às pes­
soas que têm uma característica mais dramática e emocional. Este grupo con­
templa o transtorno de personalidade antissocial, o transtorno de personali­
dade borderline, o transtorno de personalidade histriônica e o transtorno de
personalidade narcisista.
O TP antissocial já foi anteriormente chamado de psicopatia, uma vez que
contempla pessoas que apresentam total irresponsabilidade social, falsidade e
manipulação para ganho pessoal, além de um padrão de indiferença e violação
do direito dos outros. Esta forma de agir surge na infância ou na adolescência
e se mantém na vida adulta; no entanto, o diagnóstico só pode ser confirmado
para pessoas acima dos 1 8 anos, desde que tenham apresentado algum trans­
torno de conduta antes dos 1 5.
Posteriormente o transtorno de conduta será abordado, mas ressalta-se
que características deste transtorno incluem agressão a pessoas e animais,
destruição de propriedade, fraude ou roubo e grave violação às regras. Indiví­
duos com TP antissocial apresentam dificuldade em se ajustar às normas so­
ciais, cometendo muitas vezes atos que ferem a legalidade, visto que não é raro
que possuam passagem pela polícia ou processos judiciais. É comum que usem
de manipulação e enganação para ganhos pessoais, como sexo ou dinheiro,
sem sentir culpa ou remorso pelo sofrimento ou prejuízo alheios. Também são

PSIQUIATRIA BÁSICA .
comuns atitudes impulsivas sem qualquer análise de perdas, como mudanças
repentinas de emprego ou moradia.
Esses indivíduos não se importam com sua segurança ou de pessoas pró­
ximas, agindo com desdém em relação a fatores de proteção e envolvendo-se
em direção perigosa e comportamento sexual de risco, entre outros. Fica evi­
dente que eles apresentam dificuldades no relacionamento familiar e na ade­
são ao tratamento psicoterapêutico, visto que sempre haverá desqualificação
do conhecimento da outra pessoa. Se buscam o tratamento, muitas vezes é por
estarem sofrendo consequências de suas atitudes, criando a necessidade de se
redimir para obter novos ganhos. O curso é crônico, mas pode haver remissão
ou menor evidência com o envelhecimento.
O TB borderline é característico em pessoas que, patologicamente, apre­
sentam intolerância a solidão e a não priorização pelos outros e forte desregu­
lação emocional. Há instabilidade em suas relações afetivas, em sua autoima­
gem e em seu afeto, além da presença de forte impulsividade. Esses indivíduos
buscam frequentemente evitar o abandono, seja ele real ou imaginário. Neste
caso, imaginário diz respeito à possibilidade de que a pessoa com este trans­
torno fantasie que outrem corresponda a um relacionamento que ela criou
expectativas, mas que não condiz com a realidade.
Esses indivíduos têm um medo intenso de abandono e reagem com raiva e
impulsividade a situações pequenas. Não suportam a ideia de parecerem más
pessoas e têm pouca tolerância à frustração. Atitudes impulsivas, como automu­
tilação ou comportamento suicida, podem ocorrer, na tentativa de evitar o aban­
dono. Sendo assim, os relacionamentos são instáveis e intensos. Há idealização
e supervalorização, o que pode mudar repentinamente caso não sejam corres­
pondidos em suas expectativas. Pode ocorrer instabilidade na autopercepção,
envolvendo valores pessoais, sexualidade e carreira profissional, entre outros.
O TP histriônica é a característica das pessoas que estão em
constante busca de atenção, além de possuírem emocionalida­
de excessiva. Sentem-se desvalorizadas se não são o
centro das atenções e costumam ser atrativas, se-
dutoras e carismáticas. Caso não consigam man-
ter o foco da atenção, tomam atitudes dramáticas
e criam cenas, voltando a atenção para si - des-

PSIQUIATRIA BÁSICA .
maiam ou contam histórias tristes e exageradas, por exemplo. A conduta se­
xualmente provocativa não é voltada somente para quem elas têm interesse
romântico, mas para todas as pessoas de seu convívio; afinal, o foco é cha­
mar atenção. Gostam de impressionar as pessoas através de sua aparência e
possuem discurso impressionista e muita teatralidade. São indivíduos muito
sugestionáveis e que consideram as relações pessoais muito mais íntimas do
que são na realidade.
O TP narcisista refere-se a pessoas que possuem autoestima grandiosa -
embora frágil -, necessitam de admiração e apresentam falta de empatia. Con­
sideram-se superiores às outras pessoas, superestimam suas capacidades e
com frequência são vistas como arrogantes e pretensiosas. Estão sempre preo­
cupadas com fantasias de sucesso, poder e beleza e comparam-se a pessoas
famosas e de sucesso em sua área.
Esses indivíduos acreditam ser superiores, desdenham as outras pessoas e
quando não recebem o reconhecimento que imaginam ser devido, acreditam
que é por ignorância de quem avalia. Invejam os outros e acreditam que os
outros as invejam; por este motivo são muito sensíveis a derrotas, sentindo-se
humilhados quando não há reconhecimento.

••
Transtornos de personalidade do grupo C
Os transtornos de personalidade do grupo C relacionam-se a pessoas que
aparentam serem ansiosas ou apreensivas. Contemplam este grupo o trans­
torno de personalidade evitativa, o transtorno de personalidade dependente e
o transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva.
O TP evitativo é muito similar ao transtorno de ansiedade social. Aqui, a
pessoa procura ao máximo evitar o contato interpessoal por medo de uma
avaliação negativa de outros. A diferença entre ambos é que na ansiedade so­
cial o indivíduo normalmente deseja ter uma vida mais socialmente ativa e seu
sofrimento gira em torno dos sintomas ansiosos relacionados a atividades so­
ciais. Já no T P evitativa, não há sofrimento pela ausência de interação social: a
pessoa aprecia o isolamento e a solidão e, neste caso, o sofrimento se dá em
função do desconforto das situações a que ela acaba sendo exposta, como ter
que conviver socialmente por causa da família ou do trabalho.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Esses indivíduos apresentam inibição social e sentimentos de inadequação, evi­
tando sempre qualquer tipo de atividade que envolva contato interpessoal a fim de
que não sejam confrontados com críticas ou desaprovação. Rejeitam promoções
no âmbito profissional que possam lhe colocar em situações de exposição, evitam
novas amizades e convivem apenas com outras pessoas quando têm certeza que
não sofrerão críticas ou piadas. A intimidade é uma condição difícil para eles, em­
bora consigam estabelecer relacionamentos íntimos. Ao menor sinal de desapro­
vação, interpretam isto como rejeição e sentem-se extremamente afetados.
O TP dependente está relacionado com o padrão de comportamento de
submissão e necessidade de ser cuidado, o qual surge no início da vida adulta e
faz com que a pessoa tenha certeza de que não conseguirá funcionar adequa­
damente sem a ajuda de outros. Não conseguem tomar decisões simples da
vida cotidiana sem receber orientações, tendem a ser passivos e permitem que
alguém próximo e confiável assuma suas responsabilidades e decida por eles.
Como esses indivíduos têm medo de perder apoio ou aprovação, frequente­
mente possuem dificuldade de se expressar ou discordar de outros, chegando
ao ponto de concordar com atitudes consideradas erradas para não arriscar per­
der ajuda e aprovação. Não conseguem ser proativos, como iniciar um projeto
de forma independente, e podem se submeter a tarefas desagradáveis para con­
seguir a atenção de que necessitam, tolerando atos de violência verbal e moral.
O TP obsessivo-compulsivo diz respeito a pessoas que possuem um pa­
drão de rigidez, perfeccionismo e obstinação. Apresentam uma preocupação
muito grande com controle, têm pouca flexibilidade e são minuciosas em rela­
ção a regras, cronogramas e métricas de maneira tão acentuada que o objetivo
principal da atividade pode se perder. São propensos à repetição e atentos aos
detalhes, além de não conseguirem administrar bem seu tempo devido ao fato
de focarem muito no perfeccionismo, o que lhes causa grande sofrimento.
São indivíduos que apresentam muita dedicação ao trabalho e à produtivida­
de, deixando de lado o lazer e atividades sociais. Acreditam que, ao tirar tempo
para férias ou distrações, estão perdendo tempo. Possuem a au-
tocrítica apurada - mais do que a crítica a outros - e tendem a
ser mesquinhos e acumuladores. Apresentam dificuldade de
delegar tarefas a não ser que a pessoa que irá realizá-las se
submeta exatamente à sua forma de fazer as coisas.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Os transtornos dissociativos
Imagine a seguinte situação: uma mulher de 20 anos dá entrada no pronto­
-socorro com a queixa de que passou a não sentir suas pernas. Dois dias antes
deste fato, ela havia enterrado sua irmã mais próxima, a qual morreu gestante
de 8 meses após uma queda que ocasionou a perfuração de seu útero. A mu­
lher em luto nunca teve qualquer diagnóstico psiquiátrico anterior.
Esta cena real e triste é um exemplo do que pode ser um transtorno disso­
ciativo, que configura-se como uma perturbação ou alteração da consciência,
memória, identidade, emoção, percepção, representação corporal, controle
motor e/ou comportamento (APA, 2014). Ou seja: a pessoa perde o controle
de determinadas habilidades motoras, psíquicas ou neurológicas (memória) e
pode haver confusão com relação à própria personalidade.
É comum que estas manifestações surjam como consequência de traumas
emocionais. No DSM-V estes transtornos são descritos de maneira próxima
(embora independente) aos transtornos relacionados a traumas e estressores,
uma vez que estes também apresentam sintomas parecidos. Dessa maneira,
os sintomas dos transtornos dissociativos geralmente ocorrem repentinamen­
te e de maneira eventual ou frequente. Os principais incluem:
• Perda ou alteração de movimentos de alguma parte do corpo;
• Lentificação dos movimentos;
Amnésia temporária;
• Formigamento ou perda da sensibilidade de alguma parte do corpo
(mãos, pés, pernas, língua, etc);
• Confusão mental;
Perda da consciência de tempo e lugar.
Os transtornos dissociativos são subdivididos em transtorno
dissociativo de identidade, amnésia dissociativa, transtorno de
despersonalização/desrealização, outro transtorno dissociati-


vo e transtorno dissociativo não especificado. O tratamento
principal é a psicoterapia, embora os medicamentos possam
ser essenciais no alívio de sintomas psicóticos, os quais cau­
sam muita perturbação e angústia. No entanto, recomenda-se
trabalhar as fontes dos estresses e traumas através da psicoterapia.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Transtorno dissociativo de identidade
O transtorno dissociativo de identidade é também popularmente chamado de
transtorno de múltiplas personalidades, no qual a pessoa apresenta duas ou mais
formas de ser e de se comportar com características radicalmente diferentes e
independentes - em um momento o indivíduo pode ser alguém muito promíscuo
e em outro ser uma pessoa extremamente recatada. Há culturas que denominam
este transtorno como estado de possessão e há casos em que existe um bloqueio
de memória entre as personalidades.
Essas perturbações na identidade podem ocorrer em momentos de grande
pressão e em uma fase de estresse grave e/ou prolongada. Os estados de alternân­
cia entre as personalidades nem sempre são percebidos e observáveis diretamente;
nesse caso, para identificar o transtorno, é necessário observar dois conjuntos de
sintomas: (1) alterações ou descontinuidades repentinas no senso de si mesmo e
no domínio das próprias ações e (2) amnésias dissociativas recorrentes (APA, 2014).
A própria pessoa pode perceber esta alternância na personalidade; alguns
pacientes inclusive chegam a relatar que têm a sensação de serem observado­
res de suas próprias falas e ações e não conseguem reverter esta situação. Há
relatos de escuta de vozes e sensação de que seus corpos são diferentes (como
acreditar ser uma criança pequena de outro gênero sexual, por exemplo). Mes­
mo que essas sensações sejam subjetivas, determinadas situações podem ser
percebidas pelos mais próximos.
Pode haver amnésia dissociativa no transtorno dissociativo de identidade,
a qual se manifesta de três maneiras: (1) lacunas de memórias antigas da pró­
pria vida; (2) lapsos na memória de rotina - o que ocorreu hoje, dirigir, mexer no
computador; e (3) realização de atividades que não se lembram de terem feito.
Diferentemente da amnésia dissociativa, a amnésia no transtorno dissociativo
de identidade não está limitada a eventos traumáticos. Pode neste caso também
ocorrer a fuga dissociativa, em que a pessoa se percebe em determinado local
sem saber como chegou ali.
É comum a associação de outras comorbidades, como depressão e ansieda­
de, abuso de substâncias ou outros sintomas. Este transtorno associativo pode
se manifestar em qualquer idade e usualmente está associado a eventos trau­
máticos e/ou de abuso.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Amnésia dissociativa
A amnésia dissociativa é a incapacidade de recordar situações importantes
da própria vida que geralmente possuem natureza traumática. Não se trata
do esquecimento comum, mas sim de uma amnésia seletiva a eventos especí­
ficos. Pode ser o caso de um indivíduo que sobrevive a um acidente de avião
e consegue se lembrar apenas dos instantes anteriores ao acontecimento ou
de pessoas que sofreram violência na infância e não conseguem se recordar
disso. Descarta-se aqui as amnésias por lesões neurológicas: neste caso, é uma
ocorrência puramente emocional. Assim, o Quadro 3 apresenta as formas de
amnésia dissociativa e suas características:

QUADRO 3. FORMAS DE AMNÉSIA DISSOCIATIVA

Tipo de amnésia Características

A pessoa não se lembra de eventos durante um período limitado, não


Amnésia localizada se restringindo a um único evento traumático, mas a meses ou anos
de um período da infância, por exemplo, ou outras fases de vida.
Permite que a pessoa se lembre de alguns fatores de determinado
Amnésia seletiva período de vida. Ela consegue ter flashs de um evento traumático,
mas sem recordá-lo por completo.
Perda completa da história de vida, esquecendo-se da própria iden­
Amnésia generalizada
tidade e mesmo de habilidades aprendidas. É rara.
A pessoa perde a memória de uma categoria de informação
Amnésia sistematizada específica, como todas as informações relacionadas a
determinada pessoa.

Amnésia contínua O indivíduo esquece todos os eventos novos à medida que ocorrem.
Fonte: APA, 2014, p. 646-647. (Adaptado).

••
Transtorno de despersonalização/desrealização
Despersonalização é quando a pessoa vivencia experiências irreais de si
mesma (sensação de estar voando), distanciamento (ser um observador exter­
no de seu próprio corpo e pensamentos) e sensações e percepções alteradas
(anestesia emocional, física, sentido distorcido do tempo). Já desrealização é
quando a pessoa possui uma vivência irreal em relação a seu ambiente (distor­
ção de objetos, os quais podem ser visualmente nebulosos ou inertes).

PSIQUIATRIA BÁSICA .
<!>

ASSISTA
Assista ao vídeo Transtorno dissociativo, despersonalização e �
desrealização - dicas, conceitos e quadro clínico, que explica
habilmente os conceitos de despersonalização e desrealização. 0

Há intensa sensação de loucura porque o teste de realidade permanece in­


tacto e justamente devido a isso surge o sofrimento significativo, visto que to­
das estas distorções podem interferir no funcionamento profissional, social e
pessoal do indivíduo. Há ainda o medo de um dano cerebral irreversível, embo­
ra este seja um transtorno que tem cura. A prevalência pode ser de horas, dias
ou meses e pode acometer 2% da população com proporção de 1:1 na questão
de gênero. Este transtorno também está associado a traumas,
abuso e negligência, além de outros estressares graves.
Em relação aos critérios de outro transtorno dissociativo
e transtorno dissociativo não especificado, estes são diag­
nósticos dados para um conjunto de sintomas em que há
presença de características de transtornos dissociativos, mas
sem preencher todos os critérios de algum específico.

••
Os transtornos alimentares e os transtornos
relacionados ao controle de impulsos
Os transtornos alimentares são alterações significativas no comporta­
mento alimentar e que fazem com que a pessoa consuma alimentos de manei­
ra alterada, o que pode comprometer sua saúde física e psicológica.
As formas diferenciadas de ingestão incluem a anorexia nervosa, a buli­
mia nervosa, a pica, o transtorno de ruminação, o transtorno restritivo/evita­
tivo e a compulsão alimentar. A seguir, veremos tais transtornos de maneira
mais detalhada.

ASSISTA
Assista ao vídeo Entendendo os transtornos alimentares,
o qual possui uma abordagem completa sobre os trans­
tornos alimentares, além de fornecer exemplos sobre
cada forma de sua ocorrência.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Anorexia e bulimia nervosa
A anorexia nervosa se caracteriza pela restrição da ingestão de calorias
causada por medo intenso de ganhar peso e pela perturbação na percepção do
próprio peso/da própria forma. Essas três características são critérios essenciais
para definir tal diagnóstico. Nesse caso, a pessoa costuma manter o peso abaixo
do recomendado e o medo de engordar não é aliviado por sua perda, uma vez
que esses indivíduos costumam distorcer a vivência e o significado de seu peso.
Alguns sabem que não estão acima do peso, mas sempre veem problemas em
seu corpo, acreditando que abdome, coxas ou glúteos possuem tamanho inadequa­
do. Recorrem a estratégias doentias, pesando-se freneticamente, olhando-se no es­
pelho diversas vezes e lançando mão de laxantes e diuréticos, entre outros. Além
disso, criam crivos de autocrítica muito rigorosos, considerando que a perda de
peso é sinônimo de autodisciplina e o ganho de peso um autocontrole inaceitável.
É comum que a busca por auxílio médico ocorra a partir de familiares, que
percebem a perda de peso marcante e a alteração comportamental. Quando
a busca por ajuda parte deles, é em função da angústia que sentem pelas se­
quelas somáticas da inanição, e não necessariamente pela crítica ao compor­
tamento em questão. Acrescenta-se que, ao dar o diagnóstico de anorexia ner­
vosa, é necessário estipular seu subtipo.

DIAGRAMA 1. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA ANOREXIA NERVOSA

Restritivo
Compulsão alimentar purgativa
(CID-10 = F 50.01)
{CID-10 = F 50.02)
Quando a pessoa, nos últimos 3
Quando a pessoa, nos últimos três meses,
meses, não teve nenhum comportamento
teve comportamento purgativo. como
purgativo. somente através de jejum. dieta
vômitos, laxantes, diuréticos ou enemas
ou exerácio excessivo

(------------
Em remissão parcial ) Ou (
------------Em remissão completa )

1(
leve • IMC � 17 kg/m'

( Moderada • IMC 16 - 16,99 kg/m' )


( Grave • IMC < 15 kg/m' )
Extrema • IMC < 15 kg/m' )
PSIQUIATRIA BÁSICA .
Conforme atesta o DSM-V, a prevalência entre jovens do sexo fe­
minino é de 0,4% e pouco se sabe sobre a prevalência en-
tre indivíduos do sexo masculino, embora a proporção
estimada seja muito maior entre mulheres (aproxima-
damente 10:1). A anorexia nervosa geralmente se inicia
na adolescência ou entre jovens adultos e é comum a pre­
sença de comorbidades psiquiátricas de transtorno bipolar,
depressivo ou de ansiedade (APA, 2014).
A bulimia nervosa caracteriza-se também por três aspectos
essenciais: episódios recorrentes de compulsão alimentar, com­
portamentos compensatórios inapropriados para evitar o ganho de peso (pro­
vocar vômito, por exemplo) e autoavaliação indevida, influenciada pela forma
e pelo peso corporal. Para que o diagnóstico se efetive, a compulsão alimentar
e os comportamentos compensatórios precisam estar ocorrendo pelo menos
uma vez por semana nos últimos três meses seguidos.
Ressalta-se que compulsão alimentar é a ingestão de uma alta quantida­
de de alimento em determinado período de tempo em que outros indivíduos
comeriam em menor quantidade. Neste caso não se consideram eventos iso­
lados, mas sim a falta de controle, uma vez que a pessoa pode sentir que não
consegue abster-se de comer ou parar de comer depois que começou. A com­
pulsão não está tão relacionada com a fissura por um tipo de alimento especí­
fico, mas com a quantidade anormal de alimento.
Na bulimia nervosa, esta compulsão é acompanhada por outros compor­
tamentos. O indivíduo sente vergonha de seu problema e tenta esconder os
sintomas, além de geralmente comer de forma escondida ou discreta até
passar mal. Após o ato de comer compulsivamente, ele recorre aos métodos
purgativos e geralmente o vômito provocado é o mais comum deles. O efei­
to imediato do vômito é tanto aliviar o desconforto do mal estar
como reduzir o medo de ganhar peso.
Os gatilhos associados à bulimia nervosa incluem
afeto negativo, estresse, restrições dietéticas e baixa
autoestima. Há uma maior prevalência entre adul­
tos e, assim como na anorexia, a proporção é de
10:1 do sexo feminino para o masculino.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Pica e transtorno de ruminação
A pica é um comportamento caracterizado pela ingestão de uma ou mais
substâncias que não são consideradas alimentos e que deve estar presente
há pelo menos um mês. As substâncias ingeridas incluem fios de cabelo, sa­
bão, giz, talco, pedras e cola, entre outras, que a pessoa sente necessidade de
consumir. É um comportamento que foge da idade de desenvolvimento que
engloba este hábito.
A prevalência aumenta para pessoas com deficiência intelectual e geral­
mente se inicia na infância, embora também ocorra na adolescência e na idade
adulta. As comorbidades associadas incluem o transtorno do espectro autista
e a deficiência intelectual para pessoas adultas e, em menor grau, a esquizofre­
nia e o transtorno obsessivo-compulsivo.
O transtorno de ruminação é o comportamento de regurgitar repetidas
vezes um alimento e deve ocorrer pelo menos durante um mês. O alimento
regurgitado pode ser remastigado, novamente deglutido ou cuspido. Não há
presença de náusea, ânsia de vômito ou repugnância: a pessoa simplesmente
devolve à boca o que engoliu e volta a mastigar.
Essa regurgitação deve ocorrer várias vezes na semana por pelo menos um
mês para que o diagnóstico ocorra. É um transtorno também mais prevalente
em pessoas com deficiência intelectual, mas quando na infância pode ser indi­
cativo da presença de um transtorno ansioso.

••
Transtorno restritivo/evitativo e compulsão alimentar
O transtorno alimentar restritivo/evitativo refere-se a pessoas com difi­
culdade de se alimentar, paladar muito infantilizado e que se esquivam ou não
têm interesse em ingerir muitos alimentos. O desinteresse em satisfazer as de­
mandas da nutrição ou da ingestão energética é clinicamente significativo. Para
estabelecer o diagnóstico, um ou mais dos seguintes sintomas precisam estar
presentes: perda de peso significativa, deficiência nutricional ou dependência
de alimentação enteral ou suplementos orais. Este tipo de comportamento não
está relacionado à anorexia nervosa, mas a transtornos de ansiedade, obsessi­
vo-compulsivo e do neurodesenvolvimento.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
A compulsão alimentar, conforme já dito, é a ingestão de uma quantidade
muito grande de alimento em um curto período de tempo. A pessoa apresenta
falta de controle, tornando-se incapaz de parar de comer ou controlar o quanto
está ingerindo. Em relação aos critérios diagnósticos, no mínimo três dos cinco
sintomas a seguir devem estar presentes, conforme aponta o DSM-V:
1) Comer mais rapidamente do que o normal;
2) Comer até se sentir desconfortavelmente cheio;
3) Comer grandes quantidades de alimento na ausência da sen­
sação física de fome;
4) Comer sozinho por vergonha do quanto se está comendo;
5) Sentir-se desgostoso de si mesmo, deprimido ou muito culpa­
do em seguida (APA, 2014, p. 350).
Percebe-se a presença de sofrimento significativo, visto que as pessoas
com compulsão alimentar sentem vergonha de seus problemas alimentares e
procuram escondê-los ou serem o mais discretas possível quanto a isso. Estes
indivíduos nem sempre são obesos e, no caso da compulsão, não há presença
de comportamento purgativo, como na bulimia nervosa.
Isto deve ocorrer ao menos uma vez por semana durante três meses para
que se estabeleça o diagnóstico. Assim como na anorexia nervosa, o médico
precisa diferenciar quando diagnosticar a compulsão e se a pessoa está em re­
missão parcial ou remissão completa. Também é necessário especificar o grau
de gravidade:
• Leve: 1 a 3 episódios de compulsão alimentar por semana;
• Moderada: 4 a 7 episódios de compulsão alimentar por semana;
• Grave: 8 a 13 episódios de compulsão alimentar por semana;
Extrema: 14 ou mais episódios de compulsão alimentar por semana.
Ressalta-se que a compulsão alimentar é tão prevalente em homens quanto
em mulheres e seus fatores de risco incluem as questões genéticas.
Os transtornos relacionados ao controle de impulsos estão
descritos no DSM-V como transtornos disruptivos, do
controle de impulsos e da conduta. Relacionam-se a
problemas de autocontrole das emoções e de com-
portamentos e especificamente violam os direitos
de outras pessoas, colocando o indivíduo que pade-

PSIQUIATRIA BÁSICA .
ce do transtorno em situações delicadas de conflito com a lei.
Todos estes transtornos tendem a ser mais comuns no sexo
masculino do que no feminino e a se iniciar na infância e na
adolescência.

QUADRO 4. TRANSTORNOS DE CONTROLE DE IMPULSOS


::::::::::=::::

Tipo de transtorno Característica

Padrão de humor raivoso/irritável, de comportamento desafiador ou


índole vingativa, com duração de pelo menos 6 meses. Sua gravidade
Transtorno de
pode ser classificada em leve, moderada e grave. É comum que os sinto­
oposição desafiante
mas sejam mais frequentes em casa com os membros da família e em
meninos, crianças e adolescentes.

Padrão de explosões comportamentais recorrentes e sem controle da


agressividade, seja ela verbal ou física ou relacionada a propriedades,
animais ou i ndivíduos. Para se estabelecer o diagnóstico, no período de
Transtorno explosivo
um ano devem ter ocorrido no mínimo três explosões em que houve
intermitente
danos físicos ou lesões a terceiros ou animais. As explosões são despro­
porcionais aos motivos, não são premeditadas e causam sofrimento à
pessoa envolvida devido às consequências sociais, familiares e pessoais.

Padrão de comportamento repetitivo e persistente em que são viola­


dos direitos básicos de outras pessoas com presença de, no mínimo,
Transtorno da três dos seguintes critérios no período de um ano: agressão a pessoas
conduta e animais, destruição de propriedade, falsidade ou furto e/ou violação
grave de regras. Pode ter início na infância ou adolescência, há ausên-
cia de culpa ou remorso e é mais comum em meninos.

Presença de vários episódios de incêndio provocado e proposital em


mais de uma ocasião e com excitação afetiva antes do ato. Há curio­
Piromania
sidade ou fascinação pelo fogo e presença de gratificação ou alívio ao
provocar o i ncêndio. É rara como diagnóstico primário.

Falha recorrente em resistir ao impulso de furtar objetos que não


são necessários para o uso pessoal, com sensação de tensão antes de
Cleptomania
cometer o furto e alívio no momento do ato. É mais comum no sexo
feminino do que no masculino e possui proporção 3:1.
Fonte: APA, 2014, p. 461-480. (Adaptado).

••
Deficiência intelectual
A deficiência intelectual (DI) encontra-se no grupo de transtornos do neuro­
desenvolvimento segundo o DSM-V. É caracterizada por déficit nas capacidades
mentais, incluindo raciocínio, solução de problemas, planejamento, pensamento
abstrato.juízo, aprendizagem acadêmica e aprendizagem pela experiência. Essas
limitações acabam prejudicando a adaptação da pessoa em diversos contextos,
acarretando em dependência pessoal e responsabilização pessoal de terceiros.

PSIQUIATRIA BÁS I CA .
Figura 1. Fatores ambientais, como a estimulação cognitiva e a inclusão escolar, favorecem o desenvolvimento de habi­
lidades e a melhor adaptação de pessoas com deficiência intelectual. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 20/09/2021.

Assim sendo, deficiência intelectual é um termo utilizado por médicos, edu­


cadores, demais profissionais da saúde e grupos de defesa de direitos. A gra­
vidade pode ser leve, moderada, grave e profunda e é definida com base no
funcionamento adaptativo, não por escores de coeficiente de inteligência (QI)
(APA, 2014). O Quadro 5 discrimina como são avaliados os níveis de gravidade:

-
QUADRO 5. NÍVEIS DE GRAVIDADE PARA A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

. Domínio conceituai Domínio social Domínio prático

Relaciona-se à idade no
Comparada com
que diz respeito a cuidados
indivíduos da mesma
pessoais. Necessidade de
Em pré-escolares: sem faixa etária, a pessoa
algum apoio nas tarefas
diferenças óbvias. Em mostra-se imatura
complexas da vida diária,
idade escolar: dificuldade nas relações sociais.
como compras, organização
na aprendizagem e Linguagem mais concreta
do lar e atividades bancárias
necessidade de apoio. e imatura, dificuldade
Leve e financeiras. Habilidades
Em adultos: prejuízo na na regulação da emoção
recreativas normais,
memória a curto prazo, e do comportamento
podem trabalhar bem em
no pensamento abstrato, adequado à idade;
empregos sem necessidade
na função executiva e no compreensão limitada
de habilidades conceituais,
controle financeiro. do risco em situações
Carência de suporte
sociais; e julgamento
na tomada de decisões
social imaturo.
importantes.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Durante todo o Capaz de dar conta de
desenvolvimento, as Fortes diferenças em atividades como alimentar­
relação a seus pares no
habilidades conceituais comportamento social se, vestir-se e higienizar-se
ficam aquém em relação enquanto adulto, mes�_o
a pessoas da mesma e na comunicação.
que tenha sido necessano
Relacionamento mais
idade. Em pré- escolares: próximo da família, muito tempo para aprender
linguagem desenvolve-se estas ações. Na vida
lentamente. Em idade mas há capacidade de adulta, há capacidade
estabelecer amizades
escolar: lento progresso e relacionamentos de desenvolver tarefas
Moderada na leitura, escrita, domésticas. Possibilidade de
matemática e demais românticos. Pouca um emprego com lim_itação
capacidade de
conceitos. Em adultos: interpretar pistas sociais; em atividades conce1tua1s
necessita de apoio para se contando com apoio
julgamento social e
desempenhar atividades de colegas e supervisores.
capacidade de tomar
no trabalho e na vida Habilidades recreativas
decisões limitados;
pessoal. Assistência podem ser desenvolvidas
contínua diária para necessidade de apoio e costumam demandar
social para obter sucesso
realização de tarefas nos locais de trabalho. mais tempo de apoio para a
conceituais cotidianas. aprendizagem.

Necessidade de apoio
para todas as atividades
Linguagem falada
Alcance limitado de cotidianas, incluindo
limitada em termos de
habilidades conceituais. vestir-se, alimentar-se
vocabulário e gramática.
Pouca compreensão da e banhar-se, além de
A fala pode ser composta
linguagem escrita ou de supervisão constante. Não
por palavras ou
conceitos que envolvam há capacidade de tomar
expressões isoladas com
números, quantidad_e, decisões importantes e
Grave foco no aqui e agora
tempo e dinheiro. E deve haver assistência
e em eventos diários.
importante a presença para tarefas domésticas e
Compreendem discursos _
de cuidadores para recreativas. A aprendizagem
e comunicação gestual
prestar apoio na solução em vários domínios
simples. Relação com
de problemas ao longo exige constante ensino.
familiares são fonte de
da vida. Há comportamento mal
prazer e ajuda.
adaptativo e pode haver
presença de autolesão.

Habilidades conceituais
Dependência para tod ?s os
envolvem o mundo Compressão limitada da
aspectos do cuidado f1s1co
físico e não processos comunicação simbólica
diário, saúde e segurança,
simbólicos e há uso de de falas e gestos. Podem
ainda que consigam ser
objetos para autocui�ado, compreender instruçõ_es ativos nestas atividades.
trabalho e recreaçao. e gestos simples e ha
Podem adquirir expressão de seus Aqueles sem prejuízos
Profunda graves podem auxiliar em
habilidades de classificar desejos e emoções
tarefas domésticas simples.
e combinar conforme através da comunicação
características físicas. verbal. Os prejuízos Atividades recreativas
podem envolver ouvir
Pode haver prejuízo no sensoriais e físicos músicas, assistir filmes ou
uso funcional de objetos podem impedir muitas
em função de prejuízos atividades soc1a1s. sair para passear, sempre
com apoio de outras pessoas.
motores e sensoriais.

Fonte: APA, 2014, p. 34- 36. (Adaptado).

A OI pode ter múltiplas causas e inicia-se no período do desenvolvimento


infantil. Marcos motores, linguísticos e sociais podem ser identificados nos dois
primeiros anos de vida em casos mais graves, ao passo que nos casos mais

PSIQUIATRIA BÁSICA .
leves esta identificação se dá com a entrada na escola a partir de dificuldades
de aprendizagem. Caso esteja associada a uma síndrome genética, pode haver
uma aparência física característica (como ocorre com as síndromes de Down
ou de Turner). Quando a DI é adquirida, o aparecimento pode ser repentino e
se dá após doenças como meningite, encefalite ou traumatismo crânio encefá­
lico durante o período de desenvolvimento da criança.
A DI não é uma enfermidade progressiva, a não ser que esteja associada
a alguma doença genética que preveja este prognóstico. O curso pode sofrer
influência das condições ambientais e médicas, as quais, se bem cuidadas e
orientadas, podem proporcionar melhora das habilidades e da adaptação. Os
fatores de risco geralmente incluem síndromes genéticas, problemas cromos­
sômicos, má formação encefálica, doenças maternas e influências ambientais.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Sintetizando •
Esta unidade buscou apresentar diversos conceitos da Psiquiatria basean­
do-se no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - o DSM-V, que é
referência para critérios diagnósticos das síndromes psiquiátricas. Foram expos­
tos conceitos das diversas formas de transtornos de personalidade, os quais se
dividem em três grupos: o grupo A, o grupo B e o grupo C.
Os transtornos dissociativos são frequentes nas clínicas e serviços de saúde
mental e estão relacionados com fases de sofrimento intenso e estresse agudo
em que a psicoterapia, mais do que a medicalização, apresenta grandes ganhos
para o paciente.
Os transtornos de alimentação, como a anorexia e a bulimia, têm uma forte
relação com questões sociais impostas às mulheres. Isso posto, foi possível per­
ceber que sua prevalência é maior para o sexo feminino, ao passo que que para
o sexo masculino uma maior prevalência está relacionada aos transtornos de
controle dos impulsos - situações que envolvem expressão da raiva, invasão do
direito dos outros e descontrole emocional.
Por fim, a deficiência intelectual, que substituiu o termo retardo mental, pode
ser dividida em leve, moderada, grave e profunda. Além disso, seus fatores de
risco geralmente estão relacionados a doenças maternas, síndromes genéticas e
influências ambientais, entre outros.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Referências bibliográficas

APA - AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico
de transtornos mentais: DSM-V. 5. ed. Trad. Maria Inês Corrêa Nascimento. Porto
Alegre: Artmed, 2014.
ENTENDENDO os transtornos alimentares. Postado por Holiste Psiquiatria.
(46min. 59s.). son. color. port. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?­
v=rBJeCdi35zA&t=289s>. Acesso em: 20 set. 2021.
TRANSTORNO dissociativo, despersonalização e desrealização - dicas, concei­
tos e quadro clínico. Postado por Dr Bruno Machado - Controlando a Ansiedade.
(1 1 min. 49s.). son. color. port. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?­
v=65bcX36xMYQ>. Acesso em: 20 set. 2021.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
UNIDADE

ser
educacional
Objetivos da unidade

Ampliar o conhecimento a respeito da psiquiatria e seu campo de atuação;


Conhecer as condições associadas a uma urgência psiquiátrica;
Introduzir os conceitos de psicofarmacologia;
Introduzir conhecimento acerca da psiquiatria infantil.

Tópicos de estudo
Urgências psiquiátricas Noções básicas de
Comportamento agressivo psicofarmacologia
Suicídio Fundamentos da
Quadros orgânicos com neurotransmissão
alterações no estado mental Os neurotransmissores
Uso ou abstinência de Medicamentos antidepressivos
substâncias psicoativas Medicamentos ansiolíticos
Psicose aguda Medicamentos psicóticos

Psiquiatria comunitária e Introdução à psiquiatria infantil


reforma psiquiátrica e da adolescência
Avaliação, exame e testagem
psicológica
Depressão infantil

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Urgências psiquiátricas
Urgência psiquiátrica é toda situação que envolve um risco alto de morte ou
dano grave ao paciente ou terceiros, exigindo da equipe de saúde uma inter­
venção imediata. Geralmente as urgências psiquiátricas são os comportamen­
tos suicidas e a agitação psicomotora da esquizofrenia ou por intoxicação de
drogas, mas há outras situações que podem caracterizar uma urgência psiquiá­
trica, como pessoas em crises resultantes de alguma doença clínica, ataques de
pânico e episódios maníacos.
Muitos diferenciam urgência psiquiátrica de emergência psiquiátrica, enten­
dendo que a última exige um tempo muito menor de intervenção, contemplando
situações mais graves, enquanto que a urgência seria um estado de atenção e
intervenção rápida, mas que não necessita de um prazo tão curto para interven­
ção. De qualquer forma, considera-se o que for citado aqui como situações de
urgência e emergência. Vale destacar que os objetivos prioritários nestes atendi­
mentos são: (i) estabilizar o quadro, controlando o sintoma alvo; (ii) reconhecer
as patologias que podem ter ocasionado a condição atual; (iii) estabelecer hipó­
tese diagnóstica; e (iv) encaminhar para a continuidade do cuidado.
Vamos falar, então, das situações críticas dentro dos transtornos mentais,
que podem configurar um risco alto, que exige breve intervenção e, geralmen­
te, requerem o uso de serviços de atendimento móvel ou serviços de pronto
atendimento nos hospitais.

••
Comportamento agressivo
Apesar de a maioria dos pacientes de saúde mental não se­
rem violentos, esta situação é considerada um grande desafio
na área da psiquiatria, pois está presente em vários quadros
psiquiátricos. É diferente de um quadro de agitação psicomo­
tora, que é um aumento na atividade cognitiva e moto-
ra. É muito comum que a auto e heteroagressão pos-
sa inferir em conflitos éticos dos profissionais, que
necessitam usar de técnicas proporcionais ao risco
apresentado para evitar maiores danos.

PSIQUIATRIA BÁSICA •
É possível prever indícios de comportamento agressivo, de modo a sinalizar
o risco para os profissionais: agitação psicomotora, violência contra objetos,
dentes e punhos cerrados, ameaças, discussões em tom de voz alto, afeto de­
safiador e hostil. Quando os pacientes apresentarem estes riscos, o melhor
é procurar métodos não coercitivos, bem como preparo do ambiente e dos
profissionais para atendimento. O local deve oferecer maior privacidade, ser de
fácil acesso à equipe e segurança, e não ter materiais potencialmente perigo­
sos e equipamentos para contenção. O objetivo é uma rápida intervenção, que
impeça a progressão da violência.
O manejo atitudinal é manter-se vigilante e em prontidão para a ação, as­
sim como evitar movimentos bruscos, o toque no paciente e o confronto di­
reto. É preciso estar atento à comunicação não verbal, reduzir os estímulos,
afastando fatores avaliados como estressores ou desestabilizadores. No ma­
nejo verbal, é importante utilizar linguagem simples, clara e concreta, evitar
aumentar o tom de voz, realizar limites e contratos de forma respeitosa, esti­
mular a expressão verbal de sentimentos, auxiliar o paciente a reconhecer a
realidade e assegurá-lo de que sua intenção é ajudá-lo. Deve-se evitar ceder
a manipulações e promessas, ameaças, opiniões pessoais, além de sempre
explicar as condutas terapêuticas.
A contenção é a utilização de meios físicos ou farmacológicos para impe­
dir que haja um comportamento destrutivo. No Brasil, as contenções físicas e
químicas devem ser prescritas por médicos. A contenção física deve ser em­
pregada apenas se os métodos de manejo atitudinal e verbal não surtirem efei­
tos. Envolve técnicas para restringir os movimentos e evitar atos destrutivos.
O objetivo é evitar que o paciente se machuque ou machuque outras pessoas,
sendo assim, é considerada uma conduta de segurança e não terapêutica. A
recomendação é que o paciente, quando contido, seja monitorado a cada 15
minutos e possa permanecer o mínimo de tempo possível, a fim de evitar maio­
res prejuízos na sua saúde.
A contenção química ideal é a via oral e que o paciente esteja de acordo ou
colaborativo, mas caso não esteja em condições de concordar, pode ser feita
a administração do medicamento via intramuscular. A dose deve tranquilizar e
não sedar, e geralmente são usados benzodiazepínicos, antipsicóticos ou com­
binação destes dois tipos de fármacos.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Suicídio
O suicídio é uma morte autoinduzida, sendo um tema complexo, polêmico
e, muitas vezes, mal compreendido. É ainda um tabu na nossa sociedade e
muito impactante. Está entre as dez primeiras causas de morte no mundo, e
entre as três primeiras se colocada a idade entre 15 e 34 anos. O impacto social
e familiar é imensurável.
Quando se fala em comportamento suicida, estamos falando de todo ato
em que a pessoa causa lesão a si mesma, envolvendo pensamentos de au­
todestruição e até tentativas de suicídio. O comportamento suicida pode ser
observado em pessoas que tenha pensamentos de autodestruição e que, pos­
teriormente, apresentam atos e gestos que levam à tentativa de suicídio ou sua
consumação. As tentativas de suicídio chegam a ser 10 ou 20 vezes maiores
que o suicídio executado, sendo a tentativa mais comum em mulheres, mas o
suicídio consumado, em homens.
O suicídio é multicausal. São considerados fatores de risco para o suicídio:
• Doença física: em especial aquelas de maior gravidade e sem possibilida­
de de cura;
• Transtornos mentais: sintomas psiquiátricos como ansiedade, desespe-
rança, impulsividade e agressividade;
• História psiquiátrica prévia;
• Depressão;
• Tentativas de suicídio anteriores.
Independentemente se a intenção da pessoa foi provocar comoção em ou­
tra, como machucar-se como forma de punição, é importante considerar que
há riscos grandes em tais comportamentos e a pessoa está sofrendo e utili­
zando de comportamentos inadequados para aliviar seu sofrimento.
A avaliação do risco de suicídio pode ser analisada pelo que cha­
ma de "4D": depressão, desesperança, desamparo e desespero.
Frases como "minha vida não faz sentido", "vontade de sumir",
"preferia estar morto", "não aguento mais" e "estou cansado"
são sinais de alerta de uma pessoa pedindo ajuda. A Orga-
nização Mundial de Saúde sugere uma classificação para o
risco de suicídio, conforme mostra o Quadro 1.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
QUADRO 1. CLASSIFICAÇÃO DO RISCO DE SUICÍDIO

Grau de risco Características

1. Inexistente Não existe risco.

2. Leve ldeação limitada, não existe plano ou preparação, não há tentativas.

3. Moderado Plano e preparação definidos ou mais de um fator de risco.

Plano e preparação claramente definidos, dois ou mais fatores de


4. Severo risco, inflexibilidade cognitiva e desesperança, sem apoio social,
tentativas anteriores.

5. Extremo Múltiplas tentativas, fatores de risco significativos.

Fonte: Organização Mundial de Saúde, 2006, p. 13-13.

As intervenções para o paciente suicida seguem orientações nacionais e


internacionais, conforme descrito:
• Levar a sério todas as evidências de um risco suicida. Todos os indicativos
devem ser considerados. Pessoas que avisam podem cometer suicídio, sim!
Estão em sofrimento, então há risco;
• Priorizar a segurança do paciente, em especial quando há risco elevado. Isso
envolve cuidar do espaço em que ele está e as pessoas que estão em contato;
• Avaliar o paciente é na avaliação que se percebe o grau do risco;
• Mobilizar apoio e recursos que auxiliem no processo de cuidado e obser­
vação. É importante ter a permissão do paciente de quem pode estar ali, como
pessoa de confiança;
• Favorecer que haja à disposição proteção e bem-estar, como o apoio fami­
liar, religião, atividades culturais e comunitárias, integração social e acesso aos
serviços de cuidado em saúde mental;
• Estabelecer uma relação terapêutica;
• Auxiliar para que sentimentos como vergonha e culpa sejam superados;
• Favorecer sentimentos de esperança;
• Investigar se o paciente está consciente das consequências do suicídio;
• Trabalhar sentimentos de ambivalência, entre o desejo de morrer e viver;
• Fornecer apoio emocional e vínculo empático;
• Explorar com o paciente situações que possam ser alternativas para o suicídio;
• Evitar qualquer tipo de julgamento, que pode prejudicar na vinculação te­
rapêutica.

PSIQUIATRIA BÁS I CA .
••
Quadros orgânicos com alteração no estado mental
Os quadros orgânicos são alterações mentais e comportamentais decor­
rentes de condições fisiológicas e morbidades orgânicas. É muito importante
que possa ser reconhecido se há a presença de uma alteração orgânica, para
que não seja confundida com um transtorno mental, visto que a intervenção
torna-se diferenciada. Quadros orgânicos que causam alterações psiquiátri­
cas apresentam as seguintes características: início agudo, primeiro episódio,
idade avançada, doença ou lesão orgânica atual, abuso de substâncias psi­
coativas e alterações cognitivas.
Uma destas condições é o delirium, um quadro orgânico que causa al­
terações semelhantes a um quadro psiquiátrico, causado por várias condi­
ções fisiológicas.
Podem ocorrer: perturbações da consciência, percepção, cognição e aten­
ção; início súbito; flutuação dos sintomas; intoxicação ou abstinência de subs­
tâncias. Os cuidados dependem da causa do delirium, do motivo que levou a
essa alteração.

••
Uso ou abstinência de substâncias psicoativas
Os transtornos por uso de substâncias possuem altas taxas de internação
nos setores de emergência. Os cuidados envolvem uma avaliação completa,
intervenção no quadro diagnosticado (se for intoxicação ou abstinência, por
exemplo), a motivação do paciente para iniciar o tratamento e elaboração do
encaminhamento. É importante identificar qual a substância utilizada, a quan­
tidade, frequência e duração do uso e o último consumo, histórico do uso de
substâncias, história médica geral e psiquiátrica e testes laboratoriais.
No caso da intoxicação, o objetivo é retirar os efeitos da substância e
recuperar o funcionamento do organismo. Estes efeitos dependem de qual
substância foi utilizada, podendo ser: depressores no sistema nervoso cen­
tral, hipotensão e depressão respiratória, hipertensão arterial, taquicardia,
sintomas psicóticos, ansiedade, agressividade, estupor ou coma. Deve-se
proporcionar ambiente seguro e todos os demais cuidados mencionados nas
situações anteriores, como apoio, escuta empática e acolhimento. Na absti-

PSIOUIATRIA BÁSICA .
nência, os sintomas surgem pela interrupção ou redução abrupta da subs­
tância utilizada. Geralmente, a abstinência produz efeitos contrários ao que
causa a droga de abuso.
Na internação e tratamento para a abstinência ou intoxicação, surge uma
boa oportunidade de sensibilizar o paciente a realizar um tratamento adequa­
do para a dependência. Isso pode contribuir para que haja um encaminhamen­
to para a manutenção correta do tratamento.

••
Psicose aguda
Outra condição considerada um caso de urgência ou emergência psiquiátrica
é a psicose aguda, que são as situações nas quais o paciente apresenta delírios
e alucinações e prejuízos no contato com a realidade. Os cuidados devem prio­
rizar a segurança do paciente em função da possível agitação psicomotora, a
investigação de possíveis alterações fisiológicas que resultaram no surto, o uso
de linguagem simples e objetiva e deixar claro quais as condutas terapêuticas.
Um aspecto fundamental para que se preste um atendimento eficiente e
humanizado para pacientes em sofrimento psíquico, que se encontram em si­
tuação de urgência e emergência psiquiátrica, é a mudança de pensamento
em relação aos transtornos mentais, que ainda é visto com estigma negativo
por muitos profissionais de saúde. Sendo assim, é necessário rever em mui­
tos serviços de saúde o protocolo de atendimento e assistência. Nascimento
e colaboradores (2019) realizaram um estudo buscando identificar as maiores
dificuldades que os profissionais de saúde enfrentam para a realização de um
atendimento mais humanizado, levantando as seguintes discussões:
• Com a reforma psiquiátrica, os hospitais gerais ficaram de referência para
os atendimentos de emergência psiquiátrica, especialmente no pronto-socor­
ro. Percebe-se que, ainda que a ideia de humanizar o atendimento psiquiátrico
seja a razão da destituição dos hospitais psiquiátricos, os atendimentos nos
serviços de emergência e os atendimentos móveis (SAMU) usam contenções
mecânicas em situações diversas. Sugerem que a falta de capacitação dos pro­
fissionais traz essa falha na assistência, percebendo-se que há diferença no
atendimento de pessoas com transtornos mentais em relação àquelas que não
apresentavam tais condições;

PSIQUIATRIA BÁSICA .
• Foi identificado também que os profissionais de enfermagem descrevem o
sentimento de medo, angústia, despreparo e frustrações para as manifestações
de transtornos mentais, mais um aspecto relacionado ao preconceito e estigma;
• Outro aspecto identificado é a formação profissional insuficiente, que faz
com que os profissionais "simplifiquem" para eles com a contenção física e uso
de violência, quando não seriam necessários tais aspectos (contenção);
• Falta de condições e recursos no trabalho também são outros aspectos
que levam os profissionais à improvisação, inviabilizando o bom desenvolvi­
mento do trabalho.

••
Psiquiatria comunitária e reforma psiquiátrica
A reforma psiquiátrica é um mo­
vimento que busca estabelecer uma
nova forma de cuidado para as pes­
soas em sofrimento psíquico, garan­
tindo cidadania, respeito pela indivi­
dualidade e resgate da capacidade de
sentir e realizar, podendo viver todos
os direitos como cidadão. A intenção é
promover um tratamento humanizado, evitando a internação e eliminando a
exclusão social, por meio do tratamento no próprio território, como os Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS), centros de convivência, oficinas de geração de
renda, residências terapêuticas, entre outros equipamentos de cuidado. Sua
história perpassa pela 8 ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, pela 1ª Con­
ferência Nacional de Saúde Mental, em 1987, pela 2ª Conferência Nacional de
Saúde Mental, em 1992, e pela 3 ª Conferência de Saúde Mental, em 2001.
As décadas de 1980 e 1990 foram significativas para a reestruturação da
assistência psiquiátrica no Brasil. Na conferência de Caracas, na Venezuela, em
1990, o Brasil se comprometeu, juntamente com outros países latinos, a pro­
mover a reestruturação da assistência psiquiátrica. A " Declaração de Caracas",
o documento resultante deste encontro, pretendia promover a proteção dos
direitos humanos, cidadania, a construção de redes de serviços que substituís­
sem o hospital psiquiátrico.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Iniciou-se, então, a intervenção na Casa de Saúde Anchieta, em Santos,
em 1989, transformando-a no primeiro CAPS do Brasil. Sequentemente, sur­
giram outros CAPS em São Paulo e no Rio Grande do Sul. A partir de então,
começou a se pensar em espaços substitutivos ao hospital psiquiátrico, que
seriam os CAPS, leitos de internação em hospital geral para os casos de
internação, oficinas e residências terapêuticas. O Ministério da Saúde finan­
ciou a iniciativa de cada município.
Em 1992, o Rio Grande do Sul aprovou uma lei estadual (Lei nº
9.716/1992) em que se estabelecia a reforma psiquiátrica no estado. Foi
um marco importante na história da reforma, precedendo a lei federal que
veio a ser aprovada quase 1 O anos depois, em 2001 (a Lei n º 10.216/2001 ).
Ainda em 1990, o MS organizava uma variada legislação, que norteava os
cuidados em saúde mental para o tratamento adequado de pessoas com
transtornos mentais.
Um conceito muito importante na reforma psiquiátrica é a desinstitucio­
nalização, que significa colocar o tratamento na comunidade, território ou
distrito, por este motivo chamada também de psiquiatria comunitária. Os de­
fensores deste movimento defendem que o grande mal da psiquiatria se ini­
ciou na segregação destes pacientes do seu meio social. Desinstitucionalizar
é mais do que acabar com os muros do manicômio, implica também mudar a
forma como essas pessoas são tratadas e vistas dentro da sociedade.
De qualquer forma, é possível concluir que houve muitos avanços nas ex­
periências de desinstitucionalização, o que não dispensa manter um olhar
constante de avaliação das práticas exercidas. Os CAPS não devem ser no­
vos minimanicômios, com outras caras e sem muros, mas, sim, transforma­
rem-se em lugares de passagem, caso contrário podem se configurar um
novo espaço institucionalizador e segregador. É fundamental que os servi­
ços se mantenham em constante capacitação, e haja participação dos ges­
tores nas discussões junto com as equipes. As unidades de saúde da família
como espaço de cuidado comunitário deveriam ter inserções de cuidados
em saúde mental, mas isso envolve vontade política. As ações devem sair
do modelo biomédico, centrado na doença e articular com outras formas te­
rapêuticas, focando na reabilitação psicossocial, clínica ampliada e projetos
terapêuticos individualizados.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
' 1 DICA
Para saber mais sobre a Lei nº 10.216 de 2001, marco importante da
,, reforma psiquiátrica no Brasil, acesse o link.

••
Noções básicas de psicofarmacologia
A psicofarmacologia moderna iniciou-se no final de 1940, com a intenção de
tratar os transtornos psiquiátricos. Inicialmente, com o lítio para tratar os sinto­
mas de mania, depois, a criação de uma medicação antipsicótica, a clorproma­
zina, que, em 1952, foi reconhecida pela psiquiatria como uma medicação que
não tirava a consciência, mas produzia sonolência, diminuindo a agitação psi­
cótica. Seguiu-se, então, com a descoberta dos ansiolíticos e uma ampla gama
de benzodiazepínicos durante a década de 1950.
Gorenstein e Scavone (1999) defendem que a psicofarmacologia emergiu
empiricamente. Foi por meio da observação de uma medicação utilizada para
o tratamento da tuberculose que os cientistas perceberam que ele elevava o
humor e a euforia. Assim, a iproniazida, uma inibidora da monoaminoxidase
(IMAO), foi introduzida no tratamento de pacientes hospitalizados por depres­
são na década de 1950. Da mesma forma, estudos de anti-histamínicos pro­
moveram a descoberta da imipramina. E, assim, até o final daquela década,
haviam sido descobertos cinco grupos de medicamentos para transtornos
psiquiátricos: antipsicóticos (clorpromazina e haloperidol), antidepressivos
tricíclicos (imipramina), os antidepressivos IMAO (iproniazida), os ansiolíticos
(meprobamato e clordiazepóxido) e antimania (lítio).
A introdução dos psicofármacos foi marcante, e sua adesão e disseminação,
assustadora. Houve uma grande diminuição de internação hospitalar e do tem­
po de permanência no hospital também. No decorrer do século XX, expandiu­
-se o número de medicamentos que buscavam se superar em relação ao tempo
de efeito, diminuição de toxicidade e efeitos colaterais.

••
Fundamentos da neurotransmissão
A fim de compreender o processo de ação dos medicamentos no Sistema
Nervoso Central (SNC), é importante estar familiarizado com a linguagem e os

PSIQUIATRIA BÁSICA .
princípios da neurotransmissão química. O SNC apresenta duas classes princi­
pais de célula: os neurônios e as células de glia.
Fonseca (2021) explica que os neurônios são as células que fazem a co­
municação eletroquímica, comunicando-se por meio das sinapses. Possuem
diferentes tamanhos e formas, dependendo de onde se localiza no cérebro.
Quando há qualquer disfunção na transmissão e na anatomia desta célula,
ocorrem sintomas comportamentais como consequência. Entre vários fatores,
as substâncias ou drogas psicoativas podem modificar o processo biológico e
a atividade neuronal. A estrutura de um neurônio possui três regiões: o corpo
celular, os dendrites e o axônio (Figura 1).

Axônio Núcleo celular

Dendritos
Sinapse - terminal axônico

,�,. ,.., .�,� V . ,... ..


Bainha de Mielina Corpo celular

Figura 1. Estrutura do neurônio. Fonte: FONSECA, 2021. p. 18.

Conforme é possível observar na Figura 1, o neurônio apresenta cada par­


te com uma função específica: o corpo celular (axônio e núcleo) integra todas
as informações químicas recebidas pelos dendrites. No final do axônio, a área
pré-sináptica converte os sinais químicos e elétricos para liberar o sinal por
meio de neurotransmissores. Ou seja, o neurônio recebe, integra e transmite
informações eletroquímicas para fazer funcionar o SNC.
As células da glia, por sua vez, estão presentes tanto no SNC quanto no
Sistema Nervoso Periférico (SNP), sendo por volta de 85 bilhões destas células,
enquanto temos 86 bilhões de neurônios. Também são conhecidas como célu­
las gliais, gliócitos e neuróglias, e são células menores que as dos neurônios.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Antigamente, acreditava-se que as células de glia existiam para alimentar os
neurônios, no entanto, elas possuem muitas outras funções, como interpretar
e receber os estímulos, além de nutrir, proteger e auxiliar na sustentação do
tecido nervoso. Presume-se que para cada neurônio existam dez células gliais,
que são classificadas em dois tipos principais: as microglias (ou micróglias) e
as macroglias (ou macróglias). As microglias têm a função de fazer a defesa
imunológica do SNC, enquanto as macroglias, que se dividem em astrócitos,
células de Schwann, oligodendrócitos e células ependimárias, fazem a função
de regular as funções neuronais, estabelecem relação com os neurônios, fazem
barreira contra agentes tóxicos, formam a bainha de mielina e promovem o re­
vestimento do sistema nervoso, permitindo a movimentação do líquor (líquido
cefalorraquidiano), conforme mostra o Diagrama 1.

DIAGRAMA 1. CÉLULAS DE GLIA: MICRÓGLIA E MACROGLIA


Micrógrila

Função: defesa Células


Astrócitos Células do Schwan Oligodendrócitos
imunológica ependl�rias
do SNC

Forma a bainha Reveste o sistema


Ligação entre
os neurônios e Forma a bainha de mielina,
nervoso e viabiliza
de mielina envolvendo até 60
barreira contra noSNP axônios no SNC a movimentação
agentes tóxicos e SNP do líquor

A Figura 2 demonstra com mais detalhes como são agrupados os neurô­


nios e as células gliais: o neurônio (em amarelo), cercado pela microglia (verme­
lho), sendo interligado a outros tecidos pelos astrócitos (verde), as células de
Schwann e os oligodendrócitos, fazendo a proteção e criando a bainha de mie­
lina (azuis) e as células ependimárias (rosa). Assim é formado o tecido nervoso.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Figura 2. Células gliais. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 05/1012021 .

Atente-se para o aspecto da neurotransmissão, pois isso faz total sentido


para entender, posteriormente, a importância dos neurotransmissores. A si­
napse permite a comunicação entre os neurônios. A fenda sináptica é o es­
paço entre os neurônios, onde acontece a comunicação química, sendo que os
n eurotransmissores químicos são armazenados em pequenas vesículas e são
liberados quando ocorre a descarga elétrica do neurônio pré-sináptico (aquele
que envia a mensagem). Quem faz a descarga do impulso elétrico são os axô­
nios, que, por sua vez, fazem com que os neurotransmissores sejam liberados e,
assim, comunicam-se com outro neurônio. Quando lançados na fenda sináptica,
os neurotransmissores se ligam aos receptores do neurônio pós-sináptico, que
reconhecem o neurotransmissor, como se fosse uma chave na fechadura corre­
ta. Avalie a Figura 3 e faça mentalmente este caminho explicado anteriormente.

Figura 3. Sinapse. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 05110/2021 .

PSIQUIATRIA BÁSICA .
EXPLICANDO
Neurônio pré-sináptico é o que vai liberar a transmissão elétrica ou quími­
ca. Fenda sináptica consiste no espaço entre os neurônios onde circulam
os neurotransmissores. Neurônio pós-sináptico é o que recebe a transmis­
são pelos receptores.

••
Os neurotransmissores
Os neurotransmissores naturais estimulam os receptores sinápticos a fa­
zerem de forma bem harmoniosa as sinapses, sendo chamados de agonistas.
Mas nem sempre nosso corpo vai dar conta desta produção natural, então usa
substâncias (drogas), que têm esta capacidade de se ligar de forma específica
aos receptores e trabalha para que haja vários eventos no nosso cérebro. Há,
também, as substâncias que bloqueiam a ação do neurotransmissor, os deno­
minados antagonistas.
É reconhecido que existem milhares de compostos químicos cerebrais, que
são os neurotransmissores naturais. Mas focaremos aqui nos principais, que
são a serotonina (5-HT), a noradrenalina (NA), a dopamina (DA), a acetilcolina
(ACh), o glutamato e o ácido gama-aminobutírico (GABA). Vejamos as caracte­
rísticas de cada um deles:
• Dopa mina (DA): presente em diversas áreas do nosso cérebro, sendo que
seus neurônios se originam em locais distintos no SNC. A DA é transportada
para dentro do neurônio pré-sináptico e armazenada em vesículas que podem
ser usadas futuramente. No entanto, essa DA também pode ser degradada. Os
receptores da DA são chamados de D1, D2, D3, D4 e DS, sendo que eles regu­
lam a neurotransmissão dopaminérgica. O mais conhecido destes receptores
é o D2, que liga praticamente todas as drogas antipsicóticas ou neurolépticas,
bem como as drogas que tratam da doença de Parkinson. A neurotransmissão
dopaminérgica desempenha papel fundamental no controle motor, cognitivo e
emocional. É o exemplo da Doença de Parkinson, que é a perda de neurônios
dopaminérgicos. Outra consequência da ação da DA é a sensação de prazer, os
delírios e as alucinações da psicose, funções cognitivas do córtex pré-frontal e
sintomas afetivos (no caso dos afetos relacionados aos sintomas da esquizo­
frenia). O aspecto físico está relacionado com a secreção da prolactina. Está
relacionada com a depressão quando prejudicada sua transmissão;

PSIQUIATRIA BÁSICA .
• Noradrenalina (NA): os neurônios noradrenérgicos se localizam no tron­
co encefálico e medula espinhal, e podem ser degradados por duas enzimas:
a monoamino oxidase A (MAO-A) e monoamino oxidase B (MAO-B). A NA pode
ser recaptada na fenda sináptica e armazenada em vesículas para ser utilizada
quando outro impulso elétrico ocorrer no neurônio. A NA é responsável pela
regulação do humor e cognição, principalmente. Quando a pessoa está acorda­
da (em vigília), os neurônios noradrenérgicos se ativam rapidamente, enquanto
em sono a atividade diminui e chega a ficar desativada no sono REM (o sono
mais pesado). As funções mais atribuídas: regulação do ciclo do sono, aprendi­
zagem, memória, apetite, depressão, estresse e ansiedade;
• Serotonina (5-HT): produzida a partir da síntese do aminoácido triptofa­
no. Assim como outros neurotransmissores, a 5-HT é envasada em vesículas
até serem utilizadas na neurotransmissão. Sua ação é finalizada quando ela é
degradada pela MAO-A, no momento em que está na fenda sináptica. O neurô­
nio serotoninérgico pré-sináptico (que libera 5-HT na fenda) possui um trans­
portador de 5-HT, que a retira da fenda sináptica e leva de volta ao interior do
neurônio para que seja usado posteriormente, se necessário. Ela é responsável
em regular processos neuropsicológicos como a depressão, humor, emoções,
memória e aprendizagem, apetite, comportamento sexual, impulsividade, an­
siedade, agressividade, ação metabólica, dor, entre outras funções;
• Acetilcolina (ACh): formada nos neurônios colinérgicos, pode ser recap­
tada da fenda sináptica e reciclada dentro do neurônio pré-sináptico para nova
transmissão, quando for necessária. Existem numerosos receptores de ACh e
o mais conhecido deles, o M1, é quem faz a regulação da memória. Outros
receptores atuam na regulação da DA no cérebro. Entre esses receptores da
ACh estão os nicotínicos, que são totalmente relacionados com o tabaco, que,
quando consumido, reforça a dependência do uso desta substância. Pelo tron­
co encefálico, a atuação da ACh regula a cognição e memória;
• Glutamato: este é o principal neurotransmissor excitatório do SNC, con­
siderado a chave central do cérebro, pois pode excitar e ativar praticamente
todos os neurônios do SNC. Acredita-se que é a partir dele que se formam os
processos de armazenamento de informações no cérebro (FONSECA, 2021). Por
ser um aminoácido, sua principal atuação é na síntese de proteínas. O glutamato
acumula-se nas vesículas sinápticas e, quando liberado pelo neurônio pré-sináp-

PSIOUIATRIA BÁSICA .
tico, liga-se nos receptores do neurônio pós-sináptico. Os neurotransmissores de
glutamato não são degradados. Ele está intimamente ligado à neuroplasticidade
cerebral, relacionando-se com a aprendizagem e formação de memórias;
• GABA: o GABA é um ácido presente em altas concentrações tanto no cé­
rebro quanto na medula espinhal, sendo, portanto, essencial no cérebro dos
mamíferos. Ao contrário do glutamato, ele é um neurotransmissor inibitório do
SNC, aliviando a ansiedade e atuando junto aos medicamentos para esse fim.
Ele é sintetizado a partir do glutamato, e, depois de ser produzido nos neurô­
nios pré-sinápticos, fica armazenado em vesículas para ser utilizado quando
houver necessidade de uma neurotransmissão inibitória. Os benzodiazepíni­
cos (remédios para ansiedade) estimulam as ações do GABA em várias áreas do
cérebro, aliviando a ansiedade, sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo,
estresse pós-traumático, entre outros.

••
Medicamentos antidepressivos
Em 1957, foi anunciado em um congresso internacional o primeiro antidepres­
sivo, a imipramina. Na época, já existia a iproniazida, que se destinava à tubercu­
lose, mas apresentava efeitos antidepressivos. Ambos atuavam inibindo a ação da
MAO, que degrada neurotransmissores importantes na regulação do humor. Pos­
teriormente, na década de 1960, começaram os estudos sobre medicamentos que
inibiam a recaptação da serotonina e na fenda sináptica, então surge a fluoxetina,
em 1974, que se tornou o antidepressivo mais prescrito no mundo.
O marco para a psiquiatria moderna foi a descoberta, na década de 1960,
dos neurotransmissores responsáveis pela regulação dos transtornos afetivos:
a noradrenalina (NA), a dopamina (DA) e a serotonina (5-HT), estando a depres­
são associada a um déficit destes neurotransmissores. A partir desta teoria,
houve uma maior compreensão acerca das funções fisiológicas na depressão e
de como a farmacologia poderia atuar neste processo.
Resumindo, a principal teoria da depressão, portanto, é a de que ocorre por uma
diminuição de neurotransmissores na fenda sináptica, aumentando os receptores
pós-sinápticos e vice-versa: se aumenta os neurotransmissores na fenda sináptica,
diminui os receptores pós-sinápticos. A depressão equivale a uma desregulação
na neurotransmissão. As Figuras 4 e 5 demonstram melhor este processo.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Figura 4. Funcionamento normal de neurotransmissão - o neurônio pré- sináptico joga na fenda sinápti ca uma quanti­
dade adequada de neurotransmissores e receptores no neurônio pós-sináptico. Fonte: FONSECA, 2021, p. 63.

Figura 5. Funcionamento anormal, em que há uma quantidade diminuída de neurotransmissor na fenda sináptica.
Muitos receptores e poucos neurotransmissores. Fonte: FONSECA, 2021, p. 6.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Sendo assim, como funciona a ação dos antidepressivos? O objetivo destes
medicamentos é reforçar a ação sináptica da DA, NA e 5-HT, aumentando es­
ses neurotransmissores ao bloquear a ação da MAO, que os degrada na fenda
sináptica e também bloqueia as enzimas que recaptam os neurotransmissores
para o neurônio pré-sináptico. Os princípios gerais da ação dos antidepressi­
vos, segundo Fonseca (2021) são:
• Antidepressivos clássicos: inibem a ação da MAO (chama-se IMAO = ini­
bidores da MAO) e tricíclicos;
• Antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS):
não permitem que enzimas recaptem os neurotransmissores para o neurônio;
• Antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da n oradrenalina
(ISRN): não permitem que enzimas recaptem os neurotransmissores para o
neurônio;
• Antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina e noradrena­
lina (IRSN): não permitem que enzimas recaptem os neurotransmissores para
o neurônio;
• Antidepressivos inibidores da recaptação da noradrenalina e dopami­
na (IRND): não permitem que enzimas recaptem os neurotransmissores para
o neurônio.
É importante explicar que, em muitos casos, a ansiedade é tratada com an­
tidepressivos porque alguns dos neurotransmissores são importantes na re­
gulação da impulsividade, da ansiedade, da disposição, memória, entre outras
ações cognitivas e comportamentais. Transtornos como o transtorno obses­
sivo-compulsivo (TOC) e o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH) também podem ser tratados com esta classe de medicamentos.

••
Medicamentos ansiolíticos
A ansiedade traz diversos sintomas físicos e emocionais que, em muitos mo­
mentos, podem ser crônicos e de difícil tratamento. Do ponto de vista neurobio­
lógico, trata-se da ativação ou excitação do sistema nervoso autônomo, por isto
os sintomas de aceleração cardíaca, pressão alta, sudorese etc. A amígdala e o
hipocampo, estruturas cerebrais presentes no lobo temporal, têm a função de
regular as emoções, em especial o medo. Ambos têm ativação da noradrenalina.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
O GABA é o principal neurotransmissor inibitório do SNC, exercendo uma
importante função na redução da atividade de muitos neurônios, inclusive da
amígdala e hipocampo. As medicações benzodiazepínicas (diazepam, alprazo­
lan etc) fazem o papel de estimular o sistema GABAérgico tanto na amígdala
quanto no córtex pré-frontal, aliviando a ansiedade.
A 5-HT também tem uma função muito importante na regulação da ansie­
dade, pois faz conexões com a amígdala, e por isso antidepressivos ISRS são
utilizados no tratamento da ansiedade. Eles permitem que haja maior con­
centração de 5-HT na fenda sináptica. Da mesma forma, a NA, que também
regula as ações da amígdala, atua na ansiedade, mas nesse caso, uma hipe­
restimulação da NA ocasiona sintomas de pânico, medo e ansiedade. Sendo
assim, os antidepressivos utilizados são de IRSN, para que haja uma adequa­
ção, de forma que não haja falta nem de excesso deste neurotransmissor.
Vale lembrar que o excesso de neurotransmissor na fenda sináptica diminui
receptores do neurônio pós-sináptico.
Outro aspecto bem importante a ser considerado na psicofisiologia da an­
siedade e da depressão é a presença do estresse na vida do paciente. O estres­
se crônico e a depressão causam alterações bioquímicas, o que excita o eixo
hipotálamo e glândula suprarrenal, responsável pela produção de cortisol. O
estresse aumenta esse hormônio, que, por sua vez, suprime o sistema imuno­
lógico e aumenta o nível de energia. Um estresse transitório acaba causando
uma ação benéfica, pois o aumento de energia serve para que a pessoa tenha
disposição para reagir e enfrentar o problema que surgiu. Mas o estresse crô­
nico causa lesões e atrofia do hipocampo, o que acarreta uma elevação crônica
de todos os hormônios do estresse. Tem-se, então, uma pessoa com a imunida­
de baixa e com seus neurotransmissores totalmente desregulados.
Em relação ao tratamento medicamentoso da ansiedade, vamos iniciar fa­
lando dos benzodiazepínicos (BZD). Foi na década de 1950, quando houve toda
aquela movimentação em relação aos psicotrópicos, que começaram a empre­
gar esforços para achar algum tipo de tranquilizante. No final de 1963, iniciou­
-se a comercialização do diazepam. Os BZDs modulam a atividade do GABA-A,
possuem efeito sedativo e hipnótico, sendo utilizados tanto para as insônias
quanto para os casos de ansiedade, como relaxantes e anticonvulsivantes. Os
BZDs têm alta taxa de dependência.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Geralmente, os medicamentos mais usados para os transtornos de ansie­
dade são aqueles de recaptação de serotonina (ISRS - fluoxetina, escitalopram,
entre outros) e os de recaptação da noradrenalina (ISRN - venlafaxina, duloxe­
tina, entre outros). Os BZDs são usados para ação de início rápido nos casos de
sintomas somáticos mais incômodos e momentos de crise. Os BDZ são usados
inicialmente quando ainda há crises mais presentes e depois vão sendo grada­
tivamente retirados.

••
Medicamentos antipsicóticos
As manifestações psicóticas são antigas e possuem registros na história da
humanidade desde o Egito Antigo. Foi no século XIX que começaram a fazer
relatos organizados sobre este transtorno em adultos jovens, pois a asseme­
lhavam à demência de idosos, e então chamaram de "demência precoce". Tan­
tos os transtornos maníacos depressivos quanto a demência precoce foram
publicadas por Kraepelin, em 1899, e se tornou um marco na psiquiatria. Em
1911, surgiu o termo "esquizofrenia" pelos estudos de Bleuler.
A esquizofrenia acomete 1% da população mundial, iniciando geralmente
em adultos jovens, entre 20 e 30 anos. O que essencialmente define a esqui­
zofrenia são sintomas psicóticos, incluindo, principalmente, as alucinações e
delírios. Desde 2013, com o lançamento do Manual Diagnóstico e Estatístico
dos Transtornos Mentais (DSM-V), a esquizofrenia é vista como um espectro.

EXPLICANDO
Um transtorno do espectro, dentro da medicina, significa que uma con­
dição de sofrimento não se designa apenas a uma única descrição ou
condição, mas a uma síndrome que pode ser composta por muitos outros
subgrupos de sintomas, de outras classes diagnósticas. São considerados
os níveis leve ou grave. Assim, pode-se considerar: o espectro bipolar, o
espectro autista e o psicótico, por exemplo, que podem se mesclar en-
tre alguns diagnósticos e sintomas mais amplos e não somente em uma
"caixinha diagnóstica".

Do ponto de vista neurobiológico, a esquizofrenia está relacionada com a


dopamina (DA), pois os medicamentos antipsicóticos atuam no bloqueio dos
receptores da DA, sendo, portanto, entendida como uma hiperprodução do-

PSIQUIATRIA BÁSICA .
paminérgica, mas também podendo ser um excesso de receptores de DA no
neurônio pós-sináptico, ou até uma combinação destes dois fatores. Também
está no processo psicótico a presença do glutamato, pois este é o principal
neurotransmissor excitatório do SNC. Por este motivo, o glutamato tem sido
alvo de novas drogas para futuros tratamentos da esquizofrenia. Percebe-se
também que há uma inibição no córtex pré-frontal relacionada a uma anorma­
lidade nos níveis de GABA em pacientes esquizofrênicos.
Outra teoria neurobiológica para a esquizofrenia, a partir de achados pa­
tológicos, é que pessoas com este transtorno podem apresentar um volume
reduzido do hipocampo e da amígdala. Uma outra teoria é que possa haver
uma perda progressiva de função neuronal por perda de dendrites, destruição
de sinapses ou morte neuronal, como um processo de neurodegeneração.
Os medicamentos antipsicóticos (ou neurolépticos) estão no rol do trata­
mento da esquizofrenia. Os antipsicóticos são classificados em dois grupos: (i)
antipsicóticos convencionais ou típicos são mais antigos e atuam como antago­
nistas dos receptores de DA; (ii) antipsicóticos de segunda geração ou atípicos
atuam como antagonistas dos receptores de 5-HT e DA.
Os antipsicóticos convencionais (típicos) bloqueiam os receptores da DA e
reduzem a hiperatividade dos neurônios dopaminérgicos. São eficientes no
controle dos sintomas psicóticos e são muitos os efeitos colaterais indesejáveis
envolvidos, pois, ao mexer neste tipo neurônio, os pacientes também se mos­
tram apáticos, sem motivação e com diminuição reduzida na interação social. O
bloqueio dos receptores da DA neste tipo de medicamento também apresenta
transtornos do movimento, semelhantes à Doença de Parkinson ou outros mo­
vimentos indesejados.
Outros efeitos colaterais que se associam ao bloqueio dos receptores de
DA são o aumento da prolactina, levando à secreção mamária em homens
e mulheres; disfunção sexual; e ganho de peso. Exemplo de antipsicóticos
convencionais: clorpromazina, haloperidol, levomepraina, sulpirida etc. Os
antipsicóticos atípicos ou de segunda geração são, atualmente, as principais
drogas no tratamento da esquizofrenia e de pessoas com sintomas psicóti­
cos, uma vez que apresentam menos efeitos colaterais. Exemplos de antip­
sicóticos atípicos: clozapina, amisulprida, loxapina, olanzapina, risperidona,
quetiapina, entre outros.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
••
Introdução à psiquiatria infantil e da adolescência
A psiquiatria da infância e da adolescência é uma especialidade médica re­
cente em relação à psiquiatria geral. Seu marco inicial foi num congresso de
psiquiatria infantil na França, em 1937. Mesmo assim, ainda são poucos os psi­
quiatras da infância e adolescência (pedopsiquiatras), mesmo que seja grande
o número de crianças e adolescentes com transtorno mental.
A psiquiatria infantil se especializa em diagnosticar e tratar os transtornos
infantis e adolescentes de uma forma bem específica, pois precisa conhecer
os estágios do desenvolvimento da criança e demais peculiaridades de cada
fase. Os transtornos mais comuns em que se procura um psiquiatra infantil
são: depressão, ansiedade, espectro autista, transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade, transtorno opositor desafiante, dificuldades na aprendizagem
e atrasos no desenvolvimento.
O pedopsiquiatra precisa ser muito cauteloso na sua avaliação visto que o
desenvolvimento infanto-juvenil é marcado por muitas fases que interferem
no comportamento e humor. É muito relativo identificar como anormal uma
distração, uma insegurança, um comportamento de isolamento ou agressão
dependendo da idade da criança ou adolescente.

••
Avaliação, exame e testagem psicológica
Para a avaliação de uma criança, é importante a entrevista clínica com os
pais, com a criança e outros membros da família, quando for necessário. A
avaliação envolve conhecer o desenvolvimento da criança, suas relações e seu
funcionamento escolar. Testes psiconeurológicos, muitas vezes, são um instru­
mento importante para o médico, pois oferecem melhores condições ao médi­
co de conhecer onde estão as limitações do paciente.
Para a entrevista, o profissional precisa saber de desenvolvimento infantil.
Outra habilidade importante é engajar a criança na relação terapêutica para
que ela fique à vontade em falar de suas dificuldades com o entrevistador.
O grau de sigilo na entrevista infantojuvenil está relacionado com a idade da
criança e a situação na qual ela está envolvida. Crianças menores têm quase
todas as informações compartilhadas com os pais e responsáveis, enquanto

PSIQUIATRIA BÁSICA .
que com os adolescentes é possível um pouco mais de privacidade. Em relação
a bebês e crianças bem pequenas, é possível o atendimento, que geralmente é
procurado em casos de alto nível de irritabilidade, perturbações alimentares,
dificuldade de ser consolado, perturbações de sono, comportamento retraído
e atrasos no desenvolvimento. Observam-se as brincadeiras, a interação pais e
bebê, e a comunicação verbal e não verbal.
Com crianças na idade escolar, dependendo da situação que as leva ao con­
sultório, pode apresentar mais facilidade de conversar com o psiquiatra, pois a
princípio teria maior compreensão da situação. De qualquer forma, é sempre
importante que eles saibam a razão do encaminhamento, de modo que tam­
bém possam trazer suas demandas. Os adolescentes podem apresentar mais
apreensão pelo temperamento e fase de desenvolvimento, mas tudo depende
da qualidade da vinculação efetivada.
Na avaliação psiquiátrica da criança, deve-se incluir: uma descrição da ra­
zão do encaminhamento; o funcionamento passado e presente; resultado de
testes (se houver); queixa principal; histórico familiar; marcos do desenvolvi­
mento; história médica, incluindo imunizações; história escolar; e história de
relacionamento com familiares e com seus pares.
A avaliação neuropsiquiátrica é recomendada para crianças e adolescentes
que apresentem suspeita de um transtorno neurológico, pois sinais e sintomas
neurológicos podem se tratar de alguma lesão cerebral.
Os transtornos a serem cuidados pelo pedopsiquiatra:
• Deficiência intelectual: anormalidades cromossômicas, fatores genéticos,
fatores pré-natais, fatores perinatais, transtornos adquiridos na infância, fato­
res ambientais e socioculturais;
• Transtornos da aprendizagem: transtorno da leitura, da matemática, da
expressão escrita;
• Transtornos do desenvolvimento da coordenação;
• Transtornos do neurodesenvolvimento;
• Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade;
• Transtornos do comportamento disruptivo: opositor desafiante, de conduta;
• Transtorno da alimentação;
• Tiques;
• Transtornos da comunicação;

PSIQUIATRIA BÁSICA .
• Transtornos da excreção;
• Transtornos de ansiedade;
• Transtornos do humor, automutilação e suicídio;
• Esquizofrenia com início na infância/adolescência.

••
Depressão infantil
Elucidar a depressão infantil é importante para que possamos compreen­
der como ela se manifesta nas crianças e adolescentes, bem como as possíveis
formas de manejar esta situação. Souza e Rodrigues (2020) afirmam que, em
10 anos, o número de crianças diagnosticadas com depressão na idade entre 6
a 12 anos aumentou consideravelmente e que a incidência deste transtorno é
de 1% a 3% entre O a 17 anos.
A depressão é caracterizada por "humor deprimido na maior parte do dia,
falta de interesse nas atividades, alterações no sono e apetite, falta de ener­
gia, sentimento de inutilidade, dificuldade de concentração e pensamentos ou
tentativas de suicídio" (CRUVINEL; BUROCHOVITCH, 2003, p. 78). Crianças com
depressão, no entanto, podem apresentar sintomas em três diferentes distúr­
bios: o transtorno disruptivo de desregulação do humor, o transtorno depres­
sivo maior e o transtorno depressivo persistente.
O transtorno disruptivo da desregulação do humor refere-se ao humor ir­
ritável, que é crônico, e, além das explosões de raiva, pode ser percebido por
uma irritabilidade constante, sendo mais propensas em crianças do sexo mas­
culino em idade escolar. Esta criança apresenta muita dificuldade de se relacio­
nar com sua família, professores e colegas de escola e apresenta dificuldade na
realização de tarefas, em especial de grupo.
No transtorno depressivo maior, a criança apresenta humor
deprimido na maior parte do tempo, não tem interesse de brin­
car nem de fazer qualquer outra atividade, apresenta perda ou
ganho de peso em razão da alteração de apetite, insônia
ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, cansa-
ço, culpa, sentimentos de inutilidade, dificuldade de se
concentrar e pode ou não apresentar autoagressão ou
comportamento suicida.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
No transtorno persistente (distimia), o humor é deprimido na maior parte
do dia, mas é uma tristeza mais reativa do que o episódio depressivo maior. De
qualquer forma, apresenta alterações no apetite, no sono, tem baixa autoesti­
ma, sentimentos de fracasso e desesperança, entre outros.
Visto que a maioria das crianças passa grande parte da sua vida no am­
biente escolar, a escola é um lugar de extrema importância para discutir
sobre a saúde mental de seus alunos, bem como a necessidade de capacitar
os professores para que consigam perceber alterações no comportamento
dos mesmos. Não é que eles devam fazer a função dos pais, mas é que mui­
tas situações de sofrimento podem ter relação com dificuldades de relacio­
namento com eles, entre outros problemas familiares, portanto no núcleo
familiar não será notado.
Além disso, é na escola que se percebem alterações no desenvolvimento,
nas relações, na aprendizagem, o que são indicadores de que algo não vai bem.
Sendo assim, é de grande valor que a saúde e a educação possam fazer par­
cerias para uma intervenção adequada e precoce nos alunos, não apenas com
intervenção nos casos detectados, mas como prevenção e promoção de saúde.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Sintetizando •
Esta unidade trouxe conceitos que visam complementar a disciplina de psi­
quiatria básica, ampliando a compreensão sobre a psiquiatria e suas formas
de atuação.
A urgência e emergência psiquiátrica apresentam as situações que neces­
sitam de intervenção imediata, e geralmente estão relacionadas com os casos
de comportamento agressivo, suicídio, alterações no quadro mental devido a
quadros orgânicos, condições relacionadas à dependência química, como abs­
tinência ou intoxicação e os casos de psicose aguda. Abordou-se sobre o mane­
jo e os cuidados com a equipe e o paciente.
Foi abordada também a temática da psiquiatria comunitária e reforma psiquiá­
trica, que foi um dos grandes marcos na psiquiatria no Brasil e no mundo. Em par­
ticular, no Brasil, foram apresentados alguns tópicos da condição histórica.
Um aspecto importante para o conhecimento do psicólogo é a psicofarma­
cologia. Mesmo que não nos caiba medicar, muitos pacientes chegam medi­
cados ou precisando de encaminhamento para o setor psiquiátrico frente à
sua condição emocional e muitos psicólogos desconhecem as funções de cada
medicamento psicotrópico, neurotransmissão envolvidas. Portanto, procurou­
-se oferecer uma introdução e apresentação de conceitos importantes como
a neurotransmissão, medicamentos antidepressivos, ansiolíticos e psicóticos.
Outro aspecto brevemente abordado foi sobre a psiquiatria infantil. Visto
que a psicopatologia não era o foco nesta unidade, procurou-se levantar as­
pectos importantes sobre a atuação do psiquiatra infantil e os transtornos em
que ele pode auxiliar.

PSIQUIATRIA BÁSICA .
Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, Poder Executivo, 09 abr. 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/leis_2001/110216.htm>. Acesso em: 06 out. 2021.
CRUVINEL, M.; BORUCHOVITCH, E. Depressão infantil: uma contribuição para a
prática educacional. Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 77-
84, 2003. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/pee/a/vN8MSZqVfKnHrBsH­
CX39NSD/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 06 out. 2021.
FONSECA, A. M. Introdução à psicofarmacologia e noções de tratamento far­
macológico. Guarujá: Editora Científica Digital, 2021.
GORENSTEIN, C.; SCAVONE, C. Avanços em psicofarmacologia - mecanismos de
ação de psicofármacos hoje. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 21,
n. 1, p. 64-73, 1999.
NASCIMENTO, B. B. et ai. Dificuldades no atendimento às situações de urgências
e emergências psiquiátricas. Arquivos de Ciências da Saúde da UNI PAR, Umua­
rama, v. 23, n. 3, p. 215-220, set./dez. 2019. Disponível em: <https://revistas.uni­
par.br/index.php/saude/article/view/6615/3839>. Acesso em: 29 set. 2021.
OMS - O RGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Prevenção ao suicídio: um recurso
para conselheiros. Genebra: Organização Mundial de Saúde, 2006. Disponível
em: <https://www.who.int/mental_health/media/counsellors_portuguese.pdf>.
Acesso em: 06 out. 2021.
SOUZA, S. C.; RODRIGUES, T. M. Depressão infantil: considerações para profes­
sores da atenção básica. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 6, n.6,
p. 3 4326-34338, jun. 2020. Disponível em: <https://www.brazilianjournals.com/
index.php/BRJD/article/view/11133/9333>. Acesso em: 30 set. 2021.

PSIQUIATRIA BÁSICA .

Você também pode gostar