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Imunologia Clínica

IMUNOLOGIA CLÍNICA IMUNOLOGIA CLÍNICA


Natália Prearo Moço Natália Prearo Moço

O estudo da imunologia clínica é um vasto e interessante campo que visa a compreen-


são dos métodos de diagnóstico imunológico, permitindo detectar a interação dos
antígenos com componentes humorais e celulares do sistema imune, além do enten-
dimento dos mecanismos imunológicos envolvidos em patologias infecciosas e de-
sordens do sistema imune.
Os exames complementares, tanto de diagnóstico direto quanto indireto, têm grande
relevância no cenário clínico, uma vez que a maioria das decisões médicas é baseada
em dados clínicos associados aos resultados de exames laboratoriais.
Nesse cenário, a disciplina tem como objetivo fornecer subsídios básicos e aplicados
que permitem o desenvolvimento de habilidades específicas nas áreas de análises
clínicas, produção de reagentes imunológicos e pesquisa científica, com enfoque na
realização e interpretação de imunoensaios, além do gerenciamento da qualidade la-
boratorial e controle de patologias infecciosas e imunológicas.
Dessa forma, ao fim da disciplina, o(a) aluno(a) será capaz de compreender os dife-
rentes tipos de imunoensaios disponíveis e escolher as técnicas indicadas em cada
situação, realizar a interpretação de resultados dos exames laboratoriais, avaliar
a qualidade dos imunoensaios e entender os mecanismos dos imunomoduladores e

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imunoprofiláticos nas patologias associadas ao sistema imune.

gente criando o futuro

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Presidente do Conselho de Administração Janguiê Diniz

Diretor-presidente Jânyo Diniz

Diretoria Executiva de Ensino Adriano Azevedo

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Boxes

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Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações comple-
mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado.

CITANDO
Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa
relevante para o estudo do conteúdo abordado.

CONTEXTUALIZANDO
Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato;
demonstra-se a situação histórica do assunto.

CURIOSIDADE
Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto
tratado.

DICA
Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma
informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado.

EXEMPLIFICANDO
Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto.

EXPLICANDO
Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da
área de conhecimento trabalhada.

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Sumário

Unidade 1 - Laboratório clínico de imunologia: conceitos e definições


Objetivos da unidade............................................................................................................ 12

Introdução ao laboratório de imunologia clínica........................................................... 13


Sorologia: conceitos, definições e obtenção da amostra de soro.......................... 14
Soluções: concentração e diluição............................................................................... 17

Interação antígeno-anticorpo, anticorpos monoclonais e imunização...................... 20


Relembrando conceitos básicos em imunologia........................................................ 20
Tipos de forças envolvidas na interação antígeno-anticorpo.................................. 23
Anticorpos monoclonais: obtenção por hibridomas e aplicações.......................... 24
Imunização ativa e passiva............................................................................................. 30

Boas práticas e controle de qualidade laboratorial...................................................... 32


Boas práticas em laboratório e noções básicas de biossegurança....................... 33
Parâmetros e controle de qualidade nos imunoensaios........................................... 37

Sintetizando............................................................................................................................ 40
Referências bibliográficas.................................................................................................. 42

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Sumário

Unidade 2 - Metodologias do laboratório de imunologia clínica

Objetivos da unidade............................................................................................................ 46

Fundamentos dos imunoensaios........................................................................................ 47


Ensaios de aglutinação......................................................................................................... 50
Tipos de aglutinação e aplicação laboratorial................................................................. 51
Ensaio de floculação e VDRL............................................................................................... 55

Imuno-hematologia: conceitos e ensaios laboratoriais ............................................... 56


Sistemas, grupos e coleções sanguíneas......................................................................... 57
Sistemas ABO, Rh e os tipos sanguíneos . ....................................................................... 58
Incompatibilidade sanguínea.............................................................................................. 62

Evolução metodológica dos imunoensaios...................................................................... 64


Técnicas baseadas na motilidade de partículas.............................................................. 65
Técnicas de absorbância e nefelometria.......................................................................... 68
Imunoensaios conjugados................................................................................................... 69

Sintetizando............................................................................................................................ 79
Referências bibliográficas.................................................................................................. 80

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Sumário

Unidade 3 - Diagnóstico sorológico de infecções humanas


Objetivos da unidade............................................................................................................ 82

Infecções virais..................................................................................................................... 83
Hepatites virais................................................................................................................. 83
Infecção pelo HIV............................................................................................................. 92
Dengue............................................................................................................................... 95
Mononucleose.................................................................................................................. 97
Infecção por HTLV............................................................................................................ 98

Infecções bacterianas........................................................................................................ 100


Infecção estreptocócica............................................................................................... 100
Infecção treponêmica................................................................................................... 103

Infecções parasitárias....................................................................................................... 109


Doença de Chagas......................................................................................................... 110
Toxoplasmose.................................................................................................................. 112

Sintetizando.......................................................................................................................... 115
Referências bibliográficas................................................................................................ 116

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Sumário

Unidade 4 - Processos de reatividade do sistema imunológico


Objetivos da unidade.......................................................................................................... 119

Sistema imune das doenças............................................................................................. 120


Atuação do sistema imune nas infecções bacterianas........................................... 121
Atuação do sistema imune nas infecções fúngicas................................................. 124
Atuação do sistema imune nas infecções virais...................................................... 125

Tolerância imunológica e doenças autoimunes........................................................... 126


Classificação etiológica das doenças autoimunes.................................................. 128
Diagnóstico das principais doenças reumáticas de caráter imune...................... 129

Reações de hipersensibilidade........................................................................................ 134

Imunologia dos transplantes............................................................................................. 141


Complexo principal de histocompatibilidade............................................................. 142
Rejeição dos transplantes............................................................................................ 142
Imunossupressão para transplantes alogênicos...................................................... 144

Imunomodulação e imunomoduladores.......................................................................... 145

Imunodeficiências.............................................................................................................. 146
Imunodeficiências primárias........................................................................................ 146
Imunodeficiências secundárias e AIDS..................................................................... 148

Imunidade tumoral.............................................................................................................. 149


Mecanismos imunes efetores contra células neoplásicas malignas................... 150
Imunoterapia e imunoprofilaxia................................................................................... 152

Sintetizando.......................................................................................................................... 154
Referências bibliográficas................................................................................................ 155

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Apresentação

O estudo da imunologia clínica é um vasto e interessante campo que visa


a compreensão dos métodos de diagnóstico imunológico, permitindo detectar
a interação dos antígenos com componentes humorais e celulares do sistema
imune, além do entendimento dos mecanismos imunológicos envolvidos em
patologias infecciosas e desordens do sistema imune.
Os exames complementares, tanto de diagnóstico direto quanto indireto,
têm grande relevância no cenário clínico, uma vez que a maioria das decisões
médicas é baseada em dados clínicos associados aos resultados de exames
laboratoriais.
Nesse cenário, a disciplina tem como objetivo fornecer subsídios básicos
e aplicados que permitem o desenvolvimento de habilidades específicas nas
áreas de análises clínicas, produção de reagentes imunológicos e pesquisa
científica, com enfoque na realização e interpretação de imunoensaios, além
do gerenciamento da qualidade laboratorial e controle de patologias infeccio-
sas e imunológicas.
Dessa forma, ao fim da disciplina, o(a) aluno(a) será capaz de compreender os
diferentes tipos de imunoensaios disponíveis e escolher as técnicas indicadas em
cada situação, realizar a interpretação de resultados dos exames laboratoriais,
avaliar a qualidade dos imunoensaios e entender os mecanismos dos imunomo-
duladores e imunoprofiláticos nas patologias associadas ao sistema imune.

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A autora

A professora Natália Prearo Moço é


doutora em patologia pela Faculdade
de Medicina de Botucatu – FMB/UNESP
(2015) e possui mestrado em patologia
pela mesma Instituição (2011). É gra-
duada em ciências biológicas – moda-
lidade médica (biomedicina) pelo Insti-
tuto de Biociências de Botucatu – IBB/
UNESP (2008). Tem experiência em
docência em diversos cursos de saúde
nas áreas de patologia geral e clínica,
microbiologia geral e clínica, imuno-
logia, hematologia clínica e bioética,
além de ministrar cursos de extensão
e palestras na área de saúde da mu-
lher, pesquisa e publicação em saúde
e pós-graduação.

Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3435029835701329

Dedico esta obra a todos os meus alunos, que me ensinaram mais do que
podem imaginar ao longo dessa caminhada incrível na docência.

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UNIDADE

1 LABORATÓRIO
CLÍNICO DE
IMUNOLOGIA:
CONCEITOS E
DEFINIÇÕES

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Objetivos da unidade
Definir conceitos importantes para o estudo de sorologia;

Fornecer bases teóricas para o preparo de soluções e diluições;

Relembrar conceitos de imunologia humoral básica;

Descrever os tipos de força que regem a formação dos imunocomplexos;

Fornecer base teórica sobre produção e aplicações de anticorpos monoclonais;

Descrever as boas práticas do laboratório clínico;

Descrever parâmetros empregados para análise da qualidade de imunoensaios.

Tópicos de estudo
Introdução ao laboratório de Boas práticas e controle de
imunologia clínica qualidade laboratorial
Sorologia: conceitos, definições e Boas práticas em laboratório e
obtenção da amostra de soro noções básicas de biossegurança
Soluções: concentração e diluição Parâmetros e controle de
qualidade nos imunoensaios
Interação antígeno-anticorpo,
anticorpos monoclonais e
imunização
Relembrando conceitos básicos
em imunologia
Tipos de forças envolvidas na
interação antígeno-anticorpo
Anticorpos monoclonais:
obtenção por hibridomas e
aplicações
Imunização ativa e passiva

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Introdução ao laboratório de imunologia clínica
A imunologia clínica é uma área extremamente importante que emprega o
conhecimento do sistema imune e dos mecanismos de resposta imunológica
para diagnosticar e compreender diversas patologias humanas.
O sistema imune, definido como o conjunto de células e moléculas respon-
sáveis pelo desencadeamento da imunidade, é essencial para manutenção da
homeostasia, uma vez que atua constantemente na tentativa de manter o or-
ganismo livre de agentes patogênicos, sejam eles de origem infecciosa ou não.
De acordo com Abbas, Lichtman e Pilai, em Imunologia celular e mole-
cular, publicado em 2015, quando o sistema imune identifi ca e reconhece
componentes microbianos e agentes estranhos não infecciosos, tais como
células necróticas e tumorais, ocorre uma ação conjunta de células imunes
e moléculas presentes no soro para elaboração de uma resposta contra as
ameaças detectadas.
No contexto da imunologia clínica, diversos exames laboratoriais comple-
mentares são realizados com intuito de auxiliar no diagnóstico clínico de pa-
tologias humanas. Estes testes laboratoriais, em sua grande maioria, avaliam
a presença e a interação dos antígenos com componentes celulares e molecu-
lares do sistema imune, principalmente de anticorpos e linfócitos. Dessa for-
ma, a imunologia clínica tem como objetivo o estudo da resposta imunológica
frente às doenças infecciosas, além do estudo da ativação anormal do sistema
imune em casos de autoimunidade, reações de hipersensibilidade, imunodefi-
ciências e crescimento anormal de células de fenótipo maligno.
Adicionalmente, a imunologia clínica visa o entendimento da
modulação do sistema imune por meio de fármacos diversos,
em especial os empregados para inibição da re-
jeição de transplantes. Por fim, ela estuda o
desenvolvimento de vacinas e outros agen-
tes imunizantes que são essenciais para a
prevenção de doenças infecciosas, con-
forme pontuam Voltarelli e outros auto-
res, em Imunologia clínica na prática médi-
ca, publicado em 2009.

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Sorologia: conceitos, definições e obtenção da amostra
de soro
Um dos mais importantes ramos da área é a sorologia, definida como o
estudo analítico do soro sanguíneo. Na prática, um exame sorológico é aquele
que visa identificar e quantificar a presença de antígenos e anticorpos no soro
de um(a) paciente. Mas antes de se compreender a fundo os exames sorológi-
cos, é preciso relembrar o que é o soro.
O sangue é um tecido conjuntivo formado por elementos celulares e plas-
ma, que podem ser facilmente separados entre si por meio de centrifugação.
Após centrifugação simples, observa-se que aproximadamente 45% do volume
sanguíneo corresponde aos eritrócitos, também chamados de hemácias. Logo
acima dos eritrócitos, sedimenta-se a camada leucoplaquetária, composta por
leucócitos e plaquetas. Sobre o sedimento celular, é possível encontrar a fra-
ção sobrenadante, que corresponde à parte líquida do sangue, denominada
plasma (Figura 1). Conforme pontuado por Kierszenbaum, em Histologia e bio-
logia celular: uma introdução à patologia, publicado em 2016, o plasma contém
diversos elementos orgânicos e inorgânicos, tais como aminoácidos, proteínas,
lipídios, vitaminas, hormônios, fatores de coagulação e sais minerais.

Composição do sangue
Plaquetas

Leucócitos

Plasma
cerca de 55%

Leucócitos e plaquetas
Hemácias ou eritrócitos cerca de 4%

Hemácias ou eritrócitos
cerca de 41%

Sangue total Após centrifugação

Figura 1. Sangue total e componentes do sangue após centrifugação. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 19/01/2021. (Adaptado).

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Em termos práticos, o plasma corresponde in vivo à parte líquida do sangue que
contém fibrinogênio e fatores de coagulação entre seus componentes. A obtenção
de plasma in vitro por centrifugação requer a adição de anticoagulantes à amostra
de sangue. Por outro lado, quando a amostra é coletada na ausência de anticoagu-
lantes, os elementos celulares formam um coágulo de sangue juntamente com o
fibrinogênio e os fatores de coagulação. Sendo assim, após a centrifugação de uma
amostra de sangue sem anticoagulantes, obtêm-se o soro, que nada mais é que a
parte líquida do sangue sem a presença de fibrinogênio e fatores de coagulação.
Na rotina de um laboratório de análises clínicas, os principais anticoagulan-
tes empregados para obtenção de plasma incluem ácido etilenodiaminotetra-
cético (EDTA), heparina e citrato de sódio. A escolha do tipo de anticoagulante
usado depende diretamente do teste que será feito com a amostra de plasma.
O EDTA, indicado para amostras destinadas à realização do hemograma, é um
quelante de cálcio que atua sequestrando os íons Ca2+ presentes no plasma, o
que resulta no bloqueio da agregação plaquetária e da cascata de coagulação.
Em termos comerciais, o EDTA é disponibilizado como um spray seco com ade-
rência na parede dos tubos, que pode estar nas formas dipotássico (EDTA-K 2),
tripotássico (EDTA-K 3) ou dissódico (EDTA-Na2), com pequenas diferenças de uso
entre eles, conforme pontuam Silva e outros autores, em Hematologia laborato-
rial: teoria e procedimentos, publicado em 2016.
A heparina é um mucopolissacarídeo que bloqueia a cascata de coagulação por
meio da interação com a molécula de antitrombina, importante anticoagulante na-
tural plasmático. Tal interação resulta na inibição dos fatores de coagulação Xa, IXa e
trombina, o que aumenta significativamente a ação anticoagulante da antitrombina.
O uso de tubos de coleta de sangue com heparina é indicado principalmente para
testes de bioquímica e também para imunofenotipagem leucocitária, uma vez que
tal anticoagulante preserva a viabilidade dos leucócitos por até 24 horas. O citrato
de sódio, indicado como anticoagulante de escolha para testes de coagulação, atua
como agente quelante de cálcio. Ao sequestrar os íons Ca2+ presentes na circulação,
o citrato impede diretamente a continuidade da cascata de coagulação.
Para facilitar a rotina e reduzir o risco de erros pré-analíticos, os tubos de coleta
de sangue apresentam padronização das tampas, de acordo com o tipo de aditivo
presente. Dessa forma, os tubos com EDTA, heparina e citrato de sódio possuem
tampas roxa, verde e azul, respectivamente. Já os tubos para obtenção de soro, que

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podem ser secos ou com adição de ativador de coágulo, apresentam tampa verme-
lha. Há, ainda, os tubos para obtenção de soro com gel separador, que apresentam
tampa amarela. Outra importante padronização durante as etapas pré-analíticas
é a ordem dos tubos de coleta de sangue, que visa impedir a contaminação da
amostra com aditivos, microrganismos e líquido tecidual. De acordo com Andriolo
e outros autores, em Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Me-
dicina Laboratorial para coleta de sangue venoso, publicado em 2010, a ordem atual-
mente aceita foi determinada pelo documento H3-A6 do Clinical and Laboratory
Standards Institute (CLSI) e pode ser observada no Quadro 1.

QUADRO 1. PADRONIZAÇÃO DA ORDEM DOS TUBOS DE COLETA DE SANGUE

Tubos plásticos para coleta de sangue


Ordem Tipo de tubo Cor da tampa
1 Frasco para hemocultura Geralmente amarela
2 Tubo com citrato de sódio Azul clara
3 Tubo com ativador de coágulo, com ou sem gel separador Vermelha ou amarela
4 Tubo com heparina com ou sem separador Verde
5 Tubo com EDTA Roxa
6 Tubo com fluoreto de sódio Cinza
Tubos de vidro para coleta de sangue
Ordem Tipo de tubo Cor da tampa
1 Frasco para hemocultura Geralmente amarela
2 Tubo de vidro siliconizado Vermelha
3 Tubo com citrato de sódio Azul clara
4 Tubo com ativador de coágulo e gel separador Amarela
5 Tubo com heparina com ou sem separador Verde
6 Tubo com EDTA Roxa
7 Tubo com fluoreto de sódio Cinza

Outro aspecto a ser considerado antes da coleta de sangue é o material do


tubo, que pode ser de vidro ou de plástico. Os tubos de vidro foram conside-
rados padrão-ouro por muitos anos nos laboratórios clínicos, entretanto, com
a crescente preocupação com biossegurança, o uso de tubos de plástico tem
ganhado força, uma vez que são mais resistentes, toleram maiores velocidade
de centrifugação e geram menores quantidades de resíduo após incineração.

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No contexto da sorologia, as opções disponíveis para coleta de sangue são
tubo de vidro seco siliconado (tampa vermelha), tubo de vidro com ativador
de coágulo e gel separador (tampa amarela), tubo de plástico com ativador de
coágulo sem gel separador (tampa vermelha) e tubo de plástico com ativador
de coágulo e gel separador (tampa amarela).
Após a coleta do sangue nos tubos específicos, é necessário aguardar um
determinado período de tempo para que ocorra a coagulação e a retração
do coágulo antes que seja feita a centrifugação para obtenção do soro. Para
amostras coletadas em tubos de vidro siliconado, deve-se aguardar
aproximadamente 60 minutos, já para os tubos com ativador de
coágulo (com ou sem gel separador), o tempo de espera
é reduzido para 30 minutos. Logo após esse período,
os tubos devem ser submetidos à centrifugação en-
tre dez a quinze minutos com rotação aproximada de
1000–3000 g (ANDRIOLO et al., 2010).

Soluções: concentração e diluição


As soluções são definidas como misturas homogêneas compostas por
duas ou mais substâncias, nas quais a substância dissolvida é chamada de so-
luto e a substância que dissolve é chamada de solvente. De modo simplifica-
do, a concentração de uma solução representa a quantidade de soluto presen-
te em uma certa quantidade de solvente.
Vale salientar que existem diferentes tipos de concentração, uma vez que as
unidades de medida das substâncias envolvidas na solução podem ser diferen-
tes. A concentração comum ou concentração em massa é aquela determina-
da pela relação entre a massa do soluto e o volume do solvente, que tem como
unidade no Sistema Internacional (SI) gramas por litro (g/L):
m1
C= (1)
v2
A densidade, cuja unidade no SI é dada em gramas por microlitro (g/mL), é
determinada pela relação entre a massa total e o volume total da solução:
m1 + m2
d= (2)
v1 + v2

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Por fim, tem-se a concentração molar ou molaridade, que é determinada
pela relação entre o número de mols do soluto e o volume total da solução cuja
unidade no SI é dada em mol/L:
n1
M= (3)
v
A capacidade que um soluto tem se ser diluído em determinado solvente é cha-
mada de coeficiente de solubilidade, e, em termos gerais, uma solução concen-
trada é aquela cuja quantidade de soluto é maior do que a quantidade de solvente.
Já uma solução diluída é aquela cuja quantidade de soluto é menor do que a quan-
tidade de solvente. Dessa forma, quando se quer aumentar a concentração de uma
solução, deve-se aumentar o soluto ou reduzir o solvente; por outro lado, quando se
quer diluir uma concentração, deve-se aumentar a quantidade de solvente.
Nesse contexto, é possível definir diluição como o procedimento de redução da
concentração de uma solução por meio de adição de solvente, sem alterar a quan-
tidade de soluto. Na prática, a diluição de uma solução costuma ser indicada pelo
fator de diluição.
Por exemplo: quando se faz uma diluição de fator 10 de uma determinada so-
lução, entende-se que a solução foi diluída 1/10 ou 1:10 (leia-se 1 para 10), ou seja,
em dez partes da solução, uma parte é de soluto e nove partes são de solvente. Da
mesma forma, para preparar uma diluição 1:5, utiliza-se uma parte de soluto para
quatro partes de solvente, e assim por diante.

EXEMPLIFICANDO
Suponha que você tenha comprado um kit de ELISA para dosagem de
prolactina. No kit, a maioria dos reagentes veio pronto para uso, entretanto,
um deles veio concentrado 10x. Nesse caso, como se deve preparar 10 ml
do reagente de uso? Bem, antes de usar esse reagente, você deve diluir 1:10
para que atinja a concentração desejada. Para isso, basta usar uma alíquota
de 1 mL do reagente concentrado (uma parte) e diluir em 9 mL de diluente
(nove partes), formando assim uma solução diluída de 10 mL (dez partes).

Um tipo de diluição muito empregada na rotina laboratorial é a chamada


diluição seriada, que representa um procedimento de diluição progressiva na
qual o fator de diluição é rapidamente amplificado, o que permite obter solu-
ções com concentrações bem reduzidas de forma eficaz, além de ser extrema-
mente útil quando o volume da solução inicial é escasso.

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Nas diluições seriadas, a alíquota (amostra que será diluída) é sempre pro-
veniente do material diluído na etapa anterior e o fator de diluição final é o
produto dos fatores de diluição em cada etapa. Por exemplo, se você preparar
uma diluição 1:2 (fator de diluição 2) a partir de uma solução-estoque, para
fazer uma diluição seriada, você deve diluir novamente essa solução no fator 2,
obtendo uma nova solução que agora estará diluída 1:4.
Após diluir novamente essa nova solução 1:4, você terá uma solução 1:8, e
assim por diante. Apesar da diluição seriada no fator 2 ser a mais comum, ou-
tros fatores podem ser empregados, conforme podemos observar na Figura 2,
que demonstra uma diluição seriada de fator 10.
Observe que, para preparar a diluição A, utilizou-se 1 mL da solução esto-
que e 9 mLa de diluente, originando uma diluição 1:10. Em seguida, 1 mL da
solução A foi acrescentado em outro tubo contendo 9 mL de diluente, o que
formou uma diluição B de 1:100. Essa solução B foi utilizada
para preparar a solução C, com adição de 1 mL em 9 mL de
diluente, dando origem à diluição de 1:1000. Por fim, 1mL
da solução C foi adicionado em 9 mL de diluente, o que ori-
ginou a solução D com diluição 1:10000.

1 mL 1 mL 1 mL 1 mL

A B C D

9 mL = água destilada 1 mL 1 mL 1 mL 1 mL
1 mL = solução-estoque 9 mL 9 mL 9 mL

diluição diluição diluição diluição


1/10th 1/100th 1/1000th 1/10000th

Figura 2. Esquematização de diluição seriada. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 20/01/2021. (Adaptado).

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Interação antígeno-anticorpo, anticorpos monoclonais
e imunização
O estudo da imunologia clínica requer uma base adequada de conhecimen-
tos sobre imunologia básica, principalmente no que se refere à interação entre
antígenos e anticorpos, que é o ponto crucial para o desenvolvimento dos imu-
noensaios empregados na rotina de um laboratório clínico. Nesse contexto,
torna-se de importante relembrar diversos conceitos básicos de imunologia,
como antígeno, epítopo, imunógeno e anticorpo, além de compreender os ti-
pos de forças presentes na formação do complexo antígeno anticorpo, tam-
bém conhecido como complexo imune ou imunocomplexo.
Adicionalmente, várias técnicas laboratoriais empregadas requerem a pro-
dução artificial de anticorpos específicos contra determinados antígenos. A
produção de uma grande variedade de anticorpos monoclonais com diferentes
especificidades se tornou possível por meio do desenvolvimento da tecnologia
do hibridoma, em 1975, o que representou um grande avanço científico que
tem sido amplamente empregado desde seu surgimento.
Por fim, outro aspecto importante no estudo da imunologia clínica é o en-
tendimento dos diferentes tipos de imunização e agentes imunizantes. O pro-
cesso de imunização, tanto ativa quanto passiva, pode ser conferido de modo
não natural aos indivíduos, o que torna possível o controle de inúmeras doen-
ças de origem infecciosa (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015; LEVINSON, 2014).

Relembrando conceitos básicos em imunologia


Para compreender a formação dos complexos imunes, primeiramente é
necessário relembrar conceitos importantes de imunologia básica, o que facili-
tará o entendimento da interação antígeno-anticorpo.
Os antígenos são substâncias que apresentam capacidade de se ligar de
modo específico aos anticorpos ou aos receptores dos linfócitos T, que atuam
como componentes do sistema imune adaptativo. Já os anticorpos, também
chamados de imunoglobulinas (Ig), são proteínas globulínicas produzidas por
plasmócitos derivados de linfócitos B capazes de se ligar especificamente aos an-
tígenos que desencadeiam sua produção durante a resposta imune adaptativa.

IMUNOLOGIA CLÍNICA 20

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As imunoglobulinas desempenham diversos papéis na imunidade adapta-
tiva humoral, dentre as quais se destacam neutralização de microrganismos,
opsonização e consequente facilitação da fagocitose de patógenos, além da
ativação do sistema complemento pela via clássica. Em termos estruturais, as
moléculas de imunoglobulina são simétricas, com formato semelhante à letra
Y e compostas por quatro cadeias polipeptídicas: duas cadeias leves idênticas
com cerca de 25 kDa e duas cadeias pesadas também iguais entre si, com 50-
70 kDa cada. Todas as cadeias da molécula do anticorpo apresentam regiões
constantes, que são essenciais para as funções efetoras, e regiões variáveis,
que atuam no reconhecimento específico dos epítopos. Dessa forma, o sítio de
reconhecimento dos antígenos está localizado na justaposição das regiões
variáveis das cadeias leve e pesada nas imunoglobulinas (Figura 3).
Diferenças na composição peptídica das regiões variáveis das imunoglobu-
linas são essenciais para determinar a especificidade do reconhecimento anti-
gênico. Entretanto, epítopos muito semelhantes podem desencadear uma rea-
ção cruzada, na qual o sítio de reconhecimento se liga a um antígeno diferente
daquele para o qual foi especificamente produzido.

Antígeno

Epítopo

Sítio de reconhecimento antigênico

REGIÕES
VARIÁVEIS
Anticorpo
(imunoglobulina)

Cadeias leves
REGIÕES
CONSTANTES

Cadeias pesadas

Figura 3. Esquematização da estrutura básica das imunoglobulinas. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 20/01/2021. (Adaptado).

IMUNOLOGIA CLÍNICA 21

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Diferenças na organização estrutural das regiões constantes das cadeias
pesadas determinam a existência de cinco diferentes classes de imunoglobu-
linas, denominadas IgA, IgD, IgE, IgG e IgM.
Anticorpos da classe IgA são encontrados na forma de monômeros e díme-
ros no soro e na forma secretada nos fluidos corporais, como saliva, leite, lágri-
mas e suor. Sua função primordial é atuar na proteção de superfícies mucosas.
Os anticorpos da classe IgD e IgE são encontrados apenas na forma de mo-
nômeros. Enquanto os IgDs atuam como receptores de superfície de linfócitos
B, os pertencentes à classe IgE estão presentes no soro ou ligados aos mastó-
citos e basófilos, e atuam nas reações de hipersensibilidade de tipos I (também
conhecidas como hipersensibilidade imediata ou alergia) e na defesa do orga-
nismo contra parasitas helmínticos.
As IgGs, classe de imunoglobulinas predominante no soro, são anticor-
pos monoméricos encontrados tanto na forma secretada quanto na forma de
membrana. Entre as funções da IgG na imunidade humoral, incluem-se opso-
nização de microrganismos, ativação do sistema complemento e citotoxidade
mediada por célula dependente de anticorpo (ADCC). Outra característica im-
portante da IgG é que essa classe é a única com capacidade de atravessar a
barreira transplacentária.
Por fim, os anticorpos da classe IgM podem ser encontrados na forma de
monômeros, quando atuam como receptores de linfócitos B, e
na forma de pentâmeros no soro. A conformação pentamérica
da IgM faz com que cada molécula desse anticorpo
apresente dez sítios de reconhecimento antigênico,
o que permite a aglutinação de partículas infec-
ciosas. Além disso, a IgM é capaz de ativar o sis-
tema complementar pela via alternativa (ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2015; LEVINSON, 2014).

EXPLICANDO
Os anticorpos IgG predominam no soro de recém-nascidos, uma vez que
são os únicos capazes de atravessar a placenta. Como são originadas
pelo sistema imune materno, atuam somente na proteção contra patóge-
nos que a mãe já tenha encontrado durante a vida, seja de modo natural
ou por meio de imunização ativa.

IMUNOLOGIA CLÍNICA 22

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Diversos tipos de moléculas biológicas simples e complexas podem atuar
como antígenos, tais como carboidratos, lipídios, ácidos nucleicos e proteínas.
Entretanto, a região dos anticorpos responsável pelo reconhecimento antigêni-
co é bem menor do que a grande maioria das macromoléculas e, dessa forma,
apenas uma pequena porção do antígeno realmente se liga ao anticorpo. Essa
região delimitada do antígeno que se liga diretamente à molécula do anticorpo
é denominada determinante antigênico ou epítopo. Quando um antígeno
apresenta um único epítopo, é chamado de monovalente, já os antígenos que
possuem vários epítopos idênticos são denominados multi ou polivalentes.
O termo imunógeno descreve toda e qualquer molécula que apresenta ca-
pacidade de desencadear uma resposta imunológica quando reconhecida pelo
sistema imune. Embora todo imunógeno seja um antígeno, o inverso não é ver-
dadeiro, pois alguns antígenos pequenos, chamados de haptenos, conseguem
se ligar aos anticorpos, mas não são capazes de estimular a montagem de uma
resposta imunológica específica. Isso ocorre porque, apesar da possível intera-
ção com anticorpos, os haptenos não conseguem ativar linfócitos T auxiliares
devido à incapacidade de se ligar às proteínas do complexo principal de histo-
compatibilidade (MHC) (ABBAS; LICHTMAN; PILAI, 2015; LEVINSON, 2014.).

Tipos de forças envolvidas na interação antígeno-anticorpo


O reconhecimento do antígeno pela molécula de anticorpo ocorre na justa-
posição das regiões variáveis das cadeias leve e pesada e, para que isso ocorra,
é necessária a formação de uma ligação covalente reversível. A reversibilidade
da interação antígeno-anticorpo está diretamente relacionada a fatores como
pH extremo, concentrações elevadas de sal, presença de detergentes e compe-
tição por altas concentrações do epítopo.
A ligação covalente reversível entre antígeno e anticorpo é resultante de
diversos tipos de interações, que incluem forças eletrostáticas, pontes de hi-
drogênio, forças de van der Waals e ligações hidrofóbicas.
As forças eletrostáticas representam a interação entre duas cargas elé-
tricas por meio de atração (quando as cargas são iguais) ou repulsão (quando
as cargas são opostas). Já as forças de van der Waals, por sua vez, são forças
intermoleculares resultantes da união entre nuvens de cargas elétricas opos-

IMUNOLOGIA CLÍNICA 23

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tas presentes no antígeno e no anticorpo, as quais podem ser do tipos dipolo-
-dipolo, dipolo induzido-dipolo induzido e ligações de hidrogênio. As ligações
ou pontes de hidrogênio são forças intermoleculares permanentes, nas quais
o polo positivo é sempre o hidrogênio e o polo negativo pode ser nitrogênio,
oxigênio ou flúor (FORTE, 2015; ABBAS; LICHTMAN; PILAI, 2015).
Para avaliar a força da interação entre o antígeno e a molécula de anticorpo,
são empregados os conceitos de afinidade, avidez e valência.
A afinidade de um anticorpo é determinada pela força de ligação entre uma
única região de reconhecimento na molécula de imunoglobulina e o epítopo do
antígeno. Como antígenos polivalentes apresentam vários epítopos em sua es-
trutura, a força da ligação do antígeno ao anticorpo é decorrente da interação
de todos esses epítopos com as regiões de reconhecimento disponíveis.
Dessa forma, na presença de vários epítopos no mesmo antígeno, pode-se
dizer que a avidez é a soma de todas as afinidades. Na prática, a avidez está
mais diretamente relacionada à força de ligação entre antígeno e anticorpo,
uma vez que moléculas de anticorpos como a IgM, que apresentam estrutura
pentamérica, podem se ligar fortemente a antígenos polivalentes, pois apre-
sentam grande quantidade de sítios de reconhecimento disponíveis, o que au-
menta a avidez da interação.
Por fim, a valência de um anticorpo pode ser definida como o nú-
mero de epítopos que ele pode reconhecer. Lembrando que
anticorpos na forma de monômeros, dímeros e pentâmeros
apresentam dois, quatro e dez sítios de reconhecimento,
respectivamente.

Anticorpos monoclonais: obtenção por hibridomas e


aplicações
Os anticorpos monoclonais (mAB, do inglês monoclonal antibody) são imu-
noglobulinas produzidas por um único clone de linfócitos B e, portanto, apre-
sentam a mesma especificidade de reconhecimento de antígenos, uma vez que
as imunoglobulinas produzidas por plasmócitos idênticos têm exatamente a
mesma estrutura nas regiões variáveis das cadeias leve e pesada, que são res-
ponsáveis pelo reconhecimento dos epítopos antigênicos.

IMUNOLOGIA CLÍNICA 24

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EXPLICANDO
Um clone de células é definido como o conjunto de células geneticamente
idênticas derivadas de uma única célula precursora. Cada clone de linfó-
citos B apresenta o mesmo receptor de superfície (BCR, do inglês B cell
receptor), que é um complexo formado por uma imunoglobulina (IgD ou
IgM) e duas moléculas de sinalização denominadas Igα e Igβ.

As células clonais são observadas na composição das massas tumorais,


uma vez que os tumores são originados a partir da expansão clonal de cé-
lulas inicialmente mutadas. Nesse contexto, um tipo específico de tumor
maligno denominado plasmocitoma é formado pela proliferação excessiva
e descontrolada de plasmócitos idênticos, todos produtores de um mesmo
tipo de anticorpo.
A partir do estudo dos plasmocitomas produtores de anticorpos mono-
clonais, tornou-se possível o desenvolvimento da tecnologia dos hibrido-
mas. Isso ocorreu no ano de 1975 e foi descoberto pelos cientistas César
Milstein e Georges Köhler, que publicaram suas descobertas no artigo inti-
tulado “Continuous cultures of fused cells secreting antibody of predefined
specificity”. Tal descoberta rendeu aos autores o Prêmio Nobel em Medicina,
no ano de 1984.
A nova tecnologia descrita no artigo possibilitou uma revolução na
produção de imunoglobulinas, o que permitiu o desenvolvimento de uma
gama enorme de anticorpos monoclonais com especificidades distintas.
A tecnologia do hibridoma, tam-
bém chamada de hibridização celu-
lar somática, é baseada na formação
de uma célula híbrida que resulta da
fusão de plasmócitos produtores de
determinado anticorpo com células
tumorais de mieloma. O uso de células
tumorais juntamente com os plasmó-
citos confere uma elevada capacidade
proliferativa ao hibridoma, o que é
essencial para a obtenção de grandes
quantidades de anticorpos.

IMUNOLOGIA CLÍNICA 25

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A diferenciação de linfócitos B em plasmócitos produ-
tores do tipo específico de imunoglobulina de interesse é
estimulada por meio da injeção do antígeno em uma co-
baia de laboratório. Após a fusão celular,
a célula híbrida obtida é estimulada a
proliferar, dando origem a um clone
de células-filhas idênticas, todas
produtoras do mesmo anticorpo
monoclonal. Os hibridomas são,
portanto, células híbridas com capa-
cidade de replicação contínua e pro-
dução simultânea de imunoglobulinas específicas direcionadas contra um
determinado antígeno.
Resumidamente, a produção dos hibridomas ocorre em diversas etapas
sequenciais da seguinte maneira: primeiramente, é feita a administração
do antígeno de interesse em camundongos, os quais se tornam imunizados
e passam a produzir anticorpos específicos contra o antígeno. Em seguida,
células do baço dos camundongos imunizados contendo plasmócitos são
retiradas e incubadas na presença de células de mieloma, que são negativas
para expressão do gene que codifica a enzima hipoxantina-guanina fosfor-
ribosiltransferase (HGPRT).
A incubação das células deve ser feita na presença de polietilenoglicol
(PEG) diluído em meio de cultura com dimetilsulfóxido (DMSO), para que
ocorra a fusão das membranas celulares. Depois da fusão, as células são
transferidas para o meio de cultura HAT (hipoxantina, aminopterina e timidi-
na), que mantém a viabilidade das células que expressam HGPRT (Figura 4).
Dessa forma, as células do mieloma que não se fundiram não sobrevivem,
pois expressam a enzima. Já os linfócitos B são células sensíveis à cultura e
não sobrevivem por longos períodos incubados in vitro. Sendo assim, após
um período de tempo, somente as células híbridas permanecem viáveis no
meio HAT. Por fim, é feita a detecção e a quantificação das imunoglobulinas
produzidas para verificar a especificidade do hibridoma produzido e, em
seguida, é feita a clonagem e a preservação das células híbridas (COELHO,
2014; PRAMPERO, 2017).

IMUNOLOGIA CLÍNICA 26

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1. Um camundongo é injetado com um
Antígeno antígeno específico, que induzirá
anticorpos contra o antígeno.

2. O baço do camundongo é removido e


Baço homogeneizado em uma suspensão
celular. A suspensão contém células B
Suspensão de que produzem anticorpos contra o
células do baço antígeno injetado.

3. As células do baço são, então,


misturadas com células de mieloma que
são capazes de crescimento contínuo em
cultura, mas perderam a habilidade de
Células do baço
produzir anticorpos. Algumas das células
do baço produtoras de anticorpos e as
Células de mieloma
células de mieloma se fundem para
Células de mieloma cultivadas Suspensão de formar células híbridas. Essas células
Células híbridas híbridas são, agora, capazes de crescer
(células B cancerosas) células de
mieloma continuamente em cultura enquanto
produzem anticorpos.

4. A mistura de células é
colocada em um meio Célula de mieloma
seletivo que permite o Célula híbrida Célula do baço
crescimento apenas das
células híbridas.
5. As células híbridas se
proliferam em clones
chamados de Hibridomas Conceito-chave
hibridomas. Os hibridomas
A fusão de células de mieloma cultivadas
são selecionados após
(células B cancerosas) com células do
triagem para a produção
baço produtoras de anticorpos forma um
do anticorpo desejado.
hibridoma. Hibridomas podem ser
6. Os hibridomas selecionados cultivados para produzir grandes
são cultivados para produzir Anticorpos quantidades de anticorpos idênticos,
grandes quantidades de monoclonais chamados de anticorpos monoclonais.
anticorpos monoclonais. desejados

Figura 4. Tecnologia dos hibridomas para produção de anticorpos monoclonais. Fonte: TORTORA; FUNKE; CASE, 2012, p. 508.

A princípio os anticorpos monoclonais disponíveis eram produzidos em


laboratório, a partir de linfócitos B isolados de camundongos sensibilizados
com o antígeno de interesse. Devido à origem murina dos linfócitos B que
formavam o hibridoma, a administração dos anticorpos monoclonais de-
sencadeava uma forte resposta imune direcionada contra as imunoglobuli-
nas administradas, com produção de anticorpos anti-imunoglobulinas pelo
sistema imune do paciente.
Tal resposta imune indesejada inativava a ação terapêutica dos anticor-
pos monoclonais, além de induzir possíveis reações adversas no organismo.
Essa limitação do uso dos anticorpos monoclonais fez com que, inicialmen-
te, eles fossem empregados apenas com finalidade de pesquisa científica
e de diagnóstico laboratorial em imunoensaios diversos, o que aumentou
significativamente a especificidade dos testes imunológicos.

IMUNOLOGIA CLÍNICA 27

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Com o desenvolvimento da biotecnologia e da engenharia genética, a tecno-
logia para produção de anticorpos monoclonais foi progressivamente aprimo-
rada, com o intuito de reduzir a imunogenicidade dos anticorpos monoclonais
produzidos. Primeiramente, foram desenvolvidos anticorpos quiméricos, nos
quais a tecnologia do DNA recombinante permite a substituição de partes da
estrutura das imunoglobulinas murinas por humanas, com redução significa-
tiva da imunogenicidade do anticorpo produzido, conforme pontuado por Del-
ves e colaboradores, em Roitt, Fundamentos de imunologia, publicado em 2013.

EXPLICANDO
A tecnologia do DNA recombinante é um conjunto de procedimentos e técnicas
que permite a manipulação do material genético dos organismos, com conse-
quente alteração de determinada característica fenotípica. Em termos práticos,
com essa tecnologia é possível identificar, extrair e isolar genes de interesse
de uma célula doadora, que posteriormente são transferidos para outra célula
que não possui tal gene em seu genoma. Dessa forma, uma molécula de DNA
recombinante possui material genético de duas ou mais fontes diferentes.

Posteriormente, com o intuito de reduzir ainda mais a imunogenicidade


dos anticorpos monoclonais produzidos, teve início o desenvolvimento dos
chamados anticorpos humanizados. Em termos práticos, nas imunoglobuli-
nas humanizadas os sítios de reconhecimento antigênico têm origem animal,
enquanto o restante da molécula tem origem humana. O avanço das técnicas
de engenharia genética e a tecnologia do DNA recombinante possibilitaram a
produção de anticorpos monoclonais totalmente humanos, sem qualquer ves-
tígio de origem animal em sua composição (MARQUES, 2005; MURPHY, 2014).
Desde seu desenvolvimento, os anticorpos monoclonais têm sido emprega-
dos no contexto da imunologia clínica como reagentes em testes laboratoriais
para imunodiagnóstico de tumores, doenças infecciosas, problemas autoimu-
nes e imunodeficiências. Mais recentemente, o uso dos anticorpos monoclo-
nais para imunoterapia tem ganhado destaque, especialmente no tratamento
do câncer e doenças autoimunes.
Para nomear os fármacos de origem monoclonal, utiliza-se um padrão pré-
-estabelecido que facilita o entendimento do alvo terapêutico e da origem do
anticorpo. De acordo com essa norma, o nome do fármaco é formado por qua-
tro partes, sendo um prefixo, dois infixos e um sufixo. O prefixo é dado pela

IMUNOLOGIA CLÍNICA 28

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sílaba inicial escolhida para nomear o medicamento; o primeiro infixo é usado
para indicar o seu alvo de ação, enquanto o segundo infixo é relacionado à ori-
gem do anticorpo monoclonal. Os principais infixos utilizados estão demons-
trados no Quadro 2. Por fim, o sufixo utilizado é sempre mabe, que indica que
o fármaco é um anticorpo monoclonal (SANTOS et al., 2006).

QUADRO 2. INFIXOS EMPREGADOS NA NOMENCLATURA DE ANTICORPOS


MONOCLONAIS

Primeiro infi xo Segundo infi xo

Alvo ou doença Origem

vir Viral
a Rato
bac Bacteriano

les Lesões
e Hamster
cir Cardiovascular

col Tumor de cólon


i Primata
mel Melanoma

mar Tumor de mama


o Camundongo
got Tumor de testículo

gov Tumor ovariano


u Humano
pro Tumor de próstata

tu
Miscelânia zu Humanizado
tum

No Brasil, de acordo com a lista de preço de medicamentos disponibilizada pela


Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA), estão atualmente disponíveis aproximadamente
60 anticorpos monoclonais com atividade terapêutica. No Quadro 3, estão alguns
dos anticorpos monoclonais mais utilizados para terapêutica no país.

ASSISTA
Para saber mais sobre a produção de anticorpos mono-
clonais para uso em imunoterapia do Instituto Butantã,
assista ao vídeo Fábrica de Anticorpos Monoclonais.

IMUNOLOGIA CLÍNICA 29

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QUADRO 3. PRINCIPAIS ANTICORPOS MONOCLONAIS (mABS) DE USO TERAPÊUTICO
NO BRASIL

Nome Tipo MAB Alvo de ação Principal indicação

Inibição de agregação
Abciximabe Quimérico Receptor GPIIb/IIIa
plaquetária
Receptor de fator de Doenças autoimunes (colite,
Adalimumabe Humano
necrose tumoral (TNF) artrite e outras)
Glicoproteína de
Alentuzumabe Humanizado Esclerose múltipla
superfície CD52
Carcinoma metastático de
Avelumabe Humano Ligante PD-L1
células de Merkel
Receptor de interleucina Asma grave com fenótipo
Benralizumabe Humanizado
5 (IL-5) eosinofílico
Bevacizumabe Humanizado Receptor do fator VEGF Carcinoma colorretal
Canaquinumabe Humano Interleucina 1 (IL-1) Artrite idiopática juvenil
Carcinoma colorretal e de
Cetuximabe Quimérico Receptor do fator EGF
pulmão
Denosumabe Humano Proteína RANKL Osteoporose
Evolocumabe Humano Pró-proteína PCSK9 Hipercolesterolemia familiar
Fremanezumabe Humanizado Peptídeo CGRP Profilaxia da enxaqueca
Fator de necrose Doença de Crohn e artrite
Infliximabe Quimérico
tumoral (TNF) reumatoide
Calicreína plasmática Crises de angioedema
Lanadelumabe Humano
ativa (pKal) hereditário
Natalizumabe Humanizado Integrina α4β1 Esclerose múltipla
Glicoproteína de Leucemia linfocítica crônica
Obinutuzumabe Humanizado
superfície CD20 (LLC)
Anticorpos IgE livres
Omalizumabe Humanizado Asma e DPOC
circulantes
Carcinoma colorretal
Panitumumabe Humano Receptor de EGF
metastático
Proteína de superfície
Rituximabe Humanizado Linfoma não Hodgkin
CD20

Imunização ativa e passiva


A aquisição de proteção imunológica contra doenças infecciosas, processo deno-
minado imunização, pode ser adquirida pelo organismo de modo ativo ou passivo.
Na imunização ativa, o desenvolvimento da resposta imunológica ocorre
após a exposição ao antígeno específico, o que confere participação ativa do siste-

IMUNOLOGIA CLÍNICA 30

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ma imune do indivíduo no processo de produção de anticorpos e células T efetoras,
com aquisição de resposta imune humoral e celular. Essa imunização geralmente é
de longa duração, porém requer um período de tempo maior para sua elaboração.
O contato com o antígeno na imunização ativa pode ocorrer de forma natural,
durante infecções clínicas e subclínicas, e também de modo artificial, por meio da
administração de vacinas produzidas com antígenos vivos ou inativos, além de pro-
dutos microbianos como toxinas e toxoides (Figura 5).
Já a imunização passiva, cujo desenvolvimento não requer participação dire-
ta do sistema imune do indivíduo, é conferida após a administração de anticorpos
pré-formados pelo organismo de outro hospedeiro (Figura 5). Dessa forma, o proce-
dimento básico para imunização passiva é o recebimento de soro com imunoglobu-
linas que foram produzidas especificamente contra o antígeno que desencadeou a
resposta imune no organismo produtor.
Em casos de doenças causadas por toxinas bacterianas, como difteria, tétano e
botulismo, os anticorpos pré-formados da imunização passiva são administrados
pela injeção de soro contendo antitoxinas específicas que neutralizam as toxinas
produzidas pelas bactérias.
Outro exemplo clássico de imunização passiva é o que ocorre nos recém-nascidos,
que recebem anticorpos da classe IgG produzidos pelo sistema imune materno por
meio da circulação transplacentária. A grande desvantagem da imunização passiva é
que ocorre apenas imunidade humoral, com aquisição de proteção de curta duração.

Imunização desenvolvida ao longo da vida

Imunidade ativa Imunidade passiva

Artificial
Natural Artificial Natural
Anticorpos
Anticorpos Anticorpos Anticorpos
recebidos por
produzidos em produzidos em recebidos da mãe
administração de soro
resposta à resposta à por meio da
com imunoglobulinas
infecção vacinação amamentação
pré-formadas

Figura 5. Tipos de imunização da imunidade adquirida. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 21/01/2021.

IMUNOLOGIA CLÍNICA 31

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O soro homólogo, produzido por organismos da mesma espécie do indiví-
duo que irá recebê-lo, apresenta baixo risco de desencadear reações de hiper-
sensibilidade, porém tem risco maior de transmissão de doenças infecciosas.
Por outro lado, o soro heterólogo, produzido por espécies diferentes da es-
pécie-alvo, não traz risco de transmissão de doenças infeccio-
sas, mas apresenta risco elevado de desencadear reações
de hipersensibilidade, com possível desencadeamento de
reação anafilática grave, além de deposição de imunocom-
plexos (LEVINSON, 2014; ABBAS; LICHTMAN; PILAI, 2015).

Boas práticas e controle de qualidade laboratorial


A compreensão de que o ambiente laboratorial é uma rede complexa de
interações humanas, tecnológicas, educativas e normativas favorece a redução
de erros e o aumento do padrão de qualidade do serviço prestado.
Essa rede complexa de atividades tem sido diretamente afetada pelo pro-
gressivo avanço técnico e científico, o que possibilita um número crescente de
novos exames complementares disponíveis.
Conforme pontuado por Westgard e Darcy, em “The truth about quality:
medical usefulness and analytical reliability of Laboratory tests”, publicado em
2004, estima-se que aproximadamente 70% das decisões médicas sejam em-
basadas na análise de resultados de exames laboratoriais, o que evidencia a
necessidade de emissão de resultados confiáveis para garantir maior seguran-
ça nas decisões clínicas.
Nesse contexto, o laboratório clínico deve priorizar o fornecimento de
resultados fi dedignos e de qualidade. Para isso, é imprescindível que todos
os envolvidos na rotina laboratorial trabalhem com disciplina, organização
e consciência ética, além de que respeitem as normas de biossegurança e
legislação pertinente, de acordo com o tipo de atividade exercida em cada
ambiente de trabalho.
Dessa forma, pode-se concluir que a qualidade final do serviço prestado
pelo laboratório clínico é resultante de um intensivo plano de ação de qualida-
de aliado a normas de biossegurança e programas de educação continuada de
seus gestores e funcionários.

IMUNOLOGIA CLÍNICA 32

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Boas práticas em laboratório e noções básicas de
biossegurança
As boas práticas laboratoriais (BPL) representam um sistema complexo de
qualidade que envolve procedimentos de organização, planejamento, execu-
ção, monitoramento, registro e arquivamento de exames, com o intuito de
permitir a rastreabilidade de todas as etapas da rotina e visando o padrão de
qualidade dos resultados obtidos.
Uma das principais ferramentas empregadas para o cumprimento dessas
boas práticas é a utilização sistemática de procedimentos operacionais pa-
drão (POPs), que são documentos que devem conter informações detalhadas
sobre todas as etapas dos processos executados durante a rotina do laborató-
rio. Tais documentos devem ser redigidos de forma clara e precisa para que a
rotina possa ser executada sempre da mesma forma e com a mesma qualidade
(MOLINARO et al., 2010).
Além disso, os arquivos com os POPs do laboratório devem estar sempre
disponíveis, ser de fácil acesso aos funcionários e todas as mudanças feitas na
rotina laboratorial devem ser adicionadas no documento. Após a formulação
inicial do POP, o ideal é que sejam feitas revisões periódicas do conteúdo para
possíveis ajustes e correções.
Para a correta execução dos procedimentos laboratoriais, tanto a qualida-
de dos equipamentos quanto dos reagentes é de essencial importância. Todos
os equipamentos devem ser periodicamente revisados e calibrados, além de
necessitarem de condições ambientais favoráveis de temperatura e umidade
para o funcionamento ideal.
A calibração de um equipamento é o conjunto de atividades e operações pe-
riódicas para verificar a correspondência entre os valores indicados
por ele e os valores obtidos por um padrão de referência, garan-
tindo que os resultados obtidos na rotina estejam cor-
retos. Adicionalmente, a operação e a manutenção
desses equipamentos devem ser feitas por profis-
sionais devidamente capacitados, e todas as ope-
rações, incluindo as atividades de manutenção e
limpeza, devem ser descritas em POPs específicos.

IMUNOLOGIA CLÍNICA 33

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Os materiais e reagentes empregados na rotina laboratorial também de-
vem ser rigorosamente verificados para garantir a qualidade do serviço. É im-
prescindível conhecer a procedência, a validade e os meios corretos de uso e
armazenamento de todas as substâncias, além de conhecer os certificados de
controle de qualidade dos fornecedores.
A biossegurança pode ser definida como o conjunto de medidas, ações
e metodologias que visam minimizar ou eliminar os potenciais riscos que as
atividades de pesquisa, ensino, produção, tecnologia e prestação de serviços
possam causar à saúde do homem, dos animais e ao meio ambiente. Todos os
laboratórios, sejam eles de diagnóstico, pesquisa ou desenvolvimento, devem
adotar planos de biossegurança vinculados a planos de educação continuada
dos trabalhadores envolvidos.
Nesse contexto, os laboratórios clínicos de imunologia devem seguir nor-
mas rígidas de biossegurança para garantir a proteção dos profissionais, que
em toda a rotina laboratorial estão em exposição constante a riscos físicos, quí-
micos e biológicos. Vale salientar que o risco é definido como a probabilidade
de concretização de uma situação de perigo, que por sua vez é definido como
uma condição capaz de causar ou contribuir para o dano.
Em termos práticos, a biossegurança no Brasil pode ser dividida em duas ver-
tentes: a biossegurança legal e a biossegurança prática. A biossegurança legal
é determinada pela Nova Lei de Biossegurança, regulamentada no ano de 2005,
que estabelece a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), cuja
função primordial é tratar de questões voltadas aos organismos geneticamente
modificados (OMGs) e células-tronco embrionárias. Já a biossegurança prática
é aquela vivenciada na rotina dos estabelecimentos de saúde e laboratórios em
geral, que tem como foco a administração dos riscos ocupacionais por agentes
físicos, químicos, ergonômicos e biológicos no ambiente de trabalho.
Entre os possíveis riscos físicos presentes em um laboratório clínico, desta-
cam-se ruídos, vibrações, temperaturas extremas e radiações. Já entre os ris-
cos químicos, incluem-se substâncias químicas presentes em poeiras, névoas,
gases e vapores, além dos reagentes e ativos que podem entrar em contato
com a pele e vias respiratórias. Os riscos ergonômicos consistem em movi-
mentos repetitivos, jornada prolongada de trabalho, tensões, posições monó-
tonas e exigência de atenção e concentração. Por fim, os riscos biológicos são

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representados por diferentes tipos de patógenos, tais como vírus, bactérias,
fungos e protozoários que podem estar presentes nas amostras clínicas. De
acordo com o risco potencial que representam para a saúde humana, tais mi-
crorganismos são organizados em diferentes classes, como pode ser observa-
do no Quadro 4.

QUADRO 4. CLASSIFICAÇÃO DOS MICRORGANISMOS QUANTO AO RISCO BIOLÓGICO

Risco 1 Risco 2 Risco 3 Risco 4


Moderado risco Alto risco
Elevado risco
individual e baixo individual e
Ausência de individual e
risco coletivo. coletivo, com
risco ou baixo moderado risco
Capazes de elevado poder
risco, tanto comunitário.
infectar homens de transmissão
individual quanto Causam doenças
e animais, respiratório ou
coletivo. Não com possível
Descrição com limitado via desconhecida.
são capazes de transmissão de
potencial de Causam
causar doenças pessoa a pessoa.
propagação doenças graves
em indivíduos Geralmente
e presença com ausência
adultos há medidas de
de medidas de medidas
saudáveis. tratamento e
profiláticas e profiláticas e
prevenção.
terapêuticas. terapêuticas.
Mycobacterium
Bacillus subtillis Escherichia coli Vírus Ebola
leprae
Lactobacillus
Exemplos Vírus da hepatite Bacillus anthracis Vírus Mapucho
casei

Helminthosporium Schistosoma HIV e vírus


Vírus Junin
spp. mansoni da raiva

Um dos mais importantes pontos a se considerar em termos de biossegu-


rança no ambiente laboratorial são contenção e infraestrutura predial, que
visam reduzir os riscos da exposição dos profissionais do estabelecimento.
Na prática, a contenção primária diz respeito à proteção no ambiente in-
terno, enquanto a contenção secundária atua na proteção no ambiente exter-
no. Com o intuito de se estabelecer uma contenção eficaz, torna-se necessária
a análise do ambiente para determinar quais são os tipos de risco presentes
em cada um dos espaços físicos do laboratório. Após essa análise, é elaborado
o chamado mapa de risco, com a representação gráfica de todos os diferentes
riscos presentes no ambiente de trabalho (MOLINARO et al., 2010).
Em termos de contenção laboratorial, as barreiras primárias correspon-
dem a equipamentos de segurança que atuam tanto na proteção individual

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quanto coletiva dos profissionais. A proteção individual é conferida pelo uso de
equipamentos de proteção individual (EPIs), tais como luvas, jalecos e pro-
tetores oculares, que devem ser obrigatoriamente fornecidos a todos os traba-
lhadores que necessitem, de acordo com os riscos aos quais são submetidos.
Aos trabalhadores cabe a responsabilidade de armazenar corretamente
seus EPIs e usá-los somente para os fins destinados, além de comunicar aos
empregadores quando os itens não estiverem mais em condições ideais de
uso. Adicionalmente, o empregador deve fornecer instruções e treinamento
para o uso correto dos EPIs. Os equipamentos de proteção coletiva (EPCs),
por sua vez, são destinados à proteção da integridade dos profissionais no am-
biente de trabalho e incluem capelas de exaustão, capelas de fluxo laminar,
extintores, chuveiros e lava-olhos.
As barreiras secundárias são representadas pela própria infraestrutura
do estabelecimento. De acordo com o tipo de risco biológico no local, os am-
bientes necessitam de diferentes soluções físicas em sua infraestrutura, o que
deve ser devidamente previsto no projeto arquitetônico e de instalações pre-
diais de todos os estabelecimentos de saúde. Dessa forma, quanto maior o
risco dos agentes microbianos manipulados no local, maiores devem ser os
cuidados com as barreiras secundárias para minimizar o potencial perigo de
contaminação dos profissionais.
Para padronizar a adequação dos ambientes físicos, os laboratórios são
classificados em diferentes níveis de biossegurança.
Os laboratórios de nível de biossegurança I (NB-1) são laboratórios sim-
ples nos quais os únicos microrganismos manipulados são da classe de risco
1, o que não exige grandes soluções físicas na infraestrutura, apenas medidas
como identificação do nível de biossegurança, acesso controlado ao laborató-
rio, local exclusivo para EPIs, impermeabilização de tetos, paredes e pisos, além
de autoclave com localização próxima ao laboratório.
Os laboratórios de nível de biossegurança 2 (NB-2), em que pode ser feita
a manipulação de patógenos das classes de risco 1 e 2, exigem infraestrutura
com todos os requisitos de NB-1 mais alguns detalhes, tais como presença de
lavatório para mãos na entrada e na saída, torneiras com acionamento auto-
mático (sem uso das mãos), sistema central de ventilação, vedação nas janelas,
cabines de segurança biológica e adequação do uso de EPIs e EPCs.

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Já os laboratórios de nível de biossegurança 3 (NB-3) necessitam de maio-
res adequações na infraestrutura, uma vez que devem garantir a segurança du-
rante a manipulação de microrganismos patogênicos da classe de risco 3. Nesses
laboratórios, além dos requisitos básicos presentes nos estabelecimentos NB-1 e
NB-2, é necessária a presença de cabines de segurança biológica com contenção
por pressão negativa e filtro HEPA, roupas especiais, controle rigoroso de acesso,
entrada por vestíbulo de dupla saída e cabines de exaustão externa.
Por fim, os laboratórios de nível de biossegurança 4 (NB-4) são destina-
dos à manipulação dos mais perigosos patógenos conhecidos, que pertencem
à classe de risco 4, e, dessa forma, exigem grandes soluções físicas para seu
correto funcionamento e adequação às normas. Entre tais exigências se des-
tacam cabine de segurança biológica com contenção de pressão negativa e fil-
tro HEPA, roupas especiais com pressão positiva, acesso restrito, entrada por
vestíbulo de dupla saída, cabines de exaustão externa com filtros especiais e
autoclave de duas extremidades.

Parâmetros e controle de qualidade nos imunoensaios


Em condições ideais, o melhor teste diagnóstico é aquele capaz de fornecer
resultados corretos tanto em casos de presença quanto de ausência da doença
ou condição em questão. Ou seja, por meio de um teste diagnóstico ideal, é
possível detectar resultados sempre positivos em indivíduos acometidos pela
doença e sempre negativos naqueles não acometidos.
Na prática, os testes disponíveis não são perfeitos, e, portanto, cada labo-
ratório deve ser responsável pela escolha da melhor metodologia aplicável à
sua realidade, dando prioridade aos testes que sejam mais rápidos, simples,
seguros, inócuos e de baixo custo.
A qualidade de um teste diagnóstico depende da análise do procedimento
empregado, por meio de validação intrínseca e extrínseca do método. A vali-
dação intrínseca de um teste, que mede seu desempenho em comparação
com o padrão-ouro, não está diretamente relacionada à prevalência da doen-
ça/condição, e envolve a análise dos parâmetros denominados sensibilidade e
especificidade. Já a validação extrínseca envolve os parâmetros de precisão,
acurácia e reprodutibilidade.

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A sensibilidade de um teste tem a ver com a capacidade de detectar os
indivíduos realmente positivos para determinada condição em relação ao total
de indivíduos. Em outras palavras, representa a probabilidade de o teste dar
positivo dado que o indivíduo está doente, sendo estimada pela proporção de
resultados positivos entre os indivíduos sabidamente doentes. Sendo assim,
na prática, sabe-se que, quanto maior a sensibilidade do teste, maior será sua
capacidade de detectar a doença na população.
VP
SENSIBILIDADE = (4)
VP + FN
Em que:
VP = verdadeiro positivo;
FN = falso negativo.
Por outro lado, a especificidade diz respeito à capacidade de detectar indi-
víduos realmente negativos para uma doença ou condição em relação ao total
de indivíduos. Ou seja, representa a probabilidade de o teste dar negativo dado
que o paciente não está doente, e é determinada pela proporção de resultados
negativos entre os indivíduos sabidamente saudáveis. Na prática, a especifici-
dade está diretamente relacionada à capacidade de detectar indivíduos sadios
na população, e, quanto mais específico o teste, menores as chances de resul-
tado falso negativo (REIS; REIS, 2002).
VN
ESPECIFICIDADE = (5)
VN + FP

Em que:
VN = verdadeiro negativo;
FP = falso positivo.
Com os dados de sensibilidade e especificidade, é possível determinar dois
outros importantes parâmetros: valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo
negativo (VPN).
O valor preditivo positivo indica a probabilidade de um indivíduo com resul-
tado positivo realmente estar afetado pela doença/condição, ou seja, representa
a proporção de doentes entre todos os indivíduos com resultado positivo.

VP
VPP = (6)
VP + FN

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Em que:
VPP = valor preditivo positivo;
VP = verdadeiro positivo;
FN = falso negativo.
O valor preditivo negativo indica a probabilidade de um indivíduo com re-
sultado negativo realmente ser sadio, ou seja, refere-se à proporção de sadios
entre todos os resultados negativos.
VN
VPN = (7)
VN + FN
Em que:
VPN = valor preditivo negativo;
VN = verdadeiro negativo;
FN = falso negativo.
Um bom teste diagnóstico também deve apresentar bons resultados de preci-
são, acurácia e reprodutibilidade. A precisão é o parâmetro extrínseco que indica
se há concordância nos resultados do teste quando ele é feito várias vezes com a
mesma amostra ou paciente. A acurácia refere-se à capacidade
do teste em apresentar resultados muito próximos ao verda-
deiro. Por fim, a reprodutibilidade representa a obtenção
dos mesmos resultados quando o teste é feito com a mesma
amostra, mas por pessoas e/ou locais diferentes.

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Sintetizando
O laboratório de imunologia clínica é de grande importância no contexto
das análises clínicas, e nele são realizados diversos exames complementares
que auxiliam no diagnóstico de patologias humanas. Os imunoensaios realiza-
dos nesses laboratórios são baseados, principalmente, na avaliação da presen-
ça e da interação dos antígenos com componentes celulares e moleculares do
sistema imune.
Grande parte dos imunoensaios utiliza como amostra o soro, que represen-
ta a parte líquida obtida por centrifugação do sangue coletado na ausência de
anticoagulantes, fazendo com que ela não contenha fibrinogênio e fatores de
coagulação entre seus componentes. Os tubos de coleta de sangue indicados
para obtenção de soro podem ser de vidro ou de plástico e apresentam tampa
vermelha (quando secos ou com ativador de coágulo) ou amarela (com ativador
de coágulo e gel separador).
O desenvolvimento de testes imunológicos de qualidade requer a produ-
ção de reagentes confiáveis, especialmente anticorpos que apresentem boa
especificidade em relação ao reconhecimento antigênico. O surgimento da
tecnologia do hibridoma, aliada à tecnologia do DNA recombinante, permitiu
a produção de grande variedade de anticorpos monoclonais para uso diag-
nóstico e terapêutico. Os hibridomas são células híbridas originadas por meio
da fusão de plasmócitos de um único clone de linfócitos B, com células de
mieloma, o que confere às células obtidas uma grande capacidade de prolife-
ração aliada à produção de anticorpos específicos contra um único determi-
nado tipo de antígeno.
O funcionamento do laboratório clínico deve ser pautado em medidas
que priorizem o padrão de qualidade dos resultados fornecidos e, para isso,
deve levar em conta as boas práticas laboratoriais e as normas de
biossegurança vigentes. É imprescindível que os laboratórios pos-
suam POPS específicos para todas as etapas da rotina
laboratorial, incluindo não somente os procedimentos
técnicos dos exames, mas também as atividades de
manutenção e limpeza. O controle da qualidade dos
equipamentos e reagentes também deve ser rígido.

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Em termos de biossegurança, devem ser tomadas medidas que visem tanto
a contenção primária quanto secundária, além da elaboração do mapa de risco
com a representação gráfica dos potenciais riscos físicos, químicos, ergonômi-
cos e biológicos presentes em cada ambiente do estabelecimento. As barreiras
primárias, com uso de EPIs e EPCs, também são essenciais para a proteção dos
profissionais e devem fazer parte da rotina diária do laboratório.

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UNIDADE

2 METODOLOGIAS DO
LABORATÓRIO DE
IMUNOLOGIA CLÍNICA

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Objetivos da unidade
Entender os fundamentos que regem os ensaios imunológicos;
Compreender as técnicas e os objetivos dos diversos ensaios diagnósticos;
Conhecer a aplicação dos ensaios imunológicos;
Elucidar a relevância clínica dos resultados dos imunoensaios.

Tópicos de estudo
Fundamentos dos Evolução metodológica dos
imunoensaios imunoensaios
Ensaios de aglutinação Técnicas baseadas na motilida-
Tipos de aglutinação e aplicação de de partículas
laboratorial Técnicas de absorbância e nefe-
Ensaio de floculação e VDRL lometria
Imunoensaios conjugados
Imuno-hematologia: conceitos
e ensaios laboratoriais
Sistemas, grupos e coleções
sanguíneas
Sistemas ABO, Rh e os tipos
sanguíneos
Incompatibilidade sanguínea

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Fundamentos dos imunoensaios
No que diz respeito aos testes diagnósticos, o questionamento sobre a ve-
racidade dos resultados está constantemente presente e, em condições ideais,
o melhor teste seria aquele capaz de fornecer resultados sempre corretos, seja
ao se referir a uma doença ou uma condição do paciente. Na prática, há uma
contínua demanda para que o teste empregado apresente o melhor diagnós-
tico possível, já que, na realidade, a assertividade total ainda não é possível.
Para isso, existem os critérios de qualidade que determinam a efetividade dos
testes e verificam se os mesmos apresentam os padrões mínimos para a utili-
zação clínica.
A qualidade de um teste diagnóstico depende da análise do procedimento
empregado, por meio de validações intrínseca e extrínseca do método. A vali-
dação intrínseca de um teste, que verifica seu desempenho em comparação
com o padrão-ouro, não está diretamente relacionada à prevalência da doen-
ça/condição, e envolve a análise dos parâmetros denominados sensibilidade e
especificidade. Já a validação extrínseca envolve os parâmetros de precisão,
acurácia e reprodutibilidade.
A sensibilidade de um teste refere-se à capacidade de detectar os indiví-
duos que apresentam resultados verdadeiramente positivos para determina-
da condição em relação ao total de indivíduos. Em outras palavras, represen-
ta a probabilidade de o teste dar positivo, dado que o indivíduo está doente,
sendo estimada pela proporção de resultados positivos dentre os indivíduos
sabidamente doentes. Por outro lado, a especificidade refere-se à capacidade
de detectar indivíduos realmente negativos para uma doença ou condição em
relação ao total de indivíduos, ou seja, representa a probabilidade de o teste
dar negativo, dado que o paciente não está doente e é determinada pela pro-
porção de resultados negativos dentre os indivíduos sabidamente
saudáveis. Na prática, quanto mais sensível for o teste, menor a
chance de apresentar um resultado falso positivo; e quanto
mais específico ele for, menor a chance de ocorrer um
resultado falso negativo.
Geralmente um teste que é completamente sensí-
vel apresenta pouca especificidade, assim como um tes-

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te completamente específico é pouco sensível. O meio termo é utilizado na
confecção dos testes e é determinado pelo limite de reatividade, ou limiar
de reatividade. Esse parâmetro é utilizado para determinar o ponto exato em
que o teste irá considerar um resultado positivo ou negativo de acordo com a
reatividade da amostra. Por exemplo, sabe-se que um indivíduo que apresenta
a glicose em níveis acima do valor estabelecido, nas condições exigidas pela
realização do exame, tem grandes chances de desenvolver diabetes. A deter-
minação do limiar é responsável por condicionar o indivíduo a este cenário e,
por isso, deve ser determinado de maneira a considerar vários aspectos que
envolvem a patologia/condição. Quanto menor o limiar, maior a chance de con-
dicionar indivíduos saudáveis à doença, já que os critérios de sensibilidade são
menores que o normal. Logo, quanto maior o limiar, maior é a chance de negli-
genciar indivíduos doentes, já que a especificidade exigida pelo ensaio é maior
que o normal. Uma maneira de solucionarmos essa deficiência é considerar
o intuito do teste a ser realizado. Se há a necessidade de um teste mais espe-
cífico, aumenta-se o limiar de reatividade e vice-versa. Assim, é garantida a
possibilidade de usufruirmos de mais de uma metodologia para a confirmação
de casos suspeitos e, desta forma, assegurarmos um resultado de qualidade.
Outro fator importante a ser considerado na realização dos testes é a pro-
babilidade de observar um resultado e relacioná-lo com a real condição do pa-
ciente, chamada razão de verossimilhança (likelihood ratio). Esse parâmetro
permite a assimilação dos resultados obtidos no teste com as manifestações
clínicas e queixas relatadas pelo paciente, assim como o seu histórico. O cálculo
que estabelece a razão é realizado considerando a probabilidade de um indi-
víduo com a condição ter um resultado correto dividido pela probabilidade de
um indivíduo sem a condição ter um resultado correto.
Uma razão de verossimilhança positiva indica um aumento da probabi-
lidade de o indivíduo possuir a doença/condição ao apresentar um resultado
positivo, e é determinada pela probabilidade de o indivíduo doente apresentar
um resultado positivo dividida pela probabilidade de um indivíduo sadio apre-
sentar um resultado positivo.
Já uma razão de verossimilhança negativa estabelece uma diminuição na
probabilidade de o indivíduo possuir a doença/condição ao apresentar um re-
sultado negativo, e é calculada pela probabilidade de uma pessoa doente apre-

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sentar um resultado negativo dividida
pela probabilidade de uma pessoa
sem a doença/condição ter um resul-
tado negativo (MCDEE, 2002).
Com os dados de sensibilidade e
especificidade ainda é possível deter-
minar dois outros importantes parâ-
metros denominados valor preditivo
positivo (VPP) e valor preditivo nega-
tivo (VPN). O valor preditivo positivo indica a probabilidade de um indivíduo
com resultado positivo realmente estar afetado pela doença/condição, ou seja,
representa a proporção de doentes dentre todos os indivíduos com resultado
positivo. Já o valor preditivo negativo indica a probabilidade de um indivíduo
com resultado negativo realmente ser sadio, ou seja, refere-se à proporção de
sadios dentre todos os resultados negativos.
Um bom teste diagnóstico também deve apresentar bons resultados de
precisão, acurácia e reprodutibilidade. A precisão é o parâmetro extrínseco
que indica se há concordância nos resultados do teste quando o mesmo é rea-
lizado várias vezes com a mesma amostra ou paciente. A acurácia, ou exatidão,
refere-se à capacidade de o teste apresentar resultados muito próximos ao
verdadeiro. Por fim, a reprodutibilidade representa a obtenção dos mesmos
resultados quando o teste é feito com a mesma amostra, mas por pessoas e/
ou locais diferentes.
Os testes sorológicos são ensaios realizados para o diagnóstico de doen-
ças por meio da pesquisa de antígenos ou anticorpos específicos que represen-
tam um fenótipo para um determinado indivíduo, e as metodologias utilizadas
exploram um dos princípios da imunologia clínica, os imunocomplexos forma-
dos pela ligação entre um anticorpo e um antígeno. Ao elucidarmos a interação
entre estes dois componentes, é possível compreender que esses testes são
capazes de identificar tanto antígenos, a partir da utilização de anticorpos es-
pecíficos, quanto anticorpos, a partir da utilização de antígenos ou até mesmo
outros anticorpos.
É importante ressaltar que a detecção de anticorpos ou antígenos ligados
a alguma doença não identifica o indivíduo necessariamente como doente. No

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caso da vacinação, que consiste em um processo de imunização ativa que induz
o organismo a produzir anticorpos contra determinada doença, os testes soro-
lógicos podem ser utilizados para comprovar a memória imunológica e, conse-
quentemente, comprovar o sucesso da imunização. Por exemplo, em uma pes-
soa vacinada contra a hepatite B, se quantificarmos os anticorpos específicos
contra o vírus certo tempo após a administração da vacina, o resultado será
reagente, o que não indica doença e, sim, um processo de imunização eficiente.
Dessa forma, os resultados obtidos nos imunoensaios não devem qualificar
diretamente a condição do paciente, já que os exames servem como embasa-
mento para a suspeita clínica determinada pelo médico. Além disso, é preciso
considerar o contexto obtido por meio da consulta médica, com as queixas
do paciente, histórico e condições de saúde naquele momento (COELHO, 2014;
DELVES; ROITT, 2013; WILLIAMSON, 2013; VAZ e colaboradores, 2007).

Ensaios de aglutinação
A aglutinação é um método utilizado em laboratório clínico que emprega
antígenos e anticorpos para induzir a agregação de pequenas massas com o
conteúdo de interesse. Além de permitir uma análise qualitativa, que fornece
resultados negativos ou positivos, a aglutinação pode ser feita de modo se-
miquantitativo, no qual é apresentado o último título positivo da diluição. Os
ensaios de aglutinação são rápidos e podem ser realizados dentro de poucos
minutos, apresentam baixo custo e utilizam poucos recursos para a obtenção e
interpretação dos resultados. Todavia, são técnicas que detêm baixa sensibili-
dade se comparadas a outros tipos de imunoensaios (WILLIAMSON, 2013; VAZ
e colaboradores, 2007).
Uma reação de aglutinação é composta por duas partículas representadas
pelos anticorpos e os antígenos (Diagrama 1). Os anticorpos estão presentes
no soro e são as moléculas que se ligam aos antígenos de interesse. Os antíge-
nos estão presentes na superfície de células ou dispersos no soro na forma de
proteínas e macromoléculas, porém, nos ensaios de aglutinação, tanto os an-
ticorpos quanto os antígenos podem estar aderidos a uma superfície, e o que
determina isso é o objetivo do teste. Estes podem ser aderidos naturalmente
nas células como ocorre nas hemácias, nas quais há antígenos que determinam

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os tipos sanguíneos, ou artificialmente, por meio da ligação em estruturas de
suporte presentes nos testes de aglutinação indireta. Esses suportes são par-
tículas inertes de plástico, gelatina, carvão ou látex, que permitem a adsorção
de componentes a sua superfície, de maneira que fiquem expostos para as
ligações. Ao fim de um ensaio de aglutinação, se houver a ligação entre anticor-
pos e antígenos, há a produção de um aglomerado nítido a olho nu (MINEO e
colaboradores, 2016; WILLIAMSON, 2013).

EXPLICANDO
A adsorção é um processo que permite a junção de dois componentes de
uma solução, mas, ao contrário da absorção, o componente adsorvido se
adere à superfície do material adsorvente ao invés de ser internalizado. Os
recursos utilizados para a confecção desses compostos são: altas tempe-
raturas, pressão e superfície de contato do material adsorvente (MINEO e
colaboradores, 2016).

DIAGRAMA 1. INTERAÇÃO ENTRE ANTÍGENOS E ANTICORPOS PROVOCAM AGLUTINAÇÃO

Suporte Anticorpos Aglutinação

Fonte: Shutterstock. Acesso em: 08/02/2021.

Tipos de aglutinação e aplicação laboratorial


Os ensaios de aglutinação são classificados em diretos e indiretos. A aglu-
tinação direta é aquela na qual os antígenos estão naturalmente presentes na
superfície das células, como no exemplo das hemácias. De forma contrária, as

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reações de aglutinação indireta apresentam os antígenos adsorvidos no supor-
te de maneira artificial (DELVES; ROITT, 2013).
Dentre os ensaios de aglutinação indireta inclui-se o PCR Látex, teste que
detecta a presença da proteína C reativa (PCR) no soro do paciente. A PCR é
uma proteína de fase aguda produzida pelo fígado e serve como um indicador
de atividade inflamatória, seja ela de origem infecciosa ou não. Em um quadro
grave de infecção, os níveis da proteína podem se elevar até mil vezes em rela-
ção ao valor basal. Além disso, a determinação sorológica da PCR é útil para o
avaliar a efetividade de um tratamento infeccioso, já que os seus níveis podem
oscilar de maneira relativamente rápida durante a terapia (MINEO e colabora-
dores, 2016; VAZ e colaboradores, 2007).
O reagente do teste PCR Látex é composto por um suporte de látex com
anticorpos anti-PCR adsorvidos em sua superfície, que possuem especifici-
dade a proteína, ou seja, quanto maior o volume da PCR no soro do paciente,
maior a aglomeração formada na placa onde o teste é realizado. A sensibi-
lidade técnica deste teste geralmente é próxima de 6 mg/dL, portanto, se o
paciente possui 1 mg/dL da proteína, não haverá aglutinação. Logo, a não
reatividade do ensaio não significa, necessariamente, a ausência da proteína.
Nesses casos, o resultado é representado pela frase “menor que 6 mg/dL”.
Por outro lado, quando há a presença de aglutinação (Figura 1), é necessá-
rio realizar a diluição do soro por titulação. Geralmente a titulação destes
ensaios é feita no fator 2 e o resultado é obtido de forma semiquantitativa
ao multiplicarmos o valor do último título reagente pela sensibilidade técni-
ca. Por exemplo, se o título 1:4 foi o último reagente, então, para a análise
semiquantitativa, deve-se multiplicar 4 . 6 = 24 mg/dL (WILLIAMSON, 2013;
VAZ e colaboradores, 2007).
No contexto dos ensaios de aglutinação, é preciso ter em mente algumas
considerações sobre o conceito de antígeno, já que em alguns destes ensaios,
os anticorpos são os antígenos de interesse pesquisados no teste. O antígeno
pode ser qualquer substância que se ligue de maneira específica aos anticorpos
ou aos receptores dos linfócitos T, sejam eles proteínas, lipídios, entre outros.
Tendo em vista que os anticorpos são imunoglobulinas, ou seja, compostos de
origem proteica, é possível que eles sejam reconhecidos por outros anticorpos,
desde que haja especificidade para tal (ABBAS; LITCHMAN; PILLAI, 2015).

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1 2

Figura 1. Placa para testes de aglutinação em látex com amostra reagente e não reagente. 1. reagente; 2. não reagente.
Fonte: Shutterstock. Acesso em: 08/0/2021.

Outros importantes imunoensaios de aglutinação indireta da rotina labora-


torial são o FR Látex e o ASLO Látex. O FR Látex é utilizado para determinar a
presença de fatores reumatoides (FR) no soro do paciente, que são anticorpos
IgG, IgM ou IgA que reconhecem anticorpos IgG próprios e, com isso, causam a
formação excessiva de imunocomplexos que são depositados nas articulações
sinoviais e extremidades do corpo, como dedos das mãos e dos pés. Os fatores
reumatoides estão presentes em cerca de 70% dos pacientes que têm artrite
reumatoide, mas não são considerados um achado específico da doença. Outras
doenças como lúpus eritematoso sistêmico, tuberculose e sífilis também podem
apresentar níveis elevados dos autoanticorpos (ABBAS; LITCHMAN; PILLAI, 2015).
O princípio do teste FR Látex se baseia em um reagente com suporte
de látex revestido com anticorpos IgG humanos. Se o soro do paciente
apresentar os FR, a reação de aglutinação será provocada. A sensibilidade
técnica do imunoensaio geralmente é de cerca de 8 UI/mL, logo, pacientes
com uma concentração menor do que esse valor não apresentarão reati-
vidade e, nesses casos, o resultado é descrito como “inferior a 8 UI/mL”.
Em resultados positivos, deve-se seguir a orientação de utilizar o último
título reagente multiplicado pelo valor da sensibilidade técnica (MINEO e
colaboradores, 2016; WILLIAMSON, 2013).

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Outra possível técnica para determinação sorológica dos FR é chamada de
Waaler Rose (WR), e consiste no uso de dois reagentes coloridos para auxilia-
rem na interpretação do resultado. Diferentemente do FR Látex, um dos rea-
gentes possui hemácias de carneiro e o outro possui anticorpos IgG de coelho
sensibilizados contra hemácias de carneiro. Assim que ambos entram em con-
tato, os anticorpos de coelho se ligam às hemácias de carneiro e, com a adição
do soro do paciente, haverá a formação de aglomerados, caso haja a presença
de FR. A não reatividade se apresenta em uma coloração homogênea, já a rea-
tividade demonstra a formação de grumos heterogêneos de coloração diferen-
ciada (MINEO e colaboradores, 2016; VAZ e colaboradores, 2007).

EXPLICANDO
O uso de anticorpos de coelho específicos contra células de carneiro
é possível por conta da sensibilização. Ao injetarmos uma solução com
hemácias de carneiro no coelho, há a indução da produção de anticorpos
específicos, que ficam circulantes no soro, os quais são extraídos e utiliza-
dos no meio laboratorial.

Por fim, o ASLO Látex é um teste de aglutinação indireta que emprega um su-
porte de látex sensibilizado com o antígeno estreptolisina que detecta a presença
de anticorpos anti-estreptolisina O (ASLO) no soro do paciente. Ao entrar em con-
tato com a toxina estreptolisina O, o sistema imune do indivíduo produz o ASLO e
essa substância pode ser detectada e semiquantificada por meio de titulação, assim
como os testes anteriores. A sensibilidade técnica é de cerca de 200 UI/mL, logo, os
resultados não reativos devem ser relatados como “inferior a 200 UI/mL”, enquanto
os reativos devem apresentar o último título multiplicado pelo valor da sensibilida-
de técnica. A estreptolisina O é uma toxina produzida pela bactéria Gram-positiva
Streptococcus pyogenes, que comumente provoca infecções de garganta, faringite e
amidalite, e, em casos mais severos, pode ocasionar uma reação cruzada que leva
a febre reumática. A febre é consequência de uma resposta imune do nosso corpo
a uma proteína bacteriana chamada proteína M, que é muito semelhante às pro-
teínas presentes em diversos tecidos, como o cardíaco, subcutâneo e nervoso. Ao
confundir os alvos, o sistema imune provoca uma resposta imune mal direcionada
que resulta em inflamação nesses tecidos, como a miocardite (ABBAS; LITCHMAN;
PILLAI, 2015; VAZ e colaboradores, 2007).

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Atualmente, existem técnicas alternativas com equipamentos automati-
zados para a quantificação de PCR, FR e ASLO no soro, que ainda utilizam a
metodologia da aglutinação com suporte de látex, mas são capazes de quan-
tificar valores decimais dessas proteínas por meio da combinação de outras
metodologias que proporcionam maior precisão e sensibilidade (VOLTARELLI e
colaboradores, 2009).

Ensaio de floculação e VDRL


Semelhante a aglutinação, a floculação é resultado de uma aglomeração de
partículas presentes no exame Venereal Desease Research Laboratory (VDRL),
que serve de triagem para a sífilis. A doença é uma infecção sexualmente trans-
missível (IST) causada pela bactéria Treponema pallidum e é definida como uma
infecção sistêmica que provoca úlceras genitais, lesões de pele e complicações
neurológicas, conhecidas como neurossifílis. Além disso, se a pessoa acometi-
da pela doença for gestante, ou se tornar uma enquanto não curada, existe o
risco de transmiti-la para o feto. A chamada sífilis congênita pode provocar o
aborto espontâneo e consequências neurológicas.
Após a infecção, a presença da bactéria induz o sistema imune a produzir
reaginas, que são anticorpos inespecíficos chamados de não treponêmicos,
uma vez que não apresentam especificidade para o T. pallidum. As reaginas são
imunoglobulinas resultantes da presença de células danificadas que induzem
a ativação inespecífica do sistema imune em diversas outras condições pato-
lógicas crônicas além da sífilis, como lúpus eritematoso sistêmico, doenças he-
páticas graves, hanseníase e malária. Sabe-se que elas podem ser produzidas
também em usuários de drogas injetáveis.
Geralmente, a produção de reaginas nessas condições ocorre em concen-
trações menores que na sífilis, mas ainda assim, pode ocasionar resultados
falso positivos no VDRL. Dessa forma, resultados positivos de VDRL requerem
a confirmação por testes treponêmicos, os quais detectam de modo
específico anticorpos produzidos contra antígenos da bactéria
causadora da sífilis, especialmente o teste de imunofluores-
cência indireta denominado FTA-Abs (do inglês, Fluorescent
Treponemal Antibody-absorption).

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No VDRL, as reaginas possuem o papel de se ligarem a antígenos purifica-
dos compostos de cardiolipinas, lecitinas e colesterol, e com isso formarem os
aglomerados que são visíveis no microscópio ao utilizar a objetiva de 10 vezes.
Ao contrário dos testes anteriores, este é feito em uma placa de vidro, transpa-
rente e com cavidades, que permite a deposição da solução formada durante a
confecção do teste, assim como a projeção da luz do microscópio para a leitura.
Com o tempo, foram desenvolvidas modificações do VDRL, tais como RPR (do
inglês, Rapid Test Reagin), USR (do inglês, Unheated Serum Reagin) e TRUST (do
inglês, Toluidine Red Unheated Serum Test), que visam aumentar a estabilidade
da suspensão antigênica, além de possibilitar a utilização de plasma e permitir
a leitura do resultado a olho nu.
Uma alternativa a essa técnica é a hemaglutinação, que faz uso de hemá-
cias de aves sensibilizadas com um antígeno bacteriano, e quando positivo pro-
voca a aglomeração das hemácias em meio a solução, em contrapartida, quan-
do negativo forma um botão de hemácias no fundo da placa. É mais específico
que o RPR, mas ainda é considerado como um teste de triagem (WILLIAMSON,
2013; VAZ e colaboradores, 2007).
De maneira geral, a sensibilidade técnica dos testes manuais de agluti-
nação pode ser comprometida caso haja o efeito pró-zona, que favorece
a ocorrência de resultados falso negativos. Esse fenômeno pode ocorrer
caso a quantidade de anticorpos presentes no soro exceda significati-
vamente a quantidade de antígenos disponíveis no reagente dos testes.
Logo, casos positivos podem ser camuflados em casos de efeitos pró-zo-
na, já que a solução apresenta uma leve granulação quase imperceptível
a olho nu e no microscópio. A solução para esse problema é a diluição da
amostra para permitir a equivalência entre os componentes presentes na
solução, geralmente, feita a 1:8 (MINEO e colaboradores, 2016; WILLIAM-
SON, 2013; VAZ e colaboradores, 2007).

Imuno-hematologia: conceitos e ensaios laboratoriais


A imuno-hematologia é um segmento da área de imunologia clínica que
estuda as interações sanguíneas nas chamadas reações de hemaglutinação,
nas quais o antígeno e/ou anticorpo são pertinentes ao sangue, como em

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transfusões sanguíneas, análises pré-transfusionais ou doenças ocasionadas
pelos processos citados (BRASIL, 2014).
No contexto da imuno-hematologia deve-se levar em conta que os eritró-
citos possuem cerca de 340 antígenos distintos, que são classificados em sis-
temas, grupos e coleções. E existem anticorpos com especificidade correspon-
dente para a maioria destes antígenos eritrocitários. Portanto, a metodologia
dos ensaios de hemaglutinação pode ser interpretada como a verificação das
consequências entre a interação sanguínea de pacientes diferentes, seja ela
intencional ou não. Além disso, é primordial considerar o complexo principal
de histocompatibilidade (MHC, do inglês Major Histocompatibility Complex) de
cada paciente, uma vez que as interações entre esses receptores celulares do
doador e receptor devem ser o mais específicas possível (ABBAS; LITCHMAN;
PILLAI, 2015; VAZ e colaboradores, 2007).
Conceitualmente, os testes de hemaglutinação são de aglutinação direta, já
que os antígenos são naturais dos eritrócitos. Os antígenos de superfície eritroci-
tária são chamados de aglutinogênios, enquanto os anticorpos são denominados
aglutininas. Estes ensaios foram desenvolvidos para triagem das amostras san-
guíneas do doador e receptor, já que o erro tem potencial de causar reações que
podem levar o paciente a óbito a depender do volume de sangue transferido (DEL-
VES; ROITT, 2013; BRASIL, 2014; WILLIAMSON, 2013; VAZ e colaboradores, 2007).

Sistemas, grupos e coleções sanguíneas


Existem, aproximadamente, 340 tipos de antígenos de superfície dos eritró-
citos, e 308 destes estão classificados dentro dos 36 sistemas sanguíneos de-
finidos por suas semelhanças genéticas e fenótipos apresentados. Os sistemas
são categorizados por antígenos sanguíneos que são originados dos mesmos
genes ou grupos de genes que os codificam. Como exemplo, temos o sistema
ABO e o Rh, que são os mais famosos por terem relevância clínica. Mas além
destes temos também os sistemas MNS, Kell, Lewis, Knops, entre vários outros.
Dentro dos sistemas, há ainda, os grupos sanguíneos, que seguem a mesma
linha de segregação de antígenos por características afins, e, como exemplo,
temos os grupos sanguíneos do sistema ABO, que são denominados grupo A,
grupo B, grupo AB e grupo O. Por fim, as hemácias portadoras de antígenos

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peculiares, que não possuem características afins, sejam genotípicas ou feno-
típicas, compõem as coleções e séries sanguíneas. Estas são determinadas
por tipos antigênicos que não podem ser categorizados dentro dos sistemas
conhecidos.
A função exata de cada um dos antígenos presentes nos sistemas é alvo de
estudo científico, justamente para buscar explicações para reações onde os
sistemas ABO e Rh não conseguem embasar ocorrências anormais e as suas
diferenciações são realizadas por meio de testes genéticos e bioquímicos (WIL-
LIAMSON, 2013; VAZ e colaboradores, 2007).

Sistemas ABO, Rh e os tipos sanguíneos


Os sistemas ABO e Rh são os mais populares
e considerados os de maior relevância clíni-
ca na imuno-hematologia. Os grupos do sis-
tema ABO são responsáveis por determinar o
tipo sanguíneo de uma pessoa, ou seja, se uma
pessoa tem as suas hemácias com os antígenos per-
tencentes ao grupo B do sistema ABO, o seu tipo
sanguíneo é B. Existem os tipos A, B, AB e O: o tipo
A apresenta apenas antígenos do grupo A; o tipo
B apresenta apenas antígenos do grupo B; o tipo AB
apresenta os grupos de antígenos A e B, simultanea-
mente; e tipo O não apresenta nenhum deles.
Além dos antígenos que determinam o tipo sanguíneo, o sistema ABO
possui anticorpos que estão presentes em cada um dos tipos (Quadro 1),
e a tipagem sanguínea é o teste que determina o tipo de sangue do indi-
víduo, de acordo com os antígenos (aglutinogênios) e anticorpos (aglutini-
nas) detectados (Quadro 2). Um paciente que possui eritrócitos com antí-
genos do tipo A, naturalmente, apresenta anticorpos anti-B. Já pacientes
com hemácias com antígenos B produzem anticorpos anti-A. Esse meca-
nismo limita as possibilidades de interação sanguínea entre os pacientes,
além de permitir que não haja um processo de aglutinação espontânea em
nosso organismo, (BRASIL, 2014; VAZ e colaboradores, 2007).

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QUADRO 1. TIPOS SANGUÍNEOS COM OS AGLUTINOGÊNIOS E AGLUTININAS

TIPOS SANGUÍNEOS

Tipos Aglutinogênios Aglutininas

A A Anti-B

B B Anti-A

AB AB -

O - Anti-A e Anti-B

QUADRO 2. ANTÍGENOS E ANTICORPOS NOS DIFERENTES TIPOS SANGUÍNEOS ABO

A B AB O

Tipo
sanguíneo A B AB O

Anticorpos
no plasma
Anti-B Anti-A Nenhum Anti-A e Anti-B

Antígenos
nas hemácias
Antígeno A Antígeno B Antígenos A e B Nenhum

A, B, AB, O
Tipos O
(AB é o
sanguíneos A, O B, O (O é o doador
recebedor
compatíveis universal)
universal)

Fonte: Shutterstock. Acesso em: 08/02/2021.

A tipagem ABO é composta por duas etapas: i) tipagem direta, que verifica
os aglutinogênios presentes nas hemácias; e ii) tipagem reversa, que verifica
as aglutininas presentes no soro do paciente. A partir de ambas as provas é
possível determinar o tipo sanguíneo do indivíduo em relação ao sistema ABO,
conforme demonstrado no Quadro 1, porém, faz-se necessário utilizar mais de
uma prova para fins confirmatórios.

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Para realização tipagem ABO direta é necessária uma
amostra de sangue total, coletada em tubo com anticoa-
gulante EDTA. A partir do sangue total é, então, obtida uma
suspensão feita com um concentrado de hemácias do paciente,
geralmente com 3-5% de concentração, livre de impurezas do
soro. Em dois tubos diferentes, contendo a suspensão de hemá-
cias, são adicionadas as aglutininas anti-A e anti-B. Após centrifugação, os tu-
bos que apresentarem aglutinação representam o tipo sanguíneo do paciente
(Quadro 2). Por exemplo, se o tubo em que o soro anti-A foi colocado apre-
sentar aglutinação isoladamente, há o indicativo que o paciente possui hemá-
cias com o antígeno A presentes na superfície, logo, ele é do tipo sanguíneo
A. Assim como quando nenhum dos tubos apresentar aglutinação é possível
deduzir que o paciente seja do tipo O, já que não há aglutinogênio na superfí-
cie dos eritrócitos desse tipo para provocarem a reação (BRASIL, 2014; VAZ e
colaboradores, 2007).
Já a tipagem ABO reversa utiliza o soro ou plasma do paciente para a reali-
zação do teste e a solução adicionada é composta por concentrados de hemá-
cias que têm os tipos conhecidos, ou seja, utiliza-se um reagente de concen-
trado de hemácias do tipo A e outro reagente de concentrado de hemácias do
tipo B. Dessa forma, utiliza-se dois tubos de ensaio com o soro do paciente e,
em um tubo aplica-se hemácias A e no outro tubo aplica-se hemácias B. Se o
tubo com hemácias A apresentar aglutinação isoladamente, sabe-se que este
paciente é do tipo sanguíneo B, já que naturalmente apresentam anticorpos
anti-A. Se houver aglutinação apenas no tubo com hemácias B, sabe-se que o
indivíduo tem sangue tipo A devido a presença de anticorpos anti-B. Por fim, se
houver aglutinação em ambos os tubos o indivíduo é o tipo O, pois apresenta
anticorpos anti-A e anti-B e se não houver aglutinação em nenhum dos tubos o
tipo de sangue é AB, uma vez que não há anticorpos anti-A nem anti-B.
Sabe-se ainda que a respeito do grupo sanguíneo A, existem variações fe-
notípicas quantitativas e qualitativas que podem levar a uma interpretação er-
rônea das provas de tipagem. O tipo A1, ou seja, indivíduos com hemácias que
têm antígenos A1, apresenta a capacidade de aglutinação padrão dos outros
tipos sanguíneos. Já o tipo A 2, cujas hemácias têm antígenos A 2, demonstra
uma menor capacidade de aglutinação e além disso, eventualmente é capaz de

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possuir anticorpos anti-A1 circulantes no plasma. Essa variação não é a patoló-
gica, mas demonstra a necessidade da validação dos testes de tipagem (BRA-
SIL, 2014; WILLIAMSON, 2013).
Outro tipo de prova baseada nos tipos sanguíneos que é utilizada especifi-
camente para triagem da doação de componentes sanguíneos é a prova cru-
zada. A prova cruzada é um teste realizado em duas partes e utiliza o sangue
do doador e do receptor. Funciona como um teste in vitro da compatibilidade
entre as duas partes. A prova cruzada maior utiliza as hemácias do doador e
o plasma do receptor, e é indicada para os casos de doação de eritrócitos. A
prova cruzada menor utiliza as hemácias do receptor e o plasma do doador,
indicada nos casos de doação de plasma. A positividade dos testes, ou seja, a
presença de aglutinação, simboliza a falta de compatibilidade entre os partici-
pantes, impossibilitando a transfusão dos hemocomponentes.
O segundo sistema sanguíneo mais importante em um laboratório de imu-
nologia é o sistema Rh, composto por diversos antígenos diferentes, porém, o
mais relevante é a proteína D, responsável por determinar na prática se o Rh
é positivo ou negativo. O sistema é utilizado em conjunto com o ABO ao com-
por o tipo sanguíneo do paciente, como: AB positivo, O negativo, entre outros
exemplos. Especificamente, este paciente é classificado como RhD positivo ou
RhD negativo, já que leva em conta a proteína em questão. Ao todo, este siste-
ma conta com 49 antígenos identificados (VAZ e colaboradores, 2007).

CURIOSIDADE
O sistema Rh recebeu esse nome porque foi descoberto a partir de
experiências realizadas com o sangue de macacos do gênero Rhesus.
Após colocarem uma amostra em um coelho imunizado, os cientistas
perceberam que houve aglutinação em teste com hemácias de ma-
cacos e humanos, ou seja, havia a presença de mais antígenos além
dos determinantes de tipo sanguíneo. Então, iniciou-se a busca pelas
proteínas do sistema Rh.

A prova para determinação do RhD positivo ou negativo é feita junto a tipa-


gem ABO. Em um tubo com a suspensão de hemácias do paciente é adicionado
um soro comercial com anticorpos anti-RhD ou anti-D. A reação de aglutinação
nesse teste indica a presença da proteína D nos eritrócitos do paciente, e isso
caracteriza-o como Rh positivo.

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É importante ressaltar que resultados negativos devem ser validados por
meio do teste do D fraco ou Du, responsável por verificar a presença de uma
variante qualitativa na proteína D dos eritrócitos que resulta em uma reação fra-
ca, comumente demonstrada como um resultado negativo. Dessa forma, todas
as amostras que resultam em RHD negativo na etapa inicial devem ser testa-
das com um método complementar para verificar a presença de D-fraco. Nesse
teste, na suspensão da etapa anterior deve ser adicionado o chamado soro de
Coombs, que contém anticorpos anti-IgG humana, capazes de realçar a agluti-
nação nesses casos específicos. O D-fraco positivo caracteriza o paciente como
RhD positivo; por outro lado, o paciente identificado como negativo, não pode
apresentar reatividade em nenhum dos testes (VAZ e colaboradores, 2007).
Diferentemente do sistema ABO, um paciente Rh negativo não produz natu-
ralmente anticorpos contra a proteína D, a menos que este tenha sido sensibi-
lizado de alguma forma pela exposição a esse antígeno durante a vida, ou seja,
o paciente Rh positivo não possui anticorpos ligados ao sistema e é suscetível
a doação de pacientes do mesmo tipo sanguíneo, sejam eles Rh positivo ou
negativo. Já o paciente Rh negativo é limitado a receber doação de pessoas do
mesmo tipo, tendo em vista que a presença da proteína D em seu organismo
será considerada como um corpo estranho, isso acarretará uma resposta imu-
nológica com a produção de anticorpos anti-D com consequente processo de
aglutinação (WILLIAMSON, 2013; BRASIL, 2014).

Incompatibilidade sanguínea
O sangue incompatível para a doação é aquele que apresenta reação de
aglutinação positiva nas provas transfusionais ou algum contaminante, seja ele
infeccioso ou químico. Além da tipagem ABO-Rh, os testes sorológicos para a ve-
rificação de contaminantes e a prova cruzada, é realizada uma pesquisa de an-
ticorpos irregulares (PAI). O teste serve para verificar a presença de anticorpos
capazes de reconhecer as hemácias de maneira nociva ao organismo. Junto à PAI,
é possível ainda realizar a identificação dos anticorpos irregulares (AIA), que é
feita com hemácias comerciais revestidas de antígenos diversos do sistema san-
guíneo, geralmente o Rh, junto ao soro do paciente. A presença de aglutinação
indica a sensibilização prévia do indivíduo.

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Um indivíduo sensibilizado é aquele que foi exposto a amostra de sangue
incompatível com o seu tipo. Essa situação pode ocorrer em casos de contami-
nação por ferimentos, transfusão sanguínea errônea ou até mesmo durante
o parto. Esse conceito faz referência ao sistema Rh, visto que a presença de
anticorpos naturais para este sistema é situacional, diferentemente do ABO
(VAZ e colaboradores, 2007). Vamos considerar a seguinte situação: uma pes-
soa Rh negativo se corta profundamente e entra em contato com uma amostra
de sangue Rh positivo. Nesse primeiro momento, o indivíduo será sensibiliza-
do, ou seja, o seu corpo irá reconhecer os antígenos presentes nos eritrócitos
da amostra Rh positivo e irá produzir anticorpos para atacá-los. Em um outro
momento de sua vida, o mesmo indivíduo recebe uma transfusão sanguínea
incompatível, Rh positivo, mas nessa ocasião dispõe de anticorpos prepara-
dos. Logo, irá desenvolver uma reação grave que, a depender do volume de
sangue administrado e da velocidade da administração, se apresentará com
febre, cefaleia ou, até mesmo, graus elevados de hemólise intravascular, com
hemoglobinúria e insuficiência renal.
Este evento explica patologias como a eritroblastose fetal, ou doença he-
molítica do recém-nascido. Nesse caso, a mãe possui o tipo sanguíneo Rh ne-
gativo e engravida do pai, cujo Rh é positivo. A gestação do feto Rh positivo é
considerada como o momento de sensibilização do sangue da mãe, que a par-
tir deste, apresentará anticorpos anti-Rh. Ao engravidar de um novo filho Rh
positivo, existem grandes chances do desenvolvimento da doença, pois os anti-
corpos maternos, do tipo IgG, são capazes de atravessar a barreira placentária
e entrar em contato direto com o organismo do feto. A partir daí, pode-se apre-
sentar hemólise fetal severa, insuficiência cardíaca, anemia, hipoalbuminemia
e até a morte (ABBAS; LITCHMAN; PILLAI, 2015; VAZ e colaboradores, 2007).
O diagnóstico dos anticorpos irregulares é feito a partir do método de aglu-
tinação com o soro de Coombs. Este soro, específico para o reconhecimento
de imunoglobulinas IgG e IgM humanas, é produzido a partir da administração
de doses desses anticorpos em coelhos, que irão produzir anticorpos
contra as imunoglobulinas humanas como resposta. Após este
processo, o soro do animal é extraído e purificado para então
ser utilizado no meio laboratorial. O diagnóstico dos anticor-
pos irregulares é feito durante o período pré-natal e medidas

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são adotadas para que não haja consequências para a mãe ou o feto. A vacina
anti-Rh é o método utilizado para prevenir as manifestações da doença pelo
feto. O mecanismo de ação atua por meio do uso de anticorpos anti-Rh artifi-
ciais, que irão competir com os anticorpos desenvolvidos pela mãe, e, assim,
prevenir a ocorrência de reações patológicas (VAZ e colaboradores, 2007).
Existem dois tipos de teste de Coombs: o direto e o indireto. O teste de
Coombs direto pesquisa anticorpos irregulares que já estão aderidos à superfí-
cie dos eritrócitos na circulação materna. Uma amostra de sangue total adicio-
nado ao soro de Coombs é capaz de provocar uma reação de aglutinação em
casos de positividade, ou seja, quando as hemácias estão sensibilizadas com
anticorpos irregulares na circulação, a adição do soro de Coombs na amostra
de sangue resulta em aglutinação das hemácias, uma vez que os anticorpos
anti-imunoglobulinas humanas reconhecem os anticorpos que estão ao redor
das hemácias, causando aglutinação dessas células in vitro.
Já o teste de Coombs indireto busca a ligação entre os anticorpos presentes
no soro de Coombs e os anticorpos autoimunes presentes no soro materno.
Como os anticorpos se encontram dispersos na circulação, é preciso utilizar
uma amostra sanguínea do tipo O positivo (no caso da pesquisa de antígeno D)
para a realização do teste. Adotou-se o tipo O para a realização do teste para
diminuir a interferência causada por antígenos de outros sistemas. Nos casos
positivos, as hemácias serão recobertas de anticorpos autoimunes e, com a
posterior adição do soro de Coombs, ocorrerá a reação de aglutinação (WIL-
LIAMSON, 2013; VAZ e colaboradores, 2007).

Evolução metodológica dos imunoensaios


Os ensaios imunológicos se tornaram indispensáveis na rotina clínica e par-
te disso se deve a mudanças primordiais na execução dos métodos laborato-
riais. O divisor de águas para o setor de imunologia clínica tem relação direta
com a disponibilidade dos anticorpos utilizados nos ensaios, tendo em vista
que, atualmente, é possível a produção em larga escala dessas moléculas, de
acordo com o pedido dos fabricantes de exames, sejam eles monoclonais ou
policlonais, agregados a marcadores ou não (ABBAS; LITCHMAN; PILLAI, 2015;
COELHO, 2014).

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Outra grande mudança foi a automatização dos processos relacionados a
esse setor, já que isso permite a adoção de novos modelos analíticos, assim
como o aumento da precisão e replicação dos testes. Além disso, o tempo de
execução dos testes foi significativamente reduzido com a mecanização dos
processos. Apesar de necessitar de uma mão de obra humana reduzida, ainda
se faz indispensável a presença do senso crítico humano para avaliar os resul-
tados liberados e detectar avarias analíticas.
Ao compararmos os testes automatizados com outras metodologias, como
aqueles que utilizam a aglutinação e a floculação como princípio, percebemos
que eles têm em comum a baixa sensibilidade. Os reagentes possuem em sua
composição anticorpos ou antígenos que não contam com marcadores quími-
cos, como os testes imunológicos modernos apresentam, e isso faz com o que
estes sejam limitados a detectar reações que formem uma quantidade con-
siderável de imunocomplexos (superior à sensibilidade técnica) (ZABRISKIE,
2008; VAZ e colaboradores, 2007).
Algumas metodologias são raramente utilizadas devido à atualização dos
processos imunológicos, como a precipitação. A imunoprecipitação consiste
em um teste que utiliza anticorpos e antígenos solúveis em uma suspensão,
líquida ou semissólida que serve de suporte. A ligação entre as duas partículas,
ou seja, a reatividade, forma uma fase sólida na solução proporcionalmente ao
número de imunocomplexos formados (MINEO e colaboradores, 2016; VOLTA-
RELLI e colaboradores, 2009).

Técnicas baseadas na motilidade de partículas


A imunodifusão é uma das técnicas imunológicas que utiliza a precipitação.
Em uma placa com gel de agarose ou ágar acrescido de anticorpos solúveis são
feitos orifícios (popularmente conhecido como poços) nos quais, posteriormen-
te, é adicionada uma solução de antígenos, também solúveis, que irão percorrer
o gel rumo aos anticorpos, e vice-versa. O peso molecular dos imunocomplexos
formados faz com que haja a formação de um halo ou linha turva, sinal repre-
sentativo da reatividade do teste. Esta técnica também permite a inversão da
utilização dos compostos, com o antígeno no gel e os anticorpos nos poços (ZA-
BRISKIE, 2008).

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A imunodifusão radial simples é uma técnica que faz uso de um poço an-
tigênico em meio ao gel com anticorpos. Pode ser utilizada para uma avaliação
semiquantitativa da presença de anticorpos ou antígenos. A partir da realização
do teste com vários poços preenchidos com uma amostra controle com concen-
trações diferentes conhecidas, é possível elaborar um gráfico para comparação
com os resultados obtidos nas amostras de rotina. Outro tipo da técnica é a imu-
nodifusão radial dupla, que serve para testar a afinidade entre vários antígenos
diferentes em um gel com o mesmo anticorpo (MINEO e colaboradores, 2016;
VOLTARELLI e colaboradores, 2009; ZABRISKIE, 2008).
Apesar de eficientes, estes testes de imunodifusão podem demorar entre 18
e 24 horas para que haja a processo de difusão por completo, e apresentam re-
levância somente em ocasiões nas quais há ausência de métodos alternativos ou
que não requerem alta sensibilidade. Ademais, é preciso se atentar a pró-zona e
pós-zona para evitar a ocorrência de resultados falso negativos, já que as ligações
entre os anticorpos e antígenos podem ser desfeitas por conta do excesso de uma
das partes presentes na solução (WILLIAMSON, 2013; VAZ e colaboradores, 2007).

EXPLICANDO
O efeito pós-zona acontece quando há o excesso de antígenos presentes
em uma solução com anticorpos. Assim como no efeito pró-zona, há uma
interferência notável na interpretação dos resultados, considerando que o
ideal para um imunoensaio é que a quantidade de partículas seja equiva-
lente (WILLIAMSON, 2013).

A eletroforese também é uma técnica que envolve a movimentação de partícu-


las. Nela, as proteínas são colocadas em uma matriz de gel, ligada a polos elétricos
nas extremidades (um positivo e um negativo). As partículas proteicas ficam dispos-
tas em poços no gel e submersas em uma solução tampão para criar uma corrente
elétrica em direção a um dos polos. Então, elas percorrem o gel em velocidade e dis-
tância proporcional ao seu tamanho molecular (MINEO e colaboradores, 2016; VOL-
TARELLI e colaboradores, 2009; ZABRISKIE, 2008). O método serve como base para
o desenvolvimento de outras técnicas, como a imunoeletroforese e a imunofixação,
que requerem a purificação de compostos proteicos, ou seja, a amostra inicial utili-
zada pode ser impura, conter várias proteínas de tamanhos moleculares diferentes,
já que as mesmas serão isoladas de acordo com essa característica.

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A imunoeletroforese é uma variação da eletroforese que faz uso da imu-
nodifusão para caracterizar as substâncias. Assim que as proteínas correm o
gel, que foi previamente preparado com o anticorpo que irá detectar o antí-
geno de interesse, inicia-se o processo de precipitação. Essa variante adicio-
na especificidade ao teste, que é amplamente utilizado para a eletroforese de
proteínas séricas, exame que verifica a presença e dispõe graficamente a al-
bumina e outras globulinas (ZABRISKIE, 2008). Já na imunofixação, que seja
possível diagnosticar doenças como o mieloma e gamopatias no geral (Gráfico
1), após a técnica de eletroforese convencional, uma fita de papel ou celulose
é preenchida com anticorpos contra as proteínas sanguíneas e, após a adição
da mesma, junto a uma solução para auxiliar a fixação das proteínas, ocorre
a precipitação das proteínas, que são transferidas do papel para o gel, onde
ocorre a interpretação por meio de uma coloração que realça as marcações
(BOTTINI, 2007; MINEO e colaboradores, 2016; VOLTARELLI e colaboradores,
2009; WILLIAMSON, 2013).

GRÁFICO 1. RESULTADO GRÁFICO DO TESTE DE IMUNOFIXAÇÃO DE PROTEÍNAS SÉRICAS.


O GRÁFICO A REPRESENTA CONDIÇÕES PROTEICAS SÉRICAS NORMAIS. JÁ O GRÁFICO B
SUGERE O MIELOMA MÚLTIPLO

(a) (b)

A 𝒂1 𝒂2 A β y Pico M
Fonte: BOTTINI, 2007, p. 24.

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Técnicas de absorbância e nefelometria
Existem metodologias imunológicas que utilizam a dispersão da luz para
mensurar os imunocomplexos em amostras biológicas. A nefelometria é a téc-
nica que faz uso da luz dispersa para a análise da solução, sendo que não há
alteração no comprimento da onda, como nos métodos colorimétricos, devido
ao efeito Tyndall, que corrobora o padrão de redirecionamento das ondas lumi-
nosas adotado pela técnica (MINEO e colaboradores, 2016). A nefelometria é um
método automatizado que apresenta rapidez e precisão nas análises realizadas.
Os exames que podem ser feitos por meio dessa técnica incluem a alfa-1-glico-
proteína ácida e outros como a PCR (ultrassensível), o ASLO e o FR, que ainda
utilizam o suporte látex, porém, agora são passíveis de quantificação por conta
do método de análise (ZABRISKIE, 2008; WILLIAMSON, 2013).
O exame é realizado em um aparelho chamado nefelômetro, que emite um
feixe de luz intenso no tubo de ensaio com a solução a ser analisada. A luz incide
diretamente sobre a região na qual os imunocomplexos se concentram e isso
garante a precisão dos resultados. A concentração das partículas, o tamanho
delas e o índice de refração são variáveis da solução que interferem diretamente
no resultado. Assim como o comprimento de onda utilizado, que varia de 1 nm
a 100 nm, que deve ser ajustado ao exame a ser realizado (VOLTARELLI e cola-
boradores, 2009; ZABRISKIE, 2008). A qualidade da amostra também deve ser
levada em conta. Quanto mais límpido o soro, menor a chance de ocorrer uma
falsa dispersão e consequente alteração do resultado. Características como a
lipemia e a hemólise impactam diretamente na passagem da luz pela amostra;
com isso, a análise pode ser invalidada, já que os interferentes competem com
as partículas de interesse.
A turbidimetria também utiliza um feixe de luz, assim como a nefelometria,
mas ao invés de verificar a dispersão da mesma, emprega como recurso a luz
que foi transmitida através da solução, ou seja, considerando-se que um
tubo vazio apresenta a transmissão da luz de maneira total, a concen-
tração dos imunocomplexos vai ser proporcional a luminosidade
que vai percorrer através deles. Esse método também é passí-
vel de interferência por conta da qualidade da amostra (VOL-
TARELLI e colaboradores, 2009; WILLIAMSON, 2013).

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Imunoensaios conjugados
O tipo de imunoensaio de maior re-
levância atualmente são os imunoen-
saios conjugados, os quais fazem uso
de anticorpos ou antígenos associados
a sinalizadores que irão demonstrar a
reatividade do teste. A aplicação dos
testes conjugados varia de acordo com
a partícula de interesse a ser pesquisa-
da, geralmente antígenos, além da es-
colha da técnica, já que existem diversos princípios analíticos, que utilizam mar-
cadores luminosos, enzimáticos, radioativos, entre outros.
Nos ensaios de fluorescência são utilizados compostos chamados de fluoro-
crômos ou fluoróforos, que têm a capacidade de absorver pequenas ondas de
luminosidade e, ao receber um estímulo, liberam ondas luminosas mais inten-
sas. Normalmente, essas moléculas já emitem certo nível de luminosidade, mas
este aumenta consideravelmente com a reação. A excitação desse componente
é feita por meio da interação da partícula conjugada a ele, ou seja, se o fluoro-
crômo estiver associado a um antígeno e este realizar uma ligação específica
com um anticorpo, ocorrerá a emissão de luz provocada pela formação do imu-
nocomplexo (VOLTARELLI e colaboradores, 2009; ZABRISKIE, 2008). Na prática,
podemos conferir as reações através dos testes de fluorescência homogênea e
heterogênea. A fluorescência homogênea apresenta soluções de luminosidade
homogênea, como a técnica de fluorescência direta, que faz uso de antígenos
marcados para competirem com outros antígenos não marcados presentes na
amostra. A baixa reatividade, por meio da fluorescência, indica a presença acen-
tuada dos antígenos não marcados.
Para elucidar a aplicação clínica desse teste, considere a seguinte situação:
é preciso verificar se um paciente fez uso de drogas de abuso e a verificação de
curto prazo desse composto é feita a partir do seu soro. Então, na preparação
do teste contaremos com anticorpos específicos contra a droga e antígenos mar-
cados com o fluorocromo, junto ao soro analisado. Se não houver a presença
da droga na amostra em análise, um sinal de fluorescência será emitido até um

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limiar esperado, já que os antígenos marcados foram associados por completo
aos anticorpos. Por outro lado, a ausência da fluorescência indica a presença de
antígenos da droga, que venceram a competição com os antígenos marcados,
representando a positividade do teste. Esta técnica ainda é utilizada para a mo-
nitoração de compostos por conta da rapidez da reação (VOLTARELLI e colabora-
dores, 2009; WILLIAMSON, 2013).
Por outro lado, os ensaios de fluorescência heterogênea podem ser realiza-
dos não só em amostras líquidas, mas também em tecidos, o que leva à presença
de diferentes feixes luminosos emitidos pelas reações. Existem duas técnicas que
se referem a essa categoria: a imunofluorescência direta e a imunofluorescência
indireta. A presença de luminosidade durante a análise indica a positividade do
teste, porém, não permite a quantificação das interações na amostra (MINEO e
colaboradores, 2016; VOLTARELLI e colaboradores, 2009).
A imunofluorescência direta tem o intuito de sinalizar a presença de antígenos
pelo uso de anticorpos marcados. Ao pesquisar uma partícula antigênica específica
em uma amostra, é adicionada uma solução que contém anticorpos conjugados aos
fluorocrômos, que vão emitir feixes luminosos assim que excitados pela interação
com o antígeno (Diagrama 2), ou seja, quanto maior a luminosidade demonstrada
na solução ou em um local específico da amostra analisada, maior a presença do
antígeno de interesse. Esse método é comumente utilizado para detecção de vírus
respiratórios (ZABRISKIE, 2008; VAZ e colaboradores, 2007). Já a imunofluorescên-
cia indireta serve para a pesquisa de anticorpos de interesse, sejam eles específicos
contra um patógeno invasor ou outros tipos que representem valor para a análise
(Diagrama 3). O ensaio utiliza lâminas sinalizadas de microscopia por fluorescência,
fixadas com uma solução antigênica específica para o anticorpo que será pesquisa-
do, conhecido como anticorpo primário. Então a amostra é adicionada para que haja
a formação dos imunocomplexos, e após esse processo, a lâmina é lavada para que
os compostos sobressalentes sejam removidos, assim como anticorpos que não fo-
ram aderidos, para que não interfiram na próxima etapa, na qual é feita a adição
dos anticorpos conjugados com fluorocrômos, denominados anticorpos secundá-
rios, que possuem afinidade com as imunoglobulinas humanas. A solução com con-
jugados serve para realçar a presença da formação de imunocomplexos, que serve
como indicativo para a positividade do teste (VOLTARELLI e colaboradores, 2009;
ZABRISKIE, 2008; VAZ e colaboradores, 2007).

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DIAGRAMA 2. ESQUEMATIZAÇÃO DO ENSAIO DE IMUNOFLUORESCÊNCIA DIRETA

Fluorocromo
A Amostra C
Anti-X

Lâmina
Aplicação da amostra Apicação do anticorpo conjugado

Lavagem
B D
Antígeno X
Microscópio de
Antígenos na superfície da lâmina fluorescência

DIAGRAMA 3. ESQUEMATIZAÇÃO DO ENSAIO DE IMUNOFLUORESCÊNCIA INDIRETA

Conjugado
Antígeno Y
A
Lâmina Fluorocromo C
Antígenos específicos para o AC pesquisado Anti Anti-Y
Anti-Y

Soro teste Antígeno Y

Aplicação do AC conjugado contra Anti-Y

B Anti-Y D
Lavagem
Antígeno Y

Aplicação da amostra e formação do AG-AC Microscópio de fluorescência

O imunoensaio de imunofluorescência indireta é amplamente utilizado em


testes sorológicos de rotina como o FTA-Abs, por exemplo, teste confirmató-
rio que pesquisa anticorpos treponêmicos ou específicos contra o T. pallidum,
agente etiológico da sífilis. Além disso, serve para a verificação da presença
de autoanticorpos, feita pelo exame de pesquisa de anticorpos antinúcleo ou
fator antinúcleo (ANA ou FAN), presentes em certas doenças autoimunes. Adi-
cionalmente, vale salientar que os conjugados dessa modalidade possuem a
capacidade de diferenciar o tipo de anticorpo que foi detectado durante a aná-

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lise, ou seja, ele possui especificidade para os isotipos de imunoglobulinas (IgG,
IgM, IgA, e outras conhecidas) (VOLTARELLI e colaboradores, 2009).
A citometria de fluxo consiste em uma técnica que utiliza a imunofluores-
cência de forma automatizada, e permite realizar testes em antígenos de célu-
las vivas ou recém extraídas do corpo. Por meio do uso de anticorpos marca-
dos, é possível identificar e quantificar separadamente as células que contém
os antígenos de interesse. Após a formação dos imunocomplexos, as células
passam por um leitor de fluorescência e impedância, uma a uma, em um fluxo
contínuo que possibilita a contagem de todas as células pertencentes à amos-
tra. Tanto o processamento da amostra quanto a leitura e interpretação dos
dados obtidos para o resultado são realizados por uma máquina que gera um
relatório e um gráfico com a separação das populações avaliadas por critérios
de fluorescência e fenotípicos, além da especificidade antigênica dos conjuga-
dos utilizados (Figura 2) (MINEO e colaboradores, 2016; VOLTARELLI e colabora-
dores, 2009; ZABRISKIE, 2008).

Fotomultiplicadores

Classificação
Filtros fluorescente
Espelhos
Raio
laser

Dispersão
lateral Fluorescências
Hidrofocalização
Dispersão
frontal
Envoltório do fluido
Detector de luz
Preparação da amostra

Amostra marcada

Figura 2. Esquematização dos princípios da citometria de fluxo. Fonte: DEPINCE-BERGER e colaboradores, 2016, p. 3.

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Essa técnica é utilizada para detectar achados pontuais para o diagnóstico
de doenças, como anormalidades celulares estruturais e presença de antíge-
nos específicos, e além disso, por meio da quantificação de certas populações
celulares, é possível monitorar o avanço ou regresso de uma patologia, como
a AIDS, que faz uso desse artifício para quantificar células CD4+ e CD8+ (WIL-
LIAMSON, 2013).
Existe uma variante aprimorada da citometria de fluxo que é baseada no
uso de partículas multiplex. Nesses casos, o exame é realizado com microes-
feras coloridas que se agregam aos imunocomplexos conjugados com fluoró-
foros. Esse material é utilizado para criar uma nova categoria no momento da
interpretação dos dados, uma espécie de etiqueta, uma vez que a leitura rea-
lizada pelo equipamento irá considerar o comprimento de onda emitido pela
microesfera (que varia de acordo com a cor utilizada) e o imunocomplexo li-
gado a ela que exibe a reação de imunofluorescência, logo, é possível obter
resultados muito mais específicos, sem perder a capacidade de quantificação
da citometria de fluxo convencional (VOLTARELLI e colaboradores, 2009; ZA-
BRISKIE, 2008).
O conhecimento do método de reconhecimento de anticorpos a partir de
um autoanticorpo conjugado foi primordial para o avanço do setor diagnóstico.
A imunohistoquímica é um bom exemplo disso. A técnica da imunoperoxida-
se e da imunocitoquímica, dois tipos de imunohistoquímica, funciona de ma-
neira semelhante à imunofluorescência indireta. A diferença é que não contam
com a presença de um fluoróforo no conjugado com o anticorpo secundário,
mas, sim, com a enzima peroxidase. A reação química realizada pela enzima
ao receber o estímulo é capaz de emitir um comprimento de onda visível, sem
a necessidade do uso de um microscópio de fluorescência. Para compensar o
trabalho com ondas de menor comprimento, a imunocitoquímica
tem a leitura das interações realizadas por um computador, ca-
paz de mensurar as menores variações de luminosidade e, assim,
melhorar a assertividade do teste. O material biológico
utilizado nestes testes são as biópsias de tecidos, tra-
tadas com parafina e cortadas em fatias muito finas
para permitir a passagem da luz e, por fim, recebem
os anticorpos para a identificação de um marcador tu-

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moral, por exemplo (VOLTARELLI e colaboradores, 2009; WILLIAMSON, 2013;
VAZ e colaboradores, 2007).
O radioimunoensaio foi uma técnica revolucionária na época do seu de-
senvolvimento por apresentar simplicidade na realização dos exames, já que
não requer equipamentos de utilização complexa ou maquinário para a leitura
dos resultados. Além disso, entrega uma sensibilidade de resultados que são
capazes de mensurar nanogramas e picogramas. Pode-se utilizar dessa técnica
tanto para a pesquisa de anticorpos quanto antígenos.
Originalmente, o termo radioimunoensaio é utilizado quando se pesquisa
anticorpos na amostra analisada. Quando o alvo é um anticorpo, utiliza-se o
termo ensaio imunoradiométrico. O princípio dessa metodologia se asseme-
lha muito à imunofluorescência direta, pois a partícula de interesse também
interage com os antígenos por competição, ou seja, o reagente utilizado para
o teste é um antígeno marcado com um radioisótopo, geralmente o iodo-125,
que será inserido na amostra e irá competir com os antígenos da substância
pesquisada.
Posteriormente, há uma técnica capaz de extrair os antígenos marcados so-
bressalentes em uma parte sobrenadante da solução, para que sejam aferidos
em um equipamento que mede as ondas radioativas da solução. No caso dos
anticorpos, geralmente utilizam-se autoanticorpos marcados para sinalizarem
as interações, logo, não há a necessidade de competição nessa modalidade,
ou seja, quanto maior a radiação presente no sobrenadante da solução que foi
analisada, que contém os conjugados que não foram ligados, maior a presença
do antígeno de interesse na amostra, já que ele efetuou mais ligações de suces-
so. Sendo assim, na situação em que há baixa radioatividade no sobrenadante,
há o indicativo da ausência do antígeno pesquisado (MINEO e colaboradores,
2016; VOLTARELLI e colaboradores, 2009; ZABRISKIE, 2008).
A metodologia que substituiu a utilidade do radioimunoensaio foram os
ensaios imunoenzimáticos, ou enzimaimunoensaios. Esse método tem como
princípio o uso de enzimas inertes conjugadas a partículas, que se tornam efe-
toras ao adicionarmos o substrato para a sua atuação. A ação das enzimas é
capaz de alterar a cor da solução, que é captada por um equipamento que
determina o resultado qualitativa e quantitativamente com extrema precisão
(ZABRISKIE, 2008). É importante lembrar que as enzimas são proteínas capazes

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de catalisar reações químicas, ou seja,
facilitam o acontecimento de reações
que irão transformar compostos. Os
compostos que podem sofrer as rea-
ções enzimáticas são chamados de
substrato e podem ser constituídos
por macromoléculas em geral, no caso
dessa metodologia, uma solução que
contém o substrato e cromogênios é
adicionada. A ação enzimática muda as propriedades químicas do composto e
isso induz a mudança de cor dos cromogênios (MINEO e colaboradores, 2016;
VOLTARELLI e colaboradores, 2009).
O EMIT (do inglês, Enzyme Multiplied Immunoassay Technique) é um teste que
faz uso desse princípio, e é uma ótima alternativa aos testes de imunofluores-
cência, tendo em vista que pode ser realizado por equipamentos automáticos.
É um imunoensaio enzimático de fase homogênea que permite quantificação,
por isso é aplicado na verificação da presença de substâncias no sangue, soro
e urina (VOLTARELLI e colaboradores, 2009; ZABRISKIE, 2008; VAZ e colabora-
dores, 2007). O teste utiliza uma placa sensibilizada com anticorpos que pos-
suem afinidade contra o antígeno de interesse, um reagente que contém os
antígenos conjugados e um substrato que permitirá a ação das enzimas que
provocarão a alteração da cor da solução. Os antígenos da amostra e do rea-
gente buscarão se ligar aos anticorpos da placa, que possuem uma quantidade
limitada para delimitar um intervalo de análise, e após a fase de fixação, é feita
a adição do substrato que permitirá a ação das enzimas conjugadas que não se
ligaram aos anticorpos. Esses anticorpos, ao se ligarem com antígenos conju-
gados, possuem a capacidade de inativar a enzima do composto, logo, quanto
maior a alteração colorimétrica da solução, maior é a presença do antígeno
pesquisado. A variação da cor é mensurada por um equipamento que faz a
análise por variação do comprimento de onda que atravessa a solução.
Por fim, temos o ELISA (do inglês, Enzyme Linked Immunosorbent Assay), que
é um teste de análise heterogênea que utiliza certos princípios apresentados
pelo EMIT, mas que possibilita uma maior variedade de interações organiza-
das entre as partículas pesquisadas e uma análise mais precisa dos resultados

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realizada por espectrofotometria (MINEO e colaboradores, 2016; VOLTARELLI e
colaboradores, 2009). Essa técnica é padrão ouro para o diagnóstico de muitas
doenças, como a doença de Chagas, por exemplo. Ela faz uso de antígenos ou
anticorpos conjugados a enzimas, que são capazes de alterar a cor da solução a
partir da adição do substrato específico. Outro detalhe relevante sobre o teste
é que as análises são executadas com a amostra pura e diluída. Isso permite
o aumento da sensibilidade e disponibiliza dados para o computador criar um
gráfico com uma curva padrão, essencial para a validação das análises reali-
zadas e detecção de avarias analíticas em uma das testagens (VOLTARELLI e
colaboradores, 2009; WILLIAMSON, 2013).
A técnica de ELISA possui quatro tipos de análise denominadas: ELISA dire-
to, ELISA indireto, ELISA sanduíche e ELISA competitivo (Figura 3).

ELISA direto ELISA indireto


Substrato
Substrato
Enzima

Enzima Anticorpo
secundário
conjugado
Anticorpo
primário
conjugado Anticorpo
primário

ELISA sanduíche ELISA competitivo

Substrato
Substrato
Anticorpo
Enzima
Enzima primário
Anticorpo
Anticorpo
secundário
secundário
Anticorpo conjugado
conjugado
primário
Analito alvo
Anticorpo Anticorpo
de captura primário

Figura 3. Esquematização dos tipos de ELISA. O elemento circular em vermelho descrito como Ag se refere ao antígeno.
Fonte: Shutterstock. Acesso em: 08/02/2021.

O ELISA direto é utilizado para a pesquisa de antígenos específicos de uma


amostra a partir do uso de anticorpos conjugados a enzimas. A amostra, ge-

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ralmente de soro, é utilizada para sensibilizar uma placa de plástico e, assim,
adsorver os antígenos presentes nela. Após esse processo, são adicionados os
anticorpos conjugados que são específicos para os antígenos que irão se ligar à
placa. Por fim, o substrato é utilizado para que ocorra mudança da cor da solu-
ção. A alteração da cor indica reatividade e, consequentemente, a presença do
antígeno pesquisado. Logo, na sua ausência, não há a ligação dos anticorpos
marcados, com isso, a adição do substrato não irá reproduzir alteração na cor
da solução. É importante ressaltar que a cada etapa da realização do teste,
cabível aos quatro tipos, existem as lavagens para a remoção das partículas
que não se ligaram e os períodos de incubação para favorecer o pareamento,
adequando das partículas no teste (ZABRISKIE, 2008; WILLIAMSON, 2013).
O ELISA indireto é um dos mais utilizados. O teste detecta a presença de
anticorpos específicos que irão se aderir à placa sensibilizada com antígenos
e, posteriormente, sinalizados a partir de anti-anticorpos conjugados. É am-
plamente utilizado no monitoramento de doenças como a toxoplasmose, den-
gue, AIDS, entre outras. Para a realização do teste, utiliza-se uma placa sensi-
bilizada com o antígeno específico ao anticorpo de interesse a ser pesquisado.
Adiciona-se a amostra e, na presença dos anticorpos, ocorrerá a formação de
imunocomplexos, que serão evidenciados após a adição de anticorpos conju-
gados que possuem especificidade aos anticorpos ligados. Por fim, adiciona-se
o substrato, que manifestará a alteração da cor na presença do anticorpo. Por-
tanto, a alteração da cor é indicativa de positividade do teste (WILLIAMSON,
2013; VOLTARELLI e colaboradores, 2009).
Existia uma questão específica a esse tipo de teste, que é a limitação do
processo ao uso do isotipo IgG, já que os anticorpos IgM, devido a sua confor-
mação estrutural, possibilitavam a ocorrência de resultados falso positivos na
presença de fatores reumatoides, causando interferência na interação entre
as partículas. Para solucionar esse problema, desenvolveu-se uma técnica que
utiliza uma placa sensibilizada com anticorpos anti-IgM, que capturam os an-
ticorpos IgM presentes na amostra do paciente, e, após lavagens para a purifi-
cação do analito, recebem os antígenos e posteriormente os conjugados para
a devida sinalização.
O ELISA sanduíche foi desenvolvido para a análise de microanalitos, como
hormônios e outros. O intuito da utilização da técnica é favorecer a detecção

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de antígenos por meio do uso de dois anticorpos, dispostos de maneira oposta,
um adsorvido na placa e o outro conjugado à enzima. Após a adição do subs-
trato, ocorrerá a mudança da coloração promovida pelos cromógenos presen-
tes nos complexos que se ligaram efetivamente aos antígenos (WILLIAMSON,
2013).
O ELISA competitivo é utilizado para a pesquisa de antígenos ou anticor-
pos específicos e funciona por competição entre os anticorpos previamente
condicionados com a amostra e anticorpos conjugados em uma placa sensi-
bilizada com o antígeno de interesse. Suponhamos que se deseja verificar a
presença do antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HbsAg) em uma
amostra sanguínea. Após o condicionamento da amostra, é feita uma mistura
entre o soro, que contém os antígenos, e anticorpos específicos contra o mes-
mo (anti-Hbs). A solução é posteriormente adicionada a uma placa sensibiliza-
da com o mesmo antígeno, o HbsAg, mas fixo ao suporte (placa). Se a amostra
em análise apresentar a partícula de interesse, não haverá anticorpos disponí-
veis para se ligarem à placa e, na fase subsequente, na qual ocorrerá
a adição dos anticorpos conjugados e o substrato, a cor da solução
será inalterada. Já nos casos de ausência do antígeno pesquisado,
não haverá a formação de imunocomplexos na solução
feita com a amostra, logo todos os anticorpos se ligarão
à placa e apresentarão reatividade quando se ligarem
aos anticorpos conjugados (MINEO e colaboradores,
2016; VOLTARELLI e colaboradores, 2009).

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Sintetizando
Os imunoensaios são uma categoria de testes laboratoriais que utilizam os
fundamentos da imunologia para fins diagnósticos. A presença de antígenos
ou anticorpos específicos servem como indícios para verificar patologias, assim
como o seu monitoramento. Quando não disponíveis, a imunologia clínica pode
fazer uso de achados característicos pertinentes a patologia suspeita.
Os ensaios de aglutinação são uma maneira rápida e eficaz de analisar quali-
tativamente a presença de proteínas plasmáticas que condicionam os pacientes
a determinados grupos patológicos. As partículas envolvidas são de rápida res-
posta a tratamentos, por isso são de valia considerável. Apesar disso, os testes
dessa categoria apresentam uma sensibilidade relativamente baixa se compara-
dos a metodologias modernas.
Os ensaios de imunohematologia tem utilidade para determinar o tipo san-
guíneo de cada indivíduo e verificar a possibilidade de transfusão de hemocom-
ponentes, por meio de testes que utilizam a hemaglutinação como princípio.
Além disso, com base no estudo dos antígenos eritrocitários foi possível estabe-
lecer um sistema sanguíneo complexo que expõe a necessidade de avaliações
aprofundadas no que se refere a contatos indesejados com um grupo incompatí-
vel. A incompatibilidade sanguínea justifica as desordens causadas pelo contato
com o tecido, inclusive materno-fetal.
Por fim, a aplicação de novas tecnologias aos imunoensaios permitem o refi-
no das técnicas utilizadas para pesquisas cada vez mais específicas e sensíveis,
visando suprir as necessidades médicas diagnósticas. A adoção do uso de anti-
corpos conjugados possibilita a realização de ensaios que são específicos e, ao
mesmo tempo, muito sensíveis, além de realizarem a segmentação dos grupos
analisados de acordo com as características requisitadas.

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Referências bibliográficas
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UNIDADE

3 DIAGNÓSTICO
SOROLÓGICO
DE INFECÇÕES
HUMANAS

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Objetivos da unidade
Compreender aspectos etiológicos e epidemiológicos de diversas infecções
virais, bacterianas e parasitárias;

Definir aspectos clínicos e vias de transmissão de importantes doenças


infecciosas causadas por vírus, bactérias e protozoários;

Fornecer base teórica e prática para diagnóstico laboratorial de infecções


virais, bacterianas e parasitárias.

Tópicos de estudo
Infecções virais
Hepatites virais
Infecção pelo HIV
Dengue
Mononucleose
Infecção por HTLV

Infecções bacterianas
Infecção estreptocócica
Infecção treponêmica

Infecções parasitárias
Doença de Chagas
Toxoplasmose

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Infecções virais
Grande parte das infecções virais
são diagnosticadas na rotina labora-
torial pela combinação de métodos
inespecíficos e específicos de diag-
nóstico. Os métodos inespecíficos,
especialmente o hemograma e os tes-
tes bioquímicos, são empregados para
verificar possíveis alterações hemato-
lógicas e bioquímicas decorrentes da infecção viral no organismo. A escolha
dos testes inespecíficos depende diretamente da suspeita clínica e requer a
obtenção de dados corretos do histórico do paciente.
Por outro lado, os métodos específicos buscam demonstrar, de modo direto
ou indireto, a presença do vírus no organismo. A grande maioria dos testes es-
pecíficos empregados na rotina para diagnóstico de infecções virais, como hepa-
tites, HIV/Aids, dengue, mononucleose, entre outras, envolve imunoensaios que
permitem a detecção tanto de antígenos virais quanto de anticorpos produzidos
em resposta à infecção. Dentre os imunoensaios mais comumente empregados
estão ELISA, radioimunoensaio e imunofluorescência direta e indireta.
Nesse contexto, a sorologia das infecções virais apresenta grande relevân-
cia na rotina do laboratório clínico e representa uma parcela importante dos
exames solicitados. A qualidade dos resultados obtidos depende diretamente
do cuidado em todas as etapas do processo, incluindo a coleta da amostra, seu
processamento e a realização do ensaio em si.

Hepatites virais
A hepatite A, causada pelo HAV (do inglês hepatitis A virus), é geralmente be-
nigna e autolimitada, com pouco risco de evolução para insuficiência hepática e
baixa taxa de mortalidade. A distribuição da doença é mundial, com incidência
aproximada de 1,5 milhão de casos por ano e maior prevalência entre crianças
menores de dez anos. Cerca de metade dos casos de hepatite A é subclínica,
com pouca ou nenhuma sintomatologia.

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Quando sintomáticos, os pacientes apresentam manifestações que duram
de poucos dias até três semanas, incluindo náusea, diarreia, anorexia, mal-
-estar, desconforto abdominal, febre e calafrios. Alguns apresentam a forma
ictérica da doença, com evolução de três a seis semanas e presença de mani-
festações gastrointestinais e icterícia. Já a forma fulminante, que compromete
sobremaneira a função hepática e tem prognóstico ruim, atinge menos de 1%
dos infectados (TAVARES; MARINHO, 2015).
O HAV é um enterovírus de RNA de fita simples que apresenta capsídeo icosaé-
drico não envelopado. Durante a infecção, o HAV se adere à superfície dos hepató-
citos, sendo endocitado para o citoplasma, onde perde o capsídeo e inicia a replica-
ção viral. A transmissão do vírus ocorre de modo oral-fecal, por ingestão de água e
alimentos contaminados com fezes. Após a ingestão, o HAV resiste ao pH estoma-
cal e atinge o intestino, com posterior distribuição para o mesentério e sistema por-
ta, pelo qual atinge o tecido hepático. Dessa forma, a viremia inicial é acompanhada
pela eliminação do vírus pelas fezes, o que favorece sua transmissão.
Em termos imunológicos, a proteção imune contra o HAV, após exposição ao
antígeno viral, é decorrente da produção de anticorpos IgM e IgG, com consequente
neutralização das partículas virais. Os anticorpos IgM são detectados apenas na
fase inicial da infecção, geralmente coincidindo com o surgimento da icterícia. Já a
produção de anticorpos IgG tem início algumas semanas depois e permanece por
toda a vida. O diagnóstico laboratorial da hepatite A inclui exames inespecíficos e
específicos; os inespecíficos são aqueles que têm como objetivo evidenciar o quadro
de infecção viral e determinar o grau do comprometimento hepático.
Dentre os testes laboratoriais inespecíficos, destacam-se o hemograma,
com leucopenia, linfocitose e presença de linfócitos atípicos ou leucocitose com
neutrofilia, em casos de lesões hepáticas mais severas, e a dosagem de enzimas
hepáticas com observação de aumento das aminotransferases TGO/AST (transa-
minase glutâmico oxalacética ou aspartato aminotransferase) e TGP/ALT (transa-
minase glutâmico pirúvica ou alanina transaminase), que podem atingir valores
muito altos por vários meses, antes da progressiva redução em casos agudos.
A dosagem dos fatores de coagulação e o tempo de atividade de protrom-
bina (TAP) são importantes para a triagem de lesão hepática grave. Adicional-
mente, a dosagem de bilirrubina total e frações é indicada para facilitar a dife-
renciação de casos ictéricos e não ictéricos (VERONESI; FOCACCIA, 2015).

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Os exames específicos visam determinar, de modo direto ou indireto, a pre-
sença do HAV no organismo do paciente. Na prática, esse diagnóstico especí-
fico é feito pela pesquisa de anticorpos antivírus da hepatite A da classe IgM
(anti-HAV IgM), principalmente pelas técnicas de ELISA e radioimunoensaio.
As IgM anti-HAV são detectáveis no soro do paciente na fase ativa da infecção
e podem permanecer até poucos meses depois da aquisição da doença, com
posterior redução gradativa até seu desaparecimento. Em alguns centros de
pesquisa, o HAV pode também ser detectado por técnicas de biologia molecu-
lar, especialmente hibridização in situ e reação em cadeia da polimerase (PCR).
A hepatite B, que tem como agente etiológico o HBV (do inglês hepatitis B virus),
apresenta inúmeros resultados clínicos diferentes, que variam desde a forma sub-
clínica até o desenvolvimento de cirrose e carcinoma hepático. A doença apresen-
ta distribuição global e é considerada um importante problema de saúde pública
mundial, com estimativa de mais de 400 milhões de casos crônicos da doença. A
prevalência é maior especialmente em países asiáticos, africanos e em algumas
regiões do Pacífico. Já o Brasil apresenta prevalência intermediária, com maior in-
cidência na região Norte do País (TAVARES; MARINHO, 2015).
Mais da metade dos pacientes adultos desenvolve a forma subclínica da
hepatite B, com poucas manifestações ou ausência de qualquer sintomatolo-
gia. Cerca de 25% deles desenvolvem a forma aguda da doença, com anorexia,
febre, icterícia e dor no quadrante superior direito. Mais de 95% dos pacientes
com hepatite B aguda se recuperam completamente, e menos de 1% deles pro-
gride para insuficiência hepática aguda. A progressão para a forma crônica é
observada em 5–10% dos casos, que podem evoluir para cirrose e carcinoma
hepatocelular (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
O HBV é um vírus de DNA circular de dupla fita, envelopado e com capsí-
deo icosaédrico, que pode se apresentar de três formas diferentes: partícula
esférica infectante, partícula esférica não infectante e partícula filamento-
sa. A forma esférica infectante (Figura 1), também chamada de partícula de
Dane ou vírion B, representa a forma estruturalmente completa do HBV, que
é constituída por uma região nuclear densa (core ou cerne) e apresenta uma
proteína interna denominada antígeno do cerne (HBcAg) e um envelope lipo-
proteico, no qual está inserida uma proteína de superfície denominada antí-
geno de superfície (HBsAg).

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Envelope (HBsAg)

Espículas
Capsômero

DNA

Partícula de Dane
MET (HBV completo)
50 nm
Partícula filamentosa
(partícula envelopada tubular)

Partícula esférica (partícula envelopada)

Figura 1. Estrutura e partículas do vírus da hepatite B. Fonte: TORTORA; FUNKE; CASE, 2012, p. 725. (Adaptado).

A hepatite B é transmitida por meio do contato com fluidos corpóreos e sangue


contendo partículas infectantes, o que pode ocorrer de modo vertical ou horizon-
tal. A transmissão vertical do HBV, mais comum em regiões de elevada incidência,
ocorre principalmente no momento do parto. A amamentação e a via transplacen-
tária também são possíveis formas de exposição vertical, embora sejam mais ra-
ras. Vale salientar que a carga viral materna é diretamente proporcional ao risco
de transmissão para o filho. Já a transmissão horizontal pode ocorrer por contato
com lesões de pele e mucosa, relações sexuais e uso compartilhado de agulhas.

EXPLICANDO
A transmissão vertical ocorre diretamente da mãe para o filho durante a
gestação, na amamentação ou no momento do parto. Já a transmissão
horizontal ocorre de um indivíduo para outro, que podem ou não ser da
mesma espécie. Há vários tipos de transmissão horizontal: a indireta, que
ocorre por meio de veículos; a direta imediata, na qual há contato físico
entre os indivíduos; e a direta mediata, na qual não há contato físico e o
patógeno é transmitido por meio de secreções oronasais.

Sabe-se que a progressão para a forma crônica da doença está diretamente as-
sociada a fatores do próprio hospedeiro, principalmente a suscetibilidade genética,
mediada por polimorfismos de MHC, e fatores inerentes ao vírus, especialmente a

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capacidade de integração do DNA viral pelo genoma das células hepáticas e a presen-
ça do antígeno HBeAg (antígeno E do HBV), importante marcador de replicação viral
e de infectividade por vírus selvagens (não mutantes) (TAVARES; MARINHO, 2015).
Dentre os exames inespecíficos para o diagnóstico laboratorial da hepatite B, o
hemograma pode apresentar contagem global de leucócitos normal ou leucopenia
leve, com linfocitose e atipia linfocitária, embora, em casos agudos fulminantes, pos-
sa haver leucocitose com neutrofilia. Em relação às provas bioquímicas, observa-se
aumento de enzimas hepáticas. A dosagem de TGP/ALT é particularmente útil para a
detecção da progressão, para casos fulminantes, que é indicada pela queda abrupta
dos níveis séricos da enzima após poucos dias de aumento. Observa-se também
aumento de bilirrubina total e bilirrubina direta, nos casos ictéricos.
No diagnóstico específico, podem ser empregados diversos imunoensaios, prin-
cipalmente ELISA e radioimunoensaio, para detecção dos antígenos HBsAg e HBeAg
e dos anticorpos anti-HBs (antiantígeno de superfície) e anti-HBc (antiantígeno do
cerne). A detecção precoce da infecção é feita pela identificação do HBsAg, uma vez
que a expressão dessa proteína na superfície do vírus pode ser detectada desde a
fase de incubação, embora seja mais comumente detectada no período prodrômi-
co, no qual há os primeiros sinais e sintomas indicativos da infecção, e também na
fase aguda. A permanência de níveis elevados desse marcador sorológico indica que
o paciente é portador crônico da infecção, com risco maior para progressão maligna.
Já a detecção do HBcAg não pode ser feita por técnicas sorológicas, uma vez
que esse antígeno não é secretado e, portanto, não pode ser encontrado no
soro, diferentemente do HBsAg. Dessa forma, a detecção do HBcAg é feita em
amostras teciduais de hepatócitos, por meio da técnica da imunoperoxidase.
Os testes moleculares para detecção do DNA viral, especialmente pela técnica
de PCR, são restritos aos centros de pesquisa (TAVARES; MARINHO, 2015).

CURIOSIDADE
A técnica da imunoperoxidase (IP) não requer a leitura em microscópio
específico, o que favorece sua aplicabilidade. Nessa técnica, o anticorpo
que irá se ligar ao antígeno de interesse é marcado com a enzima peroxi-
dase, que reage com um substrato adicionado e promove alteração de cor.
Dessa forma, nos locais do tecido onde há formação de imunocomplexos,
contendo o anticorpo marcado com a enzima, ocorre alteração da cor do
substrato, o que pode ser visualizado em microscópio óptico comum.

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Em relação à dosagem de anticorpos na sorologia para hepatite B, o anti-HBs
não é detectável no soro de pacientes crônicos, uma vez que a maioria dessas
imunoglobulinas produzidas nesse período encontram-se ligadas aos antígenos
HBsAg presentes no sangue do paciente. Na fase aguda, sua detecção também
não é possível, pois tais anticorpos encontram-se ligados aos imunocomplexos
formados. Dessa forma, a detecção do anti-HBs ocorre apenas em casos de recu-
peração completa ou em pacientes que passaram pelo processo de imunização
ativa com antígenos HBsAg.
Outro ponto importante na sorologia da hepatite B é o período de janela imuno-
lógica, que corresponde ao intervalo de tempo entre o desaparecimento dos HBsAg
e a detecção de imunoglobulinas anti-HBs no soro. Como a sorologia completa para
diagnóstico da hepatite B requer a detecção de diversos anticorpos e antígenos vi-
rais, o Quadro 1 resume os principais marcadores sorológicos, e o Quadro 2 demons-
tra os diferentes padrões sorológicos encontrados nas diferentes fases da infecção.

QUADRO 1. MARCADORES SOROLÓGICOS DA HEPATITE B

Interpretação dos marcadores sorológicos presentes na infecção pelo HBV

Marcadores Interpretação

Primeiro marcador a aparecer no soro precedendo os sintomas clínicos.


Nos casos que evoluem para cura, ele deixa de ser detectado. Sua per-
AgHBs sistência por mais de seis meses indica infecção crônica. Em 1% dos casos
pode não ser expresso, devendo ser substituído, para efeito diagnóstico,
pelo anti-HBc (fração IgM) ou pela pesquisa do DNA viral pela PCR.

A positividade da fração IgM associada à presença do AgHBs geral-


IgM Anti-HBc mente indica infecção aguda recente. Sua persistência por longo tem-
po tem valor preditivo de evolução grave.

Presente nas fases iniciais da doença, é, também, o marcador característi-


co da janela imunológica. Associado ao anti-AgHBs, indica desenvolvimen-
IgG Anti-HBc
to de imunidade ao HBV. O encontro isolado deste marcador pode indicar
infecção antiga, em que o anti-AgHBs já não é mais encontrado.

Importante marcador de replicação viral ativa e de infectividade nas


HBeAg infecções por vírus selvagens. Costuma não ser expresso nas infecções
por vírus com mutações na região do pré-core ou core promoter.

Indica evolução para cura, com parada de replicação viral nas in-
Anti-HBeAg fecções por vírus selvagens. Costuma estar positivo nas infecções por
vírus mutantes pré-core.

Anticorpo associado à cura e ao desenvolvimento de imunidade. É o


Anti-AgHBs marcador que, presente de forma isolada, indica desenvolvimento de
imunidade vacinal ao HBV.
Fonte: VERONESI; FOCACCIA, 2015, p. 563. (Adaptado).

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QUADRO 2. PADRÕES SOROLÓGICOS NAS FASES DA HEPATITE B

Principais padrões sorológicos encontrados na infecção pelo HBV

Anti-HBc Anti-HBc
AgHBs HBeAg Anti-HBe Anti-HBs Interpretação
(IgM) (total)

(+) (+) (+) (+) (-) (-) Hepatite B aguda (fase inicial).

(+) (-) (+) (+) (+) (-) Hepatite B aguda (fase tardia).

(+) (+) (-) (+) (-) (-) Hepatite crônica pelo HBV/HBV selvagem.

(+) (-) (-) (+) (+) (-) Hepatite crônica pelo HBV/HBV mutante pré-core.

(-) (-) (-) (+) (+)(-) (-) Janela imunológica.

(-) (-) (+) (+) (+)(-) (-) Hepatite B aguda.

(-) (-) (-) (+) (+)(-) (+) Hepatite B pregressa, imune.

(-) (-) (-) (-) (-) (+) Vacinação prévia.

(-) (-) (-) (+) (-) (-) HBV pregressa ou falso-positivo.

Fonte: VERONESI; FOCACCIA, 2015, p. 563. (Adaptado).

A hepatite C é uma das principais causas de problemas hepáticos em todo


o mundo. A doença tem distribuição global, e a Organização Mundial da Saúde
(OMS) estima que aproximadamente 180 milhões de pessoas estejam infecta-
das ao redor do mundo. No Brasil, a prevalência de hepatite C é estimada em
2,5%, o que caracteriza o País como região de endemicidade intermediária.
Clinicamente, a evolução da doença é insidiosa e a maioria dos pacien-
tes é assintomática por longos anos. A infecção costuma ser persistente e
a grande maioria dos casos progride para a forma crônica da doença, com
surgimento de cirrose em 20% dos pacientes crônicos. Dentre os pacientes
com cirrose decorrente de hepatite C crônica, aproximadamente 3% evoluem
para carcinoma hepatocelular.
Quando há manifestações clínicas na fase aguda, os sinais e sintomas mais
comuns são inespecíficos e incluem: mal-estar generalizado, icterícia, náuseas
e dor no hipocôndrio direito. Geralmente, os casos agudos sintomáticos apre-
sentam maior chance de resolução espontânea, sem cronificação ou evolução
para a forma fulminante, quando comparados com casos assintomáticos.
Durante a evolução para forma crônica, alguns pacientes apresentam
colúria, febre e cansaço, além de episódios de dor no hipocôndrio direito,
não relacionada à alimentação ou movimentação. Alguns podem apresentar
depressão, disfunções cognitivas e redução de memória de curto prazo. Com

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o passar do tempo, surgem manifestações mais severas, diretamente rela-
cionadas à disfunção hepática, tais como: sangramentos gengivais, hemato-
mas pós-traumáticos, redução da diurese e edema dos membros inferiores
(VERONESI; FOCACCIA, 2015).
O HCV (do inglês hepatitis C virus), agente etiológico da hepatite C, é um ví-
rus envelopado com genoma de RNA fita simples com polaridade positiva. A le-
são hepática é do tipo necroinflamatória, com participação direta da resposta
imune celular mediada por linfócitos T citotóxicos. A transmissão da hepatite C
ocorre principalmente por meio do sangue e, dessa forma, os maiores fatores
de risco para aquisição da doença incluem (TAVARES; MARINHO, 2015):
• Uso de drogas injetáveis;
• Contato direto com infectados;
• Acidentes com perfurocortantes;
• Transfusões de sangue e de órgãos;
• Contato sexual (relações sexuais desprotegidas e multiplicidade de parcei-
ros são importantes fatores de risco).
Para o diagnóstico inespecífico, vários exames podem ser solicitados, dentre
eles o hemograma, a dosagem sérica de enzimas hepáticas e o coagulograma.
Pacientes com hepatite C na fase aguda podem apresentar contagem global de
leucócitos normal ou leucopenia com linfocitose e atipia linfocitária; porém, na
forma fulminante da doença, pode haver leucocitose com neutrofilia. As dosa-
gens de TGO/AST e TGP/ALT são elevadas, mas os níveis esperados geralmente
são inferiores aos observados em pacientes com hepatite B. No coagulograma,
observa-se redução do tempo de atividade de protrombina (TAP).
O diagnóstico específico da infecção pelo HCV é baseado em métodos so-
rológicos e moleculares. A sorologia da hepatite C é feita por imunoensaios
de ELISA para detecção de imunoglobulinas anti-HCV, sem distin-
ção entre IgM e IgG. Portanto, não é possível diferenciar infecção
ativa, crônica ou já resolvida. Dessa forma, quando a
sorologia é positiva, indica-se a realização de PCR
quantitativa, que, além de ser útil para a con-
firmação do diagnóstico, também é empregada
para monitoramento do tratamento, uma vez que
determina a carga viral do paciente. Outra possibili-

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dade é a realização de genotipagem do vírus, para determinar qual sorotipo
está presente na infecção (VERONESI; FOCACCIA, 2015).
A hepatite D é um importante problema de saúde pública apenas em re-
giões endêmicas para hepatite B, uma vez que a infecção pelo HDV (do inglês
hepatitis D virus) só ocorre em indivíduos previamente infectados pelo HBV. O
HDV é um vírus envelopado, com genoma de RNA circular de fita simples e po-
laridade negativa, que codifica uma única proteína denominada antígeno del-
ta (HDAg). Devido à ausência do gene que codifica a proteína do envelope, o
HDV utiliza antígenos HBsAg como proteínas do envelope viral. Os mecanismos
patogênicos envolvidos na infecção pelo HDV são semelhantes ao observado
na hepatite B, ou seja, há participação de linfócitos T citotóxicos no desenvolvi-
mento das lesões hepáticas.
Clinicamente, a forma aguda da hepatite D ocorre quando há coinfecção
simultânea com HBV e, nesse caso, as manifestações clínicas agudas são mais
severas do que as observadas na hepatite B isolada. A forma crônica, por outro
lado, ocorre quando um paciente com hepatite B crônica é exposto ao HDV, o
que resulta em uma superinfecção (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
A transmissão do HDV ocorre pelas mesmas vias do HBV, ou seja, os principais
fatores de risco para sua aquisição incluem uso de drogas injetáveis, relações
sexuais desprotegidas, acidentes com objetos perfurocortantes e transmissão
vertical da mãe para o filho. O diagnóstico específico é feito por imunoensaios
sorológicos que detectam o HDAg ou imunoglobulinas IgM anti-HD.
Por fim, a hepatite E é uma infecção zoonótica causada pelo HEV (do inglês
hepatitis E virus), cuja transmissão é oral-fecal e ocorre por meio da ingestão de
água e alimentos contaminados com fezes de animais infectados. O HEV é um
vírus não envelopado, com genoma de RNA fita simples de polaridade positiva,
cuja infecção resulta em indução da resposta inflamatória hepática, com pos-
sível desenvolvimento de necrose. Sua presença é endêmica em regiões com
escassez de saneamento básico e condições precárias de higiene. A doença é
geralmente benigna e autolimitada, mas pode evoluir para casos crônicos em
pacientes imunocomprometidos.
Em termos laboratoriais, o diagnóstico inespecífico de hepatite E inclui a do-
sagem bioquímica de enzimas hepáticas, com observação de níveis séricos de
TGO/AST e TGP/ALT de duas a três vezes maiores que o normal. O diagnóstico

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específico é feito sorologicamente, por imunoensaios que detectam imunoglo-
bulinas IgM e IgG anti-HEV, e por testes moleculares para detecção do RNA viral
em amostras de sangue e fezes (TAVARES; MARINHO, 2015).

Infecção pelo HIV


A síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids, do inglês acquired
immunodeficiency syndrome) é uma doença infectocontagiosa causada pelo ví-
rus da imunodeficiência humana (HIV, do inglês human immunodeficiency virus),
que resulta em severa deficiência da resposta imune celular, com consequente
aumento da suscetibilidade a infecções oportunistas. Vale salientar que os ter-
mos Aids e HIV não devem ser usados como sinônimos, uma vez que a síndro-
me é o estágio final da infecção viral não controlada.
Dados da OMS demonstram que, desde a descoberta da doença até o ano
de 2010, mais de 34 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV no mundo,
com aproximadamente três milhões de casos novos e dois milhões de mortes
apenas no ano de 2010. Já no Brasil, dados no Ministério da Saúde apontam
mais de 650 mil casos de infecção por HIV, no País, de 1980 a 2013, com mais
de 35 mil novos casos apenas em 2010. O País é o segundo mais afetado pelo
vírus no continente americano, com a maioria dos casos registrados na região
Sudeste (TAVARES; MARINHO, 2015).
O HIV é um retrovírus linfotrópico envelopado, cujo genoma é formado
por duas moléculas idênticas de RNA fita simples de polaridade positiva. Seu
tropismo é determinado pela presença da proteína de superfície CD4 nas cé-
lulas hospedeiras, o que faz com que os linfócitos T auxiliares (CD4+) sejam os
principais alvos do HIV, embora o vírus também possa infectar macrófagos e
monócitos. São conhecidos dois tipos biológicos distintos de HIV, denominados
HIV-1 e HIV-2, que diferem entre si tanto no peso molecular das proteínas codi-
ficadas quanto nos genes acessórios que apresentam. Embora ambos infectem
células CD4+, geralmente o quadro clínico resultante da infecção pelo HIV-1 é
pior em termos de imunodeficiência.
A primeira etapa da infecção pelo HIV envolve a ligação do vírion à célu-
la-alvo, pela interação entre a proteína gp120 do envelope viral com a proteína
CD4 na superfície celular. Em seguida, ocorre interação da proteína gp120 com

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receptores de quimiocinas também expressos na superfície da célula, sendo
CXCR4 nos linfócitos e CCR5 em macrófagos e monócitos.
Depois disso, a proteína gp41 do vírion induz a fusão do envelope viral com
a membrana plasmática da célula hospedeira. Com isso, o nucleocapsídeo pas-
sa para o citoplasma da célula, juntamente com a enzima transcriptase reversa.
A partir de então, o genoma viral utiliza a transcriptase reversa para originar
DNA dupla fita, que migra para o núcleo da célula e passa a integrar o genoma
celular, dando origem ao chamado provírus, ou profago.
Durante o curso da infecção latente, as células se multiplicam e o material ge-
nético do vírus é replicado juntamente com o genoma da célula (Figura 2). Quando o
provírus é ativado, a infecção se torna ativa, e o DNA do profago é empregado para
produção de RNA mensageiro viral, com a participação da enzima RNA-polimerase.
Por fim, o RNAm viral é traduzido e todas as proteínas virais são sintetizadas.

Receptores CCR5 ou CXCR4


Receptores CD4 Provírus

Célula CD4

DNA cromossômico
RNA viral
Provírus mRNA

Centro com
Envelope
RNA viral

Vírus começando a brotar da célula T


Progênie do HIV
(a) Infecção latente: o DNA viral b) Infecção ativa: o provírus é ativado, permitindo
é integrado ao DNA celular e que controle a síntese de novos vírus, que brotam
forma um provírus, que mais da célula hospedeira. A montagem final acontece na
tarde pode ser ativado para membrana celular, levando as proteínas do
produzir vírus infectivos. envelope viral à medida que o vírus brota da célula.

Figura 2. Esquematização da replicação do HIV. Fonte: TORTORA; FUNKE; CASE, 2012, p. 541. (Adaptado).

Clinicamente, a infecção pelo HIV pode ser dividida em três fases. Na fase
inicial, geralmente não há manifestações clínicas ou o paciente apresenta ape-
nas linfadenopatia. Há infecção maciça de linfócitos T CD4+ e a contagem de
RNA viral pode atingir mais de dez milhões de cópias/mL de sangue. Em algu-
mas semanas, com a redução de células-alvo disponíveis na circulação, ocorre
redução significativa da carga viral sanguínea.

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Na segunda fase, a queda de linfócitos T CD4+ continua, porém a taxa de re-
plicação viral é reduzida, devido à ação de linfócitos T citotóxicos. Nessa etapa,
pode haver liberação de algumas partículas virais, mas a maioria das células in-
fectadas permanece no estágio latente. Poucas manifestações podem ser ob-
servadas, como recorrência e persistência de infecções por fungos e reativação
de alguns vírus, tais como Epstein-Barr (EBV) e herpes zoster.
Por fim, na terceira fase, que ocorre cerca de uma década depois do con-
tágio, há redução drástica da contagem de linfócitos T CD4+, geralmente para
menos de 350 células/µL. A imunodeficiência resultante da depleção significa-
tiva de células imunes desencadeia diversas manifestações indicativas de Aids,
como infecções oculares por citomegalovírus (CMV), toxoplasmose cerebral,
focos de tuberculose, pneumonia atípica por fungos do gênero Pneumocysti e
sarcoma de Kaposi (TAVARES; MARINHO, 2015).
A transmissão do HIV ocorre por contato direto ou transferência de fluidos
corporais contendo partículas virais, o que ocorre principalmente por meio de re-
lações sexuais desprotegidas, uso compartilhado de agulhas, transfusão de san-
gue, acidentes com perfurocortantes e transplantes de órgãos, além da transmis-
são vertical transplacentária, no momento do parto e aleitamento materno.
O diagnóstico laboratorial da infecção pelo HIV inclui métodos que detectam
tanto a presença de anticorpos quanto de antígenos virais. O teste presuntivo é
feito por ELISA, com intuito de detectar anticorpos contra a proteína p24 do vírus
em amostras de soro, saliva e líquor. Testes rápidos de imunocromatografia,
que são simples e de baixo custo, também estão disponíveis para a triagem.
Para o estabelecimento do diagnóstico definitivo podem ser utilizadas téc-
nicas de imunofluorescência indireta (IFI) e western blot (WB), que detectam
anticorpos contra as proteínas gp41 e p24 do vírus. Vale salientar que o empre-
go de técnicas de detecção de anticorpos deve sempre levar em consideração
o período de soroconversão, que corresponde ao momento no qual a resposta
humoral passa a produzir títulos detectáveis de anticorpos anti-HIV. O intervalo
de tempo entre contágio e soroconversão é chamado de janela imunológica.
Além dos imunoensaios, exames complementares devem ser realizados
durante o manejo da infecção pelo HIV, principalmente: ensaios de resistências
aos fármacos antirretrovirais; técnica de PCR quantitativa em tempo real (qPCR),
que permite a detecção do RNA viral; além da determinação da carga viral do

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paciente e contagem de linfócitos T CD4+ por citometria de fluxo. Vale salientar
que o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos da
América, define o diagnóstico da Aids apenas para contagens de CD4+ inferiores
a 200 células/µL.

Dengue
A dengue é uma infecção viral aguda e sistêmica, considerada a mais im-
portante virose transmitida por artrópodes no mundo, em termos de morbi-
mortalidade. Em regiões endêmicas, encontradas especialmente em áreas
tropicais e subtropicais, a dengue é um grande problema de saúde pública e
representa um desafio considerável em termos socioeconômicos.
Dados da OMS apontam a ocorrência de mais de 100 milhões de casos anuais
de indivíduos infectados pelo vírus da dengue no mundo, embora pesquisadores
digam que esse número pode ser bem maior, uma vez que apenas cerca de 25% dos
casos se manifestam clinicamente (BHATT, 2013). Segundo o Ministério da Saúde,
no Brasil foram detectados aproximadamente cinco milhões de casos entre 2013 e
2016, com mais de 200 mil relatos de hospitalização no mesmo período. No ano de
2015, uma significativa epidemia de dengue atingiu o País, especialmente na região
Sudeste, com mais de 50% dos casos no estado de São Paulo (BRASIL, 2017).
O agente etiológico da dengue é um arbovírus denominado DENV (do in-
glês dengue virus) pertencente à família Flaviviridae, e são conhecidos quatro
sorotipos diferentes, denominados: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. O ví-
rus da dengue é pequeno, esférico, envelopado e tem genoma formado por
RNA fi ta simples de polaridade positiva. Ele é transmitido por mosquitos do
gênero Aedes, que se tornam infectados após o hábito hematófago em indiví-
duos contaminados.
Depois da contaminação, o vírus se replica no organismo do mosquito.
Quando o mosquito infectado pica um indivíduo suscetível, o ciclo de trans-
missão é completado. Apesar de várias espécies de mosquito serem transmis-
soras, o Aedes aegypti é o mais importante para a disseminação da doença,
devido a sua antropofilia e hábitos urbano-domésticos.
Em termos clínicos, a forma clássica da dengue apresenta manifesta-
ções clínicas típicas, que incluem febre de início abrupto, exantema e dores

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musculares e articulares. Embora os
eventos álgicos sejam severos, a for-
ma clássica tem bom prognóstico e
raramente é fatal. A forma mais rara,
conhecida como febre hemorrágica
da dengue, por sua vez, é bem mais
grave e apresenta elevado potencial
de fatalidade. A resposta imunológi-
ca sorotipo-específica decorrente da
infecção é duradoura, porém a imu-
nidade simultânea contra sorotipos diferentes dura apenas poucos meses.
Dentre os métodos inespecíficos para diagnóstico da dengue, destacam-se o
hemograma e as dosagens bioquímicas. No hemograma, pacientes adultos apresen-
tam aumento do hematócrito e possível leucopenia e linfocitose relativa, sem atipia
linfocitária significativa. Em casos mais graves da doença, nos quais há comprome-
timento visceral severo, o hemograma pode se assemelhar a casos de bacteremia,
com leucocitose e neutrofilia. A contagem de plaquetas pode ser normal ou reduzida,
e os níveis de enzimas hepáticas dependem do grau de comprometimento do fígado,
podendo estar normais, levemente aumentados ou bem acima do normal.
Os métodos específicos para o diagnóstico podem ser divididos em virológicos
e sorológicos. A detecção do vírus no diagnóstico virológico pode ser feita por
métodos de biologia molecular, principalmente hibridização in situ ou a técnica de
RT-PCR, na qual a reação da enzima transcriptase reversa converte RNA em DNA
complementar, para posterior amplificação por reação em cadeia da polimerase.
Para o diagnóstico sorológico podem ser empregadas amostras de sangue e ou-
tros fluidos corporais, além de fragmentos de órgãos ou macerados de mosquitos.
O imunoensaio sorológico mais empregado na rotina laboratorial é o
ELISA, que apresenta elevada especificidade e permite distinguir as imu-
noglobulinas das classes IgM e IgG. Anticorpos IgM são detectáveis cinco
a seis dias após a infecção e permanecem no soro apenas alguns meses.
Já os anticorpos IgG surgem mais de uma semana depois, e permanecem
detectáveis no soro por muitos anos. Adicionalmente, testes rápidos por
imunocromatografia de fluxo lateral são amplamente empregados para a
triagem da dengue, em ambientes sem grande infraestrutura laboratorial.

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Mononucleose
A mononucleose infecciosa é uma doença viral aguda causada pelo vírus
Epstein-Barr (EBV, do inglês Epstein-Barr virus), caracterizada por febre e lin-
fadenopatia generalizada, com possível surgimento de visceromegalias, alte-
rações hematológicas e exantema. Nos pacientes adultos, a sintomatologia é
observada em cerca de metade dos casos e o quadro clínico, na grande maioria
das vezes, é benigno e autolimitado.
A infecção pelo EBV é extremamente comum na população e estudos soro-
lógicos demonstram mais de 80% de positividade para anticorpos específicos.
Em locais com condições socioeconômicas precárias, a maioria dos indivíduos
entra em contato com o vírus durante a infância, enquanto que, em locais mais
desenvolvidos, a infecção ocorre mais comumente na adolescência ou na vida
adulta. Assim como observado em todos os herpesvírus, a infecção pelo EBV é
incurável e apresenta períodos de latência.
O EBV, também chamado de herpesvírus humano tipo 4, é um vírus de DNA
dupla fita, com capsídeo icosaédrico envelopado. O EBV entra no organismo a par-
tir de células do epitélio nasofaríngeo e, em seguida, infecta os linfócitos localizados
no trato respiratório superior. Após a entrada nos linfócitos, o EBV transcreve seu
genoma viral e se incorpora ao DNA do hospedeiro, dando origem à forma episso-
mal, na qual o material genético viral permanece integrado ao DNA dos linfócitos.
A partir de então, os genes virais passam a ser expressos, dando origem a
diversas proteínas virais, dentre elas os antígenos nucleares (EBNA, do inglês
Epstein-Barr nuclear antigens), que são responsáveis pela imortalização dos lin-
fócitos. Enquanto o EBNA-1 atua na manutenção do epissoma na fase latente
da infecção, na qual ocorre o ciclo lisogênico do vírus, o EBNA-2 induz a prolife-
ração de linfócitos imortalizados (VERONESI; FOCACCIA, 2015).
A transmissão do EBV ocorre principalmente por contato com secreções
nasofaríngeas de indivíduos infectados, que podem transmitir as partículas
virais mesmo quando assintomáticos. A carga viral nas secreções nasofarín-
geas é maior no primeiro ano após a infecção; depois disso, a quantidade de
vírus diminui significativamente. Entre crianças, é muito comum a transmissão
por brinquedos e chupetas compartilhadas, já em adultos, é mais comum a
transmissão pelo beijo.

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O diagnóstico inespecífico envolve análises hematológicas e bioquímicas. No
hemograma, observa-se linfocitose relativa e absoluta com atipia linfocitária, com
pico entre a segunda e a terceira semana de infecção. Também pode ser obser-
vada neutropenia relativa e absoluta, em mais da metade dos infectados, com
discreto desvio à esquerda, além de anemia e trombocitopenia. Os níveis séricos
de enzimas hepáticas encontram-se aumentados em cerca de 60% dos casos.
Por fim, a detecção de anticorpos heterófilos também é útil no diagnóstico
inespecífico da mononucleose por EBV. Tais imunoglobulinas inespecíficas são
detectáveis em altos níveis no soro, entre duas e quatro semanas após a in-
fecção, e podem ser detectadas pela reação de Paul-Bunnell-Davidsohn, na
qual os anticorpos heterófilos causam aglutinação de hemácias de carneiro e
cavalo, por meio de interação com antígenos de superfície eritrocitária.
Para o diagnóstico específico da mononucleose por EBV, emprega-se imuno-
fluorescência indireta para detecção de anticorpos específicos produzidos contra
o antígeno do capsídeo viral (anti-VCA) ou contra antígenos nucleares (anti-EBNA).
As imunoglobulinas IgM anti-VCA caem rapidamente no soro após quatro meses da
infecção, e as IgG anti-VCA geralmente já podem ser detectadas na primeira coleta
de soro, permanecendo detectáveis por toda a vida (TAVARES; MARINHO, 2015).

Infecção por HTLV


Os vírus linfotrópicos de células T humanas (HTLV, do inglês human T
lymphotropic virus) são importantes retrovírus oncogênicos, que apresentam
genoma de RNA fita simples, de polaridade positiva, que infectam linfócitos T
CD4+. São descritos dois subtipos de HTLVs, denominados HTLV-1 e HTLV-2, que
apresentam composição genética com similaridade de cerca de 65% entre si.
Os HTLVs são vírus envelopados e, assim como todos os retrovírus, possuem a
enzima transcriptase reversa no interior do vírion. Enquanto o HIV é um retro-
vírus citotóxico, os HTLVs não matam as células infectadas, uma vez que produ-
zem proteínas que desencadeiam uma transformação maligna, que culmina na
imortalização das células.
Embora a patogenicidade do HTLV-2 ainda seja pouco conhecida, sabe-se que
o HTLV-1 está diretamente relacionado à leucemia/linfoma de células T do adul-
to e diversas doenças neurológicas, como mielopatia associada ao HTLV, para-

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paresia espástica tropical, neuropatia periférica, encefalomielite, entre outras. A
infecção pelo HTLV-1 pode, ainda, causar manifestações como uveíte, alveolite,
dermatite infectiva, artrite e tireoidite (TAVARES; MARINHO, 2015).
Em termos epidemiológicos, a distribuição do HTLV é mundial, mas a real
prevalência da infecção é desconhecida, embora estime-se a ocorrência de
mais de 20 milhões de portadores de HTLV no mundo. A infecção é endêmica
em alguns pontos, especialmente no Sudeste do Japão, no Caribe, na África
subsaariana, no Oriente Médio, na Papua-Nova Guiné e em algumas regiões
da América do Sul, tal como a Colômbia, além do Sudeste e Nordeste do Brasil.
O Brasil, inclusive, é o país com o maior número absoluto de casos de infecção
por HTLV no mundo (VERONESI; FOCACCIA, 2015).
A transmissão do HTLV ocorre por três possíveis vias: vertical, sexual e san-
guínea. Na transmissão vertical, o contágio ocorre principalmente pelo leite
materno, embora também possa haver transmissão transplacentária; a trans-
missão sexual é mais comum do homem para a mulher, e a suscetibilidade
aparentemente aumenta após a menopausa; a transmissão sanguínea, por
transfusão de hemocomponentes, tem sido observada em maior número em
países endêmicos, embora o uso de drogas injetáveis ainda seja o principal
meio de disseminação hematológica.
O diagnóstico laboratorial das infecções por HTLV pode ser feito de três
maneiras, sendo elas:
• Por isolamento viral, por cultivo celular em linfócitos, que é um proce-
dimento completo e de alto custo, com baixa aplicabilidade na rotina clínica;
• Por técnicas de biologia molecular, especialmente a PCR, que são emprega-
das principalmente como teste padrão-ouro para o desenvolvimento dos imunoen-
saios, uma vez que apresentam elevadas taxas de sensibilidade e especificidade;
• Por imunoensaios de sorologia, que detectam anticorpos espe-
cíficos contra o vírus, por meio de técnicas como ELISA, radioimu-
noensaio, imunofluorescência indireta e western blot.
Além das metodologias específicas, a avaliação
hematológica por análise do esfregaço de sangue
pode apresentar linfócitos com alterações nu-
cleares típicas, conhecidos como células em flor
( flower cells).

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Infecções bacterianas
O diagnóstico laboratorial das infec-
ções bacterianas pode ser feito de modo
inespecífico ou específico. O diagnóstico
inespecífico envolve testes que avaliam
alterações hematológicas, bioquímicas
e metabólicas, resultantes da presença
das bactérias no organismo. Nesse con-
texto, destaca-se a importância do he-
mograma, mais especificamente a análise da série branca do sangue.
A grande maioria das infecções bacterianas causa leucocitose com neutro-
filia, embora, em casos sérios de sepse, pode ser observada leucopenia de-
corrente de neutropenia. Adicionalmente, níveis séricos de proteínas de fase
aguda, especialmente a proteína C reativa, encontram-se elevados na grande
maioria dos processos inflamatórios resultantes de infecção bacteriana.
Já o diagnóstico específico das infecções bacterianas é feito quando os mé-
todos empregados visam detectar, direta ou indiretamente, a presença de es-
truturas específicas da bactéria no organismo. Dentre as técnicas empregadas
para o diagnóstico específico de infecções bacterianas, destacam-se a bacte-
rioscopia pelo método de Gram, o isolamento em meios de cultura e a iden-
tificação da espécie envolvida, por provas bioquímicas. Além do diagnóstico
microbiológico, alguns testes sorológicos também podem ser empregados,
uma vez que permitem a identificação de anticorpos produzidos pelo sistema
imune em resposta à infecção.

Infecção estreptocócica
Os estreptococos são bactérias Gram-positivas da família Streptococcaceae,
que apresentam formato esférico e agrupamento em cadeia ou aos pares. Vá-
rias características são importantes para a identificação e caracterização dos es-
treptococos, incluindo morfologia bacteriana, padrão de hemólise das colônias
e produção de determinadas enzimas e toxinas, além da composição antigênica
da célula bacteriana.

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Nesse contexto, a classificação de Lancefield permite identificar diferentes so-
rogrupos de estreptococos, com base em diferenças estruturais em um carboidrato
da parede celular denominado carboidrato C. De acordo com essa classificação, des-
tacam-se no contexto de saúde humana os estreptococos do grupo A (Streptococcus
pyogenes), do grupo B (S. agalactiae) e o S. pneumoniae, que não é agrupável devido à
ausência de carboidrato C em sua parede (TORTORA; FUNKE; CASE, 2012).
Outra importante classificação dos estreptococos é feita de acordo com a
sua capacidade de hemólise, verificada pela observação do padrão das colô-
nias em meio sólido de ágar sangue. As colônias que hemolisam totalmente
as hemácias presentes no meio são denominadas de beta-hemolíticas, en-
quanto as que fazem hemólise parcial são chamadas de alfa-hemolíticas. Há,
ainda, a hemólise de zona larga, ou alfa-primo, que é intermediária entre os
tipos alfa e beta. Já as colônias incapazes de causar hemólise em ágar sangue
são denominadas de gama-hemolíticas. De acordo com essa classificação, os
estreptococos do grupo A e do grupo B são beta-hemolíticos, enquanto os
pneumococos são gama-hemolíticos.
As estreptococcias são processos infecciosos causados por diversas espécies
diferentes de estreptococos. As doenças incluídas nesse grupo afetam indivíduos
de todas as idades, são de gravidade variável e podem ser localizadas ou sistêmi-
cas, além de ter origem comunitária ou nosocomial. Dentre as estreptococcias,
destacam-se as infecções causadas pelo estreptococo do grupo A, como a faringi-
te e a amigdalite estreptocócica, que são mais comuns em crianças de 5 a 15 anos
de idade e apresentam manifestações clínicas como dor à deglutição, febre alta,
edema e hiperemia locais, com possível presença de abscesso purulento.

A transmissão ocorre de pessoa a pessoa, após contato próximo durante a


fase aguda da infecção, geralmente por meio de gotículas ou secreções naso-
faríngeas. Em alguns casos, pode haver o desenvolvimento de complicações,

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como febre reumática e glomerulonefrite pós-estreptocócica, que envolvem
respostas imunes mal direcionadas contra antígenos próprios. Além disso, o
estreptococo do grupo A causa piodermites, como impetigo, erisipela e fasceíte
necrosante, além de escarlatina e choque tóxico (TAVARES; MARINHO, 2015).
O diagnóstico microbiológico específico das infecções por estreptococos re-
quer a identificação exata da espécie presente na amostra biológica. De modo
geral, o fluxograma para identificação de estreptococos do grupo A inclui: ob-
servação de cocos Gram-positivos dispostos em cadeias, padrão de beta-hemó-
lise no ágar sangue, prova da catalase negativa, teste PYR positivo e presença de
sensibilidade à bacitracina no antibiograma (TAVARES; MARINHO, 2015).

ASSISTA
O vídeo Teste de PYR, do canal Wil Microbiology, no YouTube,
ilustra esse método simples e rápido para verificação da
presença da enzima pyrrolidonil arilamidase, produzida por
enterococos e Streptococcus pyogenes.

Para auxiliar no diagnóstico de infecções por estreptococos do grupo A, é


possível ainda a realização de testes sorológicos que visam detectar a presença
de anticorpos produzidos pelo sistema imune, após o contato com os antíge-
nos bacterianos. O teste mais empregado na rotina é a detecção de anticorpos
antiestreptolisina O (ASLO), produzidos alguns dias ou semanas após a fase
aguda de infecções por S. pyogenes, sendo particularmente útil em casos de
complicações como febre reumática e glomerulonefrite pós-estreptocócica.
Nos casos de faringite estreptocócica, os níveis séricos de ASLO encontram-se
elevados na maioria dos pacientes, o que pode ser observado a partir de 15 dias
após a infecção, com possível duração de semanas ou meses. Já as pioder-
mites, como impetigo e erisipela, causam aumento de ASLO em menos
da metade dos pacientes. Ainda no contexto das infecções
por S. pyogenes, outras duas provas sorológicas podem
ser empregadas: dosagem de anticorpos antidesoxi-
ribonuclease B (anti-DNAse B) e anti-hialuronidase.
Assim como o ASLO, a elevação de anti-DNAse
B é um indicativo seguro de infecções recentes, com

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níveis séricos máximos atingidos cerca de seis semanas após a fase aguda da
infecção. Já a dosagem elevada de anti-hialuronidase atinge o pico após três
a cinco semanas da fase aguda, sendo detectada em cerca de 60% dos casos
de faringite e em menos de 50% das piodermites (TAVARES; MARINHO, 2015).
Tanto os testes sorológicos para determinação de ASLO quanto os de
anti-DNAse B e anti-hialuronidase são baseados em ensaios de aglutina-
ção indireta em látex. Nesses ensaios, partículas inertes de látex são
revestidas por antígenos específicos, para os quais se quer determinar a
presença de anticorpos. Por exemplo, no kit de ASLO, as microesferas de
látex são revestidas com estreptolisina O e, quando há anticorpos ASLO no
soro do paciente, a ligação antígeno-anticorpo resulta em aglutinação das
partículas de látex.

Infecção treponêmica
A sífilis é uma doença infectocontagiosa bacteriana de evolução sistêmica
e possível cronificação, cujas manifestações clínicas variam de acordo com o
estágio da infecção. O homem é o único reservatório do agente etiológico da sí-
filis e a transmissão ocorre predominantemente por relações sexuais desprote-
gidas, embora também possa ocorrer por via transplacentária e hematogênica.
Sua distribuição é global, com igual prevalência entre os gêneros, sendo mais
frequente em adultos sexualmente ativos.
Segundo dados epidemiológicos da OMS, estima-se a ocorrência de cerca
de 376 milhões de casos de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)
curáveis em todo o mundo, entre 2009 e 2016, com aproximadamente seis
milhões de casos de sífilis. Dessa forma, a sífilis caracteriza-se como a ter-
ceira IST bacteriana mais comum, sendo ultrapassada apenas pela infecção
clamidiana e pela gonorreia.
Sua prevalência mundial gira em torno de 0,5% em homens e mulheres,
embora acredite-se que os dados ainda sejam subestimados. No Brasil, a no-
tificação dos casos de sífilis adquirida é compulsória desde 2010, o que favo-
rece a análise epidemiológica recente no País. Dados do Ministério da Saúde
demonstram aumento significativo dos casos anuais de todas as formas da
doença (Gráfico 1).

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GRÁFICO 1. TAXA DE DETECÇÃO DE SÍFILIS DE ACORDO COM O ANO DE DIAGNÓSTICO

75,8

70,0

59,1
60,0

50,0
44,5

40,0
34,1

30,0
25,1
21,4
19,7
20,0 17,0
14,5
13,4
9,5 10,9
10,0 8,9
5,7 7,2 8,5 9,0
3,5 4,7 6,5 7,4
2,1 4,8 5,5
3,3 4,0
2,4
0,0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Ano de diagnóstico
Adquirida Gestante Congênita
(por 100.000 hab.) (por 1000 nascidos vivos) (por 1000 nascidos vivos)
Fonte: BRASIL, 2019, p. 13. (Adaptado).

O agente etiológico da sífilis é uma bactéria espiroqueta Gram-negativa de-


nominada Treponema pallidum, que possui estrutura delgada e espiralada. É
um patógeno exclusivo do ser humano, que não cresce em meios de cultura ar-
tificiais. A entrada do treponema no organismo ocorre por penetração na pele
e mucosa, especialmente em situações de perda de integridade do epitélio.
Após a penetração, o patógeno atinge as correntes sanguínea e linfática, com
rápida disseminação pelo organismo. Em termos clínicos, a doença é dividida
em quatro estágios, sendo eles (TAVARES; MARINHO, 2015):
• Período de incubação, que pode variar de 10 a 90 dias, com média de
três semanas;
• Sífilis primária, que acontece quando surge uma lesão denominada pro-
tossifiloma, popularmente conhecida como cancro duro. Essa lesão primária,
que indica o local de entrada da bactéria, é ulcerosa e indolor, e desaparece
espontaneamente, cerca de um mês depois. A grande maioria dos protossi-
filomas é genital, com apenas 5% de casos extragenitais, principalmente nos
dedos, língua, queixo e nariz;

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• Sífilis secundária, que é caracterizada por lesões cutâneas de aparência
variável, iniciando-se quatro a dez semanas após a lesão primária. As lesões
do segundo estágio podem ser eritematosas, com aspecto papuloso ou papu-
loescamoso, acompanhadas de manifestações inespecíficas, como mal-estar,
febre, mialgia, artralgia e queda de cabelo. Tanto as lesões quanto as manifes-
tações clínicas dessa fase desaparecem sem tratamento;
• Sífilis terciária, que acontece após o desaparecimento das lesões secun-
dárias, caso os pacientes não se mantenham assintomáticos por toda a vida.
No estágio terciário, decorrente da disseminação sanguínea do treponema,
surgem lesões gomosas em diversas regiões do organismo, com acometimento
cardiovascular e neurológico.
Outro quadro importante da doença é a sífilis congênita, caracterizada
pela transmissão dos treponemas da mãe para o bebê, na gestação ou no
parto. Dentre as complicações gestacionais decorrentes, destacam-se o parto
prematuro e a morte neonatal. Após o nascimento, os bebês podem apresen-
tar manifestações clínicas, como lesões cutâneas, baixo peso ao nascimento,
dificuldade respiratória, linfadenopatia, osteocondrite, hepatoesplenomegalia,
anemia, icterícia e trombocitopenia.
O método empregado para o diagnóstico laboratorial da sífilis depende
diretamente da fase evolutiva na qual a doença se encontra. A pesquisa
direta de treponemas é indicada quando o exame físico aponta presença
de cancro duro ou de lesões mucocutâneas indicativas de sífilis secundá-
ria. Dentre as técnicas atualmente disponíveis para a pesquisa de trepo-
nemas, destacam-se a microscopia de campo escuro e a imunofluores-
cência direta.

EXPLICANDO
Na microscopia de campo escuro, os raios luminosos que incidem na
amostra são captados pela lente objetiva e geram uma imagem em um
fundo escuro. É um método indicado para observação de estruturas em
amostras com pouco contraste. Durante o procedimento, a amostra a
fresco é levada ao microscópio com um condensador de campo escuro,
o que permite que as estruturas do treponema vivo e móvel sejam visua-
lizadas. Apesar de ser rápido e de baixo custo, o método não apresenta
elevada sensibilidade, logo, a negatividade da amostra não exclui total-
mente o diagnóstico.

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Uma alternativa à pesquisa direta dos treponemas é a realização de provas
sorológicas para pesquisa de anticorpos produzidos pelo sistema imune du-
rante a infecção. Na triagem da sífilis, são realizados testes sorológicos não tre-
ponêmicos, que visam à detecção de anticorpos não específicos, denominados
reaginas, que são imunoglobulinas produzidas na presença de material lipídi-
co liberado pelas células em diversas condições, tais como lúpus eritematoso
sistêmico, hanseníase, malária, tuberculose, doenças hepáticas crônicas, uso
de drogas injetáveis, gestação e transfusão de hemoderivados. Dessa forma,
os testes não treponêmicos apresentam baixa especificidade e podem forne-
cer resultados falso-positivos.
Os testes não treponêmicos baseiam-se na ligação das reaginas a micelas
constituídas por uma suspensão antigênica, composta de uma solução alcoó-
lica contendo cardiolipina, colesterol e lecitina (Figura 3). Quando as micelas
são reconhecidas pelas reaginas ocorre uma reação de floculação, na qual os
grumos formados podem ser visualizados a olho nu ou com auxílio de micros-
copia. Tais reações podem ser empregadas de modo qualitativo, com intuito
de determinar se a amostra é reagente ou não, e de modo semiquantitativo,
quando utilizados para verificar a titulação dos anticorpos não treponêmicos
após diluição seriada da amostra.

Anticorpos não treponêmicos

Cardiolipina
Lecitina
Colesterol

Figura 3. Reação de floculação em testes não treponêmicos. Fonte: BRASIL, 2010, p. 34. (Adaptado).

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O principal e mais empregado teste sorológico não treponêmico para tria-
gem da sífilis é o VDRL (do inglês venereal disease research laboratory), o único
que permite o uso de líquido cefalorraquidiano como amostra. Atualmente,
diversas modificações do VDRL estão disponíveis, tais como o RPR (do inglês ra-
pid test reagin), o USR (unheated serum reagin) e o TRUST (toluidine red unheated
serum test). Os tipos de amostras utilizadas e as exigências requeridas em cada
um deles podem ser observadas no Quadro 3.

QUADRO 3. TIPOS DE AMOSTRA E EXIGÊNCIAS REQUERIDAS PARA OS DIFERENTES


TESTES SOROLÓGICOS NÃO TREPONÊMICOS EMPREGADOS NA TRIAGEM DA SÍFILIS

Características Testes

Tipos de amostras que podem ser utilizadas VDRL RPR USR TRUST

Líquido cefalorraquidiano Sim Não Não Não

Plasma Não Sim Não Sim

Soro Sim Sim Sim Sim

Exigência de cada teste VDRL RPR USR TRUST

Inativação da amostra Sim Não Não Não

Antígeno pronto para uso Não Sim Sim Sim

Leitura em microscópio Sim Não Sim Não

Leitura a olho nu Não Sim Não Sim

Teste qualitativo e quantitativo Sim Sim Sim Sim

Estabilidade da suspensão antigênica 8 horas Meses Meses Meses


Fonte: BRASIL, 2019, p. 20.

A determinação semiquantitativa dos níveis dos anticorpos não treponêmi-


cos é uma ferramenta útil no acompanhamento da conduta terapêutica, uma vez
que a redução dos títulos observados indica melhoria do processo infeccioso.
Vale salientar que o uso dos testes não treponêmicos na sífilis secundária tem
maior risco de resultados falso-negativos por efeito pró-zona, devido à grande
quantidade de anticorpos produzidos nesse estágio da doença (BRASIL, 2015).
Para confirmação do resultado positivo obtido na triagem da sífilis, são in-
dicados testes treponêmicos que se baseiam na detecção de anticorpos IgM e
IgG, produzidos especificamente contra antígenos do T. pallidum. Os anticorpos

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treponêmicos são detectados precocemente no soro de pacientes com a doen-
ça ativa e, na maioria dos casos, permanecem detectáveis por toda a vida, de-
terminando a chamada cicatriz sorológica. Dessa forma, testes treponêmicos
não são úteis para monitoramento da efetividade terapêutica.
Dentre os métodos empregados para detecção de anticorpos treponêmicos in-
cluem-se imunoensaios de aglutinação, quimioluminescência, imunofluorescência
indireta, ELISA e testes rápidos. Os principais imunoensaios de hemaglutinação,
disponíveis atualmente, são o TPHA (do inglês T. pallidum hemagglutination test) e o
MHA-TP (microhemagglutination assay for T. pallidum), que se baseiam na ligação de
anticorpos treponêmicos a hemácias sensibilizadas com antígenos treponêmicos,
o que resulta na aglutinação das células.
Para os testes de quimioluminescência, são empregadas esferas revesti-
das por antígenos treponêmicos, que servirão de suporte para a ligação dos
anticorpos específicos. A revelação da reação é feita com adição de um conju-
gado de isoluminol-antígeno, que se liga aos anticorpos treponêmicos e emi-
tem sinal quimioluminescente, medido por um sistema fotomultiplicador.
Um dos mais empregados na rotina laboratorial é o teste treponêmico por
imunofluorescência indireta, denominado FTA-ABS (do inglês fluorescent
treponemal antibody-absorption), no qual são utilizadas lâminas com antíge-
nos treponêmicos fixados em sua superfície. A primeira etapa do método é a
aplicação do soro do paciente sobre a lâmina. Caso hajam anticorpos trepo-
nêmicos na amostra, ocorre a formação do imunocomplexo na superfície da
lâmina. Em seguida, aplica-se o conjugado constituído por anticorpo anti-IgG
humana, marcado com fluorocromo, geralmente o isocianato de fluoresceína.
Após a lavagem da lâmina para retirada de reagentes não ligados, ela é vi-
sualizada em microscópio de fluorescência, sendo os complexos formados por
antígeno-anticorpo-conjugado observados com fluorescência cor verde-maça
brilhante. Os ensaios de ELISA indireto, para diagnóstico de sífilis, são realizados
em placas sensibilizadas com estruturas antigênicas do treponema, que podem
ser antígenos totais ou componentes sintéticos. Ao final do ensaio, a cor resul-
tante da ação enzimática sobre o substrato cromogênico será proporcional à
concentração de anticorpos treponêmicos presentes na amostra (BRASIL, 2015).
Por fim, há os testes rápidos, baseados em imunocromatografia de flu-
xo lateral, que são particularmente úteis em situações nas quais não há

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grande infraestrutura laboratorial. O teste rápido é composto, basicamen-
te, por um filtro de algodão para distribuição uniforme da amostra, um
suporte para o conjugado, uma membrana de nitrocelulose e um filtro de
adsorção (Figura 4).

Amostra

Linha teste Linha controle Filtro de adsorção

Filtro de amostra Suporte do conjugado Membrana de nitrocelulose

Figura 4. Teste rápido por imunocromatografia de fluxo lateral. Fonte: JAPOLLA et al., 2015, p. 3. (Adaptado).

No caso específico da sífilis, na linha teste, estão fixados antígenos trepo-


nêmicos e o conjugado é formado por antígenos recombinantes de T. pallidum,
ligados a um agente revelador. Se houverem anticorpos treponêmi-
cos na amostra do paciente, ocorre a formação do imunocomplexo
com os antígenos do conjugado. Esse imunocomplexo
migra até a região T (teste), na qual ocorre a formação
do complexo antígeno-anticorpo-conjugado, com
surgimento de uma linha colorida na região. Para
que o teste seja validado, é necessário que a linha
C (controle) também seja visualizada (BRASIL, 2015).

Infecções parasitárias
O diagnóstico laboratorial clássico das infecções parasitárias envolve a de-
monstração do parasita em amostras biológicas, tais como fezes, sangue e
tecidos, por meio de observação do agente etiológico vivo ou fixado, a fresco
ou corado por técnicas diversas. Para isso, o método de escolha depende dire-

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tamente do tipo de amostra e da forma do parasita que se quer demonstrar,
uma vez que a maioria dos parasitas apresenta várias formas evolutivas dife-
rentes em seu ciclo biológico.
Com o desenvolvimento dos imunoensaios, vários métodos alternativos
foram implementados na rotina laboratorial para auxiliar no diagnóstico de
parasitoses, assim como ocorre nas protozooses, como doença de Chagas e
toxoplasmose. O diagnóstico sorológico, por meio da detecção de anticorpos
produzidos contra antígenos do parasita, demonstra, de forma indireta, que o
indivíduo entrou em contato com o parasita. Além disso, a avaliação de classes
distintas de imunoglobulinas também pode auxiliar na diferenciação entre os
casos recentes e antigos da infecção.
Nesse contexto, diversos métodos imunológicos, especialmente ELISA e
imunofluorescência indireta, têm sido rotineiramente empregados em labo-
ratórios clínicos para diagnóstico de parasitoses, com significativa eficiência e
índices elevados de sensibilidade e especificidade.

Doença de Chagas
A doença de Chagas, também cha-
mada de tripanossomíase america-
na, é uma antropozoonose que afeta
principalmente os sistemas cardiovas-
cular e digestivo. É mais comum no
continente americano, principalmente
em regiões pouco desenvolvidas. Se-
gundo a OMS, na América há mais de
12 milhões de infectados. No Brasil, entre os anos de 2001 e 2018, foram de-
tectados mais de cinco mil casos da forma aguda da doença, com taxa anual de
0,16 casos a cada 100.000 habitantes (SANTOS et al., 2020).
O agente etiológico da doença de Chagas é o protozoário flagelado Trypano-
soma cruzi, que é encontrado no homem nas formas amastigota (intracelular)
e tripomastigota (extracelular). Sua transmissão depende de insetos vetores,
popularmente chamados de barbeiros, que são hemípteros hematófagos da
família Reduviidae, pertencentes principalmente aos gêneros Triatoma, Pans-

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trongylus e Rhodnius. Nos insetos vetores, o protozoário encontra-se no trato
gastrointestinal, nas formas de esferomastigota, epimastigota e tripomastigo-
ta. Mais raramente, pode haver transmissão do parasita por meio de transfu-
são de sangue.
Quando o inseto de hábito hematófago se alimenta do sangue de um indi-
víduo doente, ele adquire tripomastigotas, que se transformam em epimasti-
gotas no intestino do vetor. Estes, por sua vez, se reproduzem e dão origem a
tripomastigotas infectantes, que são eliminados nas fezes do inseto. Assim,
a transmissão para o ser humano ocorre quando o inseto infectado pica um
outro indivíduo e defeca na região próxima à picada. Nesse momento, o hábito
de coçar favorece a entrada das formas tripomastigotas, que são transferidas
para o ser humano e se diferenciam em amastigotas. Eles se multiplicam e se
convertem novamente em tripomastigotas, causando destruição das células
hospedeiras e atingindo a circulação sanguínea.
Em termos clínicos, a doença de Chagas pode ser assintomática, aguda ou
crônica, e a apresentação clínica depende tanto da cepa do parasita quanto da
carga parasitária e de fatores do hospedeiro, como idade, estado nutricional
e sistema imune. A forma aguda geralmente é assintomática, ou com poucas
manifestações inespecíficas, tais como febre baixa e mal-estar generalizado,
podendo ser acompanhadas de linfadenopatia e hepatoesplenomegalia.
Na fase aguda, podem ser observados sinais indicativos da doença, como a
presença de nódulo eritematoso duro e indolor no local da inoculação (chago-
ma), acompanhado de edema bipalpebral unilateral com linfadenopatia satélite
(sinal de Romaña). Quando não há resolução da parasitose, o quadro evolui para
a forma crônica, na qual ocorre principalmente comprometimento cardíaco e
digestivo, com desenvolvimento de hipertrofia dilatada do miocárdio, insuficiên-
cia cardíaca congestiva, megacólon, megaesôfago e constipação crônica.
Os métodos empregados para o diagnóstico laboratorial da doença de
Chagas dependem diretamente da fase evolutiva da parasitose. Na fase agu-
da, indica-se a busca por formas tripomastigotas em lâminas de esfregaço de
sangue, coradas com Giemsa. Lâminas de linfonodos ou cultura de sangue
podem revelar a presença de amastigotas. Adicionalmente, pode ser feita a
detecção de antígenos específicos por técnicas de biologia molecular, especial-
mente PCR, além da busca de anticorpos específicos por técnicas sorológicas.

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Os imunoensaios mais empregados para a detecção de anticorpos anti-T. cruzi
são ELISA indireto e imunofluorescência indireta.
Já na fase crônica da doença, como a parasitemia é sempre baixa, não é
indicada a análise do esfregaço sanguíneo e, portanto, o imunodiagnóstico tor-
na-se o método de escolha. Além do ELISA indireto e da imunofluorescência, na
fase crônica podem ser empregados testes de aglutinação em látex e a reação
de Guerreiro e Machado, que se baseia na técnica de fixação do complemen-
to. Ambas apresentam importantes desvantagens, uma vez que a aglutinação
produz grande número de falso-negativos e a fixação do complemento traz
muitas dificuldades técnicas na sua realização. A fixação do complemento ba-
seia-se na capacidade que complexos imunes têm de ativar o sistema comple-
mento, e serve para detectar a presença de antígenos e anticorpos.
Na primeira etapa, mistura-se um antígeno e um anticorpo (sendo um
conhecido e outro desconhecido) e adiciona-se o reagente com proteínas do
complemento; se houver formação do imunocomplexo, o complemento será,
consequentemente, fixado. Na segunda etapa, adiciona-se um sistema indica-
dor formado por hemácias sensibilizadas. Se houver complemento disponível,
ou seja, não ligado aos complexos imunes, as hemácias não serão lisadas e
o teste dá positivo; se houver complemento disponível devido à ausência de
imunocomplexos, as hemácias serão lisadas por ligação ao complemento e o
resultado é negativo.

Toxoplasmose
A toxoplasmose é uma parasito-
se dos vasos sanguíneos e linfáticos,
causada pelo protozoário formador
de esporos Toxoplasma gondii. O
parasita tem distribuição mundial e
o percentual de pessoas infectadas
aumenta com a idade. A prevalência
de soropositividade para a infecção é elevada, porém a grande maioria dos
casos é assintomática, o que faz com que a doença seja uma exceção entre
os infectados imunocompetentes. Dados demonstram que, no Brasil, os an-

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ticorpos anti-toxoplasma podem ser detectados em 50 a 80% da população,
dependendo do estado avaliado (TAVARES; MARINHO, 2015).
O T. gondii é um parasita intracelular obrigatório, que apresenta três for-
mas diferentes durante seu ciclo evolutivo: taquizoítos, bradizoítos e esporo-
zoítos. Seu hospedeiro definitivo, no qual ocorre a fase de reprodução sexuada,
é o gato doméstico, enquanto que os hospedeiros intermediários podem ser o
homem e outros animais. Os gatos eliminam em suas fezes os oocistos ainda
na forma não infectante, que esporulam no ambiente em até cinco dias após a
eliminação, quando encontram condições ideais de temperatura e oxigênio, e
se tornam, então, infectantes.
Os oocistos contêm, em seu interior, esporozoítos que invadem as células
do hospedeiro e dão origem aos taquizoítos, que se reproduzem rapidamente
e causam ruptura da célula infectada. A infecção no homem ocorre pela in-
gestão de oocistos presentes no ambiente, que podem ser levados até a boca
após contato direto com fezes de gatos, ou ingeridos por meio de alimentos
e água contaminados.
A transmissão pode ocorrer também de modo vertical, dando origem à
toxoplasmose congênita. Em termos clínicos, indivíduos imunocompetentes
geralmente são assintomáticos ou apresentam manifestações semelhantes à
mononucleose infecciosa. O maior problema é a infecção congênita, que pode
resultar em complicações gestacionais, como abortamento ou óbito fetal, além
de complicações neonatais, como hepatoesplenomegalia, encefalite e calcifica-
ções intracranianas. Embora a maioria dos recém-nascidos seja assintomática,
muitos bebês afetados desenvolvem problemas neurológicos meses ou pou-
cos anos após o nascimento (LEVINSON, 2014). Dentre os métodos específicos
para diagnóstico laboratorial da toxoplasmose, incluem-se:
• A visualização direta, que, embora pouco utilizada na prática clínica,
pode ser feita pela busca de trofozoítos ou cistos, em cortes histológicos cora-
dos com PAS ou Giemsa;
• O isolamento do parasita, que é feito, em centros de pesquisa, após ino-
culação de fluidos e material de biópsias, em cobaias de laboratório ou por
cultura de tecidos;
• As técnicas de biologia molecular, que têm elevada sensibilidade, pela
técnica de PCR, embora ainda não hajam regiões padronizadas do genoma

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do parasita para uso diagnóstico. Além disso, a técnica tem custo elevado, em
comparação com os métodos sorológicos;
• Os ensaios imunológicos.
A identificação de anticorpos específicos pode ser feita por meio de imunoen-
saios de ELISA, imunofluorescência indireta e aglutinação, que identificam imu-
noglobulinas IgM e IgG no soro com taxas elevadas de especificidade e sensibili-
dade. Além disso, a técnica de avidez de IgG tem sido empregada na
diferenciação de casos recentes e antigos, uma vez que, nas infec-
ções recentes, os anticorpos IgG têm baixa avidez, que
aumenta significativamente com o passar do tempo.
Em recém-nascidos, devido à transferência de IgG
materna pela placenta, o diagnóstico da infecção
congênita, com detecção sorológica de IgM e IgG,
deve ser feito cerca de cinco dias após o nascimento.

IMUNOLOGIA CLÍNICA 114

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Sintetizando
Ensaios imunológicos são de grande relevância no diagnóstico específico,
direto e indireto, de infecções causadas por diferentes tipos de patógenos, in-
cluindo doenças virais, bacterianas e parasitárias. No imunodiagnóstico direto,
empregam-se métodos para detecção de determinados antígenos do patóge-
no em questão. Por outro lado, no diagnóstico indireto, os métodos detectam a
presença de anticorpos produzidos pelo sistema imune em resposta à presen-
ça do agente patogênico. Juntamente com exames inespecíficos de análise he-
matológica e bioquímica, os resultados dos imunoensaios são determinantes
para a conclusão do real estado do paciente.
No diagnóstico específico de doenças virais, como hepatites, HIV/Aids den-
gue, mononucleose infecciosa e infecção por HTLV, várias técnicas imunológicas
são empregadas no laboratório clínico, especialmente ELISA, imunofluorescên-
cia indireta, western blot, radioimunoensaio e testes rápidos por imunocro-
matografia de fluxo lateral. Além disso, a diferenciação entre imunoglobulinas
IgM e IgG é de extrema importância na sorologia viral, para distinguir casos
recentes e antigos da infecção.
Nas infecções bacterianas por estreptococos do grupo A, o imunodiagnós-
tico sorológico é empregado para auxiliar o diagnóstico microbiológico, por
meio de testes de aglutinação indireta em látex, para detecção de anticorpos
antiestreptolisina O (ASLO), anticorpos antidesoxiribonuclease B (anti-DNAse
B) e anti-hialuronidase. Na infecção treponêmica, a triagem da sífilis pode ser
feita por VDRL e suas variações, que são métodos de floculação que detec-
tam anticorpos não treponêmicos. Já a imunofluorescência indireta (FTA-ABS)
é empregada para confirmar o diagnóstico de sífilis por meio da detecção de
anticorpos treponêmicos.
Por fim, os testes sorológicos também auxiliam de modo significativo no
diagnóstico de parasitoses causadas por protozoários, como a doença de
Chagas e a toxoplasmose. Na dengue, são empregadas as técnicas de ELISA e
imunofluorescência indireta, além de testes de aglutinação e fixação do com-
plemento, enquanto que, para a toxoplasmose, além de ELISA e imunofluores-
cência indireta, emprega-se o teste de avidez de IgG, para diferenciar casos
recentes e antigos da infecção.

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UNIDADE

4 PROCESSOS DE
REATIVIDADE
DO SISTEMA
IMUNOLÓGICO

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Objetivos da unidade
Compreender como o sistema imune reage aos diversos agentes infecciosos;

Entender os conceitos de tolerância imunológica e autoimunidade;

Compreender os diferentes tipos de reações de hipersensibilidade;

Compreender os mecanismos imunes que atuam nos transplantes de órgãos;

Compreender conceitos de imunomodulação, imunoprofilaxia e imunoterapia;

Conhecer as causas e os tipos de imunodeficiências;

Entender os conceitos de imunidade tumoral e supressão dos tumores.

Tópicos de estudo
Sistema imune das doenças Imunologia dos transplantes
Atuação do sistema imune nas Complexo principal de
infecções bacterianas histocompatibilidade
Atuação do sistema imune nas Rejeição dos transplantes
infecções fúngicas Imunossupressão para
Atuação do sistema imune nas transplantes alogênicos
infecções virais
Imunomodulação e
Tolerância imunológica e imunomoduladores
doenças autoimunes
Classificação etiológica das Imunodeficiências
doenças autoimunes Imunodeficiências primárias
Diagnóstico das principais Imunodeficiências secundárias e
doenças reumáticas de caráter AIDS
imune
Imunidade tumoral
Reações de hipersensibilidade Mecanismos imunes efetores
contra células neoplásicas malignas
Imunoterapia e imunoprofilaxia

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Sistema imune das doenças
A invasão dos micro-organismos
geralmente tem como produto as pa-
tologias infecciosas, que podem ser
ocasionadas por toxinas microbia-
nas ou até mesmo em decorrência
do ciclo de vida do patógeno dentro
do organismo humano. O conjunto
de células e moléculas do sistema
imune utilizado para lidar com uma
infecção muda de acordo com o tipo
de agente patogênico. Seja em uma
infecção bacteriana, viral ou parasi-
tária, o nosso sistema imune é capaz
de dispor de recursos específi cos que
tentam conter e eliminar a ameaça.
Vale ressaltar que, na maioria dos casos, a doença ocasionada pela infecção
é uma consequência da resposta imunológica do nosso organismo. Na tenta-
tiva de eliminar o agente nocivo, pode haver dano tecidual, inflamação, febre
e dor. Além disso, existem os casos nos quais a infecção pode ocasionar uma
resposta imune exacerbada ou uma reação cruzada, e isso pode ocasionar
complicações clínicas que comprometem a qualidade de vida do indivíduo.
É importante lembrar que a imunidade contra micro-organismos faz uso
de mecanismos efetores tanto do sistema imune inato quanto
adaptativo. O uso destes mecanismos varia de acordo com
o agente patogênico em questão, e diferentes
mecanismos podem ser ativados ao mesmo
tempo, dependendo da intensidade da ati-
vidade infecciosa e dos fatores de viru-
lência dos micro-organismos envolvidos
(ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015; VOLTA-
RELLI e colaboradores, 2009; MACHADO e
colaboradores., 2004).

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Atuação do sistema imune nas infecções bacterianas
De modo geral, as infecções bacterianas podem ser inicialmente conti-
das pela imunidade inata, por meio de fagócitos (neutrófilos e macrófagos)
que identificam, englobam e destroem bactérias, e de células que podem re-
conhecer e destruir células próprias que foram invadidas por bactérias, como
as células NK (do inglês, natural killers). Apesar disso, a maioria das bactérias
patogênicas possui fatores de virulência que favorecem a sua atuação no orga-
nismo humano e dificultam a ação da imunidade inata. Por isso, a imunidade
adaptativa apresenta grande valia em casos de infecções intensas. A imunida-
de adaptativa contra bactérias conta com células que podem mediar e regular
a atividade imunológica, como linfócitos T auxiliares (células CD4+), linfócitos
T citotóxicos (células CD8+), que promovem citotoxicidade de células próprias
acometidas por bactérias intracelulares e linfócitos B, que participam da pro-
dução de anticorpos específicos contra o agente. Esse grupo de células e com-
ponentes humorais produz respostas intensas, porém de maior teor destrutivo
ao organismo, proporcionalmente (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015; VOLTAREL-
LI e colaboradores, 2009; MACHADO e colaboradores, 2004).
Em infecções bacterianas extracelulares, os patógenos são capazes de
promover uma resposta imunológica a partir dos fatores de virulência prove-
nientes da própria célula bacteriana. Dentre os principais fatores de virulência,
destacam-se as toxinas bacterianas, que podem ser divididas em endotoxinas
e exotoxinas. As endotoxinas são estruturas compostas de macromoléculas
que compõem a própria célula bacteriana, como o lipopolissacarídeos (LPS)
da parede celular de bactérias Gram-negativas, que são capazes de desenca-
dear uma resposta imune de baixa intensidade ou impedir a efetividade da sua
atuação ao conferir resistência à bactéria. Até mesmo após a destruição des-
sas bactérias, o conteúdo da sua parede celular é capaz de gerar uma respos-
ta inflamatória (KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015; MACHADO e colaboradores,
2004). Já as exotoxinas são produtos secretados pelas bactérias que modifi-
cam o ciclo natural de vida das células do hospedeiro, com consequente lesão
ou morte. São capazes de promover uma resposta imune que pode ocasionar
uma inflamação local ou sistêmica. Um exemplo importante de exotoxina bac-
teriana é estreptolisina O do Streptococcus pyogenes, que atua como invasina

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ao favorecer a invasão dos tecidos da mucosa faríngea. Essa enzima pode ser
neutralizada a partir de anticorpos específicos que vão impedir a sua interação
com as células ao seu redor (ABBAS, LICHTMAN, PILLAI, 2015; KUMMAR, AB-
BAS, ASTER, 2015).
É importante ressaltar que o sistema complemento também cumpre um
papel importante na imunidade contra bactérias extracelulares, já que os seus
componentes agem tanto como opsoninas quanto como agentes neutraliza-
dores, que facilitam a fagocitose a partir das células de defesa e bloqueiam a
ação do agente patógeno. Além disso, o sistema complemento tem autonomia
para destruir um micro-organismo a partir do complexo de ataque a membra-
na (MAC, do inglês membrane attack complex). Esse complexo faz a ativação
em cascata das proteínas que compõem o sistema complemento para produzir
poros na membrana do alvo e, assim, destruí-lo a partir do desequilíbrio osmó-
tico. A maioria das bactérias é capaz de evadir da ação deste sistema, porém,
sabe-se que pessoas que possuem uma disfunção no complemento tendem a
serem infectados mais facilmente pela bactéria Neisseria meningitidis (ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2015; VOLTARELLI e colaboradores, 2009; MACHADO e cola-
boradores, 2004).

CURIOSIDADE
Várias moléculas podem executar a função de opsoninas, que consiste na
facilitação do processo de fagocitose celular por moléculas que revestem
a superfície do antígeno de interesse, seja ele um micro-organismo ou
outro antígeno. As opsoninas podem ser anticorpos, proteínas do sistema
complemento e outras moléculas, contanto que apresentem a afinidade
requisitada para a interação imune (ABBAS, LICHTMAN, PILLAI, 2015).

Nas infecções bacterianas intracelulares, como é o caso de tuberculo-


se, hanseníase, infecção clamidiana e listeriose, a atuação do sistema imune
é diferente. As bactérias intracelulares têm como característica principal a ca-
pacidade de evadir da destruição no interior dos fagócitos que atuam na imu-
nidade inata. Ou seja, elas adentram no organismo, são fagocitadas por ma-
crófagos residentes ou neutrófilos circulantes, porém não são degradadas no
interior dessas células e permanecem na forma inerte ou em reprodução. Nor-
malmente, após o englobamento, a bactéria fica interiorizada no fagócito em

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um vacúolo chamado fagossomo que, posteriormente, se une a um lisossomo,
vacúolo que contém enzimas líticas e radicais livres, formando o fagolisosso-
mo, que irá destruir o micro-organismo. No caso das bactérias intracelulares,
esse processo é interrompido por proteínas específicas produzidas por essas
bactérias, que têm a capacidade de impedir a formação do fagolisossomo e, as-
sim, garantir a sua permanência no meio intracelular. Dessa forma, o principal
mecanismo de imunidade inata contra bactérias intracelulares é a ativação de
células NK. Bactérias intracelulares podem ativar as células NK diretamente ou
pela estimulação dos macrófagos para produção de IL-12, que é uma citocina
ativadora de NK.
O sistema imune apresenta alguns recursos alternativos para lidar com
esse tipo de patógeno intracelular. Ao considerar a resistência do patógeno à
ação dos fagócitos, a imunidade adaptativa dispõe de recursos que auxiliam
no processo de eliminação dessas bactérias, principalmente pela ação conjun-
ta de linfócitos T CD4+ e linfócitos T CD8+. Os linfócitos T CD4+ respondem a
antígenos proteicos bacterianos presentes nas bactérias fagocitadas e se di-
ferenciam em linfócitos Th1 sob influência de IL-12 produzida por macrófagos.
Consequentemente, há produção IFN-γ pelos linfócitos T CD4+, o que estimula
os macrófagos a produzir substâncias microbicidas como espécies radicais e
enzimas lisossomais. Dessa forma, os linfócitos T auxiliares atuam aumentan-
do a capacidade microbicida dos macrófagos.
Adicionalmente, as bactérias intracelulares fagocitadas estimulam os linfóci-
tos T CD8+ quando escapam dos fagossomos e vão para o citoplasma das células
infectadas. Depois de ativados, os linfócitos T CD8+ destroem as células infec-
tadas contendo bactérias no citoplasma. Como último recurso, ao reconhecer
a ineficácia no processo de contenção da bactéria, a célula tenta dar início ao
processo de apoptose para privar o patógeno do ambiente externo e proteger o
tecido. Adicionalmente, como as bactérias intracelulares conseguem
viver longos períodos no interior dos fagócitos, ocorre estimulação
antigênica crônica e ativação constante de linfócitos e
macrófagos, o que resulta em um tipo específico de
inflamação crônica conhecida como granulomatosa
(KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015; VOLTARELLI e colabo-
radores, 2009; MACHADO e colaboradores, 2004).

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Atuação do sistema imune nas infecções fúngicas
As infecções fúngicas podem ser
ocasionadas por contato de uma es-
pécie patogênica de fungo com as mu-
cosas ou tecidos sensíveis, resultando
em infecções sistêmicas que são en-
dêmicas em várias regiões do mundo.
Outras espécies que são consideradas
oportunistas provocam doenças bran-
das ou sem nenhuma manifestação
em indivíduos normais, sendo mais
graves apenas em pacientes imunos-
suprimidos. A maioria dos casos de infecção fúngica é apresentada como mi-
coses cutâneas relacionadas à imunossupressão do indivíduo, seja por uma
imunodeficiência congênita ou adquirida. Por isso, pacientes portadores do
HIV possuem uma alta predisposição a infecções fúngicas.
O principal mecanismo de imunidade inata contra as infecções causadas
por fungos é a fagocitose por neutrófilos e macrófagos, por meio da ação con-
junta de enzimas lisossomais e radicais livres que degradam a parede celular e
contêm a proliferação local da infecção. Em relação à imunidade adaptativa,
principal mecanismo contra as infecções fúngicas é a imunidade mediada por
células, com ação conjunta de linfócitos T CD4+ e linfócitos T CD8+, de modo se-
melhante ao que ocorre na defesa contra bactérias intracelulares. Os linfócitos
T CD4+ reconhecem antígenos proteicos presentes nos fungos fagocitadas e
se diferenciam em linfócitos Th1 sob influência de IL-12 produzida por macró-
fagos. Como consequência, há produção de IFN-γ, que estimula os macrófa-
gos a produzir substâncias microbicidas como radicais livres e enzi-
mas. Paralelamente, os fungos fagocitados estimulam os linfócitos
T CD8+ quando escapam dos fagossomos e vão para o
citoplasma das células infectadas. Depois de ativados,
os linfócitos T CD8+ destroem as células infectadas
contendo fungos no citoplasma (ABBAS; LICHTMAN;
PILLAI, 2015; MACHADO e colaboradores, 2004).

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Atuação do sistema imune nas infecções virais
Na defesa imune contra infecções virais, os mecanismos de imunidade
inata e adaptativa têm o objetivo de bloquear a infecção e eliminar células
infectadas. É preciso ter em mente que os vírus tiram proveito do ciclo de
vida natural das células do hospedeiro, logo, ao interromper o ciclo de vida da
célula infectada, garante-se o fim do ciclo de produção das proteínas virais.
Apesar disso, esse meio de defesa só é eficiente se atuar quando os vírus ain-
da não foram formados no interior da célula infectada, porque caso haja a sua
destruição, a liberação da nova população viral acontecerá da mesma forma.
A imunidade inata contra os vírus é uma combinação da ação e agentes
antivirais como os interferons tipos I (IFN-I) e ação citotóxica de células NK.
Quando o vírus infecta a célula e se replica no interior, tem início a produção
de IFN-I pela célula infectada, o qual se liga a receptores expressos em célu-
las não infectadas, causando um estado “antiviral” que inibe a propagação
da infecção. Paralelamente, alguns vírus bloqueiam a expressão de molécu-
las especiais na célula infectada, chamadas de moléculas do complexo MHC
de classe I (MHC I), e isso faz com que os receptores de inibição presentes
nas células NK não sejam ligados, com consequente ativação da atividade
citotóxica, que destroem as células infectadas pelo vírus.
Já a imunidade adaptativa contra os vírus é uma combinação de
ação de anticorpos que bloqueiam a ligação do vírus com a citotoxidade
mediada por células dependentes de anticorpo e a ação de linfócitos T ci-
totóxicos. Na fase inicial da infecção, os vírus permanecem um curto pe-
ríodo fora da célula, podendo ser neutralizados pela ação de anticorpos
específi cos, que são produzidos a partir do reconhecimento de um antí-
geno viral por um linfócito B, que se diferencia em plasmócito e inicia a
produção de anticorpos específi cos para aquele antígeno viral. Os anti-
corpos cumprirão o papel de neutralização viral e opsonização. Os linfó-
citos T CD8+, por sua vez, atuam pelo reconhecimento de antígenos ex-
pressos pelas células infectadas ou que são apresentados por outras
células, como os linfócitos T CD4+, que também auxiliam na imunidade a
partir da produção de IFN-γ, capaz de suprimir a atividade viral (ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2015; KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015).

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Tolerância imunológica e doenças autoimunes
A atuação do nosso sistema imunológico frente a partículas estranhas de-
pende diretamente da capacidade de diferenciar o que é próprio do que não
é próprio – pertencente ou não ao corpo. Na ausência de um agente nocivo, o
sistema imune precisa relevar todas as células e componentes que são naturais
do organismo, ou seja, desenvolver uma autotolerância em sua atuação para
impedir o reconhecimento de células próprias normais. O desenvolvimento e a
maturação dos linfócitos T e B acontecem de forma a condicionar essas células
para estimular a capacidade de ignorar antígenos próprios, além de possuir
mecanismos para prevenir a circulação de células de defesa que apresentem
afinidade a antígenos próprios.
A autotolerância pode ser dividida em central e periférica. No caso da auto-
tolerância central, ocorre eliminação de clones de linfócitos autorreativos du-
rante o processo de maturação dos órgãos linfoides primários: linfócitos B com
receptores para antígenos próprios são deletados na medula óssea e linfócitos
T autorreativos são deletados no timo. Já a autotolerância periférica ocorre
nos órgãos linfoides secundários nos quais os linfócitos T autorreativos são
eliminados por anergia (não responsividade), supressão por células T regulado-
ras ou por indução de apoptose. A anergia ocorre quando linfócitos, enquanto
os linfócitos B autorreativos tornam-se anérgicos ou sofrem apoptose (ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2015).
A autoimunidade é a falha ou interrupção dos mecanismos de autotole-
rância que o sistema imune apresenta, ou seja, há falhas na capacidade de não
reagir contra antígenos que são próprios do organismo. A falha na autotolerân-
cia é relacionada, na maioria dos casos, a defeitos gênicos que produzem alte-
rações nos genes do MHC. Por isso a circulação de células falhas
cria um cenário delicado. Em situações de autoimunidade, ocorre
uma resposta imune específica que atua contra um
antígeno ou um conjunto de antígenos próprios do
indivíduo, desencadeando as chamadas doen-
ças autoimunes, síndromes caracterizadas por
lesão tecidual ou alteração de função e desenca-
deadas por resposta autoimune.

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As doenças autoimunes são causadas a partir da
presença de componentes específicos no organis-
mo de um indivíduo. O primeiro deles é a ausên-
cia da tolerância imunológica, que se dá a partir
da capacidade de reconhecimento de antígenos ce-
lulares ou teciduais próprios. O reconhecimento pode
ser realizado a partir de células ou anticorpos, que desenvolvem
essa capacidade por defeito congênito ou modificação adquirida por expo-
sição a agentes. A presença de anticorpos ou células com a capacidade de
autorreconhecimento em pessoas é relativamente normal, mais facilmente
encontradas em idosos e populações com comorbidades, e isso por si só
não caracteriza o indivíduo como doente (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015;
KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015). O segundo fator é a presença de antígenos
que induzem a alteração do comportamento do sistema imune. Há certas
substâncias químicas, agentes microbiológicos e outros fatores que podem
induzir o início de uma reação autoimune que culmina em uma doença.
O reconhecimento desses antígenos é o que permite o início do processo
destrutivo das células e tecidos por meio da ação da imunidade celular e
humoral (VOLTARELLI e colaboradores, 2009).

EXPLICANDO
Comorbidade é o termo utilizado para descrever a situação em que duas
doenças acometem um paciente e ocasionam danos semelhantes ou
complementares, impactando diretamente no seu prognóstico (KUMMAR,
ABBAS, ASTER, 2015).

As doenças autoimunes podem ser específicas contra tecidos de um


determinado órgão ou sistêmicas. Além disso, possuem algumas caracte-
rísticas em comum: possuem caráter crônico e geralmente apresentam epi-
sódios de latência e exposição, fazendo com que as manifestações clínicas
demonstrem certa melhora e após um certo período, haja um reforço das
condições clínicas da doença. Isso se deve ao ciclo de atuação do sistema
imune, que depende do reconhecimento de antígenos e produção de cé-
lulas efetoras para o combate (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015; KUMMAR;
ABBAS; ASTER, 2015).

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Classificação etiológica das doenças autoimunes
As doenças autoimunes podem ser classificadas de acordo com os dife-
rentes mecanismos imunes efetores associados, que incluem produção de
autoanticorpos contra células fixas e tecidos específicos, deposição de imuno-
complexos na vasculatura e ativação de linfócitos T autorreativos.
Dentre as doenças autoimunes resultantes da produção de autoanticor-
pos contra células e antígenos teciduais, destacam-se anemia hemolítica au-
toimune, febre reumática, púrpura trombocitopênica autoimune, miastenia
grave, pênfigo vulgar e doença de Graves (Quadro 1). Já dentre as doenças
autoimunes resultantes da deposição de imunocomplexos formados por
autoanticorpos e antígenos próprios circulantes, podemos destacar o lúpus
eritematoso sistêmico (LES), no qual os complexos se depositam em diversas
regiões da vasculatura, principalmente nos rins e nas articulações, com desen-
volvimento de nefrite e artrite. Por fim, dentre as doenças autoimunes associa-
das aos linfócitos T autorreativos, destacam-se artrite reumatoide, esclerose
múltipla, diabetes melito tipo I, psoríase e tireoidite de Hashimoto (Quadro 2).

QUADRO 1. DOENÇAS AUTOIMUNES POR PRODUÇÃO DE AUTOANTICORPOS ESPECÍFICOS


CONTRA CÉLULAS FIXAS E ANTÍGENOS TECIDUAIS

Doença autoimune Autoantígeno Mecanismo imune Manifestações


Proteínas da Opsonização e
Anemia hemolítica Lise de eritrócitos
superfície dos fagocitose; lise por
autoimune (hemólise) e anemia
eritrócitos complemento
Púrpura Proteínas da Opsonização e
Trombocitopenia e
trombocitopênica superfície das fagocitose das
sangramentos
autoimune plaquetas plaquetas
Desmogleínas de Ativação de protease
Vesículas cutâneas
Pênfigo vulgar junções intercelulares por mediada por
(bolhas na pele)
epidérmicas anticorpos
Reação cruzada de
Resposta inflamatória Miocardite,
anticorpo contra
Febre reumática e ativação de poliartrite e sintomas
proteína M da bactéria
macrófagos neurológicos
com antígenos próprios
Anticorpos inibem
Receptores de Fraqueza muscular e
Miastenia grave ligação da acetilcolina
acetilcolina paralisia progressiva
ao receptor
Receptores de Anticorpos estimulam Hipertireoidismo
Doença de graves hormônio estimulante receptor na ausência (excesso de hormônios
da tireoide (TSH) de TSH tireoidianos)
Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015, s. p. (Adaptado).

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QUADRO 2. DOENÇAS AUTOIMUNES MEDIADAS PELA ATIVAÇÃO DE LINFÓCITOS
T AUTORREATIVOS

Doença Autoantígeno Mecanismo imune Manifestações


Peptídeos Inflamação mediada Sinovite e destruição
Artrite reumatoide citriculinados cíclicos por citocinas Th1 e da cartilagem
(CCPs) Th17 articular
Inflamação por
Anormalidades da
Antígenos proteicos citocinas Th1 e Th17
Esclerose múltipla condução nervosa e
da bainha de mielina e destruição por
déficits neurológicos
macrófagos ativados
Inflamação por
Antígenos das
Diabetes melito citocinas Th1, lise Hiperglicemia e
células β das ilhotas
tipo i por linfócitos T cetoacidose
pancreáticas
citotóxicos
Antígenos cutâneos Inflamação mediada Manchas espessas e
Psoríase
indeterminados por citocinas escamosas na pele
Macrófagos ativados
Tireoidite de Vários antígenos por citocinas e lise
Hipotireoidismo
Hashimoto tireoidianos por linfócitos T
citotóxicos
Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015, s. p. (Adaptado).

Diagnóstico das principais doenças reumáticas de


caráter imune
A síndrome de Sjögren é uma doença que possui como característica princi-
pal a ausência de saliva e lágrimas, ocasionada por uma reação autoimune contra
as células glandulares do indivíduo acometido. Pode ter origem primária – quan-
do há a presença de anticorpos específicos contra as glândulas – ou secundária,
quando anticorpos provenientes de outra doença reagem contra as glândulas e
provocam a doença. A forma mais comum é a primária, que tem origem a partir
do reconhecimento de certos ribonucleotídeos presentes no interior das células
glandulares produtoras de saliva e lágrimas pelos anticorpos, linfócitos T CD4+,
e linfócitos B ou plasmócitos. Como consequência, a ausência de lubrificação da
conjuntiva induz à inflamação do tecido com característica de vermelhidão nos
olhos, dificuldade para enxergar e produção de muco espesso. Na boca, a ausên-
cia de saliva provoca dificuldade na deglutição de alimentos sólidos, rachaduras
na língua e pode até causar problemas no paladar. Além disso, é observado um
inchaço na glândula parótida, principal glândula produtora de saliva, que sofre
de inflamação crônica por conta da presença do infiltrado celular.

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O achado determinante da síndrome de Sjögren é a presença de an-
ticorpos anti Ro/SS-A e anti La/SS-B, que são anticorpos com especifici-
dade a antígenos do interior das células glandulares. Cerca de 90% dos
pacientes que possuem a síndrome apresentam esses anticorpos. Outros
achados são a presença de anticorpos anti-núcleo (ANA, do inglês antinu-
clear antibody), que se apresentam em cerca de 50% dos indivíduos. Por
isso, a pesquisa dessas moléculas é amplamente utilizada para o diag-
nóstico da doença (WILLIAMSON; SNYDER; 2013; VOLTARELLI e colabora-
dores, 2009).
A artrite reumatoide é uma doença que causa inflamação principal-
mente nas articulações, mas pode também acometer outros tecidos, sen-
do marcada pela presença de anticorpos com capacidade de reconheci-
mento de antígenos próprios e células, que desencadeiam um processo
inflamatório. Nas cartilagens, é notável a afinidade desses anticorpos por
colágeno e antígenos de superfície da cápsula sinovial, o que leva a uma
inflamação crônica de caráter degenerativo, que causa dor e inchaço.
A doença sofre influência genética e de fatores externos, como o uso de
tabaco. Outros agentes químicos podem desencadear alterações enzimá-
ticas nos peptídeos comumente presentes no interior das cápsulas sino-
viais, tornando-os suscetíveis ao reconhecimento por anticorpos, linfócitos
T CD4+ e linfócitos B, que se diferenciam em plasmócitos e produzem mais
anticorpos contra aquele antígeno específico. A detecção de anticorpos an-
tipeptídeos citrulinados (CCP, do inglês, citrullinated peptides) é uma marca
importante da patologia. Muitos deles são produzidos em órgãos linfoides
e nas juntas sinoviais. Os peptídeos citrulinados são consequência de uma
alteração enzimática na degradação da arginina e favorecem o início da
doença. Além disso, há relatos da presença de fatores reumatoi-
des no líquido sinovial dos pacientes, os quais amplificam a in-
flamação a partir da formação de imunocomplexos,
já que são anticorpos IgG que possuem afinidade
a outros anticorpos, como IgM, IgA e até mesmo
outros IgG (KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015; WIL-
LIAMSON; SNYDER, 2013; VOLTARELLI e colabo-
radores, 2009).

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Na artrite reumatoide, a presença de anticorpos, linfócitos e macrófagos
em atividade degradam o tecido cartilaginoso, que é reposto por um tecido in-
flamatório chamado de pannus. Esse tecido é composto por exsudato inflama-
tório e fibras de colágeno produzidas pelos fibroblastos, que tentam compen-
sar a atividade destrutiva dando lugar a um tecido fibrótico que não favorece a
motilidade da articulação, o que provoca edema e dor. Ademais, há a possibi-
lidade da calcificação do tecido fibrótico formado, com possível união entre os
ossos da cartilagem, ou da formação de espículas ósseas que ocasionam dor
crônica com lesões que se reativam com a movimentação. Essa complicação é
chamada de fibrose anquilosante (KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015; GOELDNER
e colaboradores, 2011).
O indivíduo acometido pela artrite reumatoide geralmente apresenta as
juntas aumentadas, dor ao movimentar a articulação e limitação do movimen-
to articular. Além disso, alguns pacientes demonstram desvios ósseos, que
são provocados pela constrição do movimento articular, caracterizados pelos
dedos tortos, ou até mesmo os braços. Dores nos tendões e nervos também
são característicos, pois pode haver inflamação destes que estão próximos às
cartilagens afetadas. O diagnóstico é realizado a partir de raio-X para a verifi-
cação das articulações, análise do líquido sinovial para a observação do exsu-
dato característico e exames de sangue para avaliar a presença de anticorpos
anti-CCPs e fatores reumatoides. O tratamento é realizado a partir do uso de
corticoides para limitar a atividade do sistema imunológico e conter a ação no
sítio de interesse, além do uso de anti-inflamatórios para o alívio da dor e dimi-
nuição do recrutamento de novas células para o infiltrado sinovial.
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune sistêmica
de caráter crônico que causa inflamação em diversos tecidos e órgãos, mas
em especial na pele, nas articulações e nos rins, a partir da deposição de imu-
nocomplexos após reconhecimento de antígenos próprios. A patologia é mar-
cada pelo quadro inflamatório transitório das partes acometidas e pode ter
episódios de febre. O agente etiológico principal da doença são os ANAs, que
são anticorpos que possuem afinidade a componentes nucleicos das células.
A origem dessa categoria de anticorpos ainda não foi propriamente definida,
embora um modelo tenha sido proposto (Figura 1) (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI,
2015; KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015).

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Genes de Fatores externos (p. ex.,
suscetibilidade radiação UV)

Apoptose

Remoção deficiente de
corpos apoptóticos

Concentração aumentada
de antígenos nucleares
Células B e T específicas para
antígenos nucleares próprios

Anticorpo antinuclear
Complexo
antígeno-anticorpo

Endocitose de complexos
antígeno-anticorpo
Acoplamento TLR de
antígenos nucleares nos
endossomos

Célula dendrítica
Estimulação de células B plasmocitoide
e células dendríticas

Produção persistente de
anticorpos IgG
antinuclear

Figura 1. Modelo proposto para patogênese do lúpus eritematoso sistêmico. Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2018, p. 431.

O local de reconhecimento de antígenos ou de deposição dos imuno-


complexos é marcado por inflamação induzida pelas células epiteliais locais
e células de defesa, como os macrófagos. A partir daí, tem início o recruta-
mento de outras células, principalmente linfócitos T CD4 + e linfócitos B, com
a liberação de mediadores e produção de novos anticorpos para o ataque
aos autoantígenos. Além de vermelhidão, inflamação e disfunção parcial de
órgãos acometidos, é notável o desenvolvimento de uma glomerulonefrite
ocasionada pela formação de imunocomplexos (KUMMAR; ABBAS; ASTER,
2018; WILLIAMSON; SNYDER, 2013). No LES, os ANAs possuem afinidade
contra quatro partes específicas dos núcleos celulares: contra o DNA, con-

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tra histonas, contra outras proteínas, que não são histonas, ligadas ao RNA
e contra antígenos nucleolares. Esses anticorpos podem ser detectados
por meio de técnicas que utilizam a imunofluorescência indireta. O anti-
corpo de maior relevância para o diagnóstico do LES é o que possui afinida-
de contra a dupla fita de DNA, chamado de anticorpo anti-Smith (anti-Sm).
Além do LES, existem outras doenças autoimunes que podem ser cor-
relacionadas ou não e que possuem os ANAs como agentes etiológicos.
A esclerose sistêmica, polimiosite e dermatomiosite são doenças que se
desenvolvem com a presença dos ANAs e, a partir do local acometido pela
inflamação de caráter crônico, pode-se verificar a presença de fibrose in-
tersticial e tecidual, o que resulta em falha dos órgãos, dano vascular e
pode levar a óbito.
A esclerose sistêmica, ou esclerodermia, ocasiona fibrose em vários
locais no corpo, em especial na pele, trato gastrointestinal, rins, coração
e músculos. O acometimento da pele é, de certa forma, a apresentação
mais branda da doença, que possui episódios de remissão. Quando ocorre
o acometimento visceral, as manifestações clínicas se tornam presentes
e demandam tratamento imediato para um melhor prognóstico. O dano
principal da patologia é explicado pela fibrose das regiões perivasculares,
que normalmente é composta por tecido conjuntivo, matriz extracelular
e fibroblastos. O reconhecimento de antígenos nessa região dá origem à
inflamação, com a presença de anticorpos e células CD4 + que promovem
uma atividade crônica que substitui o tecido maleável por um tecido es-
tático fibrótico, comprometendo a maleabilidade das paredes vasculares.
Quando presente na pele, os anticorpos e células podem pro-
vocar manifestações como espessamento do tecido der-
mal e dificuldade na motilidade dos dedos,
além da dor nas articulações. O anticorpo
que usualmente está ligado à doença
possui afinidade contra a DNA topoi-
somerase I, chamado de anti-Scl 70.
A sua presença ajuda o médico a ava-
liar a efetividade do tratamento e defi-
nir um prognóstico.

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A polimiosite e a dermatomiosite são nomenclaturas utilizadas para a
esclerose que definem o local de acometimento por parte dos agentes au-
toimunes. Quando os músculos são afetados, denomina-se polimiosite, e
percebe-se aumento na sensibilidade muscular e fraqueza. Além de casos
de atrofia muscular, que podem comprometer a realização de atividades
cotidianas, prejudicando o bem-estar do doente. Quando o comprometi-
mento muscular é acompanhado de comprometimento da pele, tem-se a
dermatomiosite, na qual há presença de fibrose e possível calcificação de
juntas. O tratamento é difícil e realizado de forma a amenizar as manifesta-
ções presentes, sendo feito o uso de corticoides para diminuir a atuação do
sistema imune na produção de agentes autoimunes que contribuem para
o desenvolvimento da doença, que, em contrapartida, deixam o indivíduo
exposto a outros agentes.

Reações de hipersensibilidade
O reconhecimento de antígenos pelo sistema imune adaptativo pode de-
sencadear reações indesejadas chamadas de hipersensibilidade, nas quais o
corpo dá origem a uma resposta exacerbada que pode resultar em danos ao
organismo. As reações de hipersensibilidade podem envolver mecanismos
de resposta imune humoral e celular, e o dano resultante pode ser local ou
sistêmico. As disfunções ligadas à hipersensibilidade têm relação com o tipo
de antígeno envolvido, que pode ser próprio ou não próprio, mas que não
possui um potencial patogênico. Os componentes do sistema imune que es-
tão envolvidos também são norteadores para determinar o tipo de reação de
hipersensibilidade.
Na reação de hipersensibilidade do tipo I, também conhecida como rea-
ção de hipersensibilidade imediata, há um processo alérgico que envolve a
exposição de um indivíduo sensibilizado a um antígeno inerte, que culmina
em atividade inflamatória exacerbada. Na primeira etapa do processo, fase
conhecida como sensibilização, é preciso que o indivíduo seja exposto a um
antígeno conhecido como alérgeno, o qual ativa linfócitos Th2 pela interação
com células dendríticas. Os linfócitos Th2 ativados passam a produzir a citoci-
na IL-4, que atua estimulando a troca de classe de imunoglobulinas para IgE.

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Na segunda etapa ocorre a produção de anticorpos IgE específicos contra o alér-
geno, que se ligam por meio de sua porção FC a receptores especiais chamados
de FcεRI, que estão expressos na superfície de mastócitos e basófilos. Quan-
do há uma segunda exposição ao mesmo alérgeno, os mastócitos e basófilos
sensibilizados são ativados e sofrem degranulação, com liberação dos grânulos
contendo mediadores pré-formados, especialmente a histamina, que atua na
fase imediata da reação alérgica. Após a degranulação, os mastócitos ativados
produzem também mediadores secretados, tais como eicosanoides e citocinas,
que atuam na fase tardia da reação alérgica (Figura 2). Quando a reação alérgica
ocorre nas vias nasais, por exemplo, há o extravasamento do exsudato e do
produto da atividade glandular do local, que pode ser traduzido como coriza,
sinal característico da rinite e outras condições do trato superior nasal. Quando
o antígeno entra em contato com o sistema vascular, existem grandes chances de
acontecer um choque anafilático por conta de uma reação inflamatória genera-
lizada, o que pode levar rapidamente à morte (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).

Alérgeno
Mastócito
Plasmócito
IgE

FcεRI B
Linfócito B Linfócito Th2

Ativação e degranulação
Ativação de linfócitos Th2 Plasmócito Ligação da IgE AO FcεRI Reexposição
de mastócito:
e troca de classe para IgE secretando IgE na superfície de mastócito ao antígeno
mediadores

Figura 2. Etapas da reação de hipersensibilidade tipo I. Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI; 2015, p. 427. (Adaptado).

CURIOSIDADE
O exsudato é um tipo de infiltrado extravascular originado em atividades
inflamatórias que apresentam grande volume de células degradadas e
proteínas, já que é consequência da atuação do sistema imune frente a
algum agente nocivo que exigiu o quadro inflamatório para a sua con-
tenção. Existe também o transudato, originado pelo aumento da pressão
hidrostática nos vasos sanguíneos.

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A reatividade da hipersensibilidade tipo I na fase imediata ocorre rapidamente
por conta da disponibilidade dos mediadores inflamatórios presentes nos grânulos
pré-formados dos mastócitos. A liberação desses mediadores provoca manifesta-
ções em poucos minutos após a reexposição ao alérgeno. Apesar disso, existe outro
momento chamado de fase tardia, que é gerado como consequência da liberação
das citocinas e outros mediadores químicos secretados no local em que ocorreu a
reação, logo após a degranulação. A fase tardia pode ocorrer entre duas e 24 horas
após a reação inicial, e esse processo recruta novas células novamente para aque-
le local, mas agora eosinófilos em maior quantidade. Desta forma, entende-se que
quanto mais intensa for a reação inflamatória em um indivíduo sensibilizado, mais
severa será a fase tardia ao qual será submetido.
A reação de hipersensibilidade do tipo II, também chamada de reação citotó-
xica, é mediada por anticorpos capazes de reconhecer antígenos presentes nas cé-
lulas ou aderidos a elas, ocasionando lesões teciduais ou interferindo na sua função
natural. Os anticorpos que participam dessa categoria são, em sua maioria, autoan-
ticorpos que têm capacidade de se ligar aos mais diversos tecidos do corpo. Porém,
eles também podem atuar contra antígenos estranhos que reagem de forma cruza-
da com componentes próprios do organismo ou reconhecer metabólitos de drogas
que são absorvidos pela superfície ou matriz celular. Os mecanismos efetores da
hipersensibilidade tipo II incluem indução de opsonização/fagocitose, ativação de
resposta inflamatória e desorganização funcional sem lesão tecidual (Figura 3).

Receptor de Fc
Célula opsonizada A

C3b

Receptor de C3b Fagócito


Célula opsonizada Fagocitose

Leucócito B

Neutrófilos
C5a, C3a ativados
Enzimas, EROs
Ativação do complemento Inflamação e dano tecidual

Anticorpo contra receptor de TSH


C Acetilcolina (ACh)
tra
o con Ch Receptor de TSH
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p A
or r de
tic
An cepto Receptor de ACh
re Célula da tireoide

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Leucócito B

Neutrófilos
C5a, C3a ativados
Enzimas, EROs
Ativação do complemento Inflamação e dano tecidual

Anticorpo contra receptor de TSH


C Acetilcolina (ACh)
tra
on Receptor de TSH
r p o c ACh
o rd e
tic
An cepto Receptor de ACh
re Célula da tireoide

Anticorpo inibe ligação do neurotransmissor ao receptor Anticorpo estimula receptor sem hormônio

Figura 3. Mecanismos efetores da hipersensibilidade tipo II. A. Opsonização e fagocitose; B. Inflamação e lesão tecidual
por enzimas e radicais livres; C. Disfunção sem lesão tecidual. Fonte: KUMAR; ABBAS, ASTER, 2016, p. 206. (Adaptado).

Na hipersensibilidade tipo II mediada por opsonização/fagocitose,


os anticorpos IgG atuam como opsoninas e revestem a célula contendo o
antígeno específico pela porção Fab, enquanto a porção Fc ativa o siste-
ma complemento. A fagocitose das células opsonizadas ocorre por células
fagocíticas que possuem receptores para região Fc de IgG ou receptores
para C3b do complemento. Os macrófagos residentes do fígado e baço
fazem uso desse mecanismo para fagocitar eritrócitos provenientes de
uma transfusão incompatível ou no quadro de eritroblastose fetal. Certos
problemas articulares, como a artrite reumatoide, podem ter relação com
esses eventos. Há também a anemia hemolítica mediada por anticorpos
com afinidade aos eritrócitos próprios.
Na hipersensibilidade tipo II mediada por inflamação, imunoglobulinas
IgM e IgG ligam-se a antígenos extracelulares e ativam o sistema comple-
mento. Os fragmentos C5a e C3a gerados atuam como potentes agentes
quimiotáticos que atraem leucócitos para o local, com consequente indu-
ção de dano tecidual por ação de enzimas e radicais livres liberados pelos
leucócitos ativados. Por fim, na hipersensibilidade tipo II por disfunção
sem lesão tecidual, os anticorpos IgG e IgM produzidos especificamente
contra alguns receptores de superfície se ligam e alteram o funcionamento
desses receptores, sem causar lesão tecidual, como acontece na
doença de Graves, marcada pelo hipertireoidismo. Nessa
patologia, um anticorpo se liga ao sítio em que o hor-
mônio TSH normalmente interage e induz a produção
de T3 e T4, ou seja, ele mimetiza a interação do hor-
mônio, mas compromete o eixo por completo.

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Nesse tipo de hipersensibilidade, a citotoxicidade mediada por anticorpos
(ADCC, do inglês antibody-dependent cellular citotoxicity) acontece a partir da facili-
tação da citotoxicidade exercida pelas células NK por um anticorpo que se encontra
ligado a ela. A sinalização permite que, ao reconhecer o anticorpo, a célula NK libere
enzimas e outros componentes citotóxicos sem a necessidade de contato direto com
a célula-alvo ou apresentação de antígenos por outros meios. Por fim, os anticorpos
que estão conjugados na superfície de células ou tecidos também são suscetíveis
à ação do sistema complemento, pela via clássica, que utiliza um anticorpo como
ponto de partida para a ativação da cascata (KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015).
A reação de hipersensibilidade do tipo III é mediada pela deposição de
imunocomplexos, com consequente ativação de resposta inflamatória e lesão
tecidual. Apesar de ser um processo normal durante a elaboração da resposta
imune, em determinadas situações esses complexos são formados em exces-
so, com deposição de grandes quantidades especialmente na vasculatura. A
formação dos complexos imunes pode envolver antígenos exógenos, princi-
palmente de origem microbiana, ou então antígenos endógenos, resultando
em doenças autoimunes. Quando formados e depositados em excesso nos
vasos sanguíneos, ocorre indução de uma reposta inflamatória local com re-
crutamento de grande quantidade de leucócitos, os quais se ligam aos imu-
nocomplexos por meio de receptores que se ligam à porção Fc dos anticorpos
presentes nos complexos. Quanto mais leucócitos são recrutados, mais intensa
é a resposta inflamatória e maior é a lesão tecidual e a fibrose no local.
O exemplo clássico para esse tipo de reação é explicar a fisiopatologia da
glomerulonefrite pós-estreptocócica, na qual uma pessoa é acometida por fa-
ringite por estreptococos do grupo A e produz anticorpos para combatê-los.
Alguns dias depois, os imunocomplexos formados presentes na circulação
tendem a se depositar em locais em que o sangue é filtrado a alta pressão,
como nas articulações e nos rins. Na glomerulonefrite pós-estreptocócica, a
deposição acontece em maior quantidade nos glomérulos renais. A presença
dos imunocomplexos induz o início de uma atividade inflamatória, com insulto
às células do tecido adjacente e recrutamento de células polimorfonucleares.
Essas células agem no intuito de extinguir o agente nocivo presente naquele
local, mas, como consequência, os glomérulos são lesionados por conta da ati-
vidade enzimática e mediadores inflamatórios, comprometendo a função renal

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do indivíduo. O sistema complemento também atua nesse tipo de hipersensi-
bilidade, já que pode ser ativado diretamente por anticorpos na via clássica de
ativação, com consequente liberação de anafilatoxinas que agem como agentes
quimiotáticos (KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015; WILLIAMSON; SNYDER, 2013).
Por fim, a reação de hipersensibilidade do tipo IV, também chamada de
reação celular, é mediada por linfócitos T ativados, incluindo linfócitos T auxi-
liares e linfócitos T citotóxicos. Essa reação também é conhecida como hiper-
sensibilidade tardia, devido ao tempo para o acontecimento dos processos
que ocasionam as lesões teciduais. De modo geral, a resposta inicia-se 24 a 48
horas após o contato com o antígeno que sensibilizou o indivíduo e as manifes-
tações duram vários dias.
Em um primeiro momento, ocorre a sensibilização por meio do contato inicial
com o antígeno em questão. Nessa fase, o reconhecimento dos antígenos resulta na
geração de linfócitos T de memória específicos contra o antígeno que causou a sensi-
bilização. Quando ocorre o segundo contato, os linfócitos T CD4+ de memória fazem
o reconhecimento do antígeno após apresentação do mesmo por células apresen-
tadoras de antígenos e MHC de classe II. Em seguida, a ativação desses linfócitos
resulta na proliferação e diferenciação em linfócitos T auxiliares efetores Th1 e Th17.
Enquanto os linfócitos Th1 produzem principalmente IFN-γ, que atua na ativação de
macrófagos, e TNF, que atua no recrutamento de leucócitos; os linfócitos Th17 pro-
duzem IL-17, citocina importante para infiltração de leucócitos. Como consequência
dessa perpetuação da resposta com ativação constante de linfócitos e macrófagos,
ocorre lesão celular, que é diretamente causada por ação dos produtos ativos dos
leucócitos ativados, como enzimas lisossomais, radicais livres e citocinas pró-infla-
matórias (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015; VOLTARELLI e colaboradores, 2009).
As reações de hipersensibilidade tardia contra antígenos exógenos podem
ser classificadas em três tipos diferentes, denominados hipersensibilidade por
contato, hipersensibilidade granulomatosa e hipersensibilidade tipo tuberculi-
na. Na hipersensibilidade por contato, a reação ocorre após exposição tópica
a um antígeno de origem ambiental ou presente em determinados produtos
químicos. Esses antígenos conseguem se ligar a proteínas próprias do indiví-
duo, dando origem aos chamados neoantígenos, que desencadeiam a dermati-
te de contato com presença eritema, vesículas, prurido e eczema. Na hipersen-
sibilidade granulomatosa, a reação é resultante da persistência de antígenos

IMUNOLOGIA CLÍNICA 139

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por longos períodos, com consequente produção constante de citocinas que
estimulam o acúmulo de linfócitos e macrófagos, na tentativa de eliminar o
agente estranho. Na região afetada, observa-se a formação de uma estrutura
típica denominada granuloma, que é formada por agregados de macrófagos
ativados, células epitelioides e gigantócitos, os quais são circundados por um
halo de linfócitos. Quando o granuloma se torna antigo, forma-se ainda uma
camada externa de fibroblastos e deposição de tecido conjuntivo (Figura 4).

1 - Necrose
2 - Células T
3 - Células B
4 - Neutrófilos
Necrose 5 - Células dendríticas
6 - Células epitelioides
7 - Macrófagos
8 - Células espumosas
9 - Células gigantes

Figura 4. Estrutura básica do granuloma. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 25/02/2021. (Adaptado).

Por fim, a hipersensibilidade tipo tuberculina é uma reação com fins diag-
nósticos ocasionada em pessoas que já possuem sensibilidade a um certo antíge-
no. Administra-se uma dose contendo o antígeno na camada subendotelial e, após
alguns dias, observa-se a formação de uma lesão avermelhada e volumosa, que se
desfaz após certo período. A positividade do teste indica que o indivíduo já entrou
em contato com o antígeno em questão, mas não confirma a doença atual. Esse
princípio é utilizado para a prova da tuberculina ou reação de Mantoux, que serve
para saber se o indivíduo já teve contato com Mycobacterium tuberculosis, causador
da tuberculose (KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015; WILLIAMSON; SNYDER, 2013).

IMUNOLOGIA CLÍNICA 140

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Imunologia dos transplantes
Os transplantes são um método
utilizado para a reposição tecidual, seja
por substituição de um órgão comple-
to ou parte tecidual. Eles representam
uma saída para os casos em que um
órgão ou tecido perde a sua função ou
parte de sua eficiência. O procedimen-
to clínico é nomeado enxerto e possui
diversas formas de ser realizado, que
mudam de acordo a especificidade do
mesmo e material a ser transplantado.
Se o material retirado do doador for enxertado no mesmo local anatômico no
receptor, temos o nome de enxerto ortotópico, caso não, é chamado de enxer-
to heterotópico. Já o termo transfusão é dado para o transplante de tecido ou
componentes sanguíneos, procedimento amplamente utilizado tanto como me-
dida paliativa de patologias como forma de tratamento. Os transplantes podem,
ainda, ser classificados de acordo com a origem do enxerto: autotransplantes
ou transplantes autólogos ocorrem quando o enxerto é retirado e colocado no
mesmo indivíduo; isotransplante ou transplante singênico é aquele feito entre
indivíduos gêmeos idênticos; alotransplante são aqueles feitos entre dois indi-
víduos diferentes que pertencem à mesma espécie; e xenotransplante ocorre
quando o enxerto é retirado de uma espécie diferente daquela que vai recebe-lo
(ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).
Existem certos critérios que possibilitam a ocorrência de um transplante de
sucesso, o principal é a compatibilidade genética entre o doador e o receptor.
Quanto maior a compatibilidade entre ambos, menores são as chances de re-
jeição do tecido enxertado. A rejeição resulta em uma resposta imune intensa
contra o material e provoca a sua degradação, com consequente necrose dentro
de poucas semanas. O reconhecimento por parte do sistema imune é o principal
problema do procedimento e a baixa compatibilidade entre doador e receptor
tem influência direta no sucesso do transplante, mas não limita diretamente o
tipo de tecido ou órgão a ser transplantado.

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Complexo principal de histocompatibilidade
O complexo principal de histocompatibilidade (MHC, do inglês major his-
tocompatibility complex) foi descoberto a partir de inúmeras tentativas falhas
de transplantes. O MHC é formado por um conjunto de genes polimórficos
responsáveis por codificar proteínas que atuam diretamente na discriminação
entre componentes próprios e não próprios do organismo. Em humanos, as
proteínas do MHC são denominadas de antígenos leucocitários humanos
(HLA - do inglês human leucocyte antigen) e os genes do MHC encontram-se no
braço curto do cromossomo 6. Enquanto as moléculas do MHC de classe I são
codificadas pelos genes HLA-A, HLA-B e HLA-C, as moléculas do MHC de classe
II são codificadas pelos genes do HLA-D. A expressão de MHC de classe I pode
ser observada em todos os tipos celulares no organismo humano, já as pro-
teínas do MHC de classe II são expressas apenas nas células apresentadoras
de antígenos, como células dendríticas, macrófagos, monócitos e linfócitos B
(ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).
A grande maioria dos transplantes é feita com uso de aloenxertos, e é es-
sencial que se verifique a compatibilidade do HLA do doador e do receptor
anteriormente ao procedimento. Testes moleculares com amostra de sangue
são empregados para comparar os genes de ambos os indivíduos, e quanto
maior a semelhança, maiores são as chances de que o transplante ocorra com
uma boa sobrevida e sem despertar reações. Vale ressaltar que por conta da
variabilidade genética, é comum a semelhança de HLA entre irmãos ser maior
do que entre pais e filhos.

Rejeição dos transplantes


As diferenças genéticas entre doador e receptor são responsáveis pelo fe-
nômeno imunológico conhecido como rejeição dos transplantes. A resposta
imune promovida contra o aloenxerto pode ser classificada como hiperaguda,
aguda ou crônica. A rejeição hiperaguda ocorre poucos minutos após o proce-
dimento e é decorrente da presença de anticorpos no organismo do receptor,
os quais se dirigem contra as células endoteliais presentes no aloenxerto, com
consequente ativação do sistema complemento. A rejeição aguda se apresen-

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ta nos primeiros meses após a realização de transplante e é mediada principal-
mente por linfócitos T CD4+ e CD8+. Assim como acontece nas reações de hiper-
sensibilidade do tipo IV, os linfócitos T CD4+ são responsáveis por reconhecer
os antígenos estranhos e o apresentarem para os linfócitos T CD8+ e para os
macrófagos. Além disso, também produzem IFN-γ, que induz a inflamação local
e causa uma supressão na atividade celular do tecido-alvo. Os linfócitos T CD8+
são os responsáveis por promover a morte celular diretamente a partir do uso
de suas enzimas, que induzem as células-alvo à apoptose. A apoptose por si
só ocasiona a liberação do conteúdo celular no meio extracelular e amplifica
o recrutamento de células para o local. Além da presença de macrófagos que
afetam diretamente as células do enxerto, degradam os restos celulares e libe-
ram mais mediadores, pode haver também a presença de neutrófilos que com-
parecerão ao sítio no intuito de destruir o tecido necrótico. Por fim, a rejeição
crônica é mediada por citocinas inflamatórias que provocam o aumento da
permeabilidade vascular com consequente recrutamento de células de defesa
e possível produção de anticorpos direcionadas aos antígenos do enxerto. A
fase crônica da rejeição varia de acordo com o tipo de transplante: em enxertos
cardíacos há oclusão vascular e fibrose; em enxertos pulmonares há espes-
samento das vias aéreas e nos enxertos hepáticos ocorre fibrose dos ductos
biliares (ABBAS; LITCHMAN; PILLAI, 2015).
As rejeições ocasionadas por anticorpos específicos possuem certas carac-
terísticas. A situação mais grave que pode ser desencadeada a partir da ação
de anticorpos em uma rejeição de transplante é a incompatibilidade em indiví-
duos previamente sensibilizados. Assim como no caso da doença hemolítica do
recém-nascido, um indivíduo sofre sensibilização a partir do contato com san-
gue ou tecido geneticamente incompatível. A reação desencadeia a produção
de anticorpos, contra aquele antígeno específico, que se tornam circulantes.
Em uma nova situação, um novo transplante incompatível ocasiona
uma reação hiperaguda que tem o desenvolvimento quase imedia-
to. No caso de um transplante renal incompatível, por
exemplo, as complicações podem levar o indivíduo a
óbito em pouco tempo. Felizmente, os mecanismos
utilizados para a triagem tornam a ocorrência desse
evento inédita.

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Outra possibilidade é a rejeição aguda a partir da atividade dos anticorpos.
É provocada a partir do transplante, porém, sem sensibilização prévia, logo, há
a produção de anticorpos específicos contra os antígenos do HLA do enxerto.
Nota-se uma afinidade maior aos vasos sanguíneos do material transplantado.
A remissão é feita a partir da ligação dos anticorpos específicos aos tecidos, que
podem ser utilizados para mediar o processo de citotoxicidade mediada por an-
ticorpos, com consequente lise celular, assim como a ativação do complemento
pela via clássica, além da ação efetora de células como os linfócitos T CD8+.

Imunossupressão para transplantes alogênicos


A maioria dos transplantes realizados são alogênicos, ou seja, entre indi-
víduos da mesma espécie e com a maior compatibilidade possível, já que o
doador ideal nem sempre é encontrado. Por isso, a prática da imunossupres-
são é utilizada praticamente em todos os casos. Desta forma, há a prevenção
da rejeição do enxerto e a deficiência pela falta do órgão adequado é suprida
(ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).
Os imunossupressores agem de forma a limitar a ação do sistema imuno-
lógico. Infelizmente, a atuação das drogas não é direcional, ou seja, não suprime
a ação das células e anticorpos somente no local do transplante. Por isso, o in-
divíduo fica exposto a diversos agentes patogênicos, além de ficar vulnerável a
infecções oportunistas que se encontravam em fase latente, mas que saem do
controle imunológico por conta da supressão e então desencadeiam patologias.
As drogas utilizadas para a supressão reduzem a inflamação e a atividade
dos linfócitos, além de realizar outras ações pertinentes ao reconhecimento
dos antígenos do enxerto. Os imunossupressores mais comumente emprega-
dos em pacientes transplantados são aqueles que atuam inibindo a ativação de
linfócitos T, tais como ciclosporina, tacrolimo e rapamicina. Atualmente, estu-
dam-se alternativas para imunossupressão por métodos que não comprome-
tam a eficiência imunológica do paciente por completo. Alguns testes realizados
incluem a doação de células T para o receptor anteriormente ao transplante,
a fim de amenizar a ação de reconhecimento do futuro enxerto – assim como
o transplante de células dendríticas jovens para amadurecerem no organismo
receptor e serem vistas como células nativas (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).

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Imunomodulação e imunomoduladores
A modificação da resposta imune por meio de fármacos específicos é conheci-
da como imunomodulação. Os imunomoduladores são uma categoria de fárma-
cos que têm a capacidade de alterar as funcionalidades do nosso sistema imune,
tanto pelo imunofavorecimento quanto da imunossupressão, de acordo com as
necessidades da pessoa. Historicamente, a imunomodulação tem início a partir da
descoberta da vacina da varíola, que foi realizada de forma empírica. Ainda hoje,
os conhecimentos de imunologia clínica têm ajudado os cientistas a elucidarem a
fisiopatologia de muitas doenças. Outras formas mais modernas dessa técnica se
apresentam como a produção de anticorpos monoclonais e de citocinas. Além da
sua aplicação na viabilização dos transplantes. O avanço da tecnologia da enge-
nharia genética permite o desenvolvimento de um número cada vez maior de imu-
nomoduladores, tais como citocinas recombinantes, proteínas de fusão (proteínas
fundidas com partes de anticorpos) e anticorpos monoclonais.
Uma tecnologia utilizada para o imunofavorecimento é o uso da combinação
entre citocinas e anticorpos. As moléculas dos anticorpos são fundidas com as
citocinas, assim, conseguem a especificidade dos anticorpos para direcionarem a
atuação desses compostos para um local específicos (LIMA, 2007). Outra vertente
que já faz uso dos imunomoduladores é o tratamento a alergias, que é realizado
a partir da administração de doses controladas do alérgeno durante um certo pe-
ríodo. O intervalo de exposição definido é de alguns anos, para que haja a indução
da produção de uma subclasse de memória de anticorpos IgG com consequente
supressão dos anticorpos IgE, responsáveis por provocar a resposta inflamatória
no quadro alérgico.
Um recurso muito útil no uso das imunoglobulinas é chamado de soro hi-
perimune. O tratamento realizado com esse soro, que é produzido a partir de
milhares de doadores com anticorpos compatíveis para o propósito empregado,
é utilizado durante respostas imunes ineficientes, ou que estão gerando conse-
quências indesejadas. No caso, a partir da presença de um alto volume de anti-
corpos específicos, existe uma limitação dos antígenos expostos para ligação das
células apresentadoras. Isso faz com que haja uma redução na demanda celular,
com consequente redução da produção de mediadores químicos no organismo,
atenuando então a resposta imune (KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015; LIMA, 2007).

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Imunodeficiências
O termo imunodeficiência é empregado para designar distúrbios nos quais
mais de um dos componentes do sistema imune não funciona corretamente,
com várias alterações importantes para o organismo afetado. A imunodeficiên-
cia é estabelecida pela falta de capacidade do sistema imune em promover a
proteção correta ao indivíduo, a partir de defeitos que prejudicam a atuação
de seus componentes.
As deficiências do sistema imunológico podem afetar qualquer um dos prin-
cipais componentes do sistema imune, incluindo a produção de anticorpos na
imunidade humoral, a atividade de linfócitos T auxiliares e citotóxicos na imu-
nidade celular, a ativação do sistema complemento e a ação de células fagoci-
tárias na imunidade inata. Adicionalmente, sabe-se que as imunodeficiências
podem ser congênitas ou adquiridas, o que permite classificá-las como imuno-
deficiências primárias e imunodeficiências secundárias.
Em termos clínicos, as consequências dos diferentes tipos de imunode-
ficiências incluem maior suscetibilidade a infecções bacterianas, fúngicas e
virais, as quais se tornam recorrentes, além de favorecimento da reativação
de infecções que se encontravam em fase latente, aumento do surgimento de
possíveis neoplasias sem a contenção habitual, entre outras manifestações
clínicas (ABBAS, LICHTMAN, PILLAI, 2015; ROXO JÚNIOR, KUMMAR, ABBAS,
ASTER, 2015).

Imunodeficiências primárias
As imunodeficiências primárias são ocasionadas por defeitos congênitos
que prejudicam a atuação das células da imunidade inata e adap-
tativa. A maioria desses defeitos é detectada na fase inicial de
vida do indivíduo devido a quadros recorrentes de
infecção. Dentre as causas primárias de imunodefi-
ciências, incluem-se defeitos da imunidade inata,
distúrbios na ativação de linfócitos T e defeitos
na produção de anticorpos, além de imunodefi-
ciências combinadas.

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Na imunidade inata, certos defeitos na síntese ge-
nética de algumas enzimas podem comprometer a
capacidade de adesão das células NK, neutrófilos e
macrófagos. Como o recurso é amplamente utilizado
durante os processos de combate a patógenos, pode
comprometer a efetividade dessas células. Isso afeta prin-
cipalmente a imunidade contra micro-organismos que normalmente
são contidos pela ação dos neutrófilos. Outro tipo de defeito muito importante
são aqueles ligados ao sistema complemento. Defeitos genéticos podem ocasio-
nar a diminuição da disponibilidade dos componentes ou de seus reguladores,
reduzindo, assim, a sua efetividade nas ações, especialmente contra bactérias. Um
bom exemplo dessa alteração é a hemoglobinúria paroxística noturna, que con-
siste no reconhecimento e degradação de células sanguíneas por conta da falta
do gene que impede a atuação do sistema complemento sobre células próprias
(ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015; KUMMAR; ABBAS; ASTER, 2015; ROXO JÚNIOR).
Os outros tipos de imunodeficiências primárias estão ligados diretamente
aos linfócitos T e B. Os defeitos ligados aos linfócitos estão diretamente rela-
cionados ao seu processo de desenvolvimento e maturação, já que são essen-
ciais para definição e verificação de suas competências imunológicas. Os de-
feitos que acometem as células B estão intimamente ligados a deficiências na
imunidade humoral, já que haverá impacto na população de plasmócitos. Um
exemplo de doença que pode ocasionar isso é o mieloma múltiplo, que produz
uma grande quantidade de plasmócitos, mas ineficientes. Já com as células T,
o maior prejuízo está ligado à atividade regulatória exercida por essas células,
que são responsáveis por mediar, conter e induzir ações imunes, sejam elas di-
recionadas a agentes infecciosos ou células próprias anômalas (WILLIAMSON;
SNYDER; 2013; ROXO JÚNIOR; LIMA, 2007).
Uma imunodeficiência primária particularmente severa é a imunodeficiên-
cia combinada grave (SCID - do inglês severe combined immunodeficiency), que
inclui distúrbios genéticos que afetam tanto a maturação dos linfócitos T quan-
to dos linfócitos B. A maioria dos casos de SCID tem padrão de herança liga-
da ao X e é causada por uma mutação no gene que codifica a cadeia comum
de receptores de IL-12, afetando a ligação da IL-12 ao seu receptor (ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2015).

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Imunodeficiências secundárias e AIDS
As imunodeficiências secundárias ou adquiridas são ocasionadas por fatores
extrínsecos que provocam alterações no processo natural de vida das células
imunes ou de sua produção, originando a deficiência. As razões mais comuns
são a exposição física à radioatividade, a exposição a agentes químicos, diabetes,
quimioterapia, câncer, infecção severa e AIDS. As leucemias, má nutrição e outros
fatores condicionantes atuam de forma secundária, porque limitam os recursos
utilizados para a maturação normal das células, dando origem a anticorpos e cé-
lulas anormais ou ineficientes. A quimioterapia ou tratamento radioativo para o
câncer provocam deficiências imunológicas devido à falta de especificidade dos
agentes utilizados (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015; KUMMAR; ABBAS; ASTER,
2015; GUIMARÃES, 2015).
A mais preocupante imunodeficiência secundária é a síndrome da imunode-
ficiência adquirida (AIDS, do inglês acquired immunodeficiency syndrome), oca-
sionada pela infecção do HIV, que debilita as células do sistema imune e pode
provocar a morte por conta de infecções oportunistas. O HIV pode ser contraído
pelo sexo desprotegido, contato com sangue e fluidos corporais de uma pessoa
contaminada. Após entrar no indivíduo pelas mucosas, o vírus se aloja principal-
mente nos tecidos linfoides devido à sua capacidade de se ligar especificamente
à proteína de superfície CD4 presente em linfócitos CD4+ e macrófagos, com con-
sequente depleção dos linfócitos T auxiliares. Na fase aguda da infecção, ocorre
o ciclo lítico do vírus, com consequente lise das células infectadas e disseminação
de novas partículas virais para os linfonodos. Já na fase latente, há redução da
replicação viral e a depleção de linfócitos T CD4+ passa a ser lenta e progressiva.
A depleção da imunidade celular resulta em elevada susceptibilidade e inúmeras
infecções oportunistas, além de representar risco aumentado para desenvolvi-
mento de alguns tumores como o sarcoma de Kaposi.
Depois de estabelecida a AIDS, o indivíduo apresenta severa perda de peso,
diarreia e outras manifestações clínicas. O surgimento de infecções e a ativação
de bactérias e vírus que se encontravam latentes expõem o organismo do indi-
víduo a uma situação delicada, que o obriga a consumir um coquetel de medica-
mentos para o auxílio das suas funções fisiológicas normais, além do acompa-
nhamento médico cerrado.

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Imunidade tumoral
O câncer, ou neoplasia maligna, é uma das principais causas de morbidade
e mortalidade no mundo. Todos os tipos de células do nosso corpo possuem
uma certa chance de se tornarem células neoplásicas. A transformação das cé-
lulas e a aquisição do fenótipo maligno associado ao câncer estão associadas à
ocorrência de danos não letais do DNA da célula, principalmente por mutações
que afetam genes que regulam a proliferação, tais como proto-oncogenes e
genes supressores de tumor, além de genes que regulam a apoptose. O cres-
cimento da massa tumoral está diretamente relacionado à expansão clonal da
célula mutada, dando origem a inúmeras células-filhas com a mesma mutação
presente na célula progenitora.
Para que o sistema imune consiga reconhecer as células cancerígenas, é
preciso que elas expressem antígenos, que podem ser de dois tipos diferen-
tes: os antígenos tumorais, que são expressos apenas nas células malignas
presentes no tumor; e os antígenos associados ao tumor, que apesar de te-
rem sua expressão alterada nas células malignas, podem ser expressos nor-
malmente em células não mutadas. O diagnóstico precoce de alguns tipos de
câncer pode ser feito por meio da identificação de antígenos tumorais, o que
garante a especificidade do exame. Já a detecção de antígenos associados ao
tumor é empregada apenas como marcador inespecífico da neoplasia (DELVES
e colaboradores, 2016; ABBAS; LITCHMAN; PILLAI, 2015).
A presença de antígenos tumorais específicos foi verificada pela primeira
vez em um estudo que utilizou células tumorais retiradas de um animal junto
a linfócitos T presentes no organismo do animal. A afinidade apresentada pela
célula de defesa indicou a presença de antígenos que indicam atividade tu-
moral. Vale ressaltar que existem uma gama de antígenos que são
produzidos por influência de infecções virais. O material genético
viral, ao ser associado com o material de uma célula
normal, pode provocar a deleção ou a inserção de
bases nitrogenadas que vão culminar na altera-
ção dos padrões fisiológicos da célula, como o
descontrole da sua replicação ou a perda da ca-
pacidade de apoptose.

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Normalmente, uma célula tumoral é originada durante o processo de re-
plicação natural ou ao fim do seu ciclo de vida. Ambos os processos, além de
outros diversos executados pelas células do nosso corpo, possuem pontos de
checagem para garantir o seu cumprimento. Caso os critérios da checagem
não sejam atendidos, a célula pode expor um receptor que induz à apoptose,
pode se tornar anérgica, inativando-a de suas atividades normais, ou pode eva-
dir esses mecanismos e dar início a um processo de proliferação descontrola-
do. A partir desse momento, pode ocorrer também a expressão de antígenos
que permitem o reconhecimento por outras células de defesa, principalmente
as células NK. A imunidade contra tumores é complexa devido à dificuldade no
reconhecimento de antígenos tumorais, além dos diversos meios de evasão
das respostas imunes por parte das células neoplásicas. O sistema imunológi-
co tem dificuldade em reconhecer as células de tumores, as quais conseguem,
muitas vezes, evadir principalmente porque, no geral, não existe diferença apa-
rente com as células normais.

Mecanismos imunes efetores contra células neoplásicas


malignas
A imunidade contra antígenos tumorais envolve mecanismos efetores da
imunidade inata e da imunidade adaptativa. Na imunidade inata contra
tumores, ocorre participação de macrófagos ativados pela via clássica, os
quais reconhecem e eliminam certos antígenos tumorais. Acredita-se que a
ativação desses macrófagos no contexto tumoral ocorra por ação de IFN-γ
produzido pelas próprias células do tumor, ou por padrões moleculares as-
sociados ao dano (DAMPs, do inglês damage-associated molecular patterns)
liberados pelas células tumorais em processo de morte. O segundo meca-
nismo inato contra os tumores é a ação das células NK, cuja ativação de-
pende de receptores de ativação e de inibição. Os receptores de ativação
das NK reconhecem antígenos específi cos presentes nas células-alvo, já os
receptores de inibição reconhecem proteínas do MHC de classe I próprias
do organismo. Para que NK sejam ativadas e atuem como citotóxicas, é pre-
ciso que os receptores de ativação sejam ligados e os receptores de inibição
sejam desligados. A atuação das células NK contra os tumores é possível

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porque algumas células tumorais apresentam expressão reduzida de mo-
léculas de MHC I e, dessa forma, os receptores de inibição não são devida-
mente ativados, com consequente ativação da atividade citotóxica das NK
e destruição das células tumorais. No contexto da vigilância imunológica,
as células NK verificam as células uma a uma para checar o seu estado de
normalidade e ao verificar a ausência ou redução da expressão de proteínas
do MHC I, induzem à citólise das células (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).

CONTEXTUALIZANDO
O conceito de vigilância epidemiológica foi descrito pela primeira vez em
1950 por Macfarlane Burnet, e apresenta como uma das funções do siste-
ma imunológico o reconhecimento e destruição de células mutadas, antes
de se tornarem um tumor, assim com a contenção e destruição de tumores
já formados (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).

Em relação à imunidade adapta-


tiva contra os tumores, a resposta é
mediada por mecanismos de imuni-
dade celular e humoral. A resposta
imune celular é mediada pela ação
de linfócitos T CD8 + ativados, que
são capazes de identificar e eliminar
células que expressam antígenos tu-
morais associados a moléculas do
MHC de classe I. A ação dos linfóci-
tos T citotóxicos pode ser melhora-
da a partir da apresentação de antígeno pelas células apresentadoras de
antígenos, assim como a apresentação por parte dos linfócitos T CD4 +, que
auxiliam na supressão tumoral a partir da produção de IFN-γ. Já a resposta
imune humoral é mediada pela produção de anticorpos específicos con-
tra antígenos que estejam associados às células tumorais, como os antíge-
nos virais de uma infecção pelo EBV, por exemplo. Tais anticorpos atuam
por meio da ativação do sistema complemento e da citotoxidade celular
dependente de anticorpo (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015; VOLTARELLI e
colaboradores, 2009).

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Imunoterapia e imunoprofilaxia
As formas de tratamento tradicionais para o câncer sempre foram pauta
para muitas discussões, já que o tratamento é responsável por ocasionar di-
versas consequências que prejudicam a qualidade de vida do paciente. Isso se
deve pela falta de especificidade das metodologias empregadas. Tanto a qui-
mioterapia quanto a radioterapia atuam sobre células com grande capacidade
proliferativa, que é a característica principal das células tumorais, mas, em con-
trapartida, isso também é pertinente às células imaturas dos diversos tecidos,
como o sangue e outros. Por isso, a busca por um tratamento específico e dire-
cionado contra as células tumorais é de grande interesse para a humanidade.
Se considerarmos as respostas imunes contra os tumores, elas possuem
especifi cidade e não provocam danos durante a sua atuação, logo, a imuno-
terapia foi criada na tentativa de encontrar uma saída terapêutica baseada
nos processos imunológicos que o nosso corpo dispõe por meio da amplifi -
cação da nossa resposta natural a eles. De modo geral, o termo imunotera-
pia é usado para descrever terapias que atuam na modulação da resposta
imune e incluem uso de anticorpos monoclonais, vacinação com antígenos
tumorais, terapia celular adotiva, aumento da imunidade com administra-
ção de citocinas, entre outros.
Além da imunoterapia, existe a imunoprofilaxia, que tem o intuito de pre-
venir o surgimento de massas tumo-
rais a partir da sensibilização do indi-
víduo. Uma das formas utilizadas por
essa metodologia é a estimulação da
imunização ativa, que funciona por
meio de vacinas que contêm partes
celulares ou células tumorais mortas.
O conteúdo é reconhecido por células
dendríticas e por linfócitos T CD4+, que
produzirão células de memória para
garantir a efetividade de uma respos-
ta posterior (Figura 5) (ABBAS; LICHT-
MAN; PILLAI, 2015).

IMUNOLOGIA CLÍNICA 152

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Células dendríticas transfectadas
com plasmídeos expressando
antígeno tumoral

Vacinar com célula dendrítica


apresentadora de antígeno
tumoral
Célula T
DC apresentando CD8+ Ativação de células T
antígeno tumoral tumor-específicas

Células dendríticas pulsadas com


antígenos tumorais

Figura 5. Uso de células dendríticas sensíveis para o aumento da sensibilidade aos tumores. Fonte: ABBAS; LICHTMAN;
PILLAI, 2015, p. 400.

Outra possibilidade é pela imunidade passiva. Como os agentes imunoló-


gicos efetores da imunidade tumoral não são anticorpos, faz-se uso de células
tumorais que já estiveram em contato com antígenos tumorais. As células são
extraídas de um indivíduo e inseridas no paciente acometido, a fim de melhorar
as suas condições de tratamento. Por fim, a possibilidade da administração de
citocinas também é bastante promissora nesse segmento, já que conseguem
amplificar a capacidade de células como os linfócitos T CD8+. Esses métodos se
traduzem na tentativa de elaboração de uma vacina, que seria utilizada para
imunizar as pessoas da atividade tumoral (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).

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Sintetizando
O sistema imunológico possui uma grande capacidade de se adaptar frente
aos diferentes agentes infecciosos que se apresentam ao longo da vida de um
indivíduo, sejam eles de origem bacteriana, viral, fúngica ou parasitária. Vimos
que cada infecção utiliza diferentes ferramentas que dispõem dos recursos ce-
lulares e humorais necessários para a neutralização e consequente destruição
do micro-organismo. A eficiência na atuação do sistema imunológico se deve
a processos que determinam o reconhecimento de antígenos que não perten-
cem ao organismo, porém, na falha desses processos, há o desenvolvimento
de doenças que causam injúrias e comprometem a qualidade de vida do indiví-
duo. Além disso, reações autoimunes decorrentes de falhas na autotolerância
apresentam um grande recrutamento de células, mediadores inflamatórios e
anticorpos, com consequente danos a componentes próprios.
Os mecanismos que envolvem um transplante bem-sucedido remetem tan-
to às características genéticas entre o doador e o receptor quanto ao tipo do
tecido ou órgão transplantado, já que isso interfere diretamente nos critérios
a serem considerados, como a compatibilidade entre o HLA. A compatibilidade
de um transplante pode ser modulada a partir da imunossupressão, que impe-
de o desenvolvimento de uma resposta inflamatória com consequente necrose
do enxerto.
Observamos que falhas congênitas ou adquiridas podem levar a deficiên-
cias na atuação do sistema imune, o que pode expor o indivíduo a infecções
oportunistas que normalmente não causariam manifestações clínicas. Indiví-
duos portadores da AIDS sofrem com um sistema imunológico incapaz de res-
ponder a insultos de quaisquer origens, já que a doença debilita a regulação
e os mecanismos celulares de primeira linha. Por fim, pudemos conhecer as
dificuldades enfrentadas pelo sistema imunológico no combate a tu-
mores e células neoplásicas, que dispõem de recursos para driblar
as ações de defesa. Apesar disso, com o uso da imunote-
rapia e imunoprofilaxia existe uma boa perspectiva no
tratamento e prevenção do câncer, evitando, assim,
o uso das terapias atuais que causam grandes danos
ao paciente acometido.

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Referências bibliográficas
ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. J.; PILLAI, S. Imunologia celular e molecular. 8. ed. Rio
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