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Farmacologia Básica

FARMACOLOGIA BÁSICA FARMACOLOGIA BÁSICA


Marcella Gabrielle Mendes Machado Marcella Gabrielle Mendes Machado

Área em constante atualização, a farmacologia é uma disciplina de grande importân-


cia na formação de diversos profissionais da área de saúde. Suas raízes encontram-se
na terapia medicamentosa, que apresenta como objetivo principal o alívio dos efeitos
causados pelas doenças.
Nesta obra, serão abordados todos os aspectos relacionados aos fármacos, sem focar
exclusivamente em seus efeitos, mas enfatizando os mecanismos pelos quais agem
no organismo. Os agentes terapêuticos serão apresentados de acordo com a classe de
fármacos à qual pertencem, a fim de facilitar o entendimento do aluno e permitir que
o assunto seja aprofundado.
Novos fármacos são introduzidos na terapêutica anualmente, ao passo que muitos se
tornam obsoletos. Com isso, o entendimento do mecanismo de ação dos fármacos em
cada classe terapêutica torna-se primordial, a fim de expandir esses conhecimentos
aos novos compostos.
A ação de um fármaco somente pode ser compreendida de modo adequado quando
o organismo é estudado como um todo. Por isso, em muitos momentos desta obra
serão discutidos os processos fisiológicos relevantes para o entendimento da ação
dos fármacos abordados.
Por fim, as estruturas químicas dos fármacos somente serão apresentadas àqueles
que necessitam dessa informação para uma melhor compreensão de certas caracte-

GRUPO SER EDUCACIONAL


rísticas farmacológicas.

gente criando o futuro

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Diretor-presidente Jânyo Diniz

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mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado.

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Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa
relevante para o estudo do conteúdo abordado.

CONTEXTUALIZANDO
Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato;
demonstra-se a situação histórica do assunto.

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Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto
tratado.

DICA
Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma
informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado.

EXEMPLIFICANDO
Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto.

EXPLICANDO
Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da
área de conhecimento trabalhada.

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Sumário

Unidade 1 - Princípios gerais e farmacocinética


Objetivos da unidade............................................................................................................ 12

Introdução à farmacologia.................................................................................................. 13
Conceitos importantes em farmacologia..................................................................... 15
Formas farmacêuticas..................................................................................................... 15
Vias de administração..................................................................................................... 17

Ensaios clínicos.................................................................................................................... 19
Desenvolvimento clínico................................................................................................. 21
Grupos-controle................................................................................................................ 22
Tamanho da amostra....................................................................................................... 24
Mensuração dos resultados clínicos............................................................................ 25

Farmacocinética I: absorção de fármacos....................................................................... 25


Absorção de fármacos.................................................................................................... 27
Biodisponibilidade e bioequivalência........................................................................... 28

Farmacocinética II: distribuição de fármacos e ligaçãoàs proteínas plasmáticas........... 29


Barreira hematoencefálica............................................................................................. 31
Ligação às proteínas plasmáticas................................................................................. 32

Farmacocinética III: metabolismo e eliminação de fármacos............................................. 34


Eliminação de fármacos.................................................................................................. 36

Sintetizando............................................................................................................................ 40
Referências bibliográficas.................................................................................................. 42

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Sumário

Unidade 2 - Farmacodinâmica e fármacos autonômicos


Objetivos da unidade............................................................................................................ 44

Interações farmacológicas................................................................................................. 45
Interações farmacocinéticas......................................................................................... 45
Interações farmacodinâmicas....................................................................................... 47

Farmacodinâmica I - Modo de ação dos fármacos........................................................ 49


Receptores fisiológicos................................................................................................... 49
Especificidade das respostas aos fármacos............................................................... 53

Farmacodinâmica II - Teoria dos receptores/papel dos segundos mensageiros ������� 55


Teoria dos receptores...................................................................................................... 56
Segundos mensageiros................................................................................................... 58

Farmacologia do sistema nervoso autônomo.................................................................. 60


Divisões do sistema nervoso autônomo....................................................................... 61
Funções gerais do sistema nervoso autônomo........................................................... 62
Considerações farmacológicas..................................................................................... 63

Adrenérgicos/antiadrenérgicos......................................................................................... 64
Adrenoceptores................................................................................................................ 65
Agonistas e antagonistas dos receptores adrenérgicos.......................................... 65

Colinérgicos/anticolinérgicos............................................................................................ 67
Agonistas e antagonistas muscarínicos...................................................................... 69
Agonistas e antagonistas nicotínicos........................................................................... 70

Bloqueadores neuromusculares........................................................................................ 71

Sintetizando............................................................................................................................ 73
Referências bibliográficas.................................................................................................. 74

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Sumário

Unidade 3 - Fármacos que atuam no Sistema Nervoso Central


Objetivos da unidade............................................................................................................ 76

Introdução à farmacologia do SNC .................................................................................. 77


Sinalização química no SNC........................................................................................... 77
Locais de ação dos fármacos no SNC.......................................................................... 79
Ação dos fármacos no SNC............................................................................................ 81

Farmacologia dos sedativos-hipnóticos........................................................................... 82


Benzodiazepínicos........................................................................................................... 83
Novos agonistas do receptor benzodiazepínico......................................................... 85
Barbitúricos....................................................................................................................... 86
Outros fármacos sedativos-hipnóticos......................................................................... 88

Farmacologia dos antidepressivos.................................................................................... 88


Inibidores da captura das monoaminas....................................................................... 90
Antagonistas do receptor de monoamina.................................................................... 92
Inibidores da monoaminoxidase (IMAOs).................................................................... 93

Farmacologia dos antipsicóticos....................................................................................... 93


Antipsicóticos de primeira geração.............................................................................. 95
Antipsicóticos de segunda geração............................................................................. 96

Farmacologia dos anticonvulsivantes.............................................................................. 97


Anticonvulsivantes clássicos......................................................................................... 99
Anticonvulsivantes desenvolvidos recentemente.................................................... 100

Farmacologia dos antiparkisonianos.............................................................................. 103


Precursores da dopamina e agonistas dos receptores de dopamina ����������������� 104
Inibidores da MAO e fármacos não dopaminérgicos ��������������������������������������������� 106

Sintetizando.......................................................................................................................... 107
Referências bibliográficas................................................................................................ 109

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Sumário

Unidade 4 - Outros fármacos que atuam no sistema nervoso central e fármacos


anti-inflamatórios
Objetivos da unidade.......................................................................................................... 111
Anestésicos gerais............................................................................................................. 112
Anestésicos inalatórios................................................................................................. 114
Anestésicos intravenosos............................................................................................. 115

Anestésicos locais.............................................................................................................. 116


Estrutura química e propriedades farmacológicas.................................................. 117
Usos terapêuticos e efeitos adversos........................................................................ 119

Gases terapêuticos.............................................................................................................. 120


Oxigênio........................................................................................................................... 121
Dióxido de carbono........................................................................................................ 122
Hélio e óxido nítrico....................................................................................................... 123

Analgésicos opioides e não opioides............................................................................. 124


Agonistas e antagonistas dos receptores opioides................................................. 126
Analgésicos não opioides............................................................................................. 127

Anti-inflamatórios não esteroidais.................................................................................. 129


Inibidores da cicloxigenase.......................................................................................... 129
Inibidores seletivos da COX-2...................................................................................... 132

Anti-inflamatórios esteroidais.......................................................................................... 133


Corticosteroides sintéticos........................................................................................... 136
Indicações terapêuticas em distúrbios não suprarrenais...................................... 137

Anti-histamínicos................................................................................................................ 138
Antagonistas do receptor H1........................................................................................ 140
Antagonistas dos receptores H2, H3 e H4.................................................................... 140
Sintetizando.......................................................................................................................... 142
Referências bibliográficas................................................................................................ 144

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Apresentação

Área em constante atualização, a farmacologia é uma disciplina de gran-


de importância na formação de diversos profissionais da área de saúde. Suas
raízes encontram-se na terapia medicamentosa, que apresenta como objetivo
principal o alívio dos efeitos causados pelas doenças.
Nesta obra, serão abordados todos os aspectos relacionados aos fármacos,
sem focar exclusivamente em seus efeitos, mas enfatizando os mecanismos
pelos quais agem no organismo. Os agentes terapêuticos serão apresentados
de acordo com a classe de fármacos à qual pertencem, a fim de facilitar o en-
tendimento do aluno e permitir que o assunto seja aprofundado.
Novos fármacos são introduzidos na terapêutica anualmente, ao passo que
muitos se tornam obsoletos. Com isso, o entendimento do mecanismo de ação
dos fármacos em cada classe terapêutica torna-se primordial, a fim de expan-
dir esses conhecimentos aos novos compostos.
A ação de um fármaco somente pode ser compreendida de modo adequado
quando o organismo é estudado como um todo. Por isso, em muitos momen-
tos desta obra serão discutidos os processos fisiológicos relevantes para o en-
tendimento da ação dos fármacos abordados.
Por fim, as estruturas químicas dos fármacos somente serão apresentadas
àqueles que necessitam dessa informação para uma melhor compreensão de
certas características farmacológicas.

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A autora

A professora Marcella Gabrielle Men-


des Machado é doutora em Ciências
Farmacêuticas pela Universidade Es-
tadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
– UNESP (2017), onde também realizou
mestrado em Ciências Farmacêuticas
(2013), e é graduada em Farmácia pela
Universidade Federal dos Vales do Je-
quitinhonha e Mucuri – UFVJM (2010).
Ministrou, na graduação, as disciplinas
de Desenvolvimento de Fármacos, In-
trodução ao Planejamento de Fárma-
cos e Atenção Farmacêutica (2015). É
professora conteudista de disciplinas
na área da Farmácia desde 2019.

Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3571566668809781

Dedico esta obra ao meu marido, Everton, que, com sua alegria, deixa os
meus dias mais leves.

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UNIDADE

1 PRINCÍPIOS GERAIS E
FARMACOCINÉTICA

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Objetivos da unidade
Conhecer as diferentes formas farmacêuticas e suas vias de administração;

Compreender as principais características de um ensaio clínico e de cada


uma das fases do desenvolvimento clínico de um novo fármaco;

Entender os quatro processos que constituem a farmacocinética.

Tópicos de estudo
Introdução à farmacologia Farmacocinética I: absorção de
Conceitos importantes em fármacos
farmacologia Absorção de fármacos
Formas farmacêuticas Biodisponibilidade e bioequiva-
Vias de administração lência

Ensaios clínicos Farmacocinética II: distribuição


Desenvolvimento clínico de fármacos e ligação às proteí-
Grupos-controle nas plasmáticas
Tamanho da amostra Barreira hematoencefálica
Mensuração dos resultados Ligação às proteínas plasmáticas
clínicos
Farmacocinética III: metabolis-
mo e eliminação de fármacos
Eliminação de fármacos

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Introdução à farmacologia
A farmacologia surgiu como ciência em meados do século XIX, fundamenta-
da nos princípios da experimentação; porém, desde os primórdios da civi-
lização, são utilizados remédios à base de ervas, com a fi gura do boticário,
responsável por manipular e produzir o medicamento, como um papel de
grande importância.
Até o fim do século XIX, não havia a compreensão dos efeitos dos fárma-
cos no organismo; em grande parte, devido ao conhecimento rudimentar
de fisiologia, patologia e química. Por isso, embora os profissionais médicos
buscassem intervenções farmacológicas para o tratamento das condições
clínicas, os resultados eram, em geral, inefi cazes. Mesmo com todos esses
desafi os, em 1847, Rudolf Buchheim criou o primeiro instituto de farma-
cologia, na Estônia.
Os primeiros farmacologistas, antes do surgimento da química orgâni-
ca sintética, concentraram-se em estudar os fármacos de origem vegetal,
como quinina, atropina, efedrina e estricnina – muitos deles utilizados até
os dias de hoje.
Os primeiros fármacos sintéticos surgiram no início do século XX e re-
volucionaram a indústria farmacêutica. A quimioterapia antimicrobiana foi
impulsionada pela descoberta de compostos arsenicais para o tratamento
da sífilis por Paul Ehrlich, em 1909. Em 1935, houve a descoberta das sulfo-
namidas por Gerhard Domagk, e as penicilinas foram desen-
volvidas durante a Segunda Guerra Mundial, com base nos
estudos de Fleming.
Nos anos 1980, novos agentes terapêu-
ticos, na forma de anticorpos, enzimas
e diversas proteínas reguladoras – os
quais podem ser denominados bio-
fármacos – foram desenvolvidos em
decorrência do surgimento da biotec-
nologia, uma ciência que aplica os con-
ceitos da moderna engenharia genética
na obtenção de produtos. Embora esses

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biofármacos não sejam sintetizados quimicamente, os mesmos princípios far-
macológicos dos fármacos convencionais podem ser aplicados a eles.
Com base nesse relato histórico, percebe-se a influência das técnicas de
outras disciplinas na farmacologia, e, dessa forma, o que se tem hoje é uma far-
macologia sem fronteiras definidas e inconstantes, com o único intuito de enten-
der a ação dos fármacos nos organismos vivos e, de forma mais específica, como
seus efeitos podem ser aplicados à terapêutica. Na Figura 1, é possível observar
como é a estrutura da farmacologia atual, com suas várias subdivisões.

Clínica médica Medicina


Psicologia Farmácia Biotecnologia Patologia Química
terapêutica veterinária

Farmacologia Farmacologia Ciências Química


Psicofarmacologia Biofármacos Toxicologia
clínica veterinária farmacêuticas médica

Farmacocinética/
Farmacologia bioquímica
metabolismo dos fármacos

Farmacologia
Farmacologia molecular Quimioterapia

Farmacologia de sistemas

Farmacologia Farmacologia
Neurofarmacologia
cardiovascular gastrointestinal
Farmacologia
Imunofarmacologia
respiratória

Farmacogenética Farmacogenômica Farmacoepidemiologia Farmacoeconomia

Epidemiologia Economia de
Genética Genômica
clínica saúde

Figura 1. A farmacologia atual e suas várias subdivisões. Os assuntos principais são encontrados no compartimento
cinza central. As disciplinas de interface (retângulos marrons) ligam a farmacologia a outras disciplinas biomédicas
principais (retângulos verdes). Fonte: RANG et al., 2016, p. 8.

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Conceitos importantes em farmacologia
Algumas definições são importantes para distinguir as diversas terminolo-
gias utilizadas na farmacologia, a saber:
• Droga: substância ou matéria-prima que, ao interagir com o organismo
vivo, é capaz de exercer efeito clínico ou farmacológico, com ou sem intenção
benéfica;
• Fármaco: substância química ativa que produz um efeito biológico com
finalidade medicamentosa, utilizada para diagnóstico, alívio ou tratamento,
empregada para modificar ou explorar sistemas fisiológicos ou estados patoló-
gicos, em benefício da pessoa na qual se administra;
• Medicamento: é o produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elabo-
rado, que contém um ou mais fármacos e outras substâncias, com finalidade
profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico.

Formas farmacêuticas
As formas farmacêuticas são as formas físicas de apresentação do medi-
camento após a adição, ou não, de excipientes apropriados e são úteis para
atender às necessidades individuais dos usuários em direção a uma farmaco-
terapia com maior eficácia, segurança e comodidade. Elas também apresentam
características apropriadas a uma determinada via de administração.
As formas farmacêuticas podem ser classificadas em sólidas, semissólidas,
líquidas, gasosas e especiais.
• As formas farmacêuticas sólidas podem ser pós, granulados, comprimi-
dos, cápsulas, drágeas, óvulos e supositórios;
• As formas farmacêuticas semissólidas são os géis, loções, unguentos, lini-
mentos, ceratos, pastas, cremes e pomadas;
• As formas farmacêuticas líquidas são as soluções, emulsões, suspensões,
xaropes, elixires, injetáveis, tinturas e extratos;
• As formas farmacêuticas gasosas geralmente são preparações de solu-
ções associadas a gases, utilizadas com fins medicinais (exemplo: inalantes).
• As formas farmacêuticas especiais, como os sprays e aerossóis, são aque-
las que podem ser encontradas em mais do que uma forma física.

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No Quadro 1 é possível ver as definições de algumas dessas formas farma-
cêuticas:

QUADRO 1. COMPETÊNCIAS PARA O PROFISSIONAL

É a forma farmacêutica sólida em que o princípio ativo e os excipi-


entes estão contidos em um invólucro solúvel duro ou mole, de for-
Cápsula matos e tamanhos variados, usualmente contendo uma dose única
do princípio ativo. Normalmente, é formada de gelatina, mas pode
também ser de amido ou de outras substâncias.

É a forma farmacêutica sólida contendo uma dose única de um ou


mais princípios ativos, com ou sem excipientes, obtida pela compres-
Comprimido são de volumes uniformes de partículas. Pode ser de uma ampla va-
riedade de tamanhos, formatos, apresentar marcações na superfície
e ser revestido ou não.

É a forma farmacêutica semissólida que consiste em uma emulsão,


formada por uma fase lipofílica e uma fase hidrofílica. Contém um ou
Creme mais princípios ativos dissolvidos ou dispersos em uma base apro-
priada e é utilizada, normalmente, para aplicação externa na pele ou
nas membranas mucosas.

É a forma farmacêutica líquida de um ou mais princípios ativos que


consiste em um sistema de duas fases que envolvem pelo menos
dois líquidos imiscíveis, e na qual um líquido é disperso na forma de
Emulsão
pequenas gotas (fase interna ou dispersa) em outro líquido (fase ex-
terna ou contínua). Normalmente, é estabilizada por meio de um ou
mais agentes emulsificantes.

É a forma farmacêutica semissólida de um ou mais princípios ativos


que contém um agente gelificante para fornecer firmeza a uma solu-
Gel ção, ou dispersão coloidal (um sistema no qual partículas de dimen-
são coloidal –, tipicamente, entre 1 nm e 1 mm – são distribuídas uni-
formemente através do líquido) e pode conter partículas suspensas.

É a forma farmacêutica sólida contendo um ou mais princípios ativos



secos e com tamanho de partícula reduzido, com ou sem excipientes.

É a forma farmacêutica semissólida, para aplicação na pele ou em


Pomada membranas mucosas, que consiste na solução ou dispersão de um ou
mais princípios ativos em baixas proporções em uma base adequada,
usualmente não aquosa.

É a forma farmacêutica líquida, límpida e homogênea, que contém


Solução um ou mais princípios ativos dissolvidos em um solvente adequado
ou numa mistura de solventes miscíveis.

Suspensão É a forma farmacêutica líquida que contém partículas sólidas disper-


sas em um veículo líquido, no qual as partículas não são solúveis.

Fonte: ANVISA, 2019.

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Vias de administração
Via de administração é o local do organismo no qual o medicamento é
administrado, resultando na liberação do fármaco na quantidade adequada
para que ocorra o efeito farmacológico desejado. No entanto, essa resposta
biológica é dependente de fatores, como a concentração do princípio ativo,
resistência à degradação metabólica, transporte através das membranas
biológicas, entre outros.
Muitas vezes, há a possibilidade de escolha da via de administração de
um agente terapêutico. Dessa maneira, o conhecimento das diferentes vias
de administração tem importância fundamental, uma vez que a via infl uen-
cia na biodisponibilidade de um medicamento e na adesão do paciente ao
tratamento.
As principais vias de administração são: oral, sublingual, retal, aplicação
em outras superfícies epiteliais (por exemplo: pele, córnea, vagina e mucosa
nasal), inalação e injeção (subcutânea, intramuscular, intravenosa, intrate-
cal e intravítrea).
Via oral
A via de administração oral é a mais utilizada, por ser mais conveniente,
econômica e geralmente mais segura. Cerca de 80% dos tratamentos farmaco-
lógicos fora do âmbito hospitalar são administrados por essa via. Quando há
a necessidade de proteção da mucosa digestiva, bem como no tratamento de
doenças parasitárias e infecção intestinal, é a única via possível para adminis-
tração de medicamentos.
Diversas formas farmacêuticas sólidas e líquidas podem ser administradas
pela via oral. No entanto, o efeito de primeira passagem é considerado um fa-
tor limitante e uma desvantagem, uma vez que há diminuição da biodisponibili-
dade do fármaco, ou seja, uma menor fração da dose administrada do fármaco
alcança seu local de ação.
Via retal
A via retal consiste na administração de medicamentos na mucosa retal por
meio do orifício anal e é utilizada para fármacos que produzem efeitos locais
ou sistêmicos. As principais formas farmacêuticas para administração retal são
supositórios, cápsulas retais de gelatina e enemas.

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Entre as vantagens da via retal, tem-se que muitos dos produtos adminis-
trados por essa via não irritam o trato gastrointestinal, como alguns medica-
mentos orais, e não são destruídos pelas enzimas digestivas ou pelo pH baixo
do estômago.
Via intramuscular
A via intramuscular deposita o medicamento no tecido muscular, que é rica-
mente irrigado pelo sangue, resultando em um rápido trajeto até a circulação
sistêmica. Por essa via, é possível administrar medicamentos em solução aquo-
sa e medicamentos suspensos em óleos, sendo que estes últimos apresentam
velocidade de absorção mais lenta e uniforme.
A injeção do fármaco deve ser profunda no tecido muscular. Medicamentos
que são levemente irritantes e não podem ser administrados pela via subcutâ-
nea podem ser administrados por essa via.
Via subcutânea
A via subcutânea consiste na administração de uma pequena quanti-
dade de medicamento líquido no tecido subcutâneo. O medicamento é
absorvido por dentro dos capilares próximos, e a velocidade de absorção
é uniforme e lenta, podendo variar de acordo com a camada adiposa do
paciente.
Essa via deve ser escolhida apenas para a administração de fármacos que
não causem irritação tecidual.
A absorção dos fármacos implantados sob a pele na forma de grânulos só-
lidos ocorre lentamente, por semanas. Alguns anticoncepcionais são adminis-
trados dessa forma.
Via endovenosa
A via endovenosa consiste na administração de medicamentos diretamente
na corrente sanguínea, em uma veia, permitindo um efeito farmacológico ime-
diato. Por essa via, os medicamentos podem ser administrados por infusões
do tipo in bolus ou contínua. No caso da infusão contínua, é possível manter
concentrações constantes do medicamento.
Essa via permite a administração de soluções irritantes, bem como de me-
dicamentos possíveis de causar efeitos adversos, uma vez que uma administra-
ção lenta ou em baixa concentração resulta em uma ampla diluição do fármaco
no sangue, reduzindo os efeitos prejudiciais.

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Via tópica
A via de administração tópica é utilizada quando é desejado um
efeito local na pele. A maioria dos fármacos é muito pouco absor-
vida pela pele intacta; no entanto, pode haver absorção
apreciável, causando efeitos sistêmicos.
As principais formas farmacêuticas para ad-
ministração tópica são pomadas, pastas, loções,
linimentos, tinturas e soluções tópicas. As apre-
sentações transdérmicas, nas quais o fármaco é
incorporado em um adesivo para ser aplicado na
pele, produzem uma taxa estável de liberação do fármaco, evitando
o metabolismo pré-sistêmico; diversos fármacos estão disponíveis nessa
apresentação.

Ensaios clínicos
Os estudos da ação de fármacos envolvendo populações humanas são de
grande importância e variam, desde investigações experimentais na área de far-
macocinética e farmacodinâmica, até os ensaios clínicos.
Os ensaios clínicos têm como objetivo avaliar a eficácia terapêutica e identifi-
car e/ou confirmar as reações adversas relacionadas ao medicamento investiga-
do, bem como estudar a farmacocinética dos compostos ativos do medicamento.
Até algumas décadas atrás, os medicamentos lançados no mercado não
eram submetidos a ensaios clínicos controlados, e a escolha do seu uso era
fundamentada mais na experiência pessoal e impressão clínica do que em en-
saios objetivos.
A busca por comprovação da segurança dos medicamentos ganhou força após
o episódio conhecido como “tragédia da talidomida”. A talidomida é um fármaco
que foi muito utilizado nas décadas de 1950 e 1960 para o alívio dos enjoos mati-
nais em gestantes; porém, foi retirada do mercado devido aos graves efeitos tera-
togênicos. Estima-se que um pouco mais de 10 mil crianças em todo o mundo nas-
ceram com malformações decorrentes do uso de talidomida durante a gravidez.
Os estudos clínicos realizados naquela época não indicaram a toxicidade da
talidomida e nenhuma taxa de letalidade significativa para evitar a sua comercia-

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lização. Propôs-se, então, que o fármaco era seguro e que seria a melhor escolha
frente à classe dos barbitúricos para o uso por gestantes.
Atualmente, qualquer novo fármaco necessita ser testado antes de ser licen-
ciado para comercialização, a fim de obter evidências quanto à sua eficácia e
segurança. Com isso, devem ser adotados padrões nacionais e internacionais
para a pesquisa clínica com medicamentos, garantindo a seriedade científica do
estudo.
É necessário salientar que um ensaio clínico deve seguir rigorosamente prin-
cípios científicos e éticos. Esses princípios são universais, acima de quaisquer
diferenças entre os indivíduos envolvidos, com o objetivo de assegurar sua inte-
gridade física e psíquica.
As Diretrizes para Boas Práticas Clínicas surgiram com o intuito de facilitar
a aceitação de dados de ensaios clínicos em diversos países, harmonizando os
padrões para as boas práticas na pesquisa clínica. Essas diretrizes, com o obje-
tivo de assegurar sua confiabilidade, estabelecem uma série de critérios para
planejamento, implementação, auditoria, conclusão, análise e relato de ensaios
clínicos.
De acordo com a Anvisa, são princípios básicos das Boas Práticas Clínicas:
• Os resultados do ensaio clínico são importantes para a ciência e a sociedade
e devem ser considerados;
• Os direitos, a segurança e bem-estar dos participantes da pesquisa devem
ser assegurados;
• Um ensaio clínico para fins de registro de medicamento deve ser conduzido
em consonância com o protocolo que recebeu aprovação da autoridade regula-
tória e partir de comitê independente de ética;
• A aprovação de ensaios clínicos depende de informações não clínicas ade-
quadas e, quando aplicáveis, de informações clínicas dos produtos em investi-
gação;
• Os ensaios clínicos devem ser cientificamente sólidos e descritos protocolos
claros e detalhados;
• As pesquisas devem ser realizadas por médicos qualificados (ou, se apro-
priado, dentistas qualificados), que devem ser responsáveis pelo atendimento
médico dos sujeitos da pesquisa, bem como para qualquer decisão médica to-
mada em seu nome;

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• O registro, o manuseio e o armazenamento de todas as informações do
ensaio clínico devem ser apropriados para permitir o relato, a interpretação e a
verificação precisos do ensaio;
• Os registros que poderiam identificar os sujeitos devem ser protegidos, res-
peitando a privacidade e as regras quanto ao tema, em consonância com as exi-
gências regulatórias aplicáveis.
• Os produtos em investigação devem ser manufaturados, manejados e ar-
mazenados de acordo com as boas práticas de fabricação (BPF) aplicáveis e de-
vem ser usados em consonância com o protocolo aprovado;
• Devem ser implementados sistemas com procedimentos que assegurem a
qualidade de cada aspecto do ensaio clínico.
No Brasil, o regulamento para a realização de ensaios clínicos com medica-
mentos é disposto na Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 09/2015. Essa
norma busca harmonizar a legislação interna às diretrizes internacionais, incen-
tivando o desenvolvimento de pesquisas em território nacional e uma maior in-
clusão do Brasil nas pesquisas que são realizadas concomitantemente em dife-
rentes países.

Desenvolvimento clínico
O desenvolvimento clínico de um novo fármaco ocorre por meio de quatro
fases distintas e sobrepostas de ensaios clínicos, a saber:
• Estudos de fase I: são realizados em um pequeno grupo de voluntários
sadios normais (em geral, cerca de 20 a 80 voluntários). Nessa fase, são reali-
zados estudos farmacocinéticos e a determinação de segurança da dose com
busca de potenciais efeitos perigosos;
• Estudos de fase II: são realizados em um grupo de pacientes com número re-
duzido, de 24 a 300 indivíduos. Nessa fase, são determinados os efeitos farmacodi-
nâmicos nos pacientes, com o objetivo de determinar o regime de dose do fármaco;
• Estudos de fase III: são realizados em um grupo maior de pacientes, cerca
de 250 a 1.000 indivíduos. Essa fase é a definitiva da pesquisa clínica, com es-
tudos aleatórios e duplos-cegos, visando à comparação do novo fármaco com
os comumente usados na terapia. Nessa fase, é avaliada a segurança e eficácia
do fármaco. Após essa fase, o medicamento é aprovado para comercialização;

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• Estudos de fase IV: compreendem o acompanhamento pós-comercializa-
ção do medicamento e são obrigatórios, visando a detectar quaisquer efeitos
adversos raros e em longo prazo que resultem do uso do fármaco na popula-
ção em geral.
O Gráfico 1 retrata todas as fases que envolvem a descoberta de um novo
fármaco e que envolvem desde a síntese do fármaco, passando pelos testes
pré-clínicos em animais até chegar às fases clínicas citadas, para posterior co-
mercialização. O caminho até a comercialização de um novo medicamento é
longo, dispendioso e envolve grande número de substâncias.

GRÁFICO 1. NÚMERO DE SUBSTÂNCIAS, LINHAS DE TEMPO E FASES QUE CARACTERIZAM


A DESCOBERTA DE NOVOS FÁRMACOS

12
Registro de Vigilância pós- Fase IV
11 Introdução comercialização
10 1

9 Desenvolvimento Testes clínicos Fase III


(humanos)
8 2

7 2-5 Fase II
Anos

6 5-10 Fase I
5 Testes pré-clínicos
(animais)
4
10-20
3
Pesquisa básica Síntese
2 testes e
escrutínio
1
10.000-25.000
0
Número de substâncias químicas
Fonte: HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015, p. 26.

Grupos-controle
Nos ensaios clínicos, são comparadas as respostas de um grupo-controle
sujeito a um tratamento padrão existente e as de um grupo de indivíduos que
recebe um novo tratamento. Esse novo tratamento pode ser um fármaco novo,
uma nova associação de fármacos já utilizados clinicamente ou qualquer outro
tipo de intervenção terapêutica, como cirurgia, dieta, fisioterapia, entre outros.

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O grupo-controle pode receber o fármaco de escolha atualmente usado,
um placebo para os casos em que não há tratamento eficaz disponível ou até
mesmo não receber nenhum tipo de tratamento.
O uso de grupos-controle é crucial nos ensaios clínicos, uma vez que afir-
mações de eficácia de um determinado medicamento novo em um grupo de
pacientes não têm valor algum se não houver dados dos pacientes que recebe-
ram um tratamento diferente ou não receberam tratamento.
Os grupos-controle podem ser compostos por um grupo separado de in-
divíduos, ou pode ser feito um estudo cruzado, no qual os mesmos indivíduos
mudam do grupo de teste com medicação para o grupo-controle, ou vice-ver-
sa, com posterior comparação dos resultados obtidos. Neste último caso, a
randomização, ou seja, a distribuição aleatória de pacientes, é fundamental,
a fim de evitar uma eventual predisposição a determinado resultado. Dessa
forma, o ensaio clínico controlado randomizado é considerado uma
ferramenta indispensável para avaliar a eficácia terapêutica de no-
vos fármacos.
Outra técnica muito utilizada para dar confia-
bilidade a um estudo é a técnica do duplo-cego,
utilizada para minimizar a tendenciosidade no
ensaio clínico: nem o paciente nem o pesquisa-
dor sabem o tipo de tratamento que está sendo
administrado. Embora esse método seja uma pro-
teção importante para a confiabilidade dos resulta-
dos, nem sempre é possível utilizá-lo, uma vez que, por exemplo, uma dieta
dificilmente pode ser disfarçada, assim como o gosto, cheiro e aparência de
certos fármacos; porém, sempre que possível, a técnica do duplo-cego deve
ser utilizada.

EXPLICANDO
Um placebo é um medicamento “simulado” que não contém nenhum prin-
cípio ativo capaz de exercer atividade farmacológica. Em alguns casos,
um placebo pode ser uma simulação de procedimento cirúrgico, dieta
ou outro tipo de intervenção terapêutica, desde que o paciente avaliado
acredite que poderia ser verdadeiro. O placebo apresenta considerável
efeito terapêutico, produzindo efeito benéfico significativo em cerca de um
terço dos pacientes que o utilizam.

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Tamanho da amostra
Uma das frequentes preocupações em um ensaio clínico é o tamanho da
amostra, já que há a possibilidade de escolher uma amostra que não seja típica
e não represente a população na qual teve origem. Devido ao uso de amostras,
os resultados obtidos em um ensaio podem não ser totalmente conclusivos,
uma vez que os ensaios devem envolver o menor número necessário de indiví-
duos, com base em aspectos éticos e financeiros.
Em um ensaio clínico, dois tipos de conclusões incorretas são possíveis:
• Erro tipo I: erro do tipo falso-positivo, no qual os resultados indicam uma
diferença entre A e B, quando esta não existe;
• Erro tipo II: erro do tipo falso-negativo, no qual os resultados não indicam
qualquer diferença entre A e B; porém, ela existe.
Um dos fatores que determinam o tamanho da amostra é o quanto o
pesquisador deseja evitar a ocorrência de um desses tipos de erro. A signi-
fi cância do resultado do estudo é a expressão da probabilidade de cometer
um erro tipo I. Geralmente, um nível de signifi cância de 0,05 é considerado
como aceitável e indica que a probabilidade de se obter um resultado do
tipo falso-positivo é menor do que um em vinte. Já a probabilidade de evitar
um erro tipo II é denominada potência do estudo e geralmente é conside-
rada como aceitável em valores entre 0,8 e 0,9. Para aumentar a signifi cân-
cia e a potência de um estudo, deve-se aumentar o tamanho da amostra.
Outro fator que determina o tamanho da amostra é a amplitude da dife-
rença entre A e B, que é considerada pelo pesquisador como clinicamente
signifi cativa. Para um estudo com nível de signifi cância de 0,05 e uma po-
tência de 0,9, em que o resultado indica uma redução de algum
indicador, como a mortalidade, em dez pontos percentuais, deve
ser necessária uma amostra com, pelo menos, 850
indivíduos. Com um número maior de indivíduos,
poderia ser detectada, por exemplo, uma redução
percentual maior; porém, existe toda a questão
ética e financeira envolvida, devendo-se avaliar
os benefícios clínicos versus as considerações esta-
tísticas no planejamento dos ensaios clínicos.

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Mensuração dos resultados clínicos
Durante o planejamento de um ensaio clínico, deve-se definir, de manei-
ra apropriada, a forma que os resultados serão mensurados. Geralmente,
são escolhidos efeitos clínicos objetivos e mais rápidos de serem observa-
dos, como diminuição da pressão arterial, alteração da contagem de leucó-
citos e melhoria da condutância das vias aéreas.
A mensuração dos resultados clínicos pode ser:
• Medidas fisiológicas (pressão sanguínea, testes de função hepática,
função respiratória);
• Resultado em longo prazo (sobrevida ou livre de recorrência);
• Avaliações subjetivas (alívio da dor, humor);
• Medidas de qualidade de vida global;
• Anos de vida ajustados à qualidade (QALYs, do inglês quality-adjusted
life years), que combinam sobrevida com qualidade de vida.

Farmacocinética I: absorção de fármacos


Os processos de absorção, distribuição, metabolismo (biotransformação) e
eliminação dos fármacos (ADME) constituem a farmacocinética. Um adequado
entendimento dos princípios da farmacocinética pode influenciar, de forma be-
néfica, a terapia, reduzindo a ocorrência de reações adversas a medicamentos.
As etapas da farmacocinética de um fármaco no organismo são dependentes
do seu transporte através das membranas celulares. As propriedades físico-quí-
micas, tanto das moléculas do fármaco quanto das membranas, influenciam a
transferência e distribuição dos fármacos no organismo.
Em relação ao fármaco, podemos citar como características que influenciam
seu transporte e sua presença no local de ação: peso molecular, conformação
estrutural, grau de ionização, lipossolubilidade relativa dos compostos ionizados
e não ionizados e ligação às proteínas séricas e teciduais.
A membrana plasmática corresponde à barreira mais comum frente à distri-
buição do fármaco e consiste em uma dupla camada de lipídeos, com suas ca-
deias de ácidos graxos não polares voltadas para o interior, e os grupos polares
e hidrofílicos voltados para o exterior da membrana. As moléculas do fármaco

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podem atravessar a membrana por transporte passivo e por transporte ativo,
como se vê na Figura 2.
O transporte celular consiste na transferência de substâncias através de um
epitélio, utilizando os espaços intercelulares. Essa transferência é bastante am-
pla; no entanto, é limitada pelo fluxo sanguíneo quando ocorre a passagem pelo
endotélio capilar. Os capilares de diversos tecidos epiteliais, a exemplo dos ca-
pilares do sistema nervoso central (SNC), apresentam junções estreitas que im-
pedem a transferência de solutos com massa molecular acima de 100 a 200 Da.
Com isso, grande parte dos fármacos lipofílicos e com grande massa precisam
permear a membrana sem a ajuda de água.
No transporte passivo, a molécula do fármaco geralmente permeia a mem-
brana por difusão simples ou facilitada, seguindo um gradiente de concentração,
possibilitada pela sua solubilidade na dupla camada de lipídeos. A velocidade de
difusão de uma molécula depende principalmente do seu tamanho molecular,
sendo inversamente proporcional ao peso molecular. A difusão também é de-
pendente da amplitude do gradiente de concentração através da membrana, do
coeficiente de partição hidrolipídica do fármaco e da área da membrana exposta
ao fármaco, sendo diretamente proporcional a todos esses parâmetros.

TRANSPORTE PASSIVO
Transporte ativo

Transporte Difusão Difusão Transportadores ABC


paracelular facilitada

Figura 2. Mecanismos utilizados pelos fármacos para atravessar as barreiras celulares. Fonte: HILAL-DANDAN; BRUN-
TON, 2015, p. 39.

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DICA
Dois fatores que devem ser levados em consideração e influenciam
consideravelmente a permeação do fármaco pela membrana são o pH e
a ionização, pois muitos fármacos são ácidos ou bases fracas e podem
ser encontrados tanto na forma ionizada quanto na forma não ionizada.
Em ambos os casos, a espécie ionizada apresenta baixa solubilidade nos
lipídeos da membrana e é incapaz de permeá-la, exceto em situações que
apresentem um mecanismo específico de transporte. Muitos fármacos na
forma não ionizada, porém, também não conseguem permear a membrana
devido à baixa lipossolubilidade.

A difusão facilitada e o transporte ativo são processos mediados por carreado-


res, que podem ser divididos em transportadores carreadores solúveis e transpor-
tadores de cassetes de ligação de ATP. Os transportadores carreadores solúveis
facilitam a permeação passiva de solutos a favor de seu gradiente, e os transpor-
tadores de cassetes de ligação de ATP são bombas ativas movidas por ATP.

Absorção de fármacos
Na maioria das situações, o fármaco necessita ser primeiramente aab-
sorvido, para chegar ao seu local de ação e realizar seu efeito biológico.
Esse processo não é necessário, por exemplo, para fármacos administrados
pela via intravenosa, quando já são administrados diretamente na corrente
sanguínea, assim como para fármacos administrados por via tópica, para os
quais se deseja um efeito local e não sistêmico.
As preparações sólidas, como comprimidos e cápsulas, precisam inicial-
mente passar pela dissolução para liberar o fármaco e este ser absorvido.
A absorção de um fármaco administrado por via oral, por exemplo, precisa
ocorrer primeiramente no trato gastrintestinal (TGI) e é regulada por fatores
como:
• Conteúdo intestinal;
• Fluxo sanguíneo esplâncnico;
• Motilidade gastrointestinal;
• Tamanho da partícula e formulação;
• Concentração no local da absorção;
• Fatores físico-químicos.

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A alimentação altera o conteúdo intestinal e o fl uxo esplâncnico, e a
sua infl uência benéfi ca ou não na absorção no TGI é avaliada desde os en-
saios clínicos. A circulação esplâncnica fornece suprimento sanguíneo no
TGI, baço e pâncreas. Muitos fármacos (como o propranolol, por exemplo),
quando ingeridos após a refeição, são mais absorvidos pelo TGI devido ao
aumento do fl uxo sanguíneo esplâncnico pelo alimento. Por outro lado, em
pacientes com insufi ciência cardíaca, o fl uxo sanguíneo esplâncnico encon-
tra-se reduzido, o que resulta na redução da absorção de fármacos no trato
gastrintestinal.
A motilidade gastrointestinal também causa grande efeito na absorção
no TGI, e alguns fármacos podem afetar essa motilidade, como a metoclo-
pramida. O tamanho da partícula e a formulação também exercem impor-
tantes efeitos sobre a absorção, especialmente de fármacos que são pou-
co absorvidos, como a digoxina. Em relação à concentração do fármaco no
TGI, quanto maior a concentração, maior será sua absorção, principalmente
para fármacos, que são absorvidos por difusão passiva.
O fármaco que foi absorvido no TGI passa, em seguida, pelo fígado, onde
pode haver metabolismo e/ou excreção biliar antes que ele alcance a circu-
lação sistêmica. Consequentemente, parte da dose administrada e absorvi-
da será inativada ou desviada, no intestino e no fígado, antes de alcançar a
circulação geral e ser distribuída para seus locais de ação.
Se a capacidade metabólica ou excretora do fígado para o fármaco em
questão for grande, a quantidade do fármaco que chegará à circulação (bio-
disponibilidade) será consideravelmente reduzida, o chamado efeito de pri-
meira passagem.

Biodisponibilidade e bioequivalência
A biodisponibilidade de uma dose de fármaco administrada por via intra-
venosa é 100%, por definição. Na administração de fármacos pela via oral, a
biodisponibilidade é menor que 100% e pode apresentar valores muito bai-
xos para certos fármacos, chegando a 5%, em decorrência de uma absorção
incompleta na parede intestinal e, principalmente, pelo efeito de primeira
passagem no fígado. O metabolismo hepático de primeira passagem é o que

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mais afeta a biodisponibilidade de um fármaco, pois, quando o fármaco é
metabolizado rapidamente pelo fígado, a fração do medicamento inaltera-
do que chega à circulação sistêmica é diminuída.
O efeito de primeira passagem no metabolismo hepático pode ser evita-
do pelo uso de formas farmacêuticas como comprimidos sublinguais, adesi-
vos transdérmicos e supositórios retais; porém, em menor extensão. Cerca
de 50% da drenagem retal não passa pela circulação portal, ou seja, quando
o fármaco é administrado por essa via, ele desvia-se do sistema porta e vai
direto para os vasos, que desembocam na veia cava inferior. Com isso, o me-
tabolismo hepático de fármacos administrados por essa via é minimizado.
Já os fármacos administrados por inalação não apresentam o efeito de pri-
meira passagem no metabolismo hepático. O pulmão, no entanto, pode tam-
bém atuar como um local de perda por excreção e diminuir a biodisponibilidade
– e o mesmo pode ocorrer com os fármacos administrados por vias parenterais.
Quando dois medicamentos contendo o mesmo princípio ativo, na mes-
ma quantidade e forma farmacêutica, apresentam a mesma biodisponibi-
lidade no organismo, sua efi cácia clínica é considerada comparável, e eles
são considerados bioequivalentes. A realização de estudos de biodisponi-
bilidade e bioequivalência ganhou força no Brasil após o estabelecimento
do medicamento genérico pela Lei nº 9.787/99, pois o medicamento genéri-
co e o de referência são bioequivalentes.
Quando dois medicamentos são considerados bioequi-
valentes, podem ser aproveitados os estudos clínicos
completos de um medicamento para outro. Dessa for-
ma, diminui-se a complexidade de provas de segurança
e efi cácia que o fabricante precisa apresentar no momen-
to do registro do medicamento.

Farmacocinética II: distribuição de fármacos e


ligação às proteínas plasmáticas
Após a absorção do fármaco na corrente sanguínea, ou após sua administra-
ção sistêmica (no caso de injetáveis intravenosos), o fármaco passa pelo proces-
so de distribuição para os líquidos intersticiais e intracelulares. A distribuição

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é dependente das propriedades físico-químicas de cada fármaco, sendo que a
taxa de liberação e a quantidade potencial do fármaco distribuída aos tecidos
são determinadas pelo débito cardíaco, fluxo sanguíneo regional, permeabilida-
de capilar e volume tecidual.
As maiores frações do fármaco são distribuídas, inicialmente, para o fígado,
os rins e o cérebro, que são os órgãos que recebem maior fluxo sanguíneo, como
se observa na Tabela 1.
Uma segunda fase de distribuição libera o fármaco aos músculos, às vísceras,
à pele e aos tecidos adiposos. No entanto, essa fase é mais lenta e pode levar
de minutos a horas, até que a concentração do fármaco nesses tecidos esteja
em equilíbrio com a concentração sanguínea. Essa segunda fase é responsável
pela maior fração do fármaco distribuído ao espaço extravascular, decorrente
do envolvimento de tecidos que apresentam uma massa corporal muito maior.

TABELA 1. FLUXO SANGUÍNEO TECIDUAL TOTAL E NORMALIZADO PARA


PESO NO ADULTO

FLUXO SANGUÍ-
MASSA DO
FLUXO SANGUÍNEO NEO NORMAL-
ÓRGÃO PERFUNDIDO ÓRGÃO
(mL/min) IZADO
(kg)
(mL/min/kg)

Fígado 1.700 2,5 680

Rins 1.000 0,3 3.333

Cérebro 800 1,3 615

Coração 250 0,3 833

Gordura 250 10,0 25

Outros (músculos etc.) 1.400 55,6 25

Total 5.400 70,0 -


Fonte: GOLAN et al., 2010, p. 34.

Em geral, a distribuição do fármaco para o líquido intersticial ocorre de modo


rápido, com exceção do cérebro e alguns outros órgãos, devido ao fato de a mem-
brana endotelial dos capilares apresentar alta permeabilidade. Além da permea-
bilidade através das barreiras teciduais, outros fatores influenciam o padrão do
equilíbrio de distribuição, como a partição pelo pH e a partição óleo/água.

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Barreira hematoencefálica
Como dito anteriormente, para a distribuição do fármaco para o líquido
intersticial, o fármaco precisa atravessar a barreira celular – e, entre elas, a
barreira hematoencefálica (BHE) tem características importantes.
A BHE impede a acessibilidade da maioria dos fármacos ao cérebro,
uma vez que não apresentam lipossolubilidade sufi ciente (p. ex.: amino-
glicosídeos). No entanto, a inflamação pode romper a integridade da BHE,
permitindo a entrada de substâncias no cérebro, como antibióticos para o
tratamento da meningite bacteriana. Ademais, a barreira é permeável em
algumas partes do SNC, como na zona quimiorreceptora do gatilho, o que
permite o acesso de certos fármacos ao cérebro, como a apomorfina, um
fármaco utilizado para o tratamento da doença de Parkinson.
Podemos definir o volume de distribuição aparente Vd pela fórmula:
Vd = Q / C p (1)
A proporção do fármaco aproveitada pelo organismo como um todo é
maior quando o fármaco é distribuído de forma ampla pelos tecidos corporais.
Com isso, o Vd é baixo para fármacos, que ficam retidos, principalmente, no
compartimento vascular; e alto, para fármacos que são amplamente distribuí-
dos no músculo, tecido adiposo e outros compartimentos não vasculares.
Diversos fármacos apresentam Vd muito grandes, como: cloroquina (Vd
= 9.240 L), amiodarona (Vd = 4.620 litros L), fl uoxetina (Vd = 2.450 L), azitro-
micina (Vd = 2.170 L), amitriptilina (Vd = 1.050 L), clorpromazina (1.470 L) e
digoxina (Vd = 645 L).
Um fármaco que é captado com elevadas concentrações por tecidos
corporais, como os músculos e o tecido adiposo será, em grande parte,
removido da circulação no estado de equilíbrio dinâmico. Na maioria dos
casos, para haver efeito biológico no sítio-alvo do fármaco, o
tecido precisa estar saturado para que os níveis plasmáti-
cos desses fármacos aumentem de forma sufi ciente. Com
isso, para dois fármacos com igual potência, aquele que
apresentar maior distribuição entre os tecidos corporais
geralmente precisará de uma dose inicial maior para alcan-
çar uma concentração plasmática que seja terapêutica.

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CURIOSIDADE
Alguns fármacos, como a heparina, não conseguem atravessar a parede
dos capilares com facilidade, pois a molécula é muito grande, ficando
confinados no compartimento plasmático. No entanto, é mais frequente ter
fármacos confinados no compartimento plasmático devido à ligação com
as proteínas plasmáticas, o que é prejudicial do ponto de vista terapêutico,
pois é a fração livre do fármaco no líquido intersticial que produz os efei-
tos farmacológicos.

Ligação às proteínas plasmáticas


Alguns fármacos em concentrações terapêuticas circulam na corrente
sanguínea ligados às proteínas plasmáticas. A fração da forma livre do fár-
maco em solução aquosa, que constitui a forma farmacologicamente ativa,
pode ser inferior a 1%, estando os 99% restantes associados a proteínas
plasmáticas. Pequenas diferenças na fração ligada às proteínas (exemplo:
99,0 versus 98,5%) podem resultar em diferenças consideráveis na concen-
tração de fármaco livre, e, consequentemente, na sua efi cácia.
A albumina é a proteína plasmática mais abundante do organismo e é o
principal carreador dos fármacos ácidos; para os fármacos básicos, o prin-
cipal carreador é a glicoproteína ácida α1. No entanto, mesmo sendo em
número muito menor, a albumina também pode se ligar a fármacos básicos,
como a clorpromazina e os antidepressivos tricíclicos. Ligações inespecífi cas
de fármacos a outras proteínas plasmáticas podem ocorrer, mas em uma
quantidade muito menor, sendo que estas geralmente são reversíveis. Ade-
mais, alguns fármacos podem ligar-se às proteínas que atuam como carrea-
doras de hormônios específi cos.
A quantidade da fração do fármaco ligada às proteínas plasmáticas é de-
pendente de três fatores: (a) concentração do fármaco livre; (b) afinidade
pelos locais de ligação; e (c) concentração de proteínas. A variação das con-
centrações plasmáticas dentro da faixa terapêutica, para grande parte dos
fármacos, é limitada. Com isso, tanto a amplitude de ligação quanto a fração
do fármaco livre geralmente são constantes.
A concentração normal de albumina no plasma é de aproximadamente
0,6 mmol/l (4 g/100 ml); porém, devido a patologias, os níveis de albumina
podem estar alterados (exemplo: níveis baixos de albumina podem ser in-

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dicativos de falha hepática). Com isso, a amplitude da ligação do fármaco
às proteínas plasmáticas pode ser afetada. Outro exemplo de alteração da
ligação às proteínas plasmáticas ocorre em doenças que causam uma rea-
ção inflamatória aguda, como a doença de Crohn, aumentando os níveis da
glicoproteína ácida α1 e ampliando sua ligação aos fármacos básicos.

A
Local de ação farmacológica

Espaço vascular

Órgão de
depuração

Local de ação farmacológica

Espaço vascular

Órgão de
depuração

Fármaco A ligado à albumina


Fármaco A

Albumina
Fármaco B ligado à albumina
Fármaco B

Figura 3. Ligação dos fármacos às proteínas plasmáticas. (A) Os fármacos que não se ligam às proteínas plasmáticas
(Fármaco A) sofrem uma rápida difusão nos tecidos, resultando em alto nível de ligação ao local de ação farmacológica
(receptores) e numa alta taxa de eliminação (fluxo por meio de um órgão de depuração). (B) Os fármacos que exibem
altos níveis de ligação às proteínas plasmáticas (Fármaco B) apresentam somente uma pequena fração do fármaco que
pode sofrer difusão no espaço extravascular, com a ocupação de uma pequena porcentagem dos receptores. Fonte:
GOLAN et al., 2010, p. 35.

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A ligação de um fármaco às proteínas plasmáticas reduz a sua disponibi-
lidade em ser distribuído para o tecido-alvo, uma vez que apenas a fração
livre é capaz de difundir-se através das membranas (Figura 4). Uma fração
maior de fármaco ligado também pode reduzir a difusão dos fármacos para
compartimentos não vasculares, como o músculo e o tecido adiposo. Um
fármaco altamente ligado às proteínas plasmáticas tende a permanecer na
circulação sanguínea. Com isso, esse fármaco apresenta um volume de dis-
tribuição baixo, cerca de 7–8 L para um indivíduo de 70 kg.
A filtração glomerular, o transporte e o metabolismo também são afe-
tados pela ligação de um fármaco às proteínas plasmáticas, exceto quando
eles são altamente efi cazes e quando a depuração do fármaco é superior ao
fl uxo plasmático do órgão.

Farmacocinética III: metabolismo e eliminação


de fármacos
A exclusão irreversível do fármaco do corpo ocorre por meio de dois proces-
sos: metabolismo e eliminação. O metabolismo ou biotransformação consis-
te na construção e degradação dos fármacos pela conversão enzimática de um
grupamento químico, enquanto a eliminação ou excreção consiste na saída dos
metabólitos do fármaco do organismo.
O fígado é o principal órgão de metabolismo dos fármacos, embora as enzi-
mas metabolizadoras estejam presentes na maioria dos tecidos do corpo, sen-
do a pele, os pulmões, TGI e os rins considerados locais particularmente ativos.
Deve-se destacar o TGI, uma vez que as enzimas metabolizadoras presentes nas
células epiteliais do TGI são responsáveis pelo metabolismo inicial de muitos fár-
macos administrados por via oral.
No fígado, pode ser encontrada uma maior diversidade de enzimas meta-
bólicas. A capacidade das enzimas em modificar os fármacos é dependente da
quantidade de fármaco que adentra os hepatócitos. O fígado metaboliza princi-
palmente os fármacos lipossolúveis, que penetram mais facilmente nos hepató-
citos. No entanto, por meio de transportadores presentes nesse órgão, fármacos
hidrossolúveis também conseguem adentrar as células hepáticas.

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Os fármacos são metabolizados para facilitar sua excreção pelo corpo. Esse
processo, porém, também desempenha um papel importante na redução da ati-
vidade biológica dos fármacos.
As reações de biotransformação podem ser divididas em duas classes: as
reações de oxidação/redução (fase I) e de conjugação (fase II). Ambas as fa-
ses atuam diminuindo a lipossolubilidade e, consequentemente, aumentando
a eliminação renal. Essas fases ocorrem frequentemente de modo sequencial e
são independentes, sendo que as enzimas envolvidas nas reações de ambas as
fases competem, com frequência, pelos substratos.
Reações de oxidação/redução (fase I)
As reações de fase I (exemplo: oxidação, redução e hidrólise) modificam a
estrutura química do fármaco por meio de enzimas presentes no fígado, que
facilitam cada um desses tipos de reações, sendo a via mais comum o sistema
do citocromo P450 microssomal, responsável pelo metabolismo de grande parte
das reações oxidativas.
As enzimas P450 estão envolvidas na biotransformação de cerca de 75% de
todos os fármacos atualmente utilizados, e as reações mediadas por essas enzi-
mas correspondem a 95% das biotransformações oxidativas.
Uma reação de oxidação comum envolve a introdução de um grupo reativo
na molécula, o grupo hidroxila. No metabolismo do ácido acetilsalicílico, a hidro-
xila serve de ponto de ataque para que, na fase de conjugação, ocorra a ligação
de um substituinte, como o glicuronídeo (Figura 4).
Reações de conjugação (fase II)
As reações de conjugação são sintéticas e conjugam o fármaco com uma
molécula grande e polar, resultando, na maioria das vezes, em produtos mais
solúveis para serem excretados na urina ou na bile – e muitos deles se tornam
inativos.
Muitas das reações de fase II ocorrem no fígado; porém, ou-
tros tecidos, como pulmões e rins, estão envolvidos. Para uma
molécula ser suscetível à conjugação, o fármaco ou metabó-
lito resultante da fase I deve ter um grupamento adequado
para sofrer ataque (p. ex.: hidroxil, tiol ou amino). Os grupos
mais comumente adicionados nas reações de conjugação in-
cluem glicuronato, sulfato, glutationa e acetato.

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Fase 1 Fase 2
Fármaco Derivado Conjugado
Oxidação Conjugação
Hidroxilação
Desalquilação
Desaminação
Hidrólise
OH
OH
Exemplo HO

COOH COOH COOH


O
OCOCH3 OH O COOH

Ácido acetilsalicílico Ácido salicílico Glicuronídeo

Figura 4. As duas fases do metabolismo do ácido acetilsalicílico. Fonte: RANG et al., 2016, p. 116..

Eliminação de fármacos
Os fármacos e seus metabólitos são predominantemente eliminados do
organismo por meio da excreção renal e biliar. A excreção renal é o meca-
nismo mais comum, pois um número muito pequeno de fármacos é excreta-
do de maneira primária pela bile. Ademais, alguns fármacos, em sua forma
residual, podem ser eliminados por excreção fecal, em decorrência de uma
absorção incompleta no TGI superior, e pelas vias respiratória e dérmica;
porém, em quantidades mínimas.
Alguns fármacos não são inativados pelo processo de metabolismo e,
com isso, são eliminados praticamente inalterados na urina (Quadro 2). A ve-
locidade de eliminação renal desses fármacos é o que determina a duração
da sua ação no organismo, devendo esses medicamentos ser empregados
com cautela em pacientes idosos ou naqueles com função renal diminuída.

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QUADRO 2. FÁRMACOS ELIMINADOS PRATICAMENTE INALTERADOS NA URINA

Fármaco Porcentagem

Furosemida, gentamicina, metotrexato, atenolol, digoxina 100-75

Benzilpenicilina, cimetidina, oxitetraciclina, neostigmina 75-50

Propantelina, tubocurarina ∼50

Fonte: RANG et al., 2016, p. 123. (Adaptado).

Excreção renal
A excreção renal dos fármacos e de seus metabólitos envolve três proces-
sos independentes entre si, que são: filtração glomerular, secreção tubular ati-
va e reabsorção tubular passiva. Quando um paciente, por exemplo, apresenta
alterações da função renal global, significa que os três processos são alterados
na mesma extensão, e os fármacos que são dependentes do rim para a sua
eliminação devem ter sua dose e frequência de administração alterados.
O fluxo sanguíneo renal representa 1/4 do fluxo sanguíneo total do corpo.
Isso assegura que o fármaco presente na corrente sanguínea seja exposto
continuamente aos rins. Como veremos na Figura 5, a arteríola aferente é a
responsável por introduzir no glomérulo o fármaco presente na corrente san-
guínea, e, embora possam ser introduzidas as formas ligada e não ligada do fár-
maco às proteínas plasmáticas, apenas a forma livre é filtrada no túbulo renal.
A taxa de eliminação dos fármacos pelos rins é determinada pelo equilí-
brio das taxas de filtração, secreção e reabsorção. O fluxo sanguíneo renal,
assim como a taxa de filtração glomerular e a ligação do fármaco às proteí-
nas plasmáticas, influencia diretamente a quantidade de fármaco que aden-
tra os túbulos, no nível do glomérulo. Dessa forma, um aumento no fluxo
sanguíneo, na taxa de filtração glomerular e na concentração de fármaco
livre aumentam a taxa de eliminação do fármaco.
Quanto à concentração urinária do fármaco no túbulo proximal, pode
ser aumentada em decorrência do transporte por difusão passiva das mo-
léculas não ionizadas do fármaco, bem como por difusão facilitada de mo-
léculas ionizadas e não ionizadas. Por outro lado, a concentração urinária
do fármaco pode diminuir se houver reabsorção nos túbulos proximais e
distais, sendo limitada pelo pH. Um ajuste no pH urinário pode favorecer

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ou não a reabsorção de fármacos no túbulo e pode ser necessário do pon-
to de vista terapêutico.
A reabsorção de fármacos também pode ser alterada como resposta à
variação do débito urinário. Um aumento no débito urinário diminui a reab-
sorção, uma vez que ocorre a diluição da concentração do fármaco no túbu-
lo e a diminuição da possibilidade de haver difusão facilitada.

Capilar peritubular Túbulo proximal

Filtração
Secreção glomerular
tubular Arteríola
2 1 aferente

Fármaco
no sangue

3
Reabsorção
tubular Arteríola
eferente
4

Urina

Figura 5. Excreção de fármacos no rim. Os fármacos podem ser (1) filtrados no glomérulo renal, (2) secretados no
túbulo proximal, (3) reabsorvidos a partir da luz tubular e transportados de volta ao sangue e (4) excretados na urina.
Fonte: GOLAN et al., 2010, p. 38.

Depuração (clearance) renal


A eliminação renal de fármacos pode ser quantificada pela depuração renal
ou clearance (CLren). O CLren pode ser calculado a partir da concentração plas-
mática (Cp), da concentração urinária (Cu) e da velocidade do fluxo urinário (Vu),
conforme a seguinte equação:

FARMACOLOGIA BÁSICA 38

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CLren = (Cu x Vu) / Cp (2)
Os valores de CLren variam muito para os vários fármacos disponíveis na te-
rapêutica, podendo chegar de menos de 1 ml/min até aproximadamente 700
ml/min, que é considerado o máximo teórico. Alguns fármacos são depurados
de forma muito rápida, como a penicilina, que é retirada do sangue pratica-
mente em uma única passagem pelos rins, ou podem ser depurados de forma
muito lenta, como a amiodarona e o risedronato; porém, a grande maioria dos
fármacos apresenta CLren entre esses dois extremos.
Excreção biliar
Alguns transportadores presentes na membrana canalicular do hepatócito
secretam fármacos e seus metabólitos na bile. Estes fármacos e seus metabóli-
tos presentes na bile são liberados no TGI durante a digestão e podem ser reab-
sorvidos pelo intestino de volta ao organismo, resultando em um prolonga-
mento da permanência do fármaco no organismo, e, consequentemente, dos
seus efeitos, antes de ser eliminado por outras vias, o que pode ser benéfico
ou não para o paciente.
Alguns fármacos são excretados em grande parte pela bile, a exemplo dos
esteroides, digoxina e alguns agentes antineoplásicos.

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Sintetizando
No âmbito da farmacologia, os conceitos de droga, fármaco e medicamento
são importantes de serem distinguidos. A droga é o conceito mais amplo e cor-
responde a qualquer substância que, ao interagir com o organismo vivo, é capaz
de exercer efeito clínico ou farmacológico, com ou sem intenção benéfica. Todo
fármaco é uma droga e este apresenta finalidade medicamentosa em benefício
da pessoa na qual se administra. Já o medicamento é o produto farmacêutico
que pode conter um ou mais fármacos, além de outras substâncias.
As formas farmacêuticas são as formas físicas de apresentação do medica-
mento após a adição ou não de excipientes apropriados – e apresentam carac-
terísticas apropriadas a uma determinada via de administração, ou seja, ao local
do organismo por meio do qual o medicamento é administrado. As formas far-
macêuticas podem ser classificadas em sólidas, semissólidas, líquidas, gasosas e
especiais. Já as principais vias de administração são: oral, sublingual, retal, inala-
ção, parenteral e aplicação em outras superfícies epiteliais.
A via de administração oral é a mais utilizada por ser mais conveniente, eco-
nômica e, geralmente, mais segura. Embora apresente diversas vantagens, o
efeito de primeira passagem é considerado um fator limitante, uma vez que di-
minui a biodisponibilidade do fármaco administrado.
Os ensaios clínicos, que consistem em estudos de medicamentos em volun-
tários humanos, apresentam como objetivos principais a avaliação da eficácia
terapêutica e identificação e/ou confirmação das reações adversas relacionadas
aos medicamentos. O desenvolvimento clínico de um novo medicamento é lon-
go e dispendioso e envolve quatro diferentes fases, sendo que a fase IV com-
preende o acompanhamento pós-comercialização do medicamento.
A farmacocinética é constituída pelos processos de absorção, distribuição,
metabolismo (biotransformação) e eliminação dos fármacos. O processo de
absorção é a passagem de um fármaco de seu local de administração para o
plasma. A absorção no TGI é regulada pelo conteúdo intestinal, fluxo sanguíneo
esplâncnico, motilidade gastrointestinal, tamanho da partícula e formulação,
concentração no local da absorção e fatores físico-químicos. O processo de dis-
tribuição é a passagem do fármaco para os líquidos intersticiais e intracelulares,
o que é determinado pelo fracionamento do fármaco entre o sangue e os tecidos

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específicos, e é dependente das propriedades físico-químicas de cada fármaco.
Após ser distribuído, o fármaco passa pelo processo de metabolização, a fim
de facilitar sua excreção pelo corpo. Geralmente, também ocorre redução da
sua atividade biológica. As reações do metabolismo são divididas em reações de
oxidação/redução (fase I) e de conjugação (fase II).
Os fármacos e seus metabólitos são predominantemente eliminados do or-
ganismo por meio da excreção renal, que envolve três processos: filtração glo-
merular, secreção tubular ativa e reabsorção tubular passiva, sendo que a taxa
de eliminação dos fármacos pelos rins é determinada pelo equilíbrio desses três
processos.

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-graduação em Ciências Farmacêuticas – Faculdade de Ciências Farmacêuticas,
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Araraquara, 2017. Dispo-
nível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/149780>. Acesso em: 07
jul. 2020.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999. Disponí-
vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9787.htm>. Acesso em: 07 jul.
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RANG, H. P. et al. Rang & Dale farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

FARMACOLOGIA BÁSICA 42

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UNIDADE

2 FARMACODINÂMICA
E FÁRMACOS
AUTONÔMICOS

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Objetivos da unidade

Descrever as principais interações farmacológicas e seus mecanismos de ação;

Compreender o modo de ação dos fármacos, bem como a interação com os


seus receptores;

Conhecer a farmacologia do sistema nervoso autônomo e periférico.

Tópicos de estudo
Interações farmacológicas Funções gerais do sistema nervoso
Interações farmacocinéticas autônomo
Interações farmacodinâmicas Considerações farmacológicas

Farmacodinâmica I - Modo de Adrenérgicos/antiadrenérgicos


ação dos fármacos Adrenoceptores
Receptores fisiológicos Agonistas e antagonistas dos
Especificidade das respostas aos receptores adrenérgicos
fármacos
Colinérgicos/anticolinérgicos
Farmacodinâmica II - Teoria dos Agonistas e antagonistas
receptores/papel dos segundos muscarínicos
mensageiros Agonistas e antagonistas
Teoria dos receptores nicotínicos
Segundos mensageiros
Bloqueadores neuromusculares
Farmacologia do sistema nervo-
so autônomo
Divisões do sistema nervoso
autônomo

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Interações farmacológicas
As interações farmacológicas podem ocorrer por diferentes mecanismos,
classificados em: farmacocinéticos, farmacodinâmicos e interações combi-
nadas. No entanto, pode-se afirmar que algumas interações farmacológicas
são resultado de dois ou mais mecanismos.
Todavia, tais interações não estão restritas à associação de fármacos: elas
podem ainda ocorrer entre fármacos convencionais e medicamentos fitoterá-
picos, popularmente conhecidos como “ervas medicinais”, drogas de abuso (in-
cluindo álcool e fumo), alimentos e solventes.
Algumas interações com fitoterápicos já estão bem descritas, como aquela
entre a carbamazepina e a erva-de-são-joão, que promove o aumento do me-
tabolismo da carbamazepina. No entanto, quando comparados aos medica-
mentos convencionais, os fitoterápicos são menos estudados e, dessa forma,
sabe-se menos sobre suas possíveis interações.
Embora a possibilidade da ocorrência de uma interação farmacológica pos-
sa ser prevista, nem sempre ela resultará em um efeito adverso, posto que am-
bas dependem de fatores específicos relacionados tanto ao paciente quanto ao
fármaco. Assim, em relação ao paciente, tem-se fatores genéticos, sexo, idade,
dieta e doenças. Já dentre os fatores específicos do fármaco, tem-se dose, for-
mulação, via e regime de administração.
Dessa forma, a resposta esperada a determinado tratamento farmacológi-
co pode ser alterada por diversos fatores. Dentre eles, tem-se a administração
simultânea de outros fármacos, o que pode ser muito comum, principalmente
para a população idosa, que geralmente necessita de tratamento para mais de
uma comorbidade.

Interações farmacocinéticas
Dentre as interações farmacológicas, as interações farmacocinéticas são as
mais frequentes, podendo ocorrer desde o processo de absorção até a excre-
ção do fármaco. Assim, a absorção de fármacos no trato gastrointestinal (TGI)
pode ser afetada pelo uso simultâneo de outros fármacos que possuem as se-
guintes características:

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• grande área de absorção no organismo;
• capacidade de sofrer ligação ou quelação;
• alteração do pH do estômago;
• alteração da motilidade intestinal;
• capacidade de afetar proteínas de transporte (como glicoproteína P e
transportadores de ânions orgânicos).
A redução na extensão da absorção de um fármaco tem efeitos clínicos mais
significativos do que a redução na taxa de absorção apenas, e pode resultar em
concentrações subterapêuticas do fármaco na corrente sanguínea.
Alguns exemplos de fármacos que retardam a absorção no TGI de outros
incluem a atropina e os opioides, posto que os mesmos inibem o esvaziamento
gástrico. Por outro lado, a metoclopramida promove o esvaziamento gástrico,
acelerando a absorção gastrointestinal de outros fármacos administrados si-
multaneamente. Outro exemplo é a adição de epinefrina a injeções de anes-
tésicos locais, o que resulta em uma vasoconstrição que retarda a absorção,
prolongando o efeito anestésico local.

EXEMPLIFICANDO
Um fármaco A pode interagir de modo físico ou químico com o fármaco
B no intestino e inibir sua absorção intestinal. Por exemplo: complexos
insolúveis podem ser formados pelos íons Ca2+ ou Fe2+ com o antibiótico
tetraciclina, resultando em uma redução de sua absorção e na eficácia
do cálcio/ferro. A colestiramina, um fármaco que atua se ligando ao ácido
biliar, pode se ligar a outros diversos fármacos (como varfarina e digoxina)
inibindo a sua absorção, se administrada concomitantemente.

A distribuição de fármacos pode ser afetada por interações farmacológicas


que promovem competição pelo sítio de ligação às proteínas plasmáticas, des-
locamento desses sítios nos tecidos e alterações nas barreiras celulares, como
a inibição da glicoproteína P na barreira hematencefálica.
De acordo com Katzung e Trevor (2017), a importância clínica do desloca-
mento da ligação às proteínas foi por muito tempo supervalorizada, sendo que
as evidências atuais sugerem que essas interações provavelmente não resul-
tam em efeitos adversos, visto que o aumento da concentração sanguínea do
fármaco deslocado é transitório.

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Assim, alguns exemplos de fármacos ligados a proteínas, administrados em
doses suficientes para atuar como agente de deslocamento, incluem muitas sul-
fonamidas e o hidrato de cloral.
O metabolismo dos fármacos pode ser induzido ou inibido por farmacotera-
pia concomitante, podendo resultar em efeitos significativos para o tratamento.
Assim, alguns fármacos, como barbitúricos, carbamazepina, efavirenz, fenitoína
e rifampicina, podem agir induzindo as enzimas do citocromo P450, enquanto
outros, como omeprazol, verapamil, fluconazol e fluoxetina, atuam como inibi-
dores enzimáticos.
Os efeitos máximos decorrentes de uma indução enzimática geralmente
surgem com 7 a 10 dias de tratamento, sendo necessário o mesmo tempo, no
mínimo, para retornar à normalidade após a interrupção do fármaco. Uma exce-
ção é a rifampicina, visto que são necessárias poucas doses desse fármaco para
produzir indução enzimática. Quanto à inibição do metabolismo, os efeitos são
observados mais rapidamente, podendo ser notados tão logo o inibidor atinja
uma concentração tecidual suficiente.
A excreção renal de fármacos pode ser afetada por interações farmacológicas
que promovem a inibição de transportadores envolvidos na secreção ativa de al-
guns fármacos nos túbulos renais, considerados uma importante via de elimina-
ção. Assim, alguns fármacos inibem a glicoproteína P, transportadores de ânions
orgânicos e transportadores de cátions orgânicos, aumentando a concentração
sérica do outro fármaco. Alguns exemplos de inibidores da glicoproteína P são:
amiodarona, claritromicina, eritromicina, cetoconazol, ritonavir e quinidina.
Outra forma de interação farmacológica no processo de excreção ocorre
para fármacos que são ácidos fracos ou bases fracas, podendo a sua excreção
ser influenciada por aqueles que afetem o pH da urina.

Interações farmacodinâmicas
De acordo com Golan et al. (2009, n.p.) “[...] surgem interações farmacodinâ-
micas quando um fármaco modifica a resposta dos tecidos-alvo ou não-alvo a
outro fármaco”. As interações farmacodinâmicas são comuns na prática clínica,
e, embora possam ocorrer por diferentes tipos de mecanismos, os efeitos cola-
terais podem ser diminuídos caso sejam tomadas medidas antecipadas.

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Para isso é de extrema importância o conhecimento do modo que os fár-
macos envolvidos agem no organismo. Dois destes com efeitos farmacológicos
semelhantes, que atuem ou não no mesmo receptor, ao serem administrados
simultaneamente geralmente promovem uma resposta aditiva ou sinérgica.
Um exemplo são os benzodiazepínicos e barbitúricos, os quais atuam no mes-
mo receptor e produzem efeito aditivo. Já nitratos e sildenafila, assim como
sulfonamidas e trimetoprima, atuam em receptores ou processos sequenciais
diferentes, produzindo efeitos sinérgicos.
Em contrapartida, fármacos que promovem efeitos farmacológicos contrá-
rios podem diminuir a resposta do outro ou de ambos. Como exemplo, tem-
-se os antagonistas de receptores β-adrenérgicos que diminuem a eficácia dos
agonistas de receptores β-adrenérgicos, como o salbutamol. Outros exemplos
de interações farmacodinâmicas, conforme discorrem Rang et al. (2016), são:
• Muitos diuréticos, por diminuírem a concentração plasmática de K+, predis-
põem toxicidade com digoxina e fármacos antiarrítmicos do tipo III;
• Os inibidores da monoamino oxidase (IMAO) interagem de forma perigosa
com alguns fármacos, como a efedrina ou a tiramina, promovendo a liberação
de norepinefrina armazenada. Isso pode ocorrer também quando há a inges-
tão de alimentos ricos em tiramina, como os queijos fermentados;
• A varfarina compete com a vitamina K, impedindo a síntese de vários
fatores de coagulação no fígado. Caso a produção de vitamina K no intestino
seja inibida (como por antibióticos), a ação anticoagulante da varfarina é au-
mentada;
• O risco de sangramento, principalmente do estômago, causado pela varfa-
rina é aumentado pelo ácido acetilsalicílico, o qual inibe a biossíntese do trom-
boxano A2 plaquetário e pode danificar o estômago;
• Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), como ibuprofeno e indo-
metacina, inibem a biossíntese de prostaglandinas e, quando administrados a
pacientes que utilizam anti-hipertensivos, aumentam a pressão sanguínea. Os
AINEs também causam descompensação cardíaca em pacientes tratados com
diuréticos para insuficiência cardíaca crônica;
• A sonolência causada pelo uso de antagonistas do receptor H1 de histami-
na, como a prometazina, é potencializada quando esses fármacos são ingeri-
dos concomitantemente com álcool.

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Interações combinadas
Quando há o uso combinado de dois ou mais fármacos, apresentando efei-
tos tóxicos individuais sobre o mesmo órgão, tem-se uma toxicidade combina-
da que pode levar a uma lesão orgânica. Como exemplo, tem-se a administra-
ção simultânea de dois fármacos que causam nefrotoxicidade e que leva a uma
alta probabilidade de desenvolver uma lesão renal, ainda que a dose individual
administrada não seja suficiente para promover esse efeito tóxico.
Ademais, alguns fármacos aumentam a toxicidade de outros, mesmo que
esses não apresentem efeito tóxico intrínseco sobre o órgão/tecido.

Farmacodinâmica I - Modo de ação dos fármacos


A farmacodinâmica descreve os efeitos bioquímicos e fisiológicos dos fár-
macos, bem como dos seus mecanismos de ação. Dessa forma, as ações de
grande parte dos fármacos se devem à sua interação com as macromoléculas
do organismo, especialmente os receptores.
Vale ressaltar que o receptor é o alvo farmacológico no qual o fármaco
interage a fim de produzir uma resposta celular. Eles geralmente encontram-se
nas superfícies das células, mas também podem ser encontrados em compar-
timentos intracelulares, como o núcleo.
De modo geral, os fármacos agem alterando a velocidade ou amplitude de
uma resposta celular do próprio organismo, em vez de desencadear reações
que outrora não ocorriam. Muitos fármacos podem também interagir com
aceptores, que são componentes do organismo (como proteínas plasmáticas),
sem produzir uma resposta bioquímica ou fisiológica, mas resultando em uma
alteração da farmacocinética do fármaco (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).

Receptores fisiológicos
Os receptores fisiológicos são proteínas que normalmente agem como
receptores para substâncias reguladoras endógenas. No entanto, os fárma-
cos podem se ligar a esses receptores e produzir uma resposta semelhante
às substâncias endógenas. Para esses fármacos, dá-se a denominação de
agonistas.

FARMACOLOGIA BÁSICA 49

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Um agonista é considerado primário quando ligado ao mesmo sítio de re-
conhecimento que o agonista endógeno. Porém, quando essa ligação é em um
sítio diferente do receptor, alostérico ou alotópico, ele é considerado um ago-
nista alostérico ou alotópico.
Alguns fármacos podem mostrar apenas uma eficácia parcial quando liga-
dos ao sítio ativo do receptor, independentemente da concentração utilizada,
sendo conhecidos como agonistas parciais. No entanto, certos receptores
podem exibir uma atividade típica mesmo com a ausência de uma substância
reguladora, sendo que essa conformação inativa do receptor pode ser estabili-
zada por fármacos, considerados agonistas inversos.
A Figura 1 mostra algumas curvas de dose-resposta para diferentes agonis-
tas do receptor muscarínico de acetilcolina (ACh) e é possível observar que as
curvas de dose-resposta dos agonistas parciais (heptila e octila) formam um
platô em valores abaixo dos agonistas integrais (butila e hexila).
O derivado butila do trimetilamônio produz uma resposta máxima e é o
mais eficaz dentre eles, sendo considerado um agonista integral ou pleno, as-
sim como o derivado hexila, apesar de apresentarem potências diferentes. Já
os derivados heptila e octila produzem uma resposta parcial, configurando-se
como agonistas parciais desse receptor.

100

Butila
Hexila
Heptila
% de contração

50
Octila

0
10-7 10-6 10-5 10-4 10-3
[D] (molar)
Figura 1. Curvas de dose-resposta de agonistas integrais e parciais. Fonte: GOLAN, D. E. et al., 2009, p. 24.

FARMACOLOGIA BÁSICA 50

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Por outro lado, o fármaco pode ligar-se aos receptores fisiológicos e blo-
quear ou reduzir a ação de um agonista, sendo denominado de antagonista.
O antagonismo é decorrente, na maioria dos casos, da competição com um
agonista pelo mesmo sítio de ligação do receptor; em outras vezes, decorre da
combinação com o agonista, resultando em um antagonismo químico; ou ainda
pela inibição indireta dos efeitos celulares ou fisiológicos do agonista (antago-
nismo funcional). Dessa forma, os agonistas parciais e inversos, na presença
de um agonista pleno, comportam-se como antagonistas competitivos. No
Quadro 1, é possível ver um resumo da ação dos agonistas e antagonistas.

QUADRO 1. COMPETÊNCIAS PARA O PROFISSIONAL

AGONISTAS

CLASSE DE AGONISTAS AÇÃO

Agonista integral Ativa o receptor com eficácia máxima.

Agonista parcial Ativa o receptor, mas não com eficácia máxima.

Agonista inverso Inativa o receptor constitutivamente ativo.

ANTAGONISTAS

EFEITOS SOBRE EFEITOS SOBRE


CLASSE DE
A POTÊNCIA DO A EFICÁCIA DO AÇÃO
ANTAGONISTAS
AGONISTA AGONISTA

Liga-se reversivelmente
Antagonista ao sítio ativo do receptor;
Sim Não
competitivo compete com a ligação do
agonista a esse sítio.

Liga-se irreversivelmente
Antagonista não-
ao sítio ativo do receptor;
competitivo no Não Sim
impede a ligação do
sítio ativo
agonista a esse sítio.

Liga-se de modo reversível


ou irreversível a um sítio
diferente do sítio ativo
Antagonista do receptor; altera a Kd*
alostérico não- Não Sim para a ligação do agonista
competitivo ou impede a mudança de
conformação necessária
para a ativação do receptor
pelo agonista.

*Kd: constante de dissociação de equilíbrio para a interação fármaco-receptor. Fonte: GOLAN, D. E. et al., 2009,
p. 27. (Adaptado).

FARMACOLOGIA BÁSICA 51

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Um antagonista competitivo liga-se de forma reversível ao sítio do receptor,
porém, ao contrário do agonista, não estabiliza a conformação necessária para
a ativação do receptor e ainda bloqueia a ligação do agonista ao seu receptor.
Um antagonista não-competitivo pode-se ligar tanto ao sítio ativo quanto a
um sítio alostérico de um receptor. No entanto, quando ligado ao sítio ativo, sua
ligação geralmente é irreversível, impedindo que o agonista se ligue mesmo em
altas concentrações. Como essa ligação não pode ser modificada, esse tipo de
antagonismo é não-competitivo.
Já o antagonista alostérico atua impedindo a ativação do receptor, mesmo
quando o agonista está ligado ao sítio ativo. Dessa maneira, a ligação do anta-
gonista alostérico no receptor pode ser reversível ou não, mas, quando ligado
de forma irreversível, seu o efeito não diminui, mesmo após a eliminação do
fármaco livre (não-ligado) do organismo, resultando em uma resposta máxima
reduzida do agonista.
Na Figura 2 é possível observar a diferença entre antagonistas competitivos
e não-competitivos, sendo que os primeiros reduzem a potência (concentração
do agonista que produz metade da resposta máxima), ao passo que os segundos
diminuem a eficácia (resposta máxima a um agonista).

EXEMPLIFICANDO
Como exemplo de antagonista não-competitivo, temos a aspirina. Esse
fármaco age acetilando de forma irreversível a ciclo-oxigenase (COX),
uma enzima responsável pela síntese de tromboxano A2 nas plaquetas.
Como o tromboxano A2 não é formado, ocorre a inibição da agregação
plaquetária, que é uma das principais ações farmacológicas da aspi-
rina. Como essa inibição é irreversível, as plaquetas não conseguem
gerar novas moléculas de COX, fazendo com que os efeitos de uma
única dose de aspirina persistam por dias, até a produção de novas
plaquetas pela medula óssea.

Essa diferença pode ser explicada pelo fato de um antagonista competitivo


competir constantemente por sua ligação, diminuindo de modo efetivo a afini-
dade do receptor pelo seu agonista sem diminuir o número de receptores dis-
poníveis. Por outro lado, um antagonista não-competitivo diminui o número de
receptores disponíveis para ligação do agonista.

FARMACOLOGIA BÁSICA 52

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A Antagonista competitivo

100
Agonista isolado

Agonista + antagonista
% de resposta

50

Antagonista isolado
0

B Antagonista não-competitivo

100
Agonista isolado
% de resposta

Agonista + antagonista

50

Antagonista isolado
0

Concentração de agonista ou de antagonista

Figura 2. Efeitos dos antagonistas competitivos e não-competitivos sobre a relação de dose agonista-resposta. A) Um
antagonista competitivo diminui a potência de um agonista, sem afetar a sua eficácia. B) Um antagonista não-competi-
tivo reduz a eficácia de um agonista. Fonte: GOLAN et al., 2009, p. 23.

Especificidade das respostas aos fármacos


A afinidade de um fármaco por seu receptor pode ser medida pela força da
interação reversível entre eles. Essa afinidade e sua atividade intrínseca podem
ser determinadas pela estrutura química da molécula do fármaco, a qual tam-
bém contribui para a sua especificidade farmacológica. Então, se um determina-
do fármaco interagir especificamente com um único tipo de receptor expresso

FARMACOLOGIA BÁSICA 53

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em um número reduzido de células diferenciadas, ele será altamente específico.
Do contrário, se interagir com um tipo de receptor expresso em todo o organis-
mo, produzirá efeitos generalizados (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
Muitos dos fármacos utilizados clinicamente apresentam ampla especificida-
de por interagirem com diversos receptores espalhados em diferentes tecidos.
Embora essa ampla especificidade possa aparentar ser altamente benéfica, por
aumentar as indicações clínicas do fármaco, ela pode contribuir para o surgimento
de vários efeitos adversos.
Como exemplo, tem-se a amiodarona, um fármaco utilizado para o tratamento
de arritmias cardíacas, que interage com diversos receptores, mas apresenta efei-
tos tóxicos graves, alguns deles devido à sua capacidade de ligar-se aos receptores
nucleares dos hormônios tireoidianos.
A esteroquímica também pode influenciar a especificidade de um fármaco.
Embora muitos fármacos sejam administrados como misturas racêmicas de este-
reoisômeros, eles podem apresentar diferentes propriedades farmacodinâmicas
e também farmacocinéticas. O sotalol, fármaco antiarrítmico, é disponível comer-
cialmente na forma de mistura racêmica, embora o enantiômero L seja um anta-
gonista β-adrenérgico muito mais potente.
A administração contínua de um determinado fármaco pode resultar em des-
sensibilização dos receptores, levando à necessidade de ajustes da dose para
manter a eficácia do tratamento medicamentoso. Assim, a administração contí-
nua de nitrovasodilatadores no tratamento da angina pode levar a um desenvol-
vimento rápido de tolerância completa, conhecido como taquifilaxia (do grego,
proteção rápida). Além disso, a resistência farmacológica pode ocorrer também
devido a mecanismos farmacocinéticos, que impedem a ligação fármaco-recep-
tor, ou por expansão clonal de células neoplásicas, que possuem mutações dos
receptores.
No entanto, nem todas as ações farmacológicas são mediadas pela interação
dos fármacos com receptores macromoleculares. Os hidróxidos de alumínio e
magnésio, por exemplo, exercem sua ação pela neutralização do H+ e do OH–, ele-
vando o pH gástrico, sem a interação com um receptor. Já os fármacos anti-infec-
ciosos (como antibióticos, antivirais e antiparasitários) têm como alvos receptores
ou processos celulares presentes no agente infeccioso, os quais não existem no
organismo humano ou não são essenciais.

FARMACOLOGIA BÁSICA 54

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Farmacodinâmica II - Teoria dos receptores/papel dos
segundos mensageiros
A ideia que de que a interação entre uma enzima e o seu substrato seria
complementar surgiu em 1894 com
Emil Fischer, responsável por elabo-
rar o modelo “chave-fechadura”. A
partir da ideia de complementarida-
de foi possível aplicá-la em reações
antígeno-anticorpo e também para
a interação entre o fármaco e seu re-
ceptor. Dessa forma, a nível molecular,
a energia livre do complexo fárma-
co-receptor é estabilizada através de
interações intermoleculares, como in-
terações hidrofóbicas, interações de van der Waals, ligações de hidrogênio e
interações eletrostáticas (BARREIRO, E. J.; FRAGA, C. A. M., 2015).
Na Figura 3, é possível observar o modelo chave-fechadura aplicado à in-
teração entre o fármaco e seu receptor. Assim, a biomacromolécula, ou seja, o
receptor, pode ser considerado como a fechadura; o sítio desse receptor, onde
o fármaco irá interagir, é a “fenda” da fechadura; e as chaves são os ligantes do
sítio receptor. Sabe-se que as ações de abrir a porta ou não são consideradas
como as possíveis respostas biológicas dessa interação chave-fechadura.
Neste modelo apresentado na figura, três diferentes tipos de chaves podem
interagir com a fechadura: a) a chave original, que se encaixa de forma adequa-
da com a fechadura, resultando na abertura da porta; b) a chave modificada,
que apresenta características estruturais semelhantes à chave original e que
permitem a abertura da porta; c) a chave falsa, que apresenta características
estruturais mínimas comparadas à chave original, sendo incapaz de conseguir
abrir a porta e impedindo ainda que outra chave apropriada faça a abertura.
Para este modelo, a chave original é o agonista natural (endógeno), a chave mo-
dificada é um agonista, que pode ser de origem sintética ou natural (fármaco)
e a chave falsa é o antagonista, que também pode ser de origem sintética ou
natural.

FARMACOLOGIA BÁSICA 55

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Sítio receptor
Afinidade Atividade intrínseca
Chave Fechadura Agonista natural
Resposta
biológica

Chave modificada Agonista modificado


Resposta
biológica

Chave falsa Antagonista


Bloqueio da
resposta biológica

Figura 3. Modelo chave-fechadura aplicado à interação ligante-receptor. Fonte: BARREIRO; FRAGA, 2015, p. 3.

Com o modelo apresentado, é possível perceber dois fatores importantes


para a interação do ligante ao receptor com o objetivo de desencadear a res-
posta biológica:
• Afinidade: traduz a capacidade do ligante em se complexar com o sítio
ativo complementar do receptor;
• Atividade intrínseca: traduz a capacidade do complexo ligante-receptor
de desencadear uma certa resposta biológica.

Teoria dos receptores


Com o objetivo de ajudar a compreender como se dá a interação fármaco-recep-
tor, algumas teorias foram formuladas.
Teoria da ocupação
A teoria da ocupação, formulada por Clark e Gaddum, é baseada na afirmação
de que o efeito farmacológico de um fármaco é diretamente proporcional ao núme-
ro de receptores ocupados por ele. De acordo com esta teoria, o número de recep-
tores ocupados é dependente do número total de receptores por unidade de área
ou volume e pela concentração do fármaco na região do receptor. Com isso, eles
acreditavam que a potência da atividade seria maior conforme fosse o número de
receptores e, dessa forma, a ação máxima do fármaco seria obtida quando todos os
receptores estivessem ocupados.

FARMACOLOGIA BÁSICA 56

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No entanto, essa teoria apresenta várias limitações, como, por exemplo: certos
agonistas nunca apresentam resposta máxima, mesmo que aumentem a sua con-
centração, e, por outro lado, outros podem apresentar resposta máxima com me-
nos de 100% de ocupação. Assim, em um sistema que possui receptores de reser-
va, qualquer ligação de um agonista ao seu receptor pode levar à ativação de vários
elementos da resposta celular. Dessa forma, somente uma pequena fração do total
de receptores necessita ser ativada a fim de se obter a resposta celular máxima.
Teoria da charneira
A teoria da charneira foi proposta por Rocha e Silva com o intuito de explicar
por que o agonista pode competir com o antagonista pelo sítio do receptor, embora
não consiga deslocá-lo. Essa teoria baseia-se na hipótese que há dois centros no
receptor farmacológico: um específico, que interage com os grupos farmacofóricos
do agonista, e um inespecífico, que interage principalmente com os grupos apolares
do antagonista.
Segundo essa teoria, agonista e antagonista se ligam ao sítio específico, porém
as forças envolvidas na ligação do receptor com o antagonista são maiores e, mes-
mo com um excesso de agonista, graças ao fato de o antagonista estar ligado forte-
mente, não é possível deslocá-lo.
Teoria do encaixe induzido
A teoria do encaixe induzido, baseada em sistemas enzimáticos, foi proposta
inicialmente por Koshland e colaboradores. Essa teoria baseia-se na hipótese que,
ao se complexar, o substrato induz uma mudança na conformação do sítio ativo da
enzima com a qual interage, sendo responsável pelo processo catalítico e podendo
ser propagada às subunidades vizinhas. Esse processo pode ser extrapolado à inte-
ração de ligantes aos seus receptores. No entanto, para agonistas, a mudança con-
formacional no receptor pode, por exemplo, modificar a condutância de um canal
iônico, como os benzodiazepínicos frente ao receptor GABAA.
Essa teoria, então, considera que o ligante possui a capacidade de induzir a mo-
dificação do sítio tridimensional de seu receptor biológico a fim de possi-
bilitar seu reconhecimento e, simultaneamente, poder reconhecer
uma ou várias conformações do ligante e selecionar a bioativa
(Figura 4). No entanto, o receptor não irá permanecer o tempo
inteiro na conformação apropriada para o encaixe do fármaco:
ele retorna à sua forma original após dissociação.

FARMACOLOGIA BÁSICA 57

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Seleção da conformação
bioativa do ligante Biorreceptor
(reconhecimento)

Ligante Biorreceptor
Ligante

Encaixe induzido

Modificação do ambiente de
reconhecimento molecular
(sítio receptor)

Complexo
ligante-receptor

Figura 4. Esquema do processo de indução e seleção da conformação bioativa de ligantes e receptores. Fonte:
BARREIRO; FRAGA, 2015, p. 18. (Adaptado).

Segundos mensageiros
Os receptores fisiológicos exibem duas funções principais: ligação às subs-
tâncias reguladoras endógenas e propagação da mensagem (como sinalização),
o que evidencia a existência de, pelo menos, dois domínios dentro do receptor:
o domínio de ligação e o domínio efetor.
As ações reguladoras de um receptor podem ser executadas diretamente
no seu alvo celular, nas proteínas efetoras ou ainda podem ser difundidas por
transdutores, ou seja, moléculas de sinalização celular intermediária. Dessa
forma, a via de transdução de sinais ou sistema receptor-efetor é formado pelo
receptor, seu alvo celular e as moléculas intermediárias envolvidas.
Em diversos casos, o alvo fisiológico final não é a proteína efetora celu-
lar proximal, mas pode ser uma enzima, um canal iônico ou uma proteína de
transporte que sintetiza, transfere ou decompõe um segundo mensageiro. Os
segundos mensageiros, quando propagados nas proximidades do local onde

FARMACOLOGIA BÁSICA 58

SER_FARMA_FARMABA_UNID2.indd 58 28/08/2020 09:19:57


são sintetizados ou liberados, podem transmitir a informação para diferentes
alvos. Alguns exemplos de sistemas de segundos mensageiros são: AMP cíclico,
PKA, PKG, PDEs e via da Gq-PLC-DAG/IP3/IP3 -CA 2+.
O AMP cíclico (AMPc), ou 3´5´-adenosina-monofosfato-cíclico, é sintetiza-
do pela adenilato ciclase e possui três alvos principais em grande parte das
células: a) proteinocinase dependente do AMP cíclico (PKA); b) EPACs (fatores
de permuta ativados diretamente pelo AMPc); e c) CREB (proteína de ligação
do elemento de resposta do AMPc). Então, é importante ressaltar que o AMPc
pode ter outros alvos em células com funções especializadas, como os canais
iônicos controlados por nucleotídeo cíclico.
A PKA é uma holoenzima formada por duas subunidades catalíticas ligadas,
de forma reversível, a um dímero da subunidade reguladora (R). A enzima PKA
possui diferentes isoformas: das subunidades reguladoras (RI e RII), tem-se as
isoformas α e β, e da subunidade C, as isoformas Cα, Cβ e Cγ. Além disso, vale
considerar que as subunidades R apresentam localização subcelular e afinida-
des de ligação diferenciadas para o AMPc.
A PKG (proteinocinase dependente do GMP cíclico) é uma holoenzima res-
ponsável pela fosforilação de substratos específicos e também de alguns subs-
tratos que são os mesmos da PKA. Porém, ela é constituída pela dimerização
de um único polipeptídeo e existe em duas formas: PKG-I e PKG-II. Essa holoen-
zima é ativada em decorrência da estimulação dos receptores que promovem
o aumento das concentrações intracelulares do GMP cíclico (GMPc). Os níveis
elevados de GMPc resultam em efeitos farmacológicos importantes, como a
indução da ativação plaquetária e o relaxamento do músculo liso.
As PDEs (fosfodiesterases) dos nucleotídeos cíclicos são proteínas sinaliza-
doras importantes, as quais cessam a ação do AMPc e do GMPc pela hidróli-
se da ligação 3’,5’-fosfodiéster cíclica. São encontradas mais de 50 proteínas
PDEs diferentes, sendo que as formas de PDE3 são enzimas utilizadas
como alvos para o tratamento de doenças como asma, insuficiên-
cia cardíaca, aterosclerose coronariana, doença arterial
periférica e distúrbios neurológicos. Já a PDE5 é o alvo
farmacológico da sildenafila, fármaco utilizado no tra-
tamento da disfunção erétil e da doença pulmonar
obstrutiva crônica.

FARMACOLOGIA BÁSICA 59

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O cálcio é um importante mensageiro que atua na regulação de várias res-
postas celulares, a exemplo da contração, secreção, metabolismo e atividade
elétrica. O Ca2+ pode adentrar a célula por meio de canais de cálcio presentes
na membrana plasmática ou ser liberado por hormônios ou fatores de cresci-
mento a partir das reservas intracelulares. O Ca2+ é liberado destas reservas
intracelulares através de uma via de sinalização que se inicia com a ativação da
fosfolipase C (PLC) da membrana plasmática.
Assim, as PLCs ativadas hidrolisam o fosfatidilinositol-4,5-bifosfato presen-
te na membrana a fim de gerar dois sinais intracelulares: o inositol-1,4,5-tri-
fosfato (IP3) e o lipídeo diacilglicerol (DAG). O IP3, ao se ligar em seu receptor
na membrana do retículo endoplasmático, libera o Ca2+ armazenado que, por
sua vez, ativa as enzimas sensíveis à calmodulina, como a PDE e a AMPc, e uma
família de proteinocinases sensíveis ao Ca2+/calmodulina. As cinases sensíveis
ao Ca2+/calmodulina podem modular grande parte dos eventos posteriores que
ocorrem nas células ativadas.

Farmacologia do sistema nervoso autônomo


O sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC), formado
pelo cérebro e medula espinal, e sistema nervoso periférico (SNP), formado
pelos tecidos neuronais que se encontram fora do SNC. Além disso, a porção
motora (eferente) do sistema nervoso pode ser subdividida em autônoma e
somática.
O sistema nervoso autônomo (SNA), também conhecido como sistema
nervoso visceral, vegetativo ou involuntário, é responsável pela regulação de
funções autônomas que não são controladas pelo consciente. Ele baseia-se em
nervos, gânglios e plexos que inervam diversos tecidos periféricos, estando
ligado a funções altamente necessárias para a vida, como débito cardíaco, dis-
tribuição do fluxo sanguíneo e digestão.
Já o sistema nervoso somático (SNS) é responsável pelas funções con-
troladas pelo consciente, como respiração, movimentos e postura. O SNA e o
SNS apresentam influxos sensoriais (aferentes) que fornecem informações do
ambiente, tanto interno quanto externo, capazes de modificar o efluxo motor
através de arcos reflexos.

FARMACOLOGIA BÁSICA 60

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Divisões do sistema nervoso autônomo
O SNA pode ser dividido, anatomicamente, em duas grandes porções: sim-
pática (toracolombar) e parassimpática (craniossacral) (Figura 5). Os neurô-
nios, em cada uma das porções, são originados dentro do SNC e formam as
fibras eferentes pré-ganglionares, as quais terminam em gânglios motores. As
fibras pré-ganglionares simpáticas partem do SNC por meio dos nervos espi-
nais torácicos e lombares, ao passo que as fibras pré-ganglionares parassimpá-
ticas partem do SNC pelos nervos cranianos e pelas raízes nervosas espinais.
Grande parte das fibras pré-ganglionares simpáticas são curtas e, com isso,
terminam em gânglios localizados nas cadeias paravertebrais.

N Parassimpático
ACh Músculos cardíaco e liso,
ACh
células de glândulas,
M
Bulbo terminais nervosos

ACh
N
ACh M Simpático
Glândulas sudoríparas

N NE Simpático
ACh
α, β Músculos cardíaco e liso,
células de glândulas,
terminais nervosos
Medula N
espinhal ACh
NE, D Simpático
Musculatura lisa
α, D1 vascular renal

ACh
N Medula Epi, NE
suprarrenal ACh
N Somático
Musculo esquelético

Nervo motor voluntário

Figura 5. Esquema comparativo de alguns aspectos anatômicos e de neurotransmissores de nervos autônomos e


motores somáticos. Os nervos colinérgicos são mostrados em azul, os noradrenérgicos em vermelho. Aqui, ACh:
acetilcolina; D: dopamina; Epi: epinefrina; M: receptores muscarínicos; N: receptores nicotínicos; e NE: norepinefrina.
Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017, p. 88.

FARMACOLOGIA BÁSICA 61

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A acetilcolina (ACh) é o neurotransmissor de todas as fibras autônomas
pré-ganglionares, da maior parte das fibras pós-ganglionares parassimpáticas
e de poucas fibras pós-ganglionares simpáticas. Os neurônios que liberam ACh
são denominados de colinérgicos. Alguns nervos pós-ganglionares parassim-
páticos utilizam o óxido nítrico (NO), sendo conhecidos como nitrérgicos. Já as
fibras pós-ganglionares simpáticas utilizam, majoritariamente, a norepinefri-
na (NE) como neurotransmissor, sendo denominadas adrenérgicas. No entan-
to, algumas dessas fibras podem liberar ACh em vez de NE.

Funções gerais do sistema nervoso autônomo


O SNA simpático e a medula suprarrenal a ele associada não são essenciais
para a vida em um ambiente controlado. Porém, em circunstâncias de estresse
ele é totalmente necessário, posto que o grau de atividade desse sistema varia de
acordo com a circunstância, ajustando-se a determinado ambiente ou situação.
Então, frente à uma situação de perigo/estresse, o organismo é preparado para
uma “luta ou fuga” e, com isso, a frequência cardíaca acelera, a pressão arterial e a
glicemia se elevam, o fluxo sanguíneo é desviado de regiões como a pele e a região
esplâncnica para os músculos esqueléticos e os bronquíolos e pupilas se dilatam.
Por outro lado, na ausência do sistema simpático algumas funções passam a
ser limitadas, não sendo possível regular a temperatura corporal quando a tem-
peratura ambiente sofre variação, a concentração de glicose no sangue não sobe
em uma urgência e não há reações instintivas ao ambiente externo, entre outros.
O SNA parassimpático não atua de forma contínua, sendo organizado para
realizar descargas limitadas e localizadas, com o intuito de conservar energia e
manter a função dos órgãos durante períodos de
pouca atividade. No entanto, o sistema paras-
simpático é essencial para a vida. Entre suas
funções, vale ressaltar a redução da frequên-
cia cardíaca, diminuição da pressão arterial, es-
timulação dos movimentos e secreções gastroin-
testinais e esvaziamento da bexiga e do reto, além
de ajudar na absorção de nutrientes e proteção da retina contra a
luz excessiva.

FARMACOLOGIA BÁSICA 62

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Considerações farmacológicas
Os fármacos podem alterar muitas funções autônomas através da mime-
tização ou bloqueio das ações dos transmissores químicos, sendo úteis em
diversas condições clínicas. Cada etapa envolvida no processo de neurotrans-
missão representa um local possível de intervenção terapêutica. No entanto,
diversos fármacos utilizados para outros alvos apresentam efeitos indesejá-
veis sobre a função autonômica.
No Quadro 2, é possível ver alguns exemplos de fármacos que atuam nas
terminações colinérgicas e adrenérgicas periféricas.

QUADRO 2. EXEMPLOS DE FÁRMACOS COM AÇÃO NAS JUNÇÕES NEUROEFETORAS


COLINÉRGICAS E ADRENÉRGICAS PERIFÉRICAS

MECANISMO DE AÇÃO SISTEMA FÁRMACOS

Colinérgico Inibidores da colina acetiltransferase


Interferência com a síntese
do transmissor. α-metiltirosina (inibição da tirosina
Adrenérgico
hidroxilase)

Transformação metabólica
pelas mesmas vias
Adrenérgico Metildopa
usadas pelo precursor do
transmissor.

Bloqueio do sistema de Colinérgico Hemicolínio


transporte na membrana
da terminação nervosa. Adrenérgico Cocaína, imipramina

Bloqueio do sistema de Colinérgico Vesamicol


transporte nas vesículas de
armazenamento. Adrenérgico Reserpina

Promoção da exocitose Colinérgico Latrotoxinas


ou deslocamento do
transmissor da terminação
Adrenérgico Anfetamina, tiramina
axonal.

Colinérgico Toxina botulínica


Impedimento à liberação
do transmissor.
Adrenérgico Bretílio, guanadrel

Metacolina, betanecol, nicotina,


Colinérgico
epibatidina, citisina
Mimetismo do transmissor
em locais pós-juncionais. Fenilefrina, clonidina, oximetazolina,
Adrenérgico dobutamina, terbutalina, salbutamol,
metaproterenol, isoproterenol

FARMACOLOGIA BÁSICA 63

SER_FARMA_FARMABA_UNID2.indd 63 28/08/2020 09:20:08


Atropina, d-tubocurarina, atracúrio,
d-tubocurarina,
Colinérgico
trimetafano
Bloqueio do receptor pós-
sináptico. Fenoxibenzamina, fentolamina, prazosina,
Adrenérgico terazosina, doxazosina, ioimbina,
propranolol, metoprolol, atenolol

Colinérgico Edrofônio, neostigmina, piridostigmina


Inibição da degradação
enzimática do transmissor. Pargilina, nialamida, selegilina,
Adrenérgico
entacapona, tolcapona
Fonte: HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015, p. 260. (Adaptado).

Adrenérgicos/antiadrenérgicos
Na fase final da neurotransmissão simpática ocorre a liberação de norepi-
nefrina (NE), um neurotransmissor, em sítios pós-sinápticos com ativação dos
adrenoceptores. Ademais, frente a diferentes estímulos, como o estresse, a
medula suprarrenal libera um hormônio, a epinefrina, que é transportado até
os tecidos-alvo.
Os fármacos com ações semelhantes à epinefrina e à NE são denominados
fármacos simpatomiméticos. Alguns desses são agonistas diretos, atuando
diretamente nos adrenoceptores, e outros são agonistas indiretos, e depen-
dem do aumento das ações de catecolaminas endógenas. Porém, certos fár-
macos possuem ambas as ações, diretas e indiretas.
Os agonistas indiretos apresentam dois mecanismos de ação diferentes: o
primeiro consiste no deslocamento de catecolaminas armazenadas na termi-
nação nervosa adrenérgica ou na diminuição da depuração de NE liberada; o
segundo baseia-se na inibição da recaptação de catecolaminas que já foram
liberadas ou na inibição do metabolismo enzimático da NE. Sendo assim, a tira-
mina, por sua vez, atua pelo primeiro mecanismo,
enquanto que a cocaína e os antidepressivos
tricíclicos atuam pelo segundo.
Os fármacos simpatomiméticos diretos e
indiretos causam muitos ou todos os efeitos
típicos das catecolaminas endógenas. No entan-
to, os efeitos dos fármacos diretos dependem de
sua afinidade com os subtipos dos adrenoceptores, bem como
da expressão desses receptores em seus tecidos-alvo.

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Adrenoceptores
Os adrenoceptores são receptores acoplados à proteína G. Cada proteína G
é composta pelas subunidades α, β e γ, sendo que sua classificação é baseada
nas subunidades α distintivas. Para a função adrenoceptora, as proteínas G de
maior importância são a Gs (estimuladora da adenilil ciclase), Gi e Go (inibido-
ras da adenilil ciclase) e Gq e G11 (acoplamento de receptores α à fosfolipase C).
A dopamina, uma catecolamina endógena, também produz diversos efeitos
biológicos ao interagir com seus receptores específicos, os quais são importan-
tes na região cerebral e diferem dos receptores α e β.
Vale considerar que os subtipos de adrenoceptores foram revelados por
clonagem molecular, e hoje tem-se o conhecimento de subtipos de receptores
α, β e de dopamina. Os subtipos de receptores α são: α1 (α1A , α1B, α1D) e α 2 (α 2A ,
α 2B, α 2C ). Já os receptores β apresentam três subtipos (β1, β2 e β3), enquanto que
os receptores do tipo dopamina apresentam cinco (D1-D5).

DICA
O subtipo de receptor α1 é encontrado na maioria dos músculos lisos
vasculares, no músculo dilatador pupilar, no músculo liso pilomotor,
na próstata e no coração. Já o subtipo α2 é encontrado nos neurônios
pós-sinápticos do SNC, plaquetas, terminais nervosos adrenérgicos e
colinérgicos, alguns músculos lisos vasculares e adipócitos. Quanto
aos receptores β, o subtipo β1 encontra-se distribuído no coração e
nas células justaglomerulares; β2 nos músculos lisos respiratórios,
uterinos e vasculares, músculo esquelético e fígado; e β3 na bexiga e
nos adipócitos.

Agonistas e antagonistas dos receptores adrenérgicos


Os fármacos agonistas e antagonistas dos receptores adrenérgicos são a
base para o tratamento da hipertensão, da asma e do infarto do miocárdio.
Os fármacos α1-agonistas aumentam a resistência vascular periférica e, com
isso, aumentam ou mantém a pressão arterial. Já os fármacos β1-agonistas
aumentam a frequência cardíaca e a força de contração do miocárdio, levando
ao aumento do débito cardíaco.

FARMACOLOGIA BÁSICA 65

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Os β2-agonistas, por sua vez, provocam relaxamento do músculo liso vas-
cular, brônquico e gastrointestinal. Dessa forma, exemplos de fármacos ago-
nistas dos receptores adrenérgicos, bem como seus mecanismos, efeitos e
aplicações clínicas podem ser vistos no Quadro 3.

QUADRO 3. EXEMPLOS DE FÁRMACOS AGONISTAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS

Subclasse,
Mecanismo de ação Efeitos Aplicações clínicas
fármaco

Contração dos
Ativa a fosfolipase C,
músculos lisos
α1-agonistas resultando em aumento Hipotensão
vasculares,
• Midodrina do cálcio intracelular e ortostática
aumentando a pressão
vasoconstrição.
arterial (PA).

A vasoconstrição é
Inibe a adenilil ciclase e
α2-agonistas mascarada por efeito
interage com outras vias Hipertensão
• Clonidina simpatolítico central,
intracelulares.
que abaixa a PA.

Ativa a adenilil Choque


β1-agonistas ciclase, aumentando Efeito inotrópico cardiogênico,
• Dobutamina a contratilidade do positivo. insuficiência
miocárdio. cardíaca aguda

β2-agonistas Dilatação dos músculos


Ativa a adenilil ciclase. Asma
• Salbutamol lisos brônquicos.

β3-agonistas Reduz o tônus da


Ativa a adenilil ciclase. Urgência urinária
• Mirabegron bexiga.

Relaxamento dos
D1-agonistas
Ativa a adenilil ciclase. músculos lisos Hipertensão
• Fenoldopam
vasculares.

Inibe a adenilil ciclase e Doença de


D2-agonistas Mimetiza ações da
interage com outras vias Parkinson,
• Bromocriptina dopamina no SNC.
intracelulares. prolactinemia

Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017, p. 150. (Adaptado).

FARMACOLOGIA BÁSICA 66

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Antagonistas do receptor adrenérgico

Antagonistas dos receptores α Antagonistas dos receptores β

Não seletivo Seletivo β1 Não seletivo Seletivo β1


Não seletivo Seletivo α1 Seletivo α2
(primeira geração) (segunda geração) (terceira geração) (terceira geração)

•Fenoxibenzamina •Prazosina •Ioimbina •Nadolol •Acebutolol •Carteolol •Betaxolol


•Fentolamina •Terazosina •Penbutolol •Atenolol •Carvedilol* •Celiprolol
•Doxazosina •Pindolol •Bisoprolol •Bucindolol •Nebivolol
•Alfuzosina •Propranolol •Esmolol •Labetalol*
•Tamsulosina •Timolol •Metoprolol
•Indoramina •Sotalol
•Urapidila •Levobunolol
•Bunazosina •Metipranolol

Figura 6. Classificação dos antagonistas dos receptores adrenérgicos. Os fármacos marcados com (*) asterisco tam-
bém bloqueiam receptores α1. Fonte: HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015, p. 366. (Adaptado).

Os antagonistas dos receptores adrenérgicos inibem a interação da NE,


da epinefrina e de outros simpatomiméticos com os receptores α e β. Os an-
tagonistas dos receptores α apresentam efeitos clínicos importantes no sis-
tema cardiovascular, causando vasodilatação, redução da pressão arterial e
diminuição da resistência periférica. Já os antagonistas dos receptores β agem
diminuindo a frequência cardíaca e a contratilidade do miocárdio, sendo que
muitos deles apresentam efeito anestésico local ou estabilizador de membra-
na, como o propranolol, acebutolol e carvedilol.
Na Figura 6 é possível ver exemplos de fármacos antagonistas dos recepto-
res adrenérgicos α e β.

Colinérgicos/anticolinérgicos
A farmacologia colinérgica aborda as propriedades da acetilcolina (ACh),
um neurotransmissor com diversas ações fisiológicas importantes
que envolvem a junção neuromuscular (JNM), o SNA e o SNC. Os
fármacos com atividades colinomiméticas e anticolinérgi-
cas são amplamente utilizados devido aos seus efeitos
na cognição e no comportamento, bem como na JNM,
coração, olhos, pulmões e os tratos genitourinário e
gastrointestinal.

FARMACOLOGIA BÁSICA 67

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As ações específicas da ACh em uma dada sinapse colinérgica são resultan-
tes do tipo de receptor de ACh envolvido. Assim, sabe-se que a acetilcolines-
terase (AChE) é a enzima responsável pela degradação da acetilcolina, além de
também representar um importante alvo terapêutico.
Receptores colinérgicos
Os receptores colinérgicos são divi-
didos em duas grandes classes: mus-
carínicos e nicotínicos. Os receptores
muscarínicos são expressos nos gân-
glios autônomos, em todas as fibras
pós-ganglionares parassimpáticas, em
algumas pós-ganglionares simpáticas
e no SNC. Eles são ligados à proteína
G e apresentam 5 subtipos, M1–M5,
os quais podem ser reunidos em dois
grupos distintos: aqueles que estimu-
lam a fosfolipase C (M1, M3 e M5) e os que inibem a adenilil ciclase e ativam os
canais de K+ (M2 e M4). Desses subtipos, pode-se destacar:
• M1 (neuronais): produzem a excitação lenta dos gânglios. São bloqueados
de modo seletivo pelo fármaco pirenzepina;
• M2 (cardíacos): medeiam a inibição pré-sináptica e provocam a diminuição
da frequência cardíaca e da força de contração. São bloqueados de modo sele-
tivo pelo fármaco galamina;
• M3 (glandulares): responsáveis pela secreção, contração dos músculos li-
sos das vísceras e relaxamento vascular. O fármaco cevimelina é um agonista
seletivo deste receptor.
Os receptores nicotínicos da ACh são assim denominados porque podem
também ser estimulados pelo alcaloide “nicotina”. Esses receptores são ca-
nais iônicos controlados por ligantes que se interpõem pós-sinapticamente na
JNM e nos gânglios autônomos periféricos. No SNC, os receptores nicotínicos
controlam a liberação de outros neurotransmissores, como o glutamato e a
dopamina, pelas estruturas pré-sinápticas. De acordo com Rang et. al. (2016),
tem-se, até o momento, 17 tipos diferentes de receptores nicotínicos, os quais
foram designados como α (10 tipos), β (4 tipos), γ, δ e ε (1 tipo de cada).

FARMACOLOGIA BÁSICA 68

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Agonistas e antagonistas muscarínicos
Os agonistas muscarínicos são também conhecidos como parassimpa-
tomiméticos, pois seus principais efeitos no organismo se assemelham aos
decorrentes da estimulação parassimpática. Atualmente, apenas os fármacos
betanecol, pilocarpina e cevimelina são utilizados na terapêutica.
Dentre os efeitos cardiovasculares dos agonistas muscarínicos, tem-se a di-
minuição da frequência e débito cardíaco, vasodilatação generalizada e queda
acentuada da pressão arterial. Sobre a musculatura lisa, ocorre contração do
músculo liso do intestino, dos brônquios e da bexiga e aumento da atividade
peristáltica. Quanto às secreções, ocorre estimulação de glândulas exócrinas.
Os agonistas muscarínicos também possuem efeitos oculares, que levam à
constrição da pupila e contração do músculo ciliar, provocando diminuição da
pressão intraocular de modo a permitir que o seu principal uso seja no trata-
mento do glaucoma (especialmente a pilocarpina).
A pilocarpina e cevimelina são utilizadas clinicamente para aumentar a
produção da saliva e lágrimas em pacientes com boca ou olhos secos, princi-
palmente em pacientes com síndrome de Sjögren e também após irritação ou
lesão nas glândulas salivares ou lacrimais. Já o betanecol possui uso raro como
estimulante laxativo ou para estimular o esvaziamento da bexiga.
Os antagonistas muscarínicos, também conhecidos como parassimpatolí-
ticos, são antagonistas competitivos e têm como principais fármacos represen-
tantes atropina, escopolamina, ipratrópio e pirenzepina, os quais apresentam
efeitos periféricos semelhantes, porém podem variar quanto ao grau de seleti-
vidade para tecidos, como o coração e a bexiga.
Os principais efeitos dos antagonistas muscarínicos são: inibição de secre-
ções, o que deixa a pele e boca muito secas; taquicardia; dilatação da pupila
(midríase) e paralisia de acomodação, devido ao relaxamento do músculo ciliar;
relaxamento da musculatura lisa (intestino, brônquios, trato biliar e bexiga);
inibição da motilidade gastrointestinal (em doses superiores de atropina) e da
secreção ácida do estômago (especialmente a pirenzepina); e efeitos sobre o
SNC, que incluem principalmente os excitatórios (como atropina) e também
sedativos (como hioscina), além dos efeitos antiemético e antiparkinsoniano.
Quanto aos usos clínicos dos antagonistas muscarínicos, pode-se citar:

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• Atropina: tratamento da bradicardia sinusal (como, por exemplo, após in-
farto agudo do miocárdio);
• Colírio de tropicamida ou ciclopentolato: dilatação da pupila;
• Hioscina (via oral ou transdérmica): prevenção da cinetose;
• Benzexol e benztropina: neutralização dos distúrbios de movimento cau-
sados por fármacos antipsicóticos;
• Ipratrópio ou tiotrópio: tratamento da asma e da doença pulmonar obs-
trutiva crônica;
• Atropina e hioscina: redução de excreções (atualmente, esse uso é pouco
importante);
• Hioscina: relaxante da musculatura lisa gastrointestinal;
• Dicicloverina (diciclomina): antiespasmódico na síndrome do cólon irritá-
vel ou na doença diverticular do cólon.

Agonistas e antagonistas nicotínicos


Os agonistas nicotínicos atuam nos receptores neuronais (ganglionares e do
SNC) ou nos receptores musculares estriados (placa motora). A maioria desses
fármacos não são utilizados na prática clínica, exceto a nicotina e a vareniclina,
usadas como tratamento auxiliar para cessação do tabagismo.
Os efeitos dos agonistas nicotínicos incluem: taquicardia, aumento da pressão
arterial, efeitos variáveis sobre a motilidade e as secreções gastrointestinais, au-
mento das secreções brônquica, salivar e sudorípara. Além disso, a nicotina tam-
bém provoca efeitos importantes no SNC, uma vez que ela age por estimulação
dos gânglios seguida de bloqueio por despolarização.
Os antagonistas nicotínicos, que atuam como bloqueadores ganglionares,
são clinicamente obsoletos, sendo utilizados atualmente apenas para o estudo ex-
perimental da função autônoma. Como representantes dessa classe, temos o he-
xametônio e a tubocurarina. Eles atuam bloqueando todos os gânglios autônomos
e entéricos. Seus efeitos incluem: hipotensão, perda dos reflexos cardiovasculares,
inibição de secreções, paralisia gastrointestinal e comprometimento da micção.
Vale ressaltar que os antagonistas dos receptores nicotínicos utilizados atual-
mente na prática clínica são os bloqueadores neuromusculares não despolari-
zantes, muito empregados durante procedimentos cirúrgicos.

FARMACOLOGIA BÁSICA 70

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Bloqueadores neuromusculares
Os fármacos bloqueadores neuromusculares atuam na região pré-si-
náptica, inibindo a produção ou liberação de ACh, ou na região pós-sinápti-
ca, bloqueando ou ativando os receptores de ACh, sendo que essa ativação
causa uma despolarização contínua na placa motora terminal. Esses agentes
bloqueadores neuromusculares podem, então, ser classificados em despola-
rizantes e não despolarizantes. Dentre os fármacos usados na prática clínica,
apenas o suxametônio é um agente despolarizante.
Bloqueadores neuromusculares não despolarizantes
A tubocurarina é um alcaloide vegetal que foi muito utilizado por índios da
América do Sul em suas flechas para causar paralisia. No entanto, atualmente
é muito pouco empregado, posto que foram descobertos fármacos sintéticos
com propriedades melhoradas, dentre elas a redução da ocorrência de efeitos
colaterais. No entanto, os representantes mais importantes dessa classe hoje
em dia são: pancurônio, vecurônio, cisatracúrio e mivacúrio, os quais diferem-
-se, principalmente, quanto à duração da sua ação, sendo o pancurônio de lon-
ga duração (1h a 2h), o vecurônio e cisatracúrio com efeito intermediário (~30
min) e o mivacúrio de curta duração (~15 min).
Dessa forma, o principal efeito colateral da tubocurarina é a queda da pres-
são arterial e também o broncoespasmo em indivíduos predispostos. Os de-
mais fármacos causam menos hipotensão. No entanto, o pancurônio também
tem como efeito colateral uma taquicardia modesta devido ao bloqueio dos
receptores muscarínicos no coração.
Essas substâncias possuem baixa absorção oral e, com isso, são adminis-
tradas por via intravenosa, tendo eliminação adequada pelos rins. Além disso,
elas possuem a vantagem de não atravessar a placenta, o que permite a sua
utilização na anestesia obstétrica.
Quanto ao mecanismo de ação dos agentes não despolarizantes, eles
atuam como antagonistas competitivos dos receptores nicotínicos presentes
na placa terminal. Tais agentes também causam uma manifestação conhecida
como “fadiga tetânica”, a qual se dá pela inibição da liberação da ACh durante a
estimulação repetitiva do nervo motor, decorrente do bloqueio de autorrecep-
tores pré-sinápticos facilitadores.

FARMACOLOGIA BÁSICA 71

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Embora alguns bloqueadores neuromusculares não despolarizantes pos-
sam causar efeitos autônomos, os principais são decorrentes da paralisia mo-
tora. Os primeiros efeitos desses fármacos ocorrem nos músculos extrínsecos
do olho, levando a uma visão dupla; nos músculos da face e da faringe, o que
causa dificuldade para deglutir; e dos membros. Quanto aos músculos envolvi-
dos na respiração, esses são os últimos a serem comprometidos e os primeiros
a se recuperarem.
Bloqueadores neuromusculares despolarizantes
O suxametônio, único fármaco despolarizante em uso clínico, atua seme-
lhantemente a ACh, posto que sua estrutura consiste em duas moléculas de ACh
ligadas por seus grupos acetil, apresentando um metabolismo rápido por ser
hidrolisado pela colinesterase do plasma, o que diminui o seu tempo de ação. No
entanto, seu tempo de ação, após administração por via intravenosa, é suficiente
para tornar a região de placa motora de fibras musculares inexcitável.
Dessa maneira, a recuperação do paciente após a retirada do suxametônio
é mais rápida quando comparada aos fármacos não despolarizantes, o que faz
com que esse agente ainda seja utilizado apesar dos seus efeitos colaterais,
como: bradicardia (efeito agonista muscarínico), arritmias cardíacas (devido
ao aumento da concentração de K+ do plasma, principalmente em pacientes
com queimaduras ou traumatismos graves), aumento da pressão intraocular
(efeito agonista nicotínico sobre os músculos extraoculares), dor muscular no
pós-operatório e hipertermia maligna (rara).
Com relação ao tempo de ação do suxametônio, que geralmente é muito
rápido (< 5 minutos), ele pode ser prolongado por fatores que reduzem a ativi-
dade da colinesterase, como: a) variantes genéticas, nas quais a colinesterase
plasmática é anômala; b) recém-nascidos com baixa atividade da colinesterase
plasmática; e c) uso de fármacos anticolinesterásicos, como os organofosfora-
dos para o tratamento do glaucoma, podendo prolongar a ação do suxametô-
nio pela inibição da colinesterase plasmática.

FARMACOLOGIA BÁSICA 72

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Sintetizando
Na administração simultânea de dois ou mais fármacos, podem ocorrer inte-
rações farmacológicas, sendo mais frequentes as farmacocinéticas. Porém, as in-
terações também podem ocorrer entre fármacos convencionais e medicamentos
fitoterápicos, a exemplo da interação entre a carbamazepina e a erva-de-são-joão,
que resulta no aumento do metabolismo da carbamazepina.
As ações da maioria dos fármacos ocorrem pela sua interação com macromo-
léculas no organismo, especialmente os receptores. Desse modo, a ligação dos fár-
macos agonistas nos receptores fisiológicos produzem uma resposta semelhante
às substâncias endógenas, enquanto que os fármacos antagonistas se ligam aos
receptores fisiológicos e reduzem ou bloqueiam a ação de um agonista.
Entretanto, para o fármaco desencadear uma resposta biológica ao se ligar ao
seu receptor, é necessário que ele tenha afinidade, ou seja, tenha a capacidade de
se complexar com o sítio ativo complementar do receptor, além de sua atividade
intrínseca, que é a capacidade do complexo ligante-receptor de desencadear essa
resposta biológica.
Dentre as teorias dos receptores, destaca-se a teoria do encaixe induzido em
que se considera que o fármaco possui a capacidade de induzir a modificação do
sítio tridimensional de seu receptor biológico a fim de possibilitar o seu reconhe-
cimento, assim como o receptor tem a capacidade de selecionar a conformação
bioativa do fármaco.
Assim, o sistema nervoso autônomo (SNA) é responsável pela regulação de
funções autônomas que não são controladas pelo consciente, sendo dividido
em simpático e parassimpático. Vale considerar que os fármacos podem alterar
muitas funções autônomas através da mimetização ou bloqueio das ações dos
transmissores químicos, como a acetilcolina e norepinefrina. No entanto, os fár-
macos relacionados à acetilcolina são os colinérgicos, enquanto os relacionados
à norepinefrina são os adrenérgicos. Entre os fármacos anticolinérgicos tem-se
os bloqueadores neuromusculares, muito utilizados como anestésicos cirúrgicos.

FARMACOLOGIA BÁSICA 73

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FARMACOLOGIA BÁSICA 74

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UNIDADE

3 FÁRMACOS QUE
ATUAM NO SISTEMA
NERVOSO CENTRAL

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Objetivos da unidade
Conhecer os mediadores químicos envolvidos na sinalização no Sistema
Nervoso Central (SNC);

Compreender o modo de ação dos fármacos no SNC;

Conhecer as diferentes classes de fármacos que agem no SNC.

Tópicos de estudo
Introdução à farmacologia do SNC Inibidores da monoaminoxidase
Sinalização química no SNC (IMAOs)
Locais de ação dos fármacos
no SNC Farmacologia dos antipsicóticos
Ação dos fármacos no SNC Antipsicóticos de primeira
geração
Farmacologia dos sedativos- Antipsicóticos de segunda geração
-hipnóticos
Benzodiazepínicos Farmacologia dos anticonvulsi-
Novos agonistas do receptor vantes
benzodiazepínico Anticonvulsivantes clássicos
Barbitúricos Anticonvulsivantes desenvolvidos
Outros fármacos sedativos-hip- recentemente
nóticos
Farmacologia dos antiparkiso-
Farmacologia dos antidepressivos nianos
Inibidores da captura das mono- Precursores da dopamina e
aminas agonistas dos receptores de
Antagonistas do receptor de dopamina
monoamina Inibidores da MAO e fárma-
cos não dopaminérgicos

FARMACOLOGIA BÁSICA 76

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Introdução à Farmacologia do SNC
Os fármacos que agem no sistema nervoso central (SNC) são amplamente
utilizados na prática clínica para o tratamento de diversas condições neuro-
lógicas, transtornos psiquiátricos, alívio da dor e redução da febre. Ademais,
muitos desses fármacos produzem um efeito de sensação de bem-estar, fator
esse que leva à automedicação por parte da população (p. ex. opioides e anfe-
taminas) (KATZUNG; TREVOR, 2017).
O estudo do efeito dos fármacos no SNC é desafiador, visto que esse siste-
ma é o mais complexo do corpo. É, portanto, no cérebro que o comportamento
individual das células apresenta uma maior diferença quando comparado com
o órgão como um todo, diferentemente de outros órgãos (RANG et al., 2016).
Embora Rang et al., (2016) declarem que “[...] atualmente, o vínculo entre a
ação de um fármaco, em níveis bioquímico e celular, e seus efeitos na função
cerebral permanece, em sua maior parte, misterioso”, sabe-se que a ação da
grande maioria dos fármacos no SNC envolve a interação com receptores espe-
cíficos, os quais regulam a transmissão sináptica. Algumas substâncias, como
os anestésicos gerais e o álcool, provocam ações inespecíficas nas membranas
sem necessidade da interação com o seu receptor, no entanto, também resul-
tam em alterações na transmissão sináptica (KATZUNG; TREVOR, 2017).
Com o intuito de avançar na descoberta do mecanismo de ação dos fár-
macos no SNC, nos dias de hoje, é possível estudar essa ação em neurônios
de forma individual, assim como em receptores isolados dentro das sinapses
(KATZUNG; TREVOR, 2017). Com isso, antes de abordar especificamente a far-
macologia do SNC, deve-se ter o conhecimento dos sistemas transmissores
predominantes do SNC e as maneiras pelas quais os fármacos os afetam.

Sinalização química no SNC


A sinalização química no SNC envolve mediadores químicos que podem
atuar de formas distintas, produzindo efeitos de curta ou de longa duração,
podendo agir de maneira muito difusa e também com uma distância significati-
va do local de liberação. Esses mediadores podem afetar a condução iônica da
membrana celular pós-sináptica, além de interferir na síntese do transmissor,

FARMACOLOGIA BÁSICA 77

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na expressão dos receptores do neurotransmissor e na morfologia neuronal
(RANG et al., 2016). No Quadro 1 é possível verificar os tipos de mediadores
químicos envolvidos na sinalização no SNC. É importante destacar que a maior
parte dos fármacos utilizados clinicamente com ação central é centralizada nos
mediadores de pequenas moléculas.

QUADRO 1. TIPOS DE MEDIADORES QUÍMICOS NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Tipo de mediador Exemplos Alvos Função principal

Glutamato, GABA, Canais iônicos


Mediadores conven- acetilcolina, controlados por vol- Neurotransmissão si-
cionais de pequenas dopamina, tagem náptica rápida e lenta
moléculas 5-hidroxitriptamina, Receptores acopla- Neuromodulação.
etc. dos à proteína G.

Substância P, neuro-
peptídeo Y, endorfinas, Receptores acopla-
Neuropeptídeos Neuromodulação.
fator de liberação de dos à proteína G.
corticotrofina, etc.

Mediadores Prostaglandinas, Receptores acopla-


Neuromodulação.
lipídicos endocanabinoides. dos à proteína G.

Mediadores Óxido nítrico, monóxi-


Guanilato ciclase. Neuromodulação.
“gasosos” do de carbono.

Fator de crescimento
Crescimento neuronal,
Neurotrofinas, neuronal, fator neuro- Receptores ligados à
quinase. sobrevivência e
citocinas trópico derivado do
plasticidade funcional.
cérebro, interleucina-1.

Andrógenos, Receptores nuclea-


Esteroides res e receptores Plasticidade funcional.
estrógenos. de membrana.

Fonte: RANG et al., 2016. (Adaptado).

De forma geral, os processos envolvidos na transmissão sináptica no SNC


são semelhantes aos que ocorrem na periferia. A comunicação entre os neurô-
nios, assim como entre os neurônios e outros tipos de células, ocorre pela libe-
ração de neurotransmissores, pequenas moléculas ou peptídeos que podem
atuar em células-alvo por uma curta distância através de sinapses ou podem
ainda ser liberados na circulação a fim de atuar em órgãos distantes (RANG et
al., 2016; GOLAN et al., 2009).
Os neurotransmissores são liberados pelos terminais pré-sinápticos, pro-
duzindo efeitos excitatórios ou inibitórios nos neurônios pós-sinápticos. Eles

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podem ser rápidos (p. ex. glutamato, GABA) tendo como alvo os canais iônicos
controlados por voltagem ou podem ser lentos, atuando em receptores acopla-
dos à proteína G (RANG et al., 2016).
Muitos mediadores químicos, a exemplo do óxido nítrico e de neuropeptí-
deos, são denominados neuromoduladores, pois, suas ações não se enqua-
dram no conceito original de neurotransmissor. De forma geral, os mediadores
que possuem como função principal a neuromodulação estão envolvidos em
ações fisiológicas de curto prazo, como na regulação da liberação do transmis-
sor pré-sináptico ou na excitabilidade pós-sináptica (RANG et al., 2016).
Os astrócitos, que são as principais células não neuronais presentes no SNC,
também apresentam um relevante papel na sinalização e funcionam como
“neurônios inexcitáveis”. Essas células, embora apresentem escala de tempo
mais lenta que a comunicação neuronal, expressam receptores e transporta-
dores variados, assim como liberam diversos tipos de mediadores químicos,
como o glutamato, D-serina, ATP, mediadores lipídicos e fatores de crescimento
(RANG et al., 2016).
Deve-se ressaltar que o mesmo mediador pode funcionar tanto como neu-
rotransmissor quanto como neuromodulador. Além disso, esse pode ter como
alvo os canais controlados por voltagem e também os receptores acoplados à
proteína G (p. ex., glutamato, 5-hidroxitriptamina, acetilcolina).

Locais de ação dos fármacos no SNC


De acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015) “[...] um conceito fundamen-
tal da Neurofarmacologia é o de que os fármacos que influenciam o comporta-
mento e melhoram o estado funcional dos pacientes com doenças neurológicas
ou psiquiátricas atuam aumentando ou atenuando a eficácia de transmissores
e canais específicos”. Em sua grande maioria, os fármacos produzem seus efei-
tos no SNC ao modificar alguma etapa da transmissão sináptica química. Na
Figura 1 é possível observar algumas das etapas que podem ser alteradas por
esses fármacos.
As etapas da transmissão sináptica são dependentes do transmissor e po-
dem ser divididas em ações pré-sinápticas e pós-sinápticas. Os fármacos que
possuem ações pré-sinápticas são aqueles que atuam na síntese (2), no arma-

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zenamento (3), no metabolismo (4) e na liberação (5) de neurotransmissores. A
reserpina é um exemplo de fármaco que deprime a transmissão sináptica por
interferir no armazenamento intracelular. Alguns exemplos de substâncias que
alteram a etapa de liberação incluem, a anfetamina que induz a liberação de
catecolaminas nas sinapses adrenérgicas, a capsaicina que induz a liberação
da substância P dos neurônios sensoriais e a toxina tetânica que bloqueia a
liberação dos transmissores (KATZUNG; TREVOR, 2017).

Neurônio pós-sináptico
Propagação
de potencial
de ação

Glia
Síntese Metabolismo
2 4

3
Armazenamento
6

5 6
Captação
Sinalização 7
retrógrada Liberação
Degradação
10
8
Receptor
Neurônio pós-sináptico

9
Condutância iônica

Figura 1. Etapas nas quais os fármacos podem alterar a transmissão sináptica. Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017.

Os fármacos com ações pós-sinápticas atuam principalmente no receptor (8) do


transmissor, podendo se comportar como agonistas do neurotransmissor ou
como antagonistas. Como exemplo de uma classe de fármacos agonistas de neu-
rotransmissores tem-se os opioides, os quais possuem ação semelhante a ence-
falina. Os fármacos antagonistas bloqueiam o receptor e impedem ou reduzem
a ação de um agonista e, consequentemente, o seu efeito biológico. Fármacos
antagonistas de receptores no SNC são mais comuns clinicamente, tendo como

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alguns exemplos: a) a estricnina, que apresenta ação convulsivante, bloqueia o
receptor de glicina, um transmissor inibitório, resultando em excitação; b) a ce-
tamina, um anestésico, bloqueia o canal iônico de receptores ionotrópicos de
glutamato; c) as metilxantinas, bloqueiam o metabolismo do AMPc, um segundo
mensageiro, prolongando a sua ação (KATZUNG; TREVOR, 2017).

Ação dos fármacos no SNC


Os fármacos podem apresentar ações específicas ou inespecíficas no SNC.
O efeito do fármaco é considerado específico quando esse interage com os
receptores das células alvo, afetando um mecanismo molecular único e reco-
nhecível. Em regra, quanto maior a potência do fármaco, menor a probabili-
dade dele exercer efeitos indesejáveis, no entanto, mesmo fármacos com alta
especificidade podem apresentar ações inespecíficas em doses elevadas. De
acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015), os fármacos que atuam no SNC
podem ser classificados em: depressores gerais (inespecíficos) do SNC, estimu-
lantes gerais (inespecíficos) do SNC e fármacos que modificam seletivamente
a função do SNC.
Os depressores gerais (inespecíficos) do SNC incluem os agentes anes-
tésicos nas formas de gases e vapores, os alcoóis alifáticos e alguns fármacos
sedativos-hipnóticos. Essas substâncias deprimem os tecidos excitáveis em
todos os níveis do SNC, reduzindo a quantidade de neurotransmissores libera-
dos, deprimindo o transporte iônico e a reatividade pós-sináptica. O álcool, em
concentrações subanestésicas, pode apresentar efeito levemente específico
em alguns neurônios, o que pode causar dependência.
Os estimulantes gerais (inespecíficos) do SNC incluem o fármacos pen-
tilenotetrazol e compostos semelhantes, capazes de induzir intensa excitação
do SNC, e as metilxantinas, as quais apresentam ação estimulante mais fraca.
Essas substâncias estimulam o SNC pelo bloqueio da inibição ou pela excitação
neuronal direta, resultando no aumento da liberação de neurotransmissores
ou no prolongamento da ação deles.
Os fármacos que modificam seletivamente a função do SNC podem cau-
sar depressão ou excitação, sendo que, em alguns casos, os dois efeitos po-
dem ser observados simultaneamente em diferentes sistemas. Embora esses

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fármacos apresentem ação seletiva no SNC, esses normalmente afetam várias
funções neurológicas centrais, porém com intensidades variáveis. As
principais classes de fármacos com ações no SNC incluem os an-
ticonvulsivantes, antidepressivos, antipsicóticos, seda-
tivos-hipnóticos, antiparkisonianos, tranquilizantes,
analgésicos opioides e não opioides, supressores
do apetite, antieméticos, analgésicos-antipiréticos,
alguns estimulantes e fármacos usados no tratamen-
to da doença de Alzheimer.

CURIOSIDADE
O efeito de determinado agente terapêutico no SNC pode ser aditivo com
os efeitos de outros agentes depressores ou estimulantes. Como exemplo,
tem-se a combinação de barbitúricos ou benzodiazepínicos com etanol,
a qual pode ser fatal por ambos apresentarem efeitos depressores. Um
caso muito relatado na mídia em 2012 foi a morte da cantora Whitney
Houston, que faleceu após a ingestão de álcool e de um coquetel de medi-
camentos que incluia o alprazolam (benzodiazepínico).

Farmacologia dos sedativos-hipnóticos


Os fármacos pertencentes à classe dos sedativos-hipnóticos são depressores
do SNC e possuem a capacidade de produzir sedação (ao mesmo tempo que ali-
viam a ansiedade) ou de induzir o sono. Essa classe de fármacos é amplamente
prescrita em todo o mundo, e incluem os benzodiazepínicos, novos agonistas do
receptor benzodiazepínico (os “compostos Z”), os barbitúricos e outros fármacos
sedativos-hipnóticos (KATZUNG; TREVOR, 2017; HILAL-DANDAN, 2015).
Um fármaco sedativo atua diminuindo a ansiedade, moderando a excitação
e exercendo um efeito calmante. É importante ressaltar que muitos fármacos
que não são depressores do SNC apresentam a sedação como efeito colateral,
como é o caso dos fármacos anti-histamínicos (KATZUNG; TREVOR, 2017; HI-
LAL-DANDAN, 2015).
Um fármaco hipnótico atua produzindo sonolência e estimulando o início e
a manutenção de um estado de sono. Quando comparados com a sedação, os
efeitos hipnóticos envolvem uma depressão mais pronunciada do SNC, geral-

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mente obtida pelo aumento da dose destes fármacos. Os fármacos sedativos-
-hipnóticos mais antigos, como os barbitúricos e os álcoois, apresentam uma
relação dose-resposta linear, onde progressivamente com o aumento da dose
pode-se alcançar respostas desde uma sedação branda, passando por estado
de hipnose e podendo levar a uma situação de anestesia geral. Em doses ainda
maiores, podem levar ao coma e à morte, por depressão dos centros respira-
tórios e vasomotor no bulbo (KATZUNG; TREVOR, 2017; HILAL-DANDAN, 2015).

Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos são fárma-
cos sedativos-hipnóticos amplamente
utilizados na prática clínica no trata-
mento da ansiedade aguda e da insô-
nia. Esses fármacos atuam promoven-
do a ligação do ácido γ-aminobutírico
(GABA), um importante neurotrans-
missor inibitório, aos receptores de
GABAA. O receptor GABAA é um canal
iônico dependente da voltagem que
contém diferentes subunidades, den-
tre elas destacam-se as subunidades
α, β e γ. Os benzodiazepínicos se ligam ao receptor GABAA através da interface
entre as subunidades α e β, em um local distinto do ponto de ligação do GABA,
e de maneira alostérica, modulam os efeitos do GABA (RANG et al., 2016).
Grande parte dos efeitos dos benzodiazepínicos se dá pelas suas ações
sobre o SNC, como a sedação, hipnose, redução da ansiedade, relaxamento
muscular, amnésia anterógrada e ação anticonvulsivante. Esses fármacos pos-
suem dois efeitos de origem periférica, a vasodilatação coronária e o bloqueio
neuromuscular, sendo essa última ação observada apenas em doses muitos
elevadas (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
Os graus de depressão neuronal produzidos pelos benzodiazepínicos são di-
ferentes dos barbitúricos e anestésicos voláteis, sendo que entre os benzodia-
zepínicos todos apresentam perfis farmacológicos similares embora possam

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diferir quanto à seletividade e, consequentemente, quanto ao uso terapêutico.
No Quadro 2 é possível ver os usos terapêuticos dos principais benzodiazepíni-
cos disponíveis comercialmente.

QUADRO 2. USOS TERAPÊUTICOS E MEIA-VIDA DOS PRINCIPAIS BENZODIAZEPÍNICOS

Fármaco Usos terapêuticos Meia-vida (horas) Comentários

Sintomas de abstinên-
Transtornos de
Alprazolam 12 ± 2 cia podem ser espe-
ansiedade, agorafobia.
cialmente graves.

Distúrbios convulsivos,
tratamento adjuvante Surge tolerância aos
Clonazepam na mania aguda e em 23 ± 5 efeitos anticonvulsi-
determinados distúr- vantes.
bios do movimento.

Transtornos de an-
siedade, estado epi-
léptico, relaxamento Benzodiazepínico
Diazepam 43 ± 13
muscular esquelético, prototípico.
pré-medicação
anestésica.

Metabólitos ativos
Flurazepam Insônia. 74 ± 24 acumulam-se com o
uso crônico.

Transtornos de ansie-
Metabolizado somente
Lorazepam dade, medicação 14 ± 5
por conjugação.
pré-anestésica.

Medicação
Midazolam pré-anestésica e 1,9 ± 0,6 Rapidamente
inativado.
intraoperatória.

Transtornos de Metabolizado somente


Oxazepam 8,0 ± 2,4
ansiedade. por conjugação.

Metabolizado princi-
Temazepam Insônia. 11 ± 6 palmente por
conjugação.
Fonte: HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015. (Adaptado).

Quanto aos aspectos farmacocinéticos, os benzodiazepínicos apresentam


boa absorção após administração oral, atingindo a concentração plasmáti-
ca máxima em cerca de uma hora, embora alguns deles, como o lorazepam,
apresentem absorção mais lenta. Os benzodiazepínicos, assim como os seus

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metabólitos ativos, ligam-se às proteínas plasmáticas, e por apresentarem
uma solubilidade lipídica alta, muitos desses fármacos se acumulam de forma
gradual no tecido adiposo. Como visto no Quadro 2, esses fármacos variam
quanto à sua meia-vida de eliminação, podendo ser de ação curta (meias-vi-
das de menos de 6h), intermediária (meias-vidas de 6-24h) e longa (meias-vi-
das de mais de 24h). Os benzodiazepínicos são metabolizados pelas enzimas
do citocromo P450 (CYP) hepáticas, principalmente as CYPs 3A4 e 2C19, e em
certos casos podem ser excretados como conjugados glicuronídeos na urina
(HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
Dentre os efeitos adversos relacionados ao uso de benzodiazepínicos tem-
-se tontura, aumento dos tempos de reação, falta de coordenação motora,
comprometimento das funções mentais e motoras, confusão e amnésia ante-
rógrada, fraqueza, cefaleia, visão borrada, vertigem, náuseas e vômitos, des-
conforto epigástrico e diarreia. Com isso, o uso de benzodiazepínicos pode
comprometer a capacidade do indivíduo em conduzir veículos assim como ou-
tras habilidades psicomotoras (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).

DICA
O flumazenil é um antagonista do receptor de benzodiazepínicos e é utili-
zado como antídoto no tratamento da superdosagem de benzodiazepínicos
e do zolpidem e também na reversão dos efeitos sedativos dos benzodia-
zepínicos administrados para anestesia geral ou procedimentos diagnós-
ticos e terapêuticos. Esse fármaco é administrado por via intravenosa,
sendo que os efeitos decorrentes de doses terapêuticas de flumazenil são
revertidos após uma dose total de 1 mg de flumazenil administrada durante
1-3 minutos.

Novos agonistas do receptor benzodiazepínico


Os hipnóticos dessa classe incluem o zolpidem, zaleplona, zopiclona e es-
zopiclona (enantiômero S(+) da zopiclona), e são conhecidos como “compos-
tos Z”. Esses fármacos são muito utilizados no tratamento da insônia, tendo
substituído os benzodiazepínicos nos últimos anos para este fim. Quando
comparados aos benzodiazepínicos, os compostos Z possuem menor ativida-
de como anticonvulsivantes e relaxantes musculares. Embora os compostos

FARMACOLOGIA BÁSICA 85

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Z tenham sido aprovados com a informação que a dependência gerada pelo
uso desses era inferior ao dos benzodiazepínicos, após a comercialização
destes fármacos foi verificado que os mesmos causam tolerância e depen-
dência física após o uso prolongado, principalmente quando utilizadas doses
altas (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
O mecanismo de ação dos compostos Z se dá pela ligação seletiva aos
receptores GABA A que contêm a subunidade α1, atuando como agonistas
no mesmo local de ligação do benzodiazepínico ao receptor e aumentando
a hiperpolarização da membrana (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
O zolpidem e a zaleplona aliviam a insônia resultante da incapacidade de
conciliar o sono, apresentando ação hipnótica prolongada e sem o surgimento
de insônia de rebote na interrupção súbita. A zaleplona tem uma meia-vida
curta, cerca de uma hora, enquanto a meia-vida do zolpidem é de duas horas. A
partir disso, a zaleplona pode ser administrada em um horário mais avançado,
até quatro horas antes da hora prevista para levantar-se. Já a recomendação
para o zolpidem é que seja administrado somente ao deitar-se. O zolpidem e
a zaleplona apresentam biodisponibilidade após administração oral de 70% e
30%, respectivamente, sendo a zaleplona metabolizada, principalmente, pela
enzima aldeído oxidase (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
A eszopiclona, utilizada para o tratamento prolongado da insô-
nia e na manutenção do sono, apresenta uma biodispo-
nibilidade de cerca de 80% após ser administrada oral-
mente, com meia-vida de aproximadamente 6 horas e
é metabolizada pela CYP 3A4 e 2E1.

Barbitúricos
Os barbitúricos são fármacos que já foram amplamente utilizados como
sedativos-hipnóticos, no entanto foram substituídos pelos benzodiazepí-
nicos por serem mais seguros. De acordo com Katzung e Trevor (2017), sua
ação se dá pela ligação “[...] a subunidades específicas do receptor GABA A
em sinapses neuronais do SNC, facilitando a duração de abertura dos ca-
nais iônicos de cloreto mediados pelo GABA”. No Quadro 3, é possível ver
os principais usos terapêuticos desses fármacos.

FARMACOLOGIA BÁSICA 86

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Dentre os efeitos adversos relacionados ao uso de barbitúricos tem-se
alterações de humor, comprometimento do julgamento e das habilidades
motoras finas, vertigens, náuseas, vômitos, diarreia, inquietação, excitação,
reações de hipersensibilidade e, em alguns pacientes, os barbitúricos causam
excitação ao invés de depressão do SNC, dando a impressão de estar embria-
gado (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).

QUADRO 3. USOS TERAPÊUTICOS DOS PRINCIPAIS BARBITÚRICOS.

Via de
Fármaco Usos terapêuticos Comentários
administração

Insônia, sedação pré-ope- Apenas o sal sódico é


Amobarbital IM, IV ratória, conduta de emer- administrado por via
gência nas convulsões. parenteral.

A redistribuição encur-
Insônia, sedação pré-ope- ta para 8 h a duração
Butabarbital Oral
ratória. da ação de uma única
dose.

Distúrbios convulsivos, Anticonvulsivante de


Mefobarbital Oral
sedação diurna. segunda linha.

Apenas o sal sódico


está disponível; uma
Metoexital IV Indução e manutenção de única injeção resulta
anestesia.
em 5-7 min
de anestesia.

Insônia, sedação pré-ope- Apenas o sal sódico é


Pentobarbital Oral, IM, IV, retal ratória, conduta de emer- administrado por via
gência nas convulsões. parenteral.

Anticonvulsivante
Distúrbios convulsivos, de primeira linha;
Fenobarbital Oral, IM, IV estado epiléptico, seda- apenas o sal sódico é
ção diurna. administrado por via
parenteral.

Insônia, sedação Apenas o sal sódico


Secobarbital Oral
pré-operatória. está disponível.

Indução e/ou ma- Apenas o sal sódico


nutenção de anestesia, está disponível; in-
Tiopental IV sedação pré-operatória, jeções únicas resultam
conduta de emergência em períodos curtos
nas convulsões. de anestesia.

IM: intramuscular; IV: intravenosa.

Fonte: HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015. (Adaptado).

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Quanto à farmacocinética, os barbitúricos apresentam meias-vidas varia-
das, de 4-60h, sendo que o fenobarbital apresenta a meia-vida mais longa. O
metabolismo destes fármacos é hepático, e o fenobarbital apresenta 20% de
eliminação renal (KATZUNG; TREVOR, 2017).

Outros fármacos sedativos-hipnóticos


A ramelteona é um análogo tricíclico sintético da melatonina utilizado para
o tratamento de insônia, principalmente para pacientes com dificuldades para
adormecer. A ramelteona se liga com alta afinidade aos dois receptores para
melatonina (MT1 e MT2) nos núcleos supraquiasmáticos do SNC, ativando-os.
Esse fármaco é administrado oralmente, porém sua biodisponibilidade é infe-
rior à 2%, e é extensamente metabolizado pelas enzimas CYP 1A2, 2C E 3A4,
sendo que durante a metabolização pela CYP 1A2 é formado um metabólito
ativo que contribui para os efeitos indutores do sono da ramelteona.
A buspirona é um agonista parcial do receptor 5-HT1A, utilizado no trata-
mento dos estados de ansiedade generalizada, porém apresenta pouco efeito
sedativo. Os efeitos ansiolíticos deste fármaco começam a aparecer dentro de
uma a duas semanas após o início do uso, sendo que a buspirona apresen-
ta pouco comprometimento psicomotor e sem efeito aditivo na depressão do
SNC ao ser utilizado com outros fármacos sedativos-hipnóticos concomitante-
mente (KATZUNG; TREVOR, 2017).

Farmacologia dos antidepressivos


A depressão é uma das doenças mentais mais prevalentes em todo o mundo e
pode ser classificada como depressão maior (depressão unipolar) ou doença manía-
co-depressiva (depressão bipolar). Os sintomas do transtorno depressivo maior
(TDM) incluem: humor deprimido, pessimismo, diminuição do interesse pelas ati-
vidades normais, distúrbios do sono, perda ou ganho significativo de peso, agita-
ção ou atraso psicomotor, sentimento de culpa e inutilidade, perda da libido e ideias
suicidas. A depressão bipolar é menos comum e quando ocorre, é mais frequente
no início da vida adulta, resultando em depressão e mania, os quais oscilam pelo
período de algumas semanas (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).

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As causas e fisiopatologia do TDM ainda não foram totalmente esclarecidas,
com isso há diferentes teorias para a depressão, como a teoria das monoaminas
e a teoria neurotrófica.
De acordo com Rang et al. (2016) a teoria das monoaminas, proposta por
Schildkraut em 1965, “[...] afirma que a depressão pode ser causada por déficit
funcional de transmissores de monoaminas, norepinefrina (NE) e 5-hidroxitrip-
tamina (5-HT), em certos locais do cérebro, enquanto a mania resulta de excesso
funcional”. Essa teoria foi baseada na capacidade de alguns antidepressivos co-
nhecidos induzirem a transmissão monoaminérgica, enquanto outros fármacos
possuem a capacidade de causar depressão (p. ex. reserpina que inibe o arma-
zenamento de NE e 5-HT). Embora muitos fármacos antidepressivos possuam
como mecanismo de ação a transmissão de monoaminas, essa teoria é insufi-
ciente como explicação da depressão.
Na teoria neurotrófica acredita-se que a depressão está associada à redu-
ção dos níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, de brain-derived
neurotrophic factor) ou o mau funcionamento do seu receptor, denominado TrkB.
De acordo com Katzung e Trevor (2017), “[...] acredita-se que o BDNF exerça a sua
influência sobre a sobrevida neuronal e efeitos de crescimento ao ativar a tirosi-
na-cinase do receptor B tanto nos neurônios como na glia”. Os antidepressivos
atuam aumentando os níveis de BDNF, aumentando a neurogênese e também a
conexão sináptica no hipocampo.
Alterações na transmissão glutamatérgica também podem estar envolvidas
na depressão, assim como fatores neuroendócrinos, como as anormalidades do
eixo hipotalâmico-hipofisário-suprarrenal, em pacientes com TDM, que incluem
níveis elevados de cortisol e elevação crônica dos níveis do hormônio liberador
de corticotrofina (CRH, de corticotrophin-releasing hormone).
Os antidepressivos agem, de forma geral, aumentando a transmissão seroto-
nérgica e noradrenérgica. Os antidepressivos disponíveis clinicamente
são diferentes estruturalmente e também em relação aos alvos mo-
leculares, podendo ser classificados em diferentes sub-
classes, a saber: inibidores da captura das monoaminas,
antagonistas do receptor de monoamina, inibidores da
monoaminoxidase (IMAOs) e agonista do receptor da me-
latonina. A subclasse de agonista do receptor da melatonina

FARMACOLOGIA BÁSICA 89

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tem a agomelatina como único fármaco representante, sendo este um agonista
dos receptores MT1 e MT 2 da melatonina e um antagonista fraco do 5-HT2C. As
demais subclasses serão discutidas.

Inibidores da captura das monoaminas


Dentre os fármacos inibidores da captura das monoaminas tem-se os: a) ini-
bidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs); b) antidepressivos tricí-
clicos (ADTs); c) inibidores seletivos da recaptação de serotonina-norepinefrina
(IRSNs); d) inibidores da recaptação de norepinefrina.
Os ISRSs (p. ex. fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina, sertralina, citalopram,
escitalopram) atuam inibindo o transportador de serotonina (SERT), o qual
medeia a recaptação da serotonina no terminal pré-sináptico. Os ISRSs são os
antidepressivos de maior uso clínico na atualidade devido à facilidade de uso,
tolerabilidade relativa, custo, segurança em casos de superdosagem e diver-
sidade de usos, sendo também utilizados no tratamento de outras doenças
como transtorno de pânico, bulimia, transtorno obsessivo-compulsivo e trans-
torno de ansiedade generalizada (KATZUNG; TREVOR, 2017).
Os ADTs (p. ex., imipramina, desipramina, amitriptilina, nortriptilina, clomi-
pramina) eram os principais antidepressivos antes da introdução dos ISRSs.
Atualmente eles são indicados para o tratamento da depressão não responsiva
aos ISRSs ou os IRSNs. Esses fármacos variam quanto a sua atividade e seleti-
vidade em relação à inibição da recaptação de serotonina e norepinefrina. A
imipramina, por exemplo, é muito anticolinérgica e apresenta forte inibição da
recaptação de ambos transmissores, enquanto a desipramina é muito menos
anticolinérgica e apresenta maior potência e ligeira seletividade para a recap-
tação de NE quando comparado com a imipramina (KATZUNG; TREVOR, 2017).
Os IRSNs (p. ex. venlafaxina, desvenlafaxina, duloxetina e levomilnacipra-
na) são efetivos no tratamento do TDM e também possuem outros usos te-
rapêuticos como no tratamento da fibromialgia e neuropatias, na ansiedade
generalizada, incontinência urinária por estresse e sintomas vasomotores da
menopausa. Os IRSNs, assim como os ADTs, ligam-se aos transportadores de
serotonina (SERT) e de norepinefrina (NET), inibindo a recaptação desses trans-
missores, no entanto, os IRSNs não apresentam afinidade com outros recepto-

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res como os ADTs, o que leva à diminuição de efeitos colaterais relacionados ao
uso destes fármacos. A venlafaxina, por exemplo, apresenta atividade seme-
lhante à imipramina porém com menos efeitos colaterais.
Os inibidores da recaptação de norepinefrina incluem a bupropiona,
reboxetina e atomoxetina. A bupropiona é um fármaco utilizado no trata-
mento da depressão associada à ansiedade e atua inibindo seletivamente
a recaptação de NE sobre a serotonina, no entanto, também inibe a re-
captação da dopamina. A reboxetina inibe seletivamente a recaptação de
NE e é considerada mais segura e com menos efeitos adversos quando
comparada aos ADTs.
No Quadro 4 é possível ver as várias características farmacocinéticas dos ini-
bidores da captura das monoaminas e das demais classes de antidepressivos.

QUADRO 4. USOS TERAPÊUTICOS DOS PRINCIPAIS BARBITÚRICOS

Volume de
Biodisponibilidade t1/2 plasmática Ligação às
Classe distribuição (L/
(%) (horas) proteínas (%)
kg)

ISRSs

Citalopram 80 33-38 15 80

Escitalopram 80 27-32 12-15 80

Fluoxetina 70 48-72 12-97 95

Fluvoxamina 90 14-18 25 80

Paroxetina 50 20-23 28-31 94

Sertralina 45 22-27 20 98

IRSNs

Duloxetina 50 12-15 10-14 97

Milnaciprana 85-90 6-8 5-6 13

Venlafaxina 45 8-11 4-10 2

FARMACOLOGIA BÁSICA 91

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ADTs

Amitriptilina 45 31-46 5-10 90

Clomipramina 50 19-37 7-20 97

Imipramina 40 9-24 15-30 84

Antagonistas do receptor de monoamina

Nefazodona 20 2-4 0,5-1 99

Trazodona 95 3-6 1-3 96

IMAOs

Fenelzina ND 11 ND ND

Selegilina 4 8-10 8-10 99

IMAOs: inibidores da monoaminoxidase; ND: nenhum dado encontrado; IRSNs: inibidores da re-
captação de serotonina-norepinefrina; ISRSs: inibidores seletivos da recaptação de serotonina.

Fonte: KATZUNG; TREVOR; 2017. (Adaptado).

Antagonistas do receptor de monoamina


Os antagonistas do receptor de monoamina incluem a trazodona, nefazodo-
na, mirtazapina e mianserina. Esses fármacos não são seletivos e, com isso, ini-
bem outros receptores. A trazodona, por exemplo, inibe os receptores
5-HT2 e os receptores α1-adrenérgicos, além de também
inibir o transportador de serotonina embora com me-
nor potência. Já a mirtazapina e a mianserina inibem
os receptores da histamina H1 e também apresentam
afinidade com os receptores α2-adrenérgicos.
Quanto aos usos clínicos a trazodona apresenta eficácia mais limitada quan-
do comparada aos ISRSs, enquanto a mirtazapina e a mianserina promovem
bastante sedação, sendo os tratamento de escolha para pacientes depressivos
que sofrem de insônia.

FARMACOLOGIA BÁSICA 92

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Inibidores da monoaminoxidase (IMAOs)
Os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) foram introduzidos na década
de 1950, porém, atualmente, possuem pouco uso clínico, em decorrência da
sua toxicidade e de sua baixa segurança, já que certas interações medicamen-
tosas e alimentares podem ser fatais. Seus usos terapêuticos incluem o trata-
mento da depressão não responsiva a outros antidepressivos, da doença de
Parkinson e da ansiedade social e transtorno de pânico.
Os IMAOs disponíveis comercialmente incluem a fenelzina, a isocarboxazi-
da, a tranilcipromina, a selegilina e a moclobemida. A fenelzina, isocarboxazida
e tranilcipromina são inibidores irreversíveis e não seletivos
aos subtipos MAO-A e MAO-B, enquanto os outros IMAOs
apresentam propriedades reversíveis e seletivas para de-
terminado subtipo (p. ex. a moclobemida é reversível e
seletiva para MAO-A.

EXEMPLIFICANDO
A “reação ao queijo”é um exemplo de uma interação grave entre IMAOs
e alimentos. O queijo maturado contém tiramina, um neurotransmissor
derivado da tirosina. Quando o queijo maturado é consumido em grandes
quantidades por um paciente que faz uso IMAO, ocorre uma interação
fármaco-nutriente que causa crise hipertensiva ou aumento súbito da
pressão sanguínea que pode ser perigoso. Essa interação ocorre devido
à tiramina ser degradada pela monoaminoxidase, inibida pelos IMAOs.
Com isso, os níveis de tiramina aumentam no organismo causando efeitos
simpaticomiméticos.

Farmacologia dos antipsicóticos


A psicose é um dos sintomas de doenças mentais que se caracteriza por
uma realidade distorcida ou inexistente. Dentre os transtornos psicóticos mais
comuns que acometem a população tem-se a depressão maníaco-de-
pressiva, psicose induzida por substâncias, transtorno psicó-
tico breve, transtorno delirante, transtorno esquizoafetivo,
esquizofrenia, demência e delirium com aspectos psicóticos
(HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).

FARMACOLOGIA BÁSICA 93

SER_FARMA_FARMABA_UNID3.indd 93 28/08/2020 09:24:06


Os sintomas dos transtornos psicóticos incluem as alucinações, ilusões, de-
sorganização do pensamento, fala incoerente e agitação. Além desses sintomas,
pacientes esquizofrênicos também apresentam os denominados sintomas ne-
gativos, que incluem a apatia, avolição (incapacidade de iniciar ou persistir na
busca de um objetivo), alogia (marcante pobreza de fala e fala vazia de conteúdo)
e déficits cognitivos (p. ex. atenção, memória e cognição social) (HILAL-DANDAN;
BRUNTON, 2015).
A esquizofrenia possui um componente hereditário significativo e atinge cer-
ca de 1% da população (RANG et al., 2016). Os primeiros fármacos que apresen-
taram atividade na redução dos sintomas das esquizofrenia foram a reserpina e
a clorpromazina, descobertos a partir dos estudos baseados na hipótese da do-
pamina. No entanto, atualmente a reserpina não é mais utilizada como fárma-
co antipsicótico e a clorpromazina é classificada como fármaco neuroléptico. De
acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015) “[...] o termo “neuroléptico” refere-se
aos fármacos antipsicóticos típicos, que atuam através do bloqueio do receptor
D2, mas são associados a efeitos colaterais extrapiramidais”.
Segundo a hipótese da dopami-
na a redução dos sintomas da esqui-
zofrenia é obtida pela diminuição
da neurotransmissão dopaminérgi-
ca. No entanto, esta hipótese apre-
senta limitações pois a dopamina
não é responsável pelos déficits
cognitivos associados à essa doen-
ça, e nem explica os efeitos alucinógenos da fenciclidina e cetamina que
são fármacos antagonistas do receptor do glutamato N-metil-D-aspar-
tato (NMDA) (HIL AL-DANDAN; BRUNTON, 2015). Porém, essa hipótese
continua sendo relevante, pois, a partir dela é possível compreender os
principais aspectos da esquizofrenia assim como os mecanismos de ação
da maioria dos fármacos antipsicóticos (K ATZUNG; TREVOR, 2017).
Os fármacos mais recentes foram obtidos a partir da experiência com a clo-
zapina, um agente antipsicótico atípico que provoca menos efeitos colaterais
extrapiramidais (EEP), e de mecanismos não dopaminérgicos, como o antago-
nismo do receptor 5-HT2. De acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015) “[...]

FARMACOLOGIA BÁSICA 94

SER_FARMA_FARMABA_UNID3.indd 94 28/08/2020 09:24:29


são promissores os medicamentos que almejam o glutamato e os subtipos do
receptor 5-HT7, os receptores para o ácido γ-aminobutírico (GABA) e acetilco-
lina (ambos muscarínicos e nicotínicos) e até mesmo os receptores de hormô-
nios peptídicos (p. ex., a ocitocina)”. No entanto, até o momento, todos os an-
tipsicóticos disponíveis comercialmente são antagonistas dos receptores D2 de
dopamina, podendo ser divididos em duas principais classes: antipsicóticos de
primeira e segunda geração.

EXPLICANDO
Os sintomas negativos da esquizofrenia são caracterizados pela ausência
de manifestações psíquicas que deveriam estar presentes no indivíduo.
Já os sintomas positivos referem-se aos comportamentos psicóticos que
normalmente não são observados em pessoas saudáveis, como as aluci-
nações, delírios, distúrbios de movimento e pensamentos desordenados.

Antipsicóticos de primeira geração


A classifi cação em antipsicóticos de primeira e segunda geração é basea-
da no perfi l dos receptores, incidência de EEP, efi cácia em pacientes não res-
ponsíveis ao tratamento e efi cácia no tratamento dos sintomas negativos.
Os antipsicóticos de primeira geração (também conhecidos como “an-
tipsicóticos típicos” ou “convencionais”) são aqueles que foram desenvol-
vidos inicialmente, como a clorpromazina, haloperidol e outros compos-
tos análogos (p. ex. flufenazina, flupentixol e clopentixol).
Os antipsicóticos de primeira geração atuam bloqueando os recepto-
res D2 de modo estereosseletivo (em grande parte) sendo que a afinida-
de de ligação ao receptor relaciona-se a potência antipsicótica e incidên-
cia de EEP.
A clorpromazina é um derivado da fenotiazina com baixa potência,
incidência média de EEP e que provoca alta ação sedativa e hipotensora,
além de ganho de peso. Outro derivado da fenotiazina é a flu-
fenazina, e ele difere da clorpromazina por apresentar
alta potência clínica e baixa ação sedativa e hipoten-
sora. No entanto, a flufenazina apresenta uma inci-
dência alta de EEP (K ATZUNG; TREVOR, 2017).

FARMACOLOGIA BÁSICA 95

SER_FARMA_FARMABA_UNID3.indd 95 28/08/2020 09:24:29


O haloperidol, um derivado de butirofenona, é o antipsicótico de primeira
geração mais utilizado, possuindo alta potência e baixa ação sedativa e hipo-
tensora. No entanto, esse fármaco apresenta um nível elevado de EEP quando
comparado aos demais fármacos dessa classe (KATZUNG; TREVOR, 2017).

Antipsicóticos de segunda geração


Os antipsicóticos de segunda geração (também conhecidos como “an-
tipsicóticos atípicos” ) foram desenvolvidos mais recentemente e incluem a
clozapina, risperidona, olanzapina, sertindol, quetiapina, amissulprida, aripi-
prazol, zotepina, ziprasidona. Esses fármacos causam menos efeitos adver-
sos e apresentam uma farmacologia complexa, diferente dos compostos de
primeira geração.
Os fármacos atípicos possuem maior capacidade de atuar sobre recep-
tores 5-HT 2A (antagonismo) do que nos receptores D2 , e a maior parte deles
também atuam como agonistas parciais do receptor 5-HT1A , o que resulta
em efeitos sinérgicos. A maioria desses fármacos também são antagonistas
dos receptores 5-HT6 ou 5-HT 7.
A escolha do antipsicótico baseia-se nas diferenças da efi cácia e do sur-
gimento de efeitos colaterais, além do custo e da disponibilidade no setor
público. No Quadro 5 é possível ver algumas vantagens e desvantagens dos
antipsicóticos de segunda geração, enquanto no Quadro 6 é possível ver os
principais efeitos colaterais dos fármacos antipsicóticos.

QUADRO 5. ALGUNS FÁRMACOS ANTIPSICÓTICOS DE SEGUNDA GERAÇÃO

Fármaco Vantagens Desvantagens

Possibilidade de causar agra-


Possibilidade de beneficiar
nulocitose em até 2% dos
pacientes resistentes ao tra-
Clozapina pacientes; redução do limiar
tamento; pouca toxicidade
convulsivo relacionada com
extrapiramidal.
a dose.

Ampla eficácia; pouca ou ne-


Disfunção do sistema extra-
nhuma disfunção do sistema
Risperidona piramidal e hipotensão com
extrapiramidal com doses
doses mais altas.
baixas.

FARMACOLOGIA BÁSICA 96

SER_FARMA_FARMABA_UNID3.indd 96 28/08/2020 09:24:32


Efetiva contra sintomas neg-
Ganho de peso; redução rela-
ativos, bem como positivos;
Olanzapina cionada com a dose do
pouca ou nenhuma disfunção
limiar convulsivo.
do sistema piramidal.

Pode exigir doses altas se


Semelhante à olanzepina, tal-
houver hipotensão associada;
Quetiapina vez com menos ganho
t1/2 curta e administração da
de peso.
dose 2x/dia.

Talvez menos ganho de peso Prolongamento do QTc (inter-


Ziprasidona do que com a clozapina, forma valo QT corrigido) do eletro-
parenteral disponível. cardiograma.

Menor tendência ao ganho de


Aripiprazol peso, meia-vida longa, poten- Incertas, possíveis novas
toxicidades.
cial de mecanismo novo.

Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017. (Adaptado).

QUADRO 6. EFEITOS COLATERAIS DOS FÁRMACOS ANTIPSICÓTICOS

Tipo Manifestações Mecanismos

Perda da acomodação, boca


Bloqueio muscarínico dos re-
seca, dificuldade de urinar,
ceptores colinérgicos.
constipação intestinal.
Sistema nervoso autônomo
Bloqueio dos receptores
Hipotensão ortostática, im-
α-adrenérgicos.
potência, falha na ejaculação.

Bloqueio dos receptores de


Síndrome de Parkinson,
dopamina.
acatisia, distonias.
Sistema nervoso central Supersensibilidade dos recep-
Discinesia tardia.
tores de dopamina.
Estado tóxico-confusional.
Bloqueio muscarínico.

Bloqueio dos receptores de


Amenorreia, galactorreia, in-
Sistema endócrino dopamina, resultando em
fertilidade, impotência.
hiperprolactinemia.

Possivelmente bloqueio H1 e
Outros Ganho de peso.
5-HT2 combinado.

Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017. (Adaptado).

Farmacologia dos anticonvulsivantes


A epilepsia é um distúrbio neurológico muito comum, caracterizada por con-
vulsões, que atinge aproximadamente 1% da população mundial. De acordo com
Rang et al (2016) “nem todas as crises envolvem convulsões. Essas estão associa-

FARMACOLOGIA BÁSICA 97

SER_FARMA_FARMABA_UNID3.indd 97 28/08/2020 09:24:43


das à despolarização episódica de alta frequência de impulsos por um grupo de
neurônios (algumas vezes referido como foco) no cérebro. O que se inicia como
despolarização local anômala pode propagar-se para outras áreas do cérebro”.
O tratamento da epilepsia é sintomático, visto que até o momento não
há cura para essa condição. No entanto, 20% dos pacientes não apresen-
tam controle das convulsões após o uso da farmacoterapia padrão. As cri-
ses convulsivas podem levar à depressão transitória da consciência, o que
prejudica as atividades cotidianas do indivíduo (KATZUNG; TREVOR, 2017;
HILAL-DANDAN, 2015).
As causas da epilepsia são diversas, podendo desenvolver-se após lesão cere-
bral, doenças traumáticas, neoplásicas e degenerativas, infecção ou crescimento
tumoral, assim como defeitos genéticos e de desenvolvimento. Com base nas par-
ticularidades da crise convulsiva, essas podem ser classificadas em: crises parciais
e crises generalizadas. O conhecimento do tipo de convulsão é importante para
definir a melhor terapia farmacológica.
As crises parciais acometem apenas uma parte do cérebro e podem ser subdi-
vidas em:
• Crises parciais simples: manifestações determinadas pela região do córtex ati-
vada pela crise, com duração de cerca de 20-60s, com preservação da consciência;
• Crises parciais complexas: presença de movimentos involuntários como estalar
dos lábios ou contorção das mãos, com comprometimento da consciência por cerca
de 30s a 2 min;
• Crises parciais secundariamente generalizadas: ocorre quando a crise do tipo
parcial simples ou complexa evolui para uma crise tônico-clônica.
Já as crises generalizadas envolvem todo o cérebro e podem ser subdividas em:
• Crises de ausência: comprometimento abrupto da consciência associado a
olhar fixo, de curta duração (inferior a 30s) levando à interrupção das atividades
realizadas pelo indivíduo no momento;
• Crises mioclônicas: contrações musculares muito rápidas (aproximadamente
1s) semelhantes a choques, podendo ser locais, atingindo apenas uma parte do
membro, ou generalizadas;
• Crises tônico-clônicas: contrações persistentes (tônicas) dos músculos de todo
o corpo e perda da consciência, seguidas por períodos de contrações musculares al-
ternados com períodos de relaxamento (clônicos), com duração de cerca de 1-2 min.

FARMACOLOGIA BÁSICA 98

SER_FARMA_FARMABA_UNID3.indd 98 28/08/2020 09:24:43


Anticonvulsivantes clássicos
Os fármacos anticonvulsivantes,
também conhecidos como antiepi-
lépticos, atuam inibindo a despo-
larização neuronal através de três
diferentes mecanismos de ação: a)
potencialização da ação do GABA; b)
inibição da função dos canais de só-
dio; c) inibição da função dos canais
de cálcio. Os anticonvulsivantes de-
senvolvidos recentemente apresentam novos mecanismos de ação, sendo
alguns ainda não elucidados (RANG et al., 2016).
Dentre os fármacos anticonvulsivantes clássicos, tem-se a carbamazepi-
na, fenitoína, valproato, etossuximida, fenobarbital e os benzodiazepínicos.
O fenobarbital e os benzodiazepínicos atuam potencializando a ativação dos
receptores de GABAA através do favorecimento da abertura dos canais de
cloreto, enquanto a carbamazepina e fenitoína inibem a excitabilidade da
membrana através da ação destes fármacos sobre os canais de sódio depen-
dentes de voltagem. Os agentes que são utilizados no tratamento de crises
de ausência, como o valproato e a etossuximida, atuam inibindo os canais de
cálcio que são ativados por baixa voltagem do canal do tipo T, sendo esses
relevantes na determinação do ritmo de despolarização dos neurônios do
tálamo (RANG et al., 2016).
A carbamazepina é o anticonvulsivante mais utilizado clinicamente, sendo
especialmente eficaz no tratamento das crises convulsivas do tipo parciais
complexas. Ela também é utilizada no tratamento de outras condições, como
dor neuropática e doença maníaco-depressiva. A fenitoína também é um fár-
maco muito utilizado, sendo eficaz nas crises convulsivas dos tipos parciais
e generalizadas, porém sem efeitos nas crises de ausência. O fenobarbital,
um dos primeiros barbitúricos desenvolvidos, apresenta usos clínicos seme-
lhantes à fenitoína, porém é muito pouco utilizado por causar sedação. As
propriedades farmacológicas dos anticonvulsivantes clássicos podem ser me-
lhores vistas no Quadro 7.

FARMACOLOGIA BÁSICA 99

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QUADRO 7. PROPRIEDADES DOS FÁRMACOS ANTICONVULSIVANTES CLÁSSICOS

Principal(ais)
Fármaco Usos principais Farmacocinética
efeito(s) adverso(s)

Todos os tipos, exceto


Meia-vida de 12-18h
crises de ausência. Es-
Sedação, ataxia, visão (mais longa inicial-
pecialmente epilepsia
embaçada, retenção mente)
do lobo temporal.
hídrica, reações de hi- Forte indução de en-
Carbamazepina Também usada em
persensibilidade, leu- zimas microssômicas,
neuralgia do trigê-
copenia, insuficiência portanto risco de inte-
meo. Antiepiléptico
hepática (raras). rações
mais amplamente
medicamentosas.
usado.

Ataxia, vertigem, Meia-vida de ∼24h


24h
hipertrofia gengival, Cinética de saturação,
hirsutismo, anemia portanto, níveis plas-
Todos os tipos, exceto
Fenitoína megaloblástica, mal- máticos imprevisíveis
crises de ausência.
formação fetal, rea- Costuma ser neces-
ções de sária a monitoração
hipersensibilidade. plasmática.

Em geral, menos que


Maioria dos tipos, com outros fármacos
Valproato inclusive crises de Náuseas, perda de ca- Meia-vida de 12-15h.
ausência. belos, ganho de peso,
malformações fetais.

Crises de ausência Náuseas, anorexia, Meia-vida plasmática


Etossuximida Pode exacerbar crises alterações do humor,
cefaleia. longa (∼
((∼60h).
60h).
tônico-clônicas.

Meia-vida plasmática
longa (> 60h)
Forte indução de en-
Todos os tipos, exceto
Fenobarbital Sedação, depressão. zimas hepáticas, por-
crises de ausência.
tanto, risco de inter-
ações medicamentosas
(p. ex., com fenitoína).

Benzodiazepínicos
(p. ex., clonaze- Sedação
Lorazepam tem Lorazepam tem
pam, clobazam, Síndrome
meia-vida de 8-12 h. de abstinência. meia-vida de 8-12h.
lorazepam,
diazepam)

Fonte: RANG et al., 2016. (adaptado).

Anticonvulsivantes desenvolvidos recentemente


Dentre os fármacos anticonvulsivantes desenvolvidos recentemente, tem-se: vi-
gabatrina, lamotrigina, gabapentina, pregabalina, felbamato, tiagabina, topiramato,
levetiracetam, zonisamida, rufinamida, lacosamida, retigabina e perampanel.

FARMACOLOGIA BÁSICA 100

SER_FARMA_FARMABA_UNID3.indd 100 28/08/2020 09:25:43


A vigabatrina e a tiagabina atuam potencializando a ação do GABA, o primeiro
inibindo de forma irreversível a enzima GABA transaminase que inativa o GABA, e o
segundo inibindo os transportadores (p. ex. GAT1, neuronais e gliais) que removem o
GABA das sinapses. A lamotrigina e a lacosamida inibem a função dos canais de só-
dio, sendo que a lamotrigina atua de forma semelhante aos anticonvulsivantes clássi-
cos carbamazepina e fenitoína, enquanto a lacosamida, difere por
afetar os processos de inativação lentos ao invés dos rápidos,
como os demais. A gabapentina e a pregabalina atuam sobre
os canais de cálcio, inibindo a entrada de cálcio nos terminais
nervosos o que reduz a liberação de neurotransmissores e mo-
duladores (RANG et al., 2016).
Os demais fármacos anticonvulsivantes foram desenvolvidos com base na sua
resposta nos modelos animais sem uma elucidação do mecanismo de ação em nível
celular. Acredita-se que o levetiracetam liga-se à proteína SV2A (de synaptic vesicle
protein 2A), o perampanel atue como antagonista AMPA não competitivo e a retiga-
bina atue na ativação dos canais de potássio contendo a subunidade Kv7.2. As proprie-
dades farmacológicas dos novos fármacos anticonvulsivantes podem ser melhores
vistas no Quadro 8.

QUADRO 8. PROPRIEDADES DOS NOVOS FÁRMACOS ANTICONVULSIONANTES

Principal(ais)
Fármaco Usos principais Farmacocinética
efeito(s) adverso(s)

Sedação, alterações
Todos os tipos comportamentais e do
Meia-vida plasmática
Parece ser eficaz em humor (ocasionalmen-
Vigabatrina curta, mas inibição
pacientes resistentes te psicose)
enzimática prolongada.
a outros fármacos. Falhas no campo
visual.

Tontura, sedação, Meia-vida plasmática


Lamotrigina Todos os tipos
erupções cutâneas. de 24-36h.

Poucos efeitos adver-


Gabapentina, Meia-vida plasmática
Crises parciais sos, principalmente
pregabalina de 6-9h.
sedação.

FARMACOLOGIA BÁSICA 101

SER_FARMA_FARMABA_UNID3.indd 101 28/08/2020 09:25:46


Usado geralmente
para casos graves Poucos efeitos adver-
sos agudos, mas pode Meia-vida plasmática
(síndrome de Len-
Felbamato causar anemia aplás- 20h e eliminado em
∼20h
nox-Gastaut) em tica e lesão hepática forma inalterada.
razão do risco de (rara, mas grave).
reação adversa.

Sedação Meia-vida plasmática


Tiagabina Crises parciais. Tontura ∼7h
∼7h
Sensação de leveza. Metabolismo hepático.

Crises parciais e Sedação Meia-vida plasmática


generalizadas tôni- Menos interações 20h
∼20h
Topiramato farmacocinéticas que
co-clônicas Síndrome a fenitoína Eliminado em forma
Lennox-Gastaut. Malformação fetal. inalterada.

Meia-vida plasmática
Crises parciais e
7h
∼7h
Levetiracetam tônico-clônica Sedação (discreta).
Eliminado em forma
generalizadas.
inalterada.

Sedação (discreta) Meia-vida plasmática


Zonisamida Crises parciais. Supressão do apetite,
e perda de peso. 7h.
∼7h.

Cefaleia, tontura, Meia-vida plasmática


Rufinamida Crises parciais. fadiga. 6-10h.

Náuseas, vômitos,
vertigens, distúrbios Meia-vida plasmática
Lacosamida Crises parciais. visuais, coordenação
comprometida, mu- 13h.
danças do humor.

Crises parciais
Prolongamento do Meia-vida plasmática
Retigabina Crises parciais. intervalo QT, ganho 6-1h.
de peso.

Vertigens, ganho de
peso, sedação, coorde- Meia-vida plasmática
Perampanel Crises parciais. nação comprometida,
alterações do humor e 70-100h.
do comportamento.

Fonte: RANG et al., 2016. (Adaptado).

FARMACOLOGIA BÁSICA 102

SER_FARMA_FARMABA_UNID3.indd 102 28/08/2020 09:26:03


Farmacologia dos antiparkinsonianos
A doença de Parkinson (DP) é uma síndrome clínica que altera progressiva-
mente os movimentos, caracterizando-se por uma combinação de quatro mani-
festações principais: rigidez muscular, bradicinesia (lentidão e pobreza de movi-
mentos), tremor em repouso e instabilidade postural (KATZUNG; TREVOR, 2017;
HILAL-DANDAN, 2015).
Pacientes com DP apresentam um grau variável de comprometimento cog-
nitivo devido o processo degenerativo afetar diferentes partes do cérebro,
podendo a DP estar associada à demência, depressão e disfunção autônoma
(RANG et al., 2016).
De acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015) “[...] o achado patológico
característico da DP é a perda dos neurônios dopaminérgicos pigmentados
da parte compacta da substância negra, com aparecimento de inclusões in-
tracelulares conhecidas como corpúsculos de Lewy. A DP sintomática está
associada à perda de 70 a 80% desses neurônios que contêm dopamina”. Ade-
mais, os neurônios que contêm noradrenalina e 5-hidroxitriptamina também
são afetados (RANG et al., 2016).
Sem um tratamento efetivo, essa síndrome é progressiva, causando
incapacidade crescente e podendo levar à morte, no entanto, os trata-
mentos atuais permitem a manutenção, por muitos anos, de uma mobili-
dade funcional satisfatória, além do aumento da expectativa de vida. No
entanto, nenhum dos fármacos atuais impedem a progressão da doença
(HIL AL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
A DP é mais comum em idosos, e geralmente não possui uma causa óbvia
(idiopática), porém pode ser resultante de algumas condições cerebrais como
isquemia cerebral, encefalite viral ou outros tipos de lesão patológica. Embora
existam poucos casos de DP na mesma família, foram identificadas várias muta-
ções gênicas, dentre elas as que codificam a sinucleína e a parquina e as muta-
ções do gene LRRK2 (quinase de repetição rica em leucina). É importante relatar
que alguns sintomas da DP também podem ser induzidos pelo uso de fármacos
que diminuem a quantidade de dopamina no cérebro, como a reserpina, ou que
bloqueiam os receptores deste neurotransmissor, como a clorpromazina, um an-
tipsicótico (RANG et al., 2016).

FARMACOLOGIA BÁSICA 103

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Na década de 1980 foi descoberto que uma neurotoxina denominada de
1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetra-hidropiridina (MPTP) que afeta neurônios dopami-
nérgicos foi responsável por causar uma forma grave de DP em usuários de um
substituto de heroína que continha este composto na formulação. Com isso, um
dos mecanismos de ação dos fármacos usados no tratamento da DP é o impedi-
mento da neurotoxicidade induzida pela MPTP.

Precursores da dopamina e agonistas dos receptores


de dopamina
De acordo com Rang et al (2016) os principais fármacos antiparkisonianos
utilizados na atualidade são:
• Levodopa (geralmente em combinação com carbidopa e entacapona);
• Agonistas da dopamina (p. ex., pramipexol, ropinirol, bromocriptina);
• Inibidores da monoaminoxidase B (MAO-B) (p. ex., selegilina, rasagilina);
• Antagonistas dos receptores muscarínicos da acetilcolina (p. ex., triexife-
nidil e benzatropina).
A levodopa é o fármaco de escolha para o tratamento da DP, geralmen-
te combinada com a carbidopa e entacapona. Essa combinação é altamen-
te benéfica, pois reduz em aproximadamente 10 vezes a dose necessária
de levodopa, além de diminuir os efeitos adversos periféricos. A levodopa
(lggol-DOPA) é o precursor imediato da dopamina capaz de atravessar a
barreira hematoencefálica. Após adentrar o SNC, a levodopa é convertida
em dopamina pela enzima aminoácido aromático descarboxilase (A ADC).
Quando administrada oralmente, a levodopa é convertida rapidamente
em dopamina pela A ADC no trato gastrintestinal, porém ape-
nas 1 a 3% da dose administrada atinge o SNC em sua forma
inalterada. A carbidopa, um inibidor da A ADC, e
a entacapona, um inibidor da catecol-O-metil-
transferase (COMT), aumentam a fração de
levodopa periférica disponível para o cére-
bro (Figura 2), diminuindo a dose necessária
de levodopa para obter uma eficácia clínica
(GOLAN et al., 2009).

FARMACOLOGIA BÁSICA 104

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Periferia Cérebro

3-O-MD 3MT

Entacapona COMT COMT Tolcapona


tolcapona

LNAA AADC
-DOPA
L L
-DOPA DA

Selegilina
Carbidopa AADC MAOB rasagilina

DA DOPAC

Barreira hematoencefálica

Figura 2. Efeitos da carbidopa, dos inibidores da COMT e dos inibidores da MAO-B sobre o metabolismo periférico e
central da levodopa. Fonte: GOLAN et al., 2009.

Embora aproximadamente 80% dos pacientes que utilizam levodopa


apresentem uma melhora inicial, especialmente da rigidez e da bradi-
cinesia, ao passar do tempo, a efetividade deste fármaco declina gra-
dualmente, sendo que o uso contínuo geralmente resulta em tolerância
à medicação.
A fim de aumentar a neurotransmissão dopaminérgica, no
tratamento da DP também são utilizados os agonis-
tas dos receptores de dopamina que incluem a
bromocriptina (agonista D2), a pergolida (agonis-
ta D1 e D2), o pramipexol (agonista D2/3) e o ro-
pinirol (agonista D2/3). Esses fármacos possuem a
vantagem de possuir meias-vidas mais longas que a
levodopa, o que permite doses menos frequentes além de uma resposta
mais uniforme aos fármacos. Além disso, esses fármacos permanecem
sendo efetivos durante a fase avançada da DP. Por outro lado, a ten-
dência em induzir efeitos adversos, como náuseas, vômitos, sonolência
e risco de reações fibróticas nos pulmões, limita o uso dos agonistas dos
receptores de dopamina (GOL AN et al., 2009).

FARMACOLOGIA BÁSICA 105

SER_FARMA_FARMABA_UNID3.indd 105 28/08/2020 09:26:03


Inibidores da MAO e fármacos não dopaminérgicos
Os inibidores da MAO (p. ex. seleginina) são utilizados como adjuvantes
da levodopa na prática clínica, por proteger a dopamina da degradação in-
traneuronal. A seleginina é um inibidor seletivo para a MAO-B (isoforma da
MAO que predomina no estriado). A selegrina pode causar excitação, ansie-
dade e insônia, uma vez que ela é metabolizada em anfetamina. A rasagilina
é um análogo de selegrina e não possui estes efeitos adversos, podendo ser
utilizada de forma mais segura no tratamento da DP (RANG et al., 2016). A
safinamida, aprovada em 2017 nos Estados Unidos, é um fármaco que inibe
tanto a MAO-B quanto a recaptação de dopamina e a liberação de glutamato
(CABRITA, 2017).
Dentre os fármacos não dopaminérgicos tem-se a amantadina, um fárma-
co desenvolvido inicialmente como agente antiviral, no qual apresentou ativida-
de benéfica na DP. A amantadina é menos eficaz que a levodopa no tratamento
da DP, porém é utilizada na fase tardia da doença para a redução da discinesia
induzida pelo tratamento prolongado com levodopa. Acredita-se que a amanta-
dina atua bloqueando os receptores NMDA excitatórios através da estabilização
do estado fechado do canal (RANG et al., 2016; GOLAN et al., 2009).
O triexifenidil e a benzatropina são fármacos que atuam como antagonis-
tas dos receptores muscarínicos, sendo utilizados no tratamento de pacien-
tes que possuem como principal manifestação da DP o tremor. Esses fármacos
modificam as ações dos neurônios colinérgicos estriatais, os quais regulam as
interações dos neurônios das vias direta e indireta (GOLAN et al., 2009).
De acordo com Rang et al (2016) como novas abordagens farmacológicas
tem-se os “[...] antagonistas dos receptores A2A de adenosina (p. ex., istrade-
filina e preladenant), antagonistas dos receptores 5-HT1A (p. ex., sarizotan) e
antagonistas do receptor do glutamato ou moduladores alostéricos negati-
vos (que atuam nos receptores mGluR5, AMPA ou NMDA), bem como os novos
inibidores de COMT.

FARMACOLOGIA BÁSICA 106

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Sintetizando
Os fármacos que agem no SNC são amplamente utilizados na prática clíni-
ca para o tratamento da insônia, ansiedade, depressão, ansiedade, esquizo-
frenia, epilepsia, doenças neurodegenerativas, dentre outros.
A ação de grande parte desses fármacos que atuam no SNC envolve a
interação deles com receptores específicos, os quais regulam a transmissão
sináptica. Diversos tipos de mediadores químicos estão envolvidos na sinali-
zação no SNC, no entanto a maioria dos fármacos utilizados clinicamente tem
ação sobre os mediadores de pequenas moléculas, como o glutamato, GABA
e dopamina.
Os fármacos sedativos-hipnóticos são depressores do SNC e produzem
sedação com alívio da ansiedade ou induzem o sono. Pertencem a essa classe
os barbitúricos, benzodiazepínicos e os novos agonistas do receptor benzo-
diazepínico, como o zolpidem.
Os fármacos antidepressivos são utilizados no tratamento do transtorno
depressivo maior (TDM) e atuam aumentando a transmissão serotonérgica e
noradrenérgica. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs),
como a fluoxetina, paroxetina e sertralina, são os antidepressivos de maior
uso clínico na atualidade. Outras subclasses de antidepressivos incluem os
antidepressivos tricíclicos, os inibidores seletivos da recaptação de serotoni-
na-norepinefrina, os inibidores da recaptação de norepinefrina, os antago-
nistas do receptor de monoamina e os inibidores da monoaminoxidase.
Os fármacos antipsicóticos são utilizados no tratamento dos transtornos
psicóticos, como a esquizofrenia e a depressão maníaco-depressiva. Dentre
os antipsicóticos de primeira geração, o haloperidol é o mais utilizado, e pos-
sui alta potência e baixa ação sedativa, porém apresenta um nível elevado
de efeitos colaterais extrapiramidais. Já os antipsicóticos de segunda geração
apresentam menores efeitos adversos e incluem a clozapina, risperidona,
olanzapina, quetiapina, dentre outros.
Os fármacos anticonvulsivantes são utilizados no tratamento das crises
convulsivas, que podem ser parciais ou generalizadas. A carbamazepina é um
dos anticonvulsivantes mais utilizados clinicamente, sendo extensamente uti-
lizada no tratamento das crises convulsivas do tipo parciais complexas.

FARMACOLOGIA BÁSICA 107

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Os fármacos utilizados na doença de Parkinson incluem a levodopa, os ago-
nistas do receptor da dopamina, os inibidores da monoaminoxidase B e a aman-
tadina. Porém nenhum desses fármacos impedem a progressão da doença. A
combinação de levodopa com a carbidopa e a entacapona geralmente é a te-
rapia medicamentosa de escolha para o tratamento da doença de Parkinson,
no entanto a efetividade da levodopa declina gradualmente com o aumento da
tolerância à medicação.

FARMACOLOGIA BÁSICA 108

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Referências bibliográficas
CABRITA, M. F. V. F. O papel dos inibidores da Monoamino Oxidase nas Doen-
ças Neurodegenerativas. 2017. 51 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestra-
do). Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Portugal, 2017. Disponível
em: <https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/36066/1/MICF_Manuel_Cabrita.
pdf>. Acesso em: 20 jul. 2020.
GOLAN, D. E. et al. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da farma-
coterapia. 2. ed. [s.l.]: Guanabara Koogan, 2009.
HILAL-DANDAN, R.; BRUNTON, L. Manual de farmacologia e terapêutica de
Goodman & Gilman. Porto Alegre: AMGH, 2015.
KATZUNG, B. G; TREVOR, A. J. Farmacologia Básica e Clínica. 13. ed. Porto Ale-
gre: AMGH, 2017.
RANG, H.P. et al. Rang & Dale Farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

FARMACOLOGIA BÁSICA 109

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UNIDADE

4 OUTROS FÁRMACOS
QUE ATUAM NO
SISTEMA NERVOSO
CENTRAL E FÁRMACOS
ANTI-INFLAMATÓRIOS

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Objetivos da unidade

Conhecer a ação dos anestésicos e analgésicos no sistema nervoso central;

Conhecer os fármacos utilizados na farmacoterapia da inflamação;

Compreender as ações fisiológicas da histamina bem como os fármacos anti-


histamínicos.

Tópicos de estudo
Anestésicos gerais Anti-inflamatórios não esteroidais
Anestésicos inalatórios Inibidores da cicloxigenase
Anestésicos intravenosos Inibidores seletivos da COX-2

Anestésicos locais Anti-inflamatórios esteroidais


Estrutura química e propriedades Corticosteroides sintéticos
farmacológicas Indicações terapêuticas em
Usos terapêuticos e efeitos distúrbios não suprarrenais
adversos
Anti-histamínicos
Gases terapêuticos Antagonistas do receptor H1
Oxigênio Antagonistas dos receptores
Dióxido de carbono H 2, H 3 e H 4
Hélio e óxido nítrico

Analgésicos opioides e não


opioides
Agonistas e antagonistas dos
receptores opioides
Analgésicos não opioides

FARMACOLOGIA BÁSICA 111

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Anestésicos gerais
Os anestésicos gerais são fármacos depressores do sistema nervoso cen-
tral (SNC), cujo objetivo é possibilitar a realização de cirurgias ou procedimentos
médicos desagradáveis. Esses fármacos procuram promover uma anestesia
equilibrada que atenda aos requisitos de relaxamento, analgesia e amnésia,
de acordo com a necessidade do procedimento a ser realizado (KATZUNG; TRE-
VOR, 2017; RANG et al., 2016).
Segundo Katzung e Trevor (2017), o estado neurofisiológico produzido pelos
anestésicos gerais se caracteriza por cinco efeitos principais: perda da consciên-
cia, amnésia, analgesia, inibição dos reflexos autônomos e relaxamento da
musculatura esquelética. No entanto, nenhum anestésico utilizado na prática
clínica é capaz de apresentar esses cinco efeitos quando administrado isolada-
mente. Com isso, esses fármacos são normalmente administrados em conjunto.
Os fármacos pertencentes a essa classe farmacológica possuem classes
químicas diversas, dentre as quais têm-se: gases simples (óxido nitroso e xe-
nônio), hidrocarbonetos halogenados (isoflurano), barbitúricos (tiopental) e
esteroides (alfaxalona) (RANG et al., 2016).
Na prática clínica, esses fármacos têm sido utilizados há mais de 170 anos,
entretanto, o seu mecanismo de ação permanece desconhecido. Sabe-se que,
embora os anestésicos atuem sobre os neurônios em diversos locais celula-
res, o principal alvo tem sido a sinapse, podendo atuar na fase pré-sináptica,
interferindo na liberação de neurotransmissores, ou na fase pós-sináptica, po-
dendo alterar a frequência bem como a amplitude dos impulsos que saem da
sinapse (KATZUNG; TREVOR, 2017).
Organicamente, os anestésicos podem aumentar a atividade sináptica ini-
bitória ou diminuir a atividade excitatória do sistema nervoso central. Segun-
do Katzung e Trevor (2017), estudos realizados com tecido isolado
da medula espinal demonstraram que a transmissão excitatória é
muito mais afetada pelos anestésicos, em comparação à
potencialização dos efeitos inibitórios.
Os anestésicos alteram diferentes tipos de canais
iônicos, entre os quais os canais de cloreto (recepto-
res de ácido γ-aminobutírico A [GABAA] e glicina) e os

FARMACOLOGIA BÁSICA 112

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canais de potássio (canais de K2P, possivelmente, KV e KATP) são considerados
os principais candidatos de ação anestésica com efeitos inibitórios. Quando
se tem como alvos canais iônicos com efeitos excitatórios, os principais canais
iônicos são os ativados por:
• Acetilcolina (receptores nicotínicos e muscarínicos);
• Glutamato (receptores de ácido amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazol-pro-
piônico (AMPA), de cainato e N-metil-d-aspartato (NMDA));
• Serotonina (receptores de 5-HT 2 e 5-HT 3).
Outro fator que não sugere um mecanismo em particular, mas deve ser con-
siderado, é a correlação da potência anestésica com a solubilidade lipídica prova-
da por Overton e Meyer, na virada do século XX. O Gráfico 1 mostra a correlação
entre a concentração alveolar mínima (CAM), que indica a potência anestésica
nos seres humanos, e a solubilidade lipídica, expressa como coeficiente de par-
tição óleo: água, de diversos agentes anestésicos inalatórios. O valor de CAM é
inversamente proporcional à potência, visto que a CAM indica a quantidade ne-
cessária para abolir a resposta à incisão cirúrgica em 50% dos indivíduos. Desse
modo, o metoxiflurano, que apresenta uma alta solubilidade lipídica, é o que
apresenta menor CAM, e, consequentemente, maior potência anestésica.

GRÁFICO 1. CORRELAÇÃO DA POTÊNCIA ANESTÉSICA COM O COEFICIENTE DE PARTIÇÃO


ÓLEO: GÁS DE DIVERSOS ANESTÉSICOS INALATÓRIOS

50
Tetrafluoreto de carbono

10
Hexafluorento de enxofre

Óxido nitroso
Xenônio 1
CAM (atm)

Ciclopropano
0,1
Fluroxeno

Éter
Halotano
Clorofórmio 0,01

Metoxiflurano

0,001
5.000 1.000 100 10 1 0,1

Coeficiente de partição de óleo: gás (37 °C)


Fonte: RANG et al., 2016, p. 498. (Adaptado).

FARMACOLOGIA BÁSICA 113

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Anestésicos inalatórios
Muitos anestésicos inalatórios utilizados na prática clínica no passado,
como o éter, clorofórmio, ciclopropano, metoxiflurano, foram substituídos pelo
isoflurano, sevoflurano e desflurano, que apresentam propriedades farma-
cocinéticas melhoradas, menos efeitos adversos e, além disso, não são infla-
máveis. Atualmente, o isoflurano é o anestésico inalatório mais utilizado, pois
não é consideravelmente metabolizado e possui poucos efeitos adversos. Dos
fármacos mais antigos, o óxido nitroso ainda é amplamente utilizado, princi-
palmente na obstetrícia, e em certas situações, o halotano também é utilizado
(RANG et al., 2016). No Quadro 1, é possível ver as principais características dos
anestésicos inalatórios.

QUADRO 1. CARACTERÍSTICAS DOS ANESTÉSICOS INALATÓRIOS

Indução/ Principais efeitos adversos e


Fármaco Observações
recuperação desvantagens

Poucos efeitos adversos; Bom efeito analgésico;


Risco de anemia (uso A baixa potência
Óxido nitroso Rápida
prolongado ou repetido); impossibilita o uso como
Acúmulo em cavidades gasosas. agente anestésico único.

Poucos efeitos adversos;


Possível risco de isquemia Amplamente usado como
Isoflurano Média
coronariana nos pacientes alternativa ao halotano.
suscetíveis.

Usado para cirurgias mais


simples por causa da
Irritação do trato respiratório;
Desflurano Rápida indução e recuperação
tosse; broncoespasmo.
rápidas (comparáveis ao
óxido nitroso).

Poucos relatos;
Sevoflurano Rápida Risco teórico de toxicidade Similar ao desflurano.
renal pelo fluoreto.

Hipotensão;
Pouco utilizado atualmente;
Arritmias cardíacas;
Halotano Média Metabolização significativa
Hepatotoxicidade (uso repetido);
a trifluoracetato.
Hipertermia maligna (rara).

Enflurano Média Risco de convulsões (leve); Pode induzir convulsões.


Hipertermia maligna (rara).

Irritação respiratória; Obsoleto, exceto quando


Éter Lenta Náuseas e vômitos; não houver instalações
Risco de explosão. modernas.

Fonte: RANG et al., 2016, p. 504. (Adaptado).

FARMACOLOGIA BÁSICA 114

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CONTEXTUALIZANDO
A maioria das operações cirúrgicas só ocorreram após a descoberta dos
anestésicos inalatórios. O óxido nitroso e o éter já estavam sendo utilizados
desde o início do século XIX, como entretenimento popular e na extração de
dentes. Em 1846, o cirurgião John Collins Warren, do Massachusetts General
Hospital, utilizou o éter como agente anestésico em uma das suas cirurgias
e obteve sucesso. No mesmo ano, o clorofórmio foi utilizado como agente
anestésico para aliviar a dor do parto pelo professor James Simpson, na
Universidade de Edimburgo.

Anestésicos intravenosos
Os anestésicos intravenosos (propofol, tiopental e etomidato) atuam de
modo mais rápido que os inalatórios, produzindo um estado de inconsciência
em aproximadamente 20 segundos. Desse modo, esses fármacos, geralmente,
são utilizados para indução da anestesia. Muitos anestésicos intravenosos não
são adequados na manutenção da anestesia por apresentarem velocidade de
eliminação lenta, quando comparados aos inalatórios. Para resolver esse pro-
blema, um opioide de curta duração, como o alfentanilo ou remifentanilo,
pode ser administrado para induzir a analgesia (RANG et al., 2016).
O propofol é um agente anestésico potente, rapidamente metabolizado,
de curta ação e útil para cirurgias simples. Esse fármaco substituiu largamente
o tiopental como agente indutor. As outras características do propofol e dos
demais anestésicos intravenosos podem ser vistas no Quadro 2.

QUADRO 2. CARACTERÍSTICAS DOS ANESTÉSICOS INTRAVENOSOS

Velocidade de
Principais efeitos
Fármaco indução e de Observações
adversos
recuperação

Rapidamente metabolizado;
Início rápido,
Depressão cardiovascular Uso possível como
Propofol recuperação muito
e respiratória. infusão contínua;
rápida.
Causa dor no local da injeção.

Amplamente substituído
Rápida (ocorre
pelo propofol;
acúmulo, levando à Depressão cardiovascular
Tiopental Causa dor no local da injeção;
recuperação lenta), e respiratória.
Risco de precipitar a porfiria
“ressaca”.
em pacientes suscetíveis.

FARMACOLOGIA BÁSICA 115

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Efeitos excitatórios
Início rápido, Menos depressão
durante a indução e
recuperação cardiovascular e respiratória
Etomidato recuperação;
relativamente que o tiopental;
Supressão das
rápida. Causa dor no local da injeção.
suprarrenais.

Efeitos psicotomiméticos
Início lento, pós- após a recuperação;
Produz boa analgesia
efeitos comuns Náuseas, vômitos e
Cetamina e amnésia com baixa
durante a salivação pós-operatórios;
depressão respiratória.
recuperação. Aumento da pressão
intracraniana.

Mais lento que os Pequena depressão


Midazolam -
outros agentes. respiratória ou cardiovascular.

Fonte: RANG et al., 2016, p. 501. (Adaptado).

Anestésicos locais
Os anestésicos locais são fármacos que produzem uma perda completa de
todas as modalidades sensoriais em uma determinada região do corpo sem
causar perda da consciência. No entanto, muitas vezes, esses fármacos são uti-
lizados como analgésicos. Quanto ao local de administração, a anestesia local
se diferencia da anestesia geral por ser administrada diretamente no órgão-al-
vo, e a circulação sistêmica é utilizada somente para diminuir ou interromper o
seu efeito (KATZUNG; TREVOR, 2017).
Na prática clínica, os agentes anestésicos locais mais utilizados incluem a
procaína, a lidocaína, a bupivacaína e a tetracaína. Segundo Rang et al. (2016),
o mecanismo de ação desses fármacos consiste:
[...] no bloqueio do início e a propagação dos potenciais de ação
por impedirem o aumento de condutância de Na+ voltagem-de-
pendente. Eles bloqueiam os canais de sódio, fechando fisica-
mente o poro transmembrana, interagindo com resíduos de vá-
rios aminoácidos do domínio helicoidal transmembrana S6 da
proteína do canal (RANG et al., 2016, n.p.).
Quando são utilizadas concentrações pequenas desses fármacos, ocorre
a redução da taxa de aumento do potencial de ação estendendo a sua dura-
ção, além do aumento do período refratário. Por outro lado, em concentrações
mais altas, ocorre impedimento do disparo do potencial de ação.

FARMACOLOGIA BÁSICA 116

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Estrutura química e propriedades farmacológicas
Grande parte dos anestésicos locais possuem em sua estrutura química
um grupo lipofílico (por exemplo, anel aromático), um grupo éster ou amida
e um grupo ionizável (por exemplo, amina terciária), conforme o Quadro 3. Os
anestésicos com ligações éster apresentam uma duração de ação mais curta
quando comparados àqueles com ligações amida, por sofrerem hidrólise mais
facilmente (KATZUNG; TREVOR, 2017).

QUADRO 3. ESTRUTURA E PROPRIEDADES DE ALGUNS ANESTÉSICOS LOCAIS


DO GRUPO ÉSTER E AMIDA

Potência Duração
Fármaco Estrutura
(procaína = 1) da ação

Ésteres

O O CH3
C
N CH3
Cocaína O 2 Média

C O

O
Procaína
C2H5 1 Curta
H2N C O CH2 - CH2 - N
C2H5

O CH3
Tetracaína HN C O CH2 - CH2 - N 16 Longa

C4H9 CH3

O
Uso apenas
Benzocaína H2N C O CH2 - CH3 -
na superfície.

FARMACOLOGIA BÁSICA 117

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Amidas

CH3
O C2H5
Lidocaína NH C CH2 N 4 Média
C2H5
CH3

CH3
O

Mepivacaína
NH C 2 Média
N
CH3
CH3

CH3
O
Bupivacaína, NH C 16 Longa
levobupivacaína
N
CH3
C4H9
CH3
O

Ropivacaína NH C 16 Longa
N

CH3 C3H7

CH3
O CH3
NH C CH NH C3H7 Não
Articaína Média
encontrado.
S O
C OCH3

Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017, p. 442. (Adaptado).

Os anestésicos locais são bases fracas que, geralmente, estão disponíveis


comercialmente na forma de sais, cujo objetivo é aumentar a sua solubilidade
e estabilidade. Esses apresentam valores de pKa entre oito e nove, ou seja, se
encontram principalmente na forma ionizada em pH fisiológico, sendo a ben-
zocaína uma exceção, pois apresenta pKa igual a 3,5, existindo somente na
forma não ionizada em condições fisiológicas normais. O sítio do receptor dos
anestésicos locais se situa no vestíbulo interno do canal de sódio e, com isso, a
ionização é um fator importante para a penetração desses fármacos na bainha
nervosa e na membrana do axônio.

FARMACOLOGIA BÁSICA 118

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No entanto, quando o anestésico se encontra dentro do axônio, é a forma
ionizada que se liga ao canal e o bloqueia. Essa influência do pH é importante e
deve ser considerada clinicamente, sendo que tecidos inflamados não respon-
dem aos anestésicos locais, pois possuem um líquido extracelular relativamen-
te ácido (RANG et al., 2016).
Quanto às propriedades estereoquímicas, certas configurações especí-
ficas podem apresentar diferenças na potência dos estereoisômeros, como
por exemplo, levobupivacaína (enantiômero S da bupivacaína) e ropivacaína
(enantiômero puro contendo mais de 99% de sua forma levógira) (KATZUNG;
TREVOR, 2017).

Usos terapêuticos e efeitos adversos


Os anestésicos locais apresentam como principais efeitos adversos aqueles
que envolvem o sistema nervoso central e o cardiovascular. A procaína foi o pri-
meiro agente anestésico sintético desenvolvido, entretanto, atualmente é pouco
utilizada. Seus efeitos adversos no sis-
tema nervoso central incluem agitação,
tremores, ansiedade e, eventualmente,
convulsões seguidas por depressão
respiratória. No sistema cardiovascu-
lar, pode causar bradicardia, diminui-
ção do débito cardíaco e vasodilatação
(RANG et al., 2016).
A lidocaína é o protótipo dos anes-
tésicos locais amídicos e é utilizada
como o fármaco de referência para a
comparação da maioria dos anestésicos, sendo utilizada em procedimentos de
curta duração. Além das preparações injetáveis de lidocaína, são encontradas
formulações para uso tópico, oftálmico, nas mucosas e via transdérmica. Para
pacientes sensíveis aos anestésicos locais do tipo éster, a lidocaína é considerada
uma opção benéfica. Com relação aos efeitos adversos, são semelhantes aos da
procaína, no entanto, com menos ocorrência de efeitos no sistema nervoso cen-
tral (KATZUNG; TREVOR, 2017; HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).

FARMACOLOGIA BÁSICA 119

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A buvicaína é utilizada em procedimentos de maior duração, no entanto, seu
uso está relacionado a um maior risco de cardiotoxicidade, o que faz com que
seja evitada em procedimentos que necessitem de grandes volumes de anestési-
co concentrado, como bloqueios epidural ou de nervos periféricos. A levobupiva-
caína, enantiômero S da bupivacaína, causa menor cardiotoxicidade e menor de-
pressão sobre o sistema nervoso central do que a mistura racêmica, no entanto,
é menos potente e apresenta duração de ação mais longa. A articaína é utilizada
na odontologia, enquanto a tetracaína é utilizada, especialmente, na anestesia
espinhal e da córnea (RANG et al., 2016).

Gases terapêuticos
De acordo com a Anvisa (2016), os gases terapêuticos ou gases medicinais,
[...] são medicamentos na forma de gás, gás liquefeito ou líquido
criogênico isolados ou associados entre si e administrados em hu-
manos para fins de diagnóstico médico, tratamento ou prevenção
de doenças e para restauração, correção ou modificação de fun-
ções fisiológicas (ANVISA, 2016).
Os gases terapêuticos, como o oxigênio e o dióxido de carbono, são utiliza-
dos em hospitais e demais estabelecimentos de saúde, além de serem utiliza-
dos em tratamentos domiciliares de pacientes. Esses produtos são classifica-
dos como medicamentos e são regulados pela Anvisa por meio das resoluções
RDC n. 69 e n. 70, de 2008. A RDC n. 69/2008 dispõe sobre as boas práticas
de fabricação de gases medicinais, enquanto a RDC n. 70/2008 estabelece a
lista de gases medicinais de uso con-
sagrado e de baixo risco sujeitos à no-
tificação e aos procedimentos para a
notificação (ANVISA, 2016).
Nos hospitais, também são utiliza-
dos outros gases que não condizem
com a definição de gás terapêutico, a
exemplo do óxido de etileno frequen-
temente utilizado em processos de
esterilização.

FARMACOLOGIA BÁSICA 120

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Oxigênio
O oxigênio (O2) é indispensável à vida, e a hipóxia, que é a baixa concen-
tração de oxigênio no sangue, sendo insuficiente para atender às demandas
metabólicas dos tecidos, pode ser uma condição fatal. A hipóxia pode ser cau-
sada por diferentes fatores como alterações da perfusão tecidual, redução da
pressão do oxigênio no sangue, alterações no transporte de oxigênio e redução
da utilização de oxigênio no interior das células. Uma condição de hipóxia pode
produzir uma interrupção do metabolismo aeróbio e da fosforilação oxidativa,
a diminuição de compostos ricos em energia, a disfunção celular e, por fim,
como já mencionado, a morte (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
O oxigênio é fornecido com alta pureza sob a forma de gás comprimido
em cilindros de aço. Esse gás medicinal pode ser administrado por inalação ou
dissolvido diretamente no sangue circulante durante a circulação extracorpó-
rea. A oxigenoterapia deve ser monitorada a fim de alcançar o objetivo dessa
terapia e evitar complicações e efeitos colaterais.
A inalação de oxigênio é utilizada especialmente para reverter ou evitar a
progressão de um quadro de hipóxia. Em geral, a hipóxia ocorre em decorrên-
cia de uma doença subjacente (por exemplo, doenças pulmonares) e, com isso,
a administração de oxigênio frequentemente é utilizada como medida tempo-
rária até que o tratamento definitivo reverta a condição primária (HILAL-DAN-
DAN; BRUNTON, 2015).
De acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015) outras condições que utili-
zam o oxigênio como gás terapêutico são:
• Redução da pressão parcial de um gás inerte: o nitrogênio ocupa a maio-
ria dos espaços do organismo preenchidos por ar, desse modo, em algumas si-
tuações, como no pneumotórax, é necessário reduzir o volume preenchido por
ar, e isso é possível por meio de inalação de altas concentrações de oxigênio,
que reduz a pressão parcial corporal total do nitrogênio, removendo-o rapida-
mente dos espaços aéreos;
• Oxigenoterapia hiperbárica: nessa terapia, o gás oxigênio pode ser ad-
ministrado em pressão mais alta que a atmosférica, sendo útil no tratamento
de queimaduras, traumatismo, lesão por radiação, infecções, úlceras não cica-
trizadas, enxertos de pele, espasticidade e algumas condições neurológicas.

FARMACOLOGIA BÁSICA 121

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Quando o oxigênio é inspirado em grandes quantidades ou por períodos lon-
gos, podem ocorrer alterações fisiológicas secundárias e efeitos tóxicos. Após
uma exposição contínua a pressões mais altas de oxigênio no corpo, alterações
leves da função pulmonar podem ser observadas entre 8 e 12 horas, aproxima-
damente. Após 18 horas de exposição, podem ser observados aumentos da per-
meabilidade capilar e depressão da função respiratória. Lesões graves, como a
morte, são causadas após uma exposição muito mais prolongada.
Podem ocorrer efeitos tóxicos no sistema nervoso central, no entanto, são
raros e limitados às condições hiperbáricas, quando a exposição é superior à
200 kPa (2 atm). Os sintomas incluem convulsões e alterações visuais, que desa-
parecem quando a pressão do oxigênio é ajustada ao normal (HILAL-DANDAN;
BRUNTON, 2015).

ASSISTA
No vídeo Oxigenoterapia hiperbárica , o Dr. Fabrício
Valandro Rech, da Sociedade Brasileira de Medicina
Hiperbárica (SBMH), explica como o oxigênio atua
no tratamento complementar de diversas doenças.
Nessa reportagem, é possível conhecer também uma
câmara hiperbárica e entender um pouco sobre sua
funcionalidade.

Dióxido de carbono
O dióxido de carbono (CO2) é naturalmente produzido pelo metabolismo em
uma taxa semelhante ao consumo de oxigênio. A elevação da pressão parcial de
gás carbônico (PCO2) provoca acidose respiratória, e sua diminuição causa alcalo-
se respiratória. A acidose respiratória pode ser causada pela redução da inalação
ou da ventilação de dióxido de carbono, enquanto a alcalose respiratória pode ser
causada pelo aumento da ventilação. As alterações da PCO2 e do pH sanguíneo re-
sultam em efeitos em todo o corpo, principalmente na respiração, na circulação e no
sistema nervoso central (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
O dióxido de carbono medicinal é utilizado em sua forma pura ou misturado
com oxigênio. A sua administração, geralmente, é realizada utilizando máscara facial
em concentrações entre 5 e 10% em combinação com o oxigênio.

FARMACOLOGIA BÁSICA 122

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Quanto aos usos clínicos do dióxido de carbono, pode-se citar:
• Insuflação para a realização dos procedimentos endoscópicos, por exemplo,
cirurgia laparoscópica;
• Em cirurgia cardíaca para inundação do campo cirúrgico;
• Ajuste do pH durante a circulação extracorpórea.
A hipocapnia, ou seja, a diminuição de dióxido de carbono no sangue, em situa-
ções específicas, pode ser utilizada na anestesia a fim de facilitar o desempenho de
neurocirurgias. A hipocapnia resulta em contração dos vasos cerebrais, com ligeira
redução do tamanho do cérebro (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).

Hélio e óxido nítrico


O hélio (He) é um gás inerte que possui baixas densidade e solubilidade,
além de apresentar alta condutividade térmica. Medicinalmente, pode ser uti-
lizado misturado ao oxigênio e administrado por uma máscara ou tubo endo-
traqueal. Segundo Hilal-Dandan e Brunton (2015), as principais indicações do
hélio incluem a avaliação da função pulmonar, no tratamento da obstrução
respiratória, durante a cirurgia a laser das vias respiratórias, como marcador
em exames de imagens e para mergulhos em profundidade.
A desobstrução das vias respiratórias pelo gás hélio é possível devido à
sua densidade ser inferior e à sua viscosidade ser superior à do ar. Já a sua
aplicabilidade em cirurgias das vias respiratórias a laser está relacionada à
sua grande condutividade térmica. Quanto ao seu uso como marcador em
exames de imagens, o hélio é polarizado pelo laser, podendo, assim, ser utili-
zado como contraste inalatório para a técnica de ressonância magnética dos
pulmões (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
O óxido nítrico (NO) é um radical livre, gasoso, incolor, utilizado na sinali-
zação celular endógena, apresentando diversas aplicações terapêuticas. Se-
gundo Hilal-Dandan e Brunton (2015), o óxido nítrico inalado dilata de modo
seletivo os vasos sanguíneos pulmonares e tem potencial terapêutico para
inúmeras doenças associadas ao aumento da resistência vascular pulmonar.
O óxido nítrico inalado é aprovado e indicado pela FDA (Food and Drug Ad-
ministration) apenas no tratamento de hipertensão pulmonar persistente do
recém-nascido.

FARMACOLOGIA BÁSICA 123

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A inalação de óxido nítrico apresenta outros usos diagnósticos, tais como:
• Na avaliação da capacidade de vasodilatação pulmonar, por exemplo, em
pacientes com insuficiência cardíaca e lactentes com cardiopatia congênita;
• Na determinação da capacidade de difusão (DL), por meio da unidade al-
veolocapilar;
• Na determinação do nível de óxido nítrico exalado fracionado (FeNO), por
exemplo, na avaliação das doenças respiratórias.
O óxido nítrico apresenta efeitos tóxicos pulmonares quando administrado
em doses mais elevadas, acima de 50 e 100 ppm. Para Hilal-Dandan e Brunton
(2015), parte da toxicidade do NO pode estar relacionada com a sua oxidação
adicional em dióxido de nitrogênio (NO2) em presença de concentrações altas
de oxigênio.
A metemoglobinemia, ou seja, o aumento da concentração de metemo-
globina no sangue, é uma complicação resultante da inalação de óxido nítrico
medicinal em concentrações elevadas. Com isso, deve-se realizar uma monito-
ração intermitente das concentrações de metemoglobina durante a inalação
de óxido nítrico.
Outros efeitos tóxicos que podem ocorrer após a inalação de óxido nítrico
são a inibição da função plaquetária e o aumento do tempo de sangramento,
além da potencialização da piora do desempenho do ventrículo esquerdo em
pacientes com disfunção ventricular esquerda. Esses efeitos do óxido nítrico
sobre o ventrículo esquerdo são resultantes da dilação da circulação pulmonar
e do aumento do fluxo sanguíneo, ocorrendo elevação da pressão no átrio es-
querdo, o que contribui para a formação de edema pulmonar.

Analgésicos opioides e não opioides


A dor se encontra presente na maioria das patologias clínicas, tornando o
seu tratamento farmacológico essencial. Os fármacos opioides com-
põem a base do tratamento da dor, mas dependendo da condição
dolorosa, podem ser necessários outros fármacos, inclusive
de diferentes classes farmacológicas, como anti-inflama-
tórios não esteroides e antidepressivos (HILAL-DANDAN;
BRUNTON, 2015).

FARMACOLOGIA BÁSICA 124

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Segundo Katzung e Trevor (2017), o termo opioide se refere a todas as subs-
tâncias que têm como alvo os receptores de opioides, enquanto o termo opiáceo
se refere, de modo específico, aos alcaloides de origem natural como a morfina,
codeína, papaverina e tebaína.
Os opioides podem ser agonistas integrais, agonistas parciais ou antagonistas,
sendo a morfina um exemplo de agonista do receptor de opioides do tipo μ (mu),
o principal subtipo de receptor de opioides. A morfina, um alcaloide obtido a partir
da papoula, foi primeiramente isolada em 1803, e desde então, é conhecida pela
sua capacidade em aliviar dores intensas. A morfina é o protótipo dos agonistas
opioides e, até hoje, é utilizada como o fármaco padrão para a comparação da
atividade analgésica dos novos fármacos semissintéticos e sintéticos (KATZUNG;
TREVOR, 2017).
Outros subtipos de receptores de opioides descobertos inicialmente incluem
os receptores δ (delta) e κ (capa). Existem várias famílias de opioides endógenos,
das quais se podem destacar as encefalinas, endorfinas e dinorfinas. Cada subtipo
de receptor apresenta uma afinidade diferente com esses peptídeos opioides en-
dógenos e diferentes funções quando ativados, como pode ser visto no Quadro 4.

QUADRO 4. SUBTIPOS DE RECEPTORES DE OPIOIDES, SUAS FUNÇÕES E


AFINIDADES COM PEPTÍDEOS ENDÓGENOS

Subtipo de Afinidade com peptídeos


Funções
receptor opioides endógenos

Analgesia supraespinal e espinal, sedação, inibição


da respiração, redução do trânsito gastrintestinal, Endorfinas, encefalinas,
μ (mu
(mu)
mu)
modulação da liberação de hormônios e dinorfinas.
neurotransmissores.

Analgesia supraespinal e espinal, modulação da Encefalinas, endorfinas e


delta
delta)
δ ((delta)
liberação de hormônios e neurotransmissores. dinorfinas.

Analgesia supraespinal e espinal, efeitos Dinorfinas, endorfinas e


κ ((capa)
capa
capa)
psicotomiméticos, redução do trânsito gastrintestinal. encefalinas.

Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017, p. 532. (Adaptado).

Outro receptor opioide foi identificado por apresentar um elevado grau de ho-
mologia na sequência com os receptores opioides μ, δ e κ, denominado subtipo
1 da orfanina semelhante ao receptor opioide (ORL1), cuja ativação resulta em
analgesia supraespinal e espinal, imobilidade e dificuldade de aprendizado (RANG
et al., 2016).

FARMACOLOGIA BÁSICA 125

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Agonistas e antagonistas dos receptores opioides
Os agonistas dos receptores opioides são os principais fármacos utilizados
no controle agudo da dor moderada a intensa. Os opioides também podem causar
depressão respiratória, náusea, vômito e obstipação, por meio da ação sobre recep-
tores localizados no centro de controle respiratório medular, na zona quimiorrecep-
tora medular e no trato gastrointestinal. Ademais, esses fármacos podem provocar
sedação, confusão, tontura e euforia.
A morfina, um agonista parcial dos receptores opioides μ, ainda é amplamente
utilizada, entretanto, outros opioides sintéticos e semissintéticos foram introduzidos
na prática clínica. A codeína, outro exemplo de agonista dos receptores opioides de
origem natural, é frequentemente utilizada pelos seus efeitos antitussivo e antidiar-
reico. Os compostos semissintéticos oxicodona e hidrocodona são os análogos da
codeína mais efetivos e amplamente utilizados (GOLAN et al., 2009).
Entre os agonistas sintéticos dos receptores opioides μ, as duas principais clas-
ses são as fenileptilaminas (metadona) e as fenilpiperidinas (fentanila, meperidi-
na). A metadona apresenta ação de longa duração, motivo pelo qual geralmente é
utilizada para alcançar um alívio da dor crônica em pacientes com câncer terminal.
De acordo com Rang et al. (2016),
[...] os opioides variam não somente em sua especificidade para recep-
tores, mas também em sua eficácia nos diferentes tipos de receptor.
Desse modo, alguns agentes atuam como agonistas ou agonistas par-
ciais em um tipo de receptor, e antagonistas ou agonistas parciais em
outro, produzindo quadro farmacológico muito complicado (RANG
et al., 2016, p. 518).
A buprenorfina é um exemplo de fármaco que atua como agonista parcial dos
receptores μ e antagonista dos receptores δ e κ, motivo esse pelo qual é conhecido
como agonista-antagonista misto.
Os antagonistas dos receptores opioides μ, como a naloxona, são utilizados para
reverter os efeitos colaterais de opioides, especialmente de depressão respiratória,
que pode levar à morte. A naltrexona, outro fármaco antagonista dos receptores
opioides, é frequentemente utilizada por via oral em condições ambulatoriais para
esse mesmo fim. O Quadro 5 apresenta um resumo das características dos princi-
pais analgésicos opioides.

FARMACOLOGIA BÁSICA 126

SER_FARMA_FARMABA_UNID4.indd 126 28/08/2020 09:25:52


QUADRO 5. CARACTERÍSTICAS DOS PRINCIPAIS ANALGÉSICOS OPIOIDES

Principais efeitos
Fármaco Usos Observações
adversos

Sedação, depressão
Amplamente Tolerância e sintomas
respiratória, constipação,
usada para de abstinência não são
Morfina náuseas e vômitos,
dores crônica e comuns quando usada para
prurido, tolerância,
aguda. analgesia.
dependência e euforia.

Queixas por menor


Dor aguda e
Oxicodona Como a morfina. abuso potencial
crônica.
não são registradas.

Como a morfina, Recuperação lenta resulta


Dor crônica e na
entretanto, apresenta em síndrome de abstinência
Metadona manutenção de
menor efeito eufórico. atenuada em consequência da
dependentes.
Pode ocorrer acúmulo. meia-vida longa.

Dor aguda e
Útil na dor crônica com
crônica e na Como a morfina, entretanto,
Buprenorfina sistemas de injeção
manutenção de menos pronunciados.
controlados pelo paciente.
dependentes.

Dor aguda e em Alta potência, permite


Fentanila Como a morfina.
anestesia. administração transdérmica.

Atua como pró-fármaco. Eficaz somente em dor


Codeína Dor moderada. Metabolizada em morfina e moderada, mas, também, é
outros opioides ativos. usada para suprimir a tosse.

Dor aguda Mecanismo de ação incerto.


(principalmente Tontura, possíveis Agonista fraco nos receptores
Tramadol pós-operatória) convulsões, e sem de opioides.
e crônica. depressão respiratória. Também inibe a captação de
monoamina.

Fonte: RANG et al., 2016, p. 521. (Adaptado).

Analgésicos não opioides


Os fármacos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) são muito utiliza-
dos no tratamento de condições inflamatórias dolorosas, assim como na redu-
ção de quadros febris. A associação de opioides e AINEs (por exemplo, codeína
+ acetaminofeno ou aspirina) promovem um sinergismo de ação benéfico na
redução da dor.
Muitos fármacos não opioides, que também são utilizados para outros
efeitos clínicos além do analgésico, são eficazes no tratamento da dor neuro-
pática, uma condição que causa dor grave, debilitante e crônica. Entre esses,
pode-se citar:

FARMACOLOGIA BÁSICA 127

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• Antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina e desipramina), que
são muito utilizados;
• Duloxetina e venlafaxina, que são inibidores seletivos da recaptação de
serotonina-norepinefrina;
• Agentes anticonvulsivantes gabapentina e pregabalina.
Outros agentes anticonvulsivantes, como o ácido valproico, lamotrigina, ox-
carbazepina e topiramato, apresentam eficácia apenas em alguns estados da
dor neuropática, enquanto a carbamazepina é eficaz somente na neuralgia do
trigêmeo. Já a lidocaína, um anestésico
local, pode ser utilizada por via tópica
para alívio da dor neuropática (RANG
et al., 2016).
No tratamento da fibromialgia,
uma síndrome crônica caracterizada
por dor musculoesquelética generali-
zada, fadiga e insônia, os analgésicos
opioides não apresentam muita efi-
cácia. Com isso, atualmente, são uti-
lizados no tratamento uma gama de
fármacos antidepressivos (amitriptilina, citalopram, milnacipram, duloxetina,
venlafaxina), agentes anticonvulsivantes (gabapentina, pregabalina) e ben-
zodiazepínicos (clonazepam, zopiclona).
Segundo Rang et al. (2016), outros fármacos não opioides utilizados para o
alívio da dor incluem:
• Cetamina, memantina e dextrometorfano: fármacos antagonistas do re-
ceptor NMDA, reduzem os sintomas de dor crônica e dor pós-operatória. No en-
tanto, a cetamina apresenta uso limitado devido os seus efeitos psicomiméticos;
• Ziconotida: um análogo sintético do peptídeo bloqueador dos canais de
cálcio do tipo N, utilizado em pacientes cuja dor não responde a outros agentes
analgésicos;
• Toxina botulínica: as injeções são eficazes para o alívio da dor nas costas e
da dor associada à espasticidade;
• Canabinoides: alívio da dor neuropática em pacientes com esclerose
múltipla.

FARMACOLOGIA BÁSICA 128

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Anti-inflamatórios não esteroidais
O processo inflamatório apresenta padrões agudos e crônicos, e consiste
em uma resposta de proteção do organismo desencadeada por estímulos físi-
cos, químicos ou biológicos, que podem resultar em dor, edema e disfunção do
tecido (BRASILEIRO-FILHO, 2009).
Os principais fármacos utilizados na farmacoterapia dos processos inflama-
tórios incluem os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), antirreumáticos,
glicocorticoides, agentes biológicos e entre outros.
Os AINEs são utilizados no tratamento da inflamação, da dor e da febre, e
atuam inibindo diretamente as cicloxigenases (COX), uma enzima-chave na
biossíntese de prostaglandinas. Os AINEs podem atuar inibindo as duas isofor-
mas de COX (COX-1 e COX-2) ou podem ser seletivos para COX-2.
A COX-1 é encontrada na maioria das células, sendo a isoforma predomi-
nante nas células epiteliais do trato gastrointestinal e, também, constitui a
principal fonte de formação de prostaglandina citoprotetora. Por outro lado,
a COX-2 é induzida principalmente por citocinas inflamatórias, estresse de cisa-
lhamento e promotores de tumor, e constitui a principal fonte de prostanoides
na inflamação e, provavelmente, no câncer (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
De acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015),
[...] supõe-se que a inibição da cicloxigenase 2 (COX-2) medeia em
grande parte as ações antipiréticas, analgésicas e anti-inflamató-
rias dos AINEs, ao passo que a inibição simultânea da cicloxigenase
1 (COX-1) responde em grande parte, mas não exclusivamente, pe-
los efeitos adversos indesejáveis sobre o trato GI (HILAL-DANDAN
E BRUNTON, 2015, n.p.).

Inibidores da cicloxigenase
A maioria dos AINEs inibe tanto a COX-1 como a COX-2, embora essa inibi-
ção apresente potência relativa diferente para cada isoforma. Diferente dos
outros AINEs, o ácido acetilsalicílico inibe de modo irreversível a atividade da
COX, o que é um importante fator, pois a sua duração de ação depende da taxa
de rotatividade das COXs nos diferentes tecidos-alvo. No entanto, atualmente,

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o ácido acetilsalicílico raramente é utilizado como anti-inflamatório, tendo
como principal uso o cardiovascular. O Quadro 6 lista os principais AINEs inibi-
dores da cicloxigenase disponíveis comercialmente.

QUADRO 6. INDICAÇÃO E SELETIVIDADE DE ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS

Seletividade para a
Fármaco Indicação Comentários
COX

Artrite reumatoide,
Ácido Atividade
osteoartrite, dor pós- -
mefenâmico moderada.
operatória, dismenorreia.

Componente
de muitos
Fracamente seletiva
Aspirina Uso principal, cardiovascular. fármacos isentos
para COX-1.
de prescrição
médica.

Artrite reumatoide,
osteoartrite, gota aguda, Adequado
Fracamente seletiva
Cetoprofeno lesões musculoesqueléticas para doença
para COX-1.
e dor, dor pós-operatória, moderada.
dismenorreia.

Artrite reumatoide,
osteoartrite, gota aguda, Potência
Fracamente seletiva
Diclofenaco lesões musculoesqueléticas moderada.
para COX-2.
e dor, dor pós-operatória, Diversos sais.
cefaleia e enxaqueca.

Artrite reumatoide,
osteoartrite, lesões
musculoesqueléticas e Muito seletiva para
Flurbiprofeno -
dor, dor pós-operatória, COX-1.
dismenorreia, cefaleia e
enxaqueca.

Artrite reumatoide,
osteoartrite, lesões
musculoesqueléticas e Fracamente seletiva Adequado para
Ibuprofeno
dor, dor pós-operatória, para COX-1. crianças.
dismenorreia, cefaleia e
enxaqueca.

Artrite reumatoide,
Adequado
osteoartrite, gota aguda,
Fracamente seletiva para doença
Indometacina lesões musculoesqueléticas
para COX-1. moderada a
e dor, dor pós-operatória,
grave.
dismenorreia.

FARMACOLOGIA BÁSICA 130

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Artrite reumatoide,
Fracamente seletiva
Piroxicam osteoartrite, espondilite -
para COX-2.
anquilosante.

Artrite reumatoide,
osteoartrite, gota aguda, Possivelmente
Fracamente seletiva
Naproxeno lesões musculoesqueléticas seguro para
para COX-1.
e dor, dor pós-operatória, cardiovascular?
dismenorreia.

Artrite reumatoide,
Moderadamente Menos efeitos
Celecoxibe osteoartrite, espondilite
seletiva para COX-2. gastrointestinais
anquilosante.

Artrite reumatoide,
Muito seletiva para
Etoricoxibe osteoartrite, espondilite -
COX-2.
anquilosante, gota aguda.

COX: cicloxigenase.
Fonte: RANG et al., 2016, p. 317. (Adaptado).

O paracetamol é um AINE, no entanto, praticamente não apresenta


atividade anti-inflamatória, sendo efi caz como analgésico e antipirético em
doses usuais que inibem parcialmente as isoformas da COX. Esse fármaco é
bem tolerado e apresenta menos efeitos colaterais gastrointestinais que os
demais AINEs tradicionais (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
Os efeitos adversos gastrointestinais são os efeitos mais comuns dos
AINEs, os quais ocorrem, principalmente, pela inibição da COX-1 gástrica,
responsável por sintetizar as prostaglandinas que protegem a mucosa por
inibirem a secreção de ácido. Esses efeitos gastrointestinais incluem dor ab-
dominal e diarreia, anorexia, náuseas e dispepsia. Segundo Hilal-Dandan e
Brunton (2015), de 15 a 30% dos usuários regulares de AINEs apresentam
indução de úlceras gástricas ou intestinais.
Embora a aspirina seja amplamente utilizada por sua ação antiplaque-
tária, os demais AINEs não apresentam essa atividade e promovem efeitos
adversos cardiovasculares, aumentando a pressão arterial de pacientes que
fazem uso diário de determinados agentes anti-hipertensivos, podendo cau-
sar acidente vascular cerebral (AVC) e infarto do miocárdio em pacientes
que não fazem uso de medicação anti-hipertensiva (RANG et al., 2016).
Em pacientes suscetíveis, os AINEs causam insuficiência renal aguda

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reversível, devido a inibição da vasodilatação compensatória mediada pelos
prostanoides (PGE2 e PGI2) envolvidos na manutenção do fluxo sanguíneo
renal (RANG et al., 2016).
Segundo Katzung e Trevor (2017), outros efeitos adversos dos AINEs in-
cluem:
• Hematológicos (raros, como por exemplo, trombocitopenia, neutropenia
e anemia aplásica);
• Pulmonares (asma);
• Cutâneos (prurido, exantemas de todos os tipos);
• Hepáticos (raramente insuficiência hepática);
• No sistema nervoso central (cefaleias, zumbido, tontura).

Inibidores seletivos da COX-2


Os inibidores seletivos da COX-2, denominados coxibes, foram planejados
com o intuito de inibir a biossíntese de prostaglandinas pela ação específica
sobre a isoforma COX-2, nos locais com processo inflamatório instaurado, sem
afetar a ação da isoforma COX-1. Assim como os inibidores da COX-1, os coxi-
bes, em doses terapêuticas, não apresentam atividade antiplaquetária, que é
mediada pelo tromboxano produzido pela COX-1 (KATZUNG; TREVOR, 2017).
Os coxibes (como o celecoxibe e o etoricoxibe) são, em geral, prescritos para
pacientes que fazem uso dos AINEs tradicionais e apresentam uma grande pro-
babilidade de desenvolver efeitos gastrointestinais adversos graves.
O celecoxibe é um inibidor seletivo da COX-2, com uma seletividade de apro-
ximadamente 10 a 20 vezes maior para a isoforma
COX-2 do que para a COX-1. Esse fármaco está
relacionado a menos úlceras endoscópicas
quando comparado com a maioria dos outros
AINEs. O celecoxibe possui como usos terapêu-
ticos o alívio da inflamação em pacientes com
osteoartrite e artrite reumatoide, além de algumas
outras condições como artrite reumatoide juvenil, espondilite
anquilosante e dismenorreia primária.

FARMACOLOGIA BÁSICA 132

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O etoricoxibe é um inibidor altamente seletivo de COX-2, utilizado no alívio da
inflamação da osteoartrite, da artrite reumatoide e da artrite gotosa aguda. Tam-
bém pode ser utilizado no tratamento em curto prazo da dor musculoesquelética,
pós-operatória e da dismenorreia primária. O parecoxibe é um inibidor seletivo
da COX-2, pró-fármaco do valdecoxibe, administrado por via parenteral para o tra-
tamento de curto prazo de dor pós-operatória (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015;
RANG et al., 2016).
O meloxicam é um fármaco que inibe, preferencialmente, a COX-2, especial-
mente quando administrado em doses mais baixas. Esse fármaco não é altamen-
te seletivo quanto o celecoxibe, no entanto, pode ser considerado “preferencial-
mente” seletivo. O meloxicam provoca menos sintomas gastrointestinais e outras
complicações quando comparado aos AINEs tradicionais piroxicam, diclofenaco e
naproxeno.
Com relação aos efeitos adversos, os inibidores seletivos da COX-2 provocam
efeitos tóxicos semelhantes aos AINEs não seletivos. No entanto, com relação aos
efeitos adversos cardiovasculares, os inibidores seletivos da COX-2 estão relacio-
nados com uma maior incidência de eventos trombóticos, infarto do miocárdio e
acidente vascular encefálico, motivo que levou outros coxibes, como o rofecoxibe
e valdecoxibe, a serem retirados do mercado (KATZUNG; TREVOR, 2017).

CURIOSIDADE
Em 2005, o lumiracoxibe (Prexige®), o inibidor mais seletivo da COX-2, foi
lançado, no Brasil, sendo indicado para o tratamento crônico dos sintomas
da osteoartrite e, também, para dismenorreias primárias. No entanto, em
2008 foi retirado do mercado por apresentar risco de toxicidade hepática
potencialmente fatal, especialmente em doses elevadas, além do risco de
efeitos adversos cardiovasculares comum aos demais coxibes.

Anti-inflamatórios esteroidais
O córtex da suprarrenal é responsável por liberar diversos esteroides na
circulação, denominados corticosteroides, substâncias que contêm o núcleo
esteroide e são sintetizadas a partir do colesterol. A síntese dos corticoste-
roides é controlada pelo hormônio adrenocorticotrópico (ACTH, cortico-
trofi na) liberado pela adeno-hipófise, conforme apresentado na Figura 1.

FARMACOLOGIA BÁSICA 133

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Os corticosteroides hormonais podem ser classificados em glicocorticoi-
des (GCs), mineralocorticoides e hormônios sexuais, de acordo com a
zona ou camada no qual foram produzidos e pela sua atividade (KATZUNG;
TREVOR, 2017; KOROLKOVAS; BURCKHALTER, 1988).

Hipotálamo

CRF

ADH
Alça longa de
retroalimentação
(feedback) negativa Alça curta de
retroalimentação
(feedback) negativa
Adeno-hipófise

ACTH
exógeno ACTH

Metirapona
Mitotano Sistema
Trilostana renina-angiotensina

Cótex da
suprarrenal

Glicocorticoides Mineralocorticoides

Glicocorticoides exógenos Mineralocorticoides exógenos


(por exemplo, prednisolona) (por exemplo, fludrocortisona)

Ações periféricas Ações periféricas


(metabólicas, anti-inflamatórias, no metabolismo
imunossupressoras) de sais da água

ACTH: corticotrofina; ADH: hormônio antidiurético; CRF: fator de liberação de corticotrofina.


Figura 1. Regulação da síntese e secreção dos corticosteroides da suprarrenal. CRF estimula a liberação do ACTH na
hipófise anterior, agindo em sinergia com o ADH e, tanto sua ação como sua liberação, são inibidas pelos glicocorticoi-
des. Fonte: RANG et al., 2016, p. 403. (Adaptado).

FARMACOLOGIA BÁSICA 134

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Os glicocorticoides são sintetizados na camada fascicular média, os minera-
locorticoides são secretados pela camada glomerular externa e os hormônios
sexuais são produzidos na zona reticular interna. A classe dos glicocorticoides
possui como representante o cortisol ou hidrocortisona, e são utilizados como
anti-inflamatórios. Os mineralocorticoides possuem como atividade principal
a retenção de sal, sendo a aldosterona o representante mais importante. Os
hormônios sexuais apresentam atividade androgênica ou estrogênica, tendo
como os principais representantes dessa classe a testosterona e o estradiol
(KATZUNG; TREVOR, 2017; KOROLKOVAS; BURCKHALTER, 1988).
Os glicocorticoides ou anti-inflamatórios esteroidais (AIEs) são fármacos
amplamente utilizados em todo o mundo, devido os seus efeitos anti-infla-
matórios, imunossupressores e como auxiliares na prevenção da rejeição de
transplantes de órgãos. Diversas condições clínicas envolvem o estabelecimen-
to de uma inflamação do tipo crônica, como doenças metabólicas, psoríase, ar-
trite reumatoide, osteoartrite, doença de Crohn e doenças neurológicas, sendo
os AIEs fármacos importantes para o tratamento dessas condições.
Os AIEs exercem sua atividade anti-inflamatória pela supressão de di-
versos mediadores pró-inflamatórios, interferindo tanto na imunidade ina-
ta quanto na adquirida, além da inibição do recrutamento de macrófagos às
áreas inflamadas. Segundo Machado (2017), os macrófagos são as principais
células presentes no sítio da inflamação crônica, responsáveis pela secreção
de diversos mediadores fisiológicos destacando-se as citocinas pró-inflama-
tórias como a interleucina-1β (IL-1β), IL-6, IL-8 e o fator de necrose tumoral
α (TNF-α), que atuam na manutenção e propagação do quadro inflamatório
durante o processo crônico.
Entretanto, a utilização crônica dos AIEs deve ser cuidadosa devido a ocor-
rência de vários efeitos adversos, especialmente durante o tratamento prolon-
gado ou em doses elevadas, os quais podem levar a supressão do eixo hipo-
talâmico-pituitário-adrenal (HPA). Entre as principais complicações que podem
ocorrer após o tratamento prolongado com os AIEs estão: osteoporose, glau-
coma, hipertensão, hiperglicemia, glicosureia, distúrbios dos fluidos e eletróli-
tos, aumento da suscetibilidade às infecções, psicose e síndrome de Cushing.
A retirada abrupta após a corticoterapia, pode causar desde febre, náuseas e
vômito, até coma e morte (MACHADO, 2017).

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Corticosteroides sintéticos
Diferentes corticosteroides sintéticos foram desenvolvidos a fim de obter um
melhor perfil terapêutico, redução dos efeitos adversos relacionados à cortico-
terapia além de potencialização da atividade anti-inflamatória. No Quadro 7, é
possível comparar os principais AIEs usados para tratamento sistêmico, tendo
como fármaco padrão a hidrocortisona.

QUADRO 7. COMPARAÇÃO ENTRE OS PRINCIPAIS GLICOCORTICOIDES USADOS PARA


TRATAMENTO SISTÊMICO

Afinidade
Potência
relativa pelos Duração
Fármaco anti- Observações
receptores de de ação**
inflamatória*
GCs

Baixo custo; inativo


até ser convertido
em hidrocortisona;
Cortisona Pró-fármaco 0,8 Curta não é usado como
anti-inflamatório
por ter efeitos
mineralocorticoides.

Convertido em
metabólito inativo
pelas esterases
Deflazacorte Pró-fármaco 3 Curta plasmáticas.
Utilidade
semelhante à do
prednisolona.

Fármaco de escolha
para efeitos anti-
Prednisolona 2,2 4 Intermediária inflamatórios e
imunossupressor
sistêmicos.

Inativo até ser


Prednisona Pró-fármaco 4 Intermediária convertido em
prednisolona.

Anti-inflamatório e
Metilprednisolona 11,9 5 Intermediária
imunossupressor.

Relativamente
Triancinolona 1,9 5 Intermediária mais tóxica que as
demais.

FARMACOLOGIA BÁSICA 136

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Anti-inflamatório e
imunossupressor,
usado
especialmente em
situações em que
a retenção hídrica
Dexametasona 7,1 27 Longa
precisa ser evitada
(por exemplo,
edema cerebral);
fármaco de escolha
para supressão da
produção do ACTH.

Anti-inflamatório e
imunossupressor,
usado
Betametasona 5,4 27 Longa especialmente em
situações em que
a retenção hídrica
precisa ser evitada.

*Potência relativa, considerando-se como referência o cortisol ou hidrocortisona.


**Duração de ação após administração oral da dose (meias-vidas em horas): curta, de 8 a 12 horas; intermediária, de
12 a 36 horas; longa, de 36 a 72 horas.
GCs: glicocorticoides; ACTH: corticotrofina.
Fonte: RANG et al., 2016, p. 409. (Adaptado).

Segundo Rang et al. (2016), os fármacos mais comumente usados são hidro-
cortisona, prednisolona e dexametasona. Além do tratamento sistêmico, mui-
tos fármacos também são utilizados por via tópica, no tratamento de diversas
inflamações da pele, olhos, orelha ou nariz (por exemplo, eczema, conjuntivite
alérgica ou rinite). Entre os AIEs formulados para administração ocular tópica,
têm-se: dexametasona, prednisolona, fluorometolona, loteprednol, rimexolona
e difluprednato.

Indicações terapêuticas em distúrbios não suprarrenais


Os AIEs também são utilizados de modo eficaz no tratamento de doenças não
relacionadas com qualquer distúrbio da suprarrenal. Nessas doenças, os AIEs
atuam suprimindo as respostas inflamatórias e imunes, além de alterar a função
dos leucócitos. Algumas dessas indicações terapêuticas são:
• Reações alérgicas (asma, picadas de abelhas, dermatite de contato etc.);
• Distúrbios vasculares do colágeno (arterite de células gigantes, lúpus eritema-
toso, polimiosite, polimialgia reumática etc.);
• Doenças oculares (uveíte aguda, conjuntivite alérgica etc.);

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• Doenças gastrointestinais (doença inflamatória intestinal, necrose hepática
subaguda);
• Distúrbios hematológicos (leucemia, linfoma, anemia hemolítica autoimune etc.);
• Infecções (síndrome do desconforto respiratório agudo, sepse);
• Distúrbios neurológicos (edema cerebral, esclerose múltipla);
• Doenças pulmonares (pneumonia por aspiração, sarcoidose etc.);
• Doenças da pele (dermatite atópica, dermatoses etc.);
• Doenças da tireoide (exoftalmia maligna, tireoidite subaguda).
Uma outra aplicação importante dos AIEs inclui o tratamento para a rejeição
de transplante. Segundo Katzung e Trevor (2017), a eficácia desses agentes se
baseia em sua capacidade de reduzir a expressão de antígenos do tecido enxer-
tado, retardar a revascularização e interferir na sensibilização dos linfócitos T
citotóxicos (Tc) e na geração de células formadoras de anticorpos.

Anti-histamínicos
A histamina é encontrada em tecidos animais e em plantas, sendo um im-
portante mediador do processo inflamatório, da secreção ácida do estômago,
das reações alérgicas imediatas e da anafilaxia, entretanto, nessa última o seu
papel é somente razoável. Além disso, a histamina atua como neurotransmis-
sor e neuromodulador, atuando em muitas funções diferentes do sistema ner-
voso central (KATZUNG; TREVOR, 2017).
Uma quantidade mínima de histamina é eliminada em sua forma inaltera-
da, sendo a maior parte armazenada ou rapidamente inativada. Quando liga-
da aos mastócitos ou basófilos no tecido, a histamina se encontra inativada,
porém frente a diversos estímulos é liberada dos
mastócitos, como em certas neoplasias como
mastocitose sistêmica, urticária pigmentosa,
carcinoide gástrico e leucemia mielogênica.
No cérebro, a histamina atua como neurotrans-
missor, estando envolvida em diversas funções,
como no controle neuroendócrino e na regulação
do sistema cardiovascular, da temperatura corporal, do peso
corporal, do sono e vigília (KATZUNG; TREVOR, 2017).

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A histamina atua em quatro tipos de receptores (H1-4) acoplados à proteína
G no cérebro, sendo que o receptor H4 apresenta uma distribuição mais limita-
da no cérebro, conforme o Quadro 8. Segundo Rang et al. (2016), os receptores
H3 são receptores inibitórios nos neurônios que liberam histamina bem como
nos terminais que liberam outros neurotransmissores. Já os receptores H1 loca-
lizados no córtex e no sistema ativador reticular contribuem para o despertar
e para o alerta, e desse modo, os fármacos que atuam como antagonistas do
receptor H1 produzem sedação.

QUADRO 8. SUBTIPOS DE RECEPTORES DE HISTAMINA

Antagonistas
Agonistas
Subtipo de Mecanismo parcialmente
Distribuição parcialmente
receptor pós-receptor seletivos ou
seletivos
agonistas inversos

Músculo liso,
H1 Gq, ↑IP3, DAG Histaprodifeno Clorfeniramina1
endotélio, cérebro.

Mucosa gástrica,
músculo cardíaco, Cimetidina1,
H2 Gs, ↑ AMPc Antamina
mastócitos, ranitidina1, tiotidina.
cérebro.

Autorreceptores e
Tioperamida1,
heterorreceptores
R-α-metil- iodofempropito,
pré-sinápticos:
H3 Gi, ↓ AMP histamina, imetite, clobempropito1,
cérebro, plexo
imepipe. tiprolisante1,
mioentérico,
proxifano.
outros neurônios.

Eosinófilos,
Clobempropite,
H4 neutrófilos, células Gi, ↓ AMPc Tioperamida1
imetite, clozapina.
T CD4.

1
Agonista inverso.
AMPc: monofosfato de adenosina cíclico; DAG: diacilglicerol; IP3: trifosfato de inositol.
Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017, p. 273. (Adaptado).

Os fármacos antagonistas de receptores histamínicos ou anti-histamínicos


incluem a clorfeniramina, cimetidina e tioperamida, como visto no Quadro 7.
Os antagonistas competitivos dos receptores H1 são os anti-histamínicos prin-
cipais utilizados no tratamento de alergias, urticária e reações anafiláticas, en-
quanto os antagonistas do receptor H2 são eficazes para reduzir a secreção
ácida do estômago (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).

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Antagonistas do receptor H1
Os antagonistas do receptor H1 disponíveis comercialmente, na verdade,
atuam como agonistas inversos, competindo com a histamina pela ligação ao
receptor e diminuindo a atividade constitutiva do mesmo.
A maior parte dos antagonistas H1 tem ações farmacológicas e usos tera-
pêuticos semelhantes, sendo utilizados especialmente para tratar reações de
hipersensibilidade imediata. Alguns desses fármacos também apresentam ação
central (por exemplo, dimenidrinato, difenidramina, ciclizina e meclizina), sendo
úteis como supressores da cinetose (“enjoo de movimento”) ou sedativos. No
tratamento da rinite alérgica, os antagonistas do receptor H1 são os fármacos
de segunda linha depois dos glicocorticoides nasais (KATZUNG; TREVOR, 2017;
HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
Segundo Katzung e Trevor (2017),
[...] os H1-antagonistas são divididos em agentes de primeira e de
segunda geração. Esses grupos se distinguem pelos efeitos seda-
tivos relativamente fortes da maioria dos fármacos de primeira
geração. Os agentes de primeira geração também têm maior ten-
dência a bloquear os receptores autônomos. Os bloqueadores H1
de segunda geração são menos sedativos, devido, em parte, à sua
distribuição reduzida no SNC (KATZUNG; TREVOR, 2017, n.p.).
Os anti-histamínicos H1 de primeira geração incluem: etanolaminas (car-
binoxamina, dimenidrinato, difenidramina), derivados da piperazina (hidroxizi-
na, ciclizina, meclizina), alquilaminas (bronfeniramina, clorfeniramina), derivado
da fenotiazina (prometazina).
Os anti-histamínicos H1 de segunda geração incluem: piperidínicas (fexo-
fenadina), outros (loratadina, desloratadina, cetirizina).

Antagonistas dos receptores H2, H3 e H4


Os antagonistas dos receptores H2 foram desenvolvidos após a observação de
que os antagonistas H1 não apresentavam nenhuma ação sobre a secreção ácida
no estômago induzida pela histamina. Esses fármacos (cimetidina, ranitidina, fa-
motidina e nizatidina) agem bloqueando a secreção de ácido e não apresentam

FARMACOLOGIA BÁSICA 140

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efeito sobre os receptores H1 e H3. De acordo com Katzung e Trevor (2017), embora
esses agentes não sejam os mais eficazes disponíveis, a sua capacidade de reduzir
a secreção gástrica de ácido com toxicidade muito baixa fez com que se tornassem
extremamente populares como preparações de venda livre.
Até o momento não há disponível na terapia nenhum ligante seletivo de recep-
tores H3 ou H4 para uso clínico geral, porém há um grande interesse no desenvol-
vimento dos mesmos devido o seu potencial terapêutico.
Alguns fármacos antipsicóticos atípicos apresentam uma afinidade significati-
va pelos receptores H3, e essa interação provoca ganho de peso. Com isso, estudos
demonstraram que os agonistas inversos H3 diminuíram a ingestão de alimentos
em camundongos obesos. Segundo Katzung e Trevor (2017), os ligantes seletivos
dos receptores H3 podem ser valiosos nos distúrbios do sono, na narcolepsia, na
obesidade e em transtornos cognitivos e psiquiátricos. O tiprolisante, um agonista
inverso do receptor H3, mostrou-se eficaz na redução dos ciclos de sono em ca-
mundongos mutantes e em seres humanos com narcolepsia.
Muitos ligantes do receptor H3 também possuem afinidade pelos receptores H4
devido a homologia entre eles, assim como muitos antagonistas seletivos dos re-
ceptores H1 (por exemplo, difenidramina, cetirizina e loratadina) apresentam algu-
ma afinidade pelos receptores H4. De acordo com Katzung e Trevor (2017), vários
estudos realizados sugeriram que os antagonistas dos receptores H4 podem ser
úteis no controle do prurido, asma, rinite alérgica e condições dolorosas.

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Sintetizando
Os anestésicos gerais deprimem o sistema nervoso central e causam perda da
consciência, amnésia, analgesia, inibição dos reflexos autônomos e relaxamento
da musculatura esquelética. Esses podem ser utilizados por via inalatória ou intra-
venosa. Dentre os anestésicos inalatórios, o isoflurano é o mais utilizado, apresen-
tando poucos efeitos. Os anestésicos intravenosos atuam de modo mais rápido e
são geralmente utilizados para indução da anestesia. Dessa classe, destaca-se o
propofol, um fármaco potente, rapidamente metabolizado e de curta ação.
Os anestésicos locais provocam perda de sensação em uma região específica
do corpo sem causar perda da consciência. Esses fármacos são administrados di-
retamente no órgão-alvo e atuam bloqueando os canais de sódio dependentes de
voltagem. Os fármacos dessa classe incluem a procaína, lidocaína e bupivacaína.
Os gases terapêuticos são utilizados para fins de diagnóstico, modificação de
funções fisiológicas e no tratamento de doenças. O oxigênio é utilizado principal-
mente para reverter um quadro de hipóxia; o dióxido de carbono é utilizado na
insuflação para a realização de procedimentos endoscópicos e na inundação do
campo cirúrgico durante cirurgia cardíaca; o hélio é utilizado no tratamento da
obstrução respiratória; e o óxido nítrico é utilizado no tratamento da hipertensão
pulmonar persistente do recém-nascido.
Os agonistas dos receptores opioides são os principais fármacos utilizados no
controle agudo da dor moderada a intensa, tendo a morfina como o composto
protótipo da classe. Embora os fármacos opioides sejam a base do tratamento
da dor, muitas outras classes de fármacos não opioides podem ser utilizadas de-
pendendo da condição dolorosa, incluindo os anti-inflamatórios não esteroides
(AINEs), os anticonvulsivantes e os antidepressivos.
Além do tratamento da dor, os AINEs são utili-
zados no tratamento da inflamação e da febre,
por meio da inibição direta das cicloxigenases
(COX). Alguns AINEs inibem as duas isoformas de
COX (COX-1 e COX-2), enquanto outros são seletivos
da COX-2. Os AINEs seletivos da COX-2 apresentam
menores efeitos adversos sobre o trato gastrointestinal quando
comparados aos não seletivos.

FARMACOLOGIA BÁSICA 142

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Os anti-inflamatórios esteroidais (AIEs) são amplamente utilizados pelos seus
efeitos na inflamação crônica e como imunossupressores. Entretanto, o tratamen-
to prolongado com AIEs pode levar a diversos efeitos adversos, como osteopo-
rose, glaucoma, hipertensão, hiperglicemia, entre outros. A retirada abrupta dos
AIEs deve ser evitada devido ao risco de coma e morte.
Os anti-histamínicos são utilizados no tratamento de alergias, urticária, rea-
ções anafiláticas e na redução da secreção ácida do estômago. Os antagonistas H1
de primeira geração estão relacionados ao surgimento de efeitos sedativos, en-
quanto os de segunda geração são menos sedativos.

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FARMACOLOGIA BÁSICA 144

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