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A gramática histórica trata dos fatos da língua no seu movimento sucessivo, desde
a sua origem até a atualidade. Investigar a origem e a evolução de uma língua significa
analisar a língua sob o ponto de vista diacrônico. A gramática histórica, portanto, analisa a
língua, remontando ao seu passado, às suas origens, ao período de sua formação,
apresentando as transformações pelas quais passou em todas as etapas de sua evolução
no espaço e no tempo.
A título de conclusão:
Conforme observado, o termo gramática comporta diferentes significados ─ além dos que não foram
aqui mencionados, como gramática expositiva, escolar, funcional, de usos, etc. Pode-se empregar a
palavra sob perspectivas diversas. Além de ser considerada como o conjunto de conhecimentos
internalizados dos falantes de uma língua, pode designar também uma área de estudo ou ainda
qualquer compêndio ou manual que contenha as regras que definem as possibilidades de
combinações das unidades lexicais de uma língua.
1
Os recursos de destaque constantes no presente texto – uso de itálico, caixa alta, sublinhado, etc. – são
recursos de organização que não obrigatoriamente correspondem aos mesmos empregados nas obras
consultadas. São fidedignas, entretanto, as citações dos autores mencionados.
sujeito quando de 1ª e 2ª pessoas do singular e plural, porque a desinência verbal aí o
especifica com evidência; a omissão do pronome sujeito de 3ª pessoa do singular ou
plural fica dependente da situação e do contexto” (BECHARA, op. cit., p. 26.).
Na elaboração das sentenças, evidentemente o falante tem liberdade na escolha
das palavras, mas precisa respeitar certas diretrizes que regem a sua construção, como
os princípios gramaticais de concordância, de regência e de colocação, além da
adequada associação entre as classes de palavras e as funções que podem
desempenhar na estrutura frasal. Daí é importante também comentar a distinção e a inter-
relação entre análises e estudos relacionados à morfologia e à sintaxe.
A sintaxe, conforme já
mencionado, tem como objeto de
estudo as relações das palavras nas
orações e das orações entre si no
período em que se encontram.
Com o avanço dos estudos linguísticos, tem-se
discutido atualmente a interface entre morfologia e sintaxe, resultando daí o termo
morfossintaxe. Realmente, pode-se afirmar que esses dois níveis de descrição linguística,
apesar de suas especificidades, se complementam.
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Cf. AZEREDO, 2001.
alunos é o substantivo por ser o núcleo do enunciado. Por sua vez, em aqueles brasileiros
classificados, a palavra brasileiros – adjetivo na primeira situação por exercer função
acessória – é classificada como substantivo, pois desempenha função nuclear no
contexto em que se encontra.
Pela observação das situações apresentadas, emergem duas constatações: a
primeira diz respeito à impossibilidade de se estabelecerem classes com componentes
fixos e desassociados de um contexto discursivo, como se fossem compartimentos
estanques e de fronteiras rígidas; a segunda é a de que a análise da função
desempenhada pela palavra e a sua significação na oração são condições essenciais
para uma melhor identificação das classes gramaticais.
A afirmação de que as unidades da língua devem ser analisadas em relação ao
contexto não implica desconsiderar a sua organização num conjunto de acordo com
certas características estruturais que favorecem a compreensão do seu sentido, bem
como possibilitam a formação de novos vocábulos e o reconhecimento das classes a que
pertencem.
Na verdade, a abordagem morfossintática consiste numa análise abrangente, que
observa tanto a estrutura das palavras de um enunciado quanto a função sintática e o
sentido que apresentam na situação textual da qual participam.
Observe:
3
Os conceitos ora apresentados serão retomados em textos futuros de forma mais minuciosa. Neste,
apresentam-se definições preliminares e somente alguns exemplos para exposição geral dos termos
relacionados à área da sintaxe.
sobre texto, que de modo geral, é definido como um conjunto de frases, embora uma
única palavra, dependendo da situação, pode ser entendida como tal. Por exemplo, a
palavra “fogo” escrita num pedaço de papel encontrado ao acaso ou pronunciada sem
qualquer ênfase não constitui um texto. Entretanto, nele configurar-se-á se a mesma
palavra for pronunciada aos brados no meio de uma multidão, haja vista apresentar a
capacidade de transmitir a mensagem pretendida e garantir a comunicação. Daí pode-se
concluir que os textos abrangem realizações tanto orais quanto escritas e não são
simplesmente amontoados de palavras ou frases, ou seja, precisam fazer sentido. Em
outros termos, é necessário que o determinado enunciado apresente textualidade – termo
cunhado por Robert-Alain de Beaugrande e Wolfgang Dressler –, que se refere ao
“conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas
uma sequência de frases ou palavras” (BEAUGRANDE; DRESSLER, 1981, apud SILVA,
2010, p. 20.). Para tanto, é necessário que as ideias sejam apresentadas com coerência,
característica responsável pelo sentido do texto e envolve fatores lógico-semânticos e
cognitivos, já que se relaciona ao conhecimento de mundo partilhado entre os
interlocutores. A coerência de um texto está intimamente relacionada à coesão, cujos
elementos organizam as relações lógico-semânticas expressas na superfície textual,
garantindo a sequência das ideias e a progressão temática.
Não se trata, pois necessariamente, de uma reunião de vocábulos, embora haja sempre
implícita uma binaridade, isto é, a conjugação de dois elementos em que um determina o
outro: a) ambos no contexto, como em – Paremos; b) um num contexto e outro noutro
contexto, como em – Sim; c) um no contexto e outro extralinguístico, como em – Fogo! ,
onde a binaridade está na associação entre o vocábulo enunciado e qualquer coisa em
chamas dentro da situação em que se acha o falante.
É ela.
É ela... É ela? É ela!
Em face dessa intenção (ou sentido que expressam), as frases podem ser:
d) interrogativas: encerram uma pergunta feita pelo emissor para obter alguma informação
do receptor. A interrogação pode ser direta ou indireta. O ponto de interrogação [?] é
usado no final das frases interrogativas diretas; nas indiretas, emprega-se ponto final [.].
Exemplos:
Você já comprou uma boa gramática? (Interrogação direta)
Desejo saber se você já comprou uma boa gramática. (Interrogação indireta)
● O ponto final [.] marca o fechamento do período (simples ou composto), que também pode ser
sinalizado por ponto de interrogação [?] ou de exclamação [!] e ainda por reticências [...], como nos
exemplos a seguir:
• A rebelião, que durou uma semana, deixou vários feridos.
• Por que você demorou tanto?
• Choveu até no sertão nordestino, que tanto sofre com a seca!
• “Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que
eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...” (MACHADO DE ASSIS, A
Cartomante, 1959, p. 7.);
● os pontos de interrogação e exclamação ou as reticências podem indicar apenas a divisão das
orações de um período e não o seu final, como em:
• Por que você demorou tanto? perguntou a mãe aflita.
• A chuva caiu tão forte! exclamou o sertanejo.
• “Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas
cousas.” (MACHADO DE ASSIS, idem, p. 11.);
acima, os períodos terminam em aflita, sertanejo e cousas, respectivamente, pois os pontos de
interrogação, de exclamação e as reticências não equivalem a ponto final;
● as orações constituintes de um período composto são identificadas de acordo com os verbos (ou
locuções verbais) que apresentam. São separadas em função dos conectores (conjunções ou
pronomes relativos) – caso sejam empregados –, sendo que a fronteira entre elas é definida também
em observância à presença de vírgula [,], ponto e vírgula [;], dois pontos [:], travessão [–], ponto de
interrogação [?], ponto de exclamação [!], parêntese [()] e reticências [...]. Exemplos:
• “Camilo fechava os olhos,/ pensava em outras cousas (...)” (MACHADO DE ASSIS, idem, p. 14.)
• Conversamos/ enquanto aguardávamos o ônibus.
• Fez uma excelente prova;/ foi, pois, aprovado.
• Assistimos ao filme/ que ganhou o prêmio.
• O rapaz observava a paisagem/ e guardava a imagem na memória.
• “Veio a noite do baile,/ e a baronesa vestiu-se.” (MACHADO DE ASSIS, Um apólogo, 1984, p. 59.)
Sobre os dois últimos exemplos:
Não se emprega vírgula antes da conjunção aditiva e, exceto quando as orações apresentam
sujeitos diferentes.
7.3.1. O relacionamento das orações no período
No período composto:
“A noite descia, caía de cima uma claridade láctea, pesava um austero e lento
silêncio, a larga brancura celeste era gloriosa.”
(QUEIROZ, Eça. Prosas Bárbaras, 1947, p. 61.)
Há quatro verbos (descia, caía, pesava, era) que indicam a presença de quatro
orações sintaticamente independentes:
1ª) A noite descia;
2ª) caía de cima uma claridade láctea;
3ª) pesava um austero e lento silêncio;
4ª) a larga brancura celeste era gloriosa.
“A erva seca e a flor fenece, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente.”
(Isaías, 40-8.)
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Conectivos são vocábulos gramaticais que funcionam como elementos relacionais, estabelecendo
“conexão entre palavras ou partes de uma frase. São subordinativos, quando a conexão é de subordinação,
e são coordenativos, quando a conexão é de coordenação. Em português, há três espécies de conectivos:
1) preposições [...]; 2) pronome relativo [...]; 3) conjunções [...]” (MATTOSO CÂMARA JR., 1978, p. 79.).
3ª) mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente.
A primeira oração não apresenta conjunção, daí ser assindética; a segunda e a
terceira, introduzidas por conjunção, são classificadas como sindéticas aditiva e
adversativa, respectivamente.
Observações:
Aquele comentário (que foi sábio, por sinal) despertou a minha admiração.
(oração intercalada justaposta de opinião)
Castro Alves, que escreveu o belíssimo “O Navio Negreiro”, morreu aos 24 anos.
(oração subordinada adjetiva explicativa)
“A mulher está olhando para ela com ternura, ajeita-lhe a fitinha no cabelo
crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo.”
(SABINO, Fernando. A última crônica, 1965, p. 174.)
5
“Quando o período encerra mais de um tipo de oração, dá-se-lhe comumente o nome de período misto,
denominação que a Nomenclatura Gramatical Brasileira não agasalha” (BECHARA, op. cit., p. 170.).
A dama-da-noite, que recebe também os nomes de coirana, jasmim-danoite e
jasmim-verde, brota num arbusto de porte médio, cujas folhas são pequenas e
lanceoladas. Durante o dia, as flores mantêm-se inodoras e fechadas, mas florescem ao
pôr do sol e exalam um delicioso perfume que perdura por toda a noite. Embora seja uma
planta vigorosa, os ramos da dama-da-noite não têm sustentação suficiente. Os botânicos
aconselham que os cultivadores apoiem os caules em peças de bambu ou varas de
madeira para que a planta floresça intensamente.
(www.jardineiro.net/plantas/dama-da-noite-cestrum-nocturnum.html/ adaptado)
O texto acima é formado por quatro períodos, cujos términos são indicados por
ponto final [.]. O primeiro período corresponde ao trecho entre A dama-da-noite [...]
lanceoladas; o segundo, compreende Durante o dia [...] noite; o terceiro período engloba o
trecho entre Embora [...] suficiente; e o quarto, entre Os botânicos [...] intensamente. Por
sua vez, cada período é constituído de orações:
● Três verbos (brota, recebe, são) indicam as orações que constituem o primeiro período,
que se classifica como composto por subordinação e é constituído pelas seguintes
orações:
1ª) oração principal:
A dama-da-noite brota num arbusto de porte médio,
3ª) oração coordenada sindética aditiva e principal (em relação à quarta oração):
e exalam um delicioso perfume
● O terceiro, que possui duas orações (dois verbos: seja, têm), é um período composto
por subordinação:
O período é formado por quatro orações, que se constituem pela locução verbal
“tinham posto” e pelos verbos “erguera”, “esperavam” e “diria”. Há orações dependentes e
independentes, caracterizando um período composto por coordenação e subordinação
(ou período misto):
1ª) oração principal (de 1ª categoria):
Todos se tinham posto em pé
3ª) oração coordenada sindética aditiva (em relação à principal) e oração principal de 2ª
categoria (em relação à quarta oração):
e esperavam ansiosos o
Observações:
Quando, num mesmo período, existirem duas ou mais orações principais, diz-se que há
decorrência de subordinadas, empregando-se as expressões principal de 1ª categoria, de
2ª categoria, de 3ª categoria, etc. Tais denominações já eram empregadas “nas
excelentes noções elementares de análise sintática que abrem, desde 1887, a tradicional
Antologia Nacional, devidas a Fausto Barreto” (BECHARA, op. cit., p. 168-169.).
O desejo do professor de português é que o aluno interprete os enunciados,
que perceba as variedades linguísticas e que as empregue de acordo com a situação
discursiva.
Observações:
Assim como certos períodos apresentam mais de uma oração principal, outros podem
ser constituídos de várias subordinadas relacionadas à mesma principal, conforme visto
no exemplo acima, o que exemplifica a concorrência de orações subordinadas. A
concorrência de orações ocorre quando as subordinadas desempenham a mesma função
sintática em relação à principal, estando coordenadas entre si. No exemplo, a terceira e
quarta orações têm o mesmo valor sintático que a segunda em relação à principal – todas
com função de predicativo – e são coordenadas entre si. Embora a conjunção aditiva
apareça somente na quarta oração, na anterior o conectivo fica subentendido. Então,
ambas apresentam dupla função sintática: a terceira oração é coordenada à segunda e
subordinada à principal; a quarta, coordenada à terceira e subordinada à principal. Em
vez desta classificação longa, pode-se dizer apenas que a terceira oração é equipolente à
segunda; e a quarta, equipolente à terceira oração6.
6
“Infelizmente, esta denominação cômoda não encontrou agasalho na Nomenclatura Gramatical Brasileira”
(BECHARA, op. cit., p. 172.).
“escrita informal que se aproxima da fala e uma fala formal que se aproxima da escrita,
dependendo da situação comunicativa” (KOCH, 1995, p. 689.). Em cartas informais,
bilhetes, letras de músicas, postagens em redes sociais, por exemplo, que são textos
escritos, o nível de informalidade é bastante significativo, apresentando repetições, gírias,
certos marcadores conversacionais, fragmentações, etc., que são elementos
característicos da oralidade. Em contrapartida, há outros textos, como discursos de
formatura, noticiários veiculados em rádio e televisão, apresentações acadêmicas, etc.,
que requerem um registro linguístico formal, apesar de serem realizações orais.
Apesar dos exemplos acima apresentados, nos quais se destacou que o critério
da (in)formalidade do discurso é relativo em face do contexto de comunicação,
evidentemente, de modo geral, os enunciados construídos oralmente são mais passíveis
de certos truncamentos, repetições, digressões, etc., porque os falantes estão presentes,
interagindo no processo comunicativo. Mais frequentemente, o contexto da escrita é
diferente, pois há um maior distanciamento entre os interlocutores, que ocupam tempo e
espaço distintos, e, portanto, não contam com os recursos verbais e não verbais da língua
falada. Assim, se distinguem a sintaxe da fala e a da escrita. Nesta, existe possibilidade
de planejamento, correção e reescrita; naquela, as orações se sucedem no intercâmbio
das ideias entre os participantes do discurso.
Entretanto, é importante destacar que independentemente da modalidade – se
oral ou escrita –, os textos devem ser elaborados em função da finalidade a que se
propõem, das características de seus interlocutores e do contexto discursivo em que
estão inseridos. Para tanto, embora diferentes entre si, é preciso que as orações
constituintes dos textos obedeçam a certas estruturas sintáticas básicas de organização
oracional, de modo que os enunciados construídos na oralidade e na escrita
correspondam efetivamente ao propósito da comunicação.
7
Tópico baseado nas considerações contidas em BECHARA, op. cit., p. 28.
10. Sintaxe e semântica: relações de forma e sentido
Em linhas gerais, a sintaxe, como parte da gramática que trata da disposição das
palavras nas frases constituintes do texto, apresenta um conjunto de regras que
determinam a forma como essas palavras podem se associar na estrutura oracional. Por
sua vez, a semântica estuda o significado das palavras, observando o modo como se
combinam nas frases para que a produção textual efetivamente seja dotada de sentido.
Esses dois níveis de análise linguística, apesar de suas especificidades, não são
excludentes, nem apresentam fronteiras estanques, haja vista a possibilidade de melhor
se reconhecerem os significados de certos termos em relação à função que
desempenham nas frases.
Na atividade discursiva, os interlocutores devem organizar palavras e frases
adequadamente relacionadas e combinadas de acordo com os padrões sintáticos de
estruturação oracional para que os textos façam sentido e garantam a interação
comunicativa. Cabe, então, destacar a importância entre adequação sintática e produção
de sentidos. A adequação sintática corresponde à “construção coerente de períodos e
orações, observadas as relações existentes entre seus termos e a sua organização”
(HENRIQUES, 2010, p. 17.) para que as realizações linguísticas sejam coerentes e
cumpram o seu papel de significar algo para alguém. Percebe-se, portanto, que a
adequação sintática mantém relação estreita e direta com enunciados semanticamente
organizados. Dependendo do arranjo sintático, as palavras e orações constituintes do
texto podem corresponder a certos efeitos de expressividade que garantem a sua
textualidade, que consiste num conjunto de princípios norteadores para a construção de
sentido dos textos, especialmente no que se refere à coerência na exposição das ideias.
As regras sintáticas estabelecidas pela gramática, portanto, devem servir,
principalmente, ao propósito da comunicação, oferencendo os recursos necessários para
que os usuários da língua consigam “estabelecer a relação entre a forma das expressões
e sua significação” (FRANCHI, 2006, p. 102 apud HENRIQUES, op. cit., p. 19.). Desse
modo, aumentam as suas condições de melhor desempenho linguístico e competência
comunicativa, desenvolvendo a capacidade de produzir e compreender os mais diversos
textos, em diferentes contextos de comunicação. É na produção de textos coerentes e
sintático-semanticamente bem elaborados, portanto, que deve centrar o ensino de língua
materna. Nessa perspectiva, a sintaxe – assim com as demais áreas de análise linguística
– torna-se um facilitador do processo de construção de textos, cuja proficiência é
conseguida por meio de relações sintáticas, semânticas e discursivas coesas e coerentes
entre as palavras que os constituem.
Como instrumento essencial para a compreensão e o emprego adequados das
múltiplas possibilidades de combinação de palavras e orações, as relações sintático-
semânticas vão se internalizando na consciência linguística do falante, capacitando-o a
perceber estruturas inadequadamente organizadas quanto a essas relações. Por
exemplo, num enunciado como “A porta chorou copiosamente”, que se apresenta sob
uma forma estrutural sintaticamente possível, não é semanticamente adequado, pois lhe
falta coerência, já que a informação não faz sentido8. Então, mesmo com uma estrutura
sintática possível, mas semanticamente inadequado, pode-se considerar que o segmento
não cumpriu o seu propósito comunicativo. Há casos também em que a estrutura sintática
8
Desde que não esteja, é claro, num apólogo – gênero textual no qual os personagens são seres
inanimados, principalmente objetos, cuja intenção é basicamente transmitir um ensinamento de vida,
narrando situações de ordem social ou moral. Um exemplo clássico na literatura brasileira é o conto “Um
Apólogo”, de Machado de Assis.
pode afetar o perfeito entendimento do sentido por provocar ambiguidade, como em “A
mulher viu o homem no parque com o telescópio”, que gera duas possibilidades de
interpretação: na primeira, a mulher usa um telescópio para visualizar o homem; na
segunda, a mulher vê que o homem portava um telescópio.
A adequação sintática e a semântica, portanto, são mecanismos essenciais para
a competência comunicativa, que implica o desenvolvimento de habilidades de selecionar
e combinar palavras e orações, organizando-as em textos que promovam uma plena
interação entre os participantes do processo de comunicação. Assim, a organização
textual depende, além evidentemente de conhecimentos prévios compartilhados pelos
interlocutores, de determinadas operações sintáticas para a produção dos sentidos.
Nessa abordagem, a sintaxe não pode se restringir à nomeação e ao
reconhecimento dos componentes sintáticos da oração, uma vez que a análise linguística
deve se ancorar no seu contexto de uso e na depreensão dos sentidos dos enunciados,
de modo que o usuário da língua se aproprie dos diversos mecanismos linguísticos de
organização textual. O papel da sintaxe nesse processo de elaboração de textos que
figuram nos discursos não se resume apenas a capacitar os usuários no domínio da
estruturação das entidades sintáticas das orações e períodos, mas habilitá-los a
“combinar essas unidades sintáticas em peças comunicativas eficientes, o que envolve a
capacidade de adequar os enunciados às situações, aos objetivos da comunicação e às
condições de interlocução. E tudo isso se integra na gramática” (NEVES, 2002, p. 226.).
Certo candidato a prefeito numa pequena cidade do interior gaúcho fazia seu
discurso de campanha com muita empolgação, mas num português todo estropiado: “Vou
mandá patrulhar as rua”, “Vou construí muitas escola”, “Vou fazê moradia popular para
todas as pessoa dessa cidade”.
Um assessor chega ao ouvido do orador e diz: “Prefeito, emprega o plural!”.
O candidato prontamente emenda o discurso:
– E tem mais: vou empregá o plural, a mulher do plural, os filho do plural. Não
vou deixar ninguém sem emprego.
(Jornal Zero Hora - 18/02/2000.)
9
Os textos analisados encontram-se disponíveis em:
//www.leffa.pro.br/tela4/Textos/Textos/Anais/ECLAE_II/a%20sintaxe%20na%20constru%C3%A7%C3%A3o/
direita.htm.
necessidade de os interlocutores apresentarem os mesmos conhecimentos prévios para
que a mensagem se estabeleça satisfatoriamente. O outro recurso de humor acontece por
meio do emprego da palavra plural, que não se relaciona com ambiguidade, mas com a
falta de conhecimentos linguísticos do candidato, que além de não flexionar as palavras,
não entendeu o alerta do assessor. A situação explora as frequentes censuras aos
candidatos aos cargos públicos quanto às promessas falsas, ao descaso e ao
despreparo. No episódio apresentado, a crítica se refere ao descaso com o povo e com a
língua.
Em relação ao aspecto sintático-semântico, convém destacar a presença da
conjunção coordenativa e em “E tem mais: vou empregá o plural, a mulher do plural, os
filho do plural”, que não se limita a conectar enunciados sintaticamente equivalentes,
exprimindo a ideia de adição, mas proporciona um efeito de ênfase maior no sentido
expresso pela conjunção, reiterando de forma mais veemente a suposta preocupação do
candidato com seus possíveis eleitores.
A professora passou a lição de casa: fazer uma redação com o tema: “Mãe só
tem uma”.
No dia seguinte, cada aluno leu a sua redação. Todas mais ou menos dizendo as
mesmas coisas: a mãe nos amamenta, é carinhosa conosco, é a rosa mais linda no nosso
jardim etc. etc. etc. Portanto, mãe só tem uma...
Aí chegou a vez de Juquinha ler a sua redação:
“Domingo foi visita lá em casa. As visitas ficaram na sala. Elas ficaram com sede e
minha mãe pediu para mim ir buscar coca-cola na cozinha. Eu abri a geladeira e só tinha
uma coca-cola. Aí, eu gritei pra minha mãe: Mãe, só tem uma!”
10
GARCIA, op. cit., p. 60.
expressivos efeitos de estilo. Em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, Machado de
Assis expõe toda a ironia e amargura do narrador no trecho “Marcela amou-me durante
15 meses e 11 contos de réis” (op. cit., p. 101.), opondo ideias de sentidos distintos
(indicação temporal: 15 meses; valor monetário: 11 contos de réis).
No conto “O Enfermeiro”11, o segmento “mas para isso era preciso tempo, ânimo
e papel” apresenta uma sequência de elementos de diferentes patamares semânticos.
13. Bibliografia
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11
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