STEIN, Edith. Introducción a la filosofía. In ______. Obras completas II – Escritos
filosóficos (etapa fenomenológica: 1915-1920). Vitória: El Carmen; Madrid: Editorial de espiritualidad; Burgos: Editorial Monte Carmelo, 2005, p. 671-680. (Tradução de Eduardo Dalabeneta). Edith Stein foi uma santa católica e intelectual alemã, que desenvolveu profundos trabalhos filosóficos, sobretudo acerca de problemas antropológicos. Nasceu em 12 de outubro de 1891, na cidade de Breslau, então na Alemanha. No ano de 1911, entrou na Universidade de Breslau, dedicando-se à Germanística, História, Psicologia e Filosofia. Em 1915, obtém o seu título de mestrado na cidade de Göttingen - onde dois anos antes havia aderido ao movimento fenomenológico de Edmund Husserl. Após obter o título de doutorado, no ano de 1916, Stein torna-se colaboradora e assistente de Husserl, ministrando seminários preparatórios para novos estudantes de fenomenologia. É nesse contexto que a filósofa escreve o texto “A tarefa da filosofia”, que será analisado a partir de agora. Dessa forma, ao se oferecer uma “introdução à filosofia”, a autora afirma que o mais esperado primeiramente é que se faça um esclarecimento do que é propriamente a filosofia. Platão a definia como o amor à sabedoria, ou, considerando o significado do “eros” platônico, tendência ao conhecimento puro. No entanto, essa visão define a filosofia muito mais como uma vivência que uma disciplina científica; além disso, pode se dizer que também a atividade científica possui essa mesma característica e tem o mesmo campo de trabalho. Assim, Edith Stein propõe que momentaneamente se desconsidere a distinção entre filosofia e ciência, do mesmo modo que nos tempos antigos. Em seguida, a santa alemã reflete sobre a atitude do homem em face ao seu mundo circundante. Inicialmente, absorvido por uma observação “natural” do seu cotidiano, é afetado "ingenuamente" por diversas impressões. Todavia, quando algo lhe aparece de uma maneira nova, dá-se conta de um novo ser e uma nova essência e que a face que observa é apenas uma entre várias, tomando, assim, uma postura “objetiva” ou “teorética”. O sujeito “teorético”, portanto, é aquele que, desligando-se de si mesmo e observando desinteressadamente o seu entorno, busca captar as coisas em si mesmas. É dessa atitude que nascem as ciências - inicialmente, contemplando o mundo ao redor (as ciências naturais), e posteriormente voltando-se para a mente mesma (fazendo surgir a psicologia, história, etc). Com isso, o surgimento das ciências positivas não restringiu de modo algum a reflexão filosófica, mas gerou a ela novos objetos de investigação. Essas ciências, impulsionadas pelo interesse teorético, se desenvolvem através da experimentação, por meio da qual analisam as circunstâncias em que se apresentam os objetos e que relações realizam com outros objetos. No entanto, o interesse da filosofia não está em tais características, mas na essência do objeto - qualidade sem a qual não poderia existir. Nesse sentido, enquanto se ocupa da investigação das essências, pode-se chamar a filosofia de ontologia. Desse modo, em todas as ciências empíricas, as verdades essenciais são pressupostas como evidentes. Quando um botânico descobre uma nova planta, crê-se que ele saiba o que é uma ‘planta em geral’. Analogamente, quando um historiador investiga a história de um povo, não investiga o que é um povo. A atividade científica tem como seu fundamento a ontologia - ainda que aquela não dependa das resoluções desta para iniciar seu trabalho. Por outro lado, retirando seu olhar do objeto conhecido, a filosofia volta-se também ao sujeito cognoscente. Assim, percebendo a contraposição entre a consciência encerrada em seu próprio âmbito e o mundo objetivo exterior a ela, surge o questionamento de como acontece o processo de captação. A essa tarefa dedica-se a disciplina da “Teoria do conhecimento” ou, em termos kantianos, “Crítica da Razão”. Dessa forma, percebe-se que enquanto objetos e consciência se comunicam, sem que seja possível separar um de outro, também a Ontologia e a Crítica da Razão relacionam-se, sendo esta o pressuposto daquela. Sendo assim, a atividade científica não deixa de ser objeto da filosofia. Quando a Crítica da Razão se ocupa do procedimento das ciências, é chamada “Lógica epistemológica” ou “Metodologia”. “Lógica Pura” ou “Lógica Formal” é o nome da Ontologia enquanto análise das estruturas da ciência. Além disso, a “Ética”, a “Estética” e a “Filosofia da Religião” evidenciam o agir, o querer e o sentir - outras formas de consciência além do conhecimento do objeto e do objeto conhecido. No entanto, mesmo tais disciplinas investigam algo e, por isso, também têm de responder o questionamento acerca do que é o objeto de seus estudos. A Ética tem como dever explicar o que são os valores; a estética, qual é a essência do objeto estético; a Filosofia da Religião, o que é o objeto religioso. Por conseguinte, mesmo que haja divisões nos campos e âmbitos dos problemas filosóficos, não se pode entender uma função sem compreender sua conexão com as demais. Compreender a unidade dessas funções é a tarefa de filosofia. Todos os campos parciais necessitam se articular com os demais campos para serem completos. Com isso, evidenciando-se um após o outro, Edith Stein afirma ser possível chegar a formulação do “problema filosófico” - a meta em comum de toda investigação filosófica -: entender o mundo. A concepção da filósofa acerca do sujeito “teorético” é de grande pertinência para a compreensão da filosofia. Enquanto aquele que se espanta ao descobrir que as coisas tão corriqueiras possuem seu próprio ser e essência, o sujeito teorético é, verdadeiramente, o motor da história da filosofia. É do sujeito que se “assombra” que surge a indagação acerca do imperativo ético, da beleza, do verdadeiro e tantos outros conceitos imprescindíveis para a história da filosofia (cf. SILVA, 1994, p. 13). Igualmente importante é a conclusão a que chega Edith Stein, segundo a qual aquilo que une os problemas filosóficos é a “compreensão do mundo”. Se o “assombro” diante da realidade é causa do surgimento da filosofia, entendê-la deve ser também sua causa teleológica. Assim, percebe-se que aquela imagem do filósofo que se isola do mundo para especular sobre possibilidades que não existem está muito aquém da realidade. O filósofo é um homem profundamente radicado no real, e mesmo quando indaga sobre o transcendente, o entende como fato inseparável do real. Dessa forma, o texto “A tarefa da filosofia” constitui uma considerável introdução à filosofia, bem como um verdadeiro convite ao filosofar. Stein traz importantes detalhes da história da filosofia e, ainda, oferece ao leitor características próprias de um filósofo, para que também ele se interesse e deixe sua condição de “ingenuidade”.
REFERÊNCIAS
Silva, Márcio Bolda da. Metafísica e assombro: curso de ontologia. São Paulo: Paulus, 1994.