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Um Esboço (1)
Toni Wolff
Tradução: Cristina C. M. Jorge
Para o autoconhecimento e auto realização da mulher moderna pode não ser importante apenas
estar consciente da atitude (introversão ou extroversão) e a função psicológica básica
(pensamento, sentimento, sensação ou intuição) (2), mas também entender qual forma estrutural
da psique corresponde melhor a sua personalidade (3). Esta forma estrutural não deve
necessariamente coincidir com a forma externa da vida, nem implica em nada relativo ao caráter
ou ao nível cultural e humano. A forma externa da vida pode ser escolhida por outras razões
além de puramente constitucionais (por exemplo, influências do tempo e ambiente externo,
circunstâncias sociais, habilidades específicas) e mais frequentemente que não a forma
estrutural da psique se encaixará na forma externa da vida apenas com dificuldade, resultando
em insegurança e conflitos.
Os problemas do homem são diferentes, à medida que são mais dualistas por natureza
(habilidades coordenativas ou formativas e instintivamente), suas realizações culturais são
determinadas pelo espírito. Consequentemente sua atitude consciente e seu modo de lidar com a
realidade são geralmente baseados na função mais diferenciada.
A mulher, por outro lado, é por natureza condicionada pela alma, e ela é mais consistente no
sentido que seu espírito e sexualidade são mais coloridos pela psique. Assim a sua consciência é
mais compreensível mas menos definida (4). O Elemento psíquico tende a se manifestar em
tantas formas de vida quanto possam corresponder à forma estrutural feminina e ao período
cultural considerado. Nem todos os períodos oferecem possibilidades ótimas para isso; mas não
podemos entrar aqui em todas estas causas históricas, sociais, econômicas e religiosas que hoje
em dia obstruem a realização da forma estrutural inerente na mulher. Uma revisão deste tipo
também seria de pouco proveito, já que poderia apenas demonstrar por meio de quais fatores
psicológicos o problema é determinado. O que é de importância prática é a existência deste
problema e a tentativa de resolver os estados de confusão interna através da obtenção de mais
consciência (5).
Um fato histórico será apenas mencionado aqui como sendo exemplo simbólico dos problemas
da mulher moderna: a insegurança de muitas mulheres modernas relativa a si mesma e à
essência do feminino é menos frequentemente encontrada no catolicismo. Aqui, no símbolo de
Maria, o culto a essência do feminino como tal foi não somente associado à divindade
masculina por eras e não apenas recentemente proclamado um dogma (como visto por Goethe
no final de “Fausto”), mas seus vários aspectos são representações simbólicas de maneiras de
existência essencialmente femininas: donzela do Senhor, virgem, noiva do Espírito Santo, mãe
de Deus, guerreira contra os infiéis, mediadora, rainha dos céus, etc. (6). Do ponto de vista
histórico a insegurança da mulher protestante (e Judia) se deve à ausência de seu princípio
dentro da divindade exclusivamente masculina – o paralelo metafísico da civilização patriarca
masculina. Mas simbolismos religiosos devem abraçar um indivíduo em sua totalidade. No
entanto, em vista do fato que um retorno ao passado é impossível, aqueles relacionados podem
apenas avançar no caminho de uma diferenciação intensificada e uma apreciação mais profunda
dos problemas psicológicos envolvidos.
O desaparecimento da essência do feminino (Chinês “Yin") no Protestantismo, incluindo a
figura de Maria, assim como o significado e misticismo no culto e mito e a dependência
exclusiva na “palavra” como princípio fundamental resultaram na promoção de ciência e
técnica, mas também no desenvolvimento do “logos” em um instrumento puramente racional,
com a exceção do fator psicológico. (Os exponentes dessa tendência na psicologia são Freud e
A. Adler, enquanto na sociologia e política é o Marxismo). A “eliminação do fator psicológico”
da consciência necessariamente leva a exteriorização e coletivização, pois a psique é a vida
interna e a base da individuação (7). No misticismo medieval a alma é o órgão da experiência de
Deus e o “nascimento de Deus”; assim o homem atinge o centro de si mesmo e ao mesmo no
“solo primitivo”. A ânsia “mística” moderna não busca pela “alma”, mas por “gnose”, por
“conhecimento superior”, e, portanto a imitação de “sabedoria oriental” de todos os tipos está
consequentemente em oscilação. A “alma”, por exemplo, a psique, é a essência feminina, o
principio da relatividade, enquanto o “logos” abstrai e generaliza o indivíduo (8). A valorização
da alma corresponde á da mulher, como pode ser visto, por exemplo, durante o florescer da Era
Medieval, por exemplo, a era “minne” (n.t.1) e “cours d´amour”. Dante se encaixa aqui, assim
como as lendas do rei Artur e o Graal, nos quais a “minne encantadora” (Dama Venus, Fada
Morgana, etc.) tem seu próprio lugar (9).
n.t.1 – Minne é um termo originário do Alemão, utilizado para designar um “amor cortês”,
Esta forma de cultura também desapareceu e para a mulher moderna, contida como ela é no
processo histórico, dois fatores são de importância particular: a liberdade de escolher sua
profissão e o conhecimento de métodos anticoncepcionais (embora o último possa já ser
encontrado em povos primitivos). Na Era Medieval duas maneiras reconhecidas de vida se
abriram para a mulher: a de esposa e de freira. A última oferecia a possibilidade de manifestação
de diversas formas estruturais: caridade (caritas), “minne” divida, visionária e batalha espiritual.
Nesta conexão é também necessário mencionar a bruxa como expressão psíquica, independente
de qualquer forma de vida ou confissão – uma combinação herética de magia e demônio.
Com o renascimento da antiguidade clássica durante a Era Renascentista, Olimpo e suas
divindades surgem novamente na consciência – uma imagem de alma de muitas figuras para o
homem e, para a mulher, uma expressão simbólica de feminilidade de muitos desdobramentos:
Hera, cônjuge e rainha; Demeter- Perséfone, a mãe; Afrodite, a amante; Palas Atena, portadora
da cultura e protetora dos heróis; Artemis, a caçadora donzela; Hecate, soberana do submundo
da mágica (10). No entanto, a essência da Renascença não é um retorno da religião antiga, mas
a descoberta da natureza do homem (11); é o expoente espiritual da tendência desde então
irresistível de sair daquele mundo apara esta terra, uma tendência que eventualmente, mas
erroneamente levou ao materialismo. Seguramente, considerando positivamente, este mundo é
de fato a realidade no mais verdadeiro dos sentidos, e sua investigação empírica estava
compelida a resultar na redescoberta de certos fatos conhecidos, embora não necessariamente
óbvios: por exemplo o conceito energético da matéria em física e, na psicologia, a psique como
origem da consciência e a matriz criativa de todas as ruas realizações e manifestações na vida. O
quanto a psique da mulher, além da inconsciência do homem, contribuiu para este conhecimento
é brevemente descrito por C.G. Jung em “Die Frau in Europa” (A Mulher na Europa) e por
Linda Fierz-David em Frauen als Weckerinnen seelischen Lebens (Mulheres como
Despertadores da Vida Psíquica) em “Die kulturelle Bedeutung der komplexen Psychologie”,
Rascher, Zurique.
Estes poucos detalhes históricos foram necessários como base para uma representação
esquemática das formas estruturais da mulher moderna. Em seu livro “Die Rolle der Erotik in
der mannlichen Gesellschaft” (O Papel do Erótico na Sociedade Masculina) Diederichs, 1910,
Hans Bluher postulou duas formas estruturais femininas, a cônjuge (Penelope) e a “mulher
livre” (Calypso). Edouard Schuré apresenta uma terceira em seu “Femmes inspiratrices et
poetes annonciateurs” Perrins & Co., Paris 1907. De fato, provavelmente existem quatro
formas. Elas devem ser caracterizadas por nomes, mas eu tenho total consciência do caráter
questionável da terminologia. Elas podem ser referidas como as formas psíquicas da mãe e
esposa, a Hetaria (companheira, amiga), a Amazona e a mulher medieval. Em comum com os
tipos de função psicológica está a reação contrária de seus eixos (por exemplo relacionadas
pessoal ou impessoalmente) e o fato que, por regra, uma forma é predominante e deve estar
unida a outra, enquanto a terceira e quarta estão inicialmente inconscientes e podem se tornar
conscientes somente com dificuldade e durante a parte mais tardia da vida. Diante do fato que
todas as formas podem ser rastreadas na história da cultura, elas são provavelmente de natureza
arquetípica (12). Elas também correspondem aos aspectos da Anima masculina.
As representações estruturais são as seguintes:
Mãe
Mulher Médium
Amazona
Relacionadas Impessoalmente
Hetaira
O fato que o problema da relação pode ser vital, mas certamente não o único vital para o
homem, o permite, especialmente hoje em dia, experimentar sob um aspecto positivo da terceira
forma estrutural do feminino, conhecida por Amazona. Assim como o homem, a mulher sempre
viveu as relações não apenas com objetos humanos, mas também aos valores culturais objetivos.
Nosso tempo que oferece amplo escopo neste sentido é favorável a Amazona que é
independente e autocontida no sentido positivo do termo. Ela é independente do homem, pois
seu desenvolvimento não é baseado em uma relação psicológica com ele. Os valores
conscientes representados por ele são ao mesmo tempo os valores dela. Seu interesse é
direcionado á realização objetiva que ela quer atingir por si mesma. Ser esposa de um homem
notável não significa nada para ela; ela busca conquistar louros por si mesma. As grandes
esportistas e viajantes pertencem a esta categoria, assim como mulheres com vida pública
menos proeminente; por exemplo, aquelas de trabalho científico, serviço civil ou negócios, as
secretárias que se tornam indispensáveis em seus escritórios, as que não se sentem
sobrecarregadas com suas famílias e portanto se ocupam de maneira útil com algum interesse
objetivo ou se dedicam a uma tarefa, as que gerenciam um negócio (do qual muitas vezes o
marido é um empregado) ou simplesmente as que estão “vestindo as calças” em casa e mantém
seus lares e família sob disciplina militar.
O aspecto positivo da Amazona pode ser o de companheiro agradável do homem – um
camarada que não faz demandas pessoais – um competidor e rival que merece ser levado a
sério, que instiga suas ambições e inspira os melhores feitios masculinos (16). Seu aspecto
negativo é o da irmã que, levada pelo “protesto masculino”, quer ser igual ao irmão, que não
reconhece nenhuma autoridade ou superioridade, que ainda não saiu da casca de ovo do voto
feminino, que briga usando armas exclusivamente masculinas e é a Megera em casa. As
“hienas” sociais ou da sociedade também são subespécies desse tipo. Complicações pessoais são
lidadas de forma masculina ou reprimidas. Paciência ou compreensão por qualquer coisa ainda
não desenvolvida ou no processo de desenvolvimento ou desviadas estão ausentes tanto no
respeito a si mesma como pelos outros (“Não vejo a hora dos meus filhos crescerem”). O
casamento e a relação são vistos sob o aspecto de realização, principalmente de suas próprias
realizações; sucesso e eficiência são suas palavras da vez. A Amazona também corre o risco de
abusar das relações humanas como “negócio” ou visando sua carreira.
Heinrich von Kleist em sua “penthesilea” iluminou as profundezas da psicologia Amazona. Um
exemplo histórico instrutivo é Lady Hester Stanhope (17).
Talvez “Amazona”, assim como “Heteria” sejam nomes inapropriados, já que estão associados
historicamente. Mas provavelmente não é fácil achar termo melhor para esta forma estrutural
que é caracterizada pela ênfase colocada na personalidade do próprio indivíduo e no seu
desenvolvimento dentro dos limites dos valores culturais objetivos de nosso tempo, bem
independente de outras pessoas e dos fatores instintivos e psíquicos. Até onde nosso tempo
presente oferece maior escopo a estrutura Amazona, é esta forma que, além da “Mãe”, pode
mais frequentemente ser encontrada na notoriedade da vida pública ou que talvez seja escolhida
como a forma externa de vida sempre que corresponde a uma necessidade ou ideal, mesmo
quando não seja totalmente consistente com a natureza externa.
Semelhante ás quatro funções psicológicas básicas, todas as formas estruturais são inerentes de
todas as mulheres. Se possível, ela irá perceber qual é mais consistente com sua natureza. Aos
poucos, uma segunda forma se afirma de dentro. Este processo também corre paralelo á
diferenciação gradual das quatro funções básicas, à medida que a segunda forma não é oposta
em nossa representação esquemática, exceto nos casos onde o oposto pressiona do inconsciente.
Consequentemente, para a Mãe, por exemplo, a segunda forma será a Amazona ou a Mulher
Médium; a relação pessoal é então unida por uma impessoal ou vice versa, por uma pessoal no
caso de uma mulher inicialmente relacionada impessoal (24). Se a integração gradual da
próxima forma estrutural não acontece, a originária será exagerada ou se tornará negativa. Ao
longo da vida, uma terceira forma terá que ser confrontada, geralmente que está no mesmo eixo
da segunda, mas que tem mais característica de sombra e pode ser facilmente reconciliada com
a primeira. Novamente semelhante às quatro funções, a quarta forma causa grande dificuldade.
A quarta forma estrutural não pode por regra ser vivida concretamente, representando um
contraste muito grande com o caráter original e com a realidade. Como a quarta função
“inferior” básica, ela deve portanto ser expressa no nível simbólico. E assim como a
reconciliação com a quarta função é o caminho para a totalidade psíquica, a integração da quarta
forma estrutural para a mulher é a aproximação ao Self.
Esta tarefa também requer uma vida inteira – inteira tanto em relação ao tempo assim como no
significado intrínseco do processo de mudança que não pode ser descrito aqui. A mulher que
pode se submeter inteligentemente a isso irá encontrar seu lugar adequado neste mundo
moderno e irá cumprir sua tarefa cultural, assim atingindo a segurança interna que se alcança
quando os conteúdos psíquicos individuais – a Sombra, o Animus, a “Grade Mãe” e a “Mulher
Sábia” e até mesmo o Self (25) – não são mais projetados para o ambiente. Assim como a
mulher se relaciona com a vida, é sua tarefa envolver o homem na vida e formar ideias para a
vida. Mas envolvimento e realização podem ocorrer positiva ou negativamente, consciente ou
inconscientemente, com ou sem responsabilidade.