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Sallie Nichols

Jung e o Tarô. Uma jornada arquetípica

Título original: JUNG AND THE TAROT

Tradução: Pilar Basté

© 1980 por Sallie Nichols


© da edição em espanhol: 1988 Editora Kairós

Primeira edição: março de 1989


Décima edição: janeiro de 2008

ISBN-10: 84-7245-191-7
ISBN-13: 978-84-7245-191-9
Departamento Jurídico- B-1.296/2008
JUNG E O TAROT
Uma Jornada Arquetípica

Aqui está um livro inovador que oferece uma interpretaçã o detalhada e penetrante do
Tarô em termos de psicologia junguiana. Por analogia com as humanidades, a mitologia e as
artes visuais, Sallie Nichols ajuda cada leitor a vivenciar as intrigantes imagens do Tarô de
uma forma ú nica e pessoal. Considerando os Arcanos Maiores como um mapa que descreve
a jornada rumo à auto-realizaçã o, o autor nos oferece vá rias técnicas para usar as cartas e
ganhar consciência prá tica ao longo do caminho.

Russell A. Lockhart, renomado analista junguiano, comentou sobre o livro: « Duas


grandes tradições se casam nesta obra: o mágico e incontrolável Tarô e a psicologia
arquetípica de Jung. Este casamento, há muito esperado e devido, tornou-se possível não
apenas pela habilidade e sabedoria de S. Nichols, mas também por seu amor e cuidado com as
imagens do Tarô. O resultado é um volume soberbo e significativo que servirá de alimento
para as mentes mais críticas. Qualquer leitor interessado ou fascinado pelo poder da imagem
sobre a psique encontrará em Jung e o Tarô exatamente isso: uma viagem ao reino onde a
imagem, a psique e a alma encontram sua fonte e seu objetivo » .

Sallie Nichols estudou no CG Jung Institute em Zurique, enquanto Jung ainda estava no
comando, e mergulhou na psicologia arquetípica. Desde entã o, ele ensinou, principalmente
no CG Jung Institute em Los Angeles, o simbolismo do Tarô .

Anotações

Culver Nichols

OBRIGADO
Meus agradecimentos aos seguintes amigos que me ajudaram a realizar esta viagem e
sem cujos conselhos e encorajamento nosso navio nunca teria chegado ao porto.
.

PREFÁCIO

As cartas inquietantes que compõ em o Tarô têm sido objeto de diversas abordagens: a
mais frequente as considera como um artefato divinató rio; o mais perturbador os
reconhece como pá ginas do lendá rio " livro de Thoth ", deus da sabedoria, contador de
estrelas, inventor da escrita, mestre das palavras de poder e de sua pronú ncia correta. A
primeira tendência produziu uma lamentá vel literatura composta de plá cidos manuais de
receitas para serem lidos ao acaso; o segundo abunda em confusas especulaçõ es "
esotéricas " que quase sempre encobrem ideologias questioná veis. Este livro nã o incorre
em nenhuma dessas vulgaridades sem, no entanto, renunciar a ambas as abordagens.

no Tarô o " livro de Thoth " , que nã o é outro senã o Hermes Trismegisto , personificaçã o
da fala divina, recorre a uma metá fora que expressa a convicçã o de que seus símbolos sã o
portadores de conhecimento. As coisas se complicam quando se trata de determinar em
que consiste tal conhecimento: Rosacruzes, entusiastas da Cabala, teosofistas e ocultistas
de vá rias tendências pressentiram neste baralho um possível modelo do universo. Nã o me
refiro a um modelo « intelectual », que tende para uma explicaçã o, mas sim a uma
construçã o « simbólica » que visa a sensibilizaçã o. Neste sentido, “ conhecer ” nã o implica
ter uma teoria ou um conjunto de informaçõ es, mas sobretudo “ tornar-se consciente ” e
assim transfigurar a existência. Sallie Nichols aposta nessa concepçã o, sem ter que assumir
os riscos de uma metafísica: o modelo que ela descobre no Tarô nã o é outro senã o o
desdobramento da pró pria vida anímica. E para isso ele apela para uma linguagem
lindamente desenhada para esse fim: a psicologia de Jung.

Pode-se afirmar, de maneira um tanto jocosa, que Jung nã o era tanto um psicó logo
preocupado com questõ es ocultas — seus trabalhos sobre alquimia, gnosticismo, teologia,
etc. sã o bem conhecidos — mas sim um ocultista disfarçado de psicó logo. Isto alude ao
facto do seu pensamento reformular uma visã o muito antiga —« perene »— através de uma
linguagem contemporâ nea; ele mesmo sustentou que a verdade eterna requer linguagem
humana, que varia de acordo com o espírito dos tempos. E uma das teses fundamentais de
Jung é que na alma existe um processo autô nomo, independente das circunstâ ncias, que
aspira a uma meta, que ele chamou de " processo de individuação ". Assim, nos
encontraríamos com dois sujeitos da existência: de um lado, o sujeito consciente, o " eu "
mais ou menos diurno, e de outro, o sujeito integral de tal processo autô nomo, com o qual o
" eu " pode cooperar ou lutar e quem geralmente é desconhecido. Jung chamou esse
segundo sujeito de “ ele mesmo ”. Esta exposiçã o concisa, errada por sua pró pria brevidade,
destaca um fator dramá tico no desenvolvimento da existência. O pensamento de Jung é a
explicaçã o e a aproximaçã o desse drama íntimo que, embora envolva a faceta consciente da
personalidade, ocorre muito além de suas fronteiras, naquela regiã o misteriosa chamada «
inconsciente ». É por isso que o processo de individuaçã o nã o se expressa por conceitos —
que dizem respeito à consciência— mas por símbolos, que abrangem tanto a consciência
quanto o inconsciente.

Sallie Nichols, usando a linguagem de Jung, adivinha na exibiçã o do Tarô uma espécie
de mapa dessa jornada interior na qual todos nó s embarcamos. O pró prio Jung considerava
que seu pensamento reformulava o problema que tanto obcecava os alquimistas: o livro de
Nichols, ao recorrer a Jung, nã o deixa de ser ligado a Hermes Trismegisto, patrono da
alquimia. E se, como bem assinalou Bachelard: « com a sua escala de símbolos, a Alquimia é
um momento para uma ordem de meditações íntimas », o Tarot revela-se como uma
ordenaçã o simbó lica surpreendentemente adequada a uma tal meditaçã o amorosa.

E quanto a adivinhaçã o? Se por isso entendemos nã o tanto a previsã o de eventos


quanto a compreensã o do destino, entã o a adivinhaçã o consiste apenas na revelaçã o do
processo alquímico. De fato, Herá clito já afirmava no século V aC. de C. que « o caráter
(ethos) é, para os homens, o seu destino (daimon) ». Sinto aqui a mesma convicçã o que levou
à inscriçã o na entrada do templo oracular de Apolo em Delfos a má xima: " Conhece-te a ti
mesmo ". O « ethos » é o gênio configurador do destino. Conhecer o pró prio destino implica
reconhecer a pró pria natureza. Toda a psicologia de Jung aparece como a elucidaçã o dessa
afirmaçã o. Porque se na existência nos encontrarmos engajados em um processo psíquico
autô nomo que tende a uma meta, isso constituirá nosso destino. E os acontecimentos, que
nada mais sã o do que as situaçõ es pelas quais se passa o nosso percurso, só se tornam
transparentes quando cometidos como tal. As imagens do tarô nã o significam pessoas,
coisas ou eventos, mas projetam pessoas, coisas e eventos dentro do contexto da
inescapá vel odisséia psíquica.

Assim, pode-se dizer que, quando se consulta o Tarô , nã o sã o as cartas que se deve ler:
o que se deve ler é a pró pria vida. Os símbolos nã o sã o resolvidos em situaçõ es, mas
sugerem o significado delas. Por isso, eles coletam o que há de mais imediato na
experiência bá sica, que somos sempre nó s mesmos, nossas paixõ es surdas, nossos desejos
inconscientes, para destilá -lo em entendimento, ou seja, em consciência. Nesse sentido, o
livro de Sallie Nichols aborda o aspecto divinató rio do Tarô , que é um corolá rio de seu
aspecto meditativo.

Meio de autoconhecimento, de descoberta do « ethos », o Tarot é, pelo mesmo motivo,


meio de adivinhaçã o: reconhecimento do « daimon » que orienta o caminho do qual
estamos, muitas vezes sem o suspeitar, começando ponto, curso e meta. Nichols abrange
ambas as dimensõ es com brilho eloqü ente. Se se aprecia a sua clareza e linguagem
coloquial, nã o é menos importante a sua abordagem, que, evitando os exageros e
superstiçõ es que ameaçam qualquer abordagem do Tarot, ajuda-nos a descobrir a riqueza
dos seus símbolos e, com ela, a conhecer-nos a nó s pró prios .

Enrique Eskenazi Barcelona, 1988

INTRODUÇÃO

Uma das principais fontes de dificuldade para entender a natureza e a magnitude da


contribuiçã o que Jung deu à vida de nosso tempo se deve ao fato de que tanto seus
seguidores quanto seus discípulos acreditam que o principal interesse está no que ele
chamou de "coletividade" . inconsciente " no homem. É verdade que ele foi o primeiro a
descobrir e explorar o inconsciente coletivo e a dar-lhe uma importâ ncia e um significado
verdadeiramente atuais. Mas, em ú ltima aná lise, nã o era o mistério desse inconsciente
universal na mente do homem, mas um mistério muito maior que assombrava seu espírito
e o levava a essa investigaçã o, e esse era o mistério da consciência e sua relaçã o com o
grande inconsciente.

Nã o surpreende, entã o, que ele tenha sido o primeiro a estabelecer a existência do


maior e mais significativo de todos os paradoxos: o consciente e o inconsciente existem em
um estado de profunda interdependência, e o bem-estar de um é impossível sem a bem-
estar do outro. . Se alguma vez a conexã o entre esses dois grandes estados do ser se
enfraquece ou se desequilibra, o homem adoece e sua vida perde o sentido. Além disso, se o
fluxo de um estado para outro for interrompido, o espírito humano e a vida na terra cairã o
no caos e na noite negra. Portanto, para Jung a consciência nã o é, como por exemplo para
os positivistas ló gicos de nosso tempo, meramente um estado racional e intelectual da alma
e do espírito. Nã o é algo que dependa apenas da capacidade de articulaçã o do homem,
como sustentam algumas escolas da filosofia moderna, a ponto de afirmar que o que nã o
pode ser articulado verbal e racionalmente carece de sentido e nã o merece ser expresso.
Pelo contrá rio, ele demonstrou empiricamente que a consciência nã o é apenas um processo
racional e que o homem moderno está doente e sem sentido precisamente porque durante
séculos, desde o Renascimento, ele buscou cada vez mais um desenvolvimento errado, sob
a suposiçã o de que a consciência e os poderes de razã o sã o uma e a mesma. E quem pensa
que isso é um exagero, considere o " penso, logo existo " de Descartes e poderá identificar
imediatamente o caos que isso causou na Europa, levando à Revoluçã o Francesa, como
iniciou uma primavera monstruosa na Rú ssia soviética e promoveu a submissã o do espírito
criativo do homem ao que antes eram as cidadelas do sentido da vida, ou seja, as igrejas,
templos, universidades e escolas do mundo.
De seu trabalho entre os chamados « enfermos » e os cientos de « neuró ticos » que
acudiam a ele, Jung obtuvo pruebas de que a maioria desses desó rdenes mentais causavam
um estremecimento de consciência, e que cuanto mais estrecha é e mais racionalmente
enfocada está a consciência do homem, maior é o perigo de se opor entre sí a las forças
universais do inconsciente coletivo, até o ponto de que se levantou, por assim dizer, em
rebeliã o, e invadiu os ú ltimos vestígios de uma consciência tã o dolorosamente adquirida
por o ser humano. A resposta para ele era clara: somente trabalhando continuamente para
aumentar sua consciência, o homem encontrou seu maior significado, bem como a
realizaçã o de seus valores mais elevados. Jung estabeleceu, voltando ao seu paradoxo
original, que a consciência é o sono mais profundo do inconsciente e que até onde se pode
ir seguindo a trilha do espírito do homem, lá onde ele desaparece no ú ltimo horizonte do
mito e da lenda, o homem lutou incessantemente para adquirir uma consciência cada vez
mais ampla, que ele preferiu chamar de " consciência ". Essa consciência, tanto para ele
quanto para mim, incluía todos os tipos de formas irracionais de percepçã o, tanto mais
preciosas quanto sã o as pontes que unem a riqueza inesgotá vel de significado ainda
desconhecido do inconsciente coletivo, sempre pronto para fornecer a reforços que
ampliam e confirmam o conhecimento do homem engajado em uma campanha sem fim
contra as exigências da vida no aqui e agora.

Esta é talvez uma de suas contribuiçõ es mais importantes para uma nova e maior
compreensã o da natureza da consciência; só poderia ser ampliado e renovado à medida
que a vida exigia tal renovaçã o e ampliaçã o; mantendo suas linhas irracionais de
comunicaçã o com o inconsciente coletivo. É por isso que ele levou em consideraçã o todas
as maneiras irracionais pelas quais o homem tentou explorar os mistérios da vida e
estimulou a percepçã o consciente do universo em expansã o ao seu redor em novas á reas
de conhecimento e vida. Isso explica o interesse que ele demonstrava, por exemplo, pela
astrologia e pelo significado do Tarô .

Ele reconheceu, como em muitos outros jogos e artes primordiais de ocultismo e


adivinhaçã o futura, que o Tarô tinha sua origem e raiz em padrõ es profundos do
inconsciente coletivo com acesso a potenciais de consciência aumentada e que eles só eram
adquiridos comparando esses padrõ es.

Esse reconhecimento foi mais uma dessas pontes irracionais que permitiram que o dia
e a noite carregassem, através da aparente divisã o entre consciente e inconsciente, o que
deveria ser um fluxo crescente de trá fego entre a escuridã o e a luz.

Sallie Nichols, em sua extensa pesquisa sobre o Tarô e em sua exegese adequada dele
como modelo de uma tentativa genuína de expandir as possibilidades da percepçã o
humana, prestou um imenso serviço à psicologia analítica, que ela necessariamente
descreveu de uma maneira super simplificado. Seu livro nos enriquece e nos ajuda a
compreender as enormes responsabilidades que a consciência nos impõ e.

Além disso, em seu livro ele fez algo que as pessoas que afirmam conhecer a grande
obra de Jung muitas vezes nã o conseguem. Jung, como uma pessoa profundamente intuitiva
que era, foi levado por sua visã o demoníaca a nã o se deter em nenhum aspecto particular
de sua visã o. Foi necessá rio tudo o que ele estava certo e o método de um cientista
dedicado, como ele, para obter a vontade de permanecer o tempo suficiente em um está gio
particular de seu trabalho para estabelecer empiricamente sua validade. Feito isso, ele
deveria, por assim dizer, desmontar sua tenda intelectual e enviar a caravana mental para a
pró xima etapa de sua jornada sem fim... Seu espírito, como era inevitá vel em um tempo tã o
perigoso como o nosso (um alma instou-o intuitivamente), ele se sentiu desesperadamente
apressado. Como resultado, quase tudo em que ele trabalhou requer expansã o, e Sallie
Nichols prestou, neste livro, um imenso serviço à psicologia junguiana e a todos que tentam
servi-la, expandindo nossa compreensã o do papel de uma importante fonte de
consciência. . Além disso, ele o fez de maneira nã o seca e acadêmica, mas como um ato de
conhecimento que deriva de sua pró pria experiência do Tarô e de suas luzes
estranhamente transparentes. Como resultado de tudo isso, seu livro nã o apenas vive, mas
dá vida a quem entra em contato com ele.

Laurens van der Post

1. INTRODUÇÃO AO TARÔ

O Tarô é um baralho de cartas de origem desconhecida. Supõ e-se que tenha


aproximadamente seis séculos e é o ancestral direto do nosso baralho moderno. Através
das geraçõ es, essas figuras tiveram muitas encarnaçõ es. Uma prova de sua vitalidade é que,
apesar de jogarmos com as cartas que hoje sã o suas filhas, o baralho paterno ainda nã o foi
removido. Na Europa central, este baralho é normalmente usado tanto para jogos de azar
quanto para prá tica de adivinhaçã o. Há alguns anos, a América percebeu seu interesse,
pois, assim como as imagens confusas que aparecem em nossos sonhos, os personagens do
Tarô constantemente chamam nossa atençã o. Quando isso acontece, geralmente significa
que existem aspectos de nossa personalidade que desejam ser reconhecidos . Sem dú vida,
os personagens do Tarô irrompem em nossas vidas (assim como os personagens de nossos
sonhos) para nos trazer mensagens de grande importâ ncia, mas o homem moderno,
embarcado como está na cultura da palavra, tem dificuldade em interpretar o nã o -
linguagem verbal dessas imagens. Nos capítulos seguintes exploraremos juntos as formas
de abordar essas figuras misteriosas em busca de centelhas de luz que nos permitam
compreender seu significado.

A jornada pelas cartas do Tarô é basicamente uma jornada em nossa pró pria
profundidade. O que quer que encontremos nesta jornada é, no fundo, um aspecto do nosso
eu mais profundo. Como a origem dessas cartas remonta a uma época em que o misterioso
e o irracional eram mais reais do que hoje, elas servirã o como uma ponte para nos conduzir
em busca da sabedoria antiga que ainda se encontra no nosso eu mais profundo. Sabedoria
muito necessá ria hoje, tanto para resolver nossos problemas pessoais quanto para
encontrar respostas criativas para questõ es universais que dizem respeito a todos nó s.

Como os baralhos modernos, o Tarô é formado por quatro naipes contendo dez cartas
numeradas: paus, copas, espadas e ouros, de onde saem as espadas, copas, paus e ouros do
baralho francês ou internacional. No baralho do Tarô , cada naipe tem quatro cartas com
figuras: Rei, Rainha, Pajem e Cavaleiro. Este ú ltimo, um jovem montado num corcel,
desapareceu do convés francês, embora nã o do espanhol, onde a Senhora desapareceu.

A gravura que ilustra a pró xima pá gina pertence a um baralho de transiçã o austríaco,
ou seja, um desenho intermediá rio entre o Tarô original e nosso baralho moderno. Um
jovem cavaleiro pode ser visto e nos surpreende que, embora ainda esteja montado, seu
emblema mudou de ouro para diamantes sem que ele descesse do cavalo.

Esta carta é o símbolo da retidã o de intençã o, cortesia e coragem, e seu


desaparecimento no baralho internacional talvez indique a escassez desses valores em
nossa psicologia atual. O Cavaleiro é importante, pois precisaremos de sua coragem e
espírito inquisitivo se quisermos ter sucesso nesta jornada.

Igualmente significativo e misterioso é o desaparecimento em nossos baralhos dos


Trunfos ou Arcanos Maiores , uma série de vinte e duas figuras que nã o pertencem a
nenhum dos naipes mencionados. Cada um tem um nome intrigante: O Mago, O Imperador,
O Amante, A Justiça, O Enforcado, A Lua, etc., e também sã o numerados. Colocados em
sequência, esses triunfos parecem nos dizer algo. O objetivo deste livro será examinar as
vinte e duas letras e decifrar o que elas nos sugerem.

Como o alquimista Mutus Liber (a aparecer mais tarde), os Triunfos podem ser vistos
como uma histó ria silenciosa de experiências encontradas no caminho da auto-realizaçã o.
A razã o de como e por que esse tema foi incorporado no que era e é essencialmente um
jogo intrigou os estudiosos das cartas por séculos. Apenas um dos trunfos sobreviveu à s
nossas cartas modernas : o Coringa . Este sujeito, que tem uma vida tã o variada em cada
baralho, é o descendente direto do Triunfo do Tarô chamado El Loco , que conheceremos
em breve.

Existem muitas e diversas teorias sobre a origem deste Louco e seus vinte e um
companheiros. Alguns acreditam que essas cartas sã o os está gios secretos de algum ritual
de iniciaçã o egípcio; outros sustentam, e talvez com mais probabilidade, que sua origem
está no Ocidente. Desta opiniã o sã o, entre outros, AE Waite e Heinrich Zimmer, que
acreditam que foram concebidos pelos albigenses, uma seita gnó stica que floresceu na
Provença durante o século XII. Acredita-se que eles provavelmente foram introduzidos
entre as cartas vulgares para comunicar idéias heréticas que nã o estavam de acordo com a
Igreja estabelecida. O escritor contemporâ neo Paul Huson pensa que era originalmente um
mnemô nico para necromancia e bruxaria. Gertrude Moakley defende a engenhosa ideia de
que os Arcanos Maiores têm origem esotérica e sã o apenas adaptaçõ es das ilustraçõ es do
livro de sonetos que Petrarca compô s para Laura; este livro foi chamado Il Trionfi , que se
traduz como « Os Triunfos » ou « Os Enganos ».

Fig. 1 O Rei de Ouros

Nos sonetos de Petr Arca , cada um dos personagens alegó ricos luta e triunfa sobre o
anterior. Este tema, muito popular durante o Renascimento italiano, foi tema de muitas
pinturas da época. Estas figuras eram também dramatizadas em cortejos que desfilavam
pelos castelos e vilas em carroças acompanhadas por ilustres cavaleiros. Estes carrosséis
estã o na origem dos nossos actuais carrosséis e circos, onde as crianças brincam de
cavaleiros montados num maravilhoso corcel, enquanto os avó s o podem fazer numa
confortá vel carruagem dourada.
Fig. 2 A Carruagem (Sforza Tarot)

A Figura 2 nos apresenta o nú mero 7 do Tarô , O Carro , em um baralho do século XV


desenhado pelo artista Bonifacio Bembo para a família Sforza em Milã o. Essas cartas
elegantes podem ser vistas hoje na Biblioteca Pierpont Morgan em Nova York. Sobre um
fundo dourado aparece uma carruagem prateada puxada por dois belos corcéis. Deve-se
notar que esses carros triunfais ainda sã o uma parte importante das festas italianas e os
corcéis permanecem nos cavalos de nossos carrosséis.

De fato, pouco se sabe sobre a histó ria do Tarô ou a origem e evoluçã o de seu nome e o
simbolismo dos vinte e dois Trunfos . As inú meras hipó teses, visõ es e revisõ es nã o fazem
senã o confirmar mais uma vez o seu imenso poder de ativar a imaginaçã o humana. Para os
propó sitos de nosso estudo, pouco importa se eles se originaram do amor albigense de
Deus ou da paixã o de Petrarca por Laura; no centro de sua importâ ncia para nó s está a
emoçã o humana autêntica e transformadora. Parece que essas cartas antigas foram
inspiradas na profundidade da experiência humana e no nível mais profundo da psique. É
nesse nível que seu discurso é direcionado.

Como o objetivo deste livro é aprender a usar as cartas do Tarô para entrar em contato
com esse nível da psique, optamos por fazê-lo pelo mais antigo Tarô conhecido, o Tarô de
Marselha. Sendo os jogos de cartas perecíveis, o Tarot " original " já nã o existe e os poucos
vestígios de antigos baralhos que se encontram em museus nã o correspondem aos actuais.
Nenhum Tarô contemporâ neo pode, portanto, ser considerado autêntico. No entanto, a
versã o do Tarot de Marselha mantém, em geral, o sentimento e o estilo de alguns dos
desenhos mais antigos. Existem outras razõ es para escolher o Tarô de Marselha ; em
primeiro lugar, o desenho transcende o pessoal, nã o há indícios de que tenha sido criado
por um indivíduo, como o sã o a maioria dos nossos baralhos contemporâ neos; em segundo
lugar, e novamente ao contrá rio da maioria dos tarô s modernos, ele vem até nó s sem um
livro de instruçõ es, ele simplesmente nos oferece uma histó ria em imagens, uma cançã o
sem palavras que nos persegue como um velho refrã o, evocando memó rias enterradas.

Nã o é o caso dos baralhos de Tarô modernos, muitos deles pintados por pessoas ou
grupos conhecidos e geralmente acompanhados de um livro de instruçõ es em que o autor
tenta nos mostrar em palavras o que nã o captamos nas imagens. É o caso dos Tarô s de AE
Waite, Aleister Crowley, " Zain " e Paul Foster Case.

Embora esses textos sejam frequentemente apresentados como um esclarecimento


dos símbolos das cartas, seu efeito real excede o de um livro ilustrado. Parece que as cartas
do Tarô pretendiam ser uma ilustraçã o para certos conceitos verbais, em vez de mostrar
como as cartas surgiram espontaneamente primeiro e o texto foi inspirado por elas mais
tarde. Consequentemente, os personagens e desenhos dessas cartas parecem mais
alegó ricos do que simbó licos; o desenho aparece como uma ilustraçã o de conceitos
verbalizados e nã o como sentimentos sugestivos e internalizaçõ es ( insights ) que estã o
além das palavras.

A diferença entre um baralho de Tarô acompanhado de um texto e o Tarô de Marselha


é sutil; mas é importante para nossa abordagem do Tarô . A nosso ver, é a mesma diferença
que existe entre ler um livro ilustrado e passear por uma galeria de arte. Ambas sã o
experiências valiosas, mas de efeito muito diferente; enquanto o livro ilustrado estimula
nosso intelecto e nossa capacidade de empatia ao nos conectarmos com os sentimentos e
formas de ver o outro, o passeio pela galeria de arte estimula nossa imaginaçã o, forçando
nossa criatividade a ampliar nosso entendimento.

Outra dificuldade que o estudo apresentaria com outro baralho é que símbolos
estranhos emprestados de outros sistemas foram adicionados a alguns deles, o que implica
uma correspondência exata entre os Trunfos e outras teorias teoló gicas e filosó ficas. Por
exemplo, em alguns baralhos cada carta recebe uma letra do alfabeto hebraico, com a
intençã o de conectar simbolicamente cada Arcana com um dos vinte e dois caminhos da
Á rvore da Vida Cabalística . E ainda nã o há consenso sobre quais letras hebraicas
pertencem a cada Arcana. Símbolos rosacruzes, alquímicos e astroló gicos também foram
adicionados. O nível de conclusã o predominante pode ser visto se contrastarmos as ideias
de Case, « Zaifl », Papus e Hall.

Como todo material simbó lico deriva de um nível de experiência comum a toda a
humanidade, é verdade que alguns dos símbolos do Tarô podem ser relacionados a outros
de sistemas diferentes. Mas aquilo que está no fundo do pisque e que CG Jung chamou de "
inconsciente " é, como seu nome sugere, nã o-consciente. As imagens nã o derivam de nosso
intelecto ordenado, mas apesar dele, pois nos sã o apresentadas de forma desprovida de
ló gica.

Todo sistema filosó fico é apenas uma tentativa de criar uma ordem ló gica para
acalmar o caos que vem do inconsciente, uma tentativa de sistematizar as experiências
desse mundo nã o verbal. É uma treliça, se preferir sobreposta, com a qual tentamos
entender as experiências cruas de nossa natureza mais profunda. Todos estes sistemas sã o
ú teis e, neste sentido, cada um deles é " verdadeiro ", mas ú nico. Tomadas uma de cada vez,
elas nos oferecem a possibilidade de classificar experiências psíquicas, mas a sobreposiçã o
das treliças simplesmente distorceria suas simetrias e utilidade. Além de contribuir para a
confusã o, perderíamos nossa investigaçã o sobre os Arcanos, e nã o pretendemos neste livro
correlacionar a simbologia do Tarô com a de outras disciplinas. Vamos limitar o nosso
estudo aos Arcanos tal como aparecem no Tarot de Marselha e apenas mencionaremos
outras ideias se o seu estudo enriquecer a nossa compreensã o. Como Jung fez, vamos
começar por analogia, sempre deixando o significado do simbolismo livre e ilimitado.

Para definir o escopo de um símbolo, Jung sempre apontou a diferença entre um


símbolo e um signo . Ele disse que um sinal denota um objeto específico ou uma ideia que
pode ser traduzida em palavras (uma cruz vermelha denota um posto de socorro ou
farmá cia, uma fumaça, a existência de um incêndio). Pelo contrá rio, um símbolo nã o pode
ser apresentado de outra forma e o seu significado transcende o meramente desenhado;
por exemplo, a Esfinge, a Cruz.

As imagens das cartas do Tarô contam uma histó ria simbó lica. Como nossos sonhos,
eles vêm de além do nível de consciência e estã o longe de serem compreendidos por nossa
inteligência. Parece apropriado, entã o, nos colocarmos diante dessas cartas como se fossem
algo que nos aparecesse em sonhos e nos falasse de um país distante habitado por
estranhos. Com os sonhos, as associaçõ es pessoais sã o de valor limitado. Podemos nos
conectar melhor com seu significado através da analogia com mitos, contos de fadas,
pinturas, fatos histó ricos ou qualquer outro motivo semelhante que evoque grupos de
sentimentos, intuiçõ es, pensamentos ou sensaçõ es.

Como os símbolos mostrados no Tarô sã o onipresentes e eternos, a utilidade dessa


amplificaçã o nã o se limitará a este livro. As figuras do tarô estã o sempre presentes, de
diversas formas, em nossas vidas. À noite eles aparecem em nossos sonhos para nos deixar
perplexos e maravilhados. Durante o dia, eles nos inspiram a açõ es criativas ou pregam
peças em nossos planos ló gicos. Espero que os materiais aqui apresentados nos ajudem a
nos conectar com nossos sonhos, nã o apenas com aqueles que nos chegam à noite, mas com
aqueles sonhos e desejos que nos acompanham enquanto estamos acordados.
2. MAPA DA VIAGEM

Fig. 3 Mapa de viagem

Antes de iniciar uma viagem, é uma boa ideia ter um mapa. A Figura 3 é este mapa. Ela
nos mostra o terreno que vamos cobrir neste livro. Estã o representados os vinte e dois
Arcanos do Tarô de Marselha , que, como indiquei anteriormente, baseiam-se em alguns dos
mais antigos desenhos sobreviventes. A forma como as cartas sã o dispostas neste mapa nos
dá uma perspectiva preliminar sobre o tipo de experiências que podemos esperar ao longo
do caminho.

A melhor maneira de chegar ao significado pessoal desses cartõ es para cada um de nó s


é olhar diretamente para eles, como faríamos com as pinturas de uma galeria de arte. Tal
como as pinturas, estes Triunfos sã o, cada um deles, portadores de projecçõ es, o que
significa simplesmente que sã o iscas para cativar a imaginaçã o. Psicologicamente falando, a
projeçã o é um processo inconsciente e autô nomo pelo qual primeiro vemos na pessoa,
objeto ou eventos ao nosso redor, aquelas tendências, características, poderes e
deficiências que realmente nos pertencem. Nó s povoamos o mundo exterior com todas as
fadas, bruxas, princesas, demô nios e heró is do drama enterrados profundamente dentro de
nó s.

Projetar nosso mundo interior para fora é algo que fazemos sem querer; é apenas a
maneira como a psique funciona. Na verdade, projetamos de forma tã o contínua e
inconsciente que muitas vezes nem sabemos o que está acontecendo. No entanto, essas
projeçõ es sã o ferramentas ú teis para adquirir autoconhecimento . Pelo fato de vermos as
imagens que lançamos para fora, como reflexos de um espelho de nossa realidade interior,
passamos a nos conhecer.

Em nossa jornada pelos Arcanos do Tarô , usaremos as cartas como suporte para as
projeçõ es. Para isso sã o ideais, pois representam simbolicamente aquelas forças instintivas
que operam autonomamente nas profundezas da psique humana e que Jung chamou de
arquétipos . Esses arquétipos funcionam na psique da mesma forma que os instintos
funcionam no corpo. Assim como um recém-nascido saudá vel chega com o instinto de
sugar ou se assustar com um ruído desconhecido, sua psique também apresenta tendências
herdadas cujos efeitos podem ser igualmente observados. Claro que nã o podemos ver essas
forças arquetípicas, assim como nã o podemos ver os instintos, mas nó s os experimentamos
em nossos sonhos, visõ es e pensamentos, onde aparecem como imagens.

Embora a forma específica dessas imagens possa variar de uma cultura ou pessoa para
outra, seu cará ter essencial é universal. Pessoas de todas as idades e culturas têm sonhado,
feito histó rias e cantado sobre o arquétipo do Pai, da Mã e, do Heró i, do Amante, do Louco,
do Mago, do Diabo, do Salvador e do Sábio . Uma vez que os Arcanos do Tarô representam
todas essas imagens arquetípicas, vamos dar uma olhada rá pida em algumas delas
conforme aparecem em nosso mapa. Ao fazer isso, podemos começar a nos familiarizar
com as cartas e demonstrar como esses símbolos funcionam poderosamente em todos nó s.

Em nosso mapa, os Arcanos, do nú mero um ao vinte e um, estã o dispostos em


sequências de três fileiras horizontais de sete cartas cada. O Louco , cujo nú mero é zero, nã o
tem posiçã o fixa. Ele caminha olhando para as outras cartas. Como nã o tem caixa, o Louco
está livre para espionar todos os outros tipos e pode invadir inesperadamente nossas vidas,
fazendo com que, apesar de toda intençã o consciente, acabemos agindo como loucos.

Este andarilho arquetípico , com sua trouxa e cajado, é altamente visível em nossa
cultura hoje. Mas, sendo um produto de nossa cultura mecanizada, ele prefere cavalgar do
que caminhar. Podemos vê-lo em sua versã o atual com barba e saco de dormir na beira da
estrada, sorrindo enquanto aponta o polegar para nó s na direçã o de nossa marcha. E se
esse personagem representa um aspecto inconsciente de nó s mesmos, estaremos
inclinados a reagir emocionalmente a ele, de uma forma ou de outra. Alguns se sentirã o
instantaneamente compelidos a parar e deixar esse caroneiro andar, lembrando que eles
também, em sua juventude, desfrutaram de um período de peregrinaçã o descuidada antes
de se estabelecerem e adotarem um modo de vida está vel. Outros, que nunca bancaram o
louco na juventude, abraçarã o o vagabundo por representar um aspecto da vida nã o
vivenciado por eles e pelo qual se sentem inconscientemente atraídos.
Também pode acontecer que outro manifeste uma reaçã o negativa em relaçã o a esse
assunto e reaja instantâ nea e violentamente, e de repente se encontre virtualmente
tremendo de raiva. Nesse caso, o motorista pisará no acelerador com raiva, cerrando os
dentes e literalmente fugindo desse inocente voyeur resmungando imprecaçõ es sobre sua "
aparência desalinhada ". O que ele gostaria é de pegar esse " jovem louco " pela mã o, cortar
seu cabelo e dar-lhe um bom banho, fazer a barba e colocá -lo na semana de quarenta horas,
" onde ele deveria estar ". « Tanta irresponsabilidade me deixa doente », ele murmurará ... Na
verdade, sua hostilidade para com esse assunto é tã o avassaladora que ele pode até se
sentir mal. Ao chegar em casa, você se sentirá exausto e inexplicavelmente triste. Mas, no
dia seguinte, quando a visã o obsessiva tiver sido varrida (se for), abrir-se-á dentro dele um
espaço para a pergunta: por que esse sujeito nã o pode vagar por aí como quiser, se quiser?
Que dano isso causa? Mas o " dano " ao observador já foi feito. A simples visã o deste
compadre abriu uma lata cheia de vermes. E estes vêm pulando e se contorcendo como
uma dú zia de perguntas, cada uma pedindo uma resposta. Como seria viver como aquele
cara? Como seria minha vida se eu destruísse meu despertador, meus pertences e passasse
toda a primavera e o verã o caminhando sob o céu azul etc.?

Como nã o há como colocar essas minhocas de volta na lata, nosso motorista ficará
preso em casa, tentando responder a todas essas perguntas e sonhando com sonhos
impossíveis. Talvez, com sorte, ele consiga realizar alguns desses sonhos. Coisas muito
estranhas podem acontecer quando alguém se depara com um arquétipo.

As reaçõ es ao Louco podem ser tã o diversas e variadas quanto as personalidades e


experiências de vida daqueles que o encontram. A verdade é que o contato com um
arquétipo sempre evoca algum tipo de reaçã o emocional. Explorando essas reaçõ es
inconscientes podemos descobrir o arquétipo que está nos manipulando, nos libertar dele e
de alguma forma de sua coerçã o. Assim, da pró xima vez que formos confrontados com essa
figura arquetípica na vida exterior, a resposta nã o será necessariamente tã o irracional e
automá tica quanto descrita acima.

No exemplo acima, a perturbaçã o emocional causada pela visã o de " O Louco " e o
consequente auto-exame podem nã o ter levado a nenhuma mudança radical no estilo de
vida da pessoa. Depois de pensar seriamente em outras possibilidades, pode chegar à
conclusã o de que a vida de vagabundo nã o é para ele. Você pode concluir que, apesar de
todas as consideraçõ es, ele prefere a estabilidade de uma casa, gosta de seu carro e de
outras posses o suficiente para trabalhar duro no escritó rio para comprá -lo. Mas depois de
examinar outras possibilidades, você pode fazer escolhas mais conscientes sobre seu estilo
de vida; ele terá feito amizade com seu desejo oculto de ser o louco por um tempo, talvez
encontre maneiras de expressar essa necessidade no contexto de sua vida atual.
De qualquer forma, da pró xima vez que você vir um sem-teto na estrada, sentirá mais
simpatia por ele. Tendo agora escolhido sua vida, você estará mais apto a deixar que outros
escolham a sua. Tendo feito as pazes com o desertor na realidade interior, você nã o se
sentirá tã o hostil e defensivo quando tal figura aparecer na realidade exterior. Mas o mais
importante de tudo, você terá experimentado o poder de um arquétipo. Da pró xima vez que
você dirigir ao volante, saberá que nã o está sozinho no banco do motorista. Ele saberá que
forças misteriosas estã o dentro dele e que podem guiar seu destino e absorver suas
energias de forma invisível. Assim você estará avisado. O Louco é um arquétipo coercitivo e,
como vimos, muito atual também. Mas todas as figuras do Tarô têm seu pró prio tipo de
energia e, por nã o terem idade, continuam ativas em nó s e em nossa sociedade. A título de
ilustraçã o, vejamos os sete Arcanos representados na linha superior do nosso mapa.

O Mágico , o primeiro deles, representa um má gico prestes a fazer alguns truques. Ele
os chama de truques e é exatamente isso que eles sã o. Ele está se preparando para nos
enganar.

Sua má gica funciona com espelhos, cartas especialmente desenhadas, cartolas de


fundo duplo e com a velocidade de suas mã os. Sabemos de antemã o que é assim, e nosso
intelecto se confunde com epítetos como " charlatão " e ró tulos como " trapaceiro ". Mas
sem perceber, observamos que o resto do nosso corpo é atraído por esse má gico e que
nossa mã o está dentro do bolso, procurando secretamente uma moeda para entrar em seu
show. Ele está roubando nosso dinheiro para nos enganar.

Mais tarde, quando estivermos sentados na platéia esperando o show começar,


veremos que nossos coraçõ es batem mais rá pido do que o normal e que prendemos a
respiraçã o. Mesmo que nossa mente saiba que o que está prestes a ver nada mais é do que
uma demonstraçã o de destreza e destreza manual, o resto de nó s se comporta como se algo
verdadeiramente milagroso fosse acontecer. Nó s nos comportamos assim porque nos
níveis mais profundos do nosso ser ainda existe um mundo cheio de mistério e maravilha;
um mundo que opera além dos limites do espaço e do tempo e também além da ló gica e da
causalidade. Somos atraídos para esse mago externo de forma irracional e compulsiva, pois
dentro de nó s existe um mago arquetípico, ainda mais atraente e convincente do que o
anterior, disposto a nos mostrar que existe uma realidade milagrosa dentro de nó s o mais
rá pido possível. à medida que nos encontramos, nos sentimos realmente prontos para
direcionar nossa atençã o na direçã o deles.

Nã o é de estranhar, entã o, que nosso intelecto se proteja e ponha fim à mera ideia de
magia. Se nossa mente admitisse esse tipo de realidade, correria o risco de perder o
império que sua razã o construiu tijolo por tijolo durante séculos. Mesmo assim, a coerçã o
do Má gico é tã o forte em nossa cultura hoje que muitas pontes começam a ser construídas
entre seu mundo e o nosso, sobre as quais a razã o pode caminhar com firmeza. Alguns
fenô menos parapsicoló gicos sã o agora examinados sob condiçõ es científicas controladas. A
meditaçã o transcendental atrai centenas de seguidores ao oferecer evidências objetivas de
seu efeito saudá vel sobre a pressã o sanguínea e os estados de ansiedade. Usando má quinas
de biofeedback e outras invençõ es, vá rios tipos de meditaçã o estã o sendo estudados e
estamos avançando na pesquisa sobre os efeitos da meditaçã o no câ ncer. Parece que, em
nosso século, as palavras magia e realidade vã o se fundir. Talvez estudando o Mago
possamos alcançar uma nova unidade dentro de nó s mesmos.

A segunda carta da fila é La Papisa , nossa Senhora Papisa, à s vezes chamada de Alta
Sacerdotisa . Simboliza o arquétipo da Virgem , familiar por aparecer nos mitos e nas
escrituras sagradas de vá rias culturas. A apariçã o de uma virgem é um tema tã o
frequentemente observado entre os credos de muitos povos, separados tanto no tempo
quanto na geografia, que sua origem só pode ser explicada como um padrã o arquetípico
inerente à psique humana.

O arquétipo da Virgem celebra uma humilde receptividade ao Espírito Santo e uma


dedicaçã o à sua encarnaçã o em uma nova realidade como o Divino Filho ou Salvador . Em
nossa cultura, o relato bíblico da Virgem Maria representa esse arquétipo. A Papisa é de
alguma forma a representaçã o da Virgem da Anunciação como é conhecida na arte cató lica.
Ela é frequentemente mostrada sentada com o Livro dos Profetas aberto à sua frente, assim
como no Tarô .

O arquétipo da Virgem cativou pintores e escultores por séculos e para cada mulher o
fato da gravidez a coloca como a escolhida para ser portadora de um novo espírito. Hoje ela
se tornou ativa de outra maneira, pois parece que foi a Virgem quem inspirou o que há de
mais autenticamente feminino e corajoso no movimento de libertaçã o das mulheres.

Assim como a Virgem Maria foi escolhida para um destino ú nico para o qual “ não
havia lugar na hospedaria ”, a mulher de hoje é chamada a realizar-se de formas à s quais a
nossa sociedade coletiva ainda hoje fecha as portas. Assim como a Virgem foi obrigada por
sua vocaçã o a abandonar o confortá vel anonimato e a segurança da vida familiar
tradicional, carregando sozinha seu fardo e dando à luz seu novo espírito nas
circunstâ ncias mais humildes, as mulheres de hoje, para as quais ela tem a nova anunciaçã o
soou claramente, eles têm que sacrificar sua segurança e suportar solidã o e humilhaçã o (à s
vezes em circunstâ ncias mais difíceis do que a rotina da dona de casa e da mã e de família)
para trazer à realidade o novo espírito que agita dentro deles. Nesse esforço, um nicho
especial deveria ser dedicado à Virgem para sua veneraçã o, pois ela continua aparecendo
como o ú nico símbolo da força passiva do princípio feminino. Embora dedicada ao serviço
do espírito, a Virgem nunca perdeu o contacto com a sua pró pria feminilidade. Parece
significativo que Maria , uma das figuras mais poderosas de nossa tradição judaico-cristã ,
tenha permanecido em nossa cultura como paradigma da mulher feminina a todo custo.
As pró ximas duas cartas, A Imperatriz e O Imperador , simbolizam os arquétipos do Pai
e da Mã e em larga escala . Pouco precisa ser dito sobre o poder desses dois arquétipos, já
que todos nó s o experimentamos em relaçã o a nossos pais e mã es pessoais ou a outros
seres humanos que tivemos como guardiõ es. Na infâ ncia, provavelmente vimos nossos pais
entronizados como a mã e " boa ", " criadora " e " protetora " e o pai " onisciente ", " poderoso
" e " corajoso ". Quando, como seres humanos, falhamos em desempenhar esses papéis de
acordo com nosso roteiro, muitas vezes sentimos nossa mã e como a Madrasta Má , ou a
Bruxa Negra , e como o Diabo Vermelho , o Tirano Cruel , se fosse o pai. . Foram necessá rios
muitos anos de projeçõ es ridículas até que finalmente pudéssemos ver nossos pais como
seres humanos que, como nó s, possuem potencial para o bem e para o mal.

Mesmo quando adultos, se nossos pais ainda estiverem vivos, podemos descobrir
algumas á reas em que voltamos a padrõ es de costumes típicos da juventude e nos sentimos
“ crianças ” diante de sua paternidade de maneiras diferentes. Quando isso acontece,
podemos sentir que gostaríamos de " romper " com eles, se possível. Mas, do ponto de vista
junguiano , esse suposto confronto com os pais, embora possível, nã o é necessariamente o
primeiro passo para esclarecer nosso problema, pois aqui (como no caso anterior do
motorista e do caroneiro) sã o os arquétipos que estã o em jogo. trabalho . . Qualquer que
seja a personalidade e a açã o de nossos pais (por mais limitada ou inconsciente), teríamos
problemas semelhantes com quem estivesse em seu lugar, desde que nã o tivéssemos nos
conformado com o arquétipo de Pai ou Mã e que cada um de nó s carrega dentro de si. . A
sorte é que nó s e nossos pais somos marionetes em um drama arquetípico, controlados por
trá s por figuras gigantescas; além de nossa consciência.

Enquanto isso acontecer, já pode haver boa vontade, determinaçã o, dedicaçã o, ou o


que for, que o resultado do confronto dos bonecos entre si será apenas mais um
emaranhado entre os fios. Obviamente, a primeira coisa a fazer é virar-se e ficar de frente
para o marionetista para que você veja o que está acima e, se possível, desamarre ou
afrouxe um desses fios. Nos pró ximos capítulos enfrentaremos a Imperatriz e o Imperador ,
e iremos sugerir algumas técnicas para nos libertarmos dos fios invisíveis desses mestres
manipuladores. Uma das maiores contribuiçõ es de Jung para a psicologia é a descoberta
dessa camada do inconsciente e das técnicas para enfrentá -la, pois sem o conceito de
arquétipo estaríamos para sempre presos em uma dança interminá vel com pessoas de uma
realidade mais distante. Sem essas técnicas para separar o pessoal do impessoal,
projetaríamos infinitamente em nossos pais ou nas pessoas ao nosso redor padrõ es
arquetípicos de comportamento que nenhum ser humano poderia incorporar.

O arcano nú mero cinco é O Papa . No dogma da Igreja, o papa é o representante de


Deus na terra e, como tal, é infalível. Ele representa uma figura arquetípica de autoridade,
cujo poder supera o do pai e do imperador . Em termos junguianos, representa a figura do
Sábio . Obviamente, projetar essa infalibilidade e sabedoria sobre-humana em um ser
humano (até mesmo no pró prio Papa) é discutível.

O arquétipo do Velho Sábio , que na Bíblia foi representado pelos profetas hebreus e
santos cristãos , está muito vivo hoje. Ele freqü entemente aparece em nossa sociedade
como um guru de turbante ou como um velho vagabundo barbudo, vestido com uma tú nica
branca e sandá lias. À s vezes ele passou por alguma disciplina espiritual, seja oriental ou
ocidental, e à s vezes até aparece para nó s sem bolsa. Se encontrarmos tal presença e
estivermos inclinados a adorá -la com devoçã o ou a rejeitá -la instantaneamente, podemos
ter certeza de que o arquétipo está em açã o. Mas se o conhecermos como ser humano, ele
pode nos ajudar a ver que a iluminaçã o é, afinal, uma questã o pessoal e nã o institucional.

Como o pró prio Tarô é sá bio e antigo, ele pintou o arquétipo do Velho Sábio para nós
de duas maneiras. O Papa na carta nú mero cinco o mostra em seu aspecto mais
institucionalizado. O Eremita da carta nú mero nove nos mostra como um frade mendicante.
Quando estudarmos essas duas cartas, teremos a oportunidade de entrar em contato com
essas figuras como forças dentro de nó s. Conhecer esses arquétipos nos ajudará a
determinar até que ponto as qualidades que eles simbolizam estã o incorporadas em nó s ou
nas pessoas ao nosso redor.

A carta que segue o Papa chama-se El Enamorado . Aqui encontramos um jovem entre
duas mulheres; cada um deles parece chamar sua atençã o, senã o toda a sua alma.
Certamente, o triâ ngulo eterno é uma situaçã o arquetípica viva em nossa experiência
pessoal. A intriga retratada em O Amante nã o requer mais desenvolvimento aqui, uma vez
que reflete a base de cerca de noventa por cento da literatura e dramas do mundo de hoje.
Quem quiser refrescar a memó ria a esse respeito, basta ligar a televisã o de vez em quando.

No céu, acima e atrá s de El Enamorado , encontramos um deus com arco e flecha que
está prestes a infligir uma ferida mortal que pode resolver o conflito do jovem. É sobre o
pequeno deus Eros , que é, claro, uma figura arquetípica, assim como o jovem. Ele
personifica um ego cheio de juventude. O ego é tecnicamente definido como o centro da
consciência. É ele quem fala em nó s e se pensa como " eu ". Em El Enamorado , esse jovem
ego, tendo de alguma forma se libertado da influência coercitiva dos arquétipos paternos,
agora é capaz de se manter por conta pró pria. Mas ele ainda nã o é seu mestre, pois, como
podemos ver, ele está preso entre duas mulheres. Ele é incapaz de se mover. A açã o
principal desta cena ocorre no reino inconsciente de arquétipos ocultos de sua consciência
atual.

Talvez a flecha envenenada do céu acenda o fogo que o faz partir. Se assim for, teremos
que observar cuidadosamente o que acontece a seguir, pois a partir de agora em nossa
série de Tarô , esse jovem ego será o protagonista do drama do Tarô . Nesse sentido, muitas
vezes nos referiremos a ele como o heró i, pois o que estaremos acompanhando é sua
jornada pelo caminho da auto-realizaçã o.

Na sétima carta, chamada O Carro , vemos que o heró i encontrou um veículo que o
levará em sua jornada e que é conduzido por um jovem rei. Sempre que um jovem rei
aparece em cena, tanto em sonhos quanto em mitos, geralmente simboliza o surgimento de
um novo princípio de conduta. Na quarta carta, O Imperador aparece como a imagem da
autoridade. É uma pessoa idosa, sentada, desenhada em tamanho grande para ocupar toda
a letra. Em The Chariot , o novo governante se move e é desenhado em escala humana, o
que significa que ele está agindo e que é mais acessível do que um imperador. Mais
importante do que isso, é que você nã o está sozinho. Ele é visto atuando como parte de um
todo com o qual o heró i começa a se conectar.

O rei desenhado nesta carta é tã o jovem e inexperiente quanto o pró prio heró i. Se
nosso protagonista coroou seu ego e o colocou no controle de seu destino, o que resta da
jornada nã o será fá cil.

Com El Carro chegamos à ú ltima carta da linha superior do nosso mapa. Chamaremos
esta fileira de Reino dos Deuses , pois estã o representados muitos dos personagens mais
importantes entronizados na constelaçã o celeste dos arquétipos. Agora a carruagem do
heró i o levará para a fileira de baixo, que chamaremos de Reino da Realidade Terrena e da
Consciência do Ego , pois aqui o jovem começa a buscar sua fortuna e estabelecer sua
identidade no mundo exterior. Libertando-se cada vez mais dos laços que o prendiam à "
família " arquetípica desenhada na linha superior, ele tenta encontrar sua vocaçã o,
estabelecer sua pró pria família e assumir seu lugar na ordem social.

Tendo estudado " os deuses " da linha superior, passaremos rapidamente pelas cartas
das linhas seguintes para obter uma visã o ampla de como a trama se desenvolve. A
primeira carta da segunda fila é a Justiça . Aqui o heró i deve avaliar as questõ es morais por
si mesmo. Você precisará da ajuda dela para medir e pesar questõ es difíceis. Em seguida,
vem O Eremita , que carrega uma lanterna. Se o heró i ou protagonista nã o consegue
encontrar a luz de que necessita numa religiã o estabelecida, este frade pode ajudá -lo a
encontrar uma luz mais individual.

A carta que segue o Eremita é a Roda da Fortuna , que simboliza uma força inexorá vel
da vida que parece agir fora do nosso controle, mas que todos devemos enfrentar. A carta
seguinte, La Fuerza ou La Fortaleza , mostra-nos uma senhora domando um leã o. Ela
ajudará o heró i a domar sua natureza animal. Talvez o primeiro confronto nã o seja
totalmente exitoso, pois na carta seguinte, chamada O Enforcado , vemos o jovem
pendurado de cabeça para baixo com um pé amarrado. Aparentemente ele nã o está ferido,
mas está , pelo menos por enquanto, completamente indefeso. Na pró xima carta ele
enfrentará a Morte , uma figura arquetípica diante de cuja foice todos nó s nos encontramos
desarmados. Mas, na ú ltima das figuras desta segunda linha, La Templanza , aparece uma
figura que ajuda. É um anjo que derrama um líquido de um recipiente para outro. Nesse
ponto, as energias e esperanças do protagonista começam a fluir novamente em outra
direçã o. Até este ponto você esteve empenhado em libertar-se das restriçõ es dos
arquétipos que o afetavam pessoalmente no mundo dos seres vivos e eventos, e em
estabelecer um nível para o seu ego no mundo exterior. Agora você está pronto para
direcionar suas energias de forma mais consciente para o mundo interior. Assim como até
entã o buscava o desenvolvimento do ego, sua atençã o agora estará voltada para um centro
psíquico mais amplo, que Jung denominou a si mesmo [ self ].

Se definirmos o ego como o centro da consciência, entã o podemos definir o eu como o


centro que abrange toda a psique, incluindo tanto o consciente quanto o inconsciente. Este
centro transcende o fraco Eu consciente do ego . Nã o é que o ego do heró i deixe de existir, é
simplesmente que ele nã o o experimentará mais como a força central que motiva suas
açõ es. A partir de agora, seu ego pessoal vai se dedicar a um plano que está além de si
mesmo. Você perceberá que seu ego nada mais é do que um pequeno planeta girando em
torno de um gigantesco sol central, o eu .

Ao longo da jornada, o heró i teve pequenas visõ es desse estado interior, mas ao
acompanhá -lo em sua desventura através dos arquétipos dessa fileira inferior, veremos
como sua consciência se amplia e sua iluminaçã o aumenta. Por esta razã o, chamamos a
linha inferior do mapa de O Reino da Iluminação Celestial e da Auto-Realização .

A primeira carta desta linha é El Diablo . Representa Satanás , aquela infame estrela
caída. Cada vez que esse assunto aparece em nosso jardim, traz consigo um raio de luz,
como veremos ao estudá -lo mais adiante. A sequência das quatro cartas que se seguem é A
Torre da Destruição , A Estrela , A Lua e O Sol. Eles representam vá rios está gios de
iluminaçã o em ordem crescente. Estes sã o seguidos por O Julgamento . Aqui, um anjo com
uma trombeta irrompe na consciência do heró i com um glorioso feixe de luz para despertar
os mortos adormecidos. Na terra, abaixo, um jovem se levanta do tú mulo enquanto duas
figuras ao seu lado estã o em atitude de oraçã o e admiraçã o por este renascimento
milagroso.

Com a carta final do Tarô , O Mundo , o eu , agora plenamente realizado, é incorporado


como um gracioso dançarino. Aqui, todas as forças contraditó rias com as quais o heró i teve
que lidar até agora aparecem juntas em um mundo. Nesta ú ltima figura do Tarô , significado
e absurdo, ciência e magia, o pai e a mã e, a carne e o espírito, estã o todos juntos em uma
dança harmoniosa de puro ser. Nos quatro cantos desta carta, quatro figuras simbó licas
parecem testemunhar este ú ltimo milagre.

Concluímos esta primeira visã o dos vinte e dois Arcanos conforme aparecem em nosso
mapa. À medida que seguimos o destino do heró i por meio dessas cartas, veremos a
interconexã o no eixo horizontal, como cada experiência que encontramos ao longo do
caminho evoca a seguinte. Quando passarmos a estudar as cartas da fileira inferior,
estabeleceremos conexõ es no sentido vertical, entre esses arcanos e os imediatamente
acima deles no mapa.

Vamos ilustrar o que dizemos. Conforme organizamos as cartas em nosso mapa, elas
podem ser vistas nã o apenas como três fileiras horizontais de sete cartas cada, mas como
sete fileiras verticais de três cartas cada. Como descobriremos, as cartas também têm uma
conexã o significativa no sentido vertical. Por exemplo, a primeira linha vertical nos mostra
O Mago no topo, O Diabo abaixo e La Justicia sentada como mediadora entre os dois. Muitas
conexõ es podem ser feitas entre essas duas cartas, mas a mais imediata que podemos
considerar é que o aparentemente benigno Mago da carta nú mero um e o má gico Diabo da
carta quinze precisam ser cuidadosamente considerados em nossas vidas. Pois se nã o "
darmos ao diabo o que lhe devemos ", ele o aceitará de qualquer maneira, e se o ignorarmos,
ele agirá de forma destrutiva por trá s. Assim, as cartas nesta linha vertical parecem nos
dizer que, enquanto usarmos os dois pratos da balança da Justiça, haverá menos chance de
algum dos magos nos pregar uma peça pelas costas.

Como veremos mais tarde, as cartas na segunda linha horizontal, o Reino da Realidade
Terrena e a Consciência do Ego , muitas vezes agem como intermediá rias entre as do Reino
dos Deuses acima e as do Reino da Iluminação e Auto- Realização abaixo. Na verdade, todas
as cartas nesta segunda linha, como esta primeira da Justiça, sã o especificamente sobre
equilíbrio. Por exemplo, a Força tenta estabelecer um equilíbrio entre ela e um leã o, e a
Temperança é absorvida na criaçã o de uma interaçã o equilibrada entre os fluidos nas
jarras que contém. De forma mais sutil, as demais cartas dessa fileira podem ser vistas
como símbolos de uma espécie de equilíbrio entre forças antagô nicas. Por esta razã o
poderíamos subtitular a segunda linha horizontal como a do Reino do Equilíbrio .

Pelo que foi dito fica fá cil entender por que Jung escolheu o nome de individuação para
esse processo de auto-realização . Ao confrontar os arquétipos, libertando-nos dos
constrangimentos que eles nos impõ em, torna-se cada vez mais capaz de responder à vida
de forma individual. Como vimos, o comportamento de quem desconhece os arquétipos é
condicionado por forças invisíveis. É algo tã o rigidamente programado quanto o
comportamento instintivo de pá ssaros e abelhas, que sempre reagem de forma pré-
estabelecida a estímulos idênticos; acasalamento, nidificaçã o, emigraçã o, etc., que eles
realizam de acordo com modelos idênticos geraçã o apó s geraçã o. Assim, quando o ser
humano atinge certo grau de autoconhecimento, ele é capaz de fazer escolhas diferentes
das do rebanho e se expressar de uma forma que lhe é pró pria. Tendo estabelecido contato
com seu verdadeiro eu, você nã o será mais sobrecarregado pelas críticas dos outros, sejam
elas internas ou externas. O que " eles " fazem ou dizem terá menos influência em sua vida.
Você poderá examinar os costumes e ideias sociais e adotá -los ou nã o de acordo com sua
escolha. Ele estará livre para agir de maneira que satisfaça suas necessidades interiores
mais profundas e para expressar seu eu mais verdadeiro.

É importante perceber aqui que, à medida que uma pessoa ganha a independência
para ser um nã o-conformista, ela também ganha a confiança pessoal para ser um
conformista. Como Jung frequentemente apontava, uma pessoa individualizada nã o é o
mesmo que uma pessoa individualista. Ele nã o tenta se conformar com os costumes, mas
também nã o sente necessidade de desafiá -los. Ele nã o tenta se separar de seus pares
adotando roupas estranhas ou comportamento inadequado. Pelo contrá rio, realmente
parece uma expressã o ú nica da divindade, você nã o precisa provar isso para ninguém.

Quando encontramos uma dessas pessoas, elas geralmente sã o indistinguíveis a olho


nu do resto de um grupo. Seu comportamento pú blico e roupas nã o o distinguem. Ele pode
estar participando ativamente da conversa ou calado, mas quase instantaneamente há uma
qualidade indefinível em seu jeito de ser que nos atrai. É como se tudo nela, as suas roupas,
os seus gestos, a forma como se senta, lhe pertencesse. Nada nele é sobreposto. Tudo o que
ele diz ou faz parece brotar de dentro, de modo que seus menores comentá rios aparecem
para nó s com um novo significado. Se você está em silêncio, seu silêncio também pertence a
você. É um silêncio confortá vel tanto para ele quanto para nó s. Muitas vezes essa pessoa
parece mais presente e ativa no silêncio do que aquelas que participam de forma mais
ativa. Porque ele está em contato com seu pró prio eu , e o nosso responde, ficar em silêncio
com esse tipo de pessoa pode abrir novos horizontes de consciência. Estando à vontade
consigo mesmo, ele fica instantaneamente à vontade conosco e nó s ficamos à vontade com
ele. Sentimos como se o conhecêssemos desde sempre. A comunicaçã o é tã o aberta e fá cil
que o entendemos e, apesar disso, ele nos preocupa. Por um lado, ele é a pessoa mais
original que já conhecemos e, por outro, é como nó s. É um paradoxo.

O eu é a mais paradoxal e enganosa de todas as forças que atuam no fundo do nosso


inconsciente. É esse eu que expulsará o heró i do ú tero da família, buscará seu destino no
mundo exterior e retornará ao lar para a realizaçã o de sua pró pria individualidade. Ao
acompanharmos o heró i durante a jornada, compartilharemos com ele sua emoçã o, suas
experiências tal como sã o traçadas nos Arcanos.

Existem vá rias técnicas para entrar em contato com as letras. Cada pessoa encontra
sua pró pria maneira de se aprofundar nos desenhos, mas aqui estã o algumas sugestõ es que
foram ú teis para outras pessoas. Por exemplo, há pessoas que gostam de fazer um á lbum de
recortes sobre o Tarô : consideram que os Arcanos ganham vida quando encontram algo
ú nico que se refere a eles. Assim que prestamos atençã o a eles, eles parecem entrar
inesperadamente em nossas vidas. Acontece com frequência que artigos, fotografias,
gravuras e diversas referências sobre o Tarot começam a aparecer, de forma má gica e com
frequência inusitada.

Da mesma forma, estudar uma carta específica parece abrir de repente os armazéns da
imaginaçã o criativa, de modo que insights e ideias vêm à consciência aparentemente do
nada. Essas criaturas sutis sã o tã o efêmeras quanto as borboletas; se nã o os pegarmos na
hora, eles desaparecerã o para sempre. Quando essas explosõ es de criatividade acontecem,
muitas vezes nã o temos tempo para sentar e dar a elas toda a nossa atençã o; Portanto, é
conveniente ter um local fixo para mantê-los seguros, para usá -los como referência no
futuro. Um local onde podemos escrever a ideia base de um enredo, fazer um esboço para
uma pintura posterior ou escrever as linhas principais daquilo que será um poema. Se
tivermos alguma aptidã o para a arte, gostaríamos de desenvolver essas ideias mais tarde;
se nã o o tivermos, o que gostaríamos é de tê-los de reserva para futuras referências na
viagem que fazemos através do nosso Tarot pessoal. Em ambos os casos, um á lbum de
recortes ou bloco de folhas soltas, um para cada um dos arcanos, pode ser um local
conveniente para coletar esse material e tê-lo de fá cil acesso a qualquer momento.

Todos nó s reagimos de maneira diferente a diferentes cartas; alguns nos atraem,


outros nos repelem. Alguns nos lembram de pessoas que conhecemos ou conhecemos no
passado; outros sã o como figuras que vimos em sonhos ou fantasias, e outros sugerem
episó dios dramá ticos. Talvez o que seja realmente importante é que, quando direcionamos
nossa atençã o para uma determinada carta do Tarô e seguimos as sugestõ es que dela
decorrem, estamos abertos a experiências novas e fascinantes.

Os Arcanos sã o melhor estudados em sequência. Sua ordem numérica cria um padrã o,


tanto no tapete quanto dentro de nó s mesmos. Para seguir este modelo, nossa imaginaçã o
nos fornecerá o passaporte necessá rio. Existem muitas maneiras de estimular a
imaginaçã o; entã o aqui estã o algumas das idéias que serviram a outros.

Vá diretamente para cada carta, antes de ler o capítulo sobre ela. Isso lhe dará a
oportunidade de reagir espontâ nea e livremente ao que é desenhado nele. É uma boa ideia
estudar a carta por alguns minutos e depois anotar com autenticidade as reaçõ es, ideias,
lembranças, associaçõ es, o que vier à mente, mesmo que sejam apenas quatro palavras.
Lembre-se de que essas notas sã o apenas para você, entã o, por favor, deixe sua caneta voar
livremente. Nunca censure nada, nã o importa o quã o rebuscado possa parecer, pois pode
conectá -lo com internalizaçõ es posteriores.
Assim como acontece com as pessoas, a primeira impressã o geralmente é mais
significativa do que parece no momento, entã o anote tudo, palavra por palavra. Por favor,
nã o tente analisar, classificar ou rotular o que você escreveu, deixe-o para consideraçã o
futura. Mais tarde, quando você já tiver conhecido aquele Arcano, será interessante
comparar sua primeira impressã o com suas reaçõ es subsequentes. Seja o que for, pense
nisso durante seu trabalho diá rio, guarde esses eventos em sua mente, como você pode
guardar um poema, mas nã o raciocine sobre ele. Os personagens do tarô sã o criaturas da
imaginaçã o, e o foco do intelecto pode fazê-los desaparecer para sempre.

Como os personagens do Tarô nã o podem nos falar por si mesmos, temos que usar
todos os sentidos para chegar à sua essência. Uma maneira incrível de fazer isso é colorir os
cartõ es. O baralho de Tarô de Marselha nã o é vendido sem cor, mas uma versã o em preto e
branco pode ser feita com uma fotocó pia. Invariavelmente, aqueles que assim o fizeram
dizem que sua compreensã o assumiu uma nova dimensã o.

O que quer que você faça (ou nã o faça) em relaçã o à s cartas, lembre-se de que todas as
sugestõ es que damos aqui sã o apenas isso: sugestõ es. Eles servem basicamente como um
aquecimento para nossa imaginaçã o, bem como para introduzir os personagens do Tarô em
nosso mundo, onde podemos ter uma visã o melhor deles. É axiomá tico que os símbolos,
sentimentos e intuiçõ es que chegam até nó s nã o sejam rotulados como “ bons ” ou “ maus ”.
Como será mostrado repetidamente neste estudo, é uma característica dos materiais
simbó licos abraçar os opostos, bem como incluir paradoxos entre os semelhantes. Vivendo
como vivemos num mundo de « isto » ou « do outro », de opostos fixos, pode ser
reconfortante pensar que no mundo dos sentimentos, intuiçõ es, sensaçõ es e ideias
espontâ neas que estamos prestes a abordar, podemos abandonar a régua para medir o «
isto » ou « o outro » que usamos para as nossas escolhas na vida quotidiana. Estamos
prestes a entrar no mundo da imaginaçã o, esse mundo má gico cujas palavras-chave sã o: «
Ambos » e « Além disso ». Como reaçã o a um determinado Arcano do Tarô , nã o podemos
agir " corretamente " se o tentarmos e, ao mesmo tempo, nã o podemos estar errados. Por
isso, é melhor reagir ao Tarô da maneira que mais gostamos, com o coraçã o leve e com as
mã os livres. Que haja espaço para tudo, mas sem esperar nada. Eles devem brincar de
imaginaçã o. Aproveite, aproveite.

Essas, entã o, sã o algumas das formas de explorar o significado das cartas. De tempos
em tempos, adicionaremos mais sugestõ es para os interessados. Nos capítulos seguintes
ampliaremos o significado de cada um dos Arcanos apresentando temas desde mitos,
literatura, teatro, como também das artes plá sticas, que enriquecem sua mensagem. Eles
nã o sã o apresentados como conclusõ es, mas como trampolins para nossa imaginaçã o. A
dimensã o final deste estudo, a dimensã o de profundidade, será encontrada pelo pró prio
leitor; somente ele será capaz de explorá -lo completamente e relacionar suas descobertas
com sua pró pria vida.
Cada um deve descobrir seu pró prio caminho no mundo nã o-verbal do Tarô . Embora
tenhamos que seguir algumas indicaçõ es ao longo do caminho, nã o esqueçamos que as
letras, por si só , como vimos, nã o sã o signos : sã o símbolos . Nenhuma definiçã o precisa
pode ser dada a eles. Sã o expressõ es pictó ricas que apontam para além de si mesmas, para
forças que nenhum ser humano compreendeu plenamente. Hoje, o homem está finalmente
começando a entender que quanto mais inconsciente ele permanece dessas forças
arquetípicas, mais poder elas têm para governar sua vida. Contemplemos, entã o, os
símbolos . Vamos ver como eles se movem, nos conectando com as raízes mais profundas de
nossa histó ria e com as sementes de nó s mesmos que ainda nã o foram descobertas.

3. O BOBO:
NO TAROT E EM NÓS

Fig. 4 O Louco (Marseillaise Tarot)


Se um homem persistisse em sua
loucura, ele se tornaria sábio.

WILLIAM BLAKE

O Louco é um nô made enérgico, imortal e presente em todos os lugares. É o mais


poderoso de todos os Arcanos do Tarot . Como nã o tem nú mero fixo, fica livre para viajar à
vontade, perturbando a ordem estabelecida em suas andanças. Como já vimos, sua força o
carregou através dos séculos até as cartas atuais, onde ele sobrevive na forma de Coringa
ou curinga . Lá também ele continua a alterar a ordem estabelecida; se for no pô quer, pode
substituir o Rei e toda a sua corte. Em qualquer outro jogo, ele explode criando
inesperadamente o que chamaríamos de uma grande confusã o.

À s vezes, quando perdemos um cartã o, pedimos a ele que o substitua, papel que se
encaixa perfeitamente com sua tonalidade multicolorida e seu amor pela mímica. Mas na
maioria das vezes nã o serve a um propó sito definido. Talvez o guardá ssemos no convés
como se fosse um animal de estimaçã o, da mesma forma que a corte mantinha seu bobo da
corte. Na Grécia, havia a crença de que hospedar um louco evitava o mau-olhado. Manter o
Coringa em nosso baralho pode ter funçã o semelhante, já que alguns passaram a chamar os
jogos de cartas de “ retratos do diabo ”.

O Coringa conecta dois mundos, o cotidiano em que a maioria de nó s vive a maior


parte do tempo e o mundo nã o-verbal da imaginaçã o, povoado por personagens do Tarô e
que ocasionalmente visitamos. Assim como Puck , o bobo da corte do Rei Oberon , nosso
Coringa se move livremente entre esses dois mundos e, como ele, os confunde de vez em
quando. Apesar de seus modos um tanto complicados, parece importante manter o Coringa
em nosso baralho moderno, para que ele possa continuar a unir os " jogos que as pessoas
jogam " com o mundo arquetípico dos ancestrais. Sem dú vida, ele observa e transmite
nossas açõ es para Alguém Lá em Cima .

Atuar como espiã o do rei era uma das tarefas importantes do bobo da corte. Sendo um
personagem privilegiado, ele poderia facilmente se misturar com a multidã o e farejar a
fofoca e apreciar o comentá rio político. Existe um ditado italiano ainda em uso, « ser como o
Louco no Tarocchi (Tarot) », que significa ser bem-vindo em qualquer lugar.

O louco de Shakespeare também poderia atuar como o alter ego do rei de outras
maneiras importantes. Por exemplo, em Rei Lear parece simbolizar uma verdadeira
sabedoria que o pró prio Lear nã o alcança até o final da obra. Segundo James Kirsch 1 , o
louco do Rei Lear personifica a parte central da psique, a força que nos guia e que Jung
chamou de self . No Tarô , como veremos, o Louco à s vezes tem o mesmo papel. E como seu
equivalente shakespeariano, o bobo da corte nã o para de se movimentar um instante pela
cena, entrando aqui e ali sem nunca conseguir pegá -lo. Ele gosta de estar onde há açã o e, se
nã o houver, ele cria.

Desenhos de bobos da corte freqü entemente aparecem com um cachorro. Assim como
o cachorro real, o bobo da corte também pertencia ao rei e os dois acompanhavam seu
dono aonde quer que ele fosse. Podemos facilmente pensar que a relaçã o entre esses dois "
animais " da corte era muito pró xima, ainda mais pró xima do que a de mestre e animal,
pois, em certo sentido, eles eram irmã os.

Em muitos baralhos de tarô , o Louco aparece com um cachorrinho que o mordisca,


como se tentasse lhe dizer algo. No Tarot de Marselha (fig. 4) podemos imaginar a natureza
da mensagem do cã o. No Waite Tarot (fig. 6) o animal parece ladrar para avisar do perigo
que se avizinha. De qualquer forma, El Loco está tã o pró ximo de seu lado instintivo que
parece nã o precisar olhar para onde está , no sentido literal da palavra; sua natureza animal
guia seus passos.

Fig.5 Tarô Suíço Fig. 6 Tarô de Waite Fig. 7 Tarô Aquariano

Em algumas cartas do Tarô , o Louco é desenhado como cego, enfatizando assim sua
capacidade de agir por meio da visã o interior e nã o visual, usando a sabedoria intuitiva em
vez da ló gica convencional.
Como o terceiro irmã o louco dos contos de fadas, que ousa ir aonde os anjos temem ir
e ganha a mã o e o reino da princesa, a abordagem espontâ nea do Louco à vida combina
sabedoria, loucura e tolice . Quando esses ingredientes sã o misturados na proporçã o certa,
os resultados sã o milagrosos, mas se a fó rmula for misturada de forma errada, tudo pode
acabar em desastre. É aí que El Loco enlouquece, o que, no caso de um louco, nã o deveria
nos surpreender. Ele é frequentemente retratado como um tolo, com orelhas de burro,
sabendo que admitir a pró pria ignorâ ncia é a maior sabedoria e a condiçã o necessá ria para
todo aprendizado.

Nosso Louco interior nos empurra para a vida, onde a mente pensante é muito
prudente. O que à distâ ncia parece um precipício pode ser, se nos aproximarmos pelo
caminho do Louco, apenas uma pequena ravina. Sua energia varre qualquer coisa que
apareça em seu caminho, varrendo os outros como folhas sopradas pelo vento. Sem a
energia do Louco, nã o passaríamos de papelã o.

No livro Os Grandes Trunfos 2 , Charles Williams explora uma ideia semelhante. Lá O


Louco é a figura central do Tarô . Vê-lo dançar é entender o mistério de toda a criaçã o, pois
sua essência tudo abarca e é paradoxal. Ele caminha para frente, embora olhe para trá s,
conectando assim a sabedoria do futuro com a inocência da infâ ncia. Sua energia é
inconsciente e sem objetivo, mas com um propó sito claro em si. Ele se move para fora do
espaço e do tempo. Os ares de profecia e poesia habitam em seu espírito. Embora vagueie
sem rumo, permanece intacto ao longo dos anos. Sua vestimenta multicolorida nos lembra
o arco-íris com os brilhos da eternidade. Como as formas de um caleidoscó pio que
aparecem e desaparecem, assim o Louco entra e sai de nosso mundo, invadindo de vez em
quando os Arcanos do Tarô , como veremos mais adiante.

Sua natureza mutá vel parece ser expressa em seu cetro de bobo da corte, que
apresenta uma réplica de sua cabeça, com quem ele frequentemente mantém conversas
sérias. Essa ideia é realizada de maneiras muito sutis. Em alguns baralhos, um Louco de
aparência séria segura um espelho, cuja imagem parece zombar e mostra a língua. Em um
baralho austríaco do século 15, uma boba da corte segura o espelho para nó s! A imagem no
espelho é aqui a de uma triste figura masculina, e aparece uma inscriçã o: « Mulher boba
olhando para sua cara de idiota no espelho ». 3

Muitas das ambigü idades do arquétipo do Louco estã o retratadas em um baralho


francês de origem desconhecida que alguém me deu há trinta anos e que nã o vi
reproduzido em nenhum outro lugar (fig. 8). Nesta carta, o Louco aparece desenhado como
um velho mendigo de barba branca e olhos vendados. Em sua mã o direita ele carrega seu
cetro de bobo da corte (seu alter ego) para que ele o preceda e guie seus passos hesitantes.
Talvez toque seus sinos para avisar o Crocodilo Tolo que está esperando agachado. O
cachorrinho que late para seu dono também parece avisá -lo de algum perigo. Como sinal de
que esse mendigo está em contato com seu lado instintivo, ele carrega um violino debaixo
do braço esquerdo. Sua mú sica irá acompanhá -lo enquanto você canta para o jantar na
pró xima cidade, ajudando a manter sua alma em paz e harmonia ao longo da estrada
solitá ria.

Em total contraste com o jovem Louco do Tarô de Waite , que vimos prestes a partir
em sua aventura, esse velho andarilho está agora chegando ao fim de sua longa jornada. Ele
nã o é cego, mas está com os olhos vendados, indicando que sua cegueira é voluntá ria para
nã o prestar atençã o aos estímulos que vêm de fora, para poder contemplar a vida com o
olho interior. Ele também dispensou a companhia humana e se dedica ao diá logo com seu
eu intuitivo , personificado em seu cetro de bobo da corte, e com a companhia muda de seu
cachorro. A eterna e tradicional figura arquetípica do triste e sá bio Bobo manteve-se viva
na literatura e na arte ao longo dos séculos e aparece hoje diante de nó s na figura do
palhaço chaplinesco e dos tristes bufõ es, cujos mundos olham para o nosso desde as telas
de Picasso, Rouault e Buffet. O triste Louco está relacionado com o arquétipo do Velho
Sábio , protó tipo que veremos personificado na carta nú mero nove: O Eremita .

O lugar que esse bobo da corte ocupa na série do Tarô é apropriadamente quixotesco.
Em alguns baralhos, com o nú mero zero, abre o baralho; em outras, com os vinte e dois,
fecha o desfile dos Arcanos. Do nosso ponto de vista, o fato de ele ser o primeiro ou o
ú ltimo nã o importa; é ambos e nenhum deles. Sendo uma criatura em movimento perpétuo,
ela dançará pelas cartas todos os dias, conectando infinitamente do começo ao fim.

Como esperado, os detalhes do guarda-roupa do Louco combinam muitos opostos em


seu design. Seu capuz, embora pretendesse zombar do monge, revela uma conexã o séria
com o espírito. Os seus sinos ecoam o momento mais solene da missa e, lembrando-nos a fé
infantil dos loucos, remetem-nos para a exortaçã o de Sã o Paulo: «Sejamos loucos, por causa
de Cristo ».

O talismã do bobo da corte, uma crista com sinos, combina a verdade séria com um
embelezamento alegre. O galo com seu canto nos adverte sobre o surgimento de uma nova
consciência, um novo despertar para as antigas verdades. Pelo que se vê, esse milagre nã o
vai acontecer no céu estrelado, mas no alvoroço do curral. Em vez de nasceres do sol
iridescentes e anjos com trombetas de ouro, o Louco nos mostra a crista de um galo, aquela
bela e fértil ave que tem uma conexã o tã o significativa com o Getsêmani. À luz desses
comentá rios, parece apropriado pensar que os albigenses, a quem atribuímos a criaçã o
desses Arcanos, o escolheram para se disfarçar de loucos. Sentindo-se traídos pela
corrupçã o da Igreja, também eles proclamaram um novo espírito; eles devem ter ficado
felizes em enlouquecer as autoridades, camuflando suas ideias revolucioná rias entre as
cartas de um baralho.

O vestido do Louco é o símbolo por excelência da uniã o de diferentes tipos de opostos.


As suas cores variadas e o seu desenho irregular parecem falar de um espírito discordante,
embora se possa vislumbrar um modelo de ordem neste aparente caos. O Louco se
apresenta como a ponte entre o mundo caó tico do inconsciente e o mundo ordenado da
consciência. Por isso, como veremos mais adiante, o associamos ao arquétipo do Malandro .

Fig. 8 O Louco (Tarô Francês Antigo)

A palavra " tool " ( tolo ) vem do latim follis , que significa " fole, balão, air bag ". Um
baralho austríaco nos mostra o Louco com capuz de monge e sinos, tocando gaita de foles. 4
Nos circos de hoje vemos como os palhaços usam foles e se sacodem com capuzes vazios,
mantendo assim a retumbante loucura de suas origens. O fole fornece o oxigênio necessá rio
para a combustã o, da mesma forma que o Louco fornece o espírito ou ímpeto para a açã o.
Ele nos " incendeia ". À s vezes, o Louco do Tarô usa uma pena no chapéu, o que também nos
faz pensar em sua ligaçã o com os espíritos celestiais. O bobo da corte também pode ser
como um balã o, cheio de ar quente como sugere a palavra " bobo da corte " (do latim bufo ,
que significa " sapo " e do italiano buffare , " soprar ").

Em El Loco, os extremos sempre se encontram. William Willeford observa que


tradicionalmente o bobo da corte estava ligado ao falo tanto no sentido imodesto quanto no
sentido fértil. 5 O falo foi carregado nas procissõ es gregas e romanas, assim como nos
Arlequins do Renascimento . Um exemplo mais atual desse tema é o serzinho criado pela
revista de humor britâ nica Punch, cujo personagem é um ser minú sculo com um enorme
falo. Os bobos da corte europeus costumavam usar um capuz em forma de falo. Seu cajado
com dois sinos pendurados é obviamente outro símbolo de fertilidade; sua « ferramenta ».
Ao mesmo tempo, este brinquedo é o cetro do Louco, que o conecta ao Rei como seu alter
ego.

À s vezes, o Louco, pintado como o equivalente do Rei, usa uma coroa. A coroa é
simbolicamente uma auréola dourada aberta no topo para receber a iluminaçã o do alto.
Assim, tanto o rei quanto o Louco recebem inspiraçã o divina. Visto que o rei reina por
direito divino, seu equivalente tem o direito igualmente divino de criticá -lo e oferecer
sugestõ es alternativas.

A ilustraçã o a seguir (fig. 9) mostra-nos um rei atual e um bobo da corte.


Surpreendentemente semelhantes em fisionomia, esses dois personagens usam coroas
idênticas e peculiares. Esses cocares sã o pretos, quadrados e só lidos no topo, de modo que
parecem telhados em miniatura que os protegem tanto da iluminaçã o do céu quanto de
suas lá grimas.

Muitos acreditam que essas coroas nã o valem nada hoje e aqueles que as usam sã o
chamados de " quadrados ". Esses cocares fazem com que todos os seus usuá rios pareçam e
se comportem de maneira semelhante. Como mostra a ilustraçã o, à s vezes é difícil dizer
quem é o rei e quem é o bobo da corte. A missã o do bobo da corte real era lembrá -lo de
suas extravagâ ncias, da mortalidade de todas as pessoas, bem como ajudá -lo a se defender
dos frutos de seus pecados e de seu pró prio orgulho. Um bobo da corte que é quase igual ao
rei nã o pode ser ú til para ele nesse aspecto, nem pode defendê-lo do " mau-olhado ". Como
pode ser visto no " caso Watergate " na década de 1970, um tribunal composto
exclusivamente por Tier-Levitas está condenado.

Fig. 9 Rei e bobo da corte

Como o Louco contém pó los de energia opostos, é impossível detê-lo. No momento em


que pensamos ter capturado sua essência, ele se vira, retorna ao seu oposto e provoca por
trá s. É a combinaçã o de sua ambivalência e ambiguidade que o torna tã o criativo. Sobre
esse aspecto do Louco, Charles Williams disse: « Ele é chamado de Louco, porque a
humanidade pensa que ele é louco até que o conheçam; ele é soberano e nada, e se ele não é
nada, então ele é um morto-vivo ». 6 O Louco abrange todas as possibilidades.

Parece significativo que, hoje, os jovens de coraçã o de qualquer idade andem como ele,
vestidos de cores e remendos, com capuzes e guizos. Muitos se tornam globetrotters
viajando com um saco com todos os seus pertences mundanos nas costas. Alan McGlashan 7
em seu livro The Savage and Beautiful Country , considera esse fenô meno como uma
tentativa do inconsciente de retornar à s raízes em busca do solo criativo do É den, para
reativar o poder ilimitado da primeira criaçã o. Muitos jovens hoje estã o deixando
instituiçõ es reconhecidas de ensino superior para buscar a verdade que está mais
profundamente enraizada no solo de seu ser essencial. Talvez as cores psicodélicas dos
anos sessenta e setenta já anunciassem o surgimento de uma nova consciência para toda a
humanidade.

O nome francês do Louco, Le Fou , cognato da palavra para " fogo " ( le feu ), ecoa sua
conexã o com a luz e a energia. Como nos diria o pró prio bobo da corte: « Eu sou luz e viajo
na luz » (ambos trocadilhos amorosos). Como símbolo do fogo de Prometeu, o tolo
arquetípico incorpora o poder transformador que criou a civilizaçã o e também pode
destruí-la. A sua capacidade de criar ou destruir, de ordem e anarquia, reflete-se na forma
como é apresentado no antigo Tarot de Marselha . Ele o encontra trilhando seu pró prio
caminho sem se importar com o que a sociedade pensa dele, sem sequer um caminho para
guiá -lo, embora ele use o traje do bobo da corte, o que indica que ele tem um lugar de
destaque dentro da ordem dominante. Na corte, ele desempenha um papel ú nico como
companheiro do rei, confidente e crítico privilegiado. Como o Navajo Trickster Coyote, o
Louco recebe um papel especial na ordem social. A presença deles serve como um lembrete
aos poderes governantes de que a necessidade de ilegalidade existe na natureza humana e
deve ser considerada.

A presença de bobos nas cortes e famílias nobres começou em tempos remotos e


continuou até o século XVII. Essa prá tica nos mostra a ideia de que devemos deixar um
lugar para o fator que rejeitamos em nó s mesmos e admiti-lo em nosso pequeno pá tio
interior, o que psicologicamente significa que devemos admiti-lo. É bom manter o Louco
visível, onde podemos vigiá -lo. Se o excluirmos de nossa consciência, ele pode nos pregar
peças que, embora possam ser " práticas ", à s vezes sã o difíceis de apreciar. Se o aceitarmos
interiormente, o Louco pode nos trazer novas ideias e novas energias. Se quisermos nos
beneficiar de sua vitalidade criativa, devemos estar dispostos a tolerar seu comportamento
nã o convencional. Sem suas observaçõ es cruéis e admoestaçõ es sá bias, nossa paisagem
interior poderia se tornar estéril. Assim, o velho ditado de que “ manter um louco em casa
protege do mau-olhado ” nã o é apenas uma superstiçã o, mas uma verdade psicoló gica de
valor constante.
Outra técnica usada na antiguidade para proteger a sociedade contra levantes
imprevistos de necessidades cíclicas de destruiçã o era conceder certos períodos de
permissibilidade, como os Festivais dos Loucos, onde todas as convençõ es estabelecidas
eram suspensas por alguns dias. Nessas ocasiõ es, a ordem natural das coisas era
perturbada. Os rituais mais sagrados foram parodiados de forma obscena, dignitá rios do
Poder e da Igreja foram ridicularizados, permitindo assim que sentimentos de rebeliã o e
hostilidade há muito reprimidos se manifestassem.

Hoje o espírito desta festa saturnal vive diluído nas celebraçõ es do Carnaval e, em
menor medida, no Dia da Mentira, Fim de Ano e San Juan, em circos, desfiles, rodeios,
festivais de rock e outros eventos em que o espírito festivo vive em. A erupçã o da magia
negra em nossa cultura, assim como o crescente interesse pela feitiçaria e adivinhaçã o,
indica nossa necessidade de incluir o irracional de uma forma mais aceitá vel.

Existem maneiras muito menos dramá ticas de aceitar o Louco em nossas vidas; uma
delas é admitir livremente nossa pró pria loucura. Quando conseguimos fazê-lo em uma
situaçã o de conflito, os resultados podem ser inusitados. Sem encontrar resistência, o
antagonismo cai de cara no chã o e o adversá rio fica dando uma pirueta no ar. Mais
claramente, a energia que antes usamos para defender nossa pró pria estupidez é liberada
para usos mais criativos. Assim que o coraçã o pode ser aberto para admitir o Louco, muitas
vezes acontece que o riso dissipa a hostilidade, e todas as partes do conflito acima
terminam com Puck rindo da loucura dos mortais. De qualquer forma, o Louco é um bom
personagem a ser consultado quando todos os nossos planos dã o errado, deixando-nos
desamparados à deriva. Nessas ocasiõ es, se ouvirmos, podemos ouvi-lo dizer com um
encolher de ombros: " Quem não tem um objetivo fixo nunca pode se perder ."

Como mencionei antes, existem muitas versõ es do Tarô . Mostramos vá rias das
diferentes figuras do Louco no Tarô , pois cada uma delas nos permite destacar alguma
faceta importante de sua complexa personalidade. A primeira delas é uma antiga carta
suíça (fig. 5) que o apresenta como puer aeternus , um jovem de vigor imortal (embora
tenha séculos). Seu cetro lembra a Flauta Má gica de Papageno , que podia fazer seus
inimigos dançarem apó s dissipar seu ó dio. Se pudéssemos sintonizar, certamente seria
uma bela forma de evitar a discó rdia e a guerra.

A flauta também nos lembra aquele infame « Flautista de Hamelin ». (Existe, de fato,
um baralho alemã o em que o Coringa é desenhado como o flautista seguido de ratos
encantados.) Da mesma forma, o Louco do baralho suíço pode nos tirar das convençõ es em
que estamos imersos e retornar ao mundo infantil da fantasia e imaginaçã o. É preciso ter
cuidado, porém, com sua magia: se nos esquecermos de pagá -lo, ele pode nos fazer dançar
como seus ratos, prisioneiros no mundo dos instintos, sem nenhum tipo de salvaçã o até
que tenhamos pago a dívida pendente. Parece que pedimos que você mantenha um bom
relacionamento com nosso Louco. Assim, como ele, poderemos viajar livremente, entrar e
sair dos mundos da fantasia etérea e da realidade terrena.

Um bom exemplo do acordo trabalhista entre o mundo dos adultos e o da eterna


infâ ncia é simbolizado na histó ria de Peter Pan . Este menino, como o flautista de Hamelin,
tirou as crianças da trilha batida. Mesmo que nã o usasse os sinos do Louco, ele podia voar e
gostava de cantar como um galo. Como o tolo arquetípico , ele engloba os opostos, pois
possui uma sombra escura que sabiamente costurou em si mesmo para que nã o fosse
perdida ou esquecida.

Quando Peter Pan levou os filhos da sra . na Terra do Nunca para ajudar na limpeza da
primavera. Talvez, se permitirmos que o Louco entre em nossas vidas, ele nos ensine a voar
e nos dê um salvo-conduto para seu país, desde que o ajudemos a se enfeitar um pouco.
Claro, ele precisa de nosso intelecto ordenado em seu país do Nunca-Nunca tanto quanto
precisamos de sua vitalidade e criatividade para o nosso mundo do Sempre-Sempre .

O aspecto complicado do Louco é realmente complicado. Como observa Joseph


Henderson, o trapaceiro é completamente amoral. Ele nã o se submete a nenhuma
disciplina e é guiado apenas por sua atitude experimental perante a vida; da figura desse
trapaceiro emerge finalmente a do Herói-Salvador . Uma necessidade inescapá vel para essa
transformaçã o é que o jovem trapaceiro tem que pagar por seus escâ ndalos. Literalmente,
Henderson diz que " o impulso do trapaceiro nos fornece o maior obstáculo à iniciação e é
um dos problemas mais difíceis que a educação tem de resolver, pois parece uma ilegalidade
divinamente sancionada que promete tornar-se heróica" . 8

Devido, talvez, ao reconhecimento tardio do poder heroico da juventude, a sociedade


hoje admite seus modos e maneiras, vestimentas e até uma certa ilegalidade nos jovens. O
fato de muitos adultos adotarem trajes e costumes juvenis pode indicar uma tentativa
inconsciente de encontrar em si mesmos seu potencial heró ico nã o realizado.

À s vezes, essa tentativa inconsciente de entrar em contato com o potencial nã o


realizado de heroísmo interior pode surgir de maneiras estranhas e violentas. Um exemplo
notó rio foi a tentativa de assassinato do presidente Ford, estrelada pelo jovem Squeaky
Fromm . Nã o contente em bancar o palhaço arquetípico, como um equilíbrio ousado de
regras e leis estabelecidas, Squeaky queria derrubar o estabelecimento de uma vez por
todas. " Não deu certo ", disse ela. Mas esse jovem Louco equivocado consumou sua atuaçã o
quando sua fotografia apareceu na capa da revista Newsweek (15 de setembro de 1975)
usando o típico boné vermelho do Louco na cabeça (fig. 10).
Em nossa jornada em direçã o à individuação , o tolo arquetípico frequentemente nos
mostra a resiliência e a iniciativa inerentes à sua natureza, influenciando nossas vidas de
maneiras mais criativas e menos drá sticas. Sua curiosidade impulsiva nos leva a sonhos
impossíveis enquanto, ao mesmo tempo, sua natureza lú dica nos traz de volta ao mundo
fá cil de nossa infâ ncia. Sem ela jamais empreenderíamos o esforço de autoconhecimento;
mas com ele somos sempre tentados a ficar vagando pelas periferias. Uma vez que é uma
parte de nó s mesmos separada de nosso ego consciente , ela pode criar armadilhas mentais
para nó s, pelo menos confundindo nossa linguagem ou fazendo-nos escorregar . À s vezes,
suas piadas nos levam a lugares que nossos egos nunca ousaram ir. *

É evidente que o Louco como Heró i-Trapaceiro pode nos pregar boas ou má s peças
dependendo do ponto de vista de cada um. Marie Louise von Franz o descreve como " meio
demônio, meio salvador... ele pode ser destruído, transformado ou reformado ao mesmo
tempo no final da história ." 9 Nos capítulos seguintes veremos o Louco do Tarô (e/ou heró i)
através dos vinte e um está gios de sua transformaçã o. Muitos milagres terã o que acontecer
para que o louco conglomerado de energias simbolizado pelo bobo da carta zero, surja na
carta vinte e um como o Mundo, um dançarino sereno que se move ao ritmo das esferas.

Fig. 10 Squeaky Fromme como o tolo


(Copyright 1975, da Newsweek, Inc. Todos os direitos reservados. Reproduzido com permissã o.)

No baralho suíço, o Louco é chamado de Le Mat , literalmente “ o louco ”.


Freqü entemente, os bobos da corte eram realmente retardados. Embora curtos em
questõ es de intelecto, eles tinham um relacionamento especial com o espírito. Quando ele
chama esse Louco de " uma figura religiosa arquetípica ", von Franz o relaciona com a
funçã o inferior, o termo junguiano para o aspecto subdesenvolvido da psique. Em seu livro
Lectures on Jung's Typology ele compara o Louco a " uma parte da personalidade, mesmo da
humanidade, que foi deixada para trás, encurralada, e por isso ainda carrega em si a
totalidade original da natureza ". 10
À s vezes chamados carinhosamente de " os amigos de Deus ", esses loucos eram
mantidos e mimados pela sociedade. Esse costume sobrevive até hoje e tem seu
paralelismo no " idiota da aldeia ", que costuma ser mantido e protegido por toda a vila.
Somente nas sociedades que se dizem desenvolvidas, essas aberraçõ es da norma nã o sã o
mais toleradas, mas remetidas à s instituiçõ es.

Se o Louco aparecesse por aí com seu nome italiano, Il Matto, esse é o louco, com
certeza ele teria sido expulso de nossa sociedade, pois a demência é uma condiçã o do
espírito humano muito temida hoje. Aqui também vemos como o poder estabelecido se
torna cada vez mais intolerante com tudo o que se desvia do que se decidiu chamar de "
normal ". Nã o há dú vida de que o aumento alarmante do uso de drogas se deve, em parte, à
severidade das geraçõ es que nos precederam. Aparentemente, só as drogas poderiam
adormecer a consciência a ponto de nos sentirmos capazes de derrubar as barreiras
artificiais que separavam esses dois mundos. Agora, muitos daqueles que usaram drogas
para abrir caminho para sair dessa rígida prisã o cultural encontram-se desarmados do
outro lado da barreira, incapazes de encontrar abrigo de qualquer tipo contra os vendavais
caó ticos da psicose. As doenças mentais estã o aumentando em um ritmo alarmante.
Ironicamente, mas nã o surpreendentemente, o que mais temíamos caiu sobre nó s.

Paradoxalmente, o caminho para a verdadeira saú de passa muitas vezes pela


infantilidade e pela loucura. Em certas cerimô nias primitivas, o médico e o paciente agem "
como loucos " para fazer com que o mal reinante se reverta, transformando-se em seu
oposto. Em King Lear , o protagonista, desamparado como uma criança, tem que vagar
sozinho por tempestades e calores até que finalmente possa chegar a uma visã o nova, real e
clara de sua alma. É uma característica da visã o interior de Shakespeare que Edgar,
disfarçado de louco, é aquele que leva Lear à sanidade. O Louco pode bancar o diabo,
induzindo-nos à loucura, mas também pode nos conduzir ao caminho da salvaçã o.

Comentando o aspecto salvífico da infantilidade e da loucura, McGlashan diz o


seguinte:

« O homem deve retornar às suas origens pessoais e raciais e aprender novamente as


verdades da imaginação. E neste trabalho dois estranhos professores irão ajudá-lo: a criança,
que meio que entrou no mundo racional do espaço e do tempo, e o louco, que meio que
escapou dele. Pois apenas esses dois seres estão de alguma forma libertos da pressão
arrependida dos acontecimentos cotidianos e do impacto incessante dos sentidos externos
que atormentam o resto da humanidade. Esses dois tipos originais viajam leves, vão longe em
suas jornadas solitárias, às vezes trazendo-nos um rebento brilhante da Floresta de Ouro por
onde vagaram. » 11
O Louco como Salvador em potencial é o que o baralho pintado com amor mostra na
virada do século sob a direçã o de AE Waite. Este encantador jovem pajem em seu vestido
florido e rosa na mã o parece quase andró gino, combinando alegremente qualidades
masculinas e femininas ao mesmo tempo. Em muitas culturas primitivas, os deuses, assim
como os primeiros humanos, eram considerados bissexuais, simbolizando o estado
primitivo de totalidade que existia antes da separaçã o dos opostos: céu- terra , macho-
fêmea .

A vestimenta que o Louco usa o conecta, entã o, com as duas coisas ao mesmo tempo:
com o poder primordial do Criador e com a inocência do recém-criado. Apesar do
precipício à sua frente, o jovem Bobo de Waite dança sem se preocupar com isso. Sua
cabeça está cercada pelas nuvens de sonho de um mundo perfeito, livre de toda miséria, e
seu coraçã o anseia por aventuras e amores. Ele parece tã o ingênuo quanto Parsifal. Como
Parsifal, o Grande Bobo, ele nã o tem ideia do que pedir da vida, ou mesmo que algo deva
ser pedido a ele; Ele tem, no entanto, um cachorrinho que sente o cheiro do perigo e o
ajudará a evitá -lo.

Como Parsifal, a conexã o do Louco com seu aspecto instintivo tem o poder de salvar
nã o só ele, mas toda a humanidade. Joseph Campbell escreveu que é precisamente a total
confiança de Parsifal em sua intuiçã o natural que o levou a desconsiderar os costumes
estabelecidos, as convençõ es e os conselhos de seus anciã os, de modo que, no final, ele fez a
ú nica pergunta necessá ria para redimir o Mundo Perdido em sua totalidade. Talvez o jovem
Mad Waite salve a si mesmo (e a todos nó s). Como o príncipe Mishkin em O Idiota, de
Dostoiévski , ele é a epítome do poder redentor da simplicidade aliada à fé. Como todos os
loucos, ele foi tocado pela mã o de Deus.

Deus toca o insano de muitas maneiras; em tempos passados, as deformidades do


corpo eram vistas como sinais especiais de Deus. Anõ es, corcundas, eram frequentemente
escolhidos para atuar como bobos nas cortes ou casas reais da época. Alguns pais
gananciosos fizeram seus filhos sofrerem tais deformidades, vendando-os para que
pudessem aspirar ao tã o desejado lugar na corte. Sem parar para verificar se esses seres
eram assim devido à mã o milagrosa de Deus ou à s artimanhas e maldades de seus pais, a
verdade é que na maioria das vezes eram seres dotados de profundidade e sabedoria
incomuns. Excluídos por sua deformidade física dos interesses e atividades da maioria das
pessoas, através de seu sofrimento e solidã o, essas pessoas foram forçadas a encontrar
recursos dentro de si mesmas. A ironia do palhaço triste já foi tema de grandes obras de
arte, como a tela de Picasso, a de Rouault e também no palco, Rigoletto e Pagliacci, mas em
nenhum lugar a dignidade humana e a capacidade do ser humano foram tã o
admiravelmente descritas. transcender o sofrimento como em Don Sebastiá n de Morra, de
Velá zquez.
O Bobo , seja como bobo da corte, como palhaço de circo ou como malandro, é sempre
um ser solitá rio e triste que está longe das fofocas anô nimas que o mundo ao seu redor
aprecia. No baralho moderno chamado Tarot de Aquário , aparece o Louco que capta esta
solene ideia de outra forma (fig. 7). Nos tolos anteriores de outros baralhos, sempre o
vimos se movendo para a direita (tradicionalmente o lado consciente), enquanto aqui ele se
move para a esquerda, em direçã o à esquerda (lado inconsciente). Todos os outros loucos
estã o saindo para o mundo extrovertido da açã o, simbolizando a evoluçã o da consciência
em direçã o à experiência exterior. O Bobo de Aquário , como muitos jovens de geraçõ es
anteriores nã o o fizeram, deixa esse tipo de realidade para alcançar com calma um
vislumbre da orla de outro mundo. Talvez, como muitos jovens de sua idade, ele esteja
explorando o mundo interior dos sonhos e visõ es. Ele é de longe o mais solene de todos os
Locos que vimos até agora, é o ú nico que parece estar olhando para onde está indo. Parece
estar dirigindo seu olhar para um objetivo distante. Embora seja desenhado quando jovem,
nã o há nada nele que nos faça pensar em um jovem louco e inexperiente que se joga sem
objetivo. Parece que você está pensando seriamente nas etapas de auto-realizaçã o com a
dedicaçã o e o propó sito que só surgem na segunda metade da vida. Parece que se retirou
da vida, antes de a ter vivido. Talvez você sinta que nosso mundo e seus valores nã o lhe dã o
a oportunidade de auto-realizaçã o. Em princípio, quando voltar desta viagem ao seu
interior, nos trará novas ideias para criar um mundo que faça valer mais a pena o seu
esforço.

O Louco do Tarô Aquariano é um espelho fiel da seriedade e da tristeza dos jovens de


hoje, que têm a sensaçã o de terem nascido em um mundo que lhes é estranho, pois nã o é o
mesmo que seus pais conheceram. Margaret Mead frequentemente aponta que quem
nasceu neste mundo apó s a Segunda Guerra Mundial nasceu em um mundo científico e
cultural desconhecido para seus pais, e assim permanecerá para todo o sempre. O
problema nã o é apenas a falta de entendimento entre as duas geraçõ es, mas a diferença
cultural tã o grande que se pode dizer que os jovens de hoje aterrissaram em um novo
planeta, física e psicologicamente.

Nã o há dú vida de que este é o abismo que o jovem do Waite Tarot nã o previu. Que
grande contraste entre este Loco do fim do século e o Aquariano atual! Quando você olha
para este novo viajante, sente-se confiante de que ele tem a capacidade de se tornar o Herói
Salvador que matará o dragã o e nos levará ao novo reino. Parece que para isso, antes de
tudo, jovens e velhos, temos que descer e tocar os pés no chã o e depois enfrentar juntos
esse verdadeiro abismo. Talvez até precisemos cair e bater no fundo para encontrar um
terreno comum sobre o qual construir um novo mundo.

No Tarot de Marselha, o Louco é o nú mero zero, fato notá vel, pois o nú mero sob o qual
ele "nasceu " nos ilumina revelando seu cará ter e seu destino. Como as estrelas, os nú meros
brilham com uma realidade eterna que transcende a linguagem e a geografia. Eles foram
chamados de " os ossos do universo ", pois sã o os arquétipos que simbolizam a inter-relaçã o
entre as coisas mortais e imortais.

As palavras sã o a expressã o das ideias dos homens; os nú meros expressam as


realidades de Deus.

O conceito de zero, desconhecido no mundo antigo, nã o apareceu na Europa até o


século XII. A descoberta desse aparente " nada " expandiu enormemente o pensamento do
homem. Na prá tica, ele criou o sistema decimal e, filosoficamente, descobriu o espantoso
paradoxo de que " nada " ocupa espaço e contém poder. Parece, portanto, apropriado
atribuir zero ao Louco. Nas antigas cartas do Tarocchi italiano, o Louco, fiel à sua forma,
nã o tinha valor por si só , mas aumentava o valor da carta que aparecia ao lado. Como o zero
vazio e inú til, a magia do Louco pode transformar um em um milhã o.

O poder do zero é inerente à sua forma circular. Para experimentar as qualidades


essenciais a esta forma, seria ú til contrastar a sensaçã o de um círculo com a de um
quadrado. Suponha que você queira desenhar um círculo perfeito. A primeira coisa que
será feita é fixar uma das partes da bú ssola em um ponto que se tornará o centro. Depois
disso, a circunferência do círculo já pode ser desenhada. Enquanto o centro nã o for
decidido, o círculo nã o pode ser traçado. Aqui nã o é possível questionar se o ovo veio antes
da galinha, a verdade é que o centro vem primeiro; é, de facto, central a todo o conceito de "
círculo ", algo que nã o acontece em nenhuma outra figura geométrica.

Um círculo com um ponto no centro é o signo universal do sol, a fonte de todo calor,
luz e poder. Este hieró glifo também designa o Ovo do Mundo , de cujo centro fértil toda a
criaçã o surgiu e continua a emergir. O louco, cuja vestimenta colorida muitos chamaram de
movimento contínuo do que nã o tem centro, como seu nú mero zero, nada expressa e
contém tudo.

Tente desenhar um círculo no ar; este movimento é tã o natural e tã o fá cil que tendo
começado fica difícil nã o ir até o fim. Pode-se sentir como o círculo passou a significar o
naturalmente cheio, o movimento perpétuo e o infinito. O mesmo nã o acontece , claro, com
a praça. Para desenhar o mais primitivo dos retâ ngulos, sã o necessá rios quatro traços
diferentes e, além disso, para torná -lo perfeito, você precisa de medidas precisas. Nã o é
algo que você possa fazer com uma corda. O quadrado perfeito nã o se encontra em nenhum
lugar da natureza: é, portanto, uma criação do homem .

O homem sente-se intimamente ligado ao movimento circular em cada um dos


segundos da sua vida através da sua respiraçã o e do fluxo do seu sangue. A jornada de
nossa vida também é circular, à medida que passamos da intuiçã o infantil da infâ ncia,
passando pelo conhecimento, de volta ao insight intuitivo que é a sabedoria da vida adulta.
Um círculo tem características ú nicas, sua indivisibilidade e sua indestrutibilidade; é,
portanto, imortal. Nã o é assim a praça. Tente esta experiência. Pinte e recorte um círculo no
papelã o, quebre ao meio e mostre para alguém e pergunte o que é. É prová vel que eles
digam: " dois semicírculos " ou " um círculo dividido ao meio ". Depois de fazer o mesmo com
um quadrado, corte na diagonal ou na sua metade vertical, pergunte novamente o que
veem. As pessoas vã o responder agora: " dois triângulos " ou " dois retângulos ",
dependendo do que você cortou. Nesses exemplos, o círculo manteve sua identidade
enquanto o quadrado a perdeu. O zero também é indestrutível, pois nã o pode ser
modificado com a adiçã o de algo, nem com a subtraçã o, nem com a multiplicaçã o ou
divisã o.

O círculo reflete a forma dos planetas eternos e a grande cú pula do céu, conectando-os
com nosso globo terrestre e nos lembrando que também flutuamos no espaço celeste. Se
nos colocá ssemos em uma sala circular cujas paredes externas sã o de vidro, poderíamos
abraçar o universo; mas escolhemos viver em cubículos quadrados cujas janelas exibem
para nossa inspeçã o vistas pré-selecionadas e emolduradas para excluir a natureza.
Gostamos de esculpir o mundo de acordo com os moldes humanos em vez de nos expormos
ao fluxo livre da natureza, que é onde o Louco inclassificá vel habita e se move.

Com o que dissemos até agora, pode-se ver facilmente que o emblema do Louco
tornou-se o símbolo da divindade imanifesta, do caos primitivo ou vazio de onde o cosmos
e toda a criaçã o surgiram pela primeira vez. Tem sido relacionado com o signo cabalístico "
En Soph " ou a Luz Ilimitada, o princípio ativo da existência antes de sua manifestaçã o
material, o nada do qual todas as coisas procedem. É , portanto, o que na alquimia se chama
a Prima Materia ou o fundo das coisas: « aquilo de onde todos começamos ».

O círculo também simboliza o Jardim do Éden , o paraíso, aquele abençoado estado de


inconsciência e inocência que a humanidade experimentou antes de cair nas duras
realidades da consciência. Representa aquele ú tero feliz que nos abrigou a todos assim «
era uma vez », antes que o conhecimento dos opostos proibidos deslizasse para o nosso
jardim. Muitas pinturas mostram o jardim do paraíso como um círculo ; na pintura de Paolo
chamada A expulsão , vemos um círculo no centro do qual um mundo redondo e verde é
cercado por um arco-íris. É o mundo do Louco e das suas cores, o mundo onde vive e de
onde nos visita de vez em quando, trazendo-nos nuvens da sua gló ria perpétua.

No céu acima do É den, Paolo nos mostra o Senhor; com um dedo rígido, ele aponta
para Adã o e Eva levando-os para fora deste jardim para torná -los uma peregrinaçã o sem
lar para todo o sempre. Podemos nos sentir identificados com esses dois? Como desejamos
voltar para casa, para o ú tero do tempo, e entrar nele novamente! A saudade que sentimos
da nossa infâ ncia e do lugar onde nascemos reflete a grande saudade de estarmos
novamente contidos no Círculo Perfeito .

Em muitas pinturas, um círculo no céu representa um lugar sagrado, um temenos


sagrado de onde os poderes celestiais aparecem milagrosamente, de onde os poderes
divinos irrompem no conhecimento humano. Essa forma será usada em muitas cartas do
Tarô , como veremos mais adiante, e será discutida em capítulos posteriores. É interessante
observar que a palavra número nos conecta com a letra hebraica Sephiroth , os dez pontos
da Á rvore da Vida Cabalística onde o poder divino se manifesta.

Em sua pintura Deus criando o universo, William Blake usa esse símbolo para nos
mostrar o que ele chama de " a morada secreta da divindade invisível " (fig. 11). Deste
círculo, uma divindade de barba branca estende um longo braço para se preparar, bú ssola
na mã o, para criar nosso mundo microcó smico à imagem e semelhança de seu Mundo
Perfeito . Como a divindade nã o pode criar nosso mundo sem primeiro fixar um centro, a
pintura de Blake nos assegurará que nosso mundo também tem seu centro, um ponto
central de ordem e significado oculto no centro, se pudermos encontrar nosso caminho
para ele.

Existem mil maneiras pelas quais nosso mundo reflete o Grande Círculo Superior .
Muitas sã o as culturas que criaram templos e igrejas em forma circular: Stonehenge, Hagia
Sophia, o templo de Delfos sã o os exemplos mais proeminentes. A etimologia da palavra “
círculo ” nos conecta com tudo o que foi dito acima. As palavras inglesas « church » e « kirk »
estã o relacionadas com « circle », circle, e este, como local de encontro popular, nos remete
a church, reuniã o de fiéis. A palavra grega kirkos (crier) era o nome da imagem do
sacerdó cio. Assim vemos como o Louco, fiel à jornada espiritual, merece tanto este zero
quanto a pena de seu gorro.

Uma crença muito comum é atribuir ao círculo o poder de expulsar os maus espíritos
de seu entorno e de concentrar e limitar as energias. A mesa redonda do Rei Arthur tinha
esse significado misterioso e é frequentemente pintada com o Santo Graal aparecendo
milagrosamente no centro, enquanto ao redor dela os cavaleiros sentados se maravilham.
Qualquer mesa redonda, esfera ou roda zodiacal nos faz pensar em uma das características
do círculo do Louco, que é reunir as pessoas ao redor e em uma relaçã o íntima umas com as
outras, mais do que em outros lugares onde elas estã o bastante separadas e em um ordem
de hierarquia. Um círculo nã o tem fim ou cabeça e qualquer coisa ou pessoa está à mesma
distâ ncia do centro. Esta pode ser a razã o pela qual nossos diplomatas usam esses tipos de
tabelas para resolver problemas internacionais.
Certos discos, que hoje despertam nosso interesse (e que estã o intimamente
relacionados ao Louco), sã o os discos voadores, esses zeros que chegam de mundos
presumivelmente superiores e além de nossa compreensã o.

Jung nos sugeriu que esses " círculos celestes " que foram vistos ou acreditados para
serem vistos, podem significar que uma nova imagem de plenitude está prestes a irromper
na consciência ( Discos Voadores; Um Mito Moderno ). 12 Esses discos voadores sofrem o
mesmo destino de todas as visõ es internas, sã o tachados de " loucos " e rotulados de " sem
importância ", como acontece com o pró prio bobo da corte. Nada é um símbolo perfeito
para o estado de plenitude indivisa que precede a criaçã o das coisas. O mundo da
experiência cotidiana é verdadeiramente uma ilusã o criada pelo ser humano, é o que os
hindus chamam de " as dez mil coisas ". Criamos o mundo que vemos tanto
psicologicamente quanto fisicamente. Tudo nele vem do nada quando nascemos e tudo
voltará ao nada quando morrermos; esse nada está fora do tempo e do espaço. É a natureza
pura, é a essência oculta , atrá s do véu.

« Fazemos barcos de barro » disse Lao-Tse, « mas a sua verdadeira importância está no
seu vazio, no seu vazio ». Reencontrar esse vazio natural e preencher nosso espírito com a
bondade infinita do silêncio é para o que a maioria dos exercícios de meditaçã o foram
recuperados. Até encontrarmos o silêncio que existia antes da primeira palavra da criaçã o,
nã o podemos encontrar um novo mundo criativo.

A ideia do círculo como início e fim da jornada é simbolicamente expressa pela mítica
serpente que come sua cauda, a mitológica Ouroboros ; ele se cria, se alimenta de si mesmo
e se transforma engolindo sua cauda. Sua forma circular nos fala sobre a natureza
inconsciente (do primeiro ú tero antes da criaçã o dos opostos) desejada no final da jornada.
Fig. 11 Deus criando o universo
( Ancient of Days por William Blake. Reproduçã o do original da Henry E. Huntington Library and Art Gallery.)

Como diz Sã o Boaventura: " Deus é uma esfera elusiva cujo centro está em toda parte e
cuja circunferência não está em lugar nenhum ". 13 Consertar o Louco, mesmo no amplo
mundo do círculo, é impossível; Poderíamos dizer, talvez, que representa uma parte de nó s
que, inocente mas sabendo o que faz, se vê embarcada na busca do autoconhecimento.
Através dela teremos experiências que nos parecerã o loucas, mas que mais tarde
reconheceremos como cruciais para a conformaçã o de nossas vidas.

Jung definiu o ego como « o centro da consciência ». O Self é o termo que ele usa para
denotar o centro da totalidade da psique, um centro de amplo conhecimento e estabilidade
. Como o Louco nos mostrará com sua dança circular, o eu nã o é algo que inventamos, nem
uma cenoura dourada que carregamos diante do nariz a vida toda. O eu é algo que existe
desde o início; o ego é, se quiserem, o que fazemos, o eu nos foi dado. Existe antes do nosso
nascimento, durante o nosso nascimento e depois da nossa morte. Está sempre dentro de
nó s, esperando que voltemos para casa e até nos incitando a fazê-lo, pois aqui nã o há como
voltar atrá s. Nossa jornada, como a do Louco, é circular. Como diz CG Jung:

«O ego confronta-se consigo mesmo, como força motriz para o seu motor, como
objeto para o sujeito. O self, como o inconsciente, é algo que existe previamente e do
qual surge o ego. É, por assim dizer, um prenúncio inconsciente do ego. Não sou eu
que me crio, mas sou eu que aconteço.» 14

A iridescência do Louco nã o pode ser confinada a palavras, mas a citaçã o acima parece
captar algo de suas cores mutá veis. Podemos dizer que o Louco do Tarô é o eu como uma
prefiguraçã o inconsciente do ego. Parece-me que até o Louco acharia essa definiçã o
suficientemente ambígua. Se ele está rindo, é para nos mostrar que o humor é um
ingrediente de nossas relaçõ es e algo necessá rio e prazeroso para qualquer viagem.

William Butler Yeats entendeu dessa forma. Ele saiu em busca de histó rias engraçadas
sobre o povo da Irlanda. Em um deles, " A Rainha e o Louco ", ele nos ensina que o Louco do
nosso Tarô ainda vive na Irlanda hoje. Aqueles que o viram dizem que ele tem uma barba
mosqueada e gosta de aparecer inesperadamente em lugares inusitados.

« Eu ouvi um hearne, um feiticeiro, que vive na fronteira de Clare e Gales, dizer que em
cada "comunidade de fadas" há uma Rainha e um Tolo e se um deles "tocar" em você, você
nunca se recuperará; Você só conseguirá se recuperar se outro goblin tocar em você. Ele disse
que o Louco era talvez “o mais sábio de todos” e depois o descreveu “vestido como um
daqueles atores que vagam pelo país. A esposa do velho moleiro disse: "Dizem que goblins são
bons vizinhos em geral, mas contato com o Louco, ninguém te cura disso, você se foi!" » 15

Do golpe do Louco nã o se recupera, mas quem quer se recuperar?

4. O MÁGICO:
CRIADOR E TRAPACEIRO

Fig. 12 O Mago (Marseillaise Tarot)


De outras coisas você nunca extrairá Unidade,
a menos que você tenha alcançado a Unidade em si mesmo.

Dorn

Como dissemos, o Louco expressa o espírito do jogo, um andarilho caprichoso, com


energia ilimitada, caminhando incansavelmente pelo universo sem objetivo conhecido. Sem
se preocupar com o que está por vir, ele até olha por cima do ombro. O Mago (fig. 12), ao
contrá rio, chegou a um lugar fixo, pelo menos temporariamente. Sua energia é direcionada
principalmente para os objetos à sua frente e aos quais ele escolheu dar atençã o especial.
Eles sã o colocados na mesa da realidade, que limitará sua atividade a essas fronteiras, para
que suas energias nã o se espalhem em vã o ou se percam. Ele tem um programa, é ó bvio.
Ele está prestes a fazer algo, e fará isso por nó s.

Se o Louco é aquele impulso profundo do inconsciente que nos move a buscar, agora,
entã o, O Mago poderia simbolizar o fator que direciona esta energia em nó s e pode ajudar a
humanizá -la. Sua varinha má gica o conecta a seu ancestral, Hermes , o deus das revelaçõ es.
Como o Mercúrio alquímico , dotado de poderes má gicos, o Mago pode iniciar o processo de
autorrealização que Jung chama de individuação , guiando nossa jornada ao submundo de
nosso eu mais profundo . O homem sempre reconheceu que existe um poder que vai além
do ego e tentou propiciá -lo por meio de ritos má gicos.

O Louco e o Mago estã o ambos em casa no mundo transcendental. O Louco está


dançando para ele, como uma criança inconsciente; o Mago se move através dele como um
viajante experiente. Os dois estã o relacionados ao arquétipo do Malandro , mas de maneiras
diferentes. A diferença entre eles é semelhante à quela entre uma piada e uma performance
má gica. O Louco prega peças em nós , o Mágico nos prepara espetá culos . O Louco age pelas
nossas costas, o Má gico, por outro lado, agirá na frente e face a face se quisermos
testemunhar sua atuaçã o. O bobo da corte zomba de nó s e nos faz rir, o Má gico nos engana e
nos surpreende.

O Louco é solitá rio; seu método, secreto. De repente, ele nos surpreende gritando sua
piada: " Inocente! », e depois desaparece. O Mágico , por outro lado, nos inclui em seu plano
e nos recebe em seu show de má gica, à s vezes até nos convidando a subir no palco e ser
seus cú mplices. Temos que cooperar com ele de alguma forma para que o sucesso de sua
magia seja cumprido. Para o Louco (ou para o sucesso do trabalho do Louco), o que é
necessá rio é a nossa total inconsciência.

O Louco é um amador, o Má gico um profissional sério. Assim, como a magia do Louco é


totalmente espontâ nea, o resultado o surpreende. Se, por outro lado, ele falhar, encolhe os
ombros em inibiçã o e salta para a pró xima aventura. Com o Mago é completamente
diferente, pois é um artista dedicado ao seu trabalho; quando um de seus trabalhos falha,
ele se envolve e tenta entender por que isso aconteceu. O nú mero do Louco era zero, o
vasto mundo é sua ostra. Ele está interessado em tudo e nada o incomoda. Como o Eterno
Menino de todos os tempos, ele tece sonhos cheios de fantasia, deixando a outros a tarefa
de realizá -los. Sendo o Mago o Arcano nú mero um do Tarô , ele tem uma psicologia
completamente diferente. Ele está interessado em descobrir qual é o princípio criativo por
trá s da diversidade. Ele quer manipular a natureza para dominar suas energias. Os ritos
má gicos mais primitivos eram aqueles ligados à fertilidade, eram cerimô nias para
apaziguar os deuses e enviar colheitas abundantes e mulheres férteis. El Loco nã o tem
esses programas, ele só quer curtir a natureza.
O Mago do Tarô de Marselha tem uma varinha má gica em uma mã o e uma moeda de
ouro na outra. A mã o é sempre algo muito importante em toda magia. É o símbolo do poder
do homem para medir e moldar a natureza e usar criativamente suas energias. Mais rá pida
que o olho, a mã o do Mago cria a ilusã o mais rá pido do que nossa imaginaçã o pode seguir;
sua mã o também é mais rá pida, no sentido de que é " mais viva " do que a mente ocupada
do homem. A mã o humana parece ter uma inteligência pró pria. Foi chamado de " o
momento fugaz da criação que nunca para ".

O presente que o Mago nos dá é mú ltiplo, tanto na forma de milagres quanto de


decepçõ es. Levando nossa atençã o para além da moeda de ouro, ele pode nos enredar e nos
intoxicar com o chocalho em sua mã o. Como a pró pria consciência humana, um de cujos
aspectos ele simboliza, o Mago pode criar maya, a ilusã o má gica das " dez mil coisas ". Ao
fazer desaparecer os objetos de sua mesa, ele pode nos fazer acreditar na simples verdade
de que todas as coisas, todos os objetos, sã o apenas uma aparência da realidade. Somos nó s
que criamos o mundo que parece existir. Transformando um objeto ou elemento em outro,
o Mago nos revela outra verdade, ou seja, que sob o nome de " as dez mil coisas ", todas as
manifestaçõ es sã o do Um, todos os elementos sã o Um e todas as energias sã o uma . Ar é
fogo, é terra, é coelho, é pomba, é á gua, é vinho, é Um! Eles sã o tudo e todos sã o sagrados. O
Mago nos ajuda a entender que o universo físico nã o é resultado de um Poder da Criaçã o
Original que atua sobre a matéria, mas sim do Poder da Vida que atua sobre si mesma . Fora
de si , o Poder Único constró i todas as formas, contornos e miríades de estruturas.

No início, apenas os deuses ou seus representantes na Terra, os sacerdotes, tinham


esses poderes má gicos. Uma dessas figuras é a de Hermes Trismegistus , uma figura mítica
que foi associada vá rias vezes ao deus egípcio Thoth e ao deus grego Hermes . Foi ele quem
nos deixou o resumo sucinto do tema que agora estudamos: « Todas as coisas são deste Uno,
pela meditação do Uno e todas as coisas nascem nesta unidade ». Como já indicado, isso
expressa uma verdade que pertence aos dois planos de existência, o macrocósmico e o
microcósmico .

A magia à s vezes é chamada de ciência dos relacionamentos ocultos. Seja um milagre


ou um truque, a essência oculta desta arte é a revelaçã o. O Mago tem o poder de revelar a
realidade fundamental, a intimidade que está por trá s de tudo; Representa o poder
milagroso que todos nó s temos, capaz de revelar a fonte oculta da vida dentro de nó s,
oferecendo-a para uso criativo. Esse tipo de revelaçã o é lindamente simbolizado na histó ria
de Moisés, que, adivinhando as á guas ocultas, feriu a rocha com sua vara milagrosa até que
ela jorrou para saciar a sede de todo o seu povo. " Bem-aventurados os que têm fome e sede...
" Ao serviço de uma necessidade vital e humana, podem acontecer milagres. Pode-se dizer
que os milagres só acontecem quando respondem a uma necessidade que transcende o ego.
Na ilustraçã o de Moisés tirando á gua da rocha (fig. 13), a importâ ncia desta
necessidade transcendente é ilustrada inequivocamente: aqui, a multidã o sedenta é mais
protagonista do que o pró prio Moisés. Eles sã o vistos se aglomerando, ocupados bebendo
sua raçã o de á gua. Ninguém se importa com quem faz o milagre e muito menos com o
pró prio Moisés, que empunha seu cajado tentando fazer seu trabalho. Ele nã o é colocado no
meio da cena, nem separado dos demais, mas aparece como um do grupo, junto com sua
família, tanto pictó rica quanto emocionalmente, antes do evento das á guas milagrosas. O
fluxo destas á guas, assim como o ritmo circular do desenho, reforçam a ideia de que
estamos a assistir a um acontecimento que diz respeito a dois pó los de igual importâ ncia: à
esquerda, o povo que necessita e espera, à direita Moisés, que percebe e se dedica a isso.
Sem um dos dois fatores, nã o haveria milagre. Se eliminá ssemos as pessoas sedentas do
desenho, o Má gico inevitavelmente se tornaria a figura central do desenho e sua má gica, se
funcionasse, nã o passaria de uma artimanha orgulhosa, uma artimanha a serviço do ego e
da vaidade.

CG Jung acreditava que todos os eventos má gicos, milagrosos e parapsicoló gicos têm
um fator comum, que é a atitude de expectativa esperançosa por parte dos participantes.
Jung descreve esse estado de esperança como um dos maiores sucessos do experimento da
Duke University, no qual os participantes " adivinham " os símbolos impressos em um
cartã o que nã o podiam ver. Comentando sobre esse fenô meno, Jung escreveu:

Fig. 13 Moisés tirando água da rocha.

«A pessoa que é posta à prova, ou duvida da possibilidade de saber algo que não sabe
ou espera que isso seja possível e que o milagre aconteça. De qualquer forma, a
pessoa que passa por um teste aparentemente impossível como esse encontra-se
incorporando a situação arquetípica que tantas vezes vemos em mitos e contos de
fadas, quando a intervenção divina, como um milagre, oferece a única solução." 16
Ao descrever esses eventos, Jung também usou os termos “ arquétipo do milagre e
arquétipo do efeito mágico ”.

É compreensível, entã o, que seja o Mago quem tem o poder de nos colocar em contato
com a Grande Unidade , pois ele vive nas profundezas, no nível psicoló gico do inconsciente
onde nã o há divisã o de tempo-espaço , de corpo-alma. , de matéria-espírito e onde os
mesmos quatro elementos nã o foram separados do Grande Vazio . Uma vez que este Grande
Vazio é também a Plenitude da qual tudo procede, ele necessariamente contém todos os
opostos. Nã o deveria ser surpreendente, entã o, que o personagem do Mago seja uma
mistura de contradições . Como Sá bio, ele pode nos conduzir ao está bulo ou realizar o
milagre de Camelot; Como charlatã o, ele pode ser encontrado na feira da cidade, enredando
clientes bêbados, fazendo seu dinheiro desaparecer. É consolador saber que, sendo
descendente do brincalhã o Mercú rio, é sincero na sua duplicidade e sendo, como ele,
mensageiro dos deuses, liga o interior ao exterior, o superior ao inferior, partilhando
ambos.

Alguns Tarô s modernos (basicamente a versã o de Waite) apresentam o arcano


nú mero um como o " bom " Mago sacerdotal, eliminando seus aspectos mais questioná veis.
Voltaremos a isso mais tarde, mas agora vamos olhar para o Tarot de Marselha , que nos
oferece em sua versã o todo o encanto das muitas facetas do Mago.

À primeira vista, seu vestido colorido (fig. 12) lembra o da Boba; é uma coincidência
apropriada, já que os dois compartilham o arquétipo do Conjurer . Em ambos os casos, a cor
heterogênea dos vestidos sugere a incorporaçã o de elementos díspares, embora aqui a
oposiçã o de cores seja conscientemente arranjada. As manchas no vestido do Mago
parecem dispostas para nos falar de oposiçã o e interaçã o, contraste e coordenaçã o. As
cores foram cuidadosamente escolhidas para se opor a cada uma das pernas, braços,
ombros, quadris e peito. As cores vibram com repulsã o e atraçã o de forma que parece que
estã o emitindo faíscas de energia elétrica.

O tema da antítese criativa é sublinhado pela aba do chapéu do Mago, que sugere um
oito reclinado. Chamamos essa forma de “ lemniscata ” e é o signo matemá tico que designa
o infinito . Como parece desenhado, tem uma faixa externa vermelha que balança de uma
forma que nos hipnotiza e nos lembra o movimento dos opostos: cada um muda
infinitamente em direçã o ao outro, assim como o símbolo chinês do Tai Chi, que nos mostra
a interação incessante de yin e yang , as forças positivas e negativas inerentes a toda a
natureza. Se você puder se concentrar na aba do chapéu à luz de velas na escuridã o da lua,
o Mago moverá a aba para você. É , entã o, o movimento contínuo da criaçã o.
As duas elipses desta lemniscata unidas por uma ponte ou um salto também podem ser
vistas como um par de ó culos gigantes. Se você colocar esses ó culos má gicos, poderá dar
uma olhada em uma nova dimensã o da realidade. Estes nã o sã o ó culos cor-de-rosa; o que
veremos através deles sã o fenô menos naturais, nã o a vaga manifestaçã o de um « outro
mundo ». As experiências que o Mago nos oferece sã o de nossa pró pria natureza e estã o tã o
enraizadas em nosso ambiente terrestre quanto as plantas que vemos crescer a seus pés.

É muito significativo observar que entre as cores da vestimenta do Louco nã o há


sequer um toque de verde. Como vimos, ele nã o foi implantado em nossa realidade, mas
sim a energia que flui livremente de tudo o que ainda nã o se manifestou. Aqui o Mago
organiza essa energia para criar, preparando sua encarnaçã o na realidade. O boné do Louco
era amarelo, a cor do poder do fogo solar. No final vimos uma pequena borda vermelha ou
cascavel; também pode ser uma gota de sangue. Com o Mago, esse sangue vermelho ganha
vida e corre sem parar pelo perfil da asa de sua lemniscata, " põe todo o seu sangue " na
situaçã o presente e se dedica ao trabalho que lhe é confiado. O ouro amarelo, centrado e em
forma de globo, torna-se agora o topo do chapéu do Mago. O poder do sol pertence à pessoa
do Mago; agora somos lembrados disso pelo fato de seus cachos serem tingidos de ouro.
Seu cabelo sinuoso lembra o de Medusa, que mais uma vez nos fala sobre a dualidade
enganosa do má gico.

A varinha do Mago, como a do maestro, é um elemento que concentra e direciona a


energia. A energia precisa ser direcionada. Somente com a cooperaçã o humana consciente
ela pode ser canalizada para uso do homem. O maestro, em seu pó dio, usa sua batuta para
coordenar e modular a energia de seus mú sicos, criando assim, a partir de um som caó tico,
uma melodia harmô nica e rítmica. O mesmo é feito por este Mestre de Tarô que parece
orquestrar as energias dos objetos à sua frente. Ele segura seu bastã o na mã o esquerda,
indicando que seu poder nã o é resultado do intelecto ou treinamento, mas sim um dom
natural e inconsciente. Os má gicos costumam usar o dedo indicador para substituir a
varinha e direcionar a atençã o para ela e concentrar a energia. Uma das mais belas pinturas
que representa esse fato é a que Michelangelo pintou no teto da Capela Sistina: A Criação .
Nela, o dedo indicador do Mago Supremo , semelhante a um falo, direciona a força criadora
para a mã o de Adã o. Podemos apreciar o fluxo amoroso dessa energia inseminadora ao
passar da mã o de Deus para a de Adã o e, por meio dele, para todas as criaturas de Deus.

Discutimos a natureza ambígua do Mago e como, com uma mã o, ele pode nos conectar
ao grande círculo da Unidade e, com a outra, pode nos ajudar a separar seus elementos
para exame. Esse personagem pode cumprir essas funçõ es que à primeira vista parecem
opostas e antitéticas; mas que possa fazê-lo ao mesmo tempo, é um milagre de proporçõ es
incríveis. E você pode fazer isso, nã o importa o quê.
Em uma ilustraçã o de Goltzius para as Metamorfoses de Ovídio (fig. 14), vemos o
pró prio Grande Mago realizando esse milagre. O nome da pintura é: A Separação dos
Elementos , e nela podemos ver como a plenitude do Grande Círculo nã o é quebrada por
este fato, mas ao contrá rio, é como se sua verdadeira essência estivesse totalmente em
evidência pela primeira vez. Nosso má gico interior opera a mesma má gica quando nos
ajuda a examinar e discriminar os elementos de nosso mundo interior para que possamos
revelar, em vez de destruir, sua unidade essencial.

Como esta obra é aquela iniciada e exemplificada pelo Criador , podemos olhar
novamente para a ilustraçã o de Goltzius já mencionada para entender o que está
acontecendo nela. Nesta pintura, Deus (ou a nossa " natureza mais querida ", como Ovídio a
chamou) parece estar totalmente absorvido nesta dança da revelaçã o. Aparentemente, este
trabalho de separar os elementos é um trabalho difícil até mesmo para o Criador . Requer
concentraçã o perfeita. À s vezes parece uma tarefa pegajosa e delicada, como tirar o mel de
um favo de mel. Outras vezes nos parece que é a dança dos véus executada com destreza
sobre-humana e em perfeita harmonia. O problema parece ser como rasgar os véus, e
principalmente aquele que esconde a realidade central, sem se enredar e sufocar por ter
caído em sua armadilha. É necessá ria uma intensidade apaixonada nesta dança dervixe que
nos revelará uma nova unidade e anunciará o nascimento de um novo mundo.

Fig. 14 Separação dos elementos.


( Goltzius, Hendrick . Da série de gravuras para as Metamorfoses de Ovídio. Metropolitan Museum of Art, Nova York.
Presente da Sra. AS Sullivan, 1919)

No nível microscó pico, o ego sozinho nã o pode fazer essa má gica. Somente nosso Mago
interior pode executar a intrincada coreografia da revelaçã o. Só ele pode nos mostrar a
correspondência entre o nú cleo central e as cascas externas, e só ele pode nos revelar que
ambos sã o feitos do mesmo material.

Em outro sentido, a magia dos alquimistas demonstrava a correspondência entre o


interior e o exterior. Eles viam nos elementos e nas transformaçõ es ocorridas em suas
retortas os elementos e transformaçõ es de sua pró pria natureza psíquica. Seu objetivo
manifesto era puramente externo e químico: aplicando calor a certas misturas, eles
esperavam (ou assim diziam) descobrir a semente ou essência criativa que reside em toda
a matéria, e por meio dela conseguiram transformar metais bá sicos em ouro. Eles falavam
disso como " libertar o espírito preso ou aprisionado na matéria ".

No entanto, os alquimistas repetiam insistentemente em seus escritos que o ouro que


eles realmente procuravam nã o era o ouro externo, mas aquele ouro interior transcendente
do centro da psique que Jung chama de self . No livro Psicologia e Alquimia , Jung dá um
índice detalhado das vá rias etapas da Grande Obra , que é como os alquimistas chamavam
seus experimentos. Jung nos mostra como os vá rios estados alquímicos mencionados na
obra, como liquefação , destilação , separação e coagulação , correspondem de maneiras
diferentes aos vá rios está gios de evolução e amadurecimento da psique humana rumo à sua
individuação . Jung descreve como, ao trabalhar com os elementos " lá fora ", os alquimistas
alcançaram uma conexã o intuitiva que os fez ver transformaçõ es semelhantes em sua
pró pria natureza interior. Mostra-nos como, através do trabalho externo, eles se
conectaram com o trabalho interno, intuitivamente falando e influenciados por ele. Em
outras palavras, os alquimistas, entendendo ou nã o conscientemente o que estavam
fazendo, usaram seus experimentos químicos como " suportes de projeção ", da mesma
forma que vamos usar as cartas do Tarô . O que continham as retortas dos alquimistas era o
ar, a terra, a á gua, o mercú rio, o sal, o chumbo e outras substâ ncias cujas reaçõ es eles
estudaram e, assim, passaram a compreender sua pró pria química interior. Nossos
materiais serã o os vinte e dois trunfos cujas interaçõ es estudaremos da mesma forma e
com o mesmo objetivo.

A figura central do estudo dos alquimistas era uma figura chamada Mercúrio , de
paradoxos inesgotá veis. Referiam-se a ele de duas maneiras opostas: " o espírito da criação
" e também como " o espírito prisioneiro da matéria ". Eles também o chamavam de " a
substância transformadora " e ao mesmo tempo " o espírito que habita nas criaturas vivas ".
Era, entã o, tanto o espírito que transforma quanto aquele que precisava ser libertado e
transformado.

Nosso espírito mercurial (a quem podemos rotular como nosso Mago interior ) também
compartilha essas duas facetas. É ao mesmo tempo o nosso “ espírito criador da matéria ” e
ao mesmo tempo está “ confinado e prisioneiro ” na escuridã o do nosso obscuro
inconsciente. Se for para funcionar para nó s como a " substância transformadora ", teremos
que encontrar uma maneira de libertá -la da escravidã o e trazê-la à luz da consciência.

Como diziam os alquimistas, o pró prio homem é as duas coisas ao mesmo tempo, pois
é o criador do mundo e um prisioneiro necessitado de redençã o, pois, como eles
acreditavam, salvaçã o e redençã o eram duas coisas que nã o vinham do alto e eles
acreditavam que isso só seria alcançado com a Grande Obra a que dedicaram suas vidas: a
libertaçã o do espírito contido em si mesmos e em toda a natureza.
Nó s também devemos encontrar uma maneira de libertar nosso espírito aprisionado
para que ele possa agir como uma " substância transformadora " e mudar nosso mundo
interior e afetar o mundo exterior. Precisaremos de sua ajuda para encontrar nosso
caminho na escuridã o da natureza interior e, finalmente, revelar o eu total, o sol central de
nosso ser (que agora está eclipsado), para que possa brilhar de uma nova maneira para nó s
. Se conseguirmos fazer isso acontecer, mudaremos como indivíduos e, assim, a pró pria
natureza humana será transformada.

Psicologicamente falando, é com a relaçã o existente entre a consciência humana e os


arquétipos primitivos do inconsciente que o oculto se aproxima da luz e a pró pria
qualidade da consciência humana desperta lentamente para o conhecimento. Estamos cada
vez mais convencidos de que a psique humana, assim como o corpo humano, nã o sã o coisas
está ticas, mas, como nó s mesmos (e como todos os fenô menos naturais), sã o processos em
contínua evoluçã o. Nã o mais concebemos a Criação como um momento está tico em que o
Criador " disse " ou " fez " aquilo para sempre, mas a consideramos um acontecimento
contínuo, um diá logo entre o que poderíamos chamar de nosso Mago interior e o Grande
Mago . Muitos artistas tentaram pintar a criaçã o em todas as épocas e já revisamos alguns
deles, mas nã o há ninguém que tenha capturado o processo de criaçã o tã o bem quanto
Rodin na escultura que ele chamou de A Mã o de Deus. ( fig.15 ). Ninguém compreendeu
com tanta precisã o qual é a essência da criaçã o. Aí podemos ver quã o intimamente o
Criador e as criaturas estã o envolvidos. É algo que diz respeito a ambos. Neste maravilhoso
estudo podemos ver Adã o e Eva abraçados, segurados e protegidos nas mã os acolhedoras
do Todo-Poderoso. Aqui as figuras humanas emergem da mesma matéria que é a mã o do
Criador, de modo que o humano e o sobre-humano juntos formam um todo supremo. Nesta
obra, o milagre da criaçã o nã o nos é apresentado como um fato já consumado, um ato em
que o papel nã o é exclusivo do Grande Mago , mas sim a criatura e o Criador estã o
intimamente unidos no ato de vir a ser ou vir a ser. . Eles sã o " co-criadores " em um ato que
diz respeito a ambos, transcendendo a ambos.

O Mago do Tarô de Marselha , com sua lemniscata de cores vivas, simboliza esse
processo. A sensaçã o de " fazer ou tornar-se " se reflete no nú mero que o Mago possui, o
Um . É um nú mero yang , ou poder masculino ; é luz, brilho, atividade, poder penetrante e
está associado ao céu e ao espírito. Mas, como já dissemos, esse má gico está cheio de
ambiguidades ocultas, pois o fato de haver um revela imediatamente a existência do outro.
A ideia de um só pode ser experimentada em relaçã o a pelo menos um outro. O nú mero um
representa a consciência humana porque, como o homem, é ereta e é uma linha que une o
céu com a terra, reta. A consciência também implica uma dualidade: o observador e o
observado. Podemos pensar que, na costela oculta do Mago, está contido o princípio
feminino cujo nú mero será dois. Como o peixe símbolo do Tai Chi , cujo alvo carrega dentro
de si o ponto preto; assim, escondido atrá s da ambigü idade do Mago, aparece um ponto
obscuro da ambivalência feminina.
Fig. 15 A mão de Deus (Auguste Rodin)

Esta nuance sutil só pode ser descoberta no Tarô de Marselha . Em Waite, apenas os
aspectos masculinos, positivos e yang sã o mostrados (fig. 16). Nã o há mais vagabundo na
encruzilhada; este má gico aparece aqui como uma gota de ouro puro entre lírios e rosas.
Ele veste vestes sacerdotais e tem uma expressã o solene. Ele segura em sua mã o direita
uma varinha indicando que seus poderes estã o sob controle consciente e dedicados ao
espírito celestial. Com a mã o esquerda ele indica o chã o como se para nos lembrar da
má xima hermética: " Tanto em cima quanto embaixo ". Vale ressaltar que ambas as pontas
do cajado deste Mago sã o brancas. Enquanto o espírito masculino é duplamente
sublinhado, o espírito yin , feminino e sombrio é totalmente excluído. « Branco em cima e
branco em baixo » sugere um universo está tico e estéril regido por um rígido
perfeccionismo.

A localizaçã o nesta carta parece contraditó ria; enquanto o Tarot de Marselha nos
mostra o seu Mago sobre um fundo natural e informal, Waite coloca o seu numa pérgula de
flores que lembram rosas e lírios simbó licos. Waite removeu a maior parte das
ambiguidades da versã o Marselhesa e com ela muito de sua vitalidade. Seu extravagante
chapéu de abas largas e cores peculiares desapareceram totalmente, deixando, no entanto,
uma lemniscata negra que ondula magicamente acima de sua cabeça, oferecendo pouco
alimento à nossa imaginaçã o. As mechas douradas que adornavam a cabeça do Mago foram
substituídas pelo corte intencionalmente severo, condizente com a classe sacerdotal. A
mesa foi limpa de objetos suspeitos, como dados, bolas e outros itens de origem
desconhecida e finalidade duvidosa. Talvez tenham sido varridos para debaixo do tapete.
Os quatro objetos que representam os naipes do baralho do Tarô aparecem em seu lugar;
Estã o em perfeito estado e prontos para serem usados. Em suma, o tipo de Wizard que nos
é oferecido nesta versã o inglesa do século XX é muito diferente da versã o francesa de
antigamente. Essas diferenças refletem as duas formas possíveis de lidar com a
individuação , bem como o papel que o Mago desempenha nesse processo.
Fig. 16 Tarô de Waite

O Mago de Waite nos mostra com sua vara rígida que o poder transcendental está "
acima "; seu comportamento hierá tico indica que ele nos trará a iluminaçã o por meio de
um ato consciente de vontade e sempre de acordo com os rituais estabelecidos; apenas o
eixo vertical está interessado; em seu gesto nã o vemos nada de horizontal, que é a
dimensã o da relaçã o humana.

Ao contrá rio, o Mago francês inclui a horizontal em sua postura e o largo abajur de seu
chapéu. Parece funcionar mais por um jogo da imaginaçã o do que pela vontade. A sua
forma informal de se apresentar deixa espaço para o inesperado e, sobretudo, a sua postura
nã o é nada rígida, pois esta personagem nã o está interessada na perfeiçã o futura. Você está
absorvido no momento sempre presente e criativo do agora. A espontaneidade que reflete
a atmosfera do Mago de Marselha nos lembra que os milagres de Jesus também foram feitos
de forma casual e à beira das estradas e que suas pará bolas, as mais sá bias, foram respostas
espontâ neas a momentos entã o vividos.

A palavra francesa Le Bateleur significa " aquele que faz prestidigitação ". Podemos
imaginá -lo brincando com todos os objetos que enchem sua mesa de forma ritmada,
jogando-os para o alto, assim como a aba de seu chapéu é ritmada. Em uma pintura de Marc
Chagall chamada O malabarista , vemos o personagem central manipulando o tempo,
simbolizado por um enorme reló gio que ele agita como uma bandeira. O poder de
transcender as restriçõ es do tempo vulgar sempre nos pareceu má gico, como um poder
especial dos deuses. O Mago nos demonstra esse poder de diferentes maneiras: primeiro,
como um vidente, ele nos traz realidades presentes e ideias e potencialidades que
geralmente estã o escondidas de nossos olhos por "um futuro " . Essa habilidade divina é
realmente divina, pois por meio dela tocamos o mundo atemporal dos imortais.
O Malabarista brinca com o tempo de outra maneira: acelerando os processos
naturais, aparentemente desafiando as leis do tempo. Assim como um ferreiro acelera o
processo de transformaçã o dos metais adicionando calor intenso, o Mago pode transformar
a consciência aplicando o calor da afeiçã o emocional. Antigamente, os ferreiros eram
considerados má gicos. Seu poder era considerado divino e prova disso é o fato de um deles
ser Hefesto , deus do Olimpo.

coordenadas espaço-temporais . Todos os artistas sã o má gicos, pois manipulam as


coisas do cotidiano, transformando-as em objetos transcendentes. Eles os despojam de
todos os detalhes extras, mostrando-nos a estrutura bá sica subjacente a toda aparência, de
modo que, em cada uma das milhares de á rvores que foram pintadas em milhares de
pinturas, a essência do que é "ser uma á rvore" é evidente .

A escultura é também uma espécie de revelaçã o má gica. Os artistas deste meio


costumam dizer que nã o sã o eles que criam suas figuras, mas que removem tudo o que é
supérfluo da matéria para que a imagem que estava implícita na pedra primitiva apareça,
surja livremente. Esse pensamento ganha todo o seu valor em O Cativo , de Michelangelo .
Mostra um escravo lutando para se libertar do bloco de má rmore no qual ainda está
parcialmente preso. Da mesma forma, os escritores devem lutar para eliminar muitas das
palavras que constantemente complicam as ideias e tendem a confundi-las. O problema nã o
é tanto encontrar palavras, mas retirar o excesso para que a ideia seja transmitida com
clareza. Muitos de nó s podem ter experimentado o velho provérbio: " Se eu tivesse mais
tempo, poderia escrever com menos palavras ."

Como vimos antes, os alquimistas também dedicavam suas vidas a libertar o espírito
que estava aprisionado na matéria. É muito significativo que eles se considerassem artistas,
embora em seu tempo outros os chamassem de má gicos. Hoje, os terapeutas dedicados à
psicologia analítica sã o também artistas, no sentido em que usamos esta palavra: mágicos .
Pois na massa confusa de nossa vida cotidiana e em nossas pressas e imagens conflitantes,
eles nos ajudam a encontrar e compreender os padrõ es de conduta ocultos em nossas
profundezas, os ú nicos dentro de nó s que estã o em contato com a Unidade universal de
toda a humanidade . .

A palavra " mágica " está ligada à imaginaçã o, ingrediente essencial para a criatividade
tanto na ciência quanto nas artes. Quem poderia imaginar que iríamos voar para a lua?
Bem, sim, alguém o fez e é por isso que chegamos lá . Esta magia foi conseguida porque
foram muitos os " alguéns " que, com esta ideia e com a concentraçã o das suas energias
nela, a alcançaram. Imagine por um momento o que poderia acontecer se cada ser vivo "
imaginasse " ou pensasse na paz e direcionasse todas as suas energias para ela com vistas à
sua realizaçã o. Nó s, magos, poderíamos fazer milagres.

Mas a magia da consciência humana é uma faca de dois gumes. Podemos usá -lo tanto
para construir um novo mundo quanto para abrir com ele uma caixa de Pandora cheia de
demô nios ocultos que podem destruir nosso mundo e a vida deste planeta. A tentaçã o de
abusar do poder é um aspecto oculto de cada uma das figuras arquetípicas; Como no Mago
esse poder é tã o primitivo e sutil, essa tentaçã o se torna sua " besta negra ". Talvez uma
confirmaçã o disso seja que a carta nú mero quinze, O Diabo , vamos encontrá -la como a
sombra do Mago.

Na terminologia de Jung, a sombra é uma figura que nos aparece em sonhos, fantasias e
realidades externas; ela incorpora qualidades de nó s mesmos que preferimos nã o
reconhecer como nossas, pois, ao fazê-lo, nossa pró pria imagem ficaria um tanto ofuscada.
Assim, projetamos essas imagens aparentemente negativas em outra pessoa.

Essa pessoa é quem sempre nos persegue em nossos sonhos, perturbando o ambiente
com suas açõ es ou palavras impró prias e até com insinuaçõ es demoníacas. Na realidade
externa, a pessoa sobre a qual projetamos nossas sombras age constantemente como um
agente " irritante ". Quase tudo que ele diz ou faz nos deixa mal, sua menor insinuaçã o pode
ser tã o ruim que dura um tempo exagerado em nossa consciência, dias, meses, até anos. Ele
nã o vai nos deixar, entã o sempre estaremos emocionalmente envolvidos com essa
personalidade desagradá vel. Muitas vezes acontece que esse contato parece interno e
externo ao mesmo tempo e que, quase por magia negra, essa pessoa que "nunca mais
gostaríamos de ver" nos incomoda persistente e irracionalmente em nosso cotidiano.

Tal como a famosa sombra de Robert Louis Stevenson, está sempre presente no nosso
jardim onde “ entra e sai connosco ” tã o livremente que nos perguntamos: “ para que serve?
Que ela serve para alguma coisa, isso é mais do que podemos ver, mas se ela e nó s
persistirmos, descobriremos que esse personagem desagradá vel é ú til e, talvez mais,
necessá rio ao nosso bem-estar de muitas maneiras diferentes.

Escravos da magia da projeçã o nã o sã o apenas as características negativas que nos


pertencem, mas também muitos de nossos poderes positivos e, como veremos em breve, se
quisermos reivindicar esses poderes positivos como nossos, devemos primeiro aceitar os
negativos. os também. Conhecer e aceitar nossa sombra como um aspecto de nó s mesmos é
um primeiro passo importante para o autoconhecimento e a realizaçã o . Sem a nossa
sombra , nã o passaríamos de seres bidimensionais, planos, sem volume, de papel, sem
substâ ncia.
É difícil nos abrirmos para conhecer nossa sombra e aceitá -la como membro de nossa
família interior, mas à s vezes é mais fá cil do que pensamos. Pois bem, quando conhecemos
esse aspecto obscuro, percebemos que na maioria das vezes a tristeza que ele nos causava
se devia ao fato de ele habitar a parte mais obscura do nosso inconsciente. À medida que o
deixamos aparecer na luz, descobrimos que suas qualidades mais irritantes parecem mais
leves e suportá veis. Terminaremos dizendo o que disse o menino do jardim de Stevenson, «
quase não há mais sombra! » Sim, quando nosso sol atinge seu zênite, incorporamos
totalmente esses aspectos de sombra. Mas, por enquanto (o que pode significar uma vida
inteira), a sombra será vista em algum lugar, pois essas energias, projetadas para resistir,
gradualmente se desenvolverã o em poderes mais criativos e nos darã o coragem e força
para buscar cada vez mais fundo em nó s mesmos. escuridã o em busca de novas figuras de
sombra.

Como as figuras das sombras podem aparecer disfarçadas de mil maneiras, combatê-
las será uma batalha constante. Assim que reconhecermos e aceitarmos um desses aspectos
refletidos em um conhecido ou familiar, ele emergirá novamente em uma nova forma. Nã o
será mais o vizinho da casa ao lado, desta vez será um parente distante que vai afiar nossos
dentes. Mais uma vez vamos nos sentir fascinados, obcecados e enfeitiçados. Desta vez, ele
nos pega desprevenidos. Antes de nos deixarmos tentar em vã o, devemos consultar o nosso
Mago interior e convencê-lo a parar de nos pregar tais peças. Se o fizermos com firmeza,
mas com educaçã o, pode até nos ajudar a identificar aquela parte de nó s que está do lado
de fora, do outro lado da rua.

Felizmente nunca teremos que identificar o diabo como nossa sombra, nem
projetaremos todo o peso de sua sombra sobre qualquer pró ximo. Talvez nosso pró ximo
possa, à s vezes, encarnar nossa pró pria sombra, mas o Diabo , na terminologia junguiana,
sempre representa a sombra coletiva, o que significa uma sombra tã o grande e tã o
abrangente que somente toda a humanidade pode suportá -la coletivamente. Nenhuma
dessas duas forças nos pertence pessoalmente: nem a criatividade sobre-humana do Mago,
nem a destrutividade subumana do Diabo . Ambos sã o figuras arquetípicas que representam
tendências instintivas cujo poder está além do nosso alcance. No entanto, cada um de nó s
possui algo da magia da consciência e para provar isso temos as mil tentaçõ es demoníacas
que queremos evitar. Resistir a essas tentaçõ es requer um alto grau de disciplina e
autoconsciência.

Shakespeare entendeu esse problema. Em A Tempestade ele nos mostra o problema e a


soluçã o com verdadeira força poética. Nesta peça, Prospero, um duque despojado de seu
reino pelas maquinaçõ es de seus antigos amigos, retira-se para uma ilha deserta onde
estuda magia e planeja sua vingança contra aqueles que o traíram. Através de sua magia ele
libertou o espírito de Ariel, que estava preso há muito tempo no tronco de uma á rvore pela
maldiçã o de uma bruxa. Pró spero faz de Ariel seu escravo, obrigando esse espírito a servi-
lo em seus desejos negros, o que culminará no desencadeamento de uma terrível
tempestade que levará à morte aqueles amigos que o traíram. Mais tarde, e por intercessã o
de Ariel, Pró spero abandonará suas intençõ es de vingança e, tornando-se novamente amigo
de seus inimigos, libertará o espírito de Ariel e outros que havia escravizado com a arte da
magia negra. Em seu arrependimento, ele renuncia a esta arte da magia, deixa a ilha onde
reinou como soberano e retorna ao mundo do coletivo humano, onde decide viver sua vida
usando esses dons criativos de forma humana e consciente.

Pró spero, isolado em seu mundo má gico, é um magnífico exemplo do arquétipo do


Mago . Nenhum de nó s é tal Mago, por isso nã o podemos desencadear tempestades,
literalmente falando, desencantar espíritos aprisionados na matéria e obrigá -los a cooperar
conosco; mas, pelo poder má gico da ciência, nosso Prospero conseguiu libertar o á tomo,
que por sua vez pode causar mais danos do que as tempestades de outrora. Já vimos essa
energia terrivelmente usada sendo liberada e estamos cientes de que forças
potencialmente ainda mais horríveis estã o disponíveis para correr soltas no mundo.

Nenhum de nó s é individualmente responsá vel pela magia da ciência ou pelos


horrores produzidos por seu mau uso. Devemos carregar coletivamente esse fardo juntos.
Certamente seremos destruídos por nossa magia negra, se nã o formos capazes de liberar
nosso bom espírito que se esconde atrá s do materialismo, da ganâ ncia e da vingança. Na
décima primeira hora, devemos de alguma forma ajudar nosso Próspero a encontrar seu
caminho de volta à humanidade.

Muitos de nó s nos encontramos impotentes nesta situaçã o. Há pouco que a pessoa


média possa fazer individualmente para mudar a situaçã o. Somos pequenas gotas de á gua
dentro de um cubo muito grande. Felizmente existe uma ligaçã o direta entre a claridade de
cada uma das gotas e a qualidade das á guas coletivas como um todo. Cada vez em nossa
vida pessoal renunciamos à confortá vel magia de uma dessas pequenas e negras projeçõ es,
ou recusamos a cruel tentaçã o de nos vingarmos, a consciência do mundo é esclarecida e a
sombra negra que paira sobre nosso planeta se dissipa. Cada vez que, como Peter Pan ,
saímos em busca de nossa sombra para costurá -la bem a nó s mesmos , teremos feito muito
mais do que imaginamos ser possível para desfazer os males deste mundo.

A razã o disso, e é uma questã o crucial, é que a correspondência entre o interior e o


exterior não pode mais ser considerada como uma simples analogia ; Já foi comprovado
cientificamente como um fato comprovado. Essa ligaçã o entre espírito e matéria, há muito
intuída por alquimistas, místicos e poetas de muitas culturas, e expressa de forma vaga e
metafó rica, acaba de ser demonstrada pelos cientistas como muito mais atual e direta do
que se pensava. A idéia alquímica de que nosso Mago interior era a " força criadora do
mundo " demonstrou de vá rias maneiras ser muito mais do que uma verdade poética.
Provavelmente a prova mais evidente que temos de que somos nó s que criamos o
mundo objetivo é aquela oferecida pelos cientistas em seus experimentos sobre a luz.
Nelas, há duas provas conclusivas de duas tendências diferentes (ambas igualmente
vá lidas), que afirmam que a natureza da luz é constituída por « ondas », para uns, e para
outros por « corpúsculos ». Apesar dos melhores esforços, esses fatos científicos
diametralmente opostos se recusam a ser reconciliados. A verdadeira " luz " nã o vai se dar
a conhecer a nó s! A essência ú ltima da natureza permanecerá velada, dizem os cientistas;
nã o será a natureza que se revelará !

O defeito, dizem eles, nã o está nos dispositivos que o homem fez para observar a
realidade externa, mas está no homem, em si mesmo , na limitaçã o de seu aparato sensorial.
Nã o há instrumento, por mais perfeito que seja, que nos mostre a realidade " ali "
escondida. Parece, entã o, que seremos condenados a experimentar a natureza da luz como
" ondas " e como " corpúsculos ", o que nã o diz respeito ao mundo " lá ", mas diz respeito "
aqui ", nosso psicofísico mundo. . Nó s mesmos somos aqueles que " criam " o mundo. A
natureza é e continuará sendo um mistério.

Parece evidente que a realidade da psique é a realidade, a ú nica realidade. Muitos anos
atrá s, um monge zen disse assim: " Este universo flutuante é apenas um fantasma. É um
fumo momentâneo ». O astrofísico Sir Arthur Eddington, depois de dedicar sua vida à
investigaçã o da realidade da vida apó s a morte, resumiu assim: " Algo do além (não
sabemos o quê) está fazendo algo, que não sabemos o que é é qualquer um ."

Assim, estamos presos a um mundo, que ora vivenciamos como “ fora ” e ora como “
dentro ”. Parece surpreendente que agora peçamos a ele que nos revele com exatidã o
científica e matemá tica a correspondência entre esses dois aspectos da ú nica realidade.
Mas a dualidade de nossa mente está tã o arraigada que essas revelaçõ es nos parecem
má gicas. Por exemplo: o fato de que os físicos podem postular e descrever um elemento
potencial, que ainda nã o se manifestou na natureza e o fará mais tarde; ou que os
matemá ticos (independentes de observaçõ es astronô micas) calcularam com precisã o as
leis que regem as ó rbitas planetá rias e as formularam de maneira que se encaixem no
comportamento da natureza.

Aniela Jaffé comenta em O Mito do Significado a maneira milagrosa com que esses
cá lculos matemá ticos independentes se ajustam tã o exatamente ao fato científico: " Parece
surpreendente e pode ser satisfatoriamente explicado ao declarar que existe uma ordem
independente e objetiva que deixa sua marca no da mesma forma no homem e na natureza;
isto é, na mente e no cosmos ». 17 É como dizer que, no plano psicoló gico, os modelos
arquetípicos do mundo interior correspondem exatamente aos da realidade exterior.
Quase todos nó s podemos citar exemplos de experiências em que um padrã o interno
subitamente correspondeu a um evento externo de forma milagrosa e nenhuma conexã o
causal pô de ser estabelecida entre os dois eventos. Nessas situaçõ es, uma imagem interna
se materializa repentinamente como uma realidade externa, como por um feitiço. Por
exemplo, à s vezes nos sentimos assombrados pela imagem de um amigo de infâ ncia que
nã o víamos há mais de vinte anos e de repente, de algum lugar, recebemos uma carta, um
telefonema ou uma visita desse amigo.

Sincronicidade é a palavra que Jung usou para descrever esse fato, essa coincidência
entre um estado interno e uma realidade externa. Jaffé esclareceu a ideia de Jung para nó s
da seguinte forma:

«Por “fenômeno síncrono”, Jung entendia a coincidência significativa de um fato


físico e psíquico que não podem ser conectados entre si e que estão separados no
tempo e no espaço (por exemplo, um sonho que se torna realidade e o evento que ele
prevê) . ). Essas coincidências decorrem do fato de que, para nossa consciência, o
espaço, o tempo e a causalidade, que são condições discretas de um acontecimento,
são relativizados ou abolidos no inconsciente, como foi satisfatoriamente
demonstrado pelos experimentos de percepção extra-sensorial de JB Rhine. A
consciência separa no processo o que ainda está unido no inconsciente, obscurecendo
ou dissolvendo a inter-relação original dos eventos em sua "grande unidade".

Os fenômenos de sincronicidade são como uma irrupção desse mundo unitário e


transcendente, no mundo da consciência. Eles são sempre imprevisíveis e
desregulados, porque, não sendo baseados em uma causa, despertam em nós um
medo terrível, pois transformam nosso modo habitual de pensar em disparates ou
contra-sensos. Jung identificou a unidade paradoxal do ser que eles revelam com o
unus mundus de Dorn. 18

Cada vez que o mundo unitário irrompe em nosso mundo cotidiano de tempo e espaço,
causando-nos uma dessas surpresas, podemos pensar que nosso Mago interior é o
responsá vel. Para que possamos observar como isso funciona, vou oferecer um exemplo:

Suponha que você esteja sentado lendo este livro (como provavelmente estará ). Em
circunstâ ncias " normais " , esperamos aprender os arcanos um apó s o outro e estudar as
cartas em sua sequência numérica natural, ou seja, nú mero apó s nú mero. Considerado a
partir da sequência espaço/tempo , vemos a evoluçã o, de modo que podemos relacionar o
atual com o que o precede e com o que o segue. Assim veremos como, em certo sentido,
uma letra é a causa da pró xima e o efeito da anterior. De acordo com o nosso pensamento
linear, ao qual nos acostumamos, a vigésima primeira carta, o Mundo , estará no final do
livro, depois de termos " feito a viagem " por todo o livro e " pelo tempo" . ». Chegando
finalmente ao fim, é-nos mostrado o unus mundus dos alquimistas, ou seja, o mundo
unitário que existe para além dos limites do tempo e do espaço.

Suponha agora, enquanto pensamos no que estou explicando a você, que de repente o
livro cai inesperadamente no chã o e abre bem na pá gina onde se encontra a ilustraçã o da
carta de que eu falava, o Mundo . Provavelmente, concordaríamos que essa
correspondência entre o pensamento interno e o que acontece do lado de fora nada mais é
do que um milagre, uma coincidência milagrosa que está além das categorias ló gicas
espaço-temporais de causa e efeito . Foi o nosso Mago interior que, desviando do nosso
modo de pensar rotineiro, nos ofereceu esta visã o do mundo transcendente, permitindo-
nos ter uma experiência do numinoso , do Eterno , que vai além das categorias humanas.

Enquanto nosso Má gico embaralha a ordem de nossas cartas, podemos ouvi-lo nos
dizer com um sorriso: "Veja, tudo estava aqui o tempo todo, só que a lacuna de seu
conhecimento é tã o estreita que você experimenta os eventos de forma sequencial.
caminho." : um apó s o outro apenas. Agora olhe o mundo de outra forma, com meus
enormes ó culos má gicos.

Cada vez que um desses fenômenos de sincronicidade é introduzido em nosso mundo


complacente e ordenado, é como um solavanco que nos obriga a refletir sobre o fato e
buscar seu possível significado.

Em seu trabalho pioneiro neste campo, Jung definiu a sincronicidade como uma
consciência cheia de significado . Em seguida, ele substituiu a ideia de " significado pré-
existente " pelo conceito mais objetivo de " desordem sem causa ". No mundo do
inconsciente coletivo, o arquétipo é visto como o fator ordenador; o significado é uma
qualidade que o homem deve criar para si mesmo.

Jaffé nos esclarece isso da seguinte forma:

«A experiência mostra-nos que os fenómenos de sincronicidade ocorrem


habitualmente quando estamos próximos de um acontecimento arquetípico, como a
morte, o perigo mortal, a crise, a catástrofe... Pode-se dizer que o inesperado
paralelismo entre acontecimentos físicos e psíquicos que caracteriza estes
fenómenos, o o arquétipo psicóide paradoxal se ordenou: aqui como uma imagem
psíquica e ali como um fato físico material externo. Como sabemos que o processo de
consciência consiste na percepção de opostos que se revelam, um fenômeno de
sincronicidade pode ser entendido como uma forma inusitada de tomar consciência
de um arquétipo." 19

Quando comecei a trabalhar com as cartas do Tarô , os fenômenos de sincronicidade


ligados aos Trunfos começaram a acontecer comigo com uma frequência incomum. Um dos
fenô menos mais reveladores aconteceu com o Mago . Desde entã o, olho para o mundo e
para mim de uma forma diferente. Mas a princípio nã o me conectei com a ideia de que «
esses fenômenos podem ser entendidos como formas inusitadas de tomar consciência de um
arquétipo ». Levei alguns anos para encontrar as pistas de seu significado oculto.

O incidente está relacionado com uma gravura de A Mão de Deus , de Rodin (fig. 15).
Alguém me emprestou uma impressã o para seu estudo e eu gostaria muito de ter uma para
mim. Pareceu-me que esta mã o, como pode ser visto na ilustraçã o, realçava de forma ú nica
as qualidades andró ginas do Criador. Na minha opiniã o, expressa a força masculina e o
apoio do pai, combinando-o com o abrigo e a ternura do claustro materno. Gostei muito de
como esses dois polos da criaçã o, Yin e Yang , apareceram como parte do Princípio Criativo ,
sendo essa ideia também repetida no abraço de Adã o e Eva. Como sou mulher, gosto muito
de pensar que Eva teve contato direto, ou seja, sozinha, com o Criador, e nã o apenas através
de Adã o e sua famosa costela. Fiquei comovido com a maneira como a mã o do Criador e
aquelas duas figuras pareciam estar unidas no mesmo processo. Com esses sentimentos em
meu coraçã o, comecei a procurar em todos os lugares uma reproduçã o dessas duas
esculturas de Rodin, sem sucesso. Entã o, um dia, enquanto esperava por uma amiga em seu
corredor, escolhi casualmente uma das muitas revistas em sua mesa. A revista foi aberta
pela fotografia que reproduzia " A Mão de Deus ", de Rodin. Atô nito, olhei a capa para saber
o nome da revista e qual nã o foi minha surpresa ao ver que a ediçã o já tinha doze anos e o
título era « Sabedoria », na ediçã o de janeiro de 1957. Deixe o O Mago escolheu " Sabedoria
" como seu veículo parecia mais apropriado para mim; Parecia-me igualmente má gico
como tinha brincado com o tempo, fazendo com que esta revista me esperasse depois de
tantos anos... Percebi que era mais do que uma coincidência. Nã o pensei que meu desejo
fosse a causa do aparecimento dessa imagem, mas senti que esse fato de sincronicidade
tinha uma mensagem especial para mim.

Nã o há dú vida de que os eventos síncronos ocorrem com muito mais frequência do


que imaginamos, e tudo parece provar que devemos estar mais atentos a eles em nosso
benefício. Para minha sorte, o fato do aparecimento dessa imagem de Rodin nã o passou
despercebido ou se acumulou entre os acontecimentos cotidianos dos dias seguintes.
Pareceu-me que " A Mão de Deus " havia me proporcionado um momento de profunda
reflexã o, embora fosse muito difícil decifrar sua mensagem.
Levei mais de um ano de tentativa e erro para me conectar com o significado pessoal
dessa experiência. Como muitas vezes acontece com esses eventos milagrosos, o esforço
que fazemos para entender seu real significado é muito gratificante. Como esses eventos de
sincronicidade sã o o melhor método para nosso Mago interior se comunicar conosco, é
importante aprender a decifrar sua linguagem oculta.

Como podemos decifrar um fenômeno de sincronicidade para determinar seu


significado oculto? Todo mundo tem que encontrar seu pró prio procedimento. Vou
compartilhar algumas experiências pessoais aqui, caso ajudem alguém. Esses eventos me
ensinaram muito sobre os usos (e abusos) da magia.

Quando comecei a escrever sobre cartas de tarô , eventos como o que acabei de
descrever ocorreram quando uma imagem de que eu precisava ou uma informaçã o me foi
fornecida magicamente. A princípio, fiquei tã o comovido com eventos externos e tã o
enfeitiçado por acontecimentos milagrosos que esqueci completamente seu significado
mais profundo. Senti entã o que tal evento significaria simplesmente que eu deveria ter
aquela folha ou aquela informaçã o. Senti que a vida confirmou meu desejo de escrever este
livro. Essas nã o eram conclusõ es irracionais, o problema era que elas me impediam de
buscar significados mais profundos. Como resultado, fiquei fascinado pela magia externa
desses eventos e nã o intrigado pela possível conexã o emocional ou seu possível significado.
Como essas sincronicidades começaram a se repetir com certa frequência, fiquei cada vez
mais fascinado por elas. Logo me convenci de minhas qualidades má gicas inatas e comecei
a imaginar que tinha poderes incomuns. Alguns clichês apropriados para essas ocasiõ es
rondavam minha cabeça: " Tenho que ficar bem, estou em uma situação de Tao " etc... Nã o
senti exatamente que o Todo-Poderoso era meu co-piloto, mas comecei para se sentir
especial e importante. .

Felizmente, antes que essa situaçã o me levasse à estratosfera, me deparei com o


seguinte aviso de Jung:

"Os milagres atraem apenas a compreensão daqueles que não conseguem perceber o
seu significado. Eles são meros substitutos para a realidade mal compreendida do
espírito. Não quero dizer com isso que a presença viva do espírito não seja
ocasionalmente acompanhada pela ocorrência de eventos físicos maravilhosos.
Quero apenas enfatizar que esses fatos não podem substituir nem esclarecer a
compreensão do espírito, que é a única coisa essencial.» vinte
Comecei a perceber como o enorme fascínio dos eventos relacionados à parapsicologia
(tã o comuns em nossa cultura) poderiam se tornar " simples substitutos para a
incompreendida realidade do espírito ". Percebi que eu também havia me deixado envolver
por sua magia e esquecido de usar essas sincronicidades como uma ponte para a
autocompreensão . Parecia mais prá tico, entã o, mudar minha tendência de bater minhas
asas e me gabar de " minhas maravilhosas sincronicidades " e direcionar essas energias para
examinar o possível significado que esses eventos tiveram para mim.

Estava garantido, pensei, que estava destinado a ter imagens e outras informaçõ es
sobre o Tarô . Comecei a pensar, por que essas coisas caíram magicamente em minhas mã os
quando o resto teve que procurá -las da maneira normal? Cheguei à conclusã o de que as
coisas que vieram simplesmente em resposta aos meus desejos devem ter um significado
mais profundo e pessoal do que o desejo de possuir aquela imagem. Aplicando esse insight
à miraculosa apariçã o de Rodin « A Mão de Deus », comecei a me perguntar: que falta minha
ou que poder desconhecido em minha vida poderia representar esta imagem? Onde eu
preciso da « mão de Deus » para tocar minha vida diá ria? Naturalmente, as respostas a
essas perguntas sã o tã o pessoais que se tornam quase incomunicá veis.

Embora este incidente tenha ocorrido há vá rios anos, escrevo-o no presente, pois há
aspectos ocultos de seu significado que ainda hoje estou descobrindo. Quanto menos me
deixo intoxicar pela magia dessas sincronicidades, mais livre me sinto para me conectar
com o significado interior que elas me oferecem. Ou seja, como acontece com o Moisés
fazendo brotar a á gua, " quando o povo está com sede " o Mago nã o pode ser a figura central
da imagem. Juntos, eles realizam o milagre que transcende a ambos, mas que, ao mesmo
tempo, nos faz sentir no chã o da realidade humana.

ocorrem sincronicidades , significa que um poder arquetípico foi ativado . Como os


arcanos do Tarô simbolizam esses poderes, é compreensível que estimulem eventos desse
tipo. Se você vai fazer um caderno de tarô , é importante que você colete todas as
experiências relacionadas a esses fatos. Aqui estã o algumas sugestõ es para encontrar o
significado oculto de eventos milagrosos desse tipo. Nã o há dú vida de que você descobrirá
outras maneiras por conta pró pria.

Você pode começar se perguntando: o que há em mim que precisava desse fato? Que
falta ou poder meu isso representa? Anote as respostas que aparecerem, tente captar o
cheiro de pessoas ou coisas relacionadas à sincronicidade, deixe sua caneta vagar
livremente, com dísticos, aleluias, versos livres ou aparentes nonsense. Tente desenhar ou
moldar as sombras ou figuras que aparecem em sua cena interna. A compreensã o artística
desta obra nã o é o objetivo; se nã o tiver talento, tanto melhor, nã o será tentado pela
perfeiçã o e poderá desfrutar e brincar com seus sentimentos de forma espontâ nea e livre.
Há momentos em que uma experiência de sincronicidade nã o carrega esses fatos; em
tais casos, pode-se olhar para trá s na mensagem e observar o que, se alguma coisa,
aconteceu apó s o evento sincrônico . Mais uma vez vou ilustrar com uma experiência
pessoal. Isso aconteceu anos atrá s, em Zurique, onde fui estudar e fazer uma aná lise
pessoal. Meu Má gico estava em um de seus dias mais lú dicos, pois havia me trancado
dentro do meu apartamento, no exato momento em que eu tinha uma consulta com meu
analista. Quando relatei a curiosa coincidência ao meu terapeuta na semana seguinte,
antecipei um profundo discurso sobre o significado da sincronicidade em resposta. Em vez
disso, meu médico começou a rir alto; quando finalmente conseguiu falar novamente, ele
me fez uma pergunta muito significativa: o que você fez com o seu tempo em vez de...?
Examinar detalhadamente o que fiz com esta hora " em vez de " foi tã o reconfortante que
vinte anos depois ainda penso neste pequeno acontecimento como um dos acontecimentos
mais significativos da minha vida, pois é uma prova inesquecível de como reagi à
frustraçã o. . Em vez de aceitá -lo inevitavelmente e usar aquela hora criativamente,
desperdicei-a em esforços inú teis para enganar o destino. Quando todas as tentativas de
escapar para minha prisã o falharam, escapei psicologicamente bebendo quase até ficar
bêbado.

Como o Mago é um artista e nã o um ditador, ele pede que sejamos nó s a inserir um


pouco de prudência. Se você vai seguir qualquer uma das minhas sugestõ es, faça-o com
sabedoria. Conhecer o significado dos eventos de sincronicidade nã o é um projeto de
trabalho. O que se sugere é antes um espírito de exploraçã o. Todas as questõ es e técnicas
que mostro neste livro pretendem ser poéticas e sugestivas, nã o didá ticas ou diretivas.
Investigar um acontecimento milagroso como se fosse uma tarefa ou um dever servirá
apenas para enterrar o conteú do emocional que procuramos. É melhor refletirmos sobre o
significado dos eventos de sincronicidade à medida que ocorrem em nossa rotina diá ria... O
" uh-huh... " mais esclarecedor geralmente ocorre quando estamos lavando a louça ou no
chuveiro.

As sincronicidades sã o fenô menos naturais, nã o há evidências de que sejam projetadas


pelo destino para dar liçõ es de moral. Como as flores e os frutos, sã o produtos da natureza,
crescem espontaneamente e esperam no nosso jardim que os descubramos; Eles se
apresentam para nosso alimento e deleite.

Muitos fatos de sincronicidade afetam as imagens internas que se materializam


milagrosamente no mundo exterior. Todas as imagens tendem a se materializar dessa
maneira; é sua maneira peculiar de se expressar na realidade externa. Como o « O Cativo »
de Michelangelo , as visõ es querem nascer, lutando contra nossa letargia e indiferença para
se libertar do inconsciente. Sabendo disso, usamos as imagens conscientemente: contamos
cordeirinhos para adormecer ou visualizamos uma cena tranquila ou uma mandala para
nos acalmar quando nos sentimos confusos. Mais e mais pessoas encontram tempo a cada
dia para implantar imagens favorá veis no inconsciente por meio da auto-hipnose ou outras
técnicas. Mas esses procedimentos sã o de valor limitado. O inconsciente é, por definiçã o,
inconsciente. Nã o podemos manipular sua atividade com força de vontade. Uma técnica
muito mais ú til seria observar nossas imagens, sentimentos e pensamentos internos, para
permitir que quaisquer imagens que apareçam espontaneamente fluam através de nosso
está gio interno. O choque produzido pela observaçã o do que " realmente somos " por
dentro produzirá uma mudança. O Mago interior pode nos ajudar a realizar as visõ es de
poder, vingança, culpa ou qualquer outra que exista atualmente dentro de nó s; para que
possamos lidar com esses aspectos de um ponto de vista mais consciente. O Mágico
também pode nos ajudar a descobrir e dar vida à s nossas imagens criativas. Dessa forma,
consciente e inconsciente estariam relacionados de forma mais significativa.

Uma velha má xima da alquimia diz: « O que a alma imagina, acontece apenas na mente,
mas o que Deus imagina, acontece na realidade ». Quando o Mundo Unitário irrompe em
nossa consciência, talvez seja quando vislumbramos por um momento o mundo como Deus
o imaginou.

Como, entã o, devemos ver nosso Mago em termos junguianos? É o ego consciente que
cria a ilusã o ou é a autoconsciência que a dissipa? É a vontade do homem ou é a intençã o de
Deus? A resposta é que as duas coisas ao mesmo tempo. Pois através da consciência
estamos envolvidos no mundo das categorias e coisas, e é também através da consciência
que nos libertamos da confusã o . O Mago cria o labirinto e nos conduz por ele. Nesse
sentido, o homem pode ser considerado tanto como redentor quanto como redimido. Com
o Louco aliaram-se o ego e o eu-mesmo, pois do eu-mim é que surge o ego. Se o Louco
simboliza " o eu como uma prefiguração do ego ", entã o o Mago pode ser visto como a
personificaçã o de uma ligaçã o mais consciente entre o eu e o ego.

Alan McGlashan, chamando-o de " o hóspede não convidado ", compara-o ao sujeito
central dos nossos sonhos: o Dreamer. Sã o as duas coisas ao mesmo tempo: o sujeito que
tem a experiência e o objeto do sonho que é observado; um « guia fantasmagórico » para os
reinos do inconsciente. Sobre este sonhador, McGlashan diz:

«Como o misterioso menestrel do baralho de Tarô, o Dreamer está continuamente


fazendo o que parece impossível, invertendo o sentido de nossos conceitos mais
solenes como nascimento e morte, manipulando o espaço e o tempo com
impressionante audácia, desfazendo sem cerimônia nossas mais caras e firmes
convicções ." vinte e um
Sabemos que sonhos podem se tornar realidade. Inú meras vezes " sonhamos " o
mundo em que vivemos, nossos personagens e nossos objetivos, de acordo com nossas
imagens interiores. Algumas imagens aparecem enquanto estamos acordados, enquanto
nossa mente consciente está planejando ou imaginando. Isso é algo de que estamos
facilmente cientes. No entanto, as imagens arquetípicas que aparecem em nossos sonhos
enquanto nossa mente consciente está off-line vêm de níveis mais profundos da psique e
sã o mais difíceis de identificar. Aqui o Mago pode nos ajudar novamente, ensinando-nos o
truque para entrar em seu mundo de sonho.

O primeiro passo, claro, é lembrarmos dos nossos sonhos. Para aqueles que " não
sonham " é ú til substituir esse pensamento negativo por uma atitude de expectativa
fervorosa. Muitos desses " não-sonhadores " descobrem que colocar lá pis e papel na
mesinha de cabeceira estabelece uma conexã o entre a consciência diurna e o mundo dos
sonhos. O papel pode ficar em branco por alguns dias, mas se você ficar parado depois de
acordar, com os olhos fechados, eventualmente um vislumbre do que você sonhou na noite
anterior flutuará em seu palco interior. Talvez a princípio você pegue apenas uma figura
vaga ou apenas uma frase. No entanto, anote-o. Muitas vezes só isso já vai trazer outras
imagens ou talvez uma representaçã o completa. É muito importante anotar tudo
imediatamente, pois os sonhos sã o facilmente esquecidos.

Como essas imagens oníricas desempenham um papel tã o importante na formaçã o de


nossas vidas, nos preocupamos muito com elas. É disso que trata este livro. Os vinte e dois
arcanos do Tarô mostram personalidades e situaçõ es arquetípicas. Ao conhecer essas
figuras do Tarô , aprenderemos a reconhecê-las quando aparecerem em nossos sonhos.
Prestar atençã o aos nossos sonhos, mesmo que nã o façamos mais nada com eles, terá um
efeito em nossas vidas. Assim como nos comportamos com o inconsciente, ele se
comportará conosco. Os personagens de nossos sonhos, como família e amigos, devem ser
levados a sério. Eles gostam de sentir que nos importamos com eles e com o que eles fazem,
que isso nos afeta tanto quanto a eles.

O Mago é quem nos ajuda a nos conectar com o mundo dos sonhos. O Louco entra e sai
de nossas vidas de vez em quando, o Má gico fica na nossa frente. O Louco pode nos trazer
sonhos aparentemente impossíveis, mas o Mago os fará aparecer na mesa para nossa
consideraçã o. É ele quem nos ajuda a realizar nossos sonhos.

Todos nó s compartilhamos os poderes má gicos do Mago. Nosso é o potencial de


iluminação e a realização de eventos ainda nem sonhados. O nosso também é um gigantesco
poder destrutivo . Podemos fazer nosso planeta explodir; podemos enterrá -lo e a nó s
mesmos sob um trilhã o de dispositivos de plá stico; ou também podemos mimar e proteger
nosso ambiente e humanidade. A escolha é nossa. Talvez, enquanto tentarmos fazer com
que o Mago interior nos ajude a realizar nossos sonhos, nossos pesadelos nunca se
tornarã o realidade.

5. A PAPAISA:
SACERDOTISA DO TARÔ

Fig. 17 A Papisa (Marseillaise Tarot)


O mundo mudará menos para o
decisões do homem que por
adivinhações de mulher

Claude Bragadon

O arcano nú mero dois do Tarô nos mostra uma senhora Papa de origem antiga e
misteriosa (fig. 17). Historicamente, nunca houve uma papa feminina, mas por alguns
séculos uma mulher chamada " Papa João " desfrutou da vida na imaginaçã o do pú blico.
Disfarçado de padre, esse lendá rio personagem subiu pelos diferentes graus das ordens
sagradas até se tornar Papa. Ninguém suspeitava naquela época que o “Papa Joã o” fosse
uma mulher, até que um dia esse fato foi revelado de forma um tanto embaraçosa. No meio
de uma solene procissã o, o "Papa Joã o" deu à luz um bebé! Este conto nã o se baseia em
nenhum fato real, mas, como todos os mitos, esconde uma verdade interna tã o ó bvia que
muitas vezes é ignorada. A principal atividade criativa que distingue Juan de Juana é o fato
relevante e revelador do nascimento de um filho. Esta arte pela qual as crianças sã o feitas é
o poder secreto da mulher e também sua fraqueza pú blica. Mesmo que o verdadeiro Papa
Joã o pudesse dominar vastos reinos espirituais e temporais, ele nunca teria sido capaz de
realizar este milagre diá rio. O homem pode propagar e celebrar o Espírito Divino, mas
somente através da mulher o espírito é encarnado. É ela quem acolhe a centelha divina em
seu ventre, protege-a e alimenta-a e finalmente a torna realidade. Ela é o veículo da
transformaçã o. Do ponto de vista masculino da lei e da ordem, esse ato criativo de Juana
pode aparecer como um infeliz acidente que interrompeu o cortejo civilizado. Que choque
seria enfrentar a realidade cruel e sangrenta (o bebê chorando e as fraldas) em meio a
pompa e solenidade! Que natureza imprudente e anti-higiênica, rompendo assim em uma
celebraçã o do espírito puro! Mas apesar de o homem dizer isso, ele tem que reconhecer a
tremenda importâ ncia do poder da mulher. " O espírito puro " é pura bobagem. Se a
inspiraçã o alada nã o for captada, trazida à terra e posta em contato com a realidade, ela se
dissipa sem rumo e sem propó sito. Se nã o há parto, nã o há procissã o. Enquanto o espírito
nã o assumir realmente a carne (nã o encarnar), sua celebraçã o papal pode nã o ter sentido.
Entã o, aqui, sentada à nossa frente no cartã o nú mero dois, está uma mulher. Embora ela
seja chamada de Papisa, ela nã o é literalmente a esposa do Papa. Como na série ela
acompanha o Mago, que é um sá bio sacerdotal ou mago, podemos pensar que ela é a
sacerdotisa suprema, que é, de fato, como alguns baralhos modernos a chamam. O Mago
representa o princípio Yang ou princípio criativo masculino ; a Papisa pode ser vista como
um símbolo do princípio Yin , ou aspecto feminino da divindade . Ela personifica as
qualidades de Ísis , Ishtar e Astarte , todas elas deusas que reinavam sobre os rituais dos
mistérios das mulheres. Em seu aspecto espiritualizado ela aparece como a Virgem Maria e
como Sophia , a Sabedoria Divina . Seu nú mero dois é um nú mero sagrado para todas as
divindades femininas.

A Papisa é substancialmente uma mulher bastante grande, sentada, possivelmente


entronizada. Ela está vestida com traje cerimonial e a tiara da Igreja, que representa o
poder espiritual que está além de sua pessoa individual. Tem nas mã os um livro aberto,
sem dú vida um livro sagrado, símbolo do Verbo Divino . Talvez ele esteja pensando sobre o
que acabou de ler, talvez ele esteja segurando o livro aberto para que também nó s
possamos ver A Palavra ... Vejam como começa: « No princípio ...». Em algumas pinturas da
Anunciação, a Virgem Maria é retratada em uma postura semelhante com um livro aberto, o
Livro dos Profetas, que prediz seu destino como portadora do Menino Deus. Aqui, no Tarô ,
pode parecer que o livro tem um significado semelhante, pois nos diz que é por meio da
Papisa que o espírito se “ realizará ”, será trazido à realidade. Tradicionalmente, a mulher
nã o faz a lei, mas é o instrumento de sua realizaçã o; ela nã o controla seu destino, mas vai
evoluir como está escrito, lista mujer nã o empreende nenhuma açã o para conhecer seu
destino, pois a essência do feminino é a receptividade. Ela nã o escolhe, ela é escolhida. O
que estava escrito « no princípio ...» vai acontecer com ela.

A canga amarela que vemos no peito da Papisa parece indicar que ela aceita seu
destino com uma paciência semelhante à dos bois e que servirá ao espírito com humildade.
Dá relevo, ao mesmo tempo, à secçã o horizontal da cruz, à dimensã o terrena da realidade.
Conectar a direita com a esquerda, o consciente com o inconsciente , unindo-os de forma
prá tica segurando o livro das profecias; aceite a palavra com todo o seu ser. Ecoando este
compromisso está o véu branco, que nã o é diferente daquele usado hoje por algumas
ordens religiosas ou meninas que fazem sua primeira comunhã o. Usado na Idade Média, o
véu ainda hoje é um símbolo de dedicaçã o especial ao Espírito Santo. Esconde o cabelo da
mulher, sua " coroa de glória ", símbolo de atraçã o sexual e poder de seduçã o. A Papisa usa
uma tiara de joias na cabeça, insinuando sua atraçã o por uma gló ria mais preciosa que o
cabelo mortal. A sua forma lembra uma colmeia, que simboliza a fertilidade perene, a
organizaçã o instintiva e o alimento cheio de força vital. Sua tiara tríplice nos mostra que
seu poder se manifesta nos três mundos: no céu, na terra e debaixo d'á gua.

A tiara tríplice também a conecta com a bruxa de três caras chamada Hecate , uma
bruxa do pré-Olimpo sombrio , uma figura com quem a Papisa tem que compartilhar o
domínio sobre os três mundos. A senhora do nosso Tarô simboliza um refinamento e
espiritualizaçã o da natureza instintiva muito distante da vingativa Hécate , já que a Papisa
nã o está de forma alguma em uma postura relaxada em seu trono. O favo de mel que cobre
sua cabeça quer nos lembrar constantemente que, quando os instintos quebram, eles
podem nos atacar com ferrõ es venenosos e afiados, pois protegem zelosamente seu mel.
Atrá s da Papisa pende uma grande cortina sustentada por duas colunas que timidamente
aparecem através do véu do lado direito e, abaixo do cotovelo, do lado esquerdo.
Obviamente, ela está sentada na entrada de algum lugar, talvez um templo ou um santuá rio
interior cujos mistérios ela guarda.

Você pode apreciar as características misteriosas da Papisa em comparaçã o com o


Mago. Ele é desenhado ao ar livre, tudo ao seu redor sugere açã o: a forma de lemniscata de
seu chapéu, a varinha que brande no ar, a bolinha segura tã o delicadamente entre o polegar
e o indicador, assim como os aparelhos e ferramentas que usa. na mesa à sua frente; tudo
sugere açã o. Você está prestes a fazer algo. Até seus cabelos dourados que caem livremente
sob o chapéu parecem estar vivos. Sua atitude, com os pés ligeiramente afastados, é a
mesma de um maestro em seu pó dio quando está prestes a iniciar um concerto. Como um
maestro de orquestra, o Mago nã o fica parado no mesmo lugar; Quando esta apresentaçã o
terminar, passará para outra. Nem está limitado pelas limitaçõ es do tempo terrestre. A
curva extravagante de seu cocar a conecta com o infinito, indicando que seu dono tem
acesso à dimensã o má gica do conhecimento impessoal que vai além das realidades
mundanas do tempo e do espaço.

Nã o é assim com a Papisa; ela está enraizada no lugar, sentada passivamente, imó vel.
Sente-se que está lá desde sempre e que vai ficar lá até o fim dos séculos. Enquanto a Maga
tem a varinha que sugere açã o e experimentaçã o, a tiara e seu livro indicam compreensã o e
tradiçã o. Esses pilares ou colunas marcam a limitaçã o da dura realidade, em contraste com
a liberdade espacial que o Mago desfruta.
O poder do Mago é o fogo: calor, brilho e radiâ ncia da energia solar; o poder da Papisa
é a á gua: fria, escura, fluida, o poder da lua. Ele controla pela rapidez da força, pelo
conhecimento e pela ideia; ela governa por persistência lenta, amor e paciência feminina.

Os pilares repetem a dualidade expressa no nú mero dois da Papisa. Sua essência é o


paradoxo. Ela é abrangente, abrangendo o bem e o mal, até a vida e a morte . Ela, que é a
mã e da vida, também deve presidir à morte, pois tudo o que vive na carne deve morrer na
carne. Somente a luz ilimitada do espírito puro é imortal.

A magia do Mago, assim como seu sexo, sã o visíveis para nó s. A magia da Papisa é
velada e escondida como seus cabelos. Ela talvez esteja escondida atrá s da cortina atrá s
dela ou está escondida "sob o chapéu"? Talvez ela esteja enterrada sob as á guas de sua
barriga? Onde quer que esteja oculto, como o segredo de uma mulher, como sua pró pria
natureza, permanece oculto da penetraçã o da consciência masculina. Ao pé de uma está tua
de Ísis, em Sais, estã o inscritas as seguintes palavras: « Eu sou tudo o que foi, é e será.
Nenhum mortal foi capaz de descobrir o que está sob o meu véu ». Seu é o reino da profunda
experiência interior; o mundo do conhecimento externo nã o é dele.

Parece-nos que o poder do Mago está sob o controle de sua consciência, que ele pode
dominar " o tiro ". Este nã o é o caso da Papisa. A natureza de sua magia está escondida até
dela. Acontece em parte " pelas costas ", como vemos no desenho. Ela é quem guarda o
nascimento e o renascimento, mas nã o os controla.

Nas culturas primitivas, as mulheres eram consideradas a ú nica fonte de vida. Isso
porque a relaçã o sexual nã o era entendida como a causa da gravidez. O homem nã o teve
nenhum papel no processo de concepçã o. Era visto como um intruso, e nã o como uma força
destrutiva da natureza, como exemplificado na mitologia pela histó ria do rapto de
Perséfone . Como o papel do homem no processo de criaçã o nã o era compreendido, toda
mulher que sabia que estava grá vida sentia-se misteriosa e inexplicavelmente escolhida
pelos deuses. Como aconteceu com Maria , o anú ncio do fato teve que descer
inevitavelmente como um anú ncio do céu. O nascimento de uma criança era um mistério
sagrado, era o mistério da mulher. Os primeiros recintos sagrados foram aqueles
construídos para abrigar o nascimento de uma criança; templos posteriores foram
construídos nesses lugares. O princípio feminino encarnado em Isis , Ishtar , Astarte e mais
tarde em Maria , estava ligado nã o apenas ao nascimento corporal, mas a uma nova
dimensã o de conhecimento ou sabedoria que transcende a carne.
Hoje, apesar da pílula anticoncepcional, da educaçã o sexual e dos movimentos de
libertaçã o das mulheres, o nascimento de uma criança permanece, graças a Deus, um
mistério sagrado. A paternidade responsá vel é elegível, mas cada gravidez acontece (ou
nã o acontece) pela graça de Deus. Toda futura mamã e, mesmo que queira, deve ser
escolhida pelo destino para assumir esse papel. O pró prio evento milagroso ainda é um
mistério; É o mistério da mulher, acontece com ela. Para o homem, o ato da procriaçã o
acontece fora dele, tanto física quanto psicologicamente. Um homem pode ser pai de uma
dú zia de filhos sem saber... Para uma mulher, a concepçã o e a pró pria criança acontecem
dentro de seu corpo, bem no centro de seu corpo. A partir do momento em que ela
concebeu, quer ela saiba disso ou nã o, uma mulher está literalmente " grávida ". Qualquer
que seja sua atitude intelectual, no fundo do inconsciente de cada mulher, a gravidez ainda
é vivida como um anú ncio do destino; para ela, cada nascimento é a recriaçã o da Criança
Divina .

Parece significativo que hoje a mulher comece novamente a restabelecer uma conexã o
consciente com a experiência do nascimento de seu filho. Por meio do parto sem dor e
outras técnicas nã o medicamentosas, as mulheres conseguem permanecer conscientes
durante o nascimento de seus filhos, para que estabeleçam uma conexã o emocional e
espiritual com essa experiência e participem conscientemente desse ato supremo de
criaçã o. Mais significativo ainda é o fato de os pais, longe de serem excluídos dos “
territórios sagrados ”, serem convidados a presenciar o evento e participar do ritual para
compartilhar a experiência como co-criadores. Por fim, a criatividade feminina e o princípio
feminino (que por tanto tempo foram negados em nossa cultura) estã o se revelando.

O movimento de libertaçã o das mulheres à s vezes é visto como nã o tendo outro


objetivo senã o libertar as mulheres do trabalho doméstico escravizante, bem como dos
preconceitos contra os homens em outras á reas da vida. O que está em jogo hoje é libertar
ambos, o homem e a mulher, da escravidã o com que ambos sã o submetidos ao princípio
masculino; uma regra que, devido ao seu longo período de implementaçã o, tornou-se
bullying para ambos igualmente. No seu nível mais profundo, este movimento nã o é uma
guerra entre os dois sexos, mas sim uma batalha travada por ambos para libertar a Papisa
da masmorra do inconsciente e elevá -la ao seu lugar de direito, que é o de co-governar
junto com o princípio masculino. A revoluçã o social e psicoló gica que está ocorrendo
atualmente pode ser considerada como a atualizaçã o humana do dogma da Assunçã o da
Virgem Maria, proclamado como tal pela Igreja Cató lica há alguns anos. Segundo a teologia,
a Virgem Maria agora tem um lugar seguro à direita de Deus Pai. Depois de séculos de
genuflexã o espiritual diante do princípio paternal (algo tã o comum e dominante em nossa
cultura judaico-cristã ) é difícil para as mulheres, assim como para os homens, atribuir o
mesmo valor ao princípio feminino.

Um dos problemas pode ser que o conceito de " igual, mas diferente " é muito difícil em
nossa sociedade competitiva, onde tudo, pessoa e lugar é instantaneamente informatizado,
avaliado e rotulado. Pode ser que, em nosso esforço para experimentar os dois sexos como
iguais, venhamos a esquecer suas diferenças. Compreensivelmente, esse está gio de
transiçã o é capaz de confundir qualquer um; isso parece ser mais marcante entre nó s que
fomos criados numa época em que as diferenças sexuais, embora distorcidas pela cultura,
nã o eram claramente definidas. Nã o é assim hoje. Simples donas de casa passam por nó s no
supermercado ; Os heró is do futebol, que já usaram um kit elegante, hoje posam para a
imprensa com aventais de cozinha e cachos. Ainda mais confusã o é produzida pelos
vestidos e uniformes que agora sã o chamados de " unissex "; todos eles têm cabelos
compridos e jeans e cada um carrega sua pró pria mochila e saco de dormir; quase nã o há
chave para decifrar a que sexo cada um pertence.

Talvez nã o mereçamos saber quem é quem ou talvez nã o seja necessá rio, pois cada um
entendeu bem o que é a vida e suas necessidades. Podemos compartilhar a admiraçã o de
Ogden Nash pela tartaruga ao dizer que seu sexo é igualmente oculto. " Acho que a
tartaruga é esperta nesse esforço de ser tão fértil ." Esperemos que em breve apareça um
destino " igual mas diferente " para homens e mulheres. Uma das maneiras pelas quais
podemos ajudar isso a acontecer é experimentar o princípio feminino há muito
negligenciado mais profunda e conscientemente e tentar observar como ele opera dentro
de nó s, tanto homens quanto mulheres.

Como primeiro passo para isso, vamos esclarecer nossa terminologia. Os termos
masculino e feminino , conforme utilizados por Jung, nã o implicam na dicotomia psicoló gica
entre homem e mulher. Por isso, termos como « yin-yang » ou « logos-eros » podem nos
ajudar, pois deixam claro que se trata aqui de dois princípios vitais que atuam ao mesmo
tempo no homem e na mulher, e na natureza. No entanto, é importante distinguir essas
diferenças sexuais em nossa linguagem. O sexo é o paradigma da experiência humana para
a realizaçã o dos opostos e sua subseqü ente transcendência. Por meio da " alteridade " da
relaçã o sexual, experimentamos o poder dinâ mico dos opostos em nossas energias, e é por
meio do êxtase da reconciliaçã o entre os dois que percebemos a total transcendência da
carne mortal.

Assim, os termos masculino-feminino sã o usados aqui para denotar pó los positivos e


negativos de energia, cuja interaçã o dinâ mica se propaga, motiva e ilumina nossas vidas.
Por exemplo: assim como o corpo de um homem tem suas características femininas
secundá rias, sua psique (seu comportamento e maneiras) é afetada pelo que Jung chamou
de anima , ou seja, seu chamado “ lado feminino ”. Quando um homem nã o tem consciência
de sua anima , pode ser influenciado de forma destrutiva e ser dominado por ela. Assim que
você se conscientizar dele e de suas necessidades, ele pode inspirá -lo e conduzi-lo à sua
pró pria totalidade. Em termos junguianos, a Papisa representaria um grande
desenvolvimento de sua alma para o homem . É ela que simbolizaria a figura arquetípica que
o coloca em contato com o inconsciente coletivo. Para uma mulher, a Papisa pode ser uma
forma altamente acentuada de Eros : ela simboliza a feminilidade, um eu espiritualmente
desenvolvido .

As vá rias facetas da espiritualidade feminina nã o podem ser contidas em palavras,


nem mesmo em imagens; Selecionei, no entanto, algumas ilustraçõ es que podem esclarecer
e enriquecer o significado desta carta. Talvez meditando nessas imagens possamos nos
conectar com a " magia lunar " que vive em nó s. Todos nó s, homens e mulheres, temos ao
nosso alcance os poderes do Mago e da Papisa. Se nã o tivéssemos esses dois pó los
interagindo em nó s, nã o haveria vida nem criatividade.

Uma das ilustraçõ es (fig. 18) mostra-nos uma está tua de alabastro de uma antiga
divindade lunar, símbolo de fertilidade e reproduçã o, provavelmente Astarte . Representa
uma forma muito mais primitiva do princípio feminino do que a que examinamos; sob o
manto da civilizaçã o, é o sangue de Astarte que corre nas veias da Papisa, assim como nas
nossas. Essas divindades femininas eram deusas lunares porque as fases da lua deveriam
controlar o nascimento, o crescimento e a decadência. Ainda hoje, muitos camponeses "
civilizados " consultam seu almanaque antes de plantar suas lavouras...

O poder lunar é muito sutil, mas muito forte. Ela controla as poderosas marés, como no
Egito as lá grimas de Ísis governavam as á guas do Nilo.Comparada ao sol, que é constante,
previsível e brilhante, a lua é inconstante, velada e escura. A natureza da mulher é lunar,
mudando como a lua, que tanto pode dar vida quanto trazer enchentes ou secas,
dependendo apenas do capricho da Grande Deusa .

Ambos os sexos estã o sujeitos aos caprichos dessa deusa, mas as mulheres, por
simpatia, percebem mais facilmente sua influência e se preparam para lidar com ela. Os
ciclos rítmicos da menstruaçã o, acompanhados de mudanças de humor, ajudam a mulher a
esperar o inesperado e a reconhecer e aceitar o irracional como parte da vida. O
temperamento da mulher, assim como o da deusa, está mais relacionado aos ritmos da
natureza do que aos sistemas da ló gica.

Para o homem, a situaçã o é diferente psicoló gica e fisiologicamente; ele se sente


menos sintonizado do que a mulher com o fluxo e refluxo de seu humor. Como resultado, a
deusa pode surpreendê-lo. À s vezes parece usurpar toda a sua personalidade, de modo que
um homem nesse estado parece até falar com voz de mulher, de maneira feminina,
irracional e à s vezes até histérica. A Deidade Lunar na figura 18 pode ser facilmente
imaginada como vingativa e brusca. Olhe para aqueles olhos! Observe também seu "
terceiro olho ", localizado nã o na testa, mas no umbigo, na barriga, o centro de tudo.
O elemento com o qual ela se conecta é a á gua. Na maioria dos mitos da criaçã o, a á gua
é descrita como tendo o poder de receber, produzir e também é capaz de construir. Das
profundezas do oceano, do interior das rochas, surgiu a criaçã o e todas as formas de vida.
Das profundezas do inconsciente surgiu a consciência. Assim como o embriã o individual
está contido e nutrido no líquido amnió tico, toda entidade individual está contida e nutrida
no profundo inconsciente de cada recém-nascido. É , entã o, do inconsciente que nasce a
consciência.

Simbolicamente, a mulher é agua mar, mare, mer, mère e Mary (mã e e Maria). Sua
ligaçã o com a á gua é destacada nesta carta (fig. 19). A carta pertence a um Tarô inglês do
século 20; a versã o desta Papisa pertence ao Waite Tarot, e é chamada de A Alta
Sacerdotisa. Aqui podemos ver como as roupas fluem e se tornam á gua. Esta ribeira, tal
como a mulher, corre ao longo da linha de menor resistência, adaptando-se aos contornos
da terra e recolhendo no seu percurso poças e lagos que refletem o céu. A natureza
feminina é reflexiva. É através da imersã o nas profundezas da mulher que o homem passa a
conhecer a si mesmo. Buscando as imagens do inconsciente profundo, conheceremos a nó s
mesmos.

Duplicidade, dualidade e memó ria pertencem ao lado feminino. Alan Watts, em seu
livro As Duas Mãos de Deus 22 nos lembra que quando Ísis reuniu os diferentes membros do
corpo de Osíris , o que ela estava literalmente fazendo era se lembrar dele. A lembrança nã o
é apenas um ato mecâ nico, como tirar uma fotografia em grupo; é basicamente um ato
restaurador e criativo . Pois bem, quando nos lembramos de alguém, quando nos
lembramos dessa pessoa, recriamos a sua imagem. Aos pedaços espalhados de uma pessoa
ou evento, adicionamos uma parte de nó s mesmos: um conteú do emocional de nossa
pró pria experiência. Entã o, quando nos lembramos de alguém, criamos uma nova entidade.
Trazemos o esquecido a uma nova plenitude, reintegrando-o no mundo coletivo.

O ato criativo da memó ria é um atributo especial do princípio feminino. É sempre


colorido pela emoçã o. De fato, como nos lembra Watts, a palavra inglesa « memory » deriva
do inglês antigo « lamentar », que significa lamentar ou lamentar. É através da dor que se «
torna-se Electra ». Essa capacidade de se conectar criativamente com suas emoçõ es
também pertence aos homens que estã o em contato com seu lado feminino; este é o dom
particular dos poetas que nos ajudam a " chorar por Adonais ".

Nossa cultura ocidental tende a enfatizar o aspecto leve e puro da feminilidade, por
isso é difícil encontrar na arte européia retratos de mulheres espirituais que estã o "
verdadeiramente enraizadas em seus corpos ". Um exemplo disso é a Papisa , conforme
retratada no Waite Tarot . Este baralho modernista inglês foi projetado sob a direçã o do
estudioso AE Waite e feito por Pamela Smith, que também criou cená rios para as obras de
Yeats. Esta mulher-Papa passa por mudanças significativas. A sacerdotisa é desenhada
como uma bela mulher sentada ereta e orgulhosa. As á guas a seus pés sustentam a lua
crescente. Embora ela esteja sentada entre as colunas do Templo de Salomã o, encostada
nos antigos símbolos de fertilidade, com um pergaminho onde se lê " Torá " em sua saia e
cobrindo sua cabeça com a coroa de Hathor , a pró pria mulher é totalmente britâ nica até a
medula do ossos. Apesar da complexidade da simbologia que a envolve, ou talvez
justamente por isso, ela me parece uma figura totalmente desprovida de paixã o, afastada
de seu entorno e desconectada de seu corpo. A que distâ ncia está esta casta donzela pó s-
vitoriana da figura de Astarte , que usava chifres e aquele olho no umbigo além dos dois de
fogo no rosto!

Fig. 18 Astarte (Mesopotâ mia 2000 aC)

Esta sacerdotisa de Waite do século 20, que é linda e perfeita, está perdendo alguma
coisa; Comparando-a com a Papisa que tinha corpo de boa mulher e olhos cheios de
sabedoria, esta jovem parece pura e intocada, boa demais para ser verdade. O mesmo
acontece com a Virgem Maria , que eles idealizam de tal maneira que nos aparece
desprovida de corpo e quase etérea. Desde que o dogma da Assunçã o foi proclamado, seu
corpo tornou-se aceitá vel para o céu e para nó s. Talvez tenha chegado a hora de a palavra "
virgem " ser restaurada à sua força e significado originais.

Hoje falamos de virgem como alguém que é sexualmente puro; Originalmente, a


palavra " virgem " nada tinha a ver com a castidade física. " Virgem " significava nada mais
do que " mulher solteira ". Como escreve Esther Harding, 23 por nã o pertencer a nenhum
homem, ela pertencia a si mesma de uma maneira especial. Ele era livre para se entregar a
Deus; ele estava fisicamente disponível para o Espírito Santo. Virginal, nesse sentido, foi o
Oráculo de Delfos . Nã o era um espírito desencarnado flutuando entre gaze pá lida e
ectoplasma. A Pitonisa era uma deusa solidamente encarnada em seu corpo; já que ele
esperava o impacto do Espírito Santo, o recipiente tinha que ser só lido. No romance de Par
Lagerkvist, " A Sibila ", nos é dito muito bem como é ser "escolhido " por Deus. É
conveniente ler este livro que foi premiado com o Nobel nos anos 50, porque vai
desenvolver alguns aspectos da Papisa.

Fig. 19 Tarô de Waite

Como os poderes da Papisa nã o podem ser descritos apenas em palavras, um bom


exercício para enriquecer a sensaçã o desse aspecto arquetípico que temos em nó s mesmos
é procurar diferentes imagens dela e analisar suas diferentes qualidades, como eu mesmo
fiz. lucro. Outra técnica ú til para conhecê-la é abordá -la diretamente, entã o talvez
conheçamos sua figura misteriosa. Se os astros e a situaçã o forem propícios, você poderá
tirar proveito disso.

Para esclarecer este método, transcrevo uma conversa substancial que tive
recentemente com a Papisa sobre o segundo lugar que ela ocupa no Tarô . Eu me perguntei
se ser a segunda faria com que ela se sentisse relegada ao segundo lugar. Nã o importa o que
eu sentisse, vi que lá estava ela, sentada por séculos, quieta e serena, sabendo tudo o que
sabia e aparentemente segura de sua sabedoria. Qual era o segredo dele? Ao me aproximar
de seu trono com essa pergunta, pareceu-me que ele se endireitou imperceptivelmente
enquanto se protegia (como costumam fazer os introvertidos). Depois de se fechar em si
mesma, a senhora notou minha presença e com uma graciosa inclinaçã o de cabeça me
concedeu uma audiência.

- Senhora Pope, muitas mulheres hoje acham que você deveria ser a número um no Tarô,
concorda com elas?
- Nã o, obrigado! ele respondeu. Durante séculos, o nú mero um pertenceu ao Wizard,
ele está indo perfeitamente bem, você nã o acha? O nú mero um é magro e á gil como sua
varinha e isso é ideal para o tipo de má gica que ele deve fazer. Nã o serviria para carregar
um bebê ou para preparar uma boa sopa, nem para tramar uma intriga. Nã o, para minha
má gica, esse nú mero dois rechonchudo é exatamente o que eu preciso e estou muito feliz
com isso.
Depois disso, a senhora caiu no silêncio da memó ria. Ao fazer isso, os anos começaram
a desaparecer de seu rosto e ela começou a brilhar com o frescor do Jardim do É den.

- Saber? ela me disse agora com um leve encolher de ombros e um sorriso que
lembrava o de Eva, "dois é um nú mero específico, você nã o acha?" Quer dizer, é gordo e
carnudo como uma panela, mas também é torto e escorregadio como uma cobra...
Depois de dizer isso, ele fechou os olhos e se retirou com um pequeno sorriso; parecia
recordar... Levantando-se pouco depois com esforço, mas com gestos de Papisa,
acrescentou:

- Nã o dê ouvidos a esses freudianos, eles nã o entendem de cobra. Há muita coisa que


eles nã o entendem sobre esse astuto e diabó lico nú mero dois. Sim, estou muito feliz com o
lugar que a mulher ocupa”, concluiu com um leve pigarro.

- Mas, você não preferiria ser o primeiro? Eu adicionei.

Seguiu-se uma longa pausa.

"Deduzo que você leu da esquerda para a direita", disse ele, fixando o olhar trinta
centímetros acima da minha cabeça e com uma profundidade de séculos.

- Mas, senhora, não importa de que lado comece a leitura, quando contamos, um sempre
vem primeiro.

“Ok, minha querida,” ele disse placidamente, “e o nú mero dois vem em segundo lugar.
A matemá tica também foi difícil para mim no começo, mas você vai pegar o jeito.

- Seja como for, não é melhor ser o primeiro?


- Ai, coitado de vocês, que confusã o que vocês modernos fazem com essa coisa de
avaliar tudo. Nã o é de admirar que você tenha inventado calculadoras para ajudá -lo.

- Você é contra a avaliação? Você pensa então que ser o primeiro é o mesmo que ser o
segundo?

- Ah nã o, nada disso, nã o é igual, é diferente, muito diferente, é isso mesmo que


importa; Nã o é pior ou melhor, é diferente. Cada lugar tem seu sabor, como especiarias ou
perfumes. Gosto de pensar em nó s como se fô ssemos flores: o Mago seria um girassol e eu
uma rosa.

- Sim, mas ainda há algumas coisas que me preocupam: dizem que Eva foi criada como
algo posterior, como se o Criador a tivesse feito por segunda intenção e para isso usou a
costela de Adão. É verdade?

- Besteira. A costela de Adã o foi feita antes mesmo dele, mas ele só percebeu que ela
estava ali mais tarde, só isso. Eu tenho uma ilustraçã o aqui que conta toda a histó ria. Nele
você verá exatamente o que aconteceu no Paraíso com a Criaçã o e o que ainda está
acontecendo agora. Você sabe,” ela disse, pegando o lençol nas dobras de sua saia, “você
sabe que de alguma forma suas criaturas ainda estã o presas no Paraíso; sua criaçã o ainda
nã o está terminada. Esse é um trabalho que vocês, como todas as outras criaturas do
Senhor, devem terminar sozinhos...
- Oh! — disse ele — aqui está a placa — e mostrou-me a pintura que está reproduzida
na fig. 20, pertencente a William Blake. É claro que Eva nã o é costela de ninguém. Ela é uma
deusa e, como todos os deuses imortais, ela nasceu adulta, um nascimento milagroso; atrá s
dela surge sua gloriosa serpente. Você nã o acha os dois lindos? Mas Adam dorme, ele nã o
sabe que ela existe. Hoje ele está apenas começando a acordar para a realidade, mas ainda
sabe pouco sobre ela. Na verdade, mesmo Eva sabe pouco sobre si mesma, ela está pouco
convencida de sua realidade. Se você olhar para o rosto dela, perceberá que ela está presa
como a Miranda de Shakespeare , considerando sonhadoramente os tesouros deste
Admirável Mundo Novo. Blake intitulou esta pintura A Fêmea de Sua Escuridão Surgiu ;
muitos autores pensam que é " apesar " da escuridã o de Adã o e nã o da sua que Eva
conseguiu nascer. Eles acentuam " apesar " ao contar como a pobre Eva teve que lutar todos
esses anos contra a inconsciência de seu homem e teve que suportar, por tanto tempo, os
olhares maldosos e rancorosos que ele lhe lançou. Nã o foi isso que Blake pintou e eu
discordo dele. Blake diz que é por causa da escuridã o de Adã o, e mesmo fora dessa
escuridã o, que Eva existiu. (Gostaria que ela encontrasse em seu coraçã o um pouco mais de
gratidã o e nã o tanto rancor.) Imagine entã o: o dela era o mundo de Jeová , com severos
mandamentos e proibiçõ es, e o Senhor Adã o era o herdeiro aparente. Foi apenas na sombra
e na escuridã o de seu sonho que ela poderia encontrar um ú tero que a conceberia e um
espaço secreto para seu crescimento. Adam (abençoe-o) salvou sua escuridã o para ela e
alimentou seus sonhos.

Fig. 20 A fêmea de sua escuridão surgiu


( The Temptation of Eve por William Blake. Crown copyright, Victoria and Albert Museum, Inglaterra. Reproduzido
com permissã o.)

Ele sonhava com ela constantemente e a queria. Foi precisamente por causa de seus
sonhos com ela e sua necessidade por ela que ele pô de se tornar. Você entende agora? A
Eva dos seus sonhos nã o tinha nada a ver com a Eva real. A princípio nenhum dos dois
sabia; como ela surgiu de seus sonhos, ela simplesmente os incorporou sem ainda ter
encontrado a essência de si mesma . Hoje em dia, assim que ela descobrir quem ela
realmente é, ele descobrirá novos sonhos para sonhar, até que um dia seu sonho se tornará
realidade e entã o você verá . Seus primeiros sonhos foram inadequados, sem dú vida; Muitas
vezes acontece com os primeiros, mas eles sã o a semente da realidade, minha querida. Nã o
esquecer nunca.

Por alguns momentos, a Papisa e eu ficamos em silêncio pensando nos sonhos de


Adam; de repente, ele me disse:

"Nã o se preocupe com o que eles nos dizem quando estã o acordados, eles nos
alimentam com seus sonhos e realmente querem que nos tornemos realidade." Nunca se
esqueça disso!

Depois de uma pausa, enquanto eu tentava nã o esquecer o que tinha para recordar, a
Senhora olhou-me de novo e disse:

Acho que você fez uma segunda pergunta.


" Sim ", respondi. É sobre a lua e o sol. Diz-se que a lua é uma luz de segunda ordem,
simplesmente o reflexo do poder do sol, de sua glória, e que não tem essência ou divindade
própria. O que você acha disso?

"Minha querida", disse a Papisa, acenando com a mã o, "aquela que diz tal coisa
certamente nã o é uma mulher." Felizmente, tenho algo aqui que vai ajudá -lo a entendê-lo.
Ele entã o removeu uma gravura (fig. 21) de seu volumoso manto. É uma gravura de Rafael
na qual podemos ver como o Todo-Poderoso está criando as duas Grandes Luzes . Você pode
ver por si mesmo como ele fez os dois ao mesmo tempo, um com cada mã o, o sol e a lua ao
mesmo tempo.

"Nã o, toda a questã o sobre ser o primeiro ou o segundo é totalmente irrelevante. Dois
é o nú mero de tudo vivo; o ú nico nada pode fazer. Até mesmo o Criador precisava de ambos
antes de começar qualquer coisa. Há outro retrato Dele em que o que estou dizendo a você
é claramente demonstrado; é o “ Deus criando o Universo ” de Blake (fig. 11). Lá podemos
ver o Criador, com barba, que tem uma bú ssola na mã o enquanto seu braço sai da Grande
Circunferência do Céu. Ele está pintando o círculo microcó smico à imagem e semelhança do
círculo macrocó smico; para isso, mesmo Ele precisou usar os dois braços do compasso, um
para fixar e estabilizar o centro desse círculo e o outro para descrever sua circunferência.
Sim, nem mesmo o Todo-Poderoso poderia fazer isso com apenas um braço. Para fazer um
todo, você precisa de ambos... você precisa de ambos.

Fig. 21 O Todo-Poderoso criando os dois Grandes Luminares


(Rafael. Afresco pintado no Vaticano. Reproduzido com permissã o.)

6. A IMPERATRIZ:
SENHORA, GRANDE MÃE E RAINHA DOS CÉUS E DA
TERRA
Fig. 22 A Imperatriz (Marseillaise Tarot)
A geração é o mistério pelo qual o
espírito se une à matéria, pela qual
divino torna-se humano.

papus

À primeira vista, a Imperatriz (fig. 22) se parece tanto com a Papisa quanto com sua
irmã . Sempre que irmã s aparecem em mitos, sonhos e contos de fadas, muitas vezes
representam dois aspectos diferentes de uma mesma família ou essência , neste caso o
princípio feminino . Se fô ssemos conhecê-los apenas por seus nomes, pensaríamos que a
Papisa representa a feminilidade espiritual , enquanto a Imperatriz seria designada para
governar o reino mundano . Nã o é assim, pois o cetro de ouro que a Imperatriz carrega na
mã o ultrapassa a ó rbita da realidade terrestre e é coroado pela cruz do espírito. Essa
capacidade de conectar o céu com a terra, o espírito com a matéria, é de fato uma das
principais características da Imperatriz , e isso fica claro para nó s pelo par de asas
douradas que confundimos com seu trono. Em algumas versõ es do Tarô ela nos é
apresentada como uma deusa alada . A á guia dourada que está gravada em seu escudo
também nos mostra sua ligaçã o com o espírito. A á guia atinge as maiores alturas e sua
morada também fica em um local tã o inacessível quanto o Monte Olimpo. No mito de Eros e
Psique era muito significativo que fosse uma á guia que ajudasse Psique a pegar as á guas da
vida e contê-las em um vaso.

Na carta anterior, a atmosfera é está tica, fundamentada, com ênfase na proteçã o e


compreensã o. Nesta carta, a á guia sugere o movimento no eixo vertical, o que significa
libertaçã o e transformaçã o. É como se a Papisa nos mostrasse o espírito dentro do ventre
da matéria, enquanto na Imperatriz o espírito renasce da carne e cria uma nova entidade
que pertence a ambos. O gesto com que ela abraça a á guia dourada indica sua ligaçã o com o
espírito quase como se estivesse vivo, pois essa ave real obviamente representa uma força
vital com a qual ela se sente emocionalmente ligada. O fato de uma á guia dourada também
aparecer no escudo do Imperador (triunfo nú mero quatro) indica que ela é o emblema das
armas da família ou seu talismã . Por isso, sua imagem exerce uma influência sutil, mas
poderosa, sobre esse casal real e seu império.

Esta ave é muitas vezes escolhida para representar o princípio feminino, talvez porque
a fêmea desta espécie seja maior que o macho. Na alquimia, descobrimos que a á guia é
trocada pela ave Fênix , uma ave que simboliza a espiritualizaçã o do instinto. A á guia da
Imperatriz certamente parece ascender, enquanto no reino da Papisa ( a Virgem ) o espírito
desce em direçã o à matéria. Com a Imperatriz ( a Mãe ) o espírito se liberta da matéria e
ascende ao céu, como o Filho , o Redentor .

Nesse contexto, o pá ssaro dourado da Imperatriz, que liga o céu à terra, tem um
significado muito especial para nó s hoje, pois, como Jung frequentemente nos apontava, o
cristianismo de nossa época perdeu seu corpo, sua terra e sua emoçã o. Jung disse: «
devemos voltar ao corpo para recriar o espírito e assim dar uma nova realidade à experiência
humana ».

La Vierge Ouvrante , estatueta do século XV talhada em madeira e policromada, é uma


das mais eloquentes representaçõ es pictó ricas do espírito contido ou criado no seu corpo
(figs. 23 e 24).

Erich Neumann nos descreve da seguinte forma:

«Vista de fora, a Vierge Ouvrante nada mais é do que uma virgem com seu filho; mas,
ao abri-lo, revela-nos o seu segredo herético: Deus Pai e Deus Filho, que geralmente
são representados como dois senhores celestiais, num ato de pura graça elevam a
humilde mãe-terra para habitar com eles; já estavam “contidos nela” e mostram-se
“felizes” com o aconchego que o seu corpo lhes oferece.» 24

Pela forma como a Imperatriz abraça a á guia dourada, podemos deduzir que os
albigenses sabiam desse " segredo herético "; também pela forma como segura o cetro, com
a mã o esquerda ( lado inconsciente ), parece indicar que a ligaçã o com o Espírito Santo é
instintiva e vem de dentro e nã o desce de cima. Seu Cetro nã o fica ereto, mas descansa
casualmente em seu braço, mostrando-nos que a Imperatriz é governada mais pela intuiçã o
do que pelas leis feitas pelo homem. Seu domínio é flexível, à s vezes até quixotesco, pois
seu coraçã o tem razõ es inatingíveis pela mente. Assim como ela permite que o cetro se
afaste dela, ela cinge e abraça a á guia para si mesma. Parece evidente que o poder do amor
é mais caro para ela do que o amor do poder.

Se invertermos o símbolo do orbe e da cruz, encontramos o signo astroló gico de


Vênus. Parece muito apropriado que ele nos mostre este símbolo inclinado, indicando a
direçã o para Vênus, já que o amor é a força unificadora e regeneradora que conecta yin e
yang, espírito e carne, céu e terra, unindo opostos em um abraço criativo até algo
completamente novo. , mas isso inclui ambos, pode nascer.

Todas as vezes em nossa vida nos encontramos presos em dicotomias rígidas,


podemos pedir ajuda à Imperatriz . Uma maneira de fazer isso é iniciar um diá logo com ela,
como fizemos com a Papisa.

Como a Papisa e a Imperatriz incorporam o princípio feminino , elas presidem


conjuntamente os quatro mistérios femininos: formação , preservação , nutrição e
transformação . Cada uma delas enfatiza aspectos diferentes, como se pode constatar pelo
contraste dos retratos dessas duas irmã s.

Enquanto a Papisa mantém os braços numa postura fechada, como que para proteger
o segredo do seu corpo, os braços da Imperatriz estã o mais abertos, indicando uma
natureza mais extrovertida. Seu cabelo nã o está coberto por nenhum véu, cai livremente.
Ela queria se livrar do jugo que carregava como Papisa, porque quer aparecer apenas como
uma mulher, mesmo em vez do há bito de freira ela vestiu um terno, um cinto e uma tú nica
ricamente bordada. Em vez da tiara oval, ela usa uma coroa de ouro que mais parece uma
auréola. Seu forro interno é vermelho carmim, pois é essencialmente a Imperatriz que
preenche sua coroa, vazia de amor maternal, com realidades terrenas e amor caloroso.
Fig.23 Vierge Ouvrante (fechado) Fig.24 Vierge Ouvrante (aberto)
(Talha policromada, França, séc. XV)

Esses conceitos sã o sublinhados pelo fato de ela nã o estar confinada entre as duas
colunas de um templo, mas sentar-se confortavelmente e espontaneamente ao ar livre.
Nesta carta é especificado o poder criativo da Papisa; esta estava ligada com a deusa Ísis e a
gestaçã o, enquanto a Imperatriz o está com Ceres e a vegetació n. Uma maneira de olhar
para essas duas irmã s é como se fossem consideradas a mesma entidade, mas desenhadas
em fases sucessivas de tempo: a Papisa é a Sacerdotisa e a Virgem; a Imperatriz é Madonna
e Rainha Mã e.

A Papisa serve ao espírito; a Imperatriz torna o espírito realidade.

Com a Papisa, o espírito (o Espírito Santo) desce sobre a matéria para encarnar; com a
Imperatriz, o espírito, realmente nascido como o Filho do Homem, ascende ao céu
novamente como o Filho espiritual, o Redentor.

A Papisa é paciente e espera, passiva. A Imperatriz é açã o e realizaçã o.

A Papisa é governada pelo amor; a Imperatriz governa pelo amor.

A Papisa guarda algo velho; a Imperatriz revela algo novo.


Em resumo, a Papisa segura o Livro das Profecias e a Imperatriz cumpre e executa
essas profecias. O livro nã o será mais necessá rio, pois o novo Rei nasceu. Como Grande Mã e
e Rainha do Céu, a Imperatriz é o elo entre a energia yang do fogo do Mago e o poder yin da
á gua da Papisa. Pode-se dizer que o bastã o do Mago tocou as profundezas da Papisa e desta
uniã o, e por mediaçã o da Imperatriz, nasceu algo novo: um mundo que inclui ambos os
aspectos. Numerologicamente, o nú mero um do Mago somado ao nú mero dois da Papisa,
produz o três, a Imperatriz, que une os opostos abraçando a ambos.

De um modo geral, esta funçã o do nú mero três se reflete em todos os tipos de


trindades: Pai, Filho e Espírito Santo ; passado, presente e futuro ; pai, mãe e filho ; Ísis, Osíris
e Horas . Em todos eles, este terceiro membro atua como fator de equilíbrio, combinando os
« números-pais » de tal forma que surge uma realidade completamente nova.

Algo interessante nisso é pensar que Pitá goras considerava o três como o primeiro
nú mero real. Disse que os dois primeiros nú meros eram apenas essências, pois nã o
correspondiam a nenhuma figura geométrica e, portanto, nã o tinham realidade física. O
três cria o triâ ngulo, uma superfície plana com começo, meio e fim, uma realidade tangível
que corresponde à experiência humana.

A verdade poética dessa declaraçã o de Pitá goras pode ser vista lindamente refletida na
ilustraçã o de Blake de Deus criando o Universo (fig. 11). Olhando para a bú ssola que o
Criador está usando, podemos ver que seus braços estã o separados em tal â ngulo que estã o
se afastando cada vez mais. Para que eles funcionem bem juntos, eles precisam ter uma
base em algum lugar. Antes de poder criar o microcosmo à imagem e semelhança do
macrocosmo, o Criador deve apoiar os dois braços de seu compasso na realidade. Ao fazer
isso, você terá conectado os dois braços do compasso à base e terá criado uma figura de
três lados: o primeiro triâ ngulo. Olhando para este triâ ngulo percebemos que a verdade
descoberta por Pitá goras demonstra que com o advento do triâ ngulo, a Intençã o Divina foi
realizada e a essência, até entã o nebulosa, tornou-se manifesta em termos de experiência
humana.

Gosto de colocar a Imperatriz como base desse triâ ngulo, porque através dela o
efêmero chega pela primeira vez ao reino da experiência humana. Ele nos conecta
dramaticamente a essa realidade externa e o faz de uma forma que é familiar para todos
nó s. Todos nó s, quando tocados com a varinha do Mago, sentimos as águas da criatividade
agitadas . Todos nó s conhecemos os períodos sombrios de longa gestaçã o que se seguem
quando nos encontramos submersos no mundo lunar e aquá tico da Papisa. Entã o, com
sorte, amanhece um novo dia, um momento de ouro em que essas ideias que tivemos no
escuro começam a tomar forma na realidade. De repente, a tela que até entã o era branca se
enche de cor e o pedaço de giz que tínhamos nas mã os começa a desenhar sozinho; talvez
seja também o momento em que o papel que estava na nossa má quina de escrever se enche
de palavras. Também pode acontecer que os dois polos do problema que nos manteve
acordados por semanas e que pareciam inconciliá veis, magicamente se conectem nos
oferecendo uma soluçã o completamente nova. Estas sã o algumas das maneiras pelas quais
a Imperatriz trabalha para nó s em relaçã o à nossa criatividade. Claro, seu império, que é
como a vegetaçã o na natureza, poderia ser arado pouco a pouco; a realidade que ela produz
nã o é o produto acabado. Para isso, como veremos de imediato, precisaremos da
organizaçã o e do discernimento do Imperador. Uma das principais funçõ es da Imperatriz é
conectar as energias primárias de yin e yang e incorporá -las no mundo da experiência
sensorial.

Até muito recentemente, a ciência adotava uma visã o pitagó rica do universo,
equiparando as experiências externas à s realidades científicas e descrevendo como " meras
essências " as formas que aparecem neste misterioso mundo interior que é a psique
humana. Com o advento do princípio da incerteza de Heisenberg e da física de Einstein,
ficou claro que o homem nã o pode sentir ou medir a realidade externa com total precisã o,
pois, pelo simples fato de ver esse fenô meno como externo, o homem a distorce. Além
disso, parece que, devido à pró pria natureza da luz e à s limitaçõ es do aparelho sensorial,
nã o há instrumento que possa restaurar a realidade externa como pedra de toque da
verdade ú ltima. Como isso é irrevogá vel, nã o temos escolha a nã o ser nos voltarmos para o
nosso mundo interior, para a pró pria psique humana, em nossa busca pela verdade. A
equaçã o puramente matemá tica E= mC2 nã o é mais uma " mera essência ", mas brilha como
uma verdade eterna, incorruptível como o ouro.

A Imperatriz nos conecta com essa nova dimensã o do conhecimento, pois, por meio de
sua compreensã o intuitiva e nã o da ló gica masculina, o espírito salta para o espaço sideral
para se conectar com a percepçã o celestial. No livro editado por Brewster Ghiselin 25 , The
Creative Process , está vividamente documentado que a poesia da física moderna nã o
nasceu no laborató rio estéril de um homem, mas surgiu espontaneamente do jardim da
imaginaçã o da Imperatriz. Neste livro, muitos cientistas, escritores, pintores e outras
pessoas criativas nos contam como as ideias originais chegaram a eles por meio de
imagens, estados de sonho ou outras manifestaçõ es irracionais que surgiram
espontaneamente do inconsciente.

É , entã o, a Imperatriz quem constró i a ponte entre a inspiraçã o criativa do Mundo


Materno e a ló gica e reflexã o do Mundo Paterno (isto é, o mundo do Imperador, onde as
ideias e inspiraçõ es serã o cortadas e controladas). Ela é aquela que carrega a semente da
qual finalmente emergirá o conhecimento transcendental, através do qual o misticismo e a
ciência, o espírito e a carne, o que está dentro e o que está fora, podem ser experimentados
como um ú nico mundo.
Mas a Imperatriz tem muitas facetas, todas elas ativas hoje. Para entender melhor a
influência que exerce em nossa cultura, incluímos aqui três ilustraçõ es contemporâ neas do
arquétipo da Imperatriz. O primeiro (fig. 25) representa a Imperatriz segundo o Waite
Tarot , baralho do século XX. Nele podemos ver uma jovem matrona de cabelos dourados
vestida com um manto florido, sentada em uma carruagem estofada de veludo verde em
um jardim fresco. Ao lado corre um riacho que rega o jardim. Em sua cabeça vemos uma
coroa de estrelas e em seu cajado um orbe sem cruz. Apoiado na carruagem vemos um
escudo com o emblema de Vênus .

Ao fundo da cena vemos crescer um trigo já maduro cujo reflexo dourado encontra eco
no céu, dramá tico pela estranheza. A justaposiçã o da carruagem ricamente decorada com
um jardim tã o fresco e natural, e tudo isso combinado com o dramá tico céu amarelo, parece
nos lembrar um palco de teatro. É apropriado de certa forma, já que a Imperatriz é
frequentemente apresentada a nó s de maneira espetacular. Tudo em seu jardim nos fala de
uma nova vida e isso manifesta um drama por si só : quer nasça um novo broto, uma
borboleta ou uma criança, ele sempre age com drama.

Fig. 25 A Imperatriz (Tarô de Waite)

Tanto ela quanto sua irmã virginal eram figuras centrais na vida dos casos amorosos
da corte, mas de duas maneiras diferentes. A Virgem inspirou cavaleiros arriscados em
torneios ou aventuras cheias de criatividade; os trovadores cantavam-lhe louvores e os
artistas tentavam captar a sua essência para a pintar ou esculpir está tuas que a
representassem. Sua influência silenciosa trouxe Dante e Petrarca à imortalidade. A
Imperatriz atuou mais abertamente como a mulher inspiradora. À s vezes ela se
manifestava como uma rainha ou imperatriz cuja corte era um centro de artes criativas. A
rainha Elizabeth I da Inglaterra foi um bom exemplo disso. Esse tipo de mulher tem uma
habilidade especial de atrair pessoas e ideias para si, mas também o faz de forma dinâ mica
e criativa. As damas dos grandes salõ es eram mulheres desse tipo. Aparentemente, em
nossa cultura atual eles gostam de agir da mesma maneira. Um exemplo atual desse tipo de
mulher é Peggy Guggenheim, que agiu de duas maneiras: primeiro como uma generosa
patrona das artes e depois como uma mulher verdadeiramente liberada, cujo estilo
independente abriu caminho para outras mulheres em busca de expressã o criativa. Aqui
podemos ver a Imperatriz Guggenheim sentada em seu trono e cercada pelos servos de sua
corte (fig. 26). Artista, prefeita, patrocinadora das artes, esposa, mã e, amante ou psicó loga,
ela sempre motivou os outros à açã o e à autorrealizaçã o. A chave para seu poder é a
inspiraçã o ativa e o amor.

Como expoentes da libertaçã o feminina, ambos os tipos de irmã s sã o ativas, mas de


maneiras muito diferentes. O tipo da Virgem, dando o exemplo; o tipo da Imperatriz,
através da atividade pú blica. Na categoria da Virgem podemos encontrar professoras,
freiras, enfermeiras e poetisas, enquanto o tipo da Imperatriz aparece mais em lutadoras
ativas pela libertaçã o dos direitos das mulheres. À s vezes, a força de sua personalidade
pode nos levar a tal ponto que nos vemos trabalhando além de nossos limites.

Existe um outro tipo de Imperatriz que pode evadir nossa individualidade,


mergulhando-a nas doces á guas de sua tentaçã o inconsciente, por exemplo: a Imperatriz
gorducha e loira que Waite nos mostra sentada em sua carruagem sugere esse tipo de
magia wagneriana... Quase nó s podemos ouvir a mú sica do Venusberg que sobe do fundo
do poço para nos atrair para ele e nos afogar dentro de seu ventre. Essa tendência ao amor
sufocante é algo que caracteriza o tipo mais moderno de Imperatriz e aparece no protó tipo
de " a mãe ". Também pode aparecer em outras á reas onde a atratividade especial dessa
mulher pode nos atrair para seu reino de uma maneira tã o sutil que nem percebemos o que
aconteceu.

Fig. 26 Peggy Guggenheim como A Imperatriz


A imperatriz à s vezes é tã o inconsciente de seus pró prios poderes quanto o resto de
nó s. Parece-lhe que todos deveriam compartilhar naturalmente de seu entusiasmo.
Estando sob a influência de Vênus , essa mulher ama a beleza em todas as suas formas e
costuma ser eclética em seus gostos, capaz de misturar as coisas de maneiras interessantes
e novas. Por exemplo: você já reparou no vestido florido que ela escolheu para posar no
retrato que foi feito dela no baralho inglês fin de siècle? Você já o reconheceu? Sim, é muito
parecido com o criado pelo famoso artista plá stico Sandro Botticelli. A Imperatriz pegou
emprestado de uma das dançarinas de La Primavera .

Nesta carta, Waite quis destacar de forma especial as características de Ceres e Vênus .
Ele omitiu a cruz acima da ó rbita, assim como a á guia dourada do espírito; em vez disso, ele
coroou sua imperatriz com uma coroa de estrelas. Isso a conecta com aquela figura do livro
do Apocalipse sobre a qual está escrito: « Uma grande maravilha aparecerá no céu: uma
mulher, vestida com o sol e com a lua a seus pés, terá sobre ela uma coroa de doze estrelas. ».
A Madona, como Rainha do Céu, é frequentemente pintada desta forma, com uma coroa e a
lua a seus pés. Do seu cume, a Imperatriz ilumina o céu sintetizando assim os poderes
celestes: o sol, a lua e a grande roda do zodíaco. Em seus aspectos mais terrenos, a
fertilidade desenfreada pode levar ao abandono e à estagnaçã o.

Na figura de Henry Moore (fig. 27) a Imperatriz aparece-nos mais terrena, mas com
um aspecto tã o dominante como a Grande Mã e. Ela está deitada, descansando enquanto
cuida de seu império, que é tudo da natureza. Descontraída mas atenta ao silêncio e ao
trabalho secreto que nele se realiza: ao movimento da seiva que sobe pelas plantas, ao
ruído do abrir das pequenas sementes enterradas. Ouça a mú sica das correntes
subterrâ neas.

Fig. 27 Figura reclinada


(Henry Moore. Hirschorn Museum and Garden Sculptures, Smithsonian Institution. Reproduzido com permissã o.)

Mas nem sempre a Grande Mãe é a Boa Mãe . Em termos mais gerais, devido ao seu
aspecto negativo e devorador, também é chamada de Mãe Terrível . Nos contos de fadas, ela
aparece como a rainha má ou a madrasta, que por ciú mes segura Cinderela para que ela
nã o consiga fugir das cinzas ou do fogã o e encontrar o príncipe que a fará rainha. Nos mitos
ela aparece como a mã e que devora os pró prios filhos. Também a conhecemos como a cruel
Mãe Natureza , que busca reapropriar-se de toda a vida (e da civilizaçã o) para levá -la de
volta ao seu ventre, de onde veio. Como um terremoto, abre literalmente a barriga para
engolir os homens e o que eles criaram. Como um vulcã o, derrama lava ardente que engole
cidades inteiras. Se olharmos com atençã o, podemos ver como ele também trabalha em
nosso jardim, como sua alma ambivalente o consegue: durante o dia ele sorri para nó s,
protegendo e alimentando nossas flores, e é à noite, enquanto dormimos, quando ele
apressadamente planta inú meras ervas daninhas que cuidará com igual solicitude e
empenho. Em relaçã o à cultura e descobertas da humanidade, é igualmente paradoxal; Foi
ela quem nos deu a inspiraçã o criativa que tornou possível enviar dispositivos para o
espaço, mas ela é também a força da gravidade que constantemente os atrai para o seu seio.
Ela é, aliá s, uma deusa ciumenta, principalmente quando a curiosidade do homem é voltada
para uma entidade feminina como a lua.

Por vezes foi representado como um dragã o que guarda aquele grande tesouro que é "
a pérola de grande valor ". Como tal, representa o aspecto devorador e regressivo da
natureza inconsciente, que o Herói (símbolo da humanidade em busca da consciência) deve
superar para obter a pérola da sabedoria e assim transcender a existência meramente
animal. Outro aspecto ou representaçã o desta Mãe Terrível que nos é familiar é Kali , a
esposa sanguiná ria do deus Shiva . Ela é representada segurando pelos cabelos a vítima
humana que vai ser sua pró xima mordida, com a língua vermelha de fora, como se já
prenunciasse aquele deleite (fig. 28). Esse aspecto devorador da deusa aparece assim que a
mulher negligencia seu verdadeiro reino, que é o do relacionamento, e, sedenta de poder,
ela se torna uma devoradora de homens. Sua força nã o é mais o poder sutil do amor; torna-
se o ambicioso amor pelo poder.

Freqü entemente, a transiçã o do primeiro está gio para o segundo é tã o gradual que só
pode ser observada depois de já ter acontecido; Assim, uma mulher que foi vítima do
impulso ou da força de seu poder se verá separada de seu centro interior sem perceber o
que lhe aconteceu. Algo assim pode ter acontecido com algumas das militantes que lutam
no movimento de libertaçã o das mulheres e que, fascinadas pelo poder, perderam contato
com a “ criatividade feminina ” que insistem em defender. No fundo de seu ser, muitas
mulheres, dentro ou fora desse movimento, realmente buscam uma igualdade pacífica e um
relacionamento criativo com o homem, ao invés de dominá -lo. Apesar do ditado: " Faça
amor, não faça guerra ", a nossa é uma época de violência terrível e completamente
irracional. Em meio à confusã o geral, o grito de sede de devoradores de homens
(feministas) é ouvido em todo o país. Parece que a Imperatriz, há muito negada o exercício
do poder, surge das profundezas com o grito da mulher desprezada.

Na figura 29 podemos ver uma ilustraçã o moderna que satiriza esta situaçã o. Em vez
de desenvolver sua pró pria criatividade feminina para ocupar seu lugar de direito ao lado
do Rei Logos como prefeita do lugar, a " devoradora de homens" planeja matá -lo e, assim,
usurpar seu trono.

Esta bruxa, como Hécate , tem muitas faces. Se o tratarmos com educaçã o, ele nos
mostrará um aspecto mais civilizado. Afinal, a mulher, como seu equivalente psicoló gico, a
anima, ainda é uma criatura primitiva. Foi anteontem que Eva , saindo de seu confinamento
como funçã o de Adã o, se pô s a expor-se a influências culturais e oportunidades de destaque
até entã o privilégio do homem. Compreensivelmente, em sua busca por sua pró pria
essência, a mulher se apresentará a nó s disfarçada das mais diversas formas. Tal como
acontece com a Imperatriz Cleópatra (uma de suas encarnaçõ es terrenas), " a idade não
pode vencê-la, nem as modas moldam sua infinita variedade... ".

Fig. 28 Kali, O Terrível

A « diversidade » e o capricho da Imperatriz aparecem no estudo realizado no século


XIX por Braun, um pioneiro na arte da fotografia (fig. 30). Podemos ver aqui uma mulher
sentada, capturada na sua realidade, no seu corpo e no seu sangue, cuja essência, no
entanto, se esconde. Paradoxalmente, a moldura de marfim e ouro que mostra seu olho
serve de má scara para se esconder. Ela é a condessa Castiglione, sem dú vida descendente
do famoso humanista renascentista Baltasar di Castiglione, cujo livro O cortesão foi o
modelo para a vida da corte naquela época.
Fig. 29 O rei está morto. Vida longa à rainha!

Fig. 30 Condessa Castiglione usando uma armação como máscara


(Adolphe Braun, 1811-1877. The Metropolitan Museum of Art, Nova York, Nova York. Emprestado por George Davis,
1948.)

É inquestioná vel que essa cortesã moderna também tem seus cortesã os, na grande
tradiçã o imposta por sua antecessora. Essa pose frívola e charmosa indica que talvez a
pró pria condessa pudesse ter se tornado vítima de seu pró prio charme.

Quem é a Imperatriz? Ela é uma deusa ou uma bruxa, uma mã e devoradora ou


Madonna, uma femme fatale ou uma musa inspiradora? A resposta provavelmente é: todas
elas (e que mulher nã o é?). E que homem nã o tem dentro de si um poderoso aspecto
feminino à espreita, à s vezes criativo, à s vezes vingativo, compassivo em um momento e
ciumento no seguinte? Talvez, estudando essas figuras, possamos chegar a uma verificaçã o
mais profunda de nossos poderes e potencialidades, em nossa pró pria variedade infinita.

7. O IMPERADOR:
PAI DA CIVILIZAÇÃO
Fig. 31 O Imperador (Marseillaise Tarot)
Um se torna dois, dois se tornam
torna-se três e de três surge um,
como quarto.

maria a profetisa

Aqui está o Imperador , Triunfo nú mero quatro (fig. 31). Pode ser considerado como o
princípio masculino ativo que veio trazer ordem ao jardim da Imperatriz que, se deixado
crescer à vontade, pode se tornar uma selva. Ele trabalhará arduamente para encontrar um
lugar onde possa ficar, criar caminhos para intercomunicaçã o e supervisionar a construçã o
de casas, vilas e cidades. Você protegerá seu império de invasõ es de natureza hostil e
bá rbaros. Em resumo, criará , inspirará e defenderá a civilizaçã o.

Até agora, lidamos com o mundo primitivo da natureza inconsciente. Agora vamos dar
um passo adiante e entrar no mundo civilizado do homem consciente. Com o advento do
Imperador deixamos o mundo não-verbal do reino matriarcal da Imperatriz, com seus
ciclos automá ticos de nascimento, crescimento e decadência. Aqui começa o mundo
patriarcal da palavra criativa, onde começa a lei masculina do espírito sobre a natureza.
Esta lei é a personificaçã o do Logos ou princípio racional , que é um aspecto do arquétipo do
Pai . Isso ordena nossos pensamentos e energias conectando-os com a realidade de
maneira prá tica.

Apesar de representar, como a Imperatriz, um poder arquetípico, o Imperador é muito


mais humano e, portanto, mais acessível à consciência do que ela, pois nã o é a figura rígida
entronizada sobre a massa da humanidade. Em vez disso, ele se senta graciosamente e
relaxado, de pernas cruzadas, mostrando uma visã o de seu perfil esquerdo, que é o lado do
inconsciente. Só um governador seguro de sua autoridade pode se arriscar a posar assim.
Este é um reino de paz, onde nã o se espera ataque de fora ou traiçã o de dentro, e isso é
indicado pelo fato de que aquele que comanda nã o carrega uma espada. Seu escudo,
gravado com a á guia dourada, nã o é mais necessá rio para proteçã o. É colocado aqui como
um emblema que simboliza sua conexã o com os poderes celestiais e seu reinado pela graça
divina. Ele nã o tem nada a temer de homem ou animal, nem dos deuses acima.

O Imperador aparece-nos informalmente sentado em terra firme, no campo de açã o,


indicando que, ao invés de atuar como um deus por trá s dos bastidores (do inconsciente),
ele é um guia prá tico que se conecta aberta e intimamente com a humanidade e suas
atividades. É de acordo com essa ideia que ela usa seu elmo, uma proteçã o para a cabeça
mais ú til e adequada do que a austera coroa usada pela Imperatriz. As linhas elegantes de
seu elmo repetem a ornamentaçã o de seu trono e de seu escudo, cujo desenho é mais
elaborado e menos severo que o da Imperatriz. É ó bvio que o império que ele criou é de
grande refinamento cultural e é igualmente ó bvio que nem sempre foi assim. Observe o
tamanho e o poder da mã o com que ela segura o cetro, em contraste com a mã o esquerda,
que parece efeminada e anã . Nã o há dú vida de que a espada deste guerreiro foi fortalecida
em muitas batalhas. Seu reino foi duramente conquistado. A luta do homem pela
consciência envolve esforços sobre-humanos, uma vez que a Mã e Natureza zelosamente
guarda seu reino. Nas culturas matriarcais, a sucessã o real era feita pela linha feminina. Ele
é, entã o, um novo rei, aquele que conquistou e conquistou a princesa e muitas vezes
também foi o responsá vel pela morte do antigo rei.

Na histó ria, assim como na nossa vida privada, a passagem da fase do matriarcado
para a do patriarcado é sempre difícil. Deixar o mundo estimulante e estimulante da
infâ ncia para enfrentar as responsabilidades da idade adulta é um trabalho á rduo. Há um
passo necessariamente intermediá rio entre a identidade inconsciente, com todas as
vivências da infâ ncia, e a idade adulta, mais consciente e individual; esta etapa é a vida em
comunidade. Durante esta fase de transiçã o é necessá rio experimentar-se como membro de
um grupo em desenvolvimento (família, clã , estado, naçã o), à frente do qual está uma
autoridade justa e poderosa.

O Imperador aqui representado parece ser a representaçã o ideal dessa figura, pois
transcende tanto o pai pessoal quanto o guia de um grupo ou clã homogêneo, pois seu
império abrange diversos povos e climas. Embora seguro em seu territó rio, o Imperador
ainda tem uma conexã o com o mundo matriarcal da Imperatriz, pois é atraído olhando para
ela. O casal real também é relacionado pelas duas á guias em seus escudos. Nã o apenas os
dois pá ssaros estã o frente a frente, mas também mostram uma uniã o sutil entre eles.
Enquanto a á guia da Imperatriz com as asas abertas está prestes a alçar vô o para o céu, que
simboliza o espírito masculino de seu marido, a ave do Imperador está posicionada de
forma que suas asas repitam a configuraçã o das aparentes "asas " . o desenho do trono da
Imperatriz.

William Blake escreveu: " Quando você vê uma águia, está vendo uma parte do gênio:
levante a cabeça então ." Embora a á guia do imperador o conecte com o espírito divino e o
inspire a governar, você nã o deve esquecer que a á guia também é uma ave de rapina. A
reproduçã o mostrada na fig. 32 é o lado sombrio da á guia do imperador. É uma á guia dos
índios esquimó s, uma ave cruel e predadora. É um bom símbolo da loucura do poder que
surge entre os reis e outras pessoas com autoridade quando o ideal á ureo do " direito
divino " é corrompido, transformando-se em " poder do ego " ( egoísmo ).

Felizmente, é evidente que a á guia do imperador nã o cairá naquela sombra arquetípica


da á guia. Seu nú mero quatro sugere que sua perspectiva abrange todas as quatro
dimensõ es da vida e que você nã o está limitado por nenhuma visã o de "funil".

O nú mero quatro simboliza plenitude. Indica nossa orientaçã o para a dimensã o


humana. É equivalente em geometria ao retâ ngulo e é equivalente à lei e à ordem impostas
à desordem caó tica da Mã e Natureza. As quatro direçõ es da bú ssola sã o o que nos permite
sentir segurança em regiõ es sem mapa. As quatro paredes de uma sala nos dã o uma
sensaçã o de segurança, ajudando-nos a concentrar nossas energias e fixar nossa atençã o de
forma racional e humana. As janelas retangulares de uma casa servem-nos para enquadrar
ou delimitar à escala humana a imensidã o do panorama que a natureza nos oferece, para
que a sua essência e detalhe possam ser captados pelo olho humano e pelo seu cérebro. Da
mesma forma, o espírito-guia do Imperador nos ajuda a examinar e nos relacionar com as
realidades de nossa condiçã o humana de maneira consciente e criativa, um talento
exclusivo do ser humano.

O nú mero quatro do Imperador nos aproxima da realidade de vá rias maneiras. Assim,


as três dimensõ es do tempo (passado, presente e futuro) sã o simples abstraçõ es até que as
localizemos no espaço. Da mesma forma, os eventos que ocorrem no espaço tridimensional
nã o se tornam reais até que os coloquemos no tempo. Para se civilizar, o homem precisa
situar-se no espaço e no tempo. O Imperador fornece permanência, estabilidade e
perspectiva. Ele está lá como o chefe visível do Estado e representa o princípio do qual
dependem a fertilidade e o bem-estar do reino. Se ele sofre algum dano, toda a comunidade
sofre. (É significativo que, na lenda de " The Waste Land ", apenas ferir seu Rei Pescador
tornou todo o reino estéril e improdutivo.)

Nesse está gio de desenvolvimento cultural, a estrutura do reino ou estado terrestre é


vista como a estrutura imaginada do cosmos. Referindo-se a esta fase da civilizaçã o como "
a idade arcaica do mito encarnado ", John Perry discute esta questã o em The Far Side of
Madness :

«... durante esse curto período, o mundo humano e o mundo mitológico foram
considerados como um reflexo do outro e o governo da sociedade foi organizado à
imagem do ordenamento do cosmos. O mundo dos mitos tomou forma na sociedade e
o reino da terra foi um modelo para o cosmos, em escala humana. Nela, o rei, como
chefe de seu reino, era a parte oposta ao rei-deus em seu reino divino: cada um era
conhecido como "Rei do Universo" ou "Senhor dos Quatro Quadrantes". 26

Fig. 32 Águia dos índios esquimós

Como diz Perry abaixo, é neste ponto da histó ria humana que ocorre a primeira
diferenciaçã o entre os deuses mitoló gicos , que ele explica da seguinte forma:

«Apareceram em cena como função diferenciadora da própria cultura, que por sua
vez era expressão da diferença do psiquismo. Podemos supor, então, que fazer
cultura é ao mesmo tempo fazer psique; que o trabalho criativo de estruturar um é
equivalente ao mesmo trabalho do outro”.

Em ambos os planos, o terrestre e o celeste, o nú mero quatro desempenha um papel


decisivo como fator de ordem. Aqui está uma lista dos vá rios "quatros" que ordenam
nossos pensamentos:

Os quatro pontos cardeais.


As quatro direçõ es da terra.
Os quatro ventos dos céus.
Os quatro rios do É den.
As quatro qualidades da antiguidade (quente, seco, ú mido e frio).
Os quatro humores fluidos (sanguíneo, fleumá tico, colérico e melancó lico).
Os quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e Joã o).
Os quatro profetas (Isaías, Jeremias, Ezequiel e Oséias).
Os quatro anjos (Miguel, Rafael, Gabriel e Fannel).
As quatro bestas do Apocalipse.
Os quatro elementos (ar, terra, fogo e á gua).
Os quatro ingredientes da alquimia (sal, enxofre, mercú rio e nitrogênio).
As quatro estaçõ es.
As quatro figuras geométricas bá sicas (círculo, linha, triâ ngulo e retâ ngulo).
As quatro fases da lua.
As quatro letras hebraicas do santo nome do Senhor (jod, ele, vav, ele).
As quatro regras da aritmética (adiçã o, subtraçã o, multiplicaçã o, divisã o).
As quatro virtudes cardeais (justiça, prudência, fortaleza e temperança).

Esta lista de "quatros" ajudou o homem desde tempos imemoriais a direcionar os


passos de sua vida espiritual e física. Quatro é também o nú mero que está relacionado com
a criaçã o do homem. Assim nos diz o livro sírio: « Livro da caverna dos tesouros »:

Então eles viram Deus tirar um grão de pó da terra, uma gota de água do mar, um
sopro de ar dos ventos superiores e um pouco de calor da natureza do fogo . Os anjos
viram como esses quatro elementos, fracos por si mesmos, foram colocados na palma
de sua mão: o seco, o úmido, o frio e o quente. E então Deus fez Adão." 27

Em suma, entã o, o nú mero quatro simboliza a orientaçã o do homem para a sua


realidade como ser humano. Uma representaçã o do nú mero quatro é o quadrado, que
simboliza a ordem imposta pelo Logos à natureza afortunada. Na praça, os elementos ainda
estã o separados e hostis entre si. Com o nú mero cinco, com a quintessência, se dará um
passo a mais no desenvolvimento tendente à unidade, como veremos quando chegarmos ao
exame desta carta, ao arcano nú mero cinco.

Na carta que estamos estudando agora, as pernas do Imperador formam um quatro ao


serem cruzadas. Isso parece sugerir que ele nã o apenas conhece com sua mente, mas que
compreende de maneira mais profunda a responsabilidade que carrega em si mesmo como
portador da consciência humana.

Numerologicamente falando, o nú mero quatro tem poderes extraordiná rios e má gicos.


Nã o só marca o fim de um ciclo, mas também nos dá a força necessá ria para iniciar um
novo ciclo. Quando colocamos os nú meros de um a quatro e os somamos, obtemos dez e
iniciamos um novo ciclo. Essa é uma das razõ es de sua ambivalência. Assim como o Mago
(com o nú mero um) nos forneceu a energia necessá ria para iniciar o ciclo de sua criaçã o, o
Imperador, com o nú mero quatro, encerra esta fase, iniciando ao mesmo tempo um novo
tipo de criaçã o: a civilizaçã o. Como um grã o de milho, é o resultado de tudo o que aconteceu
antes e é, ao mesmo tempo, a promessa de um crescimento totalmente novo.

Talvez tenha sido a magia desse nú mero quatro que inspirou a profetisa Maria quando
ela disse que " um se torna dois, dois se tornam três e do terceiro surge um como quarto ". De
qualquer forma, a verdade de sua afirmaçã o é evidente em vá rios níveis de experiência,
pois psicologicamente é o nú mero três que carrega consigo o nú mero quatro, oferecendo
uma nova experiência de plenitude e unidade. Isso pode ser demonstrado da seguinte
forma: quando desenvolvemos a autoconsciência, pensamos em nó s mesmos como uma
unidade. À medida que crescemos em conhecimento, percebemos que somos duais,
consciente e inconsciente, ego e sombra, aquele que gosta de levantar cedo e ao mesmo
tempo aquele que gosta de ficar um pouco mais na cama. É quando tentamos conciliar
esses dois aspectos opostos em nó s mesmos que descobrimos um mediador interno, ou
seja, o nú mero três, que harmonizará esses dois para que possam trabalhar juntos. Quando
isso acontece, " deste terceiro " (e através da atividade deste terceiro fator) surge a unidade,
" como um quarto ", uma sensaçã o de completude, uma personalidade unificada que pode
finalmente atuar como uma unidade, agora, em um nível superior. .de novos
conhecimentos.

Na psicologia de Jung, o nú mero três também dá origem ao quatro, resultando em um


novo sentido de unidade. Foi Jung quem observou que o homem nasce com quatro poderes
característicos que o ajudarã o a captar experiências e tirar liçõ es delas para seu benefício.
Ele as chamou de quatro funções , pois representam modos característicos de
funcionamento da mente ou psique . Ele chamou as duas funçõ es com as quais apreendemos
o mundo de sensação e intuição , e como essas duas operam mais espontaneamente do que
racionalmente, ele as chamou de funções irracionais . Ele chamou as outras duas funçõ es,
pensamento e sentimento , de racionais , pois sã o elas que descrevem como avaliamos e
ordenamos nossa experiência.

Segundo Jung, todos nascemos com a capacidade de desenvolver cada uma delas.
Desde muito pequenos percebemos que existe uma funçã o para a qual mostramos uma
aptidã o especial. Isso é chamado de função superior . Aos poucos vamos percebendo que
também temos capacidade em mais duas á reas, que podemos utilizar alternativamente;
estas sã o a segunda e terceira funçõ es. Jung as chamou de funções auxiliares , pois podemos
usá -las para ajudar nossa funçã o superior.

Nossa quarta funçã o, entretanto, permanece relativamente inconsciente e, portanto,


inú til. Jung a chamou de função inferior , pois nã o é alcançada por esforço consciente. A
consequência disso é que seu uso é mais restrito que o das outras três funçõ es.
Como tendemos a escolher tarefas fá ceis para nó s e evitar aquelas que sã o difíceis,
desenvolvemos e aprimoramos as funçõ es que estã o mais disponíveis para nó s, deixando
nossa funçã o inferior desconhecida e subdesenvolvida. Mais tarde, a sociedade e nossa
família reforçarã o essa tendência, pois solicitarã o nossa colaboraçã o nas á reas em que já
mostramos ser há beis. Como resultado, nossa funçã o inferior cairá cada vez mais em
profundo esquecimento. Muitas vezes, quando essa funçã o se revela para nó s de forma
inesperada, inadequada e imatura, percebemos que ela existe. Nesse ínterim, nossa funçã o
superior terá aprendido a agir de maneira tã o suave e automá tica que perderá assim sua
vitalidade original.

Com o passar do tempo, passamos a ser rotulados de acordo com nossa funçã o
principal ou superior e ao mesmo tempo começamos a pensar que talvez sejamos
deficientes físicos, limitados por natureza a funcionar adequadamente em uma, ou no
má ximo duas, á reas de atuaçã o. conhecimento. Vou mostrar algumas das principais
características de cada um dos tipos de acordo com sua funçã o superior.

O intuitivo vive principalmente em um mundo de possibilidades futuras e, portanto,


nã o é observador do mundo ao seu redor. Ele se importa pouco com a realidade presente e
é dominado por detalhes. Por exemplo, ao final de uma reuniã o você pode ter perdido
muitos detalhes da reuniã o em si, mas provavelmente sua cabeça estará cheia de ideias e
projetos que " algum dia " irã o se concretizar. Os problemas prá ticos que isso acarreta
serã o delegados a outros.

O tipo sensível terá observado as realidades prá ticas que o comitê encontrará se for
para realizar as ideias do intuitivo. O sensível nã o é dado a caprichos, seu conhecimento
sensível está conectado com a realidade e ele observará minuciosamente as condiçõ es ao
seu redor e, como um bom repó rter, se interessará por: quem, o quê, quando, onde e
como. .. Precisamente, vai olhar para " como " os sonhos do intuitivo podem ser realizados
para que eles se encaixem na realidade existente. Por exemplo, a sala é grande o suficiente
para acomodar o pú blico? Ou o piano pode realmente entrar pela porta?Existe orçamento
suficiente para realizar este projeto?

Cada um desses tipos reage à vida espontaneamente. O intuitivo fareja possibilidades


futuras e tem premoniçõ es, sem saber como chega a essa informaçã o.

Da mesma forma, a pessoa sensível se lembra de experiências sensoriais


automaticamente. Enquanto o intuitivo está ocupado farejando um futuro dourado, o
sensível estará observando que o ar agora cheira a vazamento de gá s e, embora isso nã o
seja importante no momento presente, deverá ser levado em consideraçã o no futuro. Em
ambos os casos, a observaçã o é imediata e automá tica, é apresentada inconscientemente e
como um fato comprovado, além de qualquer ló gica ou possibilidade de discussã o.

Pensar e sentir, por outro lado, ocorrem de forma mais deliberada. O tipo em que
domina o pensamento organiza suas experiências segundo categorias ló gicas, ordenando-
as de maneira sistemá tica. Em uma reuniã o de comissã o, por exemplo, ele vai listar o que
precisa ser preparado antes da nova reuniã o, programando uma agenda de trabalho para
essa pró xima reuniã o. Se houver um palestrante no programa, o " pensador " tomará muito
cuidado para que a pessoa que fala seja uma autoridade em seu campo.

O tipo em que o sentimento domina reagirá de maneira diferente. Você nã o vai se


preocupar tanto com o fato de o palestrante ser uma autoridade, desde que ele seja claro e
apresente o assunto de maneira interessante. Você avaliará o programa mais de acordo
com seu sentimento pessoal do que com seu conteú do. " Sentir ", nos diz Jung, nã o deve ser
entendido como a emoçã o desencadeada. Ao contrá rio, Jung apresenta essa funçã o como
racional, pois pode ser tã o precisa e discriminató ria quanto o pensamento, sendo também
uma forma de avaliar a experiência. Em uma reuniã o, a pessoa " sensível " será boa como
apresentadora, presidente e líder do brinde. Ele ajudará todos a se sentirem em casa,
desencorajando comportamentos que ele " sente " inadequados para a ocasiã o. Ele o fará
com tato, tornando-se, se as circunstâ ncias o exigirem, severo e firme.

Esse índice banal de tipos de acordo com as quatro funçõ es foi, é claro, bastante
simplificado. Olhar para si mesmo à luz desse índice pode valer a pena em termos de
autoconsciência. Pode ser ainda mais valioso se o estudo dos tipos for feito para aprender
como os outros agem. Pode nos ajudar, por exemplo, a entender como a criança intuitiva
vai perdendo coisas, e nã o porque é desobediente ou estú pida; simplesmente: ele nã o está
interessado em objetos materiais. Da mesma forma, se percebermos que nosso vizinho é
um cara " pensante ", isso pode nos ajudar a entender que ele nã o é maldoso quando
inapropriadamente invade nossas festas dizendo coisas desagradá veis sobre o que quer
que seja. Além disso, se nossa esposa agir por intuição , poderíamos evitar problemas
prá ticos ao viajar com ela, se a lembrarmos ou tivermos o cuidado de colocar um mapa no
porta-luvas. Outro exemplo: suponha que o pensamento seja sua melhor funçã o, enquanto
seu parceiro é do tipo " sentimento "; se ambos entenderem, poderã o enfrentar situaçõ es
polêmicas de forma mais consciente e com maior espírito de cooperaçã o. Quando seu
parceiro impulsivo gasta dinheiro do orçamento para um vaso antigo (que "combinaria
muito" com aquele canto da sala), você pode entender como para essa pessoa de
sentimentos aquele objeto tem um valor que vai além da sua ló gica. Sabendo disso, você
pode evitar a colisã o frontal que estragará o momento com discussõ es inú teis. Só mais
tarde você e seu parceiro podem sentar para revisar o orçamento e incluir nele a compra
de açõ es que sejam tanto do tipo "pensamento" quanto do tipo " sentimento ".
Esse insight sobre as quatro funçõ es oferecerá aos leitores nã o iniciados algumas
pistas para ajudá -los a descobrir seu pró prio tipo. Apresento a seguir dois tó picos que têm
me ajudado muito. Para descobrir sua funçã o superior, observe como você se comporta ou
se comportaria em uma emergência. Imagine que você está na floresta ao entardecer, longe
da civilizaçã o e separado de seus companheiros:

a) você sentaria para pensar em um plano de açã o?;

b) você tentaria intuir para onde seus companheiros poderiam ter ido naquela
direçã o?;

c) Você aceitaria a situaçã o real planejando ficar ali estudando suas possibilidades
(calor, proteçã o, á gua)? Que faria?

À s vezes é difícil decidir qual é a sua primeira funçã o, pois a funçã o superior e a
primeira funçã o auxiliar sã o tã o bem desenvolvidas que é difícil dizer qual representa o
tipo natal. Neste caso é mais fá cil localizar a funçã o inferior. Para isso, basta observar que
tipo de trabalho ele constantemente relega, alegando “ não ter tempo ” para eles.
Freqü entemente, você descobrirá que certos tipos de trabalhos sã o ignorados dia apó s dia,
enquanto outros trabalhos que levam mais tempo e sã o mais complicados sã o executados.
Uma vez descoberta sua funçã o inferior, a superior pode ser facilmente localizada, pois será
invariavelmente a " outra " funçã o da mesma categoria que a inferior. Por exemplo, se a
funçã o inferior é uma funçã o irracional (digamos, intuiçã o), entã o sua funçã o superior será
a outra funçã o irracional: sensaçã o, e vice-versa. Se sua funçã o inferior é uma funçã o
racional (sentimento), entã o sua funçã o superior está ligada a ela e deve ser a outra funçã o
racional (pensamento) e vice-versa. A razã o pela qual isso é tã o interdependente veremos
mais adiante em outro capítulo.

Para aqueles que desejam se aprofundar nessa á rea, Reading on Jung's Typology (de
Hillman e Von Franz) 28 fornece uma descriçã o completa dos quatro tipos de funçõ es e nos
mostra como elas operam na vida prá tica. Mas o que apresentei acima de forma abreviada é
suficiente como um guia para a compreensã o da teoria da tipologia de Jung em relaçã o à
sá bia frase de Maria, a Profetisa, mencionada acima.

Quando nos tornamos conscientes desses quatro potenciais que existem dentro de
nó s, tendemos a nos rotular de acordo com nossa funçã o primá ria ou superior; em outras
palavras, nosso ego é identificado com a funçã o superior. Podemos nã o descrever nossos
sentimentos da mesma forma que aqui, mas tendemos a pensar em nó s mesmos como uma
unidade, tendo uma aptidã o especial, excluindo outros poderes dos quais temos menos
consciência. Nó s nos reconhecemos e somos reconhecidos pelos outros como " o que é
habilidoso com as mãos " ou " o que é bom em matemática ", mas também gostamos de ler
ou escrever poesia. Entã o a realizaçã o de outras capacidades começa em uma terceira á rea
que corresponde à nossa terceira funçã o. Essa funçã o está tã o enterrada no subconsciente
que é difícil para nó s cavarmos para encontrá -la, e pode levar vá rios anos até que a pessoa
perceba que é competente em três á reas.

Durante todo esse tempo, a quarta funçã o normalmente permanece oculta. Está tã o
enterrado em nossa escuridã o, tem sido tã o pouco praticado, que assusta nosso ego e nã o
podemos abordá -lo diretamente. À medida que continuamos a usar e desenvolver a
terceira funçã o, a quarta torna-se consciente. Usando esta terceira funçã o é como, entã o, «
a partir da terceira » podemos acessar a quarta. Quando isso acontece, " o um como o
quarto " aparece.

Existe agora um potencial de unidade, uma totalidade que inclui todos os quatro
aspectos de nossa psique e transcende a unidade do ego com a qual começamos nossa
exploraçã o.

Deixe-me ilustrar como os tipos funcionam citando um exemplo de minha pró pria
experiência. Sou intuitivo e tenho o sentimento como segunda funçã o; minha terceira
funçã o, ainda subdesenvolvida, é o pensamento, e minha quarta funçã o (irremediavelmente
subdesenvolvida) é a sensaçã o.

Obviamente, escrever um livro e prepará -lo para publicaçã o exigirá habilidade e teste
de todas as quatro funçõ es. O interesse que tenho pelo Tarô surgiu por intuiçã o. Fui atraído
pelo mistério das cartas e cheirei a possibilidade de conectá -las com as figuras dos meus
sonhos. Por muito tempo nã o fiz nada com essa ideia a nã o ser olhar e pensar nas cartas,
tentando sentir seu possível significado em tentativas esporá dicas.

Como meu pensamento ainda nã o está bem desenvolvido, demorei alguns anos para
organizar minhas intuiçõ es e sentimentos e encontrar as palavras para expressá -los. Como
sou um intuitivo e tenho pouco interesse pela realidade, os fatos e as datas me entediam e
por isso nã o queria ler os livros tradicionais de Tarô ou pensar nas cartas. Durante muito
tempo me bastou a vaga ideia de que o Tarô era " muito antigo ", sem sentir a necessidade de
explorar sua origem específica. Eu me importava mais com a imagem das cartas do que com
a realidade delas.
Ao dar palestras e seminá rios sobre o Tarô , continuamente me deparo com problemas
relacionados principalmente à cruel realidade do espaço e do tempo. Gosto de distribuir as
cadeiras em círculo, porque acho que assim os participantes se sentirã o melhor, mas
percebo depois que alguns dos participantes nã o conseguirã o ver as ilustraçõ es que vou
mostrar, o que é de vital interesse . A minha falta de controlo do tempo costumava causar-
me problemas, até que decidi chegar meia hora mais cedo e delegar a uma assistente que
anunciasse o tempo que faltava para a minha intervençã o.

Pouco a pouco, minha terceira funçã o, o pensamento, está me ajudando a entrar em


contato mais diretamente com essas realidades. Ao me lembrar constantemente, estou
começando a perceber os sinais de trâ nsito e as placas de rua quando vou a algum lugar
pela primeira vez; Estou aprendendo a desenhar planos ou mapas esquemá ticos, embora
ainda tenha problemas com as proporçõ es. Para melhorar a noçã o do tempo, brinco comigo
mesmo, à s vezes me perguntando: « que horas devem ser agora? » (e dou-me a resposta,
claro sem olhar para nenhum reló gio). À força de observar o â ngulo do sol e ouvir o
barulho do jornal quando o menino o deixa na porta de casa, estou aprendendo a adivinhar
a hora de fechar a má quina de escrever e ir para a cozinha para preparar o jantar para que,
quando meu marido faminto chegar em casa, esteja pronto. Da mesma forma, à força de
planejamento e pensamento, estou construindo uma ponte para minha quarta funçã o, a
inferior, a sensaçã o. Algum dia poderei me conectar mais diretamente com minha
capacidade sensorial. Quando isso acontecer, espero experimentar o novo sentimento de
unidade que Maria, a profetisa, descreveu: " um como o quarto ".

Pessoal e culturalmente, o Imperador, com seu nú mero quatro, nos anuncia um novo
começo, pois é ele quem inicia o começo simbolizado pela Palavra. Com o seu advento
saímos do mundo nã o verbal do matriarcado, desprovido de ordem, que se expressava
através da mú sica, da dança e da imagem, e entramos no mundo da palavra, da ordem, do
Logos.

Em nossos relatos bíblicos encontramos dois começos distintos. A primeira delas nos
diz: « No princípio Deus criou o céu e a terra ». Isso pode ser visto como o Mago Supremo
criando o yang primitivo e o yin primitivo (representado no Tarô como o Mago e a Alteza);
esses dois se unem e, como vimos, dã o origem ao mundo matriarcal da Imperatriz. Agora,
com o Imperador, vem um segundo começo que podemos igualar à segunda histó ria da
Bíblia. " No princípio era o Verbo ." No princípio, o Verbo (símbolo da ideia, do sopro, do
espírito) estava "com Deus". Agora, com o advento do Imperador, o poder do verbo é
entregue à humanidade.

O significado mais antigo de « Logos » é « aquele através do qual se expressa o


pensamento interior ». As palavras sã o a base do pensamento organizado, de todo auto-
exame, de toda ciência e de toda narrativa; em suma, para toda a civilizaçã o. Sã o as
ferramentas com as quais aprendemos a abstrair idéias, bem como a separar as camadas de
nosso ego do mundo primitivo e total do inconsciente. O momento em que uma criança diz
" eu " pela primeira vez marca um passo importante no caminho da auto-realizaçã o, pois
define a ruptura inicial entre ela mesma e a identificaçã o infantil com toda a criaçã o na qual
todos os bebês nascem. Essa fase má gica de identificaçã o com toda a natureza é o que se
chama poeticamente de participação mística . À medida que a criança aperfeiçoa o uso da
palavra, afasta-se do mundo da magia primitiva e do Eros feminino, aproximando-se do
mundo masculino do Logos, que é domínio do Imperador.

Tendemos a pensar nas palavras como ferramentas que nos ajudam a nos comunicar
com os outros, mas precisamos delas para nos comunicarmos conosco em primeiro lugar.
Desde a mais tenra infâ ncia, as palavras sã o a chave que nos permite o autoconhecimento e
o crescimento intelectual. Precisamos deles para pensar, para ordenar os eventos caó ticos
do mundo ao nosso redor e estabelecer nossa pró pria identidade com relaçã o a eles. Sem o
dom da linguagem, seríamos como animais selvagens presos em um estado de
envolvimento místico eterno com tudo ao nosso redor.

Esse fato ficou claro na histó ria de Helen Keller, que, sendo surda e muda, nã o tinha
acesso à s palavras. Quando criança, ela se sentia um animal subumano e, por isso, se
comportava como o fazia. Apó s um longo período lecionando com um professor paciente,
ele conseguiu se conectar com o idioma. Chegou o momento em que ele se conectou com a
palavra "á gua" (que aprendera por meio de uma espécie de có digo Morse telegrafado em
sua mã o) e assim se conectou com o líquido frio e fluido que conhecia pelo tato e gosto. Foi
nesse momento má gico que nasceu a humanidade de Helen.

As palavras sã o, portanto, uma espécie de magia, diferente dos poderes do Mago. Eles
sã o ferramentas ú teis essenciais para nomear e classificar os objetos ao nosso redor.
Servem para nos desapegarmos das coisas e assim nos experienciarmos de forma mais
objetiva em relaçã o ao que nos rodeia; Servem também para captar experiências nã o
verbais e transmiti-las aos outros. As palavras, é claro, nã o substituem as experiências. A
palavra "á gua" sozinha nunca teria saciado a sede física de Helen Keller ou saciado sua sede
de conhecimento. Sem a experiência, a palavra sozinha tem pouco a nos oferecer.

Antigamente, o homem usava a palavra com mais parcimô nia. No antigo Egito, o
homem só falava quando se sentia cheio de espírito; a palavra era a açã o do espírito. Hoje
em dia falamos troche e moche, nossas palavras sã o puros traços, a substâ ncia os
abandonou.

cultura extraverbalizada e informatizada que nos separamos de tal maneira da pura


matéria da vida que nó s mesmos nos tornamos abstraçõ es, perdidos em um labirinto de
palavras. Comportamo-nos com as palavras como se fossem a experiência a que se referem
e as engolimos inteiras, como se fossem realidades nutridoras. Entã o sofremos de
indigestã o espiritual. Consequentemente, o pêndulo está voltando para experiências nã o-
verbais. Os jovens abandonam os livros e voltam para a natureza. Existem grupos que
abundam em conhecimento sensorial, encontro corporal e meditaçã o. Tornou-se moda
desprezar as palavras como inú teis, secas e puramente intelectuais.

À s vezes surge a pergunta: como você poderia expressar uma fuga de Bach ou uma
pintura de Klee apenas com palavras? Como? É igualmente impossível, poderíamos
responder, compreender Hamlet por qualquer meio que nã o seja palavras. Por isso é
discutível se esta ou qualquer outra obra de criaçã o pode ser traduzida corretamente para
palavras de outro idioma, pois as palavras nã o sã o apenas signos que usamos para designar
coisas específicas. As palavras sã o símbolos cujas vibraçõ es sempre incluem efeitos para o
ouvido educado que vã o além de seu significado. Tendemos a esquecer que as palavras,
como a mú sica e outras formas de arte, sã o mais do que apenas ferramentas do intelecto.
Surgiram do nível mais íntimo da experiência humana. Historicamente, as palavras de cada
língua chegam até nó s " arrastando nuvens de glória "... Cada uma vibra com ecos ocultos da
experiência humana da qual surgiu inicialmente, e foi refinada e reestruturada por
sucessivas geraçõ es.

Assim, em vez de jogá -los todos pela janela, podemos usá -los como uma nova técnica
para capturar o conhecimento sensorial. Se estudarmos a etimologia das palavras que
usamos, talvez possamos nos conectar com o significado exato da experiência que elas
descrevem. Por exemplo, no capítulo anterior fizemos uma aná lise da palavra « remember »
(lembrar) e da palavra do inglês antigo « to lamentar ». Para mim, esse conhecimento
acrescentou um novo significado, nã o só à palavra estudada, mas também ao fato de “
lembrar ”. Pode-se dizer que para mim acrescentou uma nova dimensã o à memó ria das
coisas passadas.

As palavras têm poder, muitos tipos de poder. As palavras produzem vibraçõ es na


natureza. Diz-se que as vibraçõ es da palavra sagrada AUM se relacionam entre si com as
três forças da natureza: criação, preservação e desintegração . Uma ideia primitiva, ainda
viva em muitas partes do globo, é a de que as palavras exercem uma influência má gica
sobre as pessoas ou objetos com os quais se relacionam. Na tradiçã o judaica, a palavra
Jahveh nunca deve ser pronunciada e um dos Dez Mandamentos adverte: " Não tomarás o
nome de Deus em vão ." Nã o é à toa que está escrito na primeira narrativa da criaçã o que a
palavra tem um papel má gico; somente quando Deus disse " Haja luz " ele foi chamado para
ser o começo do Logos . É como se o Criador precisasse separar o conceito de luz de seu
pró prio caos interior e marcá -lo com um nome, antes de manifestá -lo na realidade exterior.
Os nomes moldam a realidade e influenciam seu cará ter. Diante disso, dedicamos
tempo e esforço na busca de um nome para nossos filhos. À s vezes, os artistas, antes de
escolher seu nome de guerra, consultam um numeró logo. Os fabricantes também lutam
muito para encontrar um impacto de nome para seus novos produtos. Existe outra
superstiçã o relacionada aos nomes segundo a qual saber o nome de uma pessoa, lugar ou
objeto nos dá um poder especial sobre eles. Quando conhecemos uma pessoa, muitas vezes
nos sentimos desconfortá veis até sabermos seu nome, mesmo que o nome por si só nã o
identifique realmente a pessoa. Confidencialmente, à s vezes nos incomoda compartilhar
nosso nome cedo demais com estranhos.

Nomear as coisas é uma parte importante do trabalho do Imperador. Sob nenhuma


circunstâ ncia é apenas uma questã o intelectual. Encontrar nomes corretos para as coisas é
um ato criativo, uma arte que inclui nã o apenas a faculdade de pensar, mas também a
faculdade de sentir, a intuiçã o e uma boa conexã o com as experiências sensoriais. Como
demonstraçã o, a seguinte legenda é relevante. Diz-se que Satanás , com ciú mes da atençã o
que Deus deu a Adã o, apareceu diante do Senhor pedindo-lhe que o designasse para cuidar
de pá ssaros e animais terrestres em vez de Adã o. O Senhor criou um concurso para decidir,
dizendo que venceria quem conseguisse nomear corretamente todas as criaturas. Ele
determinou que o vencedor do concurso governaria as criaturas que ele havia nomeado
corretamente.

Satanás , é claro, perdeu na disputa, pois a imaginaçã o perspicaz e a dedicaçã o


paciente à ordem e à disciplina nã o sã o virtudes ou talentos de alguém cujo gênio se
manifesta em “pandemô nio ” . Assim, Adã o venceu a disputa e assim se tornou o Imperador
do É den, tornando-se nosso ancestral, e nã o Sataná s. O Senhor, porém, nã o expulsou
Sataná s do Paraíso. Ele continua a atuar, e com grande atividade, talvez para nos lembrar o
quanto essa disputa ainda está acirrada.

Reconhecendo este fato, e temendo a confusã o acima de tudo, nossos ancestrais


tinham a tendência de idolatrar o Logos , o princípio do Imperador, esquecendo-se
totalmente da Imperatriz. Agora, ao contrá rio, tendemos a adorar a Imperatriz,
desprezando o Imperador. Nossa razã o, que é unilateral, à s vezes parece excessivamente
rígida em estabelecer a ordem. Há muitos indivíduos jovens e velhos que se rebelaram
contra esta ordem estabelecida. Alguns esperam destruir totalmente seu império, enquanto
outros viraram totalmente as costas para esta civilizaçã o em uma tentativa fú til de
recapturar o mundo pré-consciente do matriarcado de vagos sonhos e sentimentos.

A verdade evidente é que o Imperador e a Imperatriz sã o, como o nome sugere, um


casal unido. Um nã o pode agir criativamente sem o outro. O cetro de ambos segura o orbe
da Natureza, coroado pela cruz do Espírito, que simboliza a uniã o harmoniosa de suas
energias e também de seus reinos. Ambos mostram a á guia dourada, o que indica que os
poderes de ambos sã o iguais, dados por Deus, e os direitos de ambos, igualmente divinos.
Com o advento do Imperador, inicia-se um novo ciclo que inclui novas aspiraçõ es, bem
como novas e mais sofisticadas conexõ es entre o reino do mundo e o reino dos céus. Sob a
influência do Imperador, o homem ascenderá nã o apenas simbolicamente, mas realmente
ascenderá ao sol, à lua e à s estrelas.

Inevitavelmente, se quisermos ajudar nosso espírito em seu caminho ascendente, nem


sempre podemos permanecer com um pé no jardim da Imperatriz. Há momentos, tanto em
nossa vida cultural quanto pessoal, em que um dos dois poderes deve ter uma influência
maior que seu oposto em nossa vida. Como todos os opostos, eles funcionam melhor se
gostarem de corrente alternada. Há momentos em que temos que parar um deles para
experimentar os benefícios do outro .

O Imperador reina pelo Logos e pelo pensamento; a Imperatriz está ligada a Eros e ao
sentimento. Para o Imperador, o fato objetivo é a verdade; para a Imperatriz, o principal é o
fato interior. Em seu reino, revelar um fato objetivo que poderia prejudicar um
relacionamento seria desonesto, enquanto no reino do Imperador, manter esse ato em
segredo seria repreensível. É evidente que em determinado momento ambos nã o podem
reinar ao mesmo tempo. Se dermos a cada um deles a oportunidade de falar por sua vez,
podemos encontrar uma soluçã o que seja fiel ao fato da realidade externa, sem violentar o
sentimento interno, que é um fato igualmente importante.

Em todos os trabalhos criativos é muito ú til solicitar uma audiência com essas duas
figuras poderosas; mas nunca, é claro, você tem que fazer isso simultaneamente. Por
exemplo, durante o que chamamos de fase criativa da Imperatriz, quando imagens e ideias
brotam espontâ nea e abundantemente do fundo de nosso ser, é melhor pedir ao Imperador
que espere enquanto captamos indiscriminadamente toda a riqueza desse momento. Será
mais tarde quando convidarmos nossos Logos para sentar ao nosso lado como editor e nos
ajudar a escolher organizar e colocar nossas ideias em ordem. Se chegasse cedo demais,
poderia murchar os novos brotos de nossa imaginaçã o, que, como todos os seres recém-
nascidos, precisam primeiro de uma mã e para segurá -los e alimentá -los.

Uma ó tima maneira de ver em detalhes como o Imperador e a Imperatriz trabalham


juntos é fazer um pequeno esboço de um poema de Keats, por exemplo. Aqui se verá como
a rica imaginaçã o devido ao aspecto feminino da sensibilidade do poeta foi entã o podada,
refinada e moldada por seu Logos crítico, para finalmente criar o produto acabado. Fica-se
maravilhado nã o só com a perfeiçã o do que resta, mas também com o quanto foi
sacrificado. Para este delicado trabalho de discriminaçã o, o Imperador do artista deve ser
sensível, perspicaz e corajoso.
Um dos usos do nú mero quatro do Tarô é que ele pode nos ajudar a perceber que tipo
de Imperador, simbolicamente falando, influencia nossa cultura e nossas pró prias vidas. Ele
é relaxado, enérgico, imaginativo? Ou é rígido, impermeá vel ou completamente sem
charme? Quais sã o, finalmente, as idéias ou noçõ es que estã o no fundo de nosso "império"
cultural? O nosso Imperador acredita no perfeccionismo? Na utopia? Na aboliçã o
permanente do mal? Na supremacia branca? Na supremacia negra? O que você acredita?

Uma maneira de examinar nosso Imperador pode ser estudar seu retrato por alguns
momentos e anotar, sem corrigir ou censurar, o que podemos sentir em resposta à s
perguntas acima citadas. Estaríamos de acordo com as respostas que ele nos dá ? Se nã o
somos, qual seria o nosso?No que discordamos? Se você achar difícil entrar no personagem
do Imperador, outra técnica ú til é comparar a carta com outras representaçõ es
semelhantes. Também pode ser muito ú til comparar esta carta com outras do mesmo
Tarot. Por exemplo, o imperador retratado no baralho de Waite parece muito mais velho e
respeitá vel do que a figura a que nos referimos; ele tem uma longa barba grisalha, está
sentado em um grande trono, suas pernas estã o envoltas em cota de malha. Podemos
imaginar que suas respostas serã o diferentes das do imperador de Marselha.

Qualquer resposta que você obtiver, por favor, anote em seu caderno de tarô . Depois
de estudar outras cartas, pode ser interessante entrevistar novamente esse personagem.
Você pode ter tido novas ideias nesse meio tempo.

8. O PAPA:
A FACE VISÍVEL DE DEUS
Fig. 33 O Papa (Marseillaise Tarot)
A alma do homem é religiosa porque
natureza.

origens

Até agora, todas as cartas estudadas tinham apenas um personagem, uma figura com
poderes má gicos e tamanho gigantesco. A carta nú mero cinco (figura 33) nos mostra algo
novo. Como se acrescentasse ao personagem arquetípico habitual (neste caso, o Papa),
figuras de tamanho humano aparecem pela primeira vez. Eles sã o representados como dois
homens vestidos de há bito, ajoelhados diante do Papa. O da esquerda tem o chapéu
cardinalício e ambos usam a tonsura sacerdotal, como auréolas em miniatura, proclamando
assim a sua dedicaçã o ao espírito.

O Papa, entronizado como figura central, é enquadrado pelos dois homens ajoelhados
diante dele e por duas colunas verticais atrá s. Ele reitera seu nú mero, o cinco, nú mero que
simboliza a quintessência, aquela qualidade preciosa e indestrutível que só o homem
conhece, pois transcende os quatro elementos da terra comuns ao homem e aos animais.
Podemos ver o Papa, entã o, como uma personificaçã o externa da busca do homem por uma
conexã o superior, em sua busca por um sentido na vida, que coloca o homem acima dos
animais.

Enquanto Freud via essa tendência religiosa como uma mera sublimaçã o da libido
sexual, Jung via a necessidade do homem por um significado transcendente como um
instinto sui generis na psique humana, como uma predisposiçã o inata da humanidade, uma
força criativa ainda mais convincente do que a necessidade de procriaçã o. Como o instinto
sexual, a necessidade religiosa nos leva a unir opostos. Como símbolo dessa unificaçã o, o
Papa, com sua barba e vestimenta, é andrógino , reunindo em sua pessoa os dois elementos,
o masculino e o feminino.

O Papa é uma figura poderosa tanto no mundo simbó lico quanto no mundo real. Como
o Mago, ele conecta o mundo exterior com o interior, mas o faz de forma mais consciente e
silenciosa. Pode-se dizer que o papel do Papa é tornar mais acessível ao homem o mundo
transcendental até entã o alcançado apenas pela intuiçã o. Foi chamada de " a face visível de
Deus " porque é dotada do carisma do pró prio Deus.

Como costuma acontecer com os poderes arquetípicos que nos movem interiormente,
devemos tê-los experimentado anteriormente como existindo em nosso mundo exterior.
Todos nó s projetamos em algum momento para os outros as qualidades do Mago, da
Papisa, do Imperador e da Imperatriz. Ao experimentar essas qualidades como
pertencentes (muitas vezes por engano) a pessoas conhecidas, finalmente percebemos que
nó s mesmos tínhamos características potenciais semelhantes. À medida que nos tornamos
conscientes de nosso potencial para o bem ou para o mal, a quantidade exagerada de
projeçõ es com as quais revestimos nossos amigos e inimigos diminui gradualmente . À
medida que amadurecemos, conhecidos pregadores, professores psicó logos e políticos
deixam de carregar essas características que nos pertencem, impostas por nó s, pois as
recuperamos quando percebemos que nos pertencem . Por fim, tanto eles quanto nó s
assumimos proporçõ es mais humanas.

Mas este é um longo trabalho, tanto no desenvolvimento histó rico quanto no nosso. A
consciência humana (a pró pria humanidade) é jovem e fraca. Precisamos de telas de
projeçã o fortes e confiá veis para nos conscientizar de todas as forças que atuam em nossa
psique humana. O Papa aqui representado é um portador ideal da nossa fé e das nossas
aspiraçõ es. Comparado com as duas figuras diminutas diante dele, ele se torna sobre-
humano em tamanho. Isso é correto visto que, além disso, ele é o representante de Deus na
terra. A palavra "papa" está relacionada ao latim pater e ao pró prio papa. Assim como o
Imperador era o pai supremo no governo da comunidade secular, o Papa é a figura
suprema da Igreja, pois governa seus "filhos" na comunidade religiosa.

Seu nome "pontífice" vem do latim pontifex, que significa "aquele que faz a ponte". É
uma ponte entre o homem e Deus. Ele conecta a experiência codificada da Igreja
(simbolizada pelas colunas que vemos atrá s dele) com a experiência humana viva das
figuras diante dele. Em á reas onde eles ainda nã o aprenderam a ouvir sua pró pria voz
interior, ou perderam a conexã o com ela, o Papa oferece a sabedoria de um sistema de
valores coletivos que pode apoiá -los e orientá -los ao longo do caminho.

No mundo primitivo do Mago, da Papisa e da Imperatriz, a mulher e o homem viviam


em estreita uniã o com seu lado instintivo. Eles agiam nã o como indivíduos, mas como
á tomos girando em torno de um centro, cada um vivendo de acordo com o grupo, como
abelhas em um favo de mel. Antes do advento do Imperador (que enfatizou os direitos e as
palavras que sã o a essência da civilizaçã o) as pessoas ainda sabiam ouvir a voz de seu
inconsciente quando ele falava com elas através de sonhos e visõ es.

Com a chegada do Imperador essa participaçã o mística entre o ser humano e a


natureza começou a enfraquecer. Era preciso liberar toda a energia para desmatar florestas
e construir um império. Da mesma forma, na paisagem interna, ilhas de autoconsciência
começaram a surgir entre a massa de consciência tribal. Por meio de obras e palavras, o
homem perdeu gradualmente o contato com seu ser interior; quanto mais contato ele
perdia com a experiência imediata de seu espírito, mais precisava do dogma e dos
ensinamentos destilados da experiência mística de outros. Foi gradualmente, ao longo dos
séculos, que se envolveu numa complexa relaçã o pessoal inerente a uma sociedade
individualista e competitiva. O homem sentiu cada vez mais a necessidade de confissã o
individual e conselho em questõ es de consciência pessoal. Devido a essas necessidades, a
Igreja surgiu e cresceu com o Papa à frente. Como portador da palavra de Deus, ele é o
á rbitro final em todas as questõ es morais; é também ele quem pode determinar a
autenticidade ú ltima de qualquer experiência mística.

O Papa do Tarot mostra-nos simbolicamente a finalidade do seu domínio. Sua mã o


direita está levantada no tradicional sinal de bênçã o, revelado por seus dois dedos
estendidos. Isso nos indica que os problemas morais relativos ao bem e ao mal estã o sob
seu domínio e podem ser abertamente reconhecidos e combatidos. O polegar e os dois
dedos restantes que ele mantém juntos podem significar que a Trindade é um mistério
sagrado, nã o para ser examinado cientificamente, mas para ser experimentado. O Papa tem
a chave deste mistério na palma da sua mã o.

Como ponte entre o dogma e a experiência, entre o có digo e sua aplicaçã o prá tica, o
Papa interpreta a lei espiritual. É ele quem determina questõ es cruciais sobre pecado ou
santidade. Ele protege a Igreja de sua divisã o em pequenas seitas, pois ao mesmo tempo
pode corrigir a lei quando necessá rio para intervir em circunstâ ncias pessoais se estas lhe
parecerem excepcionais. Ao contrá rio da Papisa, ela nã o tem livros; ele nã o consulta a lei:
ele é a lei. Como portador da palavra de Deus, é infalível. Seu poder é supremo sobre toda a
humanidade. Até o imperador deve se ajoelhar diante dele.

O Papa aqui representado tem na mã o enluvada o emblema do seu ofício, talvez


indicando com isso que nã o é a sua mã o humana que possui a verdade e o poder supremo.
É uma entidade sagrada e, portanto, nã o é suscetível à s tentaçõ es da carne mortal. Em sua
luva está marcada a cruz chamada patée, uma antiga forma de cruz que indica a
antiguidade da Igreja. Esta luva é tã o antiga quanto a instituiçã o a que serve, sem dú vida já
foi usada por vá rios Papas antes deste e talvez muitos mais ainda a usem antes de
desaparecer. Na cabeça usa a tríplice tiara, semelhante à da Papisa, que ecoa a tríplice cruz
do seu ofício. Os três braços da cruz em seu cajado evidenciam e reafirmam o domínio do
Papa nos três reinos: espírito, corpo e alma. Portando o bastã o com a mã o esquerda, ele
quer nos mostrar que governa com o coraçã o e nã o pela força de sua vontade.

Os dois prelados aqui representados parecem quase gêmeos. Quando gêmeos


aparecem em nossos sonhos, uma nova qualidade ou funçã o está prestes a emergir na
consciência, um símbolo por excelência do aspecto dual inerente a toda vida. Os dois
sacerdotes desta carta simbolizam a quantidade de impulsos gêmeos que o homem sente
por sua natureza religiosa e que começa a perceber agora. Alguns deles podem ser os
conflitos existentes entre o fato externo e o significado interno, com impulsos ambíguos
para ambos: bem e mal, problemas referentes ao poder pú blico e à consciência privada, e
também as sutilezas da relaçã o individual, questã o da qual o O imperador e seus vassalos
estavam relativamente inconscientes.

Os dois personagens ajoelhados nos dã o as costas, significando assim que os opostos


que começamos a perceber ainda sã o inconscientes. Eles nã o lidam diretamente com o
conflito, mas parecem recorrer ao Papa em busca de orientaçã o. Contrastando com a figura
imponente do Pontífice, os sacerdotes aparecem-nos pequenos e fracos e curvam-se
perante a sua autoridade. Eles estã o vestidos da mesma maneira, mas ainda nã o têm uma
identidade pró pria. Ao chamá -los de "irmã os", indicamos que eles ainda agem como
membros de uma grande família, filhos da Mã e Igreja, embora comecem a se sentir como
indivíduos com questõ es e problemas pessoais.

O Papa, com a sua barba patriarcal e o seu manto largo, representa para estes dois
irmã os o papel de pai e de mã e, papel que a Mã e Igreja desenvolve para o crescimento
pessoal de cada um dos seus fiéis ao anunciar, preservar e defender a lei. em geral. Ao
contrá rio da Papisa, que se comunicava conosco através da intuiçã o e do sentimento, o
Papa organiza e verbaliza suas ideias, fazendo-as aparecer em um sistema racional. Assim
como o Imperador é uma encarnaçã o do Logos masculino, mas o que diz respeito a ele é
mais interno do que o que diz respeito ao Imperador, que cuidava mais do bem-estar
psíquico e social de seus subordinados, enquanto o Papa cuida dos problemas mais
interiores de o mundo da consciência e da responsabilidade.

As diferenças entre os dois sã o claramente indicadas na forma como cada uma dessas
figuras arquetípicas aparece no Tarô . O Imperador parece olhar para horizontes distantes e
seus olhos abrangem a totalidade de seu império; o Papa olha para os indivíduos diante
dele, como se lhes concedesse uma audiência e se comunicasse com eles. Essa relaçã o entre
o arquétipo e o homem marca um passo importante no desenvolvimento da consciência
humana. É neste ponto que o homem surge como uma entidade separada e começa a
experimentar sua condiçã o humana em relaçã o aos poderes da vida apó s a morte. É por
isso que as figuras arquetípicas desta série do Tarô estã o ocupando todo o espaço; assim,
eles mostram sua predominâ ncia.

Em nossa infâ ncia, como na infâ ncia da consciência humana, os poderes simbolizados
pelo Mago, a Papisa, a Imperatriz e o Imperador controlavam nossas vidas sem sombra de
dú vida. Sua magia parecia tã o poderosa que nossa débil consciência nã o conseguia lidar
com ela. Na verdade, o ego humano era tã o infantil que nã o tinha forma. Como mostram as
primeiras quatro cartas do Tarô , a consciência do ego ainda nã o tinha participaçã o nessas
figuras, muito menos uma palavra a dizer. É na carta do Papa que a humanidade se
defronta pela primeira vez com o arquétipo e estabelece um diá logo entre a consciência e os
poderes instintivos da psique. Para deixar mais claro, as figuras ajoelhadas ainda nã o têm
forças para se levantar diante do poder suprapessoal, mas já apresentaram suas questõ es e
problemas.

O Papa, embora entronizado, como merece a sua estatura divina, é também humano e
existe na realidade terrestre. Como Cristo, o Papa tem uma dupla origem: é o representante
de Deus, mas também uma pessoa humana, o que significa que, embora a sua pessoa
pertença ao tempo, a sua essência é imortal. O Papa individual representado aqui morrerá ,
mas enquanto a Igreja durar, o Papa sempre terá um sucessor.

Em outras palavras, o Papa compartilha o arquétipo do Salvador do qual Cristo é a


imagem em nossa cultura. Como Cristo, o Papa propõ e problemas morais, aguçando a
mente do homem na á rea de sua consciência. Além disso, como Salvador, ele absolve o
homem da culpa inerente à condiçã o humana pela busca do conhecimento do bem e do mal
(aquele antigo pecado que é "originá rio" apenas do homem).

Do ponto de vista psicoló gico, o Papa do Tarô também é um salvador, pois, segundo
Jung, o tipo de confronto que ele representa é a salvaçã o da consciência humana. Nã o fosse
o diá logo contínuo entre o ego e o arquétipo, o homem nã o seria capaz de desprender sua
identidade do ventre arquetípico e libertar-se, assim, das forças cegas de seus instintos.
Jung também aponta que, sem esse tipo de interaçã o entre o ser humano e o transcendente,
nem a consciência humana nem o pró prio espírito poderiam evoluir e amadurecer.

Em seu livro The Response to Job , 29 Jung usa o encontro bíblico entre Jó e Jeová como
paradigma para esse tipo de encontro entre o homem e o arquétipo. Jung nos mostra no
decorrer desse encontro que uma mudança ocorre em ambas as figuras: Jó passa a
perceber e aceitar a natureza todo-poderosa e ambivalente de seu Deus, e Jeová , por sua
vez, percebe a questionabilidade de seu relacionamento com sataná s . _ Simbolicamente
falando, entã o, as duas entidades (Jó -humanidade) e sua imagem do Espírito Onipotente
(Jeová ) evoluem e crescem como produto desse diá logo interno. Embora a humilde
obediência dos dois sacerdotes retratados na carta cinco esteja longe da astuta pergunta de
Jó a Jeová , nã o deixa de ser um começo. Os sacerdotes pediram uma audiência à figura
arquetípica; foi concedido a eles. O Papa está ansioso para ouvir suas perguntas e se
comunicar com eles.
Nem todos os diá logos entre humanos e arquétipos, porém, sã o tã o pacíficos e serenos
quanto esta carta mostra. Aqui o Papa comunica, mas também pode excomungar. A mã o
levantada aqui em bênçã o também pode significar, dependendo e como, maldiçã o. Na
figura 34 você pode ver a imagem criada pela sombra desta mã o: ela sugere a cabeça de
Baphomet, o demô nio. Existe uma superstiçã o antiga de que se a sombra da mã o do Papa
enquanto abençoava alguém, ela se tornaria uma maldiçã o. Ainda hoje, quando as pessoas
que acreditam nisso vã o à s cerimô nias papais, evitam se colocar em lugares onde essa
sombra possa cair sobre elas.
Psicologicamente falando, todas as figuras arquetípicas que estudamos até agora,
sendo grandes e poderosas, projetam sombras de acordo com seu tamanho. A sombra da
autoridade religiosa pode ser demoníaca, como a histó ria já demonstrou: o dogmatismo e o
fanatismo sã o suas manifestaçõ es mais evidentes.

Cada vez que o ego se identifica com uma figura arquetípica, emana uma força que é ao
mesmo tempo fascinante e atraente, mas ao mesmo tempo aterrorizante e repulsiva. Como
esse tipo de poder é sobre-humano, é muito difícil explicá -lo de maneira humana. Isto é
especialmente vá lido na carta do Eremita, cujo aspecto pú blico vemos na figura do Papa e
cujo aspecto mais íntimo estará representado na carta nú mero nove, também chamada de
"Velho Sá bio " . Cada uma dessas figuras parece estar imbuída de um carisma especial, pois
cada uma delas parece falar com a voz de Deus.

À s vezes, as pessoas, atraídas pela intensidade apaixonada desse arquétipo, aderem a


causas decididamente religiosas ou filosó ficas, mas se essa energia nã o encontra um lar
adequado em uma religiã o ou filosofia reconhecida, alguns indivíduos apanhados no Velho
Sá bio desviam sua paixã o para outras causas, como o vegetarianismo, ecologia, naturismo
ou para terapias de grupo. Imbuídos do poder gigantesco dessa força arquetípica, os seres
humanos, que em outros momentos parecem tã o normais, assediarã o as pessoas na rua
para tentar convencê-las de que devem buscar a Deus acima de todas as coisas. Talvez até
seu vizinho, que antes parecia tímido e retraído, possa, movido por esse arquétipo, vir nos
constranger em uma reuniã o social expondo de forma irritante e exaustiva os méritos de
Freud, Jung ou a macrobió tica.

Fig. 34 O sinal de excomunhão


O Papa é uma figura do Logos e como tal simboliza o " animus ", nome que Jung dá ao
princípio masculino inconsciente tal como aparece na psique feminina. O " animus " pode
aparecer em vá rias formas, algumas das quais estã o representadas no Tarô . No estudo que
Emma Jung chamou de Animus und Anima, ela descreve quatro está gios na evoluçã o do
Logos, conforme aparecem externamente na cultura e internamente no inconsciente das
mulheres. Como ele diz, o primeiro está gio é incorporado pela ideia de poder direcionado e
é representado no Tarô pelo Mago. No segundo está gio, a açã o se encarna no cavaleiro e ele
aparecerá na carta sete como o jovem rei de O Carro. Emma Jung chama a terceira etapa do
desenvolvimento do « animus » de palavra, e é personificada no Tarot pelo Imperador. A
quarta etapa, ou seja, é representada pelo Papa. Em seu estudo sobre o desenvolvimento do
animus nas mulheres, E. Jung diz:

"Assim como existem homens de extraordinária força física, homens de ação, homens
de palavras e homens de sabedoria, a imagem do animus de uma mulher variará de
acordo com o estágio de desenvolvimento em que seus dons naturais se encontram." 30

Ela entã o aponta que chegar a um acordo com o significado do animus é um problema
específico das mulheres hoje.

“Em primeiro lugar, muitas vezes eles não encontram satisfação na religião
estabelecida, especialmente se for protestante. A Igreja, que até agora e durante
muito tempo satisfez as suas necessidades intelectuais e espirituais, já não oferece
esta satisfação. Anteriormente, o animus e os problemas que o acompanhavam eram
transferidos para a vida após a morte (para muitas mulheres, o Pai Todo-Poderoso
recebeu esse aspecto metafísico e sobre-humano da imagem do animus) e, desde que
a espiritualidade pudesse ser expressa de forma convincente por meio de formas
válidas de religião, não não foi problema. É agora, quando isso já não é possível, que
aparecem os nossos problemas.»

No estudo que Emma Jung faz sobre a luta que as mulheres mantêm por direitos iguais
aos dos homens, ela diz que: “não é uma simples imitação de homem como faria uma
imitação de macaco, nem é uma megalomania ”. A necessidade de encontrar uma expressão
intelectual e espiritual é tão instintiva quanto necessária, tanto para o homem quanto para a
mulher. Voltando ao animus da mulher, diz ela, é o problema específico da mulher de hoje já
que, por meio do controle de natalidade e da tecnologia moderna, as energias que antes eram
necessárias para criar filhos e cuidar de uma casa permanecem finalmente liberadas para
começar desenvolvimento espiritual... O autor continua: « Não é mais a beleza da maçã da
Árvore da Sabedoria nem a serpente que nos tenta a comê-la e apreciá-la, como Eva no
Paraíso. Não, algo mais aconteceu; tornou-se lei para nós e deparamo-nos com a necessidade
de morder aquela maçã e comê-la (quer achemos bom comê-la ou não); nos sentimos
confrontados com o fato de que aquele paraíso de naturalidade e inconsciência em que
muitos de nós gostaríamos de permanecer com muita alegria já desapareceu ».

Encontrar o sentido parece ser uma necessidade do nosso tempo, talvez mais
premente para as mulheres, mas também é necessá ria para os homens. Culturalmente
estamos na quarta etapa do desenvolvimento do Logos. Nã o podemos esperar soluçõ es
má gicas para nossos problemas, como cerimô nias de cura realizadas pelo feiticeiro tribal. A
oportunidade de escapar do confronto espiritual, lançando-nos à conquista de novas
fronteiras geográ ficas para esgotar as energias, também passou. Palavras estéreis nã o
aplacam mais nosso apetite espiritual. Para muitos de nó s, o Papa, como chefe da Igreja,
nã o atende mais à s nossas necessidades, temos que encontrar de alguma forma dentro de
nó s sua contraparte interna e nos comunicarmos com esse arquétipo.

O nú mero do Papa é cinco; seu significado simbó lico concorda muito bem com tudo o
que foi dito até agora sobre esse personagem. Ele incorpora os quatro elementos comuns a
toda a criaçã o e os sintetiza através do espírito, o Uno, que é de competência exclusiva do
homem. Cinco é também o nú mero da humanidade, pois o homem tem cinco sentidos e
cinco dedos nas mã os e nos pés. Este nú mero cinco atua como uma ponte entre o ser
puramente físico do homem e o mistério arquetípico dos nú meros. Em muitas sociedades
primitivas, eles só sabem contar até cinco; Em outras culturas, incluindo a nossa, cinco é
um mó dulo amplamente utilizado para contar. Esse nú mero tem uma qualidade má gica:
quando desenhamos seu quadrado, ele sempre volta a si mesmo. Por esta razã o, os antigos
chamavam-no de nú mero esférico e pensavam que estava relacionado com o infinito.

Cinco é três mais dois: combina assim a Trindade do espírito com os dois opostos da
experiência humana. Como quatro mais um incorpora a quintessência, aquela substâ ncia
preciosa que está além dos quatro elementos e das quatro funçõ es, as quatro direçõ es e
todos os outros " quatros " que servem para definir a realidade terrestre. Foi dito que os
primeiros quatro nú meros representam os princípios da realidade, enquanto o nú mero
cinco alude à Realidade Suprema . Nesse sentido, poderia simbolizar o nível da psique do
homem, aquele substrato duradouro do qual tudo mais surge.

Como todos os nú meros ímpares, é considerado um nú mero masculino que carrega


uma valência especial do espírito. A razã o desta teoria é que ao dividir os nú meros ímpares
há sempre uma unidade livre, e este é o Um do espírito. Este Um nã o pode ser danificado ou
destruído pela divisã o.

O símbolo chinês para o homem é um pentagrama. O homem como quintessência da


humanidade é desenhado como um pentagrama, com quatro membros que marcam quatro
vértices. O pentagrama também é uma estrela da revelaçã o, aquela que conduziu os Magos
ao está bulo. É também a estrela da síntese universal; dependendo de sua colocaçã o pode
significar ordem ou confusã o: com uma ponta para cima representa o Salvador, com duas
pontas para cima representa Satanás , o bode com chifres do sá bado. Com a cabeça
invertida, representa a desordem intelectual, a subversã o e a loucura. Como tal é um mau
pressá gio que nos alerta para a magia negra. O pentagrama com a ponta para cima pode
servir de guia e proteçã o para o homem; Os má gicos costumam desenhar esta estrela
diante de suas portas para atrair forças positivas e impedir sua dispersã o, bem como para
espantar os maus espíritos.

Como pudemos observar, o Papa encarna potencialidades que podem ser saudá veis e
nocivas. Por outro lado, o Papa é a nossa pró pria funçã o interna, aquela que rege o bem-
estar espiritual, aquela consciência inata que nos diz quando pecamos contra o Espírito e,
como o Papa, esta voz interior tem tanta certeza de ser praticamente infalível. Como todos
sabemos, este Papa interior também pode lançar uma sombra maligna e demoníaca.
Sempre que essa voz, inicialmente baixa, começa a gritar histericamente, denunciando o
mundo em geral, e nossos amigos e vizinhos em particular, devemos estar atentos. E se a
luz estiver certa, podemos ver sua sombra com chifres desenhada em nossa parede.

9. OS AMANTES:
VÍTIMA DO ERRO DE OURO DO CUPIDO

Fig. 35 O Amante (Tarô da Marselhesa)


O lunático, o amante e o poeta são
imaginação.

shakespeare
Na carta anterior pudemos ver dois seres idênticos, de costas e ajoelhados diante de
um personagem de dimensõ es sobre-humanas. Como sacerdotes, eles haviam se afastado
do reino mundano da carne e dos problemas prá ticos do reino do Imperador. Eles buscam a
comunhã o, nã o só com o homem, mas com o Espírito Santo personificado no Papa. Ele
ocupa o lugar central de sua consciência; eles se ajoelham diante de sua sabedoria superior
e do poder divino que ele tem para guiar as almas e perdoar os pecados.

Nã o ficou muito claro que tipo de problemas esses padres podem ter, talvez indicando
que eles ainda nã o estavam totalmente cientes deles. Ao entrarem solteiros no sacerdó cio,
pode ser que tenham adiado o confronto aberto entre a carne e o espírito e, portanto, suas
dú vidas ou problemas seriam mais gerais e filosó ficos do que pessoais e prá ticos. Em todo
caso, a açã o dramá tica que nos é apresentada pela carta nú mero cinco é uma cerimô nia
coletiva e nã o um confronto individual. Nesta cerimó nia, os sacerdotes, enquanto membros
da audiência, desempenham um papel bastante passivo: vêm mais para pedir e receber do
que para discutir e debater.

A carta nú mero seis, o Amante (fig. 35), marca um afastamento do esquema anterior
em vá rios aspectos. Em primeiro lugar, representa um problema específico (ao mesmo
tempo muito humano): um jovem envolvido com duas mulheres. Pela primeira vez em
nossa série de Tarô , a figura central nã o tem o tamanho gigantesco e má gico das anteriores,
parece um ser humano normal que enfrenta o mundo e seus dilemas com os pés bem
fincados na realidade cotidiana . Ao contrá rio dos dois sacerdotes da carta anterior, este
personagem nos aparece como um indivíduo com feiçõ es e vestimentas bem definidas,
simbolizando assim mais um passo na evoluçã o da consciência rumo à consciência
individual, nã o à consciência grupal, que é dirigida de fora . Podemos ver neste jovem a
personificaçã o do ego vigoroso e jovem, preparado para enfrentar sozinho a vida e seus
perigos. Nã o existe uma figura de autoridade a quem você possa pedir ajuda. Você deve
buscar dentro de si a força para esse confronto; você deve assumir apenas a
responsabilidade total por quaisquer açõ es que você tomar em relaçã o a isso. Agora seu
problema está no campo aberto da consciência, onde ele (e nó s) podemos reconhecer sua
familiar forma triangular.

Anteriormente já vimos que, segundo Pitágoras , o triâ ngulo foi a primeira forma
geométrica que simbolizava uma realidade humana fundamental e ligada à alma. A verdade
simbó lica desta afirmaçã o torna-se clara para nó s quando examinamos a carta que estamos
estudando. Nele vemos duas figuras de mulheres. Na psicologia do homem, como na da
mulher, as figuras masculinas simbolizam habitualmente o consciente, as realizaçõ es
intelectuais e o espírito; as figuras femininas (novamente na psicologia de ambos os sexos)
simbolizam os aspectos corpó reos, as emoçõ es e a alma. É evidente que o jovem que vemos
aqui está emocionalmente comprometido com essas mulheres, de corpo e alma. Talvez um
deles atraia mais sua paixã o sexual, enquanto o outro mantém seus sentimentos secretos e
aspiraçõ es espirituais em suspenso.

Em todo caso, cada um deles exerce uma atraçã o definida sobre o pobre jovem, literal
e psicologicamente falando. Pois bem, a mais respeitá vel das duas, a que cobre a cabeça, à
nossa esquerda, coloca a mã o possessivamente no ombro, enquanto a loira à nossa direita
parece apontar com a mã o, perto do coraçã o. Acima desses três personagens, e
aparentemente invisível, um arqueiro alado também aponta para o coraçã o do jovem.
Talvez este arqueiro seja parente da loira ou seja seu aliado de alguma forma.

Já que os três atores parecem alheios à figura celeste, vamos deixar por enquanto e ver
o problema como o ator principal o vê. Ele se encontra praticamente imobilizado entre
essas duas mulheres que o seguram como se estivessem em suspense. Parece que cada uma
das mulheres representava algo importante para ele, pois enquanto sua cabeça está voltada
para a figura à sua direita, seu lado consciente, o resto do corpo está voltado para a loira à
sua esquerda, que é o lado do coraçã o. . Ele está aparentemente dilacerado por impulsos
conflitantes, dividido por dentro. Se ele virasse as costas para qualquer uma das mulheres,
deixaria metade de si para trá s. Ele ressurgiria depois destruído e devastado pelo destino
que se abateu sobre ele, pois terá que desvendar os atributos e possibilidades projetadas
na mulher que deixou para trá s e reivindicá -los como pertencentes a partes de sua psique.
Esses valiosos poderes dentro dele permanecerã o sob custó dia da " mulher que ele deixou
para trás ".

Cada uma dessas mulheres exerce uma atraçã o lunar hipnó tica, uma atraçã o má gica,
cada uma parece pertencer a ele de forma misteriosa e comprometedora. Parece que ele
nã o pode se separar de nenhum deles, na realidade externa, pois ambos lhe pertencem
como parte de sua realidade interna. Em princípio, se ele permanecer de pé suportando as
tensõ es de seus desejos conflitantes e tentando conhecer cada uma dessas mulheres como
seres individuais, esse jovem acabará por se libertar de sua atraçã o má gica por ele,
tornando-se "ele mesmo " . Feito isso, você terá dado um passo decisivo rumo à sua
individuaçã o. Do contrá rio, seu lado feminino instintivo manipulará suas emoçõ es e sua
vida.

Nã o há dú vida de que essas duas mulheres encarnam de forma mais humana e


acessível os poderes da Virgem e da Grande Mãe . (Já estudamos esses dois poderes na
figura da Papisa e da Imperatriz.) Também é interessante notar que a primeira encarnaçã o
humana do princípio yang foi apresentada sob o aspecto dual dos dois sacerdotes. Agora, a
primeira encarnaçã o humana do princípio yin aparece como duas mulheres. Isso porque
parece ser um axioma da realidade simbó lica, assim como da realidade externa, que o que
está além de nossa consciência nos pareça confuso e indistinto.
A consciência nascente, assim como a distâ ncia física, à s vezes produz em nó s uma
espécie de visã o dupla, de modo que o que nos aparece em sonhos ou em outros materiais
simbó licos, como "essas" mulheres, padres ou o que quer que seja, se concentrará mais
tarde em um Individual. Na verdade, acabamos de observar esse mesmo processo quando a
humanidade, antes vista como os dois sacerdotes, passa a ser representada por um ú nico
personagem: o Amante .

Pelo seu nome, bem como pela situaçã o ó bvia, sabemos que este jovem está
emocionalmente envolvido com estas duas mulheres. Ambos sã o possessivos e, em seu
presente estado de inconsciência, ele está realmente " possuído " por eles. Nã o temos a
chave para entender os detalhes específicos do drama que se desenrola nesta carta. Ao
contrá rio das cartas de Tarô modernas, que incluem um livro de explicaçõ es, o Tarô de
Marselha nos apresenta um drama sem palco. Somos livres, entã o, para preencher os
espaços obscuros conforme indicado por nossa visã o interior e nossas necessidades
individuais e com base em nossa situaçã o cultural atual.

Neste ponto, convido você a parar de ler e escrever seu pró prio cená rio com base no
que você acha que está acontecendo nesta carta. Quem sã o essas mulheres? Como o amante
se sente na frente de cada um deles? Ele vai fugir com um deles? Se o fizer, ele viverá feliz
para sempre ou terá que se purgar por isso? Talvez esta carta os estimule a escrever mais
de um roteiro. Pessoalmente, achei esta carta uma das mais sugestivas de todo o baralho de
Tarô . Uma das minhas muitas fantasias sobre ela é a que relato a seguir: Ao ver a mulher à
nossa esquerda, a de chapéu, pensei que fosse a mã e, pois ela parece mais velha e
respeitá vel que a loira. Ela pode ou nã o ser a mã e literal do jovem, mas, em todo caso, ela
representa o tipo de mã e, alguém que oferece a seu ainda tenro ego jovem nutriçã o,
proteçã o e apoio. Como ela é retratada segurando-o, seu cuidado talvez seja
excessivamente protetor e um tanto restritivo e exigente. Tenta mantê-lo em um esquema
infantil, dando-lhe pouco espaço para sua expansã o e crescimento. Ela tem os poderes de
uma rainha gloriosa, mas, ao mesmo tempo, é a sombra sinistra de uma bruxa infame.

Vi o jovem loiro, que aliá s tem aquele cabelo tã o parecido com o dele, como o lado
feminino complementar desse jovem: sua anima ou imagem da alma. (Jung refere-se à
parte feminina que aparece nos sonhos e visõ es dos homens como anima e representa o
lado feminino inconsciente.) O fato de o rapaz e a moça terem cabelos tã o parecidos indica
que eles estã o inconscientemente em um relacionamento. Ela pode ser uma princesa ou
uma prostituta, nobre e inspiradora ou presunçosa e exigente. A serviço das profundezas
de seu ser, ele poderia escalar os picos mais altos, mas como servo de sua vaidade, poderia
desperdiçar toda a sua vida. Qualquer que seja o benefício que o jovem possa obter do
relacionamento com essas duas mulheres, ele se vê inconscientemente preso entre elas.
Como eles parecem tã o poderosos para você, talvez seja necessá rio travar uma luta com
cada um deles separadamente. Provavelmente seu fascínio pela " alma loira " (ainda que
inconsciente) finalmente conseguirá afastá -lo da proteçã o intrauterina do tipo materno. Ele
e sua Eva podem nã o viver felizes para sempre, mas através de seu compromisso com ela,
ele terá conseguido cortar o cordã o umbilical e dar um passo muito importante para se
tornar um ser responsá vel e sensível. Isso pode incluir, muito mais tarde, um reencontro
com a parte materna, mas nã o mais com aquela pertencente ao eixo mãe-filho , mas de um
ponto de vista mais adulto.

Na vida exterior, o Amante apresenta uma situaçã o em que o protagonista é forçado a


escolher agora uma das duas mulheres; mas, psicologicamente falando, ele deve chegar a
um acordo com a outra mulher também se quiser atingir sua plena estatura como homem.
O que quer que ele deixe para trá s, isso o seguirá até o fim do mundo, talvez nã o
literalmente (embora isso possa acontecer), mas psicologicamente. Todos nó s sabemos por
experiência pró pria como podemos ser exigentes, obsessivos e até insistentes, perseguidos
por algum aspecto de nó s mesmos que tentamos relegar ao inconsciente. " Até mesmo o
inferno não é tão furioso quanto uma mulher desprezada pode ser ." Se ela se sentir
abandonada, qualquer uma dessas duas mulheres pode se voltar contra sua juventude
inexperiente como os cã es infernais de Hécate . Basta lembrar como as Eumênides (cujo
nome aliá s significa benevolente ) perseguiram o jovem Orestes por seu crime de matricídio.

Como o Amante se presta a vá rias interpretaçõ es, escritores de todos os tipos e épocas
projetaram uma grande variedade de questõ es sobre ele. A maioria tende a ver nesses
personagens, mais alegoricamente do que simbolicamente, um enredo padrã o (e que ainda
escapa com frequência na literatura), que é ver a mulher à esquerda usando uma coroa com
a qual ela personifica o Espírito Puro, enquanto a loira representa a carne pecaminosa. As
geraçõ es passadas aconselharam os jovens a renunciar a esta ú ltima, mas sempre a aderir à
primeira. Infelizmente, muitos atenderam a esse aviso e sofreram com a unilateralidade
que se seguiu, até que Freud apareceu e (infelizmente novamente) os enviou na direçã o
oposta, onde muitos ainda permanecem. De qualquer forma, a cultura atual parece pender
mais para o loiro.

Conseqü entemente, se este Arcano do Tarô for considerado como o triâ ngulo no qual a
esposa intervém contra o amante, a figura da matrona terá menos simpatia hoje do que no
passado. A opiniã o pú blica atual aceita mais que, diante desse dilema, um homem decida se
desfazer da mã e de seus filhos em favor de uma modelo mais jovem. Ou, se preferir, pode
trazer à tona sua relaçã o extraconjugal impunemente, de modo que o triâ ngulo traçado no
Amante apresente menos problemas e conflitos do que antes.

Mesmo o clá ssico " ménage à trois " que foi vivido em um segredo cheio de culpa agora
está recebendo aceitaçã o do pú blico. Essa forma de triâ ngulo se expande (mesmo
abertamente) para se tornar um ménage á quatre, cinc, six ou mesmo sept! O triâ ngulo
conjugal nã o existe mais para testar a capacidade da alma do homem, como a retorta
alquímica com a qual isola e transforma as emoçõ es. Nã o há dú vida de que os novos
costumes sociais também podem oferecer algum valor positivo, mas algo muito importante
se perdeu no meio do caminho. Pitá goras disse bem quando disse que há algo muito
fundamental e humano no triâ ngulo. Parece que, removendo sua tensã o e traçã o, podemos
estar perdendo um rito de passagem de grande importâ ncia no desenvolvimento da
consciência humana.

Um comentarista moderno 31 conecta o Amante do Tarô com a pintura O Julgamento de


Páris , outro julgamento onde Eros desempenha um papel importante. Quer haja ou nã o
uma relaçã o ó bvia entre os dois, vale a pena explorar sua relaçã o psicoló gica. No mito
grego, Juno e Pallas Athena ofereceram a Paris razõ es convincentes, até mesmo subornos,
para ganhar a maçã dourada da beleza. Mas Vênus (a loira do nosso desenho),
simplesmente afrouxando suas roupas e mostrando seus encantos, deu o sinal para seu
filho Cupido atirar sua flecha de amor. Como resultado, Vênus ganhou a maçã e Paris
ganhou Helen. Como quase sempre, os resultados da paixã o de Eros foram confusos: por
esse ato, Pá ris viu-se envolvido, ele e todo o seu reino, em sangrentas lutas e sofrimentos
dos quais, porém, surgiram a visã o e a inspiraçã o. A Guerra de Tró ia foi a inspiraçã o para os
poemas épicos de Homero e para as maiores tragédias que o mundo já conheceu.

Como veremos, também nesta circunstâ ncia o papel de Eros é ambivalente. O mais
interessante é observar como pouco importa como esse drama é imaginado. Em nível
simbó lico, o significado é o mesmo em ambos os casos: para se tornar um homem, o
Amante deve libertar-se da atraçã o regressiva de qualquer ú tero que busca contê-lo e se
mover em direçã o à masculinidade. Como em qualquer nascimento, haverá derramamento
de sangue e também haverá nova vida.

À s vezes, a Mãe Terrível da possessã o inconsciente é retratada como um dragã o que o


heró i deve matar para resgatar a princesa. É também o mesmo dragã o que Sã o Jorge deve
derrotar para redimir o reino. Em forma humana, esta Mã e " monstruosa " (a dama à
esquerda do desenho) pode tornar-se uma madrasta cruel, uma rainha perversa ou
simplesmente uma bruxa terrível, de cujos domínios o príncipe deve resgatar Cinderela,
Branca de Neve ou Bela Adormecida, que representam seu “ verdadeiro amor ”, sua “ outra
metade ”, sua “ alma ”. Qualquer que seja a forma que o arquétipo da Mãe assuma , a questã o
é que a consciência do jovem ego deve se desprender de seu fascínio mortal, resgatar sua
alma e, assim, inscrever-se na vida. Por meio desse julgamento, o Amante (símbolo do ego)
torna-se o herói (símbolo da consciência humana em busca da autorrealizaçã o).

Em qualquer nível de interpretaçã o, esta carta apresenta ao ego um desafio que marca
um passo importante em sua iniciaçã o. Pode-se dizer que o Papa do Tarô oferece a
iniciaçã o na vida do espírito. Nesta carta, o desafio é conectar esta vida espiritual com a
vida emocional e, através do compromisso apaixonado com tudo na vida, alcançar um novo
relacionamento com os outros e uma nova harmonia consigo mesmo.

Nã o é por acaso que a histó ria do Paraíso coloca em paralelo a experiência carnal com
o conhecimento do bem e do mal, e também no Antigo Testamento o ato sexual é traduzido
pelo verbo “conhecer ” . « E Abraão conheceu Sara e ela concebeu. » Com esse conhecimento
nasce algo novo. Sendo assim, o Amante é chamado para grandes visõ es... e grandes
conflitos. Bem, como Jung disse repetidamente: O conflito é a essência da vida e é um pré-
requisito necessá rio para todo crescimento espiritual. A vida nã o pode ser vivida de forma
abstrata; somente através do confronto com qualquer conflito e sofrimento individual, para
sua resoluçã o ou transcendência, atingiremos as profundezas de nó s mesmos. Muitas
vezes, um conflito que parece insolú vel (ou um sintoma neuró tico causado pela repressã o
desse conflito) aproxima a pessoa da aná lise, levando-a ao início do caminho da
individuaçã o. Como já sabiam os antigos alquimistas, esses conflitos sã o a matéria-prima
necessá ria como primeiro ingrediente de todo crescimento espiritual.

A filosofia oriental e o cristianismo ocidental provavelmente escreveriam resultados


muito diferentes para o conflito descrito aqui, uma vez que as ideias do que é um conflito
sã o muito diferentes para o Oriente e o Ocidente. Para o Oriente, a ideia seria eliminar o
sofrimento e assim alcançar a paz perfeita. O Yoga aspira alcançar essa paz interior
negando o conflito e superando-o. O cristianismo ocidental vê o conflito como essencial
para a salvaçã o. De fato, Cristo na cruz, sua imagem central, sintetiza o conflito e o
sofrimento como meio de salvaçã o. Paralelamente a esse ensinamento da teologia cristã ,
Jung sentiu que somente tomando consciência de nossos conflitos, enfrentando-os e
sofrendo com eles, pode-se encontrar a paz genuína. Essa paz, longe de ser o objetivo final,
é uma conquista temporá ria, uma etapa de uma longa jornada. E cada novo
reconhecimento experimentado ao longo do caminho se apresenta primeiro como um novo
conflito. Paradoxalmente, entã o, iniciar uma aná lise aprofundada significa estar imerso em
conflitos cada vez mais profundos, mas ao mesmo tempo experimentar níveis mais
profundos de consciência e paz.

Para nosso jovem Amante, emergir do casulo da inocência pode ser a primeira escolha
difícil na vida. O destino, ao mesmo tempo cruel e gentil, oferece-lhe a preciosa matéria-
prima para o que os alquimistas chamam corretamente de " Grande Obra ". Parece ó bvio
que ele deve fazer uma escolha e deve assumir a responsabilidade pelo que dela resultar,
pois, como é ó bvio, um fator divino atua por trá s dele e acima dele e influenciará sua
decisã o. Se nã o fosse por este arqueiro alado com seu dardo má gico, nosso heró i
permaneceria prisioneiro nos chifres de seu dilema até o fim dos tempos. Somente o fogo
da " emoção " lhe dará o impulso necessá rio para o seu " movimento ".
Quem é esse arqueiro alado? É talvez Cupido com seu arco e flechas? Quando comecei a
escrever este pará grafo, o Louco do Tarô , um parente pró ximo do ser celestial que estamos
estudando agora, pregou uma peça em mim: ele me fez cometer o que os freudianos
chamam de lapso junguiano. Ao reler o que estava escrito, descobri que ele havia escrito: «
É o Cupido com seu arco e seus erros » º . Como costuma acontecer, esses deslizes do
inconsciente costumam dizer a verdade, pois as flechas de Cupido costumam semear
confusã o, o que parece desastroso do ponto de vista da ló gica. Se nã o for controlada, a
emoçã o ardente que ela engendra pode destruir a vida, mas sem a intensidade apaixonada
do calor emocional nã o pode haver transformaçã o. O espírito dourado do homem
permaneceria preso no metal frio.

O Eros alado que vemos nesta carta é uma poderosa figura pré-olímpica e tem pouco a
ver com o querubim rendilhado mostrado no Dia dos Namorados, Dia dos Namorados. Eros
era um personagem mais ambivalente, semelhante ao Destino, símbolo do poder da atraçã o
fatal que une os opostos. Segundo Hesíodo: ele reuniu as forças primá rias que criaram o
Universo, « trazendo harmonia ao caos », tornando possível toda a vida. Ele é o espírito, a
personificaçã o do impulso vital.

Como se vê, Eros é uma figura masculina; James Hillman já apontou que vá rias figuras
de diferentes culturas confirmam isso:

«Kama, Eros, Cupido, Frey, Adonis, Tammuz, todos são masculinos; e encarnações do
amor iluminado: Krishna, Buda, Jesus, apesar de sua abstinência sexual, também são
masculinos. O princípio Eros é ativo e desejável...». 32

Como potência sexual, o deus Eros pode trazer guerras, problemas, rupturas com os
velhos modelos de lei e ordem, e tudo isso para abrir caminho para o advento de uma nova
vida. Mas o poder ígneo de Eros vai além da paixã o sexual. No sentido alquimista, é o « fogo
divino » que necessariamente deve ser mantido para a Grande Obra e para transcender o
ego , e para a autodescoberta . Uma profunda experiência de amor é muitas vezes o início
da busca pela individuação . A literatura nos oferece vá rios exemplos; O amor de Dante por
Beatrice é talvez o mais familiar para nó s. Em nossa vida privada, um assunto que envolve
nosso coraçã o geralmente marca um ponto decisivo para nosso desenvolvimento futuro. É
por isso que esse amor muitas vezes aparece como um fato inevitá vel do destino. Todos nó s
já experimentamos os dois efeitos produzidos pela flecha do amor: ela dá vida e mata ao
mesmo tempo. Perder-se no amor pode ser a morte, a morte de uma existência puramente
egocêntrica . Marca uma nova fase na evoluçã o rumo ao encontro de um centro
transcendente.
Quando falamos pela primeira vez sobre o Louco, falei sobre sua conexã o com a
energia primordial do fogo e seu há bito de dançar invisivelmente no meio do baralho,
dando novo ímpeto a cada carta.

Como vimos há pouco, ele entrou em meu mundo pessoal como um intruso, fazendo-
me cometer um deslize verbal . Ele costuma usar os mesmos truques em diferentes
personagens do Tarô . Como Puck , ele gosta de espionar e se intrometer nos negó cios dos
outros. Olhando para esta carta do Tarô , podemos imaginar que ela visa Eros nos
bastidores. Completamente fora do alcance da câ mera, ela dança, exclamando encantada
enquanto a flecha voa: “ Oh! Quão loucos podem ser esses mortais! ».

Essa conexã o entre o Louco e Eros nã o é acidental. Alma Paulsen escreve sobre isso
citando os arquétipos do Louco, Cupido e Malandro , como também aspectos do Mercúrio
alquímico :

"Seja qual for a forma que Mercúrio assuma, ele fere o isolamento egocêntrico de
nosso ego, levando-nos a um confronto com o mundo maior habitado por nossos
semelhantes, um mundo que exige nosso relacionamento." 33

Jung também escreve sobre isso:

«... Este pequeno deus multicolorido de forma alguma morreu com o declínio da era
clássica; pelo contrário, continuou a viver sob vestes estranhas através dos séculos,
até os dias atuais, e ocupou a mente do homem com suas artes enganosas e seus dons
de cura. 3. 4

Jung descreve ainda mais esse arquétipo mercurial e aponta seu papel ambíguo da
seguinte forma:

Eros é um personagem duvidoso e continuará sendo, não importa o que a lei diga
sobre ele no futuro. Por um lado, pertence à natureza animal primordial do homem, e
assim permanecerá enquanto o homem tiver um corpo animal. Por outro lado, está
relacionado com as formas mais elevadas do espírito, mas só se manifesta quando o
espírito e o instinto estão em perfeita harmonia. Se um desses dois estiver em
desacordo, resulta em uma lesão ou desequilíbrio que pode facilmente levar ao
patológico. O excesso de animalidade distorce o homem civilizado, assim como o
excesso de civilização adoece o animal." 35
Platão corretamente chamou Eros de " o desejo e a busca do todo ". Como acontece com
qualquer arquétipo, viver sua força instintiva externamente sem assimilar seu significado
pode resultar em desequilíbrio. Por exemplo, viver o arquétipo do amante apenas como
uma realidade externa pode ser um " ladyboy "; Nesse caso, o jovem amante busca a
totalidade e a plenitude exclusivamente por meio de uma série de relacionamentos
infindá veis, nenhum dos quais o aproximaria de sua anima , por meio da qual apenas
alcançaria o autoconhecimento e a estabilidade que busca.

Muitas das ideias expressas aqui estã o implícitas no nú mero seis, que é ú nico em
muitos aspectos. Pitágoras o chamou de « primeiro número perfeito », pois suas partes
alíquotas (um, dois e três), quando somadas, se dã o como resultado. O nú mero seis também
é um nú mero de consumaçã o. Na narrativa do Gênesis, o Senhor criou o mundo em seis
dias. Simbolicamente, o seis é desenhado como uma estrela de seis pontas. Esta estrela é
composta por dois triâ ngulos com seus vértices apontando um para o céu enquanto o outro
aponta para a terra. O primeiro triâ ngulo é conhecido como « O triângulo do fogo » e o
segundo como « O triângulo da água »; Dessa forma, o espírito masculino e a emoçã o
feminina se unem para criar uma nova forma brilhante, uma estrela que guiará o heró i em
sua jornada. O triâ ngulo superior aponta para Eros, o Destino , aquela figura quixotesca que
aparece no céu e sobre a qual nã o temos controle. O triâ ngulo inferior aponta para a terra,
o reino da escolha humana. Esses elementos se unem aqui para criar a estrela do destino
humano, uma força que inclui e transcende a ambos.

A estrela de seis pontas é o grande símbolo de Salomã o em que o macrocosmo e o


microcosmo se entrelaçam, simbolizando a má xima hermética: " Como em cima, assim
embaixo ." É também o signo de Vishnu. Também representa a ligaçã o mística entre Shiva e
Shakti . É também o escudo de Davi e o sinal egípcio da regeneraçã o. Todas essas ideias se
refletem no nú mero seis, que também é o único número considerado masculino e feminino .

Voltando finalmente ao Amante do Tarô , que aparece na carta diante de nó s, lá está


ele, pobre menino, na encruzilhada, pensando seriamente em sua decisã o. Do nosso ponto
de vista, podemos ver que um pequeno deus, lá de cima, está prestes a tomar a decisã o por
ele e pelas suas costas. Talvez Puck esteja certo: talvez este jovem seja irremediavelmente
insano, talvez seja uma ilusã o de que o livre-arbítrio existe. Nosso poder de escolha é
realmente muito pequeno. Em tempos de estresse emocional, o destino parece decidir por
nó s sem que possamos ajudá -lo.

Vendo como agem os deuses, como temos o privilégio de fazer diante desta imagem,
questiona-se se vale a pena o Amante se dar ao trabalho de encontrar uma soluçã o. Por
outro lado, podemos igualmente sentir, precisamente porque o seu poder de decisã o é tã o
limitado, que o homem é duplamente obrigado a usá -lo, o mais conscientemente possível e
em todas as encruzilhadas, para chegar ao fundo de si mesmo e encontrar o seu decisã o.

O ponto significativo é que o que quer que o amante decida e aonde quer que vá , deve
levar-se consigo. Importa menos, entã o, qual caminho você escolhe, do que qual parte de
você faz essa escolha. O momento retratado nesta carta é esperançoso e fatal. Esperamos,
entã o, que o jovem dê de si tudo o que tem, e que reze um pouco!

10. O CARRO:
NOS LEVA PARA CASA

Fig. 36 A Carruagem (Marseillaise Tarot)


O eu usa a psique individual como
meio de transporte. O homem é
conduzido, por assim dizer, através do
caminho da individuação.

selva

O Triunfo nú mero VII do Tarô (fig. 36) mostra um vigoroso jovem rei usando insígnias
reais e uma coroa de ouro, parado diante de nó s em sua carruagem. No Enamorado, o heró i
permanecia imó vel na encruzilhada; esse personagem real, porém, parece saber para onde
vai e já está a caminho. Elevado acima da humanidade pedestre e emoldurado por quatro
pilares, chama a nossa atençã o. O título desta carta é a Carruagem ; por implicaçã o,
devemos primeiro considerar seu veículo.

A palavra " carro " traz à mente muitas associaçõ es. Portanto, pode ser benéfico parar
por um momento para que você possa explorar alguns por si mesmo. Você pensa em Ben
Hur e na vitó ria, em Alexandre e na dominaçã o do mundo, ou imagina Apolo, o deus do sol,
cuja carruagem ainda hoje governa os céus? Você também deve se lembrar do infeliz
Phaethon, filho de Apolo, que tomou as rédeas do poder prematuramente e foi atingido
pelo raio de Zeus. Todas essas associaçõ es pertencem a esta carta, pois a carruagem é um
veículo de poder e conquista a partir do qual o heró i pode entrar na vida para explorar suas
pró prias potencialidades e examinar suas pró prias limitaçõ es.

Talvez sua primeira associaçã o com esta carta surja do inconsciente, através de uma
frase musical: " Balanço, doce carruagem vindo para me levar para casa... " leve-me para
casa... "). Isso também é muito apropriado aqui, pois, psicologicamente, o carro é projetado
para " nos levar para casa ". A jornada externa nã o é apenas um símbolo da jornada interior,
mas também o " veículo " para nossa autodescoberta. Aprendemos sobre nó s mesmos
através do envolvimento com os outros e enfrentando os desafios do nosso ambiente.

Cada viagem oferece inú meras oportunidades de novos conhecimentos e também nos
expõ e ao risco de desorientaçã o. Estar sozinho em um país estranho, sem o apoio da
família, vizinhos ou amigos, cria um certo momento de verdade, quando o heró i pode
descobrir quem ele realmente é, ou ser destruído por aquela experiência.

Esteja ou nã o ciente da conexã o entre a jornada interior e exterior, o jovem que sai em
busca de sua fortuna também está buscando um valor que eclipsa o mero ouro mundano.
As lendas sobre a conquista do mundo conhecido por Alexandre o conectam com o triunfo
do heró i sobre o misterioso mundo interior . Também a longa jornada de Odisseu de volta
para casa se tornou um paradigma para a jornada de autodescoberta , que finalmente nos
traz de volta, depois de muitas lutas e confrontos com monstros estranhos, deuses e
gigantes desconhecidos, ao centro onde realmente pertencemos.

Simbolicamente, a carruagem possui poderes celestiais, tornando-se um condutor


ideal na jornada para a individuação . Como a Carruagem do Sol , é o Grande Veículo do
Budismo esotérico. Na Cabala é a carruagem com a qual os crentes sobem em direçã o a
Deus e onde a alma humana se une à alma do mundo. Assim, pode atuar conectando o
homem com os deuses, como fizeram a carruagem mística de Elias e a carruagem de fogo de
Ezequiel . As rodas da carruagem do Tarot sã o colocadas de lado, de uma forma muito
peculiar. A carruagem de Ezequiel também tinha rodas muito especiais, que simbolizavam
seus poderes numinosos. Talvez o Tarô queira nos mostrar que esta carruagem também
possui qualidades má gicas. Em seu desenho geral, assemelha-se à s ilustraçõ es da
carruagem de Ezequiel. Ambos sã o, com efeito, tronos mó veis com quatro suportes para
baldaquino, desenho que ainda hoje se observa no palanquim que cobre o Papa durante as
procissõ es religiosas. Existe uma ligaçã o íntima entre as figuras centrais do Carro e do
Papa, e isso é evidente na distribuiçã o semelhante de ambas as cartas.

Na carta nú mero cinco, a figura central, localizada dentro de um quadrado formado


por dois padres e duas colunas, representa um quinto elemento, aquele que transcende os
quatro pontos cardeais da realidade ordiná ria. Na carta que agora estudamos, o rei,
enquadrado pelas quatro colunas, também representa um elemento por excelência.

Um personagem real de nascimento, com poderes e privilégios especiais, ele é


colocado acima da humanidade. Sua coroa dourada, como uma auréola, o conecta com a
iluminaçã o e a energia do sol. Aqui ele nã o é desenhado como uma figura gigantesca,
imó vel em um trono distante; aparece em escala humana. Ele age como um cocheiro, como
uma força orientadora, localizada centralmente dentro do veículo psíquico.
Psicologicamente, isso pode significar que aqueles elementos anteriormente projetados em
figuras externas (como um imperador ou um papa) foram captados e integrados como um
princípio orientador, um princípio que opera dentro da pró pria psique. Ao contrá rio das
figuras masculinas de autoridade encontradas até agora, este rei é um homem jovem,
indicando que traz consigo uma nova energia e novas ideias.

O trono em que o Papa se senta é fixo; a carruagem do rei admite maior movimento e
flexibilidade. Sua força motriz é fornecida por dois cavalos. Estes formam um par curioso,
um tã o violentamente vermelho e o outro tã o insistentemente azul. Sem dú vida, cada uma
dessas feras se imagina aquele " cavalo de outra cor " que tira todo traço de monotonia,
acrescentando sabor e cor à nossa vida. Esses cavalos podem simbolizar os pó los positivo e
negativo da energia animal, pois existem em toda a natureza, o aspecto físico vermelho e o
aspecto espiritual azul .

Na carta nú mero seis, duas mulheres antagô nicas confrontam a consciência humana,
mantendo-a paralisada, impedindo o progresso do ego até que seus elementos conflitantes
possam ser resolvidos. Aparentemente, o resultado foi um sucesso, pois aqui os fatores
opostos nos sã o mostrados como um par de cavalos puxando a carroça. Embora nã o seja
uma combinaçã o perfeita, eles estã o pelo menos seguindo em frente.

Quem está no comando dessas feras de fogo? Podemos esperar que o cocheiro segure
as rédeas, mas, para nosso espanto, esses cavalos nã o têm rédeas. Ao contrá rio, as feras
parecem emergir do mesmo veículo como se ele e eles fizessem parte de uma mesma
entidade: um corpo psicofísico do qual o rei é, ao mesmo tempo, recipiente e conteú do.
Comandar com sucesso este veículo (e fazê-lo sem rédeas) exigiria poderes gigantescos.
Talvez os quatro postes funcionem como uma bú ssola.

Esses postes e o dossel que eles sustentam formam um espaço relativamente seguro
que protege o rei e controla suas energias. Poderíamos pensá -los em termos das quatro
funçõ es junguianas que sã o as quatro colunas essenciais do ser psíquico. Dois deles sã o
vermelhos e dois sã o azuis, imitando assim as cores dos cavalos. Eles nos dizem que os
vá rios aspectos da psique começam a trabalhar juntos em direçã o a um objetivo comum.

Diante do problema refletido na carta anterior, o Amante criou agora uma estrutura
psíquica mó vel dentro da qual pode se mover em direçã o à vida. No centro está um jovem
rei, símbolo de um princípio ativo dominante. Se ele é um governante determinado, sem
dú vida espera que o dossel que o protege dos elementos o proteja igualmente dos golpes e
flechas daquele pequeno Eros atrevido cujas atividades observamos anteriormente. Este
jovem governante vai precisar de toda a proteçã o e estabilidade que conseguir, pois está
dirigindo um veículo inseguro. Como todos os veículos de duas rodas, exige um equilíbrio
perfeito de seu motorista. Em princípio, esse rei poderia atuar como um giroscó pio,
ajudando-o a manter os opostos em equilíbrio.

Se você gostaria de ter a experiência de dirigir um veículo guiado por esse tipo de
giroscó pio humano, pode fazê-lo facilmente agora mesmo. Feche os olhos e imagine que
está sentado confortavelmente na carruagem, de frente para o rei. Sinta o chocalhar e o
deslizamento suave do veículo, bem como a presença reconfortante do rei. Ouça o staccato
seco e rítmico dos cascos dos cavalos. Agora imagine que você está virando uma esquina.
Incline-se com o movimento. E agora, se te sentes relaxado e seguro, mantém os olhos
fechados e desfruta da paisagem interior. Para começar, você pode imaginar que você e seu
motorista estã o dirigindo por um prado verde. É primavera. O sol brilha. Você já ouviu isso?
Que foi? A cançã o de uma cotovia? Um menino que chama?

deixar! A partir de agora, é o seu passeio privado. Qual é a pró xima coisa que vai
acontecer? Talvez ele pare para investigar o que ouviu, talvez continue. Talvez o cená rio
mude assim como o clima e você conheça diferentes personagens e animais e tenha
aventuras interessantes; Ou talvez você decida que já teve o suficiente por um dia e peça ao
motorista para voltar para casa. Ele fará exatamente o que você pedir. Você pode pará -lo
quando quiser. Quando quiser fazer outra viagem, já sabe onde encontrar esse motorista.
Basta extrair a carta nú mero sete do Tarô , respirar fundo, fechar os olhos e ir embora.

Muito tem sido feito ultimamente para « fazer uma viagem ». Livros e revistas
explicaram vá rios métodos de fazer isso. Maconha, LSD e outros auxiliares mecâ nicos têm
sido sugeridos para atingir esse objetivo. Alguns sã o ilegais e perigosos, e outros sã o
prejudiciais à saú de mental ou física. Viajantes imaginativos consideram esses auxílios
mecâ nicos desnecessá rios. Eles descobriram que ter esse tipo de experiência é realmente
muito simples. Eles conhecem um segredo com o qual todos nascemos, mas que alguns de
nó s esquecemos. O segredo é este: Cada um de nó s tem à sua disposiçã o um " carro "
pronto para o seu uso pessoal. Está sempre lá , esperando que embarquemos em uma
viagem imaginativa ao espaço interior. A razã o pela qual é tã o fá cil imaginar que estamos
viajando neste veículo má gico é que estamos sempre fazendo isso. Para perceber isso, basta
fechar os olhos e sintonizar.

Cada vez que o fazemos, basta sentar ao lado do motorista e vivenciar sua essência: ele
está em sintonia com o destino. Ele nã o dirige nem é conduzido. Ele sobe o caminho
acidentado com graça fá cil. Sua coroa o conecta com a compreensã o dourada do sol. Como
ele dirige por direito divino, ele recebe orientaçã o divina de alguma forma misteriosa.
Quizá , como nos sugiere Papus 36 , las dos má scaras de sus hombros son los emblemas de
Urim y de Thummim , objetos que los altos sacerdotes de Israel utilizaban para descubrir la
voluntad de Jehová , o quizá sean símbolos de las luces conductoras del sol y de a lua.

A carruagem parece um símbolo apropriado para descrever o poder motriz da psique.


A psique nã o é um objeto, uma coisa: é um processo . O movimento é a sua essência. Assim
como a paisagem externa flui enquanto viajamos, para o olho interno as imagens se
sucedem como um filme. É com isso que sintonizamos quando fechamos os olhos para a
realidade externa e, montados neste carro, embarcamos em uma viagem para dentro. Essas
imagens, mal vislumbradas, à s vezes totalmente nã o reconhecidas, moldam nossas vidas e
açõ es. Eles contêm a pró pria semente da vida.

A nova vitalidade contida na Carruagem nos é mostrada nas novas plantas e brotos
que aparecem em primeiro plano. Assim como cada planta se move ou tende para a pró pria
expressã o da imagem ú nica contida em sua semente, a imagem do rei na carruagem a
impulsiona para cumprir seu destino ú nico.

A carruagem nú mero sete conecta você com o destino e a transformaçã o. Nos dados, a
soma dos lados opostos é sete. Na Criaçã o foram enumerados sete diferentes atos da
criaçã o, conforme nos conta o Gênesis, e no processo alquímico há sete etapas de
transformaçã o sob a influência de sete planetas e sete metais. Na filosofia oriental temos a
lei da harmonia divina e também os sete chacras. Nã o deve nos surpreender, entã o, que a
Carruagem marque uma nova era para nó s e sua energia nos conduza à segunda linha
horizontal, que tem sido chamada com grande propriedade de Reino do Equilíbrio.

Como veremos, cada terceira carta na sequência do Tarô também sinaliza algum tipo
de transiçã o. Eles foram chamados de " cartões de sementes ", pois contêm as sementes para
um novo crescimento. O Imperador é uma dessas cartas; Outros sã o La Rueda de la Fortuna
(com dez), La Muerte (com treze), La Torre (com dezesseis) e El Sol (com dezenove). Pelos
seus nomes podemos ver facilmente como cada um deles é capaz de iniciar um novo ciclo
de desenvolvimento.

O Imperador marca a transiçã o da infâ ncia para a juventude, da proteçã o da mã e e da


família íntima para a ocupaçã o de um lugar em um grupo social mais amplo, dominado por
poderosas figuras masculinas que simbolizam o princípio masculino. A Carruagem indica
outra iniciaçã o. Aqui o heró i é apresentado como um adulto que deseja encontrar seu lugar
individual em um contexto social mais amplo. Ao fazer isso, você descobrirá seus pró prios
potenciais e limitaçõ es. Como diz Jung:
"A nossa personalidade desenvolve-se ao longo da nossa vida, a partir de germes que
é difícil ou impossível descobrir e são apenas os nossos factos que irão revelar quem
somos." 37

Pela forma como o jovem Apaixonado resolve seu conflito, uma estrutura psíquica nos
será revelada: o carro que o levará adiante, rumo à vida. Jung cita um antigo texto de
alquimia que pode esclarecer a situaçã o retratada na Carruagem. Apó s o dilú vio, diz-se que
“ a Carruagem tem de ser conduzida para terra seca ”. 38 É como se o Amante, antes submerso
nos problemas da emoçã o, tivesse conduzido agora seu carro psicofísico rumo a uma
realidade mais só lida, onde pode atuar satisfatoriamente.

No centro desse veículo está um rei, um princípio orientador superior à consciência do


ego. Um rei reina pelo poder divino. Seus poderes sã o transcendentes e imanentes, divinos
e humanos. Por isso pode simbolizar uma funçã o mediadora entre Deus e os homens. Na
simbologia cristã , essa figura muitas vezes aparece como Cristo Rei, Deus feito homem, que
habita entre nó s, nossa parte mais nobre.

O rei aqui representado nã o tem este porte, ainda é jovem e inexperiente. Ele carrega
dentro de si a semente para um maior crescimento. Sua aparência nos diz que ele tem as
habilidades para realizá -lo por conta pró pria. O ego (desenhado acima como o Amante)
estava sendo manipulado do céu por uma figura arquetípica que ele nã o podia ver. Agora
um princípio orientador aparece, governando você de dentro da psique. Do fundo do peito
desse jovem ego agora surgem vislumbres de um poder além de sua consciência limitada. É
aqui que ele capta as primeiras intuiçõ es de sua psique humana, como um instrumento
através do qual se manifestará o mais profundo de si mesmo. Pela primeira vez ele
apreende a visã o de si mesmo, em seu papel de condutor do consciente, e pela primeira vez
relaciona sua sorte pessoal com o destino mais amplo.
Tendo em conta o grande papel desempenhado aqui pelo real condutor desta
carruagem, parece estranho que a carta que vemos se chame "O Carro" em vez de ostentar,
como até entã o (nas cartas anteriores), o nome da personagem principal . Já que o Tarô nos
leva diretamente a isso, vamos olhar novamente para o veículo do rei. Na sua testa aparece
uma barra horizontal que a atravessa a meio, como se formasse uma barreira rígida entre «
em cima » e « em baixo ». Ela separa o condutor (força motriz) de seus cavalos (a energia do
instinto que pode impulsioná -lo para frente). Abaixo desta barra podemos ver um escudo
com as iniciais " SM ", monograma pessoal do rei, do qual também está separado. Este
jovem, tã o empenhado em desempenhar seu papel como rei, colocou-se acima de sua
natureza animal e de sua identidade individual como ser humano mortal. Ele se apresenta
como superior aos seus instintos humanos.

Atrá s do carro podemos ver as duas rodas problemá ticas das quais falamos
anteriormente. Embora possam ser apropriados para carruagens de fogo que atravessam
os céus, dificilmente sã o equipamentos ú teis para viajar em terra firme. Dessas rodas e de
tudo que passa embaixo, o rei parece nã o notar. Sonhando com objetivos futuros, ele ignora
as pequenas plantas verdes imediatamente abaixo dele que estã o prestes a ser pisoteadas
pelos cascos de seus cavalos. Mesmo um rei (especialmente ele) nã o pode superar com
sucesso as realidades de seu reino.

Dissemos que esse personagem representa uma presença arquetípica que vai além do
ego. Se assim for, o que aconteceu com o ego Enamorado? Em princípio, ele poderia
aparecer como passageiro nesta carruagem, para ajudar o rei a dirigir, mantendo-o em
contato com as realidades da experiência humana. Mas nã o aparece em nenhum lugar neste
desenho. Como nã o vemos nenhuma figura humana, devemos concluir que o Amante se
coroou rei e agora representa sua consciência humana individual como o condutor real que
conduzirá seu destino.

Sua vitó ria sobre as duas mulheres na carta anterior deu, compreensivelmente, ao
Amante uma sensaçã o exagerada do poder de seu ego masculino. Sem perceber que ainda
carrega a ferida do dardo de Eros, ele agora imagina que é acima de tudo a natureza
instintiva. Antes, ele se apresentava a nó s profundamente ancorado nas realidades
terrenas; agora se apresenta totalmente acima deles. Antes, preso entre duas mulheres e
exposto a acontecimentos inesperados do céu. Imagine agora que você está viajando
sozinho e livre, imune a qualquer encontro com o irracional. Ele evidentemente sente que
pode galopar pelo país para qualquer meta que escolher. Se esse novo ego emplumado
imaginar que possui poderes e direitos sobre-humanos, terá surpresas desagradá veis,
como veremos no desenrolar de nossa histó ria.

A Carruagem representa um estado presunçoso do ego que os antigos chamavam de "


hubris ". Em termos psicoló gicos, representa uma situaçã o em que o ego, ou centro da
consciência individual, se identifica com uma figura arquetípica ( imagina que se tornou...)
e transcende os limites humanos.

Na maioria dos baralhos de Tarô , a Carruagem nos é apresentada como uma carta
totalmente positiva, sem nenhum traço do personagem central passando por presunçã o. A
ú nica exceçã o que conheço está representada na figura 37. Neste raro Tarô feito à mã o, o
motorista nos é mostrado como um bebê nu, ingênuo, indefeso e vulnerá vel. Ele está
sentado com dificuldade em cima de seu carro, acenando em sua mã o um par de bandeiras
onde se lê FAMA de um lado e VOLA do outro . Se a busca pela fama é seu fio condutor, esse
heró i precoce caminha de cabeça para o desastre, pois a " fama voa " (é efêmera).

A xilogravura em que está representado é tã o antiga quanto sá bia. Pertence a um


baralho italiano de ediçã o limitada, pintado à mã o e fabricado em Florença. O molde
original de onde foi tirada esta có pia foi, sem dú vida, usado de geraçã o em geraçã o. Esta
ilustraçã o nos dá uma ideia de como eram as cartas primitivas do Tarô que uma pessoa
simples poderia encontrar. A grosseria da sua execuçã o contrasta com outros Tarots que
hoje se conservam em museus, como o « Sforza Tarot », um excelente exemplar do século
XV (fig. 2). O elegante desenho, assim como a bela pintura e execuçã o das cartas dos Sforza
(e outras que sobreviveram como tesouros familiares) foram obra de artistas profissionais,
encomendados por famílias reais ou nobres por ocasiã o de festividades como casamentos
ou outros tipos de comemoraçõ es. Acredita-se que a razã o pela qual esses baralhos tenham
sobrevivido em tã o boas condiçõ es é que raramente (embora usados) foram usados como
cartas de baralho, guardados e admirados apenas como obras de arte.

Nos mitos gregos, os mortais que ultrapassavam os limites humanos eram abatidos
pelos deuses. Mesmo os deuses e seus parentes à s vezes eram objeto de " hubris ". Quando
Phaethon , filho de Apolo , roubou a carruagem de seu pai pelo prazer de um passeio no céu,
ele foi jogado nas á guas e se afogou. À s vezes, a intensidade ígnea da presunçã o pode ser
extinta apenas pela imersã o completa da consciência no vasto mar do inconsciente
(significado simbolicamente na morte ou em seu equivalente espiritual: a loucura ) .

O pró prio Apolo nã o era imune à arrogâ ncia , mas mostrou mais autoconsciência do
que seu filho. Reconhecendo suas limitaçõ es, ele buscou ajuda adicional dos poderes do
céu. Isso é lindamente representado em uma escultura de sarcó fago romano do século III.
Mostra Apolo segurando as rédeas de sua carruagem solar, auxiliado por seres alados que o
ajudam a guiar seus poderosos corcéis pelo céu.

Infelizmente, nosso jovem heró i ainda nã o adquiriu essa humildade. E parece ter
protegido ou fechado qualquer possibilidade de ajuda do céu, pois o toldo que o protege do
dardo de Eros o impedirá de receber qualquer ajuda do alto. Sua ú nica esperança parece
estar na sabedoria das duas má scaras em seus ombros. Talvez, como fizeram os bobos da
corte, os tribunais possam sussurrar conselhos sá bios para esse jovem teimoso antes que
seja tarde demais.

Do jeito que as coisas estã o indo, certamente leva à queda. Com esta ajuda e um pouco
de sorte, você pode evitar um acidente fatal. Provavelmente cairá na lama; se ele
sobreviver, os ego-amantes ressurgirã o restaurados à humanidade, nã o mais usando a
coroa de ouro em sua cabeça.

Apesar do aspecto negativo da situaçã o do nosso jovem heró i, o Carro marca um ponto
de partida muito importante no seu desenvolvimento. Embora possa se identificar com seu
" eu real ", ele ainda nã o tem plena consciência de sua existência. Ele começou a
experimentar esse jovem e vigoroso princípio orientador inteiramente dentro de si, um
poder ao qual se sente intimamente ligado. Nunca mais ele projetará toda a sabedoria e
autoridade em figuras sobre-humanas barbadas sentadas em tronos distantes. Você
começa a sentir que nã o precisa mais cruzar oceanos ou escalar picos em busca de
conselhos ou avisos.

Fig. 37 A Carruagem (antigo tarô florentino)

Nos mitos e contos de fadas, a figura principal geralmente representa um jovem rei ou
príncipe que atua como princípio orientador ou salvador do grupo coletivo. Seu trabalho
costuma ser derrubar um dragã o feroz que trouxe desolaçã o e fome ao país.
Simbolicamente, este príncipe-herói representa o impulso para uma consciência superior
que vencerá a inércia do inconsciente (o dragão ), restabelecendo o equilíbrio psíquico de
toda a comunidade. Como um personagem de extraordiná ria coragem, força e sabedoria,
esse jovem representa o drama da individuação para o grupo geralmente fraco e
inconsciente.

O arquétipo do heró i aparece muito diversificado em vá rios mitos, sempre


dependendo das diferentes culturas de seus hospedeiros. Na figura 38 podemos ver três
exemplos diferentes de heró is míticos famosos. Acima, à esquerda, Superman, que repete
educadamente seu milagre diariamente na televisã o e nas telas de cinema, para a
admiraçã o de jovens e adultos. Acima, à direita, vemos o heró i japonês matando a Aranha
Gigante, símbolo do princípio mã e-negativo, que tenta impedir sua caminhada rumo à
consciência, tentando enredá -lo em sua teia fatal. Na imagem abaixo podemos ver Sã o Jorge
matando o dragã o que zelosamente guarda o tesouro da consciência da humanidade (outra
imagem da Mã e Negativa).

Von Franz define tal heró i como uma " figura arquetípica que apresenta um modelo de
ego que age de acordo com o self ". 39 Mas a figura deste heró i nem sempre está em perfeito
equilíbrio. Como enfatiza von Franz, podemos observar nessas histó rias um movimento
constante do heró i como ego e como ele mesmo .

O heró i de nossa histó ria do Tarô nã o é uma figura mítica de salvador atuando em um
drama cultural. Nó s o vemos como um ser humano comum, pronto para embarcar em sua
jornada pessoal rumo à individuaçã o. No entanto, muito do que foi dito sobre o heró i dos
contos de fadas também pode ser aplicado ao personagem central de nossa histó ria. Para
que seu reino interior nã o se torne um deserto estéril, ele também deve lutar e derrotar o
dragã o da inércia, deve também competir além dos limites da massa humana inconsciente.

Fig. 38 Três Heróis


Sua jornada também exigirá coragem, força e sabedoria. Durante suas viagens, como
veremos, haverá um vaivém constante entre o ego e o self . Como o desenvolvimento
psicoló gico é um processo em constante movimento, haverá momentos (como o retratado
em O carro) em que esse jovem ego, presunçoso por algum sucesso, se identifica com seu
verdadeiro eu, perdendo contato com sua humanidade pessoal. Outras vezes, desconectado
de seu rei interior, nosso heró i se tornará novamente o indefeso e mortal Amante, em uma
encruzilhada consigo mesmo, preso em um conflito aparentemente insolú vel.

Tradicionalmente, o heró i das histó rias deve passar por uma série de testes; a
primeira delas, resistir à tentaçã o de se deixar seduzir pela involuçã o regressiva com o
feminino (representado como mã e, sedutora, besta, etc.). Nã o é de surpreender que nosso
heró i saia dessa batalha com sucesso e, portanto, com a vaidade de seu ego. Este foi o
primeiro de seus obstá culos. Você terá que enfrentar muitos desses testes antes que seu
ego humano possa estabelecer uma identidade firme e manter um relacionamento
duradouro com seu princípio orientador interior. No decorrer dessas batalhas ele vai se
modificando e o motorista real vai assumindo novas formas, de maiores dimensõ es.

Prosseguir em qualquer jornada requer coragem e equilíbrio. Comentando sobre o


significado alquímico do símbolo « Carruagem », Jung diz:

"Se tomarmos o carregamento da carroça como a realização consciente das quatro


funções... então surge a questão de como esses fatores divergentes que foram
previamente colocados de lado devem se comportar, e o que o ego deve fazer com
eles. " 40

Obviamente, este é apenas o começo, haverá muitas armadilhas ao longo do caminho.


Uma delas pode ser agir apenas externamente durante a viagem, evitando a oportunidade
de questionamento interno e a calma necessá ria para alcançá -lo. Antigamente, isso era
privilégio da alta sociedade e dos aposentados; hoje sã o basicamente os jovens que se
tornaram nô mades perpétuos. Eles vagam em vá rios tipos de caravanas, carruagens de sua
pró pria invençã o. Alguns desses " condutores " estã o empenhados em uma busca formal
séria de significado. Outros vagam sem rumo para escapar do vazio de suas vidas.

Parece ú til pararmos aqui para destacar que o fato de interpretar o Tarô apenas em
nível literal (ignorando seu significado simbó lico) é perder sua mensagem. Por exemplo, se
pensarmos em interpretar a situaçã o arquetípica do Amante literalmente, podemos pensar
que ele pode estar tentando se libertar da mã e, caindo interminavelmente de um romance
para outro, apenas para se encontrar em uma série de triâ ngulos emocionais sem ter
tempo, até para assimilar cada experiência. Como Don Juan, ele passaria a se estacionar na
imagem de si mesmo, como o amante perfeito, em vez de avançar na descoberta de sua
pró pria carruagem e de seu rei interior.

Outro desvio perigoso no caminho da individuação é o uso de drogas. Alguns viajantes,


impacientes em sua jornada para a iluminaçã o, acreditam que podem acelerar seu
desenvolvimento deprimindo sua consciência do ego usando elementos artificiais para
obter uma visã o mais ampla de seu inconsciente. Além dos perigos que essa " viagem "
induzida por drogas acarreta, o viajante erra o alvo. Como qualquer viagem a um país
estrangeiro, o ingrediente essencial nã o é o nú mero de visõ es, sons, personalidades e
outros estímulos aos quais a pessoa pode ser exposta, mas o grau em que ela mesma pode
se relacionar e absorver essas experiências.

No estado induzido por drogas, a consciência do ego fica submersa, muitas vezes
completamente confundida com os conteú dos do inconsciente, sem poder para lidar com o
monstro que possa aparecer e sem capacidade de interagir com outros aspectos desse
mundo desconhecido. Assim, se direcionarmos nossas viagens neste mundo desconhecido
de acordo com o ritmo natural apresentado por sonhos, fantasias, visõ es e outras
manifestaçõ es espontâ neas do inconsciente, nã o estaremos totalmente imersos neles e
nosso ego consciente poderá agir e assimilar os materiais que nos sã o oferecidos. Em suma,
poderíamos dizer que a diferença entre a viagem imaginá ria descrita acima e a " viagem "
induzida pelas drogas é a mesma entre uma viagem voluntá ria ou um sequestro. Embora
seja verdade que em nenhuma excursã o podemos planejar nossa rota com detalhes exatos
ou prever nosso destino específico, é muito mais difícil, com os olhos bem abertos e um
motorista experiente como guia, nos perdermos ou ter um final fatal.

Como Jung disse repetidamente, a psique é um sistema auto-regulador. Enquanto o


consciente e o inconsciente estiverem ativos, nossa carruagem pode sacudir violentamente,
mas é menos prová vel que tombe do que se apenas um dos dois estivesse agindo. Se
olharmos novamente para a carta nú mero 7 do Tarô , podemos ver como essa situaçã o foi
representada. Embora os cavalos avançando nã o pareçam estar puxando juntos, eles
podem, tentando equilibrar as tendências uns dos outros, manter o comboio na pista,
enquanto um ú nico cavalo cairia na vala.

Como esses cavalos inconstantes sugerem, e como o título da pró xima linha horizontal
reitera, o problema bá sico agora é o equilíbrio. Ao longo do caminho, nosso heró i se
deparará com novos paradoxos confusos e poderá testar sua capacidade de manter a
harmonia e o equilíbrio. Um enigma implícito nesta carta, e que manterá o seu intelecto (e o
nosso) em suspense enquanto avançamos juntos, é este: o pequeno ego nã o é o verdadeiro
condutor; quanto mais você perceber isso, mais fá cil será para você crescer e se tornar um
ser humano de estatura real. É como se, quando nosso heró i pudesse dizer
verdadeiramente "... não eu, mas meu Pai, que está nos céus ", entã o ele pudesse dizer
humildemente: " Eu e meu Pai somos um ".

Aqui, entã o, nosso heró i finalmente aparece. Nã o é sua culpa se sua jornada começa
como uma viagem do ego. De que outra forma ela poderia ter encontrado coragem para
voltar à vida?

Um velho ditado, certamente familiar ao leitor, diz assim: « Uma vida sem provas não
vale a pena ser vivida ». A isso um bufã o moderno acrescentou o seguinte corolá rio: " e a
vida não vivida não vale a pena examinar ". Ao desejar uma viagem segura ao nosso heró i,
esperamos que ele se arrisque e seja bem-sucedido, de modo que suas aventuras possam
ser examinadas em capítulos posteriores.

11. JUSTIÇA:
EXISTE?

Fig. 39 Justiça (Marseillaise Tarot)


O equilíbrio é a base da Grande Obra.

Máxima Alquímica
Completamos a linha superior dos Arcanos do Tarô , que incluía o Reino dos Deuses,
domínio dos arquétipos maiores. (Ver mapa da viagem, fig.3). Agora vamos estudar a fileira
do meio, este é o Reino do Equilíbrio , assim chamado porque está a meio caminho entre o
céu e a terra. Podemos pensar na linha superior como representando o espírito; o inferior
representa a Natureza e o do meio representa o homem, cuja funçã o é mediar entre os
deuses e as feras. De todas as criaturas terrestres, apenas o homem permanece firme, ereto,
ligando o céu e a terra ; É ele quem personifica e simboliza a uniã o entre o espírito e a carne
. Através do homem, as energias yin e yang sã o sintetizadas e expandidas.

Sempre foi dito que o Senhor criou o céu e a terra em seis dias e descansou no sétimo.
Como pudemos ver, o reino dos Deuses , aquele dos arquétipos primários que compunham a
linha superior, está completo. A sétima carta, a Carruagem, representa o heró i que embarca
na busca de sua auto-realização . Agora, pois, o Criador pode descansar, pois entramos aqui
no Reino do Equilíbrio , onde é o homem quem tem o papel mais ativo no processo de sua
evoluçã o criativa.

Na fila superior podemos ver algumas figuras má gicas ou sobre-humanas, todas


culminando no cocheiro, cujo veículo era guiado por poderes invisíveis que manejam
rédeas invisíveis. Agora chegou o momento em que o homem deve colocar as mã os nessas
rédeas para participar mais ativamente de seu pró prio desenvolvimento.

A primeira figura a quem devemos recorrer em busca de ajuda é a Justiça (fig. 39). O
Louco nos diz que nã o passa de uma ilusã o de ó tica porque (como qualquer louco sabe) a
justiça não existe .

Por estranho que pareça, trata-se de uma saudá vel aproximaçã o à figura aqui
entronizada, pois a sua balança nã o vai medir os nossos atos, premiá -los ou castigá -los olho
por olho. Os motivos do comportamento humano sã o tã o diversos e sutis que nã o podem
ser qualificados de forma tã o mecâ nica.

A espada dourada que ele exibe é dedicada a objetivos mais elevados do que corrigir
os ímpios e é uma arma muito importante para ser usada apenas para agradar os virtuosos.
Temos que começar a nos acostumar a viver em um mundo onde os trapaceiros parecem
prosperar, enquanto os inocentes acabam na vala. Jó nã o foi o primeiro nem o ú ltimo a
reclamar disso e devemos admitir que a situaçã o nã o é facilmente aceitá vel. Apesar de
séculos de mal-estar humano a que todos de alguma forma juntamos as nossas pró prias
lá grimas, acreditamos persistentemente que a justiça triunfará um dia. Quer o deleguemos
aos céus ou o tranquemos no Tribunal, ele está diante de nossos olhos, incorruptível e
todo-poderoso, pronto para nos poupar do problema do conflito moral ao decidir e definir
questõ es de inocência ou culpa.
« No Juízo Final a virtude será recompensada » diziam nossos ancestrais. Talvez, mas
ainda nã o chegamos a esse famoso julgamento final e até alguns dos que devem intervir
nele estã o em apuros. Talvez seja mais conveniente nos aconselharmos melhor sobre o
problema da inocência ou da culpa, pois na verdade todos somos inocentes e culpados.

Um dos significados da palavra “ inocente ” é equivalente a ignorante . Só a ignorâ ncia


imagina que é inocente.

Assim, cada um de nó s tem que carregar o duplo peso do fardo de sua ignorâ ncia
inocente e o profundo sentimento de culpa que inevitavelmente vem apó s cada nova
mordida que damos na maçã do conhecimento. As duas balanças da Justiça estã o vazias,
prontas para receber e aceitar nossa dualidade humana. Somente com a intençã o de
aceitarmos também nossa dupla natureza, podemos abordá -la e entendê-la.

O nú mero desta letra é oito e a representaçã o do nú mero ará bico repete as escalas
verticalmente. Os dois eixos, o celestial e o terrestre, estã o ambos envolvidos na obtençã o
do equilíbrio.

O simbolismo da Justiça alude constantemente à uniã o harmoniosa de forças opostas.


Sentada em um trono, esta grande figura feminina simboliza o poder feminino sobre-
humano. No entanto, ele segura uma espada e usa um capacete de guerreiro para indicar
que a coragem e o discernimento masculinos também estã o incluídos em sua tarefa.

Sua espada nã o é segurada em posiçã o de ataque ou defesa, mas sim na posiçã o


vertical, como um cetro ou qualquer outro símbolo de poder. Talvez a Justiça a segure
assim para nos lembrar da espada flamejante à s portas do Paraíso e nos avisar que nunca
poderemos voltar à inocência da infâ ncia. Temos que assumir total responsabilidade por
qualquer conhecimento do bem ou do mal que adquirimos. A arma é muito grande e feita
de ouro, o que acrescenta força ao seu valor duradouro.

« Não vim trazer a paz, mas a espada ». Nesta etapa da série do Tarô , o heró i deixou
para sempre a bendita fase da inconsciência, para assumir o desafio e a responsabilidade
que a espada representa. Ele tem que parar de repreender seus pais ou o Destino pelas
faltas cometidas contra ele, por mais reais que sejam, e carregar o peso de sua pró pria
culpa. Só o louco se interessa pela culpa dos outros, pois isso nã o pode mudar. Se o heró i
continua vendo seus pais como os malvados responsá veis por suas deficiências e
limitaçõ es, ele ainda está tã o ligado a eles como quando os considerava seus infalíveis
salvadores. Cortar o cordã o umbilical significa, psicologicamente, separar-se ou libertar-se
de todas as dependências da infâ ncia, tanto negativas como positivas. O significado ritual
da espada dourada da Justiça é o sacrifício. Como ato ritual, o heró i deve sacrificar os laços
que ainda o prendiam aos pais. Mentalmente, seus pais também usarã o a faca para se
libertar de sua dependência inconsciente dele. Só assim pode haver uma relaçã o
equilibrada e adulta entre as geraçõ es.

A espada também simboliza o sacrifício de ilusõ es e pretensõ es de vá rios tipos. Aqui o


jovem ego dá um passo definitivo para fora do Jardim do Paraíso. Ele nã o pode mais viver a
vida provisó ria de sonhos impossíveis. Ele deve usar a espada para separar a fantasia da
realidade, e a balança para pesar as mil possibilidades de perfeiçã o que sua imaginaçã o
programa, contra as realidades imperfeitas do espaço, do tempo e das energias humanas.

A espada representa o poder dourado do discernimento que nos permite romper


camadas de confusã o e imagens falsas para revelar uma verdade central. Falando nisso,
podemos lembrar do rei Salomã o quando teve que enfrentar duas mulheres que
reivindicavam para si o direito de serem mã es do mesmo filho. Ele sugeriu que a criança
fosse cortada ao meio, ideia na qual a verdadeira mã e foi imediatamente identificada por
sua reaçã o emocional. Sem usar sua espada, a visã o do rei Salomã o penetrou na matéria,
chegando ao fundo da questã o.

Justice segura sua espada com a ponta apontando para o céu. Só lido e imó vel, atua
como um fio de prumo, para manter a decisã o fiel ao espírito. Em sua mã o esquerda ele
segura a balança, cujos pratos sã o conectados por uma linha horizontal, enfatizando assim
o eixo terrestre. Ao contrá rio da espada, a balança é mó vel, sugerindo a relatividade de
toda experiência humana e a necessidade de pesar cada performance individual como um
fenô meno ú nico. As duas taças, símbolos da receptividade e dualidade femininas,
contrastam com a representaçã o descomprometida da espada masculina. As respectivas
linhas horizontais e verticais da balança e da espada juntas formam a cruz do progresso
espiritual contra a limitaçã o humana, assim como do idealismo contra a praticidade, a cruz
na qual todos nó s nos encontramos pregados. A justiça faz a mediaçã o entre essas duas
realidades.

Ele nã o olha nem para a balança nem para a espada; em vez disso, ela fica olhando
para a frente, quase como se estivesse em transe. Sua funçã o simplesmente requer mais
visã o interior do que visã o intelectual. À s vezes ele é vendado para que seu julgamento nã o
seja obscurecido por detalhes, nem sua imparcialidade comprometida por consideraçõ es
pessoais. Nã o tem nada a ver com a troca de olhos e dentes. Sua pesagem e mediçã o sã o
muito mais sutis. Por esta razã o, Aleister Crowley chama essa carta de Ajuste .
Nossos tribunais se empenham principalmente em ajustar ou regulamentar, eles
trabalham para equilibrar entre os indivíduos e o estado, entre um indivíduo e outro. A
soluçã o correta para um problema jurídico nã o é determinada pelo significado de uma
regra escorregadia, o autor que ganha uma açã o jamais poderá recuperar tudo o que
perdeu, seja saú de, bens materiais, tempo precioso ou a honra de seu nome. O tribunal só
pode conceder-lhe uma indemnizaçã o. A natureza também oferece compensaçã o, embora
aqui, novamente, o que foi perdido nunca será exatamente recuperado. Por exemplo:
quando um sentido é mutilado, outro sentido fica mais aguçado. O que quer que seja ganho
nunca é igual ao que foi perdido, nem pode ser dito que seja exatamente o seu oposto; que
compensa um pouco a capacidade perdida.

A psique, como o corpo, faz parte da natureza; nã o surpreende, portanto, que aja de
acordo com as mesmas leis de compensaçã o. O inconsciente sempre age de forma a
compensar as deficiências do consciente. Um sonho nã o traz imagens diametralmente
opostas à realidade do consciente. Em vez disso, as figuras oníricas muitas vezes mudam a
posiçã o do ego. Eles nã o sã o, entã o, inimigos da consciência; eles devem ser vistos mais
como adversá rios em um jogo amistoso ou como colaboradores comprometidos no
trabalho em equipe. Jung diz que nossos sonhos sã o complementares ao estado atual do
ego e que a palavra complemento significa "completar". Ser completo, acrescenta, nã o é ser
perfeito. A psique é um sistema auto-regulador cujo objetivo nã o é a perfeiçã o, mas o
equilíbrio e a totalidade.

Jung descreve em Psychology and Alchemy como a alquimia surgiu para compensar o
ponto de vista cristã o ortodoxo. Da mesma forma, as figuras do Tarô que estamos vendo
poderiam ser vistas como a reaçã o compensató ria ao intelectualismo estéril da Igreja. De
fato, seu ressurgimento hoje atua como um feliz contrapeso à nossa psicologia
computadorizada. Seus mistérios silenciosos nos ajudam a suportar o pesado fardo dos
fatos estatísticos atuais. Sua mensagem pictó rica nos ajuda a recuperar o equilíbrio.

Nossos sonhos também nos sã o apresentados com imagens, imagens em movimento;


seus personagens interpretam aspectos de nó s mesmos que nossa mente consciente
desconhece. Como as duas balanças da Justiça, o consciente e o inconsciente estã o em
permanente diá logo . Eles estã o em constante balanço, em constante dança de
compensaçã o.

A contemplaçã o da Justiça do Tarô sugere inú meras maneiras pelas quais os opostos
trabalham juntos. Por exemplo: os dois pratos da balança sã o, na verdade, partes de um
todo. A barra que os conecta os mantém juntos para que possam funcionar. Também os
mantém separados para que possam trabalhar.
A forma como os dois pratos se opõ em ilustra o significado original da palavra "
opostos ", que se refere apenas à colocaçã o no espaço. Originalmente, esta palavra nã o tinha
implicaçõ es de hostilidade ou conflito; suposta relaçã o. « A parede norte da sala se opõe à
parede sul ». Assim, vemos como as " duas paredes opostas " da sala servem juntas para
sustentar o teto. Da mesma forma, os dois pratos da balança existem em oposiçã o amigá vel
um ao outro.

« No princípio », tanto historicamente como no nosso desenvolvimento pessoal, os


opostos nã o se diferenciavam. Tudo era fluido e confuso. Até a consciência estava imersa
nas á guas do inconsciente. Foi uma questã o de séculos e séculos para Excalibur emergir das
á guas e encontrar seu lugar nas mã os da Justiça. Alan Watts lembra que, originalmente, a
identidade dos opostos era a mesma e ele exemplifica isso com vá rias palavras que ainda
sã o comuns em vá rias línguas. Ele cita a palavra latina altus , que significa tanto " alto "
quanto " baixo "; a palavra alemã Boden , que significa tanto " sótão " quanto " porão ", e o
verbo inglês to clive , que significa " unir " e " separar ". Já vimos como a espada da Justiça
pode ser usada como princípio ao qual nos agarrar para “ manter ”, e também como
instrumento para “ dividir ”.

Nos momentos de tensã o, quando perdemos o contato com a espada, voltamos aos
princípios do nosso inconsciente, onde os opostos estã o tã o pró ximos que sã o quase
idênticos. Lá , possuídos pela Deusa da Lua, senhora da á gua, nossas marés fluem no mesmo
ritmo. Rimos e choramos ao mesmo tempo, ou mandamos nosso amor pela porta,
imediatamente nos afogando em lá grimas de arrependimento. Se as pressõ es forem
intensas, as avaliaçõ es morais podem se encontrar submersas na emoçã o. Entã o, em um
ataque de raiva podemos desembainhar a espada para mutilar e destruir nossos amigos,
psicologicamente falando, ou podemos brandi-la literalmente cometendo crimes sem
sentido ou atos passionais.

Quando sentimos a tensã o produzida pela emoçã o crescendo dentro de nó s, meditar


na balança dourada da Justiça pode nos ajudar a recuperar o equilíbrio. Este é um belo
exemplo de como os opostos podem trabalhar juntos de forma criativa. A barra de ouro que
os sustenta os separa, de modo que forças como o bem e o mal, o amor e o ó dio sã o
separados; e também os mantém juntos, para que nenhum deles possa se separar e se
tornar autô nomo. Como Shakti e Shiva , eles estã o sempre envolvidos em uma espécie de
dança. Um movimento contínuo será a sua essência. Permanecer imó vel seria estagnaçã o.
Contrastando com a pesada figura da Justiça, as balanças sã o desenhadas com graça e
delicadeza. Gosto de imaginar a Justiça levantando-se e segurando-a (como a vimos
representada algumas vezes). Ao fazê-lo, os pratos 41 da balança movem-se graciosa e
constantemente.
Um Tarô Suíço representa a pró pria Justiça em movimento. Ela está vestida como se
fosse para um duelo, a espada prestes a iniciar esse esporte, que é o drama ritual das forças
opostas. A carta suíça mostra que o tipo de mediçã o feita pela balança da Justiça nã o é
necessariamente algo que se faz post mortem e sozinho. Com um pouco de prá tica,
podemos tê-lo à mã o em momentos de tensã o, para aparar e/ou empurrar se necessá rio,
em nossos confrontos diá rios à medida que surgem.

Qualquer separaçã o do ventre materno do inconsciente traz consigo um sentimento de


culpa, pois aparece como uma lesã o ao todo. A consciência é uma atividade do eu e, como
tal, é essencialmente um assunto privado e individual. Quer a projetemos para fora, para
leis ou crenças externas, quer decidamos sobre problemas morais individuais, o ponto em
que nos sentimos culpados é em relaçã o ao nosso eu interior. Tenho amigos que por
vontade pró pria nã o podem comer carne nem ovos; Outros que nã o têm nenhuma dieta
alimentar se sentem culpados se nã o meditam diariamente. Alguns jovens bem conhecidos
se recusaram a lutar no Vietnã , cada um por razõ es diferentes e de maneiras diferentes.
Alguns cooperaram no esforço de guerra, mas se recusaram a portar armas. Outros foram
presos por se recusarem a cooperar de alguma forma. Cada um desses jovens tomou uma
decisã o diferente e cada decisã o foi apropriada e, nesse sentido, correta para ele.

Jung diz assim:

«Nunca se deve esquecer (e isso deve ser lembrado da escola freudiana) que a moral
não foi trazida do Sinai em tábuas de pedra e imposta ao povo, mas é uma função da
alma humana tão antiga quanto a própria humanidade. é o regulador instintivo da
ação, que também rege a vida coletiva do rebanho. 42

Mas, inevitavelmente, há sempre um desfasamento cultural entre a expressã o da


consciência individual e a sua codificaçã o em direito pú blico. É funçã o da justiça, entã o,
equilibrar medindo e pesando confrontos individuais e leis escritas. Surpreendentemente,
nossos tribunais sã o capazes de realizar esse difícil trabalho com mais frequência do que
podemos imaginar. Talvez porque a Justiça, tal como aparece na nossa tradiçã o e no Tarot,
seja uma mulher, e estas questõ es da consciência recaiam nos domínios tradicionais das
mulheres, que sã o os do sentimento.

James Hillman explora em detalhes a estreita relaçã o entre justiça e sentimento em


seu livro « Lectures on Jung's Typology ». Ele chama a Carta dos Direitos Humanos de " um
documento onde a função do sentimento é expressa ao máximo ". Hillman diz o seguinte:
«Às vezes esquecemos que a aplicação da lei pelos juízes é uma operação de
sentimento e que as leis foram inventadas, não só para proteger a propriedade
privada ou assegurar os padres e a classe dominante no seu poder, mas também
foram pensadas para avaliar dificuldades problemas e fazer justiça nos assuntos
humanos. Julgar é uma questão de sentimento. Assim como uma balança foi colocada
nas têmporas de Saturno, dizemos na astrologia que Saturno está bem colocado
quando está em Libra. Uma decisão salomônica não é um golpe certeiro no nó górdio
de complexidades, mas sim um julgamento feito com sentimento." 43

No baralho de Marselha, a Justiça nos parece séria e intransigente, mas nem sempre
assim se apresentou. A seguir mostro mais dois retratos, onde se revela seu aspecto
feminino e mais gentil. Na primeira, podemos ver Maat, a deusa egípcia da Justiça, Verdade
e Lei (fig. 40); seu símbolo, a pena, a conecta com o reino do Ar e o espírito dos pá ssaros. O
trabalho de Maat era pesar as almas dos mortos para determinar seu destino no submundo.
Para isso, ele colocou sua pena em um prato da balança e a alma do morto em outro prato.
Aqueles cujos coraçõ es foram enterrados pesando mais sua culpa do que a pena, foram
marcados como defeituosos. A realizaçã o desse trabalho exigia um poder de discernimento
tã o agudo e sutil quanto o balanço de címbalos. O segundo retrato que podemos observar
(fig. 41) é de um Tarot do século XV, um dos mais antigos que existem. Mostra Justice como
uma jovem mulher em um vestido cheio de flores. Sua aparência é extremamente feminina,
quase venusiana. Esta representaçã o do Tarô conecta claramente a Justiça e seu equilíbrio
com Libra, que também é regida por Vênus.

De fato, Justice está relacionado a Libra por meio de sua predecessora Astrea . Esta foi
a ú ltima filha de Zeus e Themis , ela desceu à Terra durante a idade de ouro e teve uma
influência benéfica na humanidade. As constantes brigas entre os homens e sua impiedade
o fizeram retornar ao céu, pois a falta de harmonia era contrá ria à sua natureza. Ele
recebeu um lugar fixo no céu como um virginiano . A constelaçã o de Virgem foi
posteriormente dividida para formar os signos astrológicos de Virgem e Libra.

Em essência, Justice nã o se preocupa com exatidã o matemá tica, mas sim, como Astrea ,
com harmonia, beleza funcional e um tipo de verdade que transcende a mera medida. « A
beleza é a verdade; a verdade, beleza .» Essa realidade que Keats tornou famosa em sua
equaçã o poética, inspirada nos mármores de Elgin , é mais uma vez imortalizada nas
colunas do Partenon , que pareciam cilíndricas, mas sã o cô ncavas em seu capitel. Se suas
proporçõ es tivessem sido medidas pelas regras da ló gica em vez da escala da harmonia,
elas teriam parecido terrivelmente pesadas na extremidade superior. Suas dimensõ es
foram criadas de acordo com as limitaçõ es e perspectiva do olho humano. Apesar de sua
verdade imperfeita, eles alcançaram beleza imortal.
É esse tipo de justiça poética que aparentemente é usada, tanto no céu quanto na terra.
Nã o tenta moralizar ou punir crimes. Dedica-se antes à restauraçã o das leis universais de
harmonia e equilíbrio criativo. A filosofia grega e também sua poesia nos lembram disso.
Segundo Heráclito , « O sol não ultrapassará os seus limites; se o fizesse, os Erinnyes,
colaboradores da Justiça, o repreenderiam ».

Aqui está o relato de Ovídio sobre a queda de Phaethon:

Phaethon, filho de Apolo, implorou para poder dirigir a carruagem solar de seu pai
pelos céus por apenas um dia. Apolo tentou dissuadi-lo de uma façanha tão perigosa,
mas o jovem insistiu e as rédeas foram entregues a ele.

“Assim que a corrida começou, os cavalos perceberam que estavam sendo conduzidos
por mãos inexperientes. Eles partiram em uma corrida tão rápida que, abandonando
o caminho habitual, subiram tão alto que a fumaça subiu do céu, depois desceram
tão perto da terra que os picos nevados derreteram, as florestas queimaram, os rios
secaram e o mar encolheu. .

“Finalmente, para salvar o universo da destruição, o rei dos deuses foi forçado a
enviar um raio para a carruagem desgovernada que atingiu Phaethon, que caiu em
chamas na terra. Apolo, entristecido pelo desgosto, escondeu o rosto e por um dia a
Terra ficou sem sol. 44

Fig. 40 Maat, a deusa egípcia


De acordo com Ovídio, Phaethon foi derrubado, nã o por um espírito de vingança, mas
como um ato de misericó rdia, para restaurar o equilíbrio na natureza; « para salvar o
universo da destruição ». Em princípio, nossa justiça age com este espírito: preservar a
unidade do todo, ao invés de punir o indivíduo.

Certamente, a Justiça que podemos admirar em nosso Tarô parece imutá vel diante do
ó dio ou da vingança. Ela nã o é uma deusa que devemos adorar, ela é uma mediadora que
devemos usar. Como tal, prepara a balança da sua balança, para equilibrar a equaçã o
humana, pois é da natureza humana, como da sua, criar harmonia entre as forças opostas.
Para avançar espiritualmente, é preciso estar constantemente alerta aos poderes dessas
forças ocultas. Esquecê-lo pode significar virar um pires para o autoritarismo ou a
escravidã o. Se ele fizesse isso, o homem perderia sua humanidade.

Fig. 41 Justiça (Tarô do século XV)

Identificar-se com uma força arquetípica é um dos primeiros perigos. Imaginar que
somos a bela e benevolente Astrea é nos vangloriar de assumir uma posiçã o celestial acima
de nossos pares. Como nas outras cartas do Tarô , o outro perigo sutil é projetar o
significado arquetípico da carta para fora, ignorando seu significado interno... usando-os
para examinar e corrigir nossa pró pria discó rdia interna. Sem dú vida, todos nos
lembramos de pessoas que se consideram « a mão da Justiça », essas almas ignorantes que
estã o constantemente envolvidas em batalhas legais ou cruzadas desesperadas, impondo-
se aos outros ou encontrando-se dependentes deles.

Como vimos acima, os tribunais sã o ferramentas ú teis para alcançar um certo tipo de
compensaçã o e equilíbrio social. À s vezes parece que o que procuramos nos julgamentos
nã o é o que estamos julgando. À s vezes, talvez erroneamente, buscamos em um julgamento
humano a resposta que só pode nos ser dada em um julgamento divino.

Todos nó s precisamos entrar em contato com um princípio de harmonia e equilíbrio


universal, para ter certeza de que, por trá s de todas as aparentes injustiças da vida, existe
um Tribunal Celestial ao qual podemos apelar e um Juiz Supremo perante o qual podemos
apresentar nosso caso. Em seu livro The Answer to Job , Jung insiste na lealdade de Job a um
Um e na insistência com que ele clama por um confronto com sua encarnaçã o, Jeová . Uma
das maiores revelaçõ es de Jung sobre esse assunto é o fato de que cada um dos
protagonistas da histó ria precisa do outro. Deus precisa do homem; o homem precisa de
Deus. Essa ideia também é lindamente expressa por Gerard Manley Hopkins em um poema
intitulado " Tu és verdadeiramente justo, Senhor ", e é baseado no décimo segundo capítulo
de Jeremias. É um dos mais belos poemas da língua inglesa, e é assim:

«Senhor, você é verdadeiramente justo se eu processá-lo; mas, Senhor, portanto, o


que eu alego é justo”. Quatro cinco

Embora a escritura original tenha sido traduzida de mil maneiras diferentes, Hopkins,
ao escolher a palavra “ se ”, nos oferece a visã o de que o Todo-Poderoso pode cumprir
nossa imagem de Justiça Suprema, somente “ se ” dialogarmos com Ele . Hopkins quer dizer,
de fato, que a justiça é criada apenas por meio desse tipo de diá logo entre Deus e o homem.

Talvez, no nível mais profundo da experiência humana, Deus e o homem sejam os dois
pratos da balança que, atuando juntos, criam o Balanço Único , a harmonia eterna cuja
beleza e verdade sã o as ú nicas duradouras.

12. O EREMITA:
TEM ALGUÉM AÍ?
Fig. 42 O Eremita (Marseillaise Tarot)
Quem olha para fora, sonha;
quem olha para dentro, acorda.

selva

Na terminologia junguiana, o Eremita (fig. 42) representa o arquétipo do Velho Sábio .


Como Lao Tzu , cujo nome significa " velho ", o frade aqui retratado incorpora uma
sabedoria que nã o se encontra nos livros. Seu presente é elementar e eterno, como o fogo
em sua lâ mpada. Ele é um homem de poucas palavras, vive no silêncio da solidã o, o silêncio
antes da criaçã o, só a partir do qual um novo mundo pode tomar forma. Ele nã o nos traz
sermõ es, ele se oferece. Pela sua simples presença ilumina a temerosa busca da alma
humana e aquece os coraçõ es vazios de esperança e sentido.

De acordo com Jung, esta figura personifica " o arquétipo do espírito... o significado
oculto pré-existente no caos da vida ". 46 Difere do Papa porque este monge nã o é
entronizado como porta-voz e á rbitro das leis gerais; difere da Justiça por nã o ter balança
para pesar nossos imponderá veis. Esta figura parece ser muito humana, caminhando no
chã o e iluminando seus passos apenas com a luz de sua pequena lâ mpada.

Como o Louco, ele é um andarilho; o capuz do monge, protó tipo do toucado do Louco,
os une como irmã os em espírito. Mas a marcha deste viajante é mais contida que a daquele
jovem louco. Ele nã o olha por cima do ombro. Aparentemente, ele nã o precisa mais
considerar o que deixou para trá s, ele assimilou a experiência do passado. Ele também nã o
precisa examinar horizontes distantes em busca de poderes futuros. Ele parece contente
com o presente imediato. Seus olhos estã o bem abertos para absorver, seja o que for. Você
vai compreendê-lo e lidar com isso de acordo com sua pró pria iluminaçã o.
Sua lâ mpada parece um símbolo adequado para a introspecçã o do místico. Enquanto o
Papa enfatiza a experiência religiosa nas condiçõ es prescritas pela Igreja, o Eremita nos
oferece a possibilidade de uma iluminaçã o individual como força humana universal , uma
experiência nã o limitada aos santos canonizados, mas realizá vel, em algum grau, para toda
a humanidade.

A chama que o Eremita segura pode representar a quintessência do espírito imanente


em toda a vida, o pró prio centro de significado que é o quinto elemento fugaz que
transcende os quatro da realidade mundana. Oferece-nos esta luz interior, cuja chama
dourada, por si só , dissipa o caos espiritual e as trevas.

Esta chama está parcialmente escondida por uma cortina para protegê-la dos
elementos, e talvez também para que seu brilho nã o cegue o Eremita ou ofusque aqueles
que ele encontra pelo caminho. Ele sabe que seu fogo deve ser cuidadosamente controlado
para ser ú til. Controlado, pode aquecê-lo e protegê-lo dos animais; Descontrolado, o fogo,
por si só , pode se tornar uma fera voraz que devora o Eremita e destró i seu mundo.

Uma das sombras da lâ mpada do Eremita é vermelho-sangue , de modo que a luz vista
através dela está em contato com a cor da carne e do sangue da humanidade, tingida com as
paixõ es e compaixõ es que destilam da experiência de uma vida. As outras cores desta carta
nos falam sobre uma abordagem que é mais natural do que filosó fica e abstrata. O manto do
monge é azul celeste , a cor do Espírito Celestial , tal como se expressa na natureza. O forro é
amarelo , sugerindo a ligaçã o com o « ouro dos filósofos », aquela pepita de significado,
enterrada nas profundezas da terra e da natureza humana; esta preciosa substâ ncia que
era o objetivo dos alquimistas descobrir e liberar. Como a chama do Eremita nos
testemunha, ele mesmo alcançou esse objetivo.

Embora palavras diferentes sejam usadas para expressar o desejo, há muitos hoje que
buscam esse tesouro, tanto literal quanto simbolicamente falando. Em um nível literal, o
esgotamento de energia e a superpopulaçã o levaram os cientistas a descobrir novas
maneiras de liberar as forças gigantescas presas na estrutura atô mica. Ao mesmo tempo,
um empobrecimento do espírito humano e a conseqü ente diminuiçã o da energia psíquica
forçaram um nú mero crescente de seres humanos em todos os campos a olhar para dentro
de si mesmos para encontrar o que Jung chamou de "o eu desconhecido " . sua reserva de
energia primordial, bem como sua sabedoria ancestral. É um tempo de busca universal em
diferentes níveis.
Nos mitos e contos de fadas, quando o heró i que sai em busca do tesouro se perde ou
vence uma prova, costuma aparecer o Anciã o, dando-lhe nova luz e esperança. Da mesma
forma, essa figura pode se materializar em nossos sonhos. Isso é especialmente verdadeiro
quando nosso dilema pessoal ecoa um teste semelhante em nossa cultura, pois o Eremita
encontrou dentro de si o que uma sociedade perdeu ou ignorou. Nã o é por acaso, entã o, que
na meia-noite cultural de nosso tempo ela apareceu repentinamente, como uma estrela,
para compartilharmos sua luz antiga sobre nossos problemas contemporâ neos.

Embora seu reaparecimento possa parecer abrupto para nó s, é muito esperado. Desde
o início deste século, os poetas viram a escuridã o avançar. Mais de cinquenta anos atrá s,
William Butler Yeats nos alertou:

Redondo e redondo no amplo cinza


o falcão não pode ouvir o falcoeiro;
as coisas desabam, o centro não suporta mais;
pura anarquia está solta neste mundo,
a maldita maré de derramamentos de sangue e em todos os lugares
o melhor carece de convicção, enquanto
o pior é cheio de intensidade apaixonada. 47

Que melhor descriçã o de nosso dilema atual? O infeliz " tema Watergate " da nossa
histó ria recente nã o foi mais do que uma pequena escaramuça num mar de confusã o e
corrupçã o em que o espírito do homem foi imerso por toda a parte. A cerimô nia da
inocência foi afogada e a ilegalidade está solta na terra. Como Yeats viu anteriormente, o
desastre nã o é apenas sobre poder; este era um assunto superficial. É o " centro " que nã o
pode mais segurar. Há algo morto e errado no cerne da vida. Estamos vazios de significado.

De acordo com Jung, a necessidade premente de encontrar significado é o motor


primá rio que dá origem a todos os aspectos da psique, incluindo a pró pria consciência do
ego . Em contradiçã o com Freud, que defendia que a necessidade de consciência da
personalidade deriva da libido sexual, Jung acreditava que o impulso que nos leva à busca
de significado existe desde o nascimento como um instinto na psique humana. Ele sentiu
que o homem é por natureza um animal religioso. Se aceitarmos essa premissa, fica cada
vez mais claro que a atual desvitalizaçã o dos símbolos religiosos convencionais,
acompanhada pelo colapso da estrutura familiar, deixou a todos nó s um vazio insaciá vel no
â mago de nosso ser. Obrigado também por nã o estarmos orando a falsos deuses e que
nossa “ intensidade passional ”, sem uso, esteja a serviço do diabo. Visto deste ponto,
Watergate e até mesmo o fascismo sã o alarmantemente compreensíveis.
Há uma necessidade urgente no homem de se apaixonar por algo - de encontrar
significado e propósito como parte de um grande desígnio que transcende a preocupação do
ego puro - de dedicar as energias de sua vida ao serviço de uma autoridade superior. Como
sabemos, começamos nossa jornada rumo à consciência projetando essa autoridade em
figuras externas que povoam ao nosso redor (pai, presidente, rei, imperador, papa, padre,
juiz, guru, etc.). Em nossa série de Tarô , até agora acompanhamos o heró i enquanto ele
experimentava algumas dessas figuras arquetípicas. Agora, ele enfrenta o Eremita. Se você
permanecer aberto à mensagem do frade, seguirá seu exemplo e começará a descobrir e
sentir sua pró pria centelha interior, assim como fez o Eremita. Se o heró i estiver disposto a
observar e ouvir, o Velho Sábio pode ajudá -lo a encontrar sua pró pria lâ mpada, mas se o
heró i ainda nã o estiver maduro para a mensagem do Eremita, ele pode interpretá -la mal,
de vá rias maneiras diferentes.

Como vimos em relaçã o a outras figuras do Tarô , uma das maneiras de interpretar mal
o significado desses personagens arquetípicos é pensar em tal figura literalmente e nã o
simbolicamente. No caso do Eremita, por exemplo, o heró i poderia deixar a barba crescer,
vestir-se com um pano de saco e sandá lias e partir para terras distantes em busca de um
guru em quem projetar sabedoria e iluminaçã o perfeitas. Você também pode encontrar um
guru já pronto e disponível, talvez já equipado com um grupo de seguidores atraídos pela
mesma coisa e cujas fileiras você aumentaria.

Caso nã o consiga encontrar alguém para projetar o Velho Sábio , nosso heró i pode
encenar seu eu jovem e inexperiente . Se assim for, o buscador pode iniciar um culto e atrair
seus pró prios seguidores, ou, esmagado pelo peso do papel arquetípico para o qual nã o
está preparado, pode retirar-se completamente da vida. Podemos encontrá -lo entã o,
sentado na praça pú blica, com os olhos vazios como uma está tua; " petrificado ", removido
da humanidade e da responsabilidade humana normal.

Identificar-se com um arquétipo em qualquer idade pode ter consequências fatais.


Pode-se ser vaidoso, inflado, fora da escala das dimensõ es humanas ou ser esmagado pelo
peso do impossível; a pessoa pode ser reduzida a um estado depressivo, como um vegetal.
Em ambos os casos, a personalidade humana é mal representada. O fato certo é que um
personagem arquetípico é sobre-humano. Nunca se pode tornar uma figura arquetípica.
Qualquer tentativa nesse sentido é inú til e tem elementos de tragédia. Mas quando um
jovem substitui o capuz do feliz Louco pelo do Eremita, o resultado é duplamente doloroso,
pois parece que ele nã o apenas aspirou ao impossível, mas também abandonou as
potencialidades douradas da juventude ao longo do caminho. . É como se seu calendá rio
interno tivesse sido embaralhado.

Claro, é nosso calendá rio e cultura externos que sã o distorcidos e nosso tempo fora
dos limites. Na turbulência atual, em nossa busca pelo Velho Sábio que pudesse nos ajudar,
todos nos tornamos Hamlets: à s vezes brandimos nossas espadas contra a
irresponsabilidade, no minuto seguinte nos enterramos em soliló quios conflitantes. Cada
um de nó s é vagamente tentado a acreditar que "nasceu para consertar " (Oh, maldito
despeito!).

Seres humanos de todas as idades, navegando no pâ ntano cultural separados do deus


interior, buscarã o o espírito em qualquer lugar, à s vezes até em lugares nã o sagrados.
Conforme revelado pela Alemanha de Hitler, quando, diante da confusã o, muitos se
agarraram ao primeiro uniforme proposto, e partiram a passo de ganso para salvar o
mundo. Todas as guerras sã o, em certo sentido, " guerras santas ", isso é um axioma. É
igualmente verdade que mesmo as vestes de um monge ou guru pacífico têm o poder de se
tornar um uniforme, tã o mortal quanto qualquer governo alternativo.

Buscamos o Velho Sábio , pois é nossa natureza instintiva fazê-lo, e somos atraídos a
ele pelas ansiedades e medos da civilizaçã o moderna. Um dos impulsos mais modernos é o
observado por WH Auden: o terror do anonimato . Em seu poema " A Era da Ansiedade ", ele
caricaturava nossos tempos e falava na boca de todos quando dizia:

Os medos que conhecemos


Eles não estão sabendo. vai nos trazer a noite
alguma ordem horrível. manter uma loja de ferragens
em uma cidade pequena... Ensine para a vida
ciência para garotas progressistas? Está tarde.
Você nunca vai nos perguntar alguma coisa?
Somos apenas indesejados? 48

Claro que já fomos procurados vá rias vezes. Tem alguem ai? O famoso vendedor de
Walter de la Mare perguntou há meio século. Vá rias vezes em nossas vidas nos deparamos
com isso, mas ninguém compreendeu o drama e o mistério desse confronto de forma mais
aguda do que de la Mare:

Tem alguem ai? perguntou o Viajante


batendo na porta enluarada;
seu cavalo, em silêncio mordiscou as ervas
do chão de samambaia da floresta;
E um pássaro voou para fora da torre,
acima da cabeça do Viajante;
E ele bateu na porta pela segunda vez;
Tem alguem ai? perguntado. 49
Mas ninguém respondeu ao Viajante . Ao contrá rio de TS Eliot, que nos descreveu
como um " homem vazio " incapaz de responder, de la Mare imaginou nossa morada
interior como uma " multidão de fantasmas ouvintes " que ouviu o chamado do Viajante,
mas nã o respondeu à sua voz. Pode-se ver esses bisbilhoteiros amontoados
silenciosamente nas sombras, congelados de medo, nã o muito diferente de muitos cidadã os
de hoje que se recusam a responder aos gritos de um estranho na rua para nã o se verem
"comprometidos " . Tem alguem ai? Talvez o Eremita barbudo retratado acima tenha
voltado para nos oferecer uma nova possibilidade para essa pergunta ao erguer sua
lanterna e penetrar em nossa escuridã o.

Se estivéssemos realmente diante dessa figura em uma noite escura, pararíamos nas
sombras para observá -la antes de avançar para nos identificar. Um olhar nos olhos gentis
desse monge nos diz que ele atravessou os séculos, nã o para pregar ou nos repreender por
fazer algo errado. Sentimos que o que ele quer mesmo é saber quem, se é que existe
alguém, "lá ", e que ele vai aceitar qualquer resposta que lhe dermos, mesmo o nosso
silêncio, se for só isso que temos para oferecer. Seus olhos parecem destemidos, calmos,
cheios de admiraçã o, bem abertos. Podemos imaginar que sua mente e seu coraçã o estã o
igualmente abertos. Sua expressã o parece combinar a admiraçã o da infâ ncia com a
paciência da experiência.

De muitas outras maneiras, esse estrangeiro parece incorporar aspectos dos dois
pó los opostos do ser. Sua barba e sua lâ mpada nã o sugerem ensinamento e espírito
masculino, o yang ígneo, o pó lo positivo da energia, enquanto sua capa graciosa e modos
gentis indicam uma relaçã o pró xima com o yin sombrio, a natureza feminina terrena .
Como Sã o Francisco, ele deve sentir uma relaçã o íntima e terna com o irmã o Sol e a irmã
Lua, com todos os pá ssaros e animais; Ao mesmo tempo, este eremita deve ter a mesma
resistência de Santo Antô nio, que resistiu a milhares de demô nios, monstruosa aberraçã o
do espírito humano que tenta o homem em sua solidã o. Talvez esse Velho Sá bio tenha
voltado para nos ensinar a esquecida arte da solidã o.

Hoje já se tornou algo aceitá vel sermos uma multidã o solitá ria. Os psicó logos nos
contaram como mascaramos nosso isolamento pétreo em uma associaçã o espiritual
compulsiva que pouco tem a ver com o relacionamento humano. Eles nos ensinaram como
defender nossa terna insegurança com a armadura da conformidade social. À s vezes,
podemos ver essas terríveis visõ es interiores apresentadas de uma maneira que faz nossos
ossos tremerem. Preso no metrô no que eles chamam de " hora do rush ", pode-se fazer
parte de uma horda de zumbis sem rosto, cada um imobilizado em confinamento solitá rio
pú blico e cada um classificado em seu pró prio símbolo de status social, cada um armado
contra qualquer contato humano, mas também cada um protegido contra a verdadeira
solidã o.
Sendo uma naçã o de extrovertidos, naturalmente nos voltamos para a terapia de
grupo como um antídoto para esse isolamento. Cheias de esperança e coragem, as almas
medrosas se programam ativamente em dinâ micas de grupo, encontros de fim de semana
para descobrir o corpo, aulas cheias de alegria em grupos de meditaçã o e assim por diante.
Em cada uma das estaçõ es desta estéril peregrinaçã o eles se perguntam tristemente «
Quem sou eu? Toque me Sinta-me... reaja à minha presença... diga-me quem sou ». Ficamos
tã o desapegados de nossa razã o de ser interior que existimos apenas em relaçã o aos
outros?

Parece cada vez mais difícil aceitar os lugares solitá rios que levam à autorrealização .
A arte da individuação , tornando-se o ú nico eu é (como o nome sugere) uma experiência
intensamente pessoal e à s vezes muito solitá ria. Nã o é um fenô meno de grupo, envolve a
difícil tarefa de separar a pró pria identidade da massa da humanidade. Para descobrir
quem somos, temos que finalmente extrair aquelas partes de nó s mesmos que projetamos
nos outros, aprendendo a encontrar nas profundezas de nossa psique as forças e fraquezas
que antes víamos apenas nos outros. Esses reconhecimentos serã o facilitados se pudermos
nos afastar da sociedade por breves períodos e aprender a acolher a solidã o.

Em compensaçã o, esses períodos de introversã o nos trazem o benefício de um


aumento da vida da imaginaçã o. Na ausência de outra companhia, entram em cena os
personagens do nosso mundo interior. Esses personagens geralmente aparecem como
entidades vivas. Eles nã o se envolvem em diá logos inspirados; eles exigem que pintemos
seu retrato ou escrevamos sua histó ria. À s vezes, eles cantam para nó s trazendo novas e
frescas melodias. Aqui o Eremita pode nos ajudar. Se, convencidas pela transbordante
inspiraçã o criadora, tentarmos sobrevoar o nosso ser humano, isso pode ajudar-nos a
aterrar novamente e a escolher neste fogo dourado a chama certa para a nossa lâ mpada
ú nica e humana.

Hoje cada vez mais, desencantados pela aridez espiritual da paisagem exterior e pela
coletividade impessoal de nossa sociedade, buscam conscientemente a luz interior oculta; e
é evidente que os seres humanos geralmente recebem mais bens da introspecçã o do que
aqueles que nossa cultura pode fornecer. Por exemplo, estudos recentes nos dizem que em
vá rias comunidades eles resistem à s tentativas de organizar um ô nibus para levá -los de
volta rapidamente para suas casas, dizendo que o tempo que passam dirigindo para ou do
trabalho é a «ú nica oportunidade» que eles têm de ficar sozinhos . Talvez, com a ajuda do
Eremita, possamos ousar permitir a nó s mesmos e aos outros a oportunidade de
introversã o criativa em circunstâ ncias favorá veis. Esses períodos de solidã o nã o sã o
mó rbidos ou antissociais; eles podem nos devolver ao mundo com uma energia renovada
para a açã o e um senso elevado de nossa identidade e nosso papel especial em relaçã o ao
mundo.
No livro Ego e Arquétipo , Edward Edinger reflete sobre o significado da palavra “
solitário ”, tal como é utilizada em um dos Evangelhos Gnó sticos. Ele aponta que, na origem
grega, a ideia de “ solitário ” ou “ solitário ” também pode ser traduzida como “ junto ”. Para
ilustrá -lo, cita um fragmento do Evangelho de Tomé: «... Eu (Jesus) digo isto: Quando (uma
pessoa) estiver sozinha, ela estará cheia de luz, mas quando estiver dividida, ela estará cheia
de escuridão ». 50 Mas, inevitavelmente, cada um dos que alcançam esse tipo de uniã o
interior deve pagar o preço da solidã o, da culpa e do sofrimento, como aconteceu com
Prometeu . Em Relaçõ es entre o Ego e o Inconsciente , Jung expandiu essa ideia da seguinte
forma:

"O livro do Gênesis representa o ato de tornar-se consciente como a quebra de um


tabu, como se adquirir conhecimento significasse que uma barreira sagrada foi
rompida impiedosamente. O Gênesis certamente está certo, pois cada passo em
direção a uma maior consciência é uma forma de culpa prometéica. Por meio de tal
ato, o fogo é, de certa forma, roubado dos deuses. Isso significa que algo que
pertencia ao poder do inconsciente foi arrancado de alguma forma de suas conexões
naturais, tornando-se subserviente à escolha consciente. O homem que usurpou o
novo conhecimento sofre, porém, uma transformação ou ampliação de sua
consciência que não mais se parecerá com a de seus companheiros. Ele se elevou
acima do nível humano de seu tempo (“sereis como Deus”) e, ao fazer isso, se alienou
da humanidade. A dor da sua solidão é a vingança dos deuses...» 51

Jung esclarece em outro lugar que a alienaçã o experimentada pelo solitá rio nã o
implica um estranhamento de sua natureza humana. Significa simplesmente que nã o está
mais unido na " participação mística ", a inconsciência primitiva compartilhada por toda a
humanidade. Essa pessoa nã o precisa estar fisicamente afastada do mundo e de seus
problemas; ao contrá rio, tendo alcançado uma unidade interior segura, ele pode se sentir
mais capaz de se expor ao caos dos acontecimentos cotidianos, e menos temeroso de ser
confundido por eles ou de ser novamente submerso na inconsciência anterior da massa.
Em princípio, essa pessoa ainda estará envolvida na vida, mas de uma nova maneira. O fato
de essa atitude nã o precisar ser manifestada por meio de atos ou palavras estranhas é
deliciosamente representado na ilustraçã o a seguir (fig. 43). Seu título é: Eremita Zen
Executando Trabalhos Domésticos Mockingly . Parece-me que esses pequenos monges têm
algo importante a nos dizer sobre o que significa a verdadeira individuação . Embora a nova
visã o possa nos trazer novas ideias e oportunidades, essencialmente, no â mago do
autoconhecimento está a capacidade de aceitar a pró pria vida, (por mais simples e singela
que seja) e realizar as tarefas necessá rias de forma autêntica. Pessoalmente, acredito que é
mais fá cil fazer pronunciamentos críticos do que varrer o chã o e lavar a louça de maneira "
brincadeira ".
No sentido mencionado acima, quem alcançou algum grau de auto-realização é um "
solitário " em relaçã o ao resto da humanidade e está destinado a continuar assim até os
outros, cada um por sua vez e a seu modo. , atingem um está gio de iluminaçã o semelhante.
Ainda mais solitá rio do que um eremita, diz Jung. A raça humana, em virtude de sua
capacidade ú nica de consciência, encontra-se sozinha neste planeta e separada de qualquer
ser vivo, devido à s diferenças psíquicas que existem entre eles. Jung explica a situaçã o do
homem desta maneira:

"Ele é, neste planeta, um fenômeno único que não pode ser comparado a nenhum
outro. A possibilidade de se comparar e, portanto, do surgimento do
autoconhecimento, só ocorreria se pudesse estabelecer uma relação com os
mamíferos quase humanos que habitam outras estrelas. Os diferentes graus de
autoconhecimento dentro de sua própria espécie são insignificantes em comparação
com as possibilidades que surgiriam no encontro com criaturas de estrutura
semelhante, mas de origem diferente... Até então, o homem deve continuar a se
assemelhar ao eremita.» 52

Resta saber se nossa exploraçã o em campos mais distantes, diante de criaturas


humanó ides, poderia expandir nosso atual campo de consciência. O comentá rio de Jung
indica que tal confronto pode ser uma ajuda benéfica para uma consciência mais ampla.

Tradicionalmente, quando a humanidade se deparou com um beco sem saída em sua


evoluçã o consciente, ergueu os olhos para o céu em busca da salvaçã o. Nos tempos antigos,
essa ajuda era experimentada como a intervençã o de um deus salvador ou figura divina,
que descia milagrosamente dos céus. Hoje, o arquétipo do Salvador pode ser projetado nos
habitantes dos Discos Voadores, criaturas humanó ides de consciência supostamente
superior que alguns imaginam pairando sobre nó s como anjos da guarda, esperando o
momento certo para descer e iluminar nossa escuridã o. Caso essas criaturas existissem,
obviamente, seu mero advento nã o poderia nos salvar. Como a histó ria já demonstrou, um “
salvador ” pode, no má ximo, nos ajudar a encontrar o caminho para nos salvarmos. Assim,
enquanto alguns sobem aos céus para investigar a realidade desses objetos má gicos
redondos que contêm a encarnaçã o moderna do Sábio Ancião , os demais, nó s, voltamos
nossa atençã o para dentro, em busca da parte oposta dessas imagens, para esses sã o as
forças que nos movem em nossa busca final, que, aliá s, é sua razã o de ser.
Fig. 43 Eremita Zen zombeteiramente realizando tarefas domésticas

Em seu ensaio Flying Saucers: A Modern Myth , Jung comenta extensivamente sobre o
significado psicoló gico de nosso interesse em OVNIs. Ele apó ia a ideia de que (além do fato
de que esses objetos circulares realmente existem) é um fato de considerá vel significado
psicoló gico que pessoas de todo o mundo afirmam tê-los visto nos céus ou experimentado
sua presença em sonhos e visõ es. Comparando o OVNI com a mandala, a roda do sol e o "
Olho de Deus ", Jung diz mais tarde:

"Nos tempos antigos, os OVNIs podiam ser facilmente entendidos como 'deuses'. São
manifestações implícitas da totalidade, cuja forma redonda e simples representa o
arquétipo do eu, que, como sabemos por experiência, desempenha um papel
importante na união de opostos aparentemente inconciliáveis e é, portanto, o meio
mais adequado para compensar a divisão mente da nossa idade. Tem um papel
particularmente importante entre os outros arquétipos, pois é o primeiro a regular e
ordenar os estados caóticos, conferindo à personalidade a maior unidade possível,
assim como a totalidade." 53

Vendo o fenômeno OVNI como uma compensação para nossa cultura orientada para o
grupo, Jung diz que " os sinais aparecem nos céus para que todos vejam". São como uma
pergunta para que cada um de nós recorde a sua alma e a sua totalidade, pois esta é a
resposta que o Ocidente tem de dar ao perigo da massificação ». 54

O Eremita do Tarot pode, portanto, simbolizar a humanidade que caminha sozinha


nesta terra, carregando apenas a pequena luz da consciência diá ria para iluminar a
crescente multidã o que tenta dominar este mundo. O homem está à beira de uma revoluçã o
potencial na consciência humana. Talvez a ajuda desejada desça dos céus, talvez só se
encontre na constelaçã o celeste que possuímos dentro de nó s.

O nú mero nove do Eremita reflete muitas das ideias aqui expressas. Em pé, o mais alto
entre os dígitos ú nicos, nove, representa a altura má xima de poder alcançá vel por um ú nico
nú mero. No contexto do comentá rio de Jung, poderíamos ver o nú mero nove como o
símbolo do ponto mais alto de consciência que o Eremita pode atingir, como homem, até
que possa enfrentar outra criatura com igual compreensã o, ou até que você descubra,
dentro de sua pró pria psique, dimensõ es de conhecimento desconhecidas até agora.

Em caracteres á rabes, (o nú mero nove escrito como um círculo com um um como


cauda) anuncia o nú mero dez, em que a energia contida nos círculos celestes é atraída para
a terra para ficar ao lado do nú mero um e entã o, com um nova configuraçã o, inicia um novo
ciclo de dimensõ es estendidas. Quando isso acontece psicologicamente, a pequena chama
da lamparina do Eremita se transforma em uma iluminaçã o assustadora.

Em nosso planeta, o nú mero nove também é um nú mero da gestaçã o humana, o


período de preparaçã o necessá rio para a criaçã o de um novo ser. Para nó s também é, ao
que parece, um tempo de preparaçã o e gestaçã o . Enquanto cada um de nó s nã o acessar sua
pró pria lâ mpada, podemos ser cegados ou destruídos por um fluxo muito amplo de
iluminaçã o celestial.

Também historicamente, este nú mero nove está ligado à ideia de gestaçã o e iniciaçã o.
Apolô nio de Tiana, o neoplatô nico grego, o considerava um nú mero sagrado. Seus
discípulos usavam esse nú mero como um amuleto e consideravam a nona hora como um
período de silêncio. Ele proibiu seus seguidores de pronunciar esse nú mero em voz alta. Os
candidatos a serem iniciados nos mistérios de Elêusis passavam por um período de nove
dias. Também para os romanos nove tinham um papel de iniciaçã o; eles realizavam um rito
de purificaçã o para todos os bebês do sexo masculino no nono dia apó s o nascimento. Eles
enterravam seus mortos no nono dia e celebravam uma festa chamada " novenalia " a cada
nove anos, em memó ria dos mortos. Esse costume ainda está vivo nas novenas, rito cató lico
de oraçã o realizado durante nove dias consecutivos para rezar pelas almas do purgató rio.

Matematicamente, o nove também possui qualidades misteriosas, pois sempre volta a


si mesmo. Por exemplo: 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + 8 + 9 = 45 , cuja soma
dos dígitos é 9 . De forma similar, 9 + 9 = 18 = 9 . Também 9 multiplicado por cada
dígito do 1 até o 9 produz um resultado que se reduz a nove. É fá cil, entã o, entender por
que nove é o nú mero da iniciaçã o, pois simboliza a jornada do iniciado rumo à sua auto-
realizaçã o. Seja qual for a circunstâ ncia em que o iniciado inicia sua jornada e qualquer
experiência que encontre em seu caminho, no final ele também deve retornar a si mesmo .
Como acontece com todas as figuras arquetípicas, se negligenciarmos voluntariamente
a compreensã o de suas mensagens, seremos forçados a fazê-lo. Por exemplo, nã o atender
ao chamado do Eremita para a introversã o pode resultar em solidã o e isolamento forçados
resultantes de doenças mentais ou psíquicas. Se soubermos observar e ouvir, podemos
aprender com este Velho Sá bio a arte de retirar-se voluntariamente da sociedade e nela
reingressar, no momento oportuno. Quando o mundo exterior exige nossa atençã o, nã o
podemos ficar hibernados em introversã o como o urso em sua caverna escura, nem
podemos ser forçados à extroversã o usando constantemente a má scara do sorriso do
estalajadeiro, porque nossa verdadeira identidade ainda está escondida, desconhecida no
porã o do nosso ser.

Assim como o Eremita é representado no Tarô de Marselha, indica sua capacidade de


fazer uma retirada discreta e retornar mais tarde. É um personagem solitá rio, embora
vestido com os há bitos de uma ordem religiosa com a qual deve manter algum contato. Ele
é representado no caminho, o que acentua sua capacidade de caminhar entre esses dois
mundos.

Assim como nosso ritmo vital é medido alternadamente por inspiração e expiração , da
mesma forma nossa necessidade de introversão e extroversão segue um padrão rítmico . O
Eremita é um professor que nos ajuda a conhecer nosso pró prio pulso. Pela maneira como
seu bastã o se curva e seu há bito com ele, ele sugere um ritmo tã o natural quanto a
respiraçã o. O andar plá cido do frade ecoa o "tempo" sereno de sua meditaçã o. Visto à meia-
luz do sonho, este Eremita parece mover-se firmemente; o movimento de sua marcha já
indica o gesto de sua volta. Parece estar nos dizendo que a vida é um processo, não um
problema, que o Tao é uma jornada, não uma meta .

Buda disse:

«O mundo é uma ponte, atravessa-a; mas não construa nada sobre ele.

Com a lanterna que guia seus passos, o Eremita nã o precisa de um lar. Ele nã o é
responsá vel por bens pessoais. Hoje, muitos imitam sua liberdade com relaçã o aos penosos
bens do lar. Livrando-se dos bens acumulados ao longo da vida, mudam-se para casas
mó veis, (tendas ou carrinhas), vagando pela mata em busca de serenidade. Infelizmente,
libertar-nos de nossa carga psicoló gica nã o é fá cil. A histó ria a seguir pode ser ilustrativa
disso; refere-se a um jovem rebelde que, desfazendo-se de todos os seus bens materiais,
atravessou o oceano para consultar um famoso guru.
" Oh, Mestre ", o fervoroso buscador começou sem fô lego, " estou envergonhado por não
ter trazido nenhum presente, agora vivo de mãos vazias ", e o mestre respondeu lentamente:

«Eu sei, filho, eu sei; deixa então."

Nosso Eremita é, sem dú vida, este sá bio. É ó bvio que a luz de sua lâ mpada penetra
tanto nas trevas espirituais quanto nas temporais, pois o céu acima dele é claro e sem
nuvens. Sua visã o penetra divisõ es arbitrá rias de tempo e espaço para revelar padrõ es
significativos do eterno presente. Ele consegue ver tã o profundamente o presente que
esclarece o tempo todo: o passado, o futuro, bem como sua inter-relaçã o. Mais tarde, as
evidências confirmarã o o fato de que este sá bio, como Merlin , é creditado com a posse do
tempo , já que em alguns baralhos antigos ele é desenhado com uma ampulheta e esta carta
é chamada de Tempo .

Este Viajante usa sua lâ mpada para iluminar sua pró pria escuridã o. Sua luz brilha para
os outros, é claro, mas nã o de propó sito. Se vidas se iluminam em seu caminho, será porque
talvez tenha ajudado na ú nica forma pela qual o ser humano pode ajudar o pró ximo, isto é;
sendo totalmente ele mesmo. Na minha opiniã o, este Sá bio ilumina a sabedoria de uma
velha oraçã o incompreendida atribuída aos Amigos que diz assim: « Deus me livre de ser
“útil” ».

Talvez hoje, mais do que nunca, caminhemos em um terreno totalmente novo. Em


nosso mundo de hoje nã o há padrõ es pré-estabelecidos, nã o há foco central utilizá vel por
todos. Cada um de nó s deve encontrar uma maneira de acender sua pró pria centelha. Como
a histó ria tem mostrado, nã o podemos depender de autoridades do " além " para nos dar
respostas esclarecedoras para esclarecer os problemas que a vida nos coloca hoje. Nos
ú ltimos anos, nó s, pessoas do mundo civilizado, sentamos impotentes em frente à s
televisõ es, assistindo a histó rias da vida real, histó rias de corrupçã o e derrota, de
depressã o e revoluçã o, de superaçã o natural, social, política e até nacional, invadindo
nossas salas de estar para alcançar nossas consciências e despertam nosso espírito.
Durante todo esse tempo, o Eremita poderia ter permanecido parado, nos bastidores,
esperando o sinal para agir. Talvez a escuridã o comece a se dissipar para que a mensagem
silenciosa do Eremita se torne clara para todos nó s:

"Cada um de nós deve descobrir sua própria luz interior." No momento em que
entregamos nossa visão interior e responsabilidade a um "irmão mais velho"
imaginário, seja ele um político, psicólogo ou guru, perdemos tanto nossa identidade
cultural quanto nossa própria humanidade.

Se você não o tirar de si mesmo, onde irá procurá-lo? Esta velha cantiga ressoa alto em
nossos ouvidos. Talvez mais do que nunca devamos nos conscientizar agora de que a luz
que buscamos nã o é uma luz predisposta que um dia chegará do espaço sideral em um
disco voador... Devemos nos acostumar com a ideia de que o Espírito Santo nã o é algo
externo para nós , algo que um dia esperamos conseguir. O Espírito Santo é uma pequena
chama criada de novo com cada ser humano em cada geraçã o. A cada respiraçã o incitamos
ou acessamos o " pneuma " e recriamos o Espírito. O Cristo é concebido, nã o feito, o que
equivale a dizer que Ele nasceu de novo em cada um de nó s.

Prometeu roubou o fogo do céu e o trouxe para mais perto da humanidade. Gosto de
pensar que o Eremita devolve um pouco desse fogo sagrado à sua fonte. Isso é o que cada
um de nó s faz ao recriar o Espírito.

Tem alguém lá fora? O Eremita espera nossa resposta.

13. A RODA DA FORTUNA:


FABRICANTE E TRAPAÇADOR

Fig.44 A Roda da Fortuna (Marseillaise Tarot)


Tudo vai, tudo volta; A roda do ser gira eternamente...
Tortuoso é o caminho da eternidade.

nietzsche

O Reino do Equilíbrio começou com uma figura alegó rica. Justiça, que representa um
conceito geral; ela foi seguida pelo Eremita, que incorporou sua sabedoria de uma forma
mais individual. Agora nosso objetivo vai da contemplaçã o íntima da iluminaçã o pessoal
aos panoramas mais amplos dos princípios universais, culminando com a questã o central
do destino em face do livre arbítrio , tal como nos é apresentado pela Roda da Fortuna (fig.
44).

Nesta carta podemos ver dois estranhos animais que giram desesperadamente na
incessante Roda da Fortuna . Os animais usam roupas humanas. Talvez o Tarô esteja
tentando nos dizer que nó s, como esses animais, estamos presos no círculo infinito da
predestinaçã o da Roda da Fortuna. Talvez esta carta nos ofereça uma mensagem mais
esperançosa?

Comentaristas anteriores investigaram a genealogia dos dois animais na roda em


busca de pistas. A criatura que ascende à nossa direita foi aparentada com Anúbis , o deus
com cara de cachorro do Egito, encarregado de pesar as almas dos que morriam; é
considerado um fator positivo e integrador . O animal semelhante a um macaco à nossa
esquerda está associado a Typhon , o deus da destruiçã o e desintegraçã o. A maioria dos
comentaristas vê Typhon como negativo no sentido pejorativo e fica feliz em apontar que
ele está caindo, enquanto Anubis (o mocinho) está subindo.

Embora seja verdade que Typhon está descendo, ele nã o vai desaparecer de cena por
causa disso. Antes que percebamos, a Roda terá girado e Typhon estará na posiçã o do
cachorro, no alto, enquanto Anubis será forçado a permanecer nas regiõ es inferiores. As
duas criaturas parecem presas à Roda, condenadas a um giro eterno. O olhar desesperado
no rosto de Typhon nos diz que ele nã o está no desenho por si só . Ele parece estar nos
implorando para aceitá -lo como passageiro obrigatório na Roda.

Parece que estamos lidando novamente com nossos dois amigos, os opostos, que
representam dois tipos de energia. Vimos anteriormente esta representaçã o no par de
cavalos do Carro e no par de pratos da balança da Justiça. Agora eles aparecem como duas
formas da libido do inconsciente animal, apanhados no ciclo interminá vel da natureza: o
yang precisa dominar e organizar, e a tendência do yin é receber e conter. Como sabemos,
ambos sã o instintivos em toda a natureza e operam continuamente em todos nó s. O fato de
esses dois animais usarem roupas humanas pode significar que as forças que eles
representam sã o parcialmente civilizadas, tendo evoluído através da consciência a tal
ponto que sua energia pode agora ser colocada em uso humano.

Na carta nú mero oito pudemos ver o yin e o yang na balança da Justiça guardados por
uma deusa da sabedoria imparcial que empunha uma espada. Aqui nó s os vemos como
animais vivos presos em um moinho guardado por um monstro de origem sombria que
empunha sua espada descuidadamente e ao acaso. Qualquer poder que governe a Roda da
Fortuna é evidentemente amoral. Tem pouco a ver com justiça. Isso nos lembra daquele
bobo da corte que zomba da autoridade do rei usando sua coroa.

Essa criatura escura com sua coroa dourada senta-se em uma plataforma acima da
Roda, separada de sua atividade. Embora o monstro guarde a Roda, ele nã o lhe dá força
motriz. As duas criaturas desesperadas do casal sã o o que lhe fornecem energia.

Tradicionalmente, o trabalho do Heró i é libertar as vítimas desesperadas do destino


monstruoso, libertando-as do cativeiro sem matá -las ou feri-las, ambos necessá rios para
manter a Roda girando. Traduzindo para uma linguagem mais psicoló gica, cabe a qualquer
ser que esteja em busca de autoconhecimento liberar as energias animais antes presas no
círculo repetitivo dos instintos para que essa libido possa ser utilizada de forma mais
consciente. O primeiro passo nessa direçã o é confrontar a criatura negra que está sentada
na Roda, que está segurando essas duas feras escravizadas.

Como dragõ es ou animais mitoló gicos encarregados de guardar um tesouro suado,


essas criaturas sã o um conglomerado monstruoso de partes bestiais que representam uma
odiosa aberraçã o da ordem natural. Talvez queira simbolizar o caos pré-existente para a
criaçã o. O animal está nu, embora use uma coroa dourada que sugere que, embora sua
energia seja primitiva, seu poder é divino. Tem rosto de macaco e corpo e cauda de leã o;
suas asas vermelhas de morcego o relacionam com a noite e com o Diabo , que
encontraremos na carta nú mero quinze. Ver uma espada nas mã os de tal monstro é
realmente alarmante. Apenas sua coroa de ouro nos dá um vislumbre da esperança de que
esta estranha besta tenha algum aspecto redentor. Na verdade, é uma esfinge.

À primeira vista parece loucura pensar nessa criatura como uma esfinge. Certamente
seu rosto escuro, quase travesso, nã o é nada parecido com o de seu oponente sereno e
dourado, a familiar esfinge egípcia. Eles sã o realmente opostos. A esfinge egípcia é um
símbolo masculino associado ao deus sol Hórus , enquanto a esfinge aqui retratada tem uma
aparência feminina, semelhante à esfinge da mitologia grega que representa o princípio
negativo da mãe .
Se tomarmos a Imperatriz do Tarô , carta nú mero três, como símbolo do princípio
positivo da mã e, veremos o monstro diante de nossos olhos como seu oposto fatal.
Podemos ver a criatura sentada no topo da roda como a paró dia da Imperatriz. Como ela,
ela usa uma coroa dourada, mas neste caso ela nã o gosta dela, é incongruente com seu
rostinho fofo; a impertinência descuidada com que ela segura a espada parece imitar como
a Imperatriz segura seu cetro. Mesmo as monstruosas asas vermelhas da esfinge sugerem
aquelas " asas de anjo " que o trono da Imperatriz lembrava. O fato de a Roda da Fortuna
aparecer logo abaixo da carta da Imperatriz no mapa de nossa jornada (fig. 3) confirma a
ideia de que essa esfinge representa seu aspecto sombrio.

A mãe esfinge negativa foi imortalizada no mito de Édipo , onde confronta o heró i
pedindo soluçõ es para seus enigmas antes de permitir que ele continue. A pintura de
Moreau, Édipo e a Esfinge (fig. 45), retrata a ú ltima esfinge como uma harpia sedutora ,
cravando suas garras em É dipo para impedi-lo de progredir, minando sua vitalidade e
pondo em perigo toda a sua vida. Essa harpia predató ria ainda vive hoje em todas aquelas
mulheres que saltam sobre você na menor oportunidade com perguntas insidiosas.

O significado do confronto do heró i com a mã e negativa que nos é tã o claramente


sugerido no topo da Roda da Fortuna, podemos estudar e esclarecer através do estudo do
simbolismo da histó ria de É dipo, assim como Marie Louise von Franz faz. seu livro O
Problema do Puer Aeternus (O Problema da Criança Eterna). 55 Lá ele nos explica que,
embora É dipo tenha resolvido com sucesso a questã o colocada pela Esfinge, ele nã o
resgatou sua natureza instintiva de seu poder. Em vez disso, ele estava preso nas garras do
destino cruel como qualquer um dos animais desesperados que giram na roda de seu
comportamento instintivo e predestinado. Na verdade, ele matou seu pai e se juntou a sua
mã e, cumprindo assim seu destino conforme profetizado. O resultado psicoló gico foi
igualmente fatal. Ao matar o pai (símbolo da ordem masculina dominante) e casar com a
mã e, a rainha Jocasta (símbolo do princípio feminino legislador), É dipo se identificou com o
símbolo feminino, enterrando sua masculinidade no ventre da Grande Mã e.

Em decorrência do fato mítico, justamente porque É dipo soube responder ao enigma


da Esfinge, ganhou Jocasta como recompensa. É irô nico, como von Franz deixa claro, que a
pró pria Jocasta se torne a manifestaçã o humana do arquétipo da Mã e Devoradora que
É dipo pensou ter derrotado ao responder corretamente à Esfinge em seu jogo de palavras.
Seu intelecto superior foi punido, pois os deuses têm inveja de um comportamento tã o
orgulhoso quanto o dele.
Fig. 45 Édipo e a Esfinge
(Gustave Moreau, 1826-1898. Ó leo sobre tela. Museu de Arte, Nova York, Legado de William Herriman, 1921.)

Algo semelhante também acontece conosco quando nos deparamos com a esfinge da
Roda: nã o podemos liberar nossas energias criativas com giná stica mental, nem podemos
evitar nosso destino humano pelo simples fato de dar respostas ousadas. Como nos lembra
Marie Louise von Franz, este é um truque inteligente do inconsciente para distrair o heró i
(a consciência humana atingindo sua plenitude) propondo questõ es filosó ficas no
momento preciso em que ele precisa enfrentar os impulsos de sua natureza instintiva.
Caindo na armadilha do trocadilho da esfinge, É dipo salvou seu intelecto, mas sacrificou
seu falo, sua masculinidade terrena.

Ao longo da histó ria humana podemos constatar quantas vezes o homem fez tentativas
heroicas de se libertar do controle automá tico de sua natureza animal, buscando sempre
descobrir algum padrã o de comportamento para o ciclo insensato e interminá vel de
nascimento e morte, encontrando um significado transcendental. no aparentemente
quixotesco sobe e desce da Roda da Fortuna. O primeiro passo na busca do heró i é
universalmente representado como um ato de desafio à mã e negativa.

Tanto na cultura oriental quanto na ocidental, o princípio feminino é experimentado


como um poder monstruoso e implacá vel que preside as reviravoltas da fortuna da
humanidade. Em sua já clá ssica obra A Grande Mãe , Erich Neumann ilustra e comenta dois
exemplos desse tema. 56 A primeira delas, nascida no Oriente, é a Roda da Vida do Tibete
que está suspensa nas mã os da bruxa negra Srinmo, o demô nio feminino da morte . O
segundo exemplo, de origem ocidental, é a chamada Roda da Mãe Natureza (figura da Idade
Média), regida pelo Tempo tricéfalo que sobre ela permanece imó vel.

Um dos mais antigos baralhos existentes apresenta a Roda da Fortuna com quatro
seres humanos presos nela (fig. 46). Aquele que está subindo nos diz Regnabo (eu reinarei),
enquanto um par de orelhas de burro cresce nele. A figura superior, com orelhas
totalmente crescidas, segura o cetro enquanto nos diz Regno (reino). A figura que está
caindo já perdeu as orelhas, mas parece ter crescido um rabo; diz Regnavi (eu reinei). Há
um homem barbudo no chã o, a ú nica figura totalmente humana dos quatro; ele está de
quatro e diz: Sum sine regno (estou sem reino). Vemos a Fortuna entronizada no centro da
roda. Ela é cega e usa um par de asas douradas, o que indica duas coisas: sua indiferença à s
promessas dos homens e seu poder celestial de controlar o destino. Ele simplesmente
transforma em burros aqueles que ousam subir acima dele. Ele se vinga deles jogando-os
no chã o como pequenos animais. O velho que está sob o volante, como Édipo em Colono,
também caiu das alturas, mas, como É dipo, ele também se tornou, por meio dessa
experiência, um ser verdadeiramente humano.

Fig. 46 A Roda da Fortuna (Tarot Sforza)

A roda é muitas vezes descrita como um corretivo para a arrogância . A arte da Idade
Média muitas vezes o representa como um instrumento de tortura pelo qual os orgulhosos
sã o lançados no inferno enquanto o diabo gira a manivela. A histó ria grega de Ixion trata de
um tema semelhante. Nesse mito, Ixion foi amarrado por Zeus a uma roda de fogo, porque
ele teve a ousadia de se apaixonar por Hera , a Rainha Mã e do Olimpo. Tal como aconteceu
com É dipo, os deuses castigam inevitavelmente aqueles que, esquecendo-se das suas
limitaçõ es humanas, aspiram zombar (pela traiçã o) do princípio masculino, simbolizado
nesta histó ria por Zeus.
Vale a pena notar nesta histó ria que Ixion , em orgulho, subiu tã o acima do nível
humano que engravidou uma nuvem, produzindo assim o primeiro Centauro , uma criatura
monstruosa que tinha cabeça e ombros humanos, mas corpo de cavalo. A fisiologia do
Centauro é tal que, embora tenha uma cabeça, e poderíamos atribuir-lhe uma inteligência
humana, está localizada de tal maneira que é incapaz de observar e modificar sua
bestialidade, já que sua natureza animal e suas partes sexuais sã o colocados atrá s dele (no
inconsciente), onde nã o é possível vê-los e integrá -los de forma humana. Como se deduz
desse mito, criaturas concebidas sob a influência do orgulho, entre as nuvens do orgulho,
estã o destinadas a serem monstruosas. Quando Ixion , negando suas origens humanas,
ascendeu acima de si mesmo para coabitar com os deuses, ele nã o criou entã o um super-
homem de proporçõ es divinas. Em vez disso, produziu uma malformaçã o, uma prole
psíquica: uma criatura dividida cuja energia e sexualidade regrediram ao nível animal.

Como a Esfinge do Tarô é tã o monstruosa, sua pró pria presença nos adverte sobre o
destino que aguarda aqueles que ousam se elevar acima de todas as outras criaturas e
assim escapar da roda do destino humano. Se nã o podemos superar nosso destino,
devemos encontrar outra maneira de lidar com a esfinge e sua Roda.

A esta altura, já deve estar claro que essa esfinge, como todas as mulheres (seja deusa,
bruxa, humana ou monstruosa), é cheia de contradiçõ es. Por um lado, somos apresentados
a uma obra heró ica: a oportunidade de sermos humanos, estimulando-nos a encontrar
sentido dentro de um sistema aparentemente movido apenas pela energia animal. Por
outro lado, seduz-nos com os seus enigmas, desvia-nos da nossa busca, exaure-nos com as
suas perguntas insaciá veis.

A Roda do Tarô reflete o paradoxo de seu regente. Animais cativos devem nos lembrar
das limitaçõ es impostas por nossa natureza animal. Ao mesmo tempo, porém, eles nos
oferecem a oportunidade de transcender essas limitaçõ es, intercedendo se necessá rio por
nó s. Podemos ver a Roda tanto como um recipiente circular que contém toda a natureza
dentro de fronteiras pré-estabelecidas, quanto como a fonte de energia através da qual
podemos conscientemente ir além dessas fronteiras. O truque é:

Como liberar um pouco dessa energia cativa para usá-la conscientemente sem se
deixar levar pelas artimanhas da esfinge?

Enquanto isso, ela fica sentada, sorrindo, pensando em seus enigmas:


"O que é... algo que tem asas de demônio, casco fendido, cauda, carrega uma espada e
uma coroa de ouro?"

Por ora, o que sabemos é que seria fatal sucumbir ao convite dessa criatura para nos
lançarmos numa pirueta dialética. Como acontece com o quebra-cabeça que geralmente
aparece em nossos sonhos, a melhor maneira de resolver os enigmas de The Tarot Wheel é
dar uma boa olhada nas imagens que nos sã o apresentadas e estudá -las em diferentes
contextos. Cada carta do Tarô , assim como cada sonho, nos faz perguntas cuja resposta
somente ela ou elas contêm. Somente deixando nossa imaginaçã o girar com a Roda da
Esfinge podemos evitar ficar presos em sua rede de pensamentos circulares, liberando
assim nossas energias para encontrar, por trá s das questõ es que ela propõ e, o significado
oculto que ela encerra.

Vamos, entã o, meditar na Roda diante de nó s. É sobretudo um sistema de forças cuja


essência é o movimento. Embora vamos usá -lo (como de fato tem sido usado ao longo da
histó ria da humanidade) como um diagrama mó vel para medir a inter-relaçã o das vá rias
facetas da natureza, incluindo o humano. Aqui a vida nos é apresentada como um processo,
como um sistema de transformaçã o constante que inclui integraçã o e desintegraçã o,
geraçã o e degeneraçã o. Acima e abaixo nã o sã o mostrados aqui como duas forças fixas em
luta constante; pelo contrá rio, aparecem-nos numa gama total de gradaçã o infinitesimal, de
vá rias alturas, que se afetam sutilmente, como as estaçõ es do ano.

Como revela o giro constante da roda, nada existe por si mesmo; tudo se manifesta e
tudo morre. Nã o o faz em uma determinada sequência de tempo, mas simultaneamente.
Agora mesmo, enquanto você lê estas linhas, algumas das células do nosso corpo morrem,
enquanto outras nascem.

Meditar no movimento perpétuo da Roda pode nos ajudar a experimentar a


simultaneidade dos opostos; até mesmo as forças aparentemente irreconciliá veis
chamadas morte e vida. Meditando nesta carta, podemos experimentar um mundo que nã o
é criado no tempo: um sistema que nunca começou e nunca terminará . À medida que nossa
respiraçã o se acalma e sincronizamos nossos batimentos cardíacos com o giro da Roda,
podemos nos conectar com nosso nascimento e nossa morte , nã o como dois eventos
concretos que marcaram o início e o fim de uma experiência linear chamada vida, mas
como dois eventos concretos que marcou o início e o fim de uma experiência linear
chamada vida, mas como dois aspectos perpetuamente presentes de um processo contínuo
cujo desenvolvimento se estende ao infinito. Este é o momento em que você pode
experimentar como a Roda se move através do tempo, saltando em ciclos contínuos de
vida, morte e renascimento. Neste momento deixamos de considerar o seu movimento
estéril, alguns gestos repetitivos, uma ondulaçã o incessante do dia para a noite e
recomeçamos... Começamos a sentir que cada madrugada nos traz um dia totalmente novo
e que a escuridã o de cada a noite nos envolve, de volta ao seu seio. Nesses momentos de
insight, nossos ossos sã o fortalecidos com uma nova vida e nosso sangue canta com a
certeza de que a cada dia renascemos.

Há um grande nú mero de opostos representados na Roda, por exemplo: movimento e


estabilidade, transcendência e intranscendência, o temporá rio e o eterno. Se observarmos
como a roda gira, veremos como esses opostos funcionam juntos; como o amplo
movimento de sua finalidade externa (sua razã o de ser) seria impossível se nã o fosse pela
estabilidade que seu centro fixo lhe confere.

O centro, pequeno e fechado, oferece-nos pouco espaço para expansã o e diferenciaçã o,


nã o se abrindo a novas luzes ou novas influências ou amplas variaçõ es rítmicas. Em
contraste, sua borda larga é exposta por seu movimento rá pido a vá rias novas visõ es que
lhe sã o apresentadas com grande velocidade. Poderíamos colocar centenas de postos de
observaçã o no amplo círculo externo, cada um com uma visã o diferente dos outros. A borda
é acelerada, cheia de energia e novas ideias, mas carece de estabilidade e unidade.

Para expressar essas ideias em outras palavras, poderíamos dizer que o centro da roda
representa a lei universal e a borda externa a aplicaçã o individual. No centro está o
arquetípico ou eterno e na borda externa o específico e o efêmero; no centro, o subjetivo e
ideal, e na periferia, o objetivo e real. É como se a necessidade primordial de criaçã o da
divindade, ideia central de toda manifestaçã o, girando sobre si mesma, saísse para a
periferia onde apareceria com mil aspectos diferentes. O centro expressa a plenitude
indiferenciada do ser puro, cuja essência é imutá vel e imperecível, enquanto a borda
oferece modificaçõ es, experiências, movimentos, tudo necessariamente à custa de menos
unidade.

Acho que a Roda do Tarô é um excelente veículo para visualizar e entender o que Jung
quis dizer com os termos muitas vezes incompreendidos "introversã o" e "extroversã o".
Imagino o introvertido vivendo perto do centro da Roda. O que mais o preocupa é o espaço
interior; as imagens primordiais de seu mundo interior sã o as figuras arquetípicas
instintivas da psique humana, cuja natureza essencial permanece constante através das
geraçõ es. Imagino o extrovertido vivendo perto da borda externa, onde é atraído
principalmente pelo espaço sideral: ele gosta de movimento, exploraçã o, aventura e é
facilmente estimulado por pessoas, lugares e planetas.
Para o introvertido, todos esses estímulos parecem ameaças. Antes de poder
contemplar o mundo exterior, você precisa se conectar consigo mesmo (você mesmo),
explorando suas profundezas interiores. Você deve descobrir o significado de sua vida
interior antes de poder participar da montanha de eventos que o mundo exterior está
determinado a apresentar.

Para o extrovertido, é claro, é exatamente o contrá rio. Para ele, a emoçã o dos eventos
externos é atraente e significativa. Pelo contrá rio, ele nã o ousa se aproximar da massa de
imagens caó ticas do mundo interior. Ele imediatamente alcança o objeto externo e é por
meio dessa experiência, com o estímulo externo, que ele se conecta com seu ser interior.
Resumindo, poderíamos dizer que o introvertido aprende a fazer sendo e o extrovertido
aprende a ser fazendo.

Obviamente, e felizmente, na natureza nã o existe espécime puro de nenhum desses


dois tipos. Uma pessoa totalmente introvertida ficaria imó vel antes do trabalho, como um
vegetal. Uma pessoa totalmente extrovertida viveria inteiramente no limite externo, onde
suas energias se espalhariam em todas as direçõ es como faíscas de uma roda de fogos de
artifício, deixando para trá s um cartucho vazio e queimado.

Esta nã o é a classificaçã o rígida de alguns tipos de atitude, é apenas a indicaçã o de


algumas tendências inatas, mais pronunciadas em alguns do que em outros. Conforme a
pessoa cresce em autoconsciência, ela pode modificar sua tendência natural. Compreendida
e aceita a pró pria atitude típica, ela pode se tornar uma fonte de energia em vez de uma
limitaçã o. Em princípio, uma pessoa madura desenvolve todas as facetas de sua
personalidade de tal forma que é difícil determinar apenas por seu comportamento externo
qual é seu tipo de nascimento. Por exemplo, aquela mulher atraente se dirigindo a centenas
de pessoas de seu estrado pode ser introvertida, enquanto o aluno aparentemente calmo
sentado na sala ouvindo é extrovertido. Em outras palavras, o fator determinante nã o é
como alguém se comporta abertamente, mas como conseguiu fazê-lo. Olhando para essas
pessoas como se fossem figuras de uma roda imaginá ria, o orador introvertido e o aluno
extrovertido, poderíamos dizer que cada um deles se moveu em direçã o ao outro e que
agora podem desfrutar de um mundo comum a ambos. Cada um pode falar a língua do
outro e compartilhar o ambiente sem perder o contato com sua pró pria identidade bá sica.

Em seu livro Today's Tarot, Mayananda usa o centro e a circunferência da Roda da


Fortuna para ilustrar algumas das diferenças entre as filosofias oriental e ocidental. 57 Como
ele diz, as culturas do Oriente estariam pró ximas ao centro da Roda, é um mundo de
princípios arquetípicos de mudança muito lenta; A cultura ocidental a coloca mais perto da
periferia, onde essas ideias arquetípicas foram estendidas em realidades objetivas. O
introvertido oriental está preocupado com princípios gerais: unidade, eternidade,
estabilidade e ser puro. O extrovertido ocidental está mais interessado em objetos e
experiências mundanas. É um mundo de movimento, liberdade, diversificaçã o e
especializaçã o. Os seres do Oriente começam o trabalho do centro da Roda para fora,
enquanto os seres do Ocidente partem de fora e vã o para o centro.

Observando os temperamentos e as culturas do Oriente e do Ocidente,


compreenderemos melhor o significado da afirmaçã o de Jung quando disse que as técnicas
de meditaçã o do Oriente, plenamente adotadas, sã o inadequadas para as necessidades do
Ocidente. Você nã o pode viver criativamente ao custo de adotar um estilo que nã o é o seu.
Ao contrá rio do que a mente supõ e, nã o é adotando costumes opostos aos seus que se
consegue um melhor relacionamento entre os diferentes personagens. É apenas
"desempenhando o pró prio papel", mas de forma mais consciente, que cada um se torna
mais autenticamente ele mesmo e finalmente encontra o seu caminho para entrar em
contato com o mundo dos outros e falar a sua língua. Entã o, eles poderã o cooperar entre si
e compartilhar seus dois mundos harmoniosamente.

Tanto para esses adversá rios como para qualquer outro par de opostos, a Roda é o
captador de projeçã o ideal, já que sua funçã o é totalmente "amoral". Ao contrá rio da
balança da Justiça, esta forma, também circular, nã o serve para pesar ou medir valores
relativos. Por nã o ser um sistema linear, sua borda tornou-se o símbolo quintessencial de
igualdade e inter-relaçã o: nenhuma posiçã o é preferida à s outras.

Por esta razã o, a borda de um círculo tem sido usada para situar uma série de
conceitos iguais e relativos para demonstrar sua igualdade e a maneira sutil como cada um
compartilha as qualidades de cada um dos lados, enquanto contrasta com seu oposto. lado
do círculo. As cores do espectro, os quatro elementos e suas qualidades, os signos do
Zodíaco, foram colocados em uma roda em movimento dessa maneira.

No I Ching, um antigo orá culo de origem chinesa, os sessenta e quatro hexagramas que
explicam o significado de um determinado momento também foram representados na
borda de um círculo junto com as quatro estaçõ es. Esta disposiçã o e o facto de o título do
livro ser O Livro das Mutaçõ es reforça a ideia de que o clima de cada momento , tal como as
estaçõ es, pertence ao seu tempo e é igualmente adequado e necessá rio. Para a mente
oriental, que nã o está presa ao pensamento linear, nã o existe o hexagrama "ruim" para uma
coisa e o "bom" para outra; cada um pertence a um determinado tempo, a uma estaçã o. Por
exemplo, mesmo o hexagrama chamado "Estagnaçã o" nã o deve ser considerado negativo
em sentido pejorativo, pois mesmo as á guas estagnadas fervilham de vida nova. Sem esses
períodos de gestaçã o, nada surgiria. Como mostra a roda girató ria, cada parte de sua
circunferência contém o germe de sua parte oposta.
A Meditaçã o na Roda nos permitirá ver que os momentos de nossa vida nã o acontecem
como eventos sú bitos que surgem nã o sabemos onde em um determinado momento do
calendá rio, mas sã o a parte em constante mudança de um processo pelo qual o o passado
emerge em nossas vidas, o presente, e o presente, por sua vez, caminha inevitavelmente
para o futuro. Conectar-se com a Roda em certos momentos de nossas vidas pode nos
ajudar a aceitar os paradoxos do momento. Podemos considerar o presente como um certo
ponto na Roda da Fortuna, e neste ponto, inevitá vel e simultaneamente, observamos este
instante de tempo movendo-se para outra fase da experiência com o giro da roda. Parece
que quanto mais pudermos observar o momento presente sem hesitaçã o e aceitá -lo como o
que Jung frequentemente chamava de "histó ria como ela é", mais seremos capazes de ver a
Roda como um todo e antecipar o movimento de sua rotaçã o. .

As cartas do Tarô , do I Ching, da Astrologia, é claro, nã o possuem poderes má gicos que


garantam a previsã o de eventos futuros, mas essas e outras técnicas semelhantes nos
ajudam a focar nosso conhecimento tã o profundamente no presente que podemos nos
mover mais facilmente com Roda da fortuna. É verdade que nã o podemos nos livrar dela,
mas com esse tipo de visã o interior talvez possamos evitar os maiores desastres causados
por nossa pró pria cegueira. Aprendendo a antecipar o ritmo da Roda, poderíamos escapar
de ser constantemente atingidos por solavancos inesperados.

Outra característica importante da forma circular de uma roda é que seu centro é
equidistante de todos os pontos da circunferência. A famosa mesa do Rei Artur era
obviamente redonda. O fato de estar sentado a uma mesa redonda, sem cabeça nem costas,
nã o só iguala os que se reú nem à sua volta, como também dirige a atençã o de todos para o
mesmo ponto central. Isso demonstra a ideia de que todos eles têm um propó sito comum,
que permanece central seja qual for seu ponto de vista individual. Quando a atençã o é
assim focalizada, é muito possível que a soluçã o dos problemas ou os rumos surjam de
forma espontâ nea, trazendo consigo uma nova unidade e inspiraçã o ao grupo. Essa ideia é
lindamente ilustrada em uma pintura antiga que mostra o Rei Arthur e os Cavaleiros da
Tá vola Redonda sentados ao redor da mesa, no centro da qual o Graal brilha como uma
visã o luminosa. 58

Significativamente, a Roda do Tarô nã o é desenhada como um círculo vazio. Esse vazio


(como o vazio zero do Louco) pertence a um está gio anterior de desenvolvimento,
correspondendo ao mundo indiferenciado antes da separaçã o dos opostos, ao mundo do
bobo dançante. A Roda nã o está nada vazia. Seus seis fragmentos o dividem funcionalmente
enquanto o reforçam, conectando o anel externo com o centro está vel. Assim dividido,
parece uma roda solar, o antigo símbolo usado para descrever a força vital divina.
Certamente nã o é coincidência que as lacunas dentro da Roda formem o "I" sobreposto ao
"X", que é o monograma grego de Jesus Cristo.
A pró pria Roda incorpora a doutrina de mistério central de todas as religiõ es de
mistério: o Filho da divindade desce à terra e torna-se escravo do ciclo de sua carne mortal.
É desta Roda da Vida que se deve libertar para ganhar a nova ascensã o ao céu, para
recuperar a unidade original com Deus. A carta que estamos contemplando, se nã o mais,
pode representar o primeiro passo desse processo: involuçã o e geraçã o; a fó rmula clá ssica
expressa a descida do espírito sobre a matéria. Em termos psicoló gicos, o nascimento do
ego, o desenvolvimento de sua força, começa a se libertar de sua dependência dos
arquétipos patriarcais e se estabelece neste mundo.

Agora, depois de girar a Roda, os arcanos restantes vã o nos mostrar as seguintes


etapas: evoluçã o e regeneraçã o. Na antiga fó rmula clá ssica, isso era entendido como o
desprendimento do espírito da matéria e a ascensã o desta para uma nova unidade celestial.
Em termos psicoló gicos, os Arcanos remanescentes representam a segunda etapa da vida,
onde as energias do ego, tendo conquistado o mundo exterior, voltam-se para dentro, rumo
ao desenvolvimento espiritual. Neste ponto, o "meio do caminho da vida", nó s, com Dante,
entraremos em um mundo inexplorado, muitas vezes escuro, onde teremos que enfrentar
seres monstruosos e também encontrar uma nova e fresca iluminaçã o.

O fato de que a vida do homem muitas vezes vai além de sua utilidade bioló gica foi
tomado por Jung como um sinal de que a vida tem sentido e serve a um propó sito além da
mera natureza animal. Conforme confirmado pelo conhecimento médico, parece que nos é
oferecida a oportunidade de uma vida totalmente nova no meio de nossa vida, embora
tendemos a negar nossos pressentimentos ou pressá gios. É cada vez mais frequente
encontrar seres que, já embarcados nos anos sessenta, se preparam para o que chamam de
"terceira metade da vida". Um novo giro da Roda cheio de oportunidades e interesses muito
diferentes dos anos médios.

Ao contrá rio, também encontramos hoje muitos jovens de vinte anos para os quais a
Roda já girou completamente. Uma vez que a natureza de toda roda é girar, nã o podemos
acelerar o significado desta carta levando-a para um determinado momento no tempo
cronoló gico. A Roda do Tarô representa um ponto de virada que pode ocorrer em qualquer
idade da vida. Além disso, ele girará vá rias vezes para nó s.

À s vezes, pode nos parecer que nossa pró pria roda pessoal ficou presa em uma rotina,
que a mesma experiência está acontecendo repetidamente; Parece que fomos fixados em
um sonho ou pesadelo recorrente. Quando algo assim acontece, podemos ter certeza de que
nã o é a "Roda da Fortuna" que está presa, mas nó s mesmos. Como diz o ditado: "Quem
esquece a histó ria está fadado a repeti-la!" Quando nos parece, entã o, que a histó ria se
repete, devemos nos perguntar: o que esquecemos? Que coisa específica devemos olhar de
forma mais ampla no contexto de nossa vida? Assim, ao tentar sentir o significado
simbó lico do sonho ou evento específico, podemos desvendar o significado mais amplo do
sonho recorrente, de modo que nossas energias nos ajudem a seguir em frente e nossas
vidas se tornem livres.

Para usar outra metá fora, um sonho ou evento frequentemente repetido é como o
toque incessante do telefone: quando finalmente pegamos o fone, o toque para e podemos
ouvir a mensagem. Cada vez que podemos nos voltar para o inconsciente e ouvir sua
mensagem, o movimento repetitivo da roda da vida se abre em uma espiral mais ampla.
Provavelmente, todos nó s já experimentamos as etapas desse movimento espiral em algum
momento. Aqui está como Jung os descreve:

“O caminho para a meta parece caótico e sem fim no início, só aos poucos aparecem
sinais que indicam que estamos indo para algum lugar. O caminho não é reto, parece
dar voltas em círculos. Um conhecimento mais preciso do movimento nos prova que é
espiral; os sonhos voltam depois de certo tempo, depois de certos intervalos, para
definir formas cuja característica é definir o centro.» 59

Podemos pensar na Roda do Tarô movendo-se através do espaço-tempo, de modo que,


quando nos encontrarmos voltando "ao mesmo lugar", possamos ver que estamos, no
entanto, em um grau diferente de elevaçã o em relaçã o à nossa posiçã o anterior, embora
estamos girando em torno do mesmo ponto central. Como podemos ver, a roda girató ria
tem sido um símbolo em vá rias culturas para significar a jornada interior em direçã o à
consciência. Os alquimistas se referiam ao seu trabalho como Circulare ou Rota: "A Roda".
Um manuscrito do século XVII descreve esse processo como uma roda de oito partes com
Mercú rio girando a manivela.

Na filosofia oriental, a Mandala, que é um diagrama circular, tem sido usada há


centenas de anos como auxiliar de meditaçã o. Desde que Jung introduziu esse termo na
psicologia moderna, a palavra mandala, que é o termo hindu para nosso "círculo", apareceu
incessantemente na linguagem ocidental. Como Jung descobriu, as mandalas aparecem
para nó s espontaneamente em nossos sonhos em momentos de estresse, quando é
necessá ria uma compensaçã o para uma determinada situaçã o cheia de conflito. Assim,
todas as mandalas indubitavelmente surgiram como tentativas espontâ neas do
inconsciente de criar ordem.

A Roda do Tarô , com suas seis divisõ es, também é uma Mandala. Quando admiramos
sua ordem, podemos encontrar respostas para as perguntas que surgiram no início do
capítulo e resolver nossos conflitos entre destino e livre arbítrio. Podemos nos ver
inevitavelmente presos nesta Roda, sujeitos à natureza cíclica de toda a vida; à s nossas
razõ es circunstanciais externas e ao nosso desenvolvimento interno. Seremos capazes de
reconhecer que nascemos com limitaçõ es hereditá rias e ambientais definidas e que
certamente nã o estamos no controle de nossos destinos. Mas nã o somos de forma alguma
moscas apanhadas na teia de aranha do Destino. Dentro dos limites da Roda existe um
amplo campo de açã o para o movimento.

Os extrovertidos, nascidos perto da borda externa da Roda, podem aprender a se


mover para dentro em direçã o ao seu centro. Os introvertidos, ao contrá rio, podem
aprender a se mover para a periferia. Como todos experimentam o movimento da Roda de
maneira diferente, a técnica de se mover dentro de seus limites pode ser diferente para
cada um.

Um extrovertido muda tã o rapidamente de uma atividade para outra que ele


experimenta a vida como uma série de altos e baixos desconexos e ele mesmo como um
conglomerado de personalidades distintas. A passagem contínua de eventos emocionantes
em sua vida ocorre em uma sucessã o tã o rá pida que você tem pouco tempo para refletir
sobre suas açõ es e levar em consideraçã o o padrã o de seu destino. Ele se ajusta tã o
rapidamente aos estímulos externos, encontrando instintivamente um lugar neles, que à s
vezes é fá cil se desprender de sua identidade bá sica.

O extrovertido pode desempenhar os papéis de pai, filho, adolescente, cidadã o ou


revolucioná rio com tanta facilidade que nã o percebe o conflito subjacente nos sentimentos
e ideias expressos em todos esses papéis. Quando surge um conflito momentâ neo, ele
consegue ignorá -lo como se nã o tivesse importâ ncia, mergulhando de cabeça na pró xima
aventura. Somente quando a Roda da Fortuna o atinge com força, ele é forçado a parar e
examinar seu pró prio papel e qualquer erro que possa ter cometido. É entã o que pergunta
à esfinge:

Quem sou eu? O que eu fiz para que isso acontecesse comigo?

A esfinge é uma criatura obstinada, mais acostumada a fazer perguntas do que ser
questionada. Nem ela nem o movimento da Roda sã o acessíveis à ló gica; somente através
da imaginaçã o criativa seu segredo pode ser revelado. Para abordar a esfinge com sucesso,
existem vá rias técnicas que se mostraram benéficas, algumas das quais revelarei abaixo,
caso algum leitor queira experimentá -las na pró xima vez que for pego em suas
maquinaçõ es.

Encontre um lugar tranquilo onde você nã o será perturbado. Tente se distanciar do


conflito ou problema no qual você está imerso. Feche os olhos e permita que a cena se
desenrole dentro de seu palco interior como se estivesse acontecendo com outra pessoa.
Tente ver os personagens envolvidos e assista a sua atuaçã o como se estivesse assistindo a
um filme na tela da sua TV. Esforce-se para ouvir o diá logo, captando as palavras e gestos
exatamente como se estivessem realmente acontecendo. Entã o você deve deixar sua mente
vagar da mesma forma que faria se estivesse realmente assistindo a um filme.

Qual é o enredo?

Qual a heroína?

Quem é o cara mau?

Como esse conflito pode ser resolvido?

Tente analisar e captar os sentimentos que surgem dentro de você.

Ele será capaz de fazê-los voltar quando precisar deles?

Você consegue ver alguma semelhança entre esses personagens e situaçõ es e aqueles
em conflitos anteriores?

Talvez a situaçã o atual o lembre de situaçõ es de romances, contos de fadas, mitos ou


peças de teatro?

Por acaso, algum dos personagens lembra heró is famosos: Hércules, Hamlet,
Napoleã o, Cinderela, Joana d'Arc, Scarlet O'Hara, etc...?

Se nenhuma dessas técnicas fizer o sino tocar, você pode fazer uma distribuiçã o de
cartas de Tarô e usá -las como uma alavanca para reflexã o.

Qual é a carta que poderia representá -lo na situaçã o atual?

Quais poderiam representar outros personagens?


Existe algum personagem do Tarô que poderia ser de ajuda especial para você neste
momento? Em caso afirmativo, como você poderia lidar com essa situaçã o?

Coloque esse personagem em seu cená rio imaginá rio e observe o que ele ou ela diz ou
faz. Se o personagem se recusar a falar, escreva você mesmo o diá logo. Escreva literalmente
o diá logo para o desenvolvimento deste enredo, completo com descriçõ es de
caracterizaçã o. Nã o meça detalhes e nã o censure nenhuma ideia, por mais absurda que
pareça. A esfinge tem um jeito estranho de responder à s nossas perguntas e suas respostas
sã o escritas nas entrelinhas na maioria das vezes, e com tinta invisível . Portanto, nã o se
surpreenda se nada acontecer imediatamente, mas também nã o se surpreenda se um ou
dois dias depois uma nova frase ou ideia aparecer onde antes havia apenas um espaço em
branco.

Para a maioria dos extrovertidos que nã o têm acesso fá cil ao seu mundo interior, esta
ou outras técnicas semelhantes servem como uma ponte para o inconsciente . Um
extrovertido pode se conectar com seu modelo interior através do trabalho imaginativo
com atos externos, já que estes nada mais sã o do que um reflexo desse interior. Você pode
começar a descobrir quais sã o suas tendências e qualidades que constelaram a crise atual e
ao mesmo tempo pode encontrar dentro de sua própria psique a sabedoria, a imaginação e
a força que o ajudam a resolver seus problemas . Descobrir os personagens malignos dentro
de você pode energizá -lo como o " bandido " em seu drama exterior; descobrir seus heró is
interiores também lhe dará força e visã o interior para lidar com esses assuntos em todos os
campos.

Olhando para sua vida deste ponto de vista, o extrovertido pode se aproximar um
pouco mais do centro da Roda. Ao fazer isso, o ritmo de sua vida parecerá menos agitado e
caó tico. Os milhares de interesses e atividades que você tem agora estarã o conectados a um
centro, obtendo assim mais solidez e estabilidade.

As técnicas descritas acima também sã o ú teis para os introvertidos . Como eles


vivenciam os problemas de maneira diferente, as perguntas que farã o à esfinge serã o
diferentes. Como regra geral, um introvertido tem fá cil e bom contato com o design de seu
ser interior, a menos que tenha sido forçado por condiçõ es ambientais ou culturais a uma
extroversã o efêmera. Por ter nascido mais perto do interior ou do centro da Roda, seu
ritmo de vida é mais lento e tranquilo, ele raramente se envolve em relacionamentos e
atividades malucas e, se o faz ou se aventura, geralmente é com ele mesmo. sem deixar
nenhuma parte para trá s.
Mas mesmo que um introvertido esteja em bom contato com seus sentimentos
interiores, é muito difícil para ele comunicá -los aos outros. Como resultado, um
introvertido vivendo em uma cultura extrovertida se sente incompreendido, e de fato é. Do
ponto de vista dos outros, sua paz, longos silêncios, etc., sã o considerados hostis, rudes e
astutos. Os tímidos gestos de amizade do introvertido (nã o polidos pela sociedade) podem
parecer abruptos e inapropriados. Quando o extrovertido, enganado e desconfiado, se
afasta, o introvertido se sente rejeitado. Magoado, desnorteado, confuso e geralmente
infeliz, ele se recolhe à sua concha para lamber as feridas, reforçando assim a impressã o
que o extrovertido tem dele como "reservado" e " difícil ".

Quando algo assim acontece, a pergunta que o introvertido faria à esfinge nã o é tanto
quem sou eu? (que ele sabe mais ou menos), mas perguntaria: Quem são eles? Ele precisa da
ajuda da esfinge para tentar entender os monstros inexplicá veis e os acontecimentos que
acontecem “ lá fora ”. Uma pessoa sensível e introvertida muitas vezes acha os mal-
entendidos (entre ele e os outros) muito assustadores para enfrentar diretamente e nã o
suporta reviver esses dramas dentro de si mesmo como o extrovertido poderia. Como ele
está se afogando na realidade externa, ele nã o pode, portanto, considerá -la objetivamente.
Você pode, no entanto, conectar-se bem com seus sonhos. Se isso acontecer, você deve
tentar capturá -los e colocá -los no papel, anotá -los e pensar sobre eles em sua imaginaçã o,
usando a mesma técnica que sugeri acima para lidar com dramas da vida real.

Um sonho é na verdade uma performance, um drama. Os sonhos seguem a mesma


estrutura utilizada pelos dramaturgos desde Ésquilo até os dias atuais: introdução,
abordagem do conflito, crise e desfecho . Em um sonho, como em uma peça, a sequência
temporal dos eventos é importante. Portanto, ao abordar um sonho, é uma boa ideia
começar com a primeira frase (leia esta frase com atençã o tentando ver o que nos é
apresentado nela) e depois continue pelo sonho frase por frase, tomando o tempo
necessá rio para revisar cada um antes de passar para o pró ximo.

A frase inicial de um sonho, como a frase inicial de uma peça, define o clima para o que
acontecerá a seguir. Quando a cortina é fechada, onde está o sonhador ? (em uma floresta
escura, em uma festa, em um trem, em um funeral, subindo uma montanha, etc...) Qual é a
atmosfera dessa primeira cena ? É terror, alegria, tristeza, frustração, tédio, confusão, etc... ?
Outros personagens aparecerã o em breve; Podem ser pessoas, gigantes, animais, fadas,
répteis, insetos, pá ssaros, etc... Se as pessoas que aparecem na obra estiverem diretamente
relacionadas com o “ sonhador ”, o sonho pode falar diretamente dessa situaçã o manifesta.
Se, por outro lado, sã o personagens desconhecidos, fictícios ou histó ricos, distantes no
passado do sonhador, parecem simbolizar atitudes internas ou modelos arquetípicos do
inconsciente atuando na situaçã o presente.
É muito importante lembrar que, em um sonho, objetos inanimados à s vezes
desempenham papéis principais vitais e, portanto, devem ser incluídos na lista de
personagens; à s vezes eles têm um papel preponderante na obra. Por exemplo: um carro
que nã o pega, freios que nã o param, um aviã o que milagrosamente aparece para resgatar
no momento preciso, etc...

Apó s descrever o local da peça e os personagens apresentados, passamos ao problema


ou conflito. As tensõ es entre as forças opostas aumentam e, no final do sonho, como no final
da peça, a cena final nos mostra o desenlace onde o conflito é geralmente (embora nem
sempre) resolvido.

À s vezes, a açã o do sonho é tã o vaga e confusa que é difícil determinar seu enredo. Se
isso acontecer, é ú til perguntar duas coisas:

Que problema o sonho apresentou e como foi resolvido?

Devemos entã o considerar literalmente o que aconteceu no sonho, como se tivesse


acontecido na vida real.

Qual era o problema específico?

ligar o carro, parar, pegar o trem, fugir de uma fera, ser exposto nu em praça pú blica,
etc...?

Como esse problema foi resolvido no sonho?

Ele finalmente conseguiu ligar o carro, pegar o trem, fugir, encontrar roupas, etc...?

Você conseguiu encontrar a soluçã o para o seu problema sozinho e sem ajuda ou, se
nã o, quem o ajudou e como?

Muitas vezes, responder a essas perguntas literalmente nos fornece uma conexã o
imediata com o significado simbó lico da vida.
Você é o verdadeiro dono de suas açõ es ou sente que está indo ladeira abaixo, sem
freios? Você está fugindo de algo " bestial "?

Talvez a situaçã o atual faça você se sentir " nu " diante da vida?

Observar como o sonhador chegou a esse estado pode ser de grande ajuda para a vida
exterior, e observar como os conflitos oníricos foram resolvidos pode nos dar pistas
importantes para resolver nossos problemas externos.

Alguns sonhos sã o peças "suspense". Eles terminam repentinamente no momento


crítico sem insinuar sua possível resoluçã o. Com esses sonhos, uma técnica muito ú til é
escrever você mesmo o ato final. Talvez soluçõ es para dormir venham à mente; se assim
for, você tem que escrevê-los rapidamente. Qual você prefere? Qual é a que oferece a
melhor soluçã o possível para o problema da realidade presente?

Você tem que tentar desenhar ou pintar os personagens do sonho, talvez eles o
lembrem de alguém que você conhece ou conheceu. Alguém fictício ou real. Esse sonho
insiste em motivos alheios que você já teve em outras ocasiõ es? Se você coleciona sonhos e
também mantém um diá rio pessoal, é muito ú til revisá -lo e ver se houve sonhos com o
mesmo tema e ver o que estava acontecendo na vida real na época em que esse sonho
apareceu. Como o sonho ou drama foi resolvido naquela ocasiã o (tanto interna quanto
externamente)? Talvez assim encontremos pistas para resolver os problemas atuais. Você
também pode abrir o baralho do Tarô e olhar os Arcanos, procurando uma possível
conexã o entre eles e os personagens do sonho.

Usando essas e outras técnicas que vêm à mente, o introvertido talvez possa começar a
encontrar padrõ es em eventos externos e conectá -los ao papel que a representaçã o
desempenha em seus sonhos. O introvertido pode tornar o mundo e seus habitantes mais
compreensíveis e menos assustadores para ele, primeiro tentando se conectar com a
estrutura familiar do sonho e depois aplicando esses insights a eventos externos menos
familiares. Encontrar soluçã o para seus sonhos internos pode dar a um introvertido a
energia e a confiança para abordar criativamente a soluçã o de problemas externos.

Jogando imaginativamente com os fatos de sua vida interior, ele pode criar uma ponte
para a vida exterior, de modo que os sentimentos e ideias do introvertido possam emergir
do introvertido e serem recebidos exatamente como ele os enviou. Uma vez que esta ponte
para o mundo exterior tenha sido criada com sucesso, o introvertido se verá projetado para
fora do centro da Roda da Fortuna, em direçã o à borda dela. Uma vez lá , o amplo panorama
lhe oferecerá novos pontos de vista e a aceleraçã o do movimento o levará a novas açõ es.
Como ninguém é totalmente introvertido ou totalmente extrovertido, as idéias
sugeridas aqui sã o ú teis para ambos. O fato é que todos nó s temos uma parte no mundo
exterior e uma parte no mundo interior. Todos nó s precisamos conectar esses dois mundos
dentro de nó s mesmos e, ao fazer isso, seremos capazes de nos conectar com os outros. O
introvertido e o extrovertido devem tentar encurtar as distâ ncias que os separam para que
possam se comunicar e trabalhar em harmonia. É muito importante que cada um mantenha
sua pró pria identidade para que possa trabalhar de forma compensató ria na tarefa de
buscar a realizaçã o.

Ao contrá rio dos dois animais da Roda da Fortuna, nó s, humanos, somos dotados de
consciência e imaginaçã o criativa e, embora nossas vidas também estejam sujeitas à roda
das circunstâ ncias (sobre as quais nã o temos controle), nã o estamos presos a nenhuma
parte dela. qualquer. Dentro dos limites de nossa roda há mais oportunidades de
movimento do que podemos imaginar. Imagine, essa é a palavra-chave. Enquanto
deixarmos nossa imaginaçã o correr solta, encontraremos uma maneira de funcionar. Mas
quando nos aproximamos da esfinge com o intelecto de nosso ego, podemos nos fixar em
uma ideaçã o circular ou em infindá veis voltas filosó ficas e psicoló gicas.

Descobri que existe uma maneira de dar asas à imaginaçã o: evitar perguntar à esfinge
por quê. Por que isso aconteceu comigo? Por que eu me comportei (ou eles se
comportaram) assim? Por que sou tã o burro, inepto, incompreendido ou o que seja?
Cheguei à conclusã o de que, pelo menos para mim, as perguntas que começam com " por
que " nã o fazem nada além de me enterrar sob toneladas de acusaçõ es e recriminaçõ es que
enterram minhas energias criativas sob os " deveria " ou " poderia " que me paralisam com
sentimentos de culpa e rigor. Embora, talvez, eu tenha assumido muito pouca
responsabilidade por meu destino, começo a pensar que o peso do mundo inteiro está
sobre meus ombros. Passo de " culpado " (totalmente responsá vel pelo que aconteceu, uma
criatura incapaz de lidar com a humanidade), a pensar que " eles " sã o os culpados e meu
trabalho é puni-los corrigindo seus passos errados no caminho da bom. Seja o que for, em
ambos os casos, a criatividade está paralisada.

Os " porquês " sugam o sangue da vida como Harpias . Aprender a interrogar a esfinge,
implorando sua ajuda, é uma arte. Se fizermos perguntas muito filosó ficas ou muito
psicoló gicas, ele nos responderá com outras perguntas que farã o do diá logo um espetá culo
como o de um golfinho treinado. Se nosso encontro for muito literal e específico, suas
respostas podem nos trazer de volta à realidade de maneiras inadequadas e desastrosas.

De acordo com o Zohar , em cada casa astroló gica existe uma porta pela qual o homem
pode escapar. Como descobrimos em todos os outros arcanos do Tarô , a chave para essa
porta é a compreensã o simbó lica e nã o a interpretaçã o literal, o sentido interno e nã o o
ambiente externo. Nã o podemos escapar do nosso destino afastando-nos dele. Mas talvez
possamos mudá -lo percebendo as atitudes que podem atrair esse destino e mudando nosso
ponto de vista.

Mais uma vez, a histó ria de Édipo é ú til para nó s. Quando foi profetizado que ele
mataria seu pai e se casaria com sua mã e, ele tentou escapar de seu destino mudando seu
ambiente geográ fico externo em vez de sua paisagem interna. Para nã o matar Políbio , rei
dos coríntios (que ele acreditava ser sua mã e), É dipo fugiu para Tebas. No caminho, ele
conheceu um estranho que matou em uma disputa pelo direito de passagem. Mais tarde,
casou-se com a viú va estrangeira, apenas para saber que o homem que havia matado era o
rei Laio de Tebas, seu verdadeiro pai, e que a mulher com quem se casou era Jocasta , sua
pró pria mã e.

Se Édipo tivesse considerado a dita profecia simbolicamente e nã o literalmente,


parando para examinar seu interior em vez de fugir para a geografia externa, ele poderia
ter evitado o destino que lhe fora profetizado de maneira literal e simbó lica. Por exemplo,
ele poderia ter tomado a frase " matar o pai " como um alerta para controlar seu
temperamento: impulsivo, com açõ es repentinas e um tanto assassinas, o que o fez
valorizar o direito de passagem como prioridade em um encontro, levando-o a se rebelar
contra valores estabelecidos. Ele pode ter entendido " casar com a mãe " como um símbolo
de sua necessidade infantil de uma mã e superprotetora ou de uma ninhada. Um É dipo
moderno com essas terríveis premoniçõ es pode procurar a ajuda de um terapeuta
profissional para evitar o incesto e o assassinato, tanto simbó lico quanto literal.

Como símbolo da meditaçã o contemplativa, a Roda da Fortuna pode nos fornecer


infinitos significados. Em momentos de confusã o, sobrecarregados pelos altos e baixos
repentinos da vida, meditar no centro da Roda pode nos acalmar, colocando-nos em
contato com sua estabilidade eterna. Quando nos sentimos mortos ou sem vida, contemplar
a borda externa da Roda com seu movimento pode nos dar uma nova força, ajudando-nos a
entrar em contato com as ilimitadas energias da vida.

À s vezes sentimos que a vida nos enganou com suas inú meras artimanhas, deixando-
nos irresponsavelmente deprimidos. Meditar na Roda pode fazer-nos perceber que nã o foi
a Esfinge que nos enganou, mas sim a nossa pró pria forma linear de pensar que nos fez ver
a vida como uma hierarquia de conquistas que segue um caminho ascendente, subindo
cada vez mais. até que finalmente alcance a perfeiçã o celestial. Somente aqueles para quem
a imagem da vida é uma jornada rumo à perfeiçã o podem ser derrubados por seu
movimento cíclico.
O homem esteve na Lua, vendo assim a terra flutuar no céu. Certamente esta
experiência o libertou para sempre do pensamento hierá rquico de que tudo acima é bom e
desejá vel, enquanto tudo abaixo nã o passa de uma encarnaçã o humilhante da carne,
condiçã o essencial para o progresso ou transcendência. Se um astronauta parado na Lua
olhasse para o céu em busca de ajuda, estaria olhando para nó s. É o milagre do nosso
tempo: nó s mesmos nos vimos elevados de corpo e alma ao está dio celestial, conectando-
nos novamente e simbolicamente com o Espírito Santo.

À medida que os nossos viajantes espaciais se desvinculavam da gravidade da Terra e


subiam ao Céu, trouxeram fotografias do nosso planeta, flutuando silenciosamente no
espaço, que nos deixaram sem fô lego ao contemplarmos a visã o de nó s pró prios e da nossa
relaçã o com o Cosmos . , oferecendo-nos uma visã o da condiçã o humana que é mais
revolucioná ria que a visão de Copérnico . Olhando para estas fotografias, cada um consegue
transcender a gravidade de nã o poucas coisas terrenas e, elevando-se acima dos problemas
da vida quotidiana, contemplar o seu destino pessoal como uma vasta constelaçã o
espalhada no vasto céu.

Muitas dessas idéias estã o incluídas no simbolismo do nú mero dez correspondente à


Roda da Fortuna. Este nú mero, tal como o quatro do Imperador e o sete do Carro, é um
daqueles nú meros má gicos que nos remetem ao nú mero unitá rio, anunciando uma nova
era de conhecimento e integraçã o. A forma como está escrita também é muito significativa:
o zero, celestial (que apareceu no nove do Eremita, como um cometa com a cauda
estendida para o chã o), desceu do céu, ou o reino dos deuses arquetípicos que cai em
direçã o ao realidade do conhecimento humano, onde a unidade está agora ao lado do Uno
(símbolo do homem, o ú nico animal ereto, o ú nico ser humano consciente). Isso pode
anunciar uma nova era de conhecimento, na qual o homem, tendo cortado o cordã o
umbilical, libertou-se e agora observa objetivamente o cosmos como nunca antes.

Com o movimento da Roda do Tarô e o impacto do nú mero dez a ela atribuído, nosso
heró i também experimenta uma revoluçã o psíquica. Pela primeira vez, seu ego, libertando-
se da prisã o circular da frivolidade sem fim, ergue-se, contempla o modelo de sua vida
como um todo (ele observa seu ser individual como uma mandala ú nica contra o círculo
infinitamente expansivo do Cosmos). Ele começa a descobrir agora, no complicado
maremoto de eventos de sua vida, um fio de sentido, uma possível histó ria dramá tica. Ele
também começa a vivenciar seu destino pessoal como uma espécie de mito, conectando-o
com os mitos dos deuses e heró is arquetípicos cujas histó rias imortalizaram as lendas de
todos os tempos e cujos nomes estã o para sempre ligados à s constelaçõ es celestes. Agora o
heró i começa a entender que sua vida também tem um lugar perpétuo na grande tapeçaria
do universo. A Roda da Fortuna gira infinitamente nos oferecendo significados infinitos. Ao
observar esse movimento, o heró i passa a sentir que a vida nã o é um enigma de esfinge a
ser resolvido, mas um processo có smico de espantoso mistério. Pela primeira vez ele pá ra
humildemente e tem medo de duas coisas ao mesmo tempo: dos deuses e de sua pró pria
humanidade, muda pela triste gló ria de ser humano.

14. A FORÇA:
DE QUEM?

Fig.47 A Força (Marseillaise Tarot)


De dentro, o glutão, devolveu a comida; do forte,
saiu doçura

Livro de Juízes 14:14

Acompanhamos o heró i em seu destino ao estabelecer sua identidade de Amante,


disposto a tomar a Carruagem até encontrar seu lugar no mundo dos homens, enfrentar os
problemas que a Justiça lhe apresenta, bem como recorrer ao Eremita em busca de luz
interior. A Roda da Fortuna marcou o fim desse ciclo, dando lugar a uma nova fase do
conhecimento. Com essa nova reviravolta, o heró i também experimentou uma revoluçã o. A
partir deste momento, seus interesses se voltarã o cada vez mais do mundo exterior para o
interior. As energias que até agora foram usadas para se adaptar ao mundo exterior,
começarã o a se preocupar mais com seu crescimento interno. Os poderes que antes se
dedicavam à competitividade e à sobrevivência começam agora a caminhar mais para a
unificação e o desenvolvimento futuro . Problemas que pertenciam ao lado masculino da vida
(o Logos ) agora dã o lugar à questã o bá sica do instinto natural, que pertence ao reino de
Eros, o princípio feminino .
Essa mudança é a que aparece representada na décima primeira carta: Força (fig. 47).
Aqui uma mulher mortal aparece pela primeira vez como figura central do drama. Nã o é
uma deusa sentada imó vel em seu trono, é um ser humano vestido de acordo com a moda
da época. Claro, ela nã o é uma mulher vulgar; ele está domando um leã o. A aba de seu
chapéu lembra o do Mago. Como o Mago, ele deve possuir poderes má gicos, pois, como ele,
representa uma figura interna e ativa do inconsciente do heró i (muito mais acessível à
consciência do que qualquer deus ou deusa).

Devemos contemplar essa mulher como a anima , personagem arquetípica que


simboliza o subconsciente do heró i, sua parte feminina. Na carta nú mero um, o Mago
iniciou nossa série de Tarô . Aqui e agora, na carta dez mais um, encontramo-nos prontos
para uma nova magia, para um novo começo, no qual este mago desempenhará o papel de
iniciador. Será ela quem atuará como mediadora entre o ego do heró i e os poderes mais
primitivos de sua psique.

Como uma influência mediadora cultural, a Força aparece idealmente caracterizada.


Seus vestidos sugerem requinte e educaçã o. Embora esteja usando um chapéu idêntico ao
do Má gico, nã o o vemos segurando uma varinha má gica. Seu poder reside em suas mã os,
que seguram sem medo as mandíbulas do leã o, indicando que sua magia é mais humana,
pessoal e direta do que a de seu oponente masculino. Seu poder nã o reside em uma vara
que se usa à vontade (ou talvez apesar dela). Seu poder misterioso reside em seu pró prio
ser como parte íntima e permanente.

Seu nú mero onze, escrito em algarismos romanos, tem a forma de um X mais um I ,


lembrando o monograma que os gregos atribuíam a Cristo, do qual já falamos na carta
anterior, a Roda. Aqui o X precede o I. Obviamente, a nova magia representada na décima
primeira carta tem atrá s de si a força das dez primeiras cartas. Talvez, como com Sir
Galahad , a força daquela senhora seja tã o forte quanto dez devido à pureza de seu coraçã o.

Com a ajuda deles, o heró i perceberá as forças instintivas que carrega dentro de si.
Você aprenderá a sacrificar os poderes do ego para outro tipo de força. Seu comportamento
masculino será modificado por uma aproximaçã o ao feminino. Essa nova forma de
funcionamento, longe de ser efeminada, é muito poderosa. Fica evidente a coragem e a
força da mulher, aqui representada pela Força. Essa alma destemida existe em um lugar
muito profundo na psique ainda relativamente desconhecido do jovem heró i. Nã o está sob o
controle do ego consciente, portanto só aparece livremente em seus sonhos e visõ es. É ela
quem o colocará em contato com a escuridão de sua floresta interior e com as criaturas
selvagens que ali encontrará . Ela o ajudará a domar sua natureza animal para que ele nã o
esteja mais totalmente sob seu controle.
Em El Loco vimos um passeador feliz que ia com seu cachorro. O animal batia nas
pernas do dono como se quisesse lhe dizer algo. Talvez o heró i do Tarô nã o tenha prestado
atençã o suficiente à sua pró pria amizade instintiva, pois na Força a natureza animal agora
nos parece um enorme leã o, uma fera selvagem demais para o heró i enfrentar diretamente
e, ao mesmo tempo, muito perigosa. para você ignorar.

Por sorte, o má gico consegue enfrentar o leã o, dando-lhe a atençã o necessá ria .
Simbolicamente falando, isso pode significar que a natureza humana do heró i é capaz de
enfrentar sua natureza animal. Essa consciência do ego nã o pode lidar diretamente com as
forças desconhecidas do inconsciente . Uma relaçã o entre esses dois aspectos da psique só
pode ocorrer por meio da mediaçã o da anima .

O papel do feminino como uma influência mediadora entre a consciência humana e a


psique primitiva ocorre, ou é celebrado, em inú meros contos de fadas e lendas como "A
Bela e a Fera", "O Príncipe Sapo" , " Eros e Psique » e « Una e o Leão ». Em todas essas
histó rias, através da aceitaçã o da mulher de sua natureza selvagem, o animal nã o é apenas
domesticado, mas transformado. Em " O Príncipe Sapo ", por exemplo, é porque a princesa
supera seu nojo inicial pelo bichinho, aceitando-o como companheiro constante, que a
repulsiva criatura se liberta de um encantamento e volta à sua forma primitiva de príncipe
real. Em outras histó rias, por meio da compaixã o de uma mulher por sua natureza bestial,
um monstro oculto finalmente se liberta de seu disfarce, revelando-se um belo amante ou
um deus.

Esses contos nos mostram a verdade poética de que quando a consciência humana
reconhece e aceita sua natureza primitiva indomável, ela não apenas se liberta do poder
autônomo do instinto, mas também todo o seu aspecto instintivo é libertado e transformado .
Esta transformaçã o está ocorrendo em nossa série de Tarot, como podemos apreciar
comparando a Força com a carta anterior, a Roda da Fortuna. Na Roda, as forças instintivas
sã o desenhadas como duas figuras patéticas ou talvez cô micas irremediavelmente presas e
dominadas por uma esfinge subumana coroada com uma coroa vulgar. Agora, sob a
influência benigna dessa dama má gica, o aspecto instintivo aparece como um leã o dourado
coroado por sua pró pria dignidade natural como rei de seu reino. Na carta anterior, o
pequeno animal semelhante ao macaco imita o homem na expressã o e no vestuá rio e, ao
fazê-lo, nega a sua pró pria natureza. Nesta carta, o leã o permanece alto, orgulhoso dentro
de sua pele de animal, exibindo livremente sua essência real. Enquanto na Roda da Fortuna
o fator mais civilizado era representado por um “ macaco vestido ”, evidentemente
inadequado e absurdo, aqui o fator dominante nos é apresentado como uma digna figura
humana com poderes má gicos.
Jung disse que a primeira metade da vida é dedicada à natureza e a segunda metade à
cultura . A mulher que aqui aparece é uma pessoa refinada e culta. Embora o leã o seja o rei
da selva, deve ter sido domado antes de chegar à corte. Esse processo chamado de “
domação ” requer uma conexã o muito íntima entre a dama e o leã o. Ao contrá rio de seu
oponente masculino, esse má gico nã o trabalha no meio da rua para se exibir; aconteça o
que acontecer, é claro que é um drama mais privado: seu encontro pessoal com o leã o. Seu
nú mero onze escrito com algarismos ará bicos está um ao lado do outro, e isso lembra o
nú mero do Mago. O um, sugerindo dualidade ao mesmo tempo, reflete o nú mero sagrado
da Papisa: dois. Como seria de esperar, a magia dessa figura da anima é mais sutil e menos
dramá tica do que a do Má gico. Nã o manipula objetos e formas colocadas sobre a mesa; A
sua magia é a da relaçã o humana, trata do que diz respeito à pessoa, com contacto físico
direto. Com as pró prias mã os, ela explora as dimensõ es da besta e suas necessidades, ao
mesmo tempo em que comunica sua pró pria fé, esperanças e ambiente. Se o leã o estiver
com fome, talvez a senhora o alimente, sabendo que se ele nã o receber a comida adequada,
comerá seu corpo e sua alma. Psicologicamente, isso poderia significar que o aspecto
eró tico do heró i (sua capacidade de se relacionar) seria varrido. O heró i seria totalmente
possuído por um desejo arquetípico de poder, orgulho, coragem ou qualquer outro atributo
do leã o.

Sem dú vida, todos nó s já passamos pela experiência de ser " devorados " por algum
afeto. Já sabemos como a emoçã o repentina pode nos atingir, como a parte animal de nossa
natureza pode saltar de nossas profundezas reivindicando o que lhe pertence. É nesses
momentos que a consciência do ego é anulada e nosso corpo cai sob o poder de uma força
descontrolada. Trememos de medo, trememos de raiva, coramos de vergonha ou rimos
histericamente, tudo ao mesmo tempo, enquanto sentimos as lá grimas escorrendo pelo
rosto. Quando todas essas coisas acontecem, nosso pró prio ego, humilhado e desesperado,
tenta fugir simbolicamente, senã o literalmente. Queremos deixar esse incidente para trá s.

Cada vez que tentamos virar as costas para essa parte " bestial " de nó s, ela se torna
mais raivosa e vingativa. Se ignorarmos suas necessidades, podemos ser visitados por uma
doença psicossomá tica. Energias instintivas ignoradas persistentemente podem apresentar
sua hipoteca de forma violenta e destrutiva: crimes passionais. Em outros casos extremos, a
dissociaçã o do aspecto animal pode levar à esquizofrenia: a conexã o do ego com o corpo é
tã o fragmentada e diversa que muitas partes do corpo assumem uma personalidade, cada
uma parecendo falar e agir independentemente. Por mais breve que seja, ficar preso ao
aspecto instintivo de si mesmo pode ser uma experiência frustrante. Todos aqueles que se
sentiram " fora de si " de raiva, " consumidos " pelo ciú me ou " possuídos " pela luxú ria nã o
podem imaginar que estã o verdadeiramente acima da besta. Tais confrontos sã o duros
lembretes de que nó s, humanos, somos, na melhor das hipó teses, nada mais do que animais
especialmente evoluídos.
Se nã o quisermos ser brutalmente abalados pela besta interior contra a nossa vontade,
nã o devemos deixar que ela fique para trá s. Mais cedo ou mais tarde teremos que prestar
atençã o nisso, assim como a Senhora da Força. Devemos, como ela, colocar as mã os dentro
de suas mandíbulas para conhecer intimamente aquele ser, para que, como o tigre de Blake,
brilhe na selva de nossa noite. Devemos ousar enfrentar sua « simetria assustadora ».
Experimentar o poder da besta nã o significa que temos que agir com nossa força bruta e
agressividade na ponta da língua, gritando histericamente em nome da terapia. Ao
contrá rio, cada vez que liberamos nossa afeiçã o pelos outros, liberamos algo que nos
pertence, a experiência da besta como nossa besta, perdendo assim o contato com seu
poder.

Como mostra a senhora em sua atitude, precisamos conter nossos afetos para entrar
em contato com eles. Quanto mais a pessoa puder se conscientizar de sua natureza animal ,
menos ela será forçada a rejeitá -la, suas raivas pessoais ou suas mú ltiplas lutas. Mas porque
temos nossa fera, tentamos evitar encontrar esse aspecto aterrorizante de nó s mesmos.
Jung diz:

"É o medo da psique inconsciente que não apenas impede o autoconhecimento, mas é
o maior obstáculo para uma compreensão e conhecimento mais amplo da
psicologia." 60

A Força do Tarô nã o tem medo. Talvez ao observá -la possamos ter uma ideia de como
é melhor aproximarmo-nos e domar o nosso leã o interior. O que exatamente essa senhora
está fazendo com as mã os? Essa pergunta inspirou geraçõ es de comentaristas do Tarô .
Alguns dizem que ele está fechando a boca do leã o, outros veem que ele a está abrindo.
Talvez essa ambigü idade tenha sido permitida intencionalmente, pois sem dú vida a açã o
que está sendo executada é feita em momentos diferentes, dependendo das circunstâ ncias.
Há momentos em que o leã o de nossos instintos precisa gritar e se espreguiçar, se
enfurecer e berrar ou gemer de ciú me; há outras ocasiõ es em que os reis (especialmente os
reis) precisam aprender a ter paciência e moderaçã o.

Alguns dizem que quando as mã os da dama abrem a boca do leã o é para ensiná -lo a
magia da fala humana. Se assim for, a besta compartilha com ela os segredos sem palavras
da natureza, pois as duas figuras aparecem em um diá logo harmonioso. Eles estã o unidos
em perfeita harmonia, pois o desenho e a coloraçã o desta antiga letra sublinham um
equilíbrio entre as duas figuras.

A carta intitulada Força refere-se à dama ou ao leã o? Talvez ambos, já que cada um
deles é uma figura muito poderosa: sua força vem do compromisso mú tuo. Embora a
senhora apareça dominando o leã o, ela compartilha de sua essência. Observe como a
energia dourada de sua ferocidade sobe por seus braços, iluminando seu peito, movendo-se
em direçã o à sua cabeça, onde permanece como uma coroa dourada no centro do
lemniscado de seu cocar. Com muita intençã o, os motivos desta pequena coroa lembram
muito os dentes do animal.

A maneira pela qual a mulher se relaciona com a besta é muito diferente da masculina,
como podemos ver contrastando essa Força com " Sansão e o Leão " (fig. 48). Sansã o se
opõ e diretamente à besta, cara a cara, de forma agressiva e masculina; a mulher do nosso
Tarô se aproxima dele gentil e calmamente, indiretamente, por trá s do leã o, de seu lado
inconsciente . Observe como os pés de Sansã o estã o amarrados; Você nã o pode desistir de
um passo. Ele tem que lutar contra o poder e a força da besta se nã o quiser ser devorado.
Pelo contrá rio, o outro leã o se inclina contra a dama do Tarô . Seus pés, assim como seus
vestidos, sugerem movimento, possibilidade de dar e receber, de ajuste a qualquer situaçã o
que possa surgir. É muito interessante contemplar que as mã os de Sansã o e as mã os da
dama estã o posicionadas da mesma forma nas mandíbulas do leã o, as mã os dele lutando
com ele, as dela o aplacando.

" A Coragem do Leão é a Sabedoria de Deus ", disse Blake. O leã o de Sansã o também era
" do Senhor ". Devemos lembrar que Sansã o extraiu do corpo da besta um enxame de
abelhas e um rico mel, símbolos de enriquecimento instintivo e doce nutriçã o espiritual.
Cada vez que enfrentamos com sucesso nosso leã o interior, nos sentimos nutridos por essa
experiência. Entrar em contato com nossas emoçõ es nos deixa "fora de si", puxando nossas
entranhas para além dos limites de nosso ego. Isso é algo que bombeia sangue novo em
nossas veias. Como acabamos de ver, a substâ ncia dourada do leã o flui para os braços da
mulher, tornando-se parte dela mesma. Domada pela magia da mulher, a fera nos oferece
gratuitamente seu mel. Você nã o precisa matá -lo para conseguir esse dom.

Apó s um encontro como o anterior, o heró i costuma usar, como atributo permanente,
como um troféu, algo pertencente ao animal: seus dentes, sua pele ou seus cabelos,
simbolizando assim que já está imbuído de um dos atributos de o adversá rio, seja força ou
astú cia. Como Hércules , que se cobriu com a pele do leão de Neméia , o toureiro triunfante
também caminha pela arena com as duas orelhas e o rabo do touro. Talvez a dama do Tarô
também use um cocar que é produto de seu poder, talvez o que ela procura na boca do leã o
seja mais um dente de sabedoria para adicionar aos que sua coroa já usa.

Diz-se que o leã o do rei Salomão tinha a chave da sabedoria entre os dentes, já que os
leõ es sã o geralmente associados à sabedoria. Leão , com sua juba feita de raios de sol,
muitas vezes simboliza o sol celestial e a iluminaçã o da cabeça do deus. Os hindus colocam
o leã o na escala hierá rquica dos seres superiores ao homem, pois o leã o também é um
símbolo da reencarnação . Existe uma antiga fá bula de que os filhotes de leã o nascem
mortos e só sã o revividos pelo sopro do pai. Visto neste contexto, este leã o pode encarnar,
entre outras coisas, o instinto religioso, aquela necessidade ou anseio que desperta o desejo
de se reunir com o pai, algo que Jung sentiu como uma tendência primá ria na psique
humana tã o bá sica e natural quanto o sexo. .

Fig. 48 Sansão e o Leão


(Esmalte de Nicholas de Verdun, 1181. Museu Chorherrenstift, Klosterneuburg, Á ustria. Reproduzido com
permissã o.)

Os animais selvagens sã o geralmente um símbolo de auto-realização , pois sã o fiéis à


sua natureza instintiva, que é pura e incorruptível contra a ambiçã o, bem como contra
qualquer outro aspecto negativo dos chamados " homens civilizados ". O leã o, com sua coroa
e barba douradas, é um símbolo particularmente apropriado para o poder energizante da
psique, seu sol central, o eu .

Apesar do fato de que, como rei dos animais, nosso leã o do Tarô é colocado acima de
outros animais, ainda é um animal natural. Ao contrá rio da esfinge, ele existe na natureza.
Isso significa simbolicamente que a Senhora da Força está lidando com uma força natural
que pode ser domada e integrada de uma certa maneira. Essa ideia é enfatizada pelo fato de
que o leã o divide o palco e atua com a dama, enquanto a esfinge na décima carta está
entronizada acima da Roda e nã o participa da açã o abaixo.

Em nosso Mapa de Jornada, o Imperador é colocado diretamente acima da Força.


Ambos representam influências poderosas no desenvolvimento da consciência humana. O
Imperador representa a autoridade externa, o dever da civilizaçã o, enquanto o leã o
personifica a autoridade instintiva , a vontade de si mesmo . Sem o sangue dourado do leã o
nas veias, seríamos marionetes, obedecendo irracionalmente aos comandos dos outros;
sem a autoridade e orientaçã o de nosso Imperador interior, ainda estaríamos vivendo em
cavernas. Entre esses dois extremos, a dama má gica atua como mediadora.
O reino do Imperador, a civilizaçã o, mantém o bem-estar da comunidade. Os domínios
da Força, da cultura, alimentam as necessidades do indivíduo. Uma camada de civilizaçã o
pode ser sobreposta do lado de fora. É um acontecimento interno que se cultiva desde o
início no coraçã o de cada ser humano. Isso acontece quando o leã o que surge dentro de nó s
é aceito e integrado . Como Jung repetiu, uma mudança na consciência humana nã o pode
ser produzida de forma massiva; a psique humana é a única dona da consciência .

Para muitos é difícil se conectar com a camada amoral da psique que o leã o simboliza.
Alguns, ainda prisioneiros dos deveres ou nã o dos mandamentos religiosos, nem se
atrevem a imaginar o que seriam capazes de fazer se se libertassem dessas restriçõ es
impostas. Outros, que nã o cresceram dentro de um credo ou dogma estrito, correm para
aderir a alguma religiã o ou có digo filosó fico capaz de criar uma prisã o para aquele leã o
temível e desconhecido que carregamos dentro de nó s.

A força do leã o é ambivalente, tanto pode dar vida como destruí-la. Seu orgulho e
desejo de poder sã o lendá rios. Há outro aspecto menos conhecido, também instintivo, que
o leã o também simboliza: o desejo de ser redimido . Isso também pode corroer nossa
humanidade, deixando para trá s apenas os olhos brilhantes e a voz irritada de um faná tico
religioso.

Freud há muito tempo nos colocou em contato com nosso lado instintivo como uma
força sexual. O instinto de alcançar a iluminaçã o também pode ser uma força poderosa e
até perigosa. Isso é especialmente verdadeiro considerando que a expressã o externa disso
está relacionada à aprovaçã o social. Como acontece com todas as forças arquetípicas, o
problema é como lidar com elas e usar conscientemente seu poder criativo sem permitir
que devorem nossa humanidade. Jung o considerava como um perigo específico em relaçã o
à s forças instintivas simbolizadas pelo leã o. E escreveu:

"Os leões, como todos os animais selvagens, indicam emoções latentes. O leão
desempenha um papel importante na alquimia com esse mesmo significado. É um
animal "feroz", emblema do diabo, e corre o risco de ser devorado pelo inconsciente.»
61

Tanto nos mitos quanto nas fá bulas, os aspectos celestes e demoníacos dos animais
aparecem repetidamente. Zeus , disfarçado de pá ssaro ou fera, desce à terra onde tem
relaçõ es amorosas com seres mortais. No entanto, nã o há nenhum exemplo em que Zeus se
disfarçou de leã o para suas incursõ es noturnas, talvez porque esse papel real fosse um
péssimo disfarce para o governante do Olimpo. Os deuses nã o sã o encenados. Quando Zeus ,
disfarçado de pá ssaro ou besta, tinha relaçõ es com uma mulher mortal , os resultados eram
sempre dinâ micos, com derivaçõ es tanto para o bem quanto para o mal. Normalmente, essa
uniã o do céu e da terra era a causa de uma conflagraçã o social que dava origem a uma nova
era, tanto cultural quanto psicoló gica.

Fig. 49 Leda e o Cisne


(Artista flamengo, 1540. Da coleçã o de G. Johnson. Museu de Arte da Filadélfia. Reproduzido com permissã o)

Alguns dos casos de amor de Zeus foram celebrados em pinturas famosas, duas das
quais sã o reproduzidas aqui enquanto oferecem, ampliam e iluminam esse tema. Em ambos
os exemplos, a relaçã o entre o deus-animal e a mulher-mortal produz resultados
frustrantes. Na primeira pintura, intitulada " Leda e o Cisne " (fig. 49), Zeus assume a forma
de um belo cisne e estupra a inocente Leda . Pelo que parece, Leda parece ter gostado do
inevitá vel, pois ela e o cisne estã o presos em um abraço terno. Aos pés de Leda estã o os
temíveis frutos dessa uniã o, dois pares de gêmeos famosos: Castor e Pólux , e Helena e
Clitemnestra , símbolos tanto da grandeza da Grécia quanto da queda de Tró ia.

Yeats 62 colocou isso de forma mais bonita em seu poema « Leda e o cisne »:

Um estremecimento gerou lá
o colapso da parede, a queima do telhado
e da torre e da morte de Agamenon.

E o poema de Yeats termina perguntando:


Ela colocou todo o seu conhecimento e poder
antes que o beijo indiferente a deixasse cair?

Parece que Leda nã o. Ao contrá rio da Força, Leda nã o é coroada com dentes do siso.
Em vez disso, despojada até mesmo das armadilhas da civilizaçã o, ela assumiu totalmente a
forma sinuosa de seu amante cisne. Ela foi estuprada em sua humanidade e possuída pelo
deus.

Fig. 50 O sequestro de Europa (Francesco di Giorgio)

Em outra ocasiã o famosa, Zeus , assumindo a forma de um touro, raptou a inocente


Europa . A pintura em que Di Giorgio comemora esse acontecimento intitula-se O Rapto da
Europa (fig. 50). Parece ó bvio que o pintor usa a palavra « rapto » em sentido figurado e
apenas por cortesia para com os pais desta pobre menina, já que a Europa também parece
gostar deste desfile. Ela nã o derrama uma lá grima quando olha para trá s, onde uma mã o se
despede dela de sua casa. Observe como o artista capturou lindamente o sentimento
inconsciente de identidade entre Europa e o touro. Os dois parecem flutuar juntos como um.
No entanto, ela é " arrebatada " pela besta divina. Essa uniã o dará novamente origem a um
evento misto: o rei Minos de Creta e o bestial e má gico Minotauro .

Como ilustram esses mitos, é preciso força e experiência para combater as tendências
instintivas se você nã o quiser se sentir envergonhado ou mal-humorado. A dama atraída
pela Força parece ter visã o interior e força para vencer o leã o. Ela nã o se deixará levar pelo
simpá tico animal, os dois se movem em harmonia. Mesmo com a ajuda desse mago, o leã o
jamais será totalmente domado, pois pertence ao reino de Ártemis ( Diana ), deusa dos
animais, ela pró pria uma criatura selvagem, indomá vel e imprevisível.

Ártemis é, por outro lado, a virgem caçadora , irmã de Apolo , com quem compartilha
sua luz. Quando zangada, porém, ela pode se tornar tã o vingativa quanto a bruxa Hécate ,
fazendo magia negra como ela. Sempre que quiser, essa deusa é capaz de transformar o
melhor amigo do homem em cã o escravo de Hécate , fazendo com que o animal ataque e até
devore seu pró prio dono. Essa ideia nos é mostrada no mito grego do jovem Actaeon , que
foi destruído por seus pró prios cã es de caça, a quem Ártemis deu a ordem , por tê-la
espionado em seu banho. O destino de Acteon ilustra uma verdade psicoló gica:
Se permitirmos que nossos instintos corram livremente, sem restrições, eles podem se
voltar contra nós e nos destruir.

Fig. 51 Artemis, a dama das feras, passeando com seu cachorro pelos jardins das Tulherias (Foto de M. Brassai)

Uma bela fotografia da está tua de Á rtemis passeando com seu cachorro pelos Jardins
das Tulherias (fig. 51) apresenta a deusa como casta e inocente. Apenas os olhos brilhantes
de seu cachorro nos avisam que estamos lidando com uma bruxa e seu " animal de família ".
O fotó grafo que tirou esta foto em uma noite de tempestade; apenas um raio ilumina a cena.

Como nos contam os antigos mitos, o homem primitivo tinha grande dificuldade em
controlar seus instintos, pois eles estavam muito à flor da pele e ele nã o podia negá -los.
Agora, em vez disso, ignoramos nosso lado instintivo por tanto tempo que à s vezes até
esquecemos que ele existe, até que ele ruge em sua jaula com a fú ria de um leã o faminto.
Quer gostemos ou nã o, nossa natureza animal nos acompanhará por toda a vida. Devemos
encontrar uma maneira, como você sugere, que nos permita compartilhar pacificamente
sua empresa. Aniela Jaffé comentou sobre esse problema explicando a relaçã o com nosso
aspecto pulsional da seguinte forma:

«Os perigos que amedrontam o homem civilizado são os instintos reprimidos ou


feridos; os perigos que assustavam o homem primitivo eram impulsos desenfreados.
Em ambos os casos o "animal" está alienado de sua verdadeira natureza e para
ambos a aceitação de sua alma animal é a condição para a plenitude e experiência
total da vida. O homem civilizado deve cuidar do animal que carrega dentro de si
tornando-se seu amigo.» 63
Temos um caminho que nos permite fazer contato com o animal que carregamos
dentro de nó s e esse caminho sã o os sonhos. Talvez nossa alma animal perdida e ferida
venha até nó s em sonhos em busca de ajuda. Na pintura de Rousseau O cigano adormecido
(fig. 52), um leã o passeando sob a lua no deserto se aproxima de um cigano adormecido.
Sob o brilho da lua, o leã o e a cigana sã o enfeitiçados pelo mistério do outro. O sonho da
cigana é atacado em sonhos por sua alma animal perdida; a besta incansá vel parece farejar
o mistério da humanidade, temendo de alguma forma tocá -lo.

Fig. 52 A cigana adormecida


Henri Rousseau, 1897, ó leo sobre tela medindo 127,5x 197,5cm. Museu de Arte Moderna, Nova York. Cortesia de
Simon Guggenheim.)

Felizmente, o heró i de nossa histó ria se lembra de seu sonho e fica de olho no leã o que
ruge à sua volta à noite. Aparentemente, ele também fez contato com a alma que caminha
ao lado desse animal. Com aquela poderosa dama como guia, o heró i pode explorar com
segurança a selva interior de sua psique. Com a ajuda deles, ele pode conhecer o leã o e
todas as outras feras primitivas que habitam as profundezas de seu ser.

15. O ENFORCADO:
INTRIGA
Fig. 53 O Enforcado (Tarô da Marselhesa)
...não é o recuo que diminui a potência.
É o consentimento.

Mary Renault

No décimo segundo Triunfo , um jovem está pendurado de cabeça para baixo,


amarrado por um pé a uma forca que é sustentada por duas á rvores truncadas, cada uma
com as marcas de seis ramos podados (fig. 53). As duas á rvores crescem à beira de um
abismo na terra, possivelmente uma ravina muito profunda. Assim, a cabeça do jovem está
mais baixa que o nível da superfície da terra, como que enterrada, como as raízes das duas
á rvores. A proeminência formada pela cabeça do jovem, assim como os cabelos pendentes,
sugerem uma terceira bola enterrada, talvez um nabo com as raízes cabeludas
características deste vegetal.

O Enforcado , com as mã os amarradas nas costas, sente-se tã o indefeso quanto o nabo.


Está totalmente nas mã os do Destino. Você nã o tem poder para moldar sua vida ou
controlar seu destino. Como um vegetal, ele nã o pode deixar de esperar por uma força fora
dele para arrancá -lo da atraçã o regressiva da Mã e Terra .

Tendo experimentado o exuberante influxo de energias indicado na carta anterior, o


heró i certamente ficará maravilhado com essa virada repentina. Com o pé que fica livre,
certamente terá lutado o má ximo possível para se libertar, chutando inutilmente contra o
seu destino. Ele terá se sentido profundamente enganado, impaciente, querendo se
levantar e poder mais uma vez ter a cabeça sobre os ombros e estar firme no chã o como
pretendia. Ele deve ter sofrido muito antes de atingir o grau de aceitaçã o e descanso quase
agradá vel que a imagem mostra.
Podemos facilmente imaginar com que força e fú ria esse jovem lutou. Também
acreditamos que esta situaçã o é inaceitá vel e humilhante. É difícil para nó s ver sua cabeça,
sede do pensamento racional, abaixada dessa maneira, e gostaríamos de liberar suas
pernas amarradas para que ele pudesse empreender novas aventuras. Para o homem
ocidental é muito difícil tolerar a inatividade forçada. Temos a tendência de pensar que a
açã o significativa está na linha horizontal, no plano do comportamento extrovertido, e de
representar qualquer anseio espiritual direcionado para o céu, ignorando totalmente o
crescimento que isso pode produzir abaixo do nosso nível de consciência. Perdemos as
dimensões da profundidade , citando Paul Tillich.

Todos nó s tendemos, quase instintivamente, a virar a carta do Enforcado para


endireitá -la. Se dermos a carta a alguém nã o familiarizado com o Tarô , eles invariavelmente
a virarã o para que a cabeça da figura fique "onde deveria estar". Depois de fazer isso, ele
fará um barulho de alívio e certamente sorrirá . Se você nã o sabe por que ele está sorrindo,
tente virar a ilustraçã o do livro para que o enforcado fique de pé. Agora vemos como, com
um pé só e com os braços amarrados nas costas, ele dança um jig . Visto pela perspectiva do
inconsciente, o que nos parecia estagnado, imobilizado e cativo, agora é livre; aquele que
parecia ter perdido o equilíbrio agora alcançou uma estabilidade perfeita. O que nossa
consciência experimentou à primeira vista como um momento de quietude e frustraçã o
agora nos é revelado como um momento de açã o libertadora. Até a expressã o no rosto do
Enforcado parece ter mudado. Agora seu olhar encontra o nosso com serenidade e
confidencialidade; com alguma autoridade parece que sorrimos como se ele soubesse de
um segredo.

Para poder descobrir o seu segredo, temos de olhá -lo novamente como nos apareceu
da primeira vez: balançando sem ajuda no espaço. Pendurar de cabeça para baixo é
tradicionalmente a puniçã o para os traidores. Em alguns antigos baralhos italianos, esta
carta é chamada de Il Traditore (o traidor). Por vezes este Traidor do Tarot é representado
com um saco cheio de moedas em cada mã o, sugerindo a figura de Judas com os seus trinta
dená rios de prata. Durante a Idade Média, covardes e cavaleiros desleais eram pendurados
pelos tornozelos para serem espancados; o que foi um castigo humilhante. Muito
recentemente, os corpos de Mussolini e de sua amante foram pendurados de cabeça para
baixo para exibiçã o pú blica. Em todos esses casos o enforcamento, em si, é o instrumento
físico da morte, é antes um sinal de ignomínia, censura e ridículo pú blico, uma reversã o,
uma reversã o total de tudo o que significava algo para aquele personagem.

O costume de pendurar alguém pelos pés era antigamente chamado de "


desconcertante ". Hoje « desconcertante » também significa « frustrar, confundir, perturbar ».
Certamente o jovem aqui representado sente-se confuso no sentido mais amplo da palavra.
Ele está suportando algum tipo de crucificaçã o. Isso nos lembra de Pedro , que pediu para
ser crucificado de cabeça para baixo em sinal de humildade . Nã o há evidências de que o
heró i do nosso Tarô tenha pedido para ser ridicularizado, mas psicologicamente falando,
provavelmente ele o fez inconscientemente. Talvez o contato com o orgulhoso leã o da carta
anterior o tenha deixado orgulhoso, com confiança ilimitada em sua pró pria força humana.
Como já sabemos, os deuses nã o gostam de escâ ndalos. Qualquer alegaçã o de que a
natureza humana é mais forte que a Mãe Natureza ou que o intelecto do homem é a regra
geral para toda a vida irrita a Grande Mãe e, em ú ltima aná lise, também o prisioneiro
humano. Em vingança, a deusa pode agarrar seu filho imprudente pelos tornozelos,
mergulhando seu orgulhoso cérebro de volta no ventre de sua terra ú mida.

A árvore , especialmente se for uma á rvore truncada, é o símbolo universal da mãe . O


corpo de Osíris , por exemplo, estava envolto em uma á rvore truncada; seus galhos podados
simbolizam a emasculação do filho (a consciência do ego masculino) e a possibilidade de
um novo crescimento ou renascimento em uma esfera mais ampla de conhecimento. O
Enforcado , emoldurado em ambos os lados por essas á rvores gêmeas, bem como pela forca
acima, pode significar que ele está envolto em algum tipo de caixã o. Ao mesmo tempo, o
contato com as á guas subterrâ neas maternas sugere o batismo e uma nova vida . Talvez a
natureza o mantenha confinado para que ele possa finalmente sair de seu ventre como um
recém-nascido. Podemos pensar que, como os recém-nascidos, eles sã o segurados pelos
tornozelos para dar-lhes os tapinhas que os levarã o a uma nova vida.

Vemos nosso heró i aqui suspenso entre os pó los gêmeos da existência: nascimento e
morte . Todos nó s já sentimos a solidã o e o desamparo de nos sentirmos pairando sobre o
abismo eterno. Este terrível isolamento, ou teste de paciência, desempenha um papel muito
importante em todos os ritos de iniciaçã o. À s vezes, por exemplo, o iniciado é obrigado a
passar a noite sozinho dentro de uma caverna escura na floresta. Nele, ele é forçado a
enfrentar e suportar uma possível morte física sem nenhuma ajuda além de sua pró pria
força e habilidade interior. Diante desse momento, o jovem é obrigado a encontrar um novo
centro, que até entã o havia escondido dentro de si. Se sobreviver a esta experiência, sai da
gruta ainda recém-nascido, prova de que, ao lhe dar um novo nome, é aceite como adulto
na comunidade. De acordo com a teoria de Mircea Eliade , através desta experiência o
iniciado faz a transiçã o do mundo ordiná rio da temporalidade para o mundo atemporal e
sagrado dos deuses. Em seu livro Threshold of Initiation , Joseph Henderson discorre sobre
esse momento, comentando com Eliade o seguinte:

«Entre os dois (mundos) há uma ruptura, uma ruptura na continuidade... (para)


passar do mundo profano para o mundo sagrado, o que de alguma forma implica a
experiência da morte; aquele que faz a transição morre para uma vida para ter
acesso à outra... a vida onde a participação no sagrado é possível.» 64
Como em nossa cultura nã o temos um ritual específico para a iniciaçã o, fica difícil para
os jovens fazerem essa transiçã o. À s vezes, eles buscam tarefas sobre-humanas para provar
a si mesmos. Assim, nas geraçõ es passadas, o voo solo de Lindberg sobre o Atlântico e a
conquista do Everest por Hillary sã o dois exemplos dessa iniciaçã o auto-imposta. Já nos
ú ltimos tempos, as viagens ao espaço sideral serviram a essa funçã o. Alguns, aceitando os
rigores da vida no exército, ameaçados de morte física e enfrentando seus pró prios
instintos assassinos na guerra, passam por tal iniciaçã o. Para outros, o mesmo pode
acontecer ao sofrer a prisã o por se recusar a portar armas, bem como ser ridicularizado
por seus contemporâ neos, o que lhes fornecerá novas reservas de força.

Como a histó ria repetidamente nos mostra, qualquer pessoa cuja consciência
individual esteja em oposiçã o ao ponto de vista da coletividade aparece como um traidor
do " sistema ". Este indivíduo deve passar por vá rios julgamentos, o ú ltimo dos quais pode
realmente ocorrer no Tribunal. Ao contrá rio de sua família, amigos e seu governo, este
dissidente pode ser rotulado de criminoso. Sua vida de cidadã o pode ser revirada para se
tornar alguém enforcado. Saú l Bellow explora esse tema em seu romance especificamente
intitulado The Dangling Man (O Enforcado).

Tal iniciaçã o pode ocorrer em vá rios momentos de nossa vida, geralmente quando
uma determinada fase de nossa existência é atingida e a vida exige uma transiçã o para
novos caminhos. É um momento horrível, porque temos que abandonar os costumes
testados e comprovados para nos entregarmos a modos de vida desconhecidos e nunca
vistos. Isso requer sacrifício e coragem. Todos nó s já passamos por períodos em nossas
vidas, talvez nã o tã o graves e dramá ticos quanto os mencionados acima, nos quais nos
sentimos " pendurados " pelas circunstâ ncias; tempos em que os velhos padrõ es de
comportamento nã o nos serviam, como se a vida nos puxasse o tapete debaixo dos pés,
deixando-nos vacilantes entre dois mundos e com a ú nica possibilidade de esperar e rezar.
Nessas ocasiõ es nos sentimos traídos pela vida, humilhados e despojados de todo orgulho e
também de nossa pessoa (o disfarce ou má scara que colocamos em pú blico para proteger
nossa parte secreta do mundo).

Sempre que, como o Rei Lear , tentamos manter a cabeça acima da vulgaridade,
evitando o " cheiro da mortalidade " com todos os conflitos e sofrimentos inerentes à vida
cotidiana, o Destino nos testa batendo em nosso rosto com tudo o que podemos.
desprezado Cada vez que coroamos o rei de nossa funçã o superior, nos sentimos forçados a
descer ao nível dos vermes. Como Lear , temos que mergulhar na lama de nossa humilde
realidade.

Na carta da Força, o heró i foi confrontado com aspectos de sua natureza


psicossomá tica simbolizada pelo leã o, um mamífero colocado no alto da escada evolutiva.
Agora, ele deve enfrentar os aspectos inferiores de sua psique, simbolizados por vermes,
insetos e plantas. Com os ouvidos colados ao chã o, ouve crescer a erva tenra e sente a suave
ondulaçã o da minhoca e o canto imperceptível dos insetos, sua afinidade com toda a vida.
Ele, que se aproximou do precipício como o Louco, com a cabeça perdida nas nuvens dos
sonhos de sua força e bravura, tornou-se um fracasso. O foco de seu conhecimento mudou
para as raízes da vida, as formas fundamentais de onde surge todo crescimento. Segundo
Eliade :

«Os taoístas, imitando animais e vegetais, penduram-se de cabeça para baixo para
que a essência de seu esperma flua para seus cérebros. Os tan-tien, os famosos
campos de cinábrio, devem ser encontrados nos segredos mais ocultos do cérebro e
das entranhas; é aí que o embrião da imortalidade é preparado alquimicamente.» 65

Se o heró i sobreviver à iniciaçã o que a vida lhe apresenta nesta carta, poderá declarar
com William Blake:

«Eu disse ao verme: Tu és minha mãe e minha irmã». 66

É interessante contrastar a situaçã o do Enforcado com a do Amante, que também


representava um julgamento. O Amante era representado de pé, encurralado e imobilizado
por duas mulheres solidamente plantadas, como duas á rvores, em cada um de seus lados. A
resoluçã o de seu problema, assim como a força para a açã o, veio do Eros alado que estava
situado acima dele no céu. Ao contrá rio, o Enforcado, imó vel entre esses dois poderosos
símbolos maternos, só encontra sua inspiraçã o nas profundezas.

A situaçã o física é assumida de maneiras diferentes de acordo com as diferentes


culturas: no Antigo Testamento , fala-se dos rins como o centro da consciência; para os
africanos, esse centro de conhecimento está localizado no coraçã o ou no abdome; os
homens modernos colocam a consciência na cabeça. Tanto para os africanos quanto para os
hebreus do Antigo Testamento, a consciência residia nas profundezas do corpo, as
inspiraçõ es supraconscientes eram mencionadas como vindas de cima. Para o homem
moderno, porém, que vive demais na cabeça, " o Outro " é encontrado com mais frequência
nas profundezas. Nó s, como o Enforcado, fomos desconectados de nossas raízes.
Precisamos descer para nos reconectar com nossas origens na histó ria e na natureza. O
motivo do sacrifício e do desmembramento , escondido atrá s dos tocos vermelhos das
á rvores podadas, repete-se nas pernas vermelhas e na parte superior dos braços, também
vermelhos, da figura pendurada, o que sugere que ele também deve dar o seu sangue, ele
deve sacrificar suas velhas formas de agir e compreender. Muitos de seus antigos deuses
caíram da á rvore, entre eles, sem dú vida, a imagem da vida como uma mã e benevolente,
sempre boa, cuja funçã o ele imaginou ser protegê-lo do infortú nio e também atender a
todos os seus desejos. Como Jung apontou, a palavra " sacrifício " significa " tornar sagrado
". Sacrificar nossas imagens egocêntricas é tornar nossa vida saudá vel e santa; entã o nã o há
mais diferença entre nossa imagem de como as coisas deveriam ser e como sã o as
realidades de nossa existência humana. Somente nó s, seres humanos, estamos dispostos e
capazes desse tipo de sacrifício e sofrimento espiritual. O peso (e o poder) inerente ao
legado da crucificaçã o nos diferencia do resto do reino animal.

Como aqueles animais cativos na Roda da Fortuna, o Enforcado é uma vítima do


Destino à mercê dos deuses. Ele é tã o indefeso quanto os animais, mas com uma diferença:
ele tem a chance de aceitar conscientemente seu destino e investigar seu significado,
enquanto os animais, na melhor das hipó teses, podem suportar sua sorte.

Cada vez que nos encontramos na posiçã o do Enforcado, é ú til para nó s nã o apenas
explorar as atitudes conscientes com as quais a vida está tentando nos perturbar e
preocupar, mas também saborear o sabor dessa nova experiência. Uma boa forma de
ampliar a sensaçã o do que a vida oferece ao Enforcado é fechar os olhos e tentar penetrar
em seu corpo. Se conhecemos Yoga, poderíamos tentar uma sessã o com ele, neste
momento. Sentiríamos entã o como o sangue flui para nossa cabeça levando oxigênio ao
cérebro e revivendo nosso espírito. Nossas retinas cansadas se sentiriam revividas,
trazendo aos nossos olhos uma visã o do mundo em cores mais frescas. Se, como o
Enforcado, nos encontrá ssemos suspensos nessa posiçã o, sozinhos e sem comida ou
companhia, as " portas de nossa percepção " se tornariam tã o claras que poderíamos ter
visõ es celestiais e a iluminaçã o do satori .

A experiência dessa suspensã o forçada roubou ao heró i toda a sua independência; mas
pode oferecer algo novo e precioso se, como Parsifal , você encontrar a pergunta certa. A
experiência nos mostra que " por que o destino faz isso comigo?" "É uma rua sem saída. Se,
pelo contrá rio, nos perguntarmos « quem sou eu para que isto me aconteça? », podemos
desvendar os tesouros escondidos que nos colocam em contato com o sentido desta vida de
uma nova maneira. Pendurar-se no limbo é uma posiçã o cheia de ambiguidades: por um
lado pendura-se precariamente sobre o abismo mas, visto de outra perspectiva, impede-se
de cair no fundo da ravina. A pessoa está externamente imobilizada, mas no fundo sente
uma dança de libertaçã o.

Como vimos anteriormente, muitos adultos, especialmente os ocidentais, ficam


assustados com a simples visã o dessa postura suspensa. Parece que todas as crianças,
mesmo de diferentes culturas e climas, gostam de andar no carrossel e se sentir
penduradas pelos tornozelos, perdendo até moedas ou tesouros que podem cair de seus
bolsos no chã o. Em algumas versõ es do Tarô do Enforcado, algumas moedas, símbolo de
valores mundanos, sã o desenhadas caindo dos bolsos do jovem. Todos nó s sabemos por
experiência como, diante da realidade ú ltima, tudo o que temos, os bens da vida, nos parece
sem sentido e estamos prontos para desistir. Nã o admira que no fundo de si o Enforcado
sorria e dance, cheio de uma nova alegria.

Esse resultado feliz virá , se assim for. Ele ainda está escondido no futuro e nã o será
visível até que o dançarino do arcano vinte e um chegue. Virando-se, erguendo o Enforcado,
tivemos o privilégio de ter um vislumbre má gico de um aspecto da eternidade , onde todo o
tempo é um . O jovem, porém, desconhece a dançarina que jaz enterrada em suas
profundezas. Por enquanto ele permanece imó vel, pendurado na á rvore do destino e sem
ajuda possível.

A lenda nos conta que Osíris também permaneceu pendurado em uma á rvore como
carne no matadouro e que por três dias esperou amadurecer antes de ser despedaçado.
Parece que esse jovem deve ficar pendurado na á rvore sacrificial até que amadureça e até
que o velho Adão comece a apodrecer e cair. No cerne dessa experiência (chame-a de
iniciação ou crucificação ) está a terrível necessidade de se sentir traído e enfrentar a
terrível solidã o de ser totalmente esquecido. Referindo-se a esse estado psicoló gico, Jung
escreve:

«O paciente deve estar sozinho se quiser encontrar o que o sustenta quando não mais
se sustenta. Somente essa experiência pode fornecer a você uma base indestrutível. 67

O que sustenta o Enforcado é a madeira maciça da á rvore da Natureza, que o põ e em


contato com a robustez de sua pró pria natureza interior. O fato de que essa experiência
resulta em um fundamento indestrutível é indicado pelo modo como suas pernas formam o
nú mero quatro (vistas de pé), mostrando-nos que orientação, totalidade e solidez tomam
forma no inconsciente . A experiência interior pela qual você está passando nã o é um sonho
nebuloso: ela tem as quatro dimensõ es da realidade. O pé em que você normalmente fica
agora aponta para o céu. Você está adquirindo um novo entendimento. A compreensã o
simbolizada pelo Imperador e seu nú mero quatro é de um tipo diferente. Os quatro pontos
da figura foram orientados para realidades externas ao plano humano: civilização,
estabilidade, lei e ordem . No Enforcado esta ordem quadrangular foi invertida mas nã o
destruída e está simplesmente aberta à luz do céu, exposta de uma nova forma à
intervençã o dos deuses.

O nú mero doze do Enforcado inclui muito do que foi dito até aqui. Ele marca o tempo
limite da realidade humana com suas doze horas alternativas de dia e noite e a contagem
anual de seus doze meses. Também nos aponta os doze signos do zodíaco, que simbolizam
dimensõ es sobre-humanas do tempo, bem como a intervençã o descontrolada do destino
por parte do homem. Como quatro vezes três, o nú mero doze conecta a trindade do espírito
com a retangularidade da realidade da terra. O heró i sente-se atravessado pela influência
das estrelas e sente-se nesta dimensã o expandida de doze.

Você começa a descobrir que a jornada para a autorrealizaçã o nã o segue a ordem A - B


- C , mas ocorre aleatoriamente. Assim como o movimento da Roda da Fortuna, sua fortuna
espiritual passará por muitas revoluçõ es. Haverá períodos de depressã o, quando o insight
adquirido anteriormente que ele pensava estar seguro desaparece de volta no inconsciente,
aparentemente perdido para todo o sempre. Outras vezes, quando você se sentir no auge
da sua fortuna, o sol voltará a brilhar e nascerá , como se renascesse, rumo a um mundo de
novas cores e dimensõ es desconhecidas e jamais sonhadas. Para usar outra imagem, é
como se o modelo de crescimento espiritual fosse como o desenvolvimento de uma á rvore:
antes que novos galhos possam florescer na superfície, as raízes devem penetrar
profundamente no solo para ampliar seu campo para sustentar o novo crescimento.

O Enforcado inicia um longo período de assimilaçã o forçada e consolidaçã o nas raízes.


Vai demorar um pouco até que os galhos podados desenhados aqui nos mostrem novos
brotos ou antes que o jovem saia pelo mundo novamente. Por enquanto, e por um tempo, as
energias e visõ es mostradas nas cartas anteriores serã o absorvidas pelo inconsciente para
aprofundamento e expansã o. Por exemplo: na Roda da Fortuna, o heró i começou a ver seu
destino pessoal em uma tela maior, fazendo conexõ es significativas entre sua vida e os
padrõ es universais. Agora, sua fé e esses modelos se enfrentam. Na Justiça, ele poderia
estudar os problemas de equilíbrio na posiçã o horizontal; agora seu conhecimento se
expande verticalmente e em duas direçõ es: para cima, em direçã o aos planetas do céu; e
para baixo, em direçã o ao mundo subterrâ neo da natureza vegetativa. Agora você deve
estabelecer um equilíbrio entre essas duas forças opostas. Suas mã os amarradas o
impedem de fazer qualquer coisa para se livrar da experiência atormentadora da
crucificaçã o.

O destino pode nos trazer esse tipo de crucificaçã o vá rias vezes durante nossa vida e
de vá rias maneiras diferentes. Um revés nos negó cios pode, da noite para o dia,
desapropriar uma pessoa de todos os seus bens mundanos, até mesmo da profissã o à qual
dedicou sua vida, entristecendo sua realidade presente e destruindo suas esperanças para
o futuro. Talvez alguém seja traído por um ente querido, destruindo a confiança que tinha
nele e no mundo, deixando-o triste e solitá rio. Também pode acontecer que um assunto
político ou religioso, no qual alguém estava totalmente absorvido, o falhe ( falhar, isto é,
retirar a imagem salvífica que havia projetado ), desorganizando todo o universo, deixando
sua vida sem sentido. Também pode ser uma imobilizaçã o repentina devido a uma doença.

Também pode acontecer que uma doença espiritual o deixe indefeso. Quem teve a
confiança de dominar a vida no dia a dia descobre agora que, incompreensivelmente, se
encontra sem energia ou vontade de alcançá -la. Toda a sua personalidade está submersa na
depressã o. Nesse caso, todo o seu intelecto, seu ego, se sente deprimido e sem chã o,
exatamente como representado nesta carta do Tarô . Como o Enforcado, ele se sente
impotente como um vegetal. Em casos extremos, uma pessoa que passa por essa
experiência pode quase literalmente se tornar um vegetal. Perdido no mundo do
inconsciente, incapaz de participar do mundo exterior e de reconhecer e cuidar de suas
pró prias necessidades físicas, ele pode precisar de hospitalizaçã o.

Jung viu que as neuroses ou psicoses que se expressavam dessa maneira nã o eram
doenças inibidoras da vida, mas medidas corretivas cujo objetivo era estabelecer um
equilíbrio psíquico em um novo nível para continuar a vida. Ele pensava que eram métodos
que a natureza usava para curar o organismo psíquico. Ele observou que sempre que o
intelecto e a vontade se tornavam inflexíveis, orientados para o poder, a natureza recorria a
medidas tã o extremas para eliminar os sonhos de uma pessoa que a forçava a explorar
outros aspectos de sua psique. Jung viu a situaçã o representada no Enforcado como um
convite para mergulhar em dimensõ es desconhecidas do ser; como um desafio e nã o como
uma puniçã o. Ele disse sobre isso:

«O inconsciente sempre tenta produzir uma situação impossível para forçar o


indivíduo a mostrar o melhor de si. Se alguém nunca tenta, não está completo, não
está feito. Uma situação impossível é necessária, onde a pessoa tem que desistir de
sua própria vontade e de seu próprio conhecimento, e não fazer nada além de confiar
no poder impessoal de crescimento e desenvolvimento." 68

Até anos recentes, poucos psiquiatras concordavam com o ponto de vista de Jung.
Quando encontraram um paciente na situaçã o do Enforcado, muitos deles reagiram como
quase todos a esta carta do Tarô : tentaram virá -lo, colocá -lo imediatamente de pé para que
ele recomeçasse no mundo das conquistas. , de modo que ele pudesse retomar sua vida no
ponto em que havia sido interrompida.

É difícil nã o se sentir assim, porque todos nos sentimos predispostos a valorizar mais
as realidades presentes do mundo externo do que as do mundo interior , cujas
manifestaçõ es vivenciamos com menos frequência e com menos realidade. De fato, muitos
pacientes que nunca se sentiram possuídos por uma doença espiritual sã o capazes de negar
a realidade da condiçã o. Quando se deparam com um amigo que está em estado de
depressã o, minimizam seus sintomas como imaginá rios, rotulando-os de hipocondríacos
egocêntricos. Costumam aconselhar: " Anime-se, não seja tão introspectivo, saia de si mesmo,
interesse-se por um hobby ." Eles sã o capazes de se comportar de maneira cruel mesmo com
alguém que sofre de depressã o crô nica, pensando que assim podem libertá -lo desse estado.
Por isso mesmo, alguns hospitais usam tratamentos de eletrochoque em indivíduos que
sofrem de depressã o profunda, esperando devolvê-los à " normalidade ".
Hoje, alguns psiquiatras estã o começando a concordar com a visã o de Jung de que a
chamada doença mental é em si um instrumento terapêutico para uma condiçã o doentia,
capaz de restaurar o equilíbrio de um sistema psíquico desequilibrado. Em vez de
interromper os processos terapêuticos da Natureza por meios mecâ nicos, os psiquiatras
começam a explorar novas formas de apoiar a Natureza, complementando o seu trabalho.
Em vez de tentar forçar o paciente a voltar ao seu antigo modelo orientado para o ego, os
psicó logos oferecem apoio em sua retirada forçada da vida, encorajando-o a aceitar essa
situaçã o como uma oportunidade de explorar a vida oculta dentro de si. Através da
analogia com materiais míticos, um terapeuta especializado em aná lise psicoló gica pode
ajudar, ordenar e dar sentido à s imagens caó ticas encontradas no inconsciente. Desta
forma, a vida do paciente pode tornar-se cheia de significado e ordem. Quando esse tipo de
trabalho é feito com sucesso, os resultados sã o recompensadores, pois o paciente ressurge
de sua iniciaçã o forçada, nã o apenas nas margens de sua personalidade anterior, mas
renasce como uma pessoa totalmente nova conectada ao seu centro. Um pioneiro desse
tipo de tratamento, John Weir Perry, descreve um episó dio esquizofrênico da seguinte
maneira:

«Devido a uma ativação do inconsciente, bem como a um colapso do ego, a


consciência encontra-se confusa pelos níveis mais profundos da psique, encontrando
o indivíduo com quem tem de conviver de acordo com uma modalidade psíquica
muito diferente do seu ambiente. Ele está imerso em um mundo mítico. De repente,
você se sente isolado, sem encontrar compreensão das pessoas ao seu redor. O medo
de sua opressão e isolamento causa uma onda de pânico que o leva à aposentadoria
forçada. Suas emoções não se conectam mais com coisas comuns, mas sim com
conceitos e ideias titânicas, com um mundo interior de mitos e imagens... Há muito
conteúdo simbólico de todos os tipos, temas reprimidos, muito desiguais de caso para
caso. É como nos mitos e textos rituais, apenas despedaçado, como o conteúdo dos
sonhos. 69

Ao comparar esses fragmentos a um vitral cujas peças foram desmontadas e


amontoadas em torno de um centro, Perry consegue nos mostrar como esses fragmentos
podem finalmente ser harmoniosamente estabilizados em relaçã o ao seu centro.

Ao acompanhar o paciente nessa experiência caó tica, o psiquiatra, que conhece essas
técnicas, pode ajudá -lo a captar esses fragmentos caleidoscó picos de maneira significativa,
de modo que o centro se torne uma força clara e ativa para a vida. Mesmo com essa ajuda e
compreensã o psicoló gicas, lidar com o monstruoso caos do inconsciente dessa maneira
requer paciência, aceitaçã o e muita coragem. Independentemente de como a situaçã o do
Enforcado está incorporada em nossa realidade, esse confronto sempre requer sacrifício e
uma renú ncia consciente da consciência do ego como força motriz, bem como a aceitaçã o
de nosso destino e nossa submissã o a ele.

Como disse Mary Renault no início deste capítulo: "Não é a sangria que diminui a
energia, é consentir com ela." 70

Somente consentindo de corpo e alma a essa experiência, o Enforcado pode esperar


ajuda celestial e se conectar novamente com os deuses e com seu ser transpessoal.
Mediante a aceitaçã o da crucificaçã o, o homem coopera com o seu destino e, neste sentido,
o escolhe. Ao escolher seu destino, ele se liberta dele, porque naquele momento ele o
transcende.

O significado da crucificaçã o nos é eloquentemente explicado na histó ria bíblica do


ú ltimo momento de Jesus na cruz. Apó s sua primeira frase: " Meu Deus, meu Deus, por que
me desamparaste? », aceita seu destino com as palavras:

"Pai, nas tuas mãos confio o meu espírito".

E depois de dizer isso, ele entregou sua alma.

Se o Enforcado puder aceitar seu destino e "entregar seu espírito" a um poder maior
que a consciência do ego, ele poderá "desistir do espírito" de seu antigo eu entrando em
uma nova vida com um novo espírito. Se ele puder tolerar e entender sua crucificaçã o, ele
emergirá desse encontro sombrio do outro lado do precipício, para outro mundo novo, por
assim dizer. Tendo chegado ao outro lado, você continuará sua jornada novamente, mas
desta vez de forma mais consciente e dedicada.

Até agora, o trabalho mais importante do heró i era viver plenamente sua vida exterior.
Agora (conforme representado nesta carta) há uma grande fratura entre o velho e o novo.

vida egocêntrica novamente . A partir de agora você começará a olhar cada vez mais
profundamente para a face impessoal da Morte, essa figura monstruosa que a pró xima
carta representa.
16. MORTE:
O INIMIGO

Fig. 54 Morte (Marseillaise Tarot)


Contanto que você não morra e ressuscite,
você é um estranho para a terra escura.

goethe

O triunfo nú mero treze nos mostra um esqueleto empunhando uma foice vermelho-
sangue (fig. 54) . A seus pés jazem os corpos desmembrados de dois seres humanos. Na
carta anterior deixamos o heró i pendurado de bruços sobre o abismo, sem qualquer ajuda
para sofrer a morte espiritual e o desmembramento final de sua vida e personalidade
anteriores. Aqui vemos esse desmembramento representado: suas ideias anteriores
(simbolizadas pelas cabeças ), seus pontos de vista (simbolizados pelos pés ) e suas
atividades (simbolizadas pelas mãos ) jazem inú teis espalhados pelo chã o. Todos os
aspectos da vida anterior do nosso heró i parecem ter sido esmagados, até mesmo o
princípio central que o guiava, já que uma das cabeças que podemos ver no desenho usa
uma coroa que indica que o real cocheiro da carruagem representada na carta nú mero sete
nã o conduzirá mais seu destino como fazia antes.

O heró i, porém, nã o perdeu o condutor real que ajudou a guiar sua Carruagem quando
iniciou sua jornada para conquistar o mundo, pois a cabeça coroada que encontramos aos
pés do esqueleto irradia uma nova vida. Qualquer parte da velha ordem que ainda esteja
viva e ú til será incorporada à nova. Nada na natureza foi perdido.

"O rei está morto, vida longa ao rei."

Em muitas culturas primitivas, todos os anos, o antigo rei é morto simbolicamente,


desmembrado e ritualmente " comido " depois para garantir fertilidade para novas
colheitas e revitalizaçã o para o reino. As igrejas cristã s ainda hoje mantêm uma ideia
semelhante na Santa Ceia, onde o padre compartilha o pã o e o vinho, símbolos do corpo e
do sangue de Cristo, para demonstrar a incorporaçã o do espírito de Cristo mais uma vez
dentro de si.

Nesta carta do Tarot a ideia de revitalizaçã o e renovaçã o está mais do que indicada nos
muitos rebentos que surgem profusamente junto à s mã os e pés plantados no chã o e prestes
a abrir-se para uma nova vida. Isso poderia ser tomado como um símbolo de uma
manifestaçã o psíquica interna e nã o externa, conforme indicado pelo fato de que esses
botõ es sã o coloridos em amarelo e azul , símbolos da intuição e do espírito , atributos da
natureza psíquica interna do homem. O verde é antes a cor da sensação , isto é , da natureza
física externa.

Pela carta nú mero vinte, Julgamento, que é a carta logo abaixo da Morte em nosso
Mapa da Jornada, as sementes da floresta plantadas na Morte terã o atingido a maturidade.
No Juízo veremos surgir um novo ser humano, renascido da terra escura, mas isso
acontecerá mais tarde em nossa histó ria. No momento, tudo o que sabemos é que o heró i,
tendo " amadurecido " como Enforcado, agora se sente desmembrado. A morte representa
aquele momento em que a pessoa se sente " despedaçada ", dispersa, com a velha
personalidade e há bitos tã o mutilados que ficam quase irreconhecíveis. Diante do turbilhã o
da dança do tempo, todos nos sentimos cheios de medo, tremores e horror. Como já
sabemos por experiência como essa, o heró i levará muito tempo até que possa se reerguer
e se reorganizar novamente. Levará muito tempo para você também ressuscitar como uma
pessoa totalmente nova em uma vida totalmente nova.

« O desmembramento pode ser entendido psicologicamente como um processo de


transformação que divide um conteúdo de origem inconsciente para conseguir sua
assimilação consciente. » 71 Edward Edinger escreveu isso em seu livro Ego and Archetype .
Em um baixo-relevo representando a crucificaçã o e desmembramento de Jesus, simboliza a
fragmentação do eu para esse mesmo propó sito. Da mesma forma, a cabeça coroada da
décima terceira carta pode ser considerada a representaçã o do princípio que guiava o heró i
tal como lhe aparecia no início. Agora está pronto para ser assimilado e integrado, para
finalmente alcançar a ressurreiçã o de uma nova maneira.

Mesmo considerando-a simbolicamente como um instrumento de mudança no


contexto de nossa vida terrena, o esqueleto da décima terceira carta é difícil de aceitar.
Somos criaturas de há bito. Mesmo em um nível mais superficial, resistimos à s mudanças
em nossa vida diá ria, mesmo à s mudanças que nó s mesmos planejamos conscientemente.
Mesmo depois de anos economizando, quando finalmente nos mudamos para aquela nova
casa dos nossos sonhos, ainda nos sentimos tristes por deixar a antiga casa. Ou, quando
finalmente alcançamos uma transformaçã o em nossas vidas e em nosso comportamento
pessoal, continuamos a ansiar pelos velhos há bitos. Também ansiamos por maus há bitos,
aqueles velhos há bitos que (como disse Rilke) vieram, nos fizeram sentir bem e se
instalaram em nó s. Partir é uma pena, pois nos prendemos a tudo: à s pessoas, aos animais,
à s coisas. Nã o queremos perder nada do que sentimos que nos " pertence ", nem mesmo os
dentes ou o cabelo que cai. Estamos especialmente ligados a tudo que é instintivo sobre
nossos corpos naturais.

Também fere as partes desgastadas de nossa psique para deixar ir. Os alquimistas já
sabiam disso e para eles o esqueleto também simbolizava a necessidade de perder a
identificaçã o de si com o pró prio corpo. Eles também reconheceram a necessidade de
tornar consciente o conflito entre o homem espiritual e o homem natural. Jung nos diz:

"Ao fazer isso, os alquimistas redescobriram a antiga verdade de que toda operação
desse tipo é uma morte figurada, o que explica a violenta aversão que cada um sente
quando tem que passar por suas projeções e reconhecer a natureza de sua anima." 72

Mas, entre a poda do velho e o amadurecimento do novo, há um período de tristeza


negra. Referindo-se a esta etapa do caminho para o autoconhecimento, os alquimistas
usaram o termo " modificação ". « Bem-aventurados os que choram. » Quem lamenta a
amputaçã o de uma reaçã o inconsciente que faz parte de si desde a infâ ncia, ou quem
lamenta a perda de uma projeçã o rígida que por muito tempo serviu de suporte para um
ego vacilante, pode ser considerado abençoado. Eles acabarã o por ser confortados com
insights mais vá lidos e apoio mais duradouro.

O esqueleto é um símbolo adequado para esse tipo de revelaçã o. Sugere movimento e


estabilidade. Representa o esqueleto da realidade, a estrutura para nossa carne e mú sculos,
a estrutura sobre a qual tudo repousa, se move e funciona como uma unidade. No entanto,
paradoxalmente, esse instrumento de mudança também representa a parte mais
duradoura de nó s mesmos. Sã o apenas os ossos que deixamos para os historiadores, o
ú nico testemunho de nossa existência como indivíduos. É tudo o que nos resta dos nossos
antepassados, das nossas raízes enterradas nas profundezas do tempo. O esqueleto é o
arquétipo do Homo sapiens . Como tal, representa uma verdade bá sica e eterna que é
revelada ao heró i pela primeira vez.

Alguns baralhos de Tarô (incluindo um desenhado por Aleister Crowley) retratam este
esqueleto dançando como um dervixe, brandindo a foice em uma frenética Dança da Morte .
Este conceito traz em si a ideia de que a morte é mudança e estabilidade; que embora em
essência seja uma transformaçã o turbulenta, sua coreografia é eterna.

O esqueleto da décima terceira carta abrange muitos pares de opostos. Por um lado,
nã o passa de um saco de ossos, uma monstruosa coisa morta que trai nossa fé no calor e na
vitalidade da vida, o grande nivelador que reduz a essência ú nica do gênio e do louco a um
denominador comum. Por outro lado, pode ser considerado como um diagrama universal
através do qual brilha o Ser Puro ; uma revelaçã o de como as coisas funcionam, como o
interior de um reló gio. Que magnífica obra de arte é o homem! Vendo esse esqueleto,
ficamos maravilhados com a maravilha de nossa criaçã o e de toda a criaçã o. É assim que se
torna o modelo de como funcionamos, de como tudo funciona. O macrocosmo e o
microcosmo se unem neste diagrama.

O esqueleto é universal e impessoal; já que é o segredo mais pessoal que temos, o


escondido, o tesouro enterrado bem fundo dentro de nó s, sob a nossa carne. Podemos tocar
nossa pele, unhas, cabelos, dentes, etc., mas nã o podemos tocar nossos ossos. Normalmente
nunca vemos nossos ossos, porém, assim como o inconsciente, eles sã o a parte mais
verdadeira de nó s mesmos. Raios-X de ossos sã o freqü entemente usados como meio de
identificaçã o. Um raio X é uma coisa terrível como um sonho ou uma visã o. É possível que
sejamos assim? Trememos só de pensar nisso e, no entanto, sentimos uma certa afinidade.
Sentimos uma conexã o literal e figurativa " com nossos " ossos. O esqueleto é mostrado nu
diante de nó s. Quã o desagradá vel e irritante parece! É difícil acreditar que tudo o que ele
pede de nó s é o mesmo que pedimos aos outros: ser aceitos. Vamos dar uma olhada nisso.

À medida que estudamos esta carta mais profundamente, podemos ver que ela inclui
vá rios pares de opostos. A foice a conecta com Saturno , deus do tempo, colheitas,
dissoluçã o e decomposiçã o; A foice tem o mesmo formato da lua crescente, símbolo de
Ártemis , e nos oferece a promessa de uma renovaçã o e uma regeneraçã o que está na fase
que ainda nã o vimos mas que sabemos que inevitavelmente chegará para completar o ciclo.
A lâ mina da foice é tingida de vermelho pela carnificina e destruiçã o que ela traz, mas a cor
quente e o comportamento do esqueleto sã o carregados de energia criativa.
Todos os personagens do Tarô que estudamos até agora, sendo arquétipos, nos
mostraram uma tendência a incluir muitos opostos, mesmo aqueles que servem para
engendrar. Até agora, cada personagem principal nos foi mostrado como principalmente
masculino ou principalmente feminino. Em dois casos, os elementos masculinos e
femininos foram representados separadamente ( Papa-Papisa ; Imperador-Imperatriz );
mas nesta décima terceira carta o cará ter sexual da figura central nã o está claramente
definido. Caminhamos para um tipo mais andró gino do que os vistos até agora. A morte é
tã o fundamental para a vida que pode ser apresentada sem sexo, de forma esquemá tica que
inclui todas as possibilidades.

À s vezes, o esqueleto nos é mostrado abertamente como o diagrama do eu . Em seu


livro Hara , Karlfried Dü rkheim nos oferece uma ilustraçã o sobre esse ponto (fig. 55),
representando a figura de metal de um Buda emaciado sentado em meditaçã o. O corpo é
literalmente reduzido a pele e osso, revelando claramente a estrutura esquelética. As
ó rbitas vazias de seus olhos olham profundamente para o infinito.

Em relaçã o ao treze do Tarô , os comentaristas usam o esqueleto como mudança e


transformaçã o nesta vida. Freqü entemente, eles evitam completamente falar sobre a
transformaçã o final: a morte física . Porém, levar esta carta a nível psicoló gico ou espiritual
nada mais é do que uma amostra, um exemplo de como desviamos o assunto da morte
física. Quem pintou aquele cartã o sem dú vida tinha aversã o a chamar o esqueleto pelo
nome. Na ediçã o francesa original nã o tem nome. Na ediçã o inglesa moderna, o título nã o é
impresso em letras maiú sculas abaixo da figura, como acontece com os outros. Em seu
lugar, o ró tulo « morte » é escrito com muita precisã o, sussurrado na margem superior
direita. Quem quer que tenha colocado essa palavra fatal lá a deixou cair e escapou,
podemos acreditar, fugindo do pró ximo golpe da foice sangrenta.

Todos nó s hesitamos ao pronunciar esse nome monstruoso. Quando chamamos


alguém pelo nome, eles geralmente se viram e olham para quem os chamou. Essa é a ú ltima
coisa que queremos que essa figura assustadora faça. Como crianças travessas amontoadas
em um canto, parece que temos a intuiçã o de que, se nã o chamarmos sua atençã o, a morte
pode esquecer de bater à nossa porta. Acreditamos seriamente que, nunca dizendo seu
nome, tendo o cuidado de mencionar os tú mulos de nossos amigos com eufemismos
educados, faremos essa criatura sem nome " passar "? Nã o, claro que nã o. Tem um grande
olho virado para nó s e, embora seja um esqueleto, move-se rapidamente.

Nã o é por acaso que o nú mero desta carta é treze, um nú mero que em nossa cultura é
considerado azarado. O décimo terceiro interfere nas doze horas do nosso dia e nos doze
meses do nosso ano, quebrando o ritmo enfadonho do nosso giro diá rio. Nã o há espaço em
nosso calendá rio, nenhum lugar em nosso mostrador, para o nú mero treze. Também nã o há
lugar à mesa para este convidado desagradá vel. Experimentamos a intrusã o desse
esqueleto como uma traiçã o: Os Doze e Judas .

Andamos com nosso intelecto para tentar encontrar uma aceitaçã o teó rica dessa
criatura e sua foice. Dizemos a nó s mesmos que essa limpeza completa é necessá ria para
abrir espaço para uma nova vida; dizemos a nó s mesmos que entendemos que as doze
horas em nosso reló gio devem ser expandidas para incluir novas dimensõ es de tempo.
Aceitamos filosoficamente a afirmaçã o de que a morte não é a antítese da vida, que o
nascimento e a morte são dois pólos gêmeos entre os quais a vida repousa . Conhecemos
todas essas palavras e podemos recitá -las (e as fazemos) com frequência. Mas como nos
acostumar com a ideia de nossa pró pria morte? Este é o problema.

Fig. 55 Buda Arrependido

Pallida mors aequo pulsat pede pauperum tabernas regium turres. "A morte pá lida com
um golpe imparcial bate à porta dos pobres e aos palá cios dos reis." Parece mais assustador
no latim de Horácio , mas o que significa é:

"Pronto ou não, aqui estou eu!"

Como podemos nos " preparar " para a morte? A maneira mais fá cil de nos
prepararmos para aquela batida inevitá vel em nossa porta seria a admoestaçã o de Balzac :
“ A morte é certa. Vamos esquecê-la ». Se pudéssemos entender o fato de que nossa morte é
certa, talvez pudéssemos, em certo sentido, “ esquecê- la”. Pelo menos ele nã o estaria nos
acertando com sua foice ao passar.
O aforismo de Balzac contém toda a sabedoria daquela antiga fá bula, « Encontro em
Samarra », que contém a verdade em seus vá rios aspectos.

Um criado encontrou a Morte coroada e vestida de preto na


praça do mercado, e pareceu-lhe que estava fazendo um sinal. O
servo apavorado pegou emprestado um cavalo de seu mestre e
fugiu para Samarra. Naquela tarde, o homem também
encontrou a Morte na praça do mercado e perguntou-lhe:

« Por que você fez esse gesto para o meu servo esta manhã? ».

Ao que a Morte respondeu:

« Não foi um sinal para assustá-lo, mas simplesmente um sinal de


surpresa. Fiquei surpreso ao ver seu criado em Bagdá, pois tenho
um encontro marcado com ele esta noite em Samarra ».

Talvez se cada um de nó s pudesse realmente aceitar seu " encontro em Samarra ", a
atividade do esqueleto na décima terceira carta nã o nos pareceria tã o assustadora. No
conto citado, a Morte nã o nos aparece como um personagem hostil ou vingativo, mas sim
como uma serva da vida com uma tarefa a cumprir e um horá rio marcado para realizá -la .
As derivaçõ es dessa histó ria vã o além do aforismo de Balzac. Eles parecem nos dizer que,
gastando energia e tempo precioso tentando escapar da Morte, o servo deixou de viver sua
vida, de modo que no final foi ele, e nã o a misteriosa figura de preto, quem traiu a vida.

Enquanto nã o pudermos nos comprometer totalmente com a morte, nunca nos


sentiremos verdadeiramente comprometidos com nossa vida. Continuaremos escravos
amarrados ao corpo, presos a uma rotina diá ria egocêntrica. Shakespeare desenvolveu
dramaticamente essa ideia em Rei Lear . Nesta obra, a personagem central, perante a morte
na charneca, acaba por aceitar que a sua mã o " cheira a mortalidade ", e ao fazê-lo torna-se
finalmente " um rei em cada parte do seu corpo ". Jung nos diz:

"Aceitar o fato de que perecemos no tempo é uma espécie de vitória sobre o tempo." 73
O Rei Lear transcende as limitaçõ es do tempo terreno, aceitando sua mortalidade
física, substituindo seu ego. Assim, ele dá o primeiro passo para o mundo atemporal dos
imortais.

Muitas vezes usamos a expressã o " portas da morte " significando que com nossa
morte física passamos por uma porta para um mundo radiante com uma nova vida. Muitos
dos que cruzaram o limiar da morte e retornaram atestam que a visã o instantâ nea do "
além " os abriu para uma nova dimensã o de conhecimento espiritual. Aqueles que o destino
nunca chamou ao limiar da morte sentiram que enfrentá -la através da perda de alguém
pró ximo libertou seu espírito e abriu as portas para novas perspectivas.

Aceitar a morte como nascimento, como parte da vida, é tornar-se realmente vivo. Jung
disse:

Não querer viver é sinônimo de não querer morrer. Devir e passar são a mesma
curva» 74 .

E mais:

«Quem não quiser seguir esta curva ficará suspenso no ar, paralisado. A partir da
meia-idade, só fica vivo aquele que voluntariamente quer morrer com a vida» 75 .

Se o Enforcado nã o quiser ficar suspenso no ar sem nenhum crescimento espiritual,


deve dar o pró ximo passo que o levará pelo vale das sombras, rumo à aceitaçã o da morte.
Em reconhecimento a essa conexã o íntima entre a morte e a transformaçã o espiritual, as
primeiras cerimô nias religiosas muitas vezes exigiam que o iniciado enfrentasse a morte.
À s vezes, como o Enforcado, ele era deixado sozinho na floresta escura. Outros, como Sir
Lancelot , foram forçados a passar a noite em seu pró prio tú mulo. Era tradicional na
iniciaçã o de um cavaleiro o confronto final com o misterioso Cavaleiro Negro , um guerreiro
desconhecido armado com um machado primitivo, que pedia ao iniciado que encostasse
seu pescoço na pedra. Se o jovem tivesse coragem de obedecer a esta temível ordem, o
misterioso estranho, levantando a viseira do capacete, sacava o machado e revelava-se
salvador.

Em nosso Tarô , a face do esqueleto também parece uma má scara, já que a morte usa
muitas má scaras. As mil facetas desse desconhecido têm preocupado artistas de todos os
tempos. Ao mencionar alguns deles, podemos ter uma ideia da verdadeira face da Morte e
finalmente pronunciar seu nome. Se, como Jacó fez com seu anjo, podemos tocar esse
personagem, talvez ele possa pronunciar nosso nome verdadeiro.

A morte é frequentemente retratada como um esqueleto esverdeado que nos provoca


com um olhar de soslaio ou como o quarto cavaleiro do Apocalipse galopando furiosamente
pela cena brandindo uma espada. Antes que a ciência médica nos ensinasse como evitar
mortes por doenças epidêmicas e tornasse as causas de doenças mortais mais
compreensíveis para nó s, a morte era considerada um bá rbaro desconhecido que aparecia
repentinamente do nada, matando multidõ es e devastando o mundo civilizado.

O Triunfo da Morte , tema central nos sonetos que Petrarca compô s para Laura , foi
também um tema muito popular nos afrescos e pinturas da época e sem dú vida exerceu sua
influência no nú mero treze do Tarô . A carta da Morte foi representada de formas muito
diversas, algumas das quais repetem o motivo traçado no Tarô de Marselha. Em muitas
dessas pinturas, o esqueleto pá lido, montado em um cavalo esquelético, galopa sobre um
grupo de todos os tipos de figuras humanas. As figuras caídas estã o tã o amontoadas que se
percebe a sensaçã o de desmembramento caó tico, como a retratada na Morte do Tarô . Aqui
e ali, podemos ver cabeças isoladas, pés e algumas mã os " germinando "; à s vezes, como em
nosso Tarô , uma das cabeças usa uma coroa.

Neste tipo de representaçõ es pictó ricas, a Morte é-nos apresentada como uma força
impessoal que luta contra toda a humanidade e nã o como um adversá rio pessoal com quem
se tem de enfrentar. Isso ocorre em parte porque pragas e outras catá strofes
frequentemente destruíam e atacavam comunidades inteiras. Também pode ser que em
tempos passados a morte nã o fosse vivenciada como a questã o a ser resolvida sozinha
como é hoje. Os sacramentos da Igreja forneciam formas rituais de lidar com a morte, assim
como a comunidade e a vida familiar. A morte geralmente ocorria em casa e era uma
experiência compartilhada por todos que conheciam o moribundo. Os serviços funerá rios
pó stumos reuniram toda a comunidade em um ritual de adoraçã o e luto. Com a falência da
religiã o organizada, esses rituais de enfrentamento da morte foram perdidos e, como a
ideia da morte é monstruosa demais para ser encarada sozinha, recentemente a varremos
para debaixo do tapete. Nas ú ltimas décadas, como veremos adiante, começamos a explorar
novos caminhos que nos levam a aceitar e lidar com o problema universal da morte física.

No entanto, a experiência real da morte é essencialmente uma experiência individual.


Cada um de nó s deve enfrentar este momento da verdade sozinho. Na pintura de Bö cklin, A
Ilha dos Mortos (fig. 56), toda a solidã o e o mistério desse momento sã o capturados. Nele
podemos ver uma pequena figura envolta em uma mortalha branca, de pé na proa do barco
de Caronte , aproximando-se silenciosamente da ilha solitá ria cujos penhascos escarpados e
ciprestes negros sã o emoldurados pela escuridã o. Nã o há sinal de vida; um solitá rio portã o
de má rmore cortado na montanha dá as boas-vindas ao viajante. Para onde? É estranho
que a sala da morte pareça inabitá vel. Tã o superpovoado quanto nosso planeta é hoje, o
nú mero de vivos é amplamente superado pelas legiõ es de mortos. A aproximaçã o da morte,
como nos mostra Bö cklin, é uma jornada solitá ria, é uma experiência pessoal.

A originalidade de cada confronto individual com a morte à s vezes é representada


pictoricamente por um esqueleto apontando seu dedo ossudo diretamente para sua
pró xima vítima. Apesar de morrer ser uma experiência comum a todos os seres vivos, cada
um de nó s sente a morte como o dedo que aponta apenas para si mesmo. Psicologicamente,
a morte aponta para cada um de nó s, pedindo a cada um, à sua maneira, que encontre o
significado oculto por trá s daquele gesto. A morte dá uma oportunidade diferente a cada
ser humano. O homem é o ú nico capaz de antecipar a sua morte, de filosofar sobre ela e de
a experimentar conscientemente; nã o assim os animais. " Oh, pobre Yorick! » significa muito
mais do que « Ai de nós! ». Ele nos conduz, pela experiência da lamentaçã o, a um soliló quio
semelhante ao de Hamlet sobre o sentido da morte e a dar-lhe lugar no espectro da vida.

Manley Hopkins menciona esse tema em seu poema " Primavera e outono: para uma
garota ". Ele começa seu poema perguntando à garota:

"Daisy, você está de luto / partida de Goldengrove?"

E o poema termina com este verso:

É para se decompor que nasce o homem, é Margarita por quem você lamenta? 76

A natureza nã o se importa com o indivíduo; seus esforços se voltam inteiramente para


a conservaçã o da espécie. É problema do homem, como parece apontar o poeta, festejar a
queda da folha ou lamentar a transitoriedade da vida. É problema do homem amar a vida e
honrar o indivíduo, pois é somente através do indivíduo que a consciência nasce.

O tipo de problema que Hopkins descreve é muito diferente de um apego miserá vel à s
coisas deste mundo ou de um medo da morte orientado para o egoísmo. Como ele nos
conta, as lá grimas de Margarita vêm de um nível mais profundo. Sua afetaçã o infantil diante
da transitoriedade da vida, ainda que nos pareça lamentá vel, é um tributo necessá rio e
natural da humanidade que facilmente se torna excessivo. « À medida que o coração cresce
», diz à menina, « chegará a estas visões com mais frieza ».
Fig. 56 A Ilha dos Mortos
(Arnold Bö cklin Metropolitan Museum of Art, Nova York, Beisinger Fund, 1926)

Todos nó s já experimentamos que, à medida que avançamos para um mundo mais


adulto da ciência médica e da estatística, perdemos o contato com o lamento que Hopkins
descreve. Oferecemos aos nossos filhos explicaçõ es científicas sobre as folhas que caem, em
vez de compartilhar suas lá grimas com eles, e esterilizamos o mistério e a maravilha que
vêm da experiência da morte com a atividade impessoal e eficiente da rotina hospitalar .
Nosso medo adulto da morte muitas vezes nos preserva, impedindo-nos de contemplá -la.

Erasmo disse:

"Só os loucos e as crianças não temem a morte."

Nã o posso esquecer uma ilustraçã o do livro de Barrie, Peter Pan e Wendy , onde Peter
Pan pode ser visto de pé com os braços cruzados e as pernas afastadas, olhando para a
lagoa enevoada. A legenda dizia: Morrer deve ser uma grande aventura . Com as crianças
entrando em cada momento da existência, representa uma grande aventura; uma viagem a
terras desconhecidas. Os jovens podem se envolver com o futuro desconhecido, pois têm
poucas ideias preconcebidas. Eles sã o mais capazes do que nó s de aceitar a ideia da morte
com as lá grimas e a tristeza que caracterizam esta " grande aventura ".

Para muitos adultos é difícil contemplar o desconhecido em qualquer contexto.


Preferimos que nos seja fornecido antecipadamente um programa de eventos, uma sinopse
da histó ria, uma agenda. Krishnamurti, a quem foi perguntado o que acontece apó s a morte,
disse:

Eu saberei quando chegar até ela. Não preciso saber agora."

Precisamos saber agora? É necessá rio que a preocupaçã o com o que pode acontecer no
pró ximo capítulo arruíne nossa diversã o? Poderíamos, como Peter Pan, nos contentar em
ficar na praia e olhar para o mar com um sentimento de medo e admiraçã o ao mesmo
tempo?

Como a arte dos índios e dos mexicanos surge do inconsciente primitivo, muitas vezes
ela esconde o temível cará ter numinoso da experiência da morte; mas aqui, novamente,
descobrimos que por trá s do fascínio se esconde um medo. Daremos dois exemplos:
primeiro, um esqueleto humano adornado com azeviche e turquesa (fig. 57). Este belo e
terrível objeto foi um presente que, a princípio, Moctezuma ofereceu a Cortés . Foi talvez um
aviso ameaçador de que o mundo do conquistador um dia desmoronaria? Nesse caso, a
profecia sombria refletida na maravilha daqueles olhos cegos e vazios acabou sendo
verdadeira. Este presente raro está agora no Museu Britâ nico. « Quem é o próximo que se
atreve a aceitar este estranho? »

A segunda imagem (fig. 58) representa o deus mexicano da Morte . Esta figura real,
gravada em ouro e suntuosamente vestida, nos acolhe em seu reino. Ele sorri com o
coraçã o e abertamente, parece um estalajadeiro feliz nos dizendo: « Você não tem nada a
temer ». Sentimos medo diante do limiar. Assim que ouvimos a pesada porta fechar, parece
que sentimos o ferrolho sendo puxado atrá s de nó s. Sentimos também como nossa carne
branca é espremida pelo abraço metá lico do Rei da Morte .

O pensamento da morte física nos paralisa de horror. No entanto, todos os dias nossos
corpos físicos dã o passos gigantescos rumo à s portas da morte. O problema é, claro, como
ajudar nossas almas a se moverem de acordo com nossos corpos. Cada vez que nosso
espírito fica para trá s, ele sufoca o fluxo natural da vida desde o nascimento até a morte,
sufocando o sopro da vida com costumes " mortos " e conceitos ultrapassados.

Perguntaram a Krishnamurti como ele se preparou para a morte. A isto respondeu: «


Todos os dias morro um pouco ». No contexto de sua resposta, era ó bvio que nã o se tratava
de uma contemplaçã o mó rbida do fato da morte física; a ideia era mudar diariamente, a
cada momento, libertando-se das coisas que nos prendem ao inconsciente. A ideia de
Krishnamurti é que cada dia nos oferece muitas portas para a nova vida, se quisermos abri-
las, em vez de antecipar com raiva e medo a aceitaçã o de uma Grande Transformaçã o que
assumimos nos espera atrá s da ú ltima porta .

Jung também indicou a ideia de que viver a vida plenamente é a maneira natural de
abordar a morte. Como psicó logo, ele aprendeu sobre os sonhos de centenas de idosos. Ele
descobriu que o inconsciente daqueles que se aproximam da morte nã o fala em termos de
pairar em torno do grande fim da vida; pelo contrá rio, os sonhos dos velhos pareciam
continuar como se a pró pria vida continuasse. Jung também foi questionado sobre como
alguém deveria se preparar para morrer, ao que ele respondeu que deveria continuar a
viver como se a vida durasse para sempre.

A melhor maneira de se preparar para uma longa viagem de duraçã o infinita e para um
país desconhecido provavelmente seria se livrar de toda bagagem desnecessá ria. Uma
maneira de fazer isso pode ser examinar seus pertences, selecionando apenas os itens
essenciais para o bem-estar espiritual e físico, deixando o resto para trá s. O problema é,
claro, reconhecer o essencial.

Cada dia nos apresenta muitas oportunidades para fazer esse tipo de escolha espiritual
e, ao fazê-lo, podemos evitar os muitos desvios tentadores que seduziriam nossas energias
com promessas ou poderiam nos atrair para os modos indolentes de comportamento
infantil. Recusar-se a cooperar com o desmembramento de nosso pró prio ser cria uma
constriçã o no fluxo da vida; que leva à morte espiritual. Segundo Jung, tal comportamento
pode até terminar em morte física. Jung diz:

«Se a exigência de autoconhecimento exigida pelo destino for rejeitada, essa atitude
negativa pode terminar em morte real. A demanda não teria se manifestado nessa
pessoa se ela não pudesse lutar com a perspectiva de vencer. Mas ela ficará presa em
um beco sem saída do qual somente o autoconhecimento poderá ajudá-la.» 77

Fig. 57 Crânio humano ornamentado (British Museum)

Ser seduzido, adormecido ou tentado a escapar de nossa participaçã o consciente na


vida e sentir-se levado a cooperar com a morte tem sido um assunto frequentemente
dramatizado nas artes. A morte como sedutora é o tema predileto da pintura de Manuel
Deutsch, O Soldado da Morte Abraçando uma Garota (fig. 59), que nos mostra uma mulher
em um abraço obsceno com um amante esquelético que a seduz para uma uniã o repulsiva e
estéril. Algumas vezes a Morte foi representada como uma mã e benevolente que nos sufoca
com uma suave cançã o de ninar que nos conduz ao Grande Sono. Certamente foi assim que
a morte deve ter parecido na mente de Dylan Thomas quando ele advertiu seu pai:

Fig. 58 Deus mexicano da morte

Não vá suavemente para esta boa noite, a velhice deve queimar e enfurecer-se com a
aproximação do dia. Raiva, raiva contra a morte da luz. 78

Da mesma forma, devemos nos enfurecer contra a sutil bajulaçã o da Morte, esse
satâ nico tentador que pode nos induzir à distraçã o, negligenciando-nos para que sejamos
vítimas de um acidente, ou que também pode nos induzir mais abertamente ao suicídio. «
Morrer: dormir... » Se a tentaçã o de matar o nosso lado obscuro (de matar de uma vez por
todas aquele problema, aquele aspecto rejeitado de nó s mesmos) se torna avassaladora,
pode tornar-se autodestrutiva.

Fig. 59 O soldado Morte abraçando uma garota


(Nikolaus Manuel-Deutsch. Ö ffentliche Kunstammlung, Basel, Suíça)
Existem muitas maneiras sutis de cometer suicídio, tanto físico quanto espiritual. Se
nã o podemos suportar as tensõ es da mudança, se nã o podemos aceitar que em certos
momentos de nossas vidas devemos permanecer inativos como o Enforcado, invertido de
nossas atividades anteriores; Se nã o tentarmos direcionar nossas energias para padrõ es
preconcebidos, a morte pode aparecer disfarçada de ataque cardíaco, derrame ou outra
doença repentina. Também pode acontecer que uma pessoa presa em um círculo vicioso de
preocupaçã o mortal consigo mesma simplesmente desapareça, tanto física quanto
espiritualmente. Como Jung apontou, a natureza encontra inúmeras maneiras de acabar
com uma existência sem sentido .

Apesar de a morte ser um conceito de limitaçã o carnal que pertence ao aspecto yin da
vida, costumamos nos referir a ela como algo masculino. Na fá bula « Encontro em Samarra
» ela aparece como uma velha. Exemplos de morte como mulher na arte sã o relativamente
raros. Uma gravura de Posada a mostra como uma paró dia irô nica do encanto feminino,
sem nenhum traço da genuína seduçã o oferecida pela morte ou do poderoso chamado da
Grande Mãe que nos atrai em seu doce abraço. Esta pintura é intitulada Calavera de la
Mujer Dandy (fig. 60). Nele podemos ver um esqueleto flertando obscenamente, adornado
com laços, posando para um retrato com um enorme chapéu coroado de flores e penas. A
boca monstruosa com seus dentes terríveis está entreaberta em um sorriso voraz. O
objetivo deste retrato é ridicularizar ou parodiar o aspecto sedutor da Morte. O fato de esta
criatura ter sido chamada de “ a Mulher Dândi ” sugere que ela/ele poderia ser um travesti,
uma representação andrógina de si mesmo de uma forma distorcida.

A palavra « calavera » significa literalmente « crânio », mas metaforicamente também


carrega a conotaçã o de « cabeça louca, imprudente, insano ». Isso nos revela o tema do
travesti e sugere a ideia da irracionalidade da morte, uma entidade descontrolada cujo
comportamento nos parece desconhecido, fora dos modelos aceitos pela sociedade. A
sá tira, conforme utilizada por Posada , é uma tá tica que o homem utiliza para enfrentar seu
medo da morte. Outra maneira de tentar esconder esse medo é nos lembrarmos de que ele
nada mais é do que um conceito mental, uma criaçã o do intelecto humano. William Buttler
Yeats, que também gritou a plenos pulmõ es contra o enfraquecimento da luz na
masculinidade, nos conta como um grande homem " afasta a piada sobre prender a
respiração ". No poema intitulado « Morte », ele diz:

Fig. 60 Caveira da Dândi (Posada)


Sem medo e sem esperança acompanham
a qualquer animal moribundo;
um homem espera seu fim
temendo e esperando tudo;
Muitas vezes ele morreu
muitas vezes ele ressuscitou.
Um grande homem orgulhoso
enfrentando os assassinos
mantenha o ridículo longe
na suspensão da respiração.
Conheça a morte até os ossos:
O homem criou a morte. 79

Embora Yeats possa estar brincando um pouco, é verdade que o homem criou o
conceito de morte como um evento ú nico que ocorre irrevogavelmente em um
determinado momento no tempo. Como sabemos, a morte é um processo contínuo na
natureza. O conceito de vida e morte como uma dicotomia é simplesmente contrá rio aos
fatos observá veis.

Esta verdade simples, amplamente reconhecida pela filosofia, tornou-se agora uma
questã o de interesse prá tico. Em relaçã o aos transplantes de coraçã o, assim como de outros
ó rgã os humanos, é fundamental determinar o momento exato da morte para que os ó rgã os
necessá rios possam ser retirados e transplantados enquanto ainda viá veis sem causar
violência aos doadores vivos. (Pode parecer, por acidente, que o desmembramento e
reassimilaçã o do homem perfeito, outrora realizado em igrejas e templos, agora é realizado
na sala de cirurgia. É animador notar de passagem que hesitamos em desmembrar um
"vivo" ser humano – note que delicadeza – que é algo de que muitas sociedades primitivas,
incluindo a Alemanha de Hitler, nã o participaram.) A pergunta que a ciência médica está
fazendo hoje é preocupante:

Qual é o momento exato da morte? Quando o paciente para de respirar, quando o


coração para de bater ou quando o eletroencefalograma mostra que não há mais
ondas cerebrais?
Como a natureza sabe que nã o há hora certa para a morte, o homem cria uma hora
arbitrá ria para dar uma resposta prá tica a essa questã o. Nesse sentido, o homem “ cria a
morte ” literalmente. A falsa natureza da dicotomia " vida versus morte " chama tanto a
nossa atençã o e de forma tã o dramá tica que nã o podemos mais ignorá -la.

Nosso mundo tenso de oposiçõ es encontra outra oportunidade no outro extremo do


continuum nascimento-morte . Com a crescente legalizaçã o do aborto, a pergunta: quando
exatamente começa a vida humana? tornou-se vital. Como podemos ver, as duas questõ es
sobre o início da vida na carne e o fim da pró pria vida na carne nã o podem ser definidas em
laborató rio ou nos tribunais, elas só podem ser definidas por um acordo comum em que
arbitrariamente um ponto no continuum espaço-temporal em que concordamos em dizer
que começa a vida de um ser humano individual e outro em que dizemos que essa vida
humana termina. Nó s nos colocamos como deuses para julgar os vivos e os mortos. Durante
todas as nossas discussõ es, deliberaçõ es e decisõ es sobre esta questã o, a Natureza
permanece, como sempre, silenciosa.

O poeta Yeats tem toda a razã o. Podemos enfrentar o fim da respiraçã o com o
desprezo que ela merece. Em certo sentido, nã o é mais significativo do que muitas
transformaçõ es que ocorrem na carne diariamente, a cada hora, a cada momento. Se
"criamos a morte", por que seu fantasma deveria nos assustar? Por que nã o podemos
simplesmente passar por esse negó cio chamado viver, confiando em nossos instintos de
sobrevivência animal para nos proteger naqueles raros momentos de crise física, quando
uma açã o defensiva é necessá ria?

Mas parece que nã o sabemos como fazê-lo. Em todas as culturas e épocas esse
fantasma autocriado sempre esteve presente, interrompendo o drama da vida com medos
irracionais, desviando nossa atençã o do assunto em questã o. Muitos tratados foram
escritos sobre a arte de morrer. Um deles, Artes Moriendi , provavelmente originou-se ao
mesmo tempo que o mais antigo Tarot conhecido. Uma ilustraçã o deste tratado é uma
pintura de Hieronymus Bosch intitulada Death and the Miser . Nela, o Avarento é
representado em seu leito de morte. A figura encoberta da Morte é vista entrando no
quarto enquanto duendes alados despojam o Avarento de seus tesouros e bolsas. Por trá s
está um anjo branco apontando para um crucifixo de onde saem raios de luz. Abençoado
por aquela luz, o Avarento se volta para a Morte, provavelmente dando as boas-vindas a
ela.

É ó bvio que a luz que o Avarento vê neste momento vai além do clichê: « você não
aguenta ». Como Bosch e seus contemporâ neos sabiam, o medo mortal da morte inerente
em nossos ossos psíquicos nã o pode ser superado pela ló gica ou aforismos. Parece querer
nos dizer que nã o se pode renunciar à s coisas deste mundo e acolher verdadeiramente a
morte sem a verdadeira iluminaçã o de uma experiência que transcende tudo o mais.
Na época de Bosch, a Igreja e seus símbolos vitais atuavam como mediadores nesse
tipo de experiência. Para muitos de nó s, no século 20, esse mediador nã o é mais
verdadeiramente ú til. Os símbolos de nossa herança judaico-cristã perderam seu
significado para nó s. A morte tornou-se cada vez mais um fenô meno puramente físico que
ocorre em um hospital e é tratado assepticamente por estranhos vestidos com uniformes
engomados. Os aspectos emocionais, íntimos e espirituais da experiência da morte
passaram para as mã os de estranhos (personagens solenes vestidos de preto que aparecem
junto à sepultura, dirigindo ritualmente as cerimô nias). Quando as cerimô nias fú nebres
terminam, esses mesmos pá ssaros pretos costumam ser os primeiros a aparecer em
parentes (que mal conhecem) para dizer o quanto estã o tristes por alguém (que mal
conheciam como pessoa) ter "intensificado " . Se forem suficientemente pagos e
encorajados, esses enlutados profissionais selecionarã o e lerã o poesia ou frases bíblicas de
acordo com a ocasiã o, escolhendo elogios floreados para atender "o falecido "; ou seja, «
qualquer falecido ». As ridículas tentativas de nossa cultura de embalsamar a vida foram
habilmente satirizadas em The Loved One , de Evelyn Waugh . Parece que esse tipo de
idiotice atingiu seu ponto extremo. Parece que o pêndulo está começando a balançar na
direçã o oposta, em direçã o a um compromisso mais pessoal com a morte e o luto, tanto
prá tica quanto espiritualmente. Os doentes terminais agora sã o informados da verdade. As
famílias sã o incentivadas e auxiliadas no cuidado desses pacientes em casa. Seminá rios e
grupos de discussã o oferecem uma oportunidade para as famílias que enfrentam essa
experiência de conhecer outras pessoas em situaçã o semelhante e compartilhar com elas
seus problemas e experiências.

Agora, quando o nome da morte é finalmente pronunciado em voz alta, descobrimos


que o rosto que ela vira em nossa direçã o é menos assustador do que imaginá vamos. Talvez
um dia o esqueleto da carta nú mero treze apareça diante de nó s com aquele brilho
luminoso de luz transcendente que já compartilhou com as geraçõ es anteriores.

Edgar Herzog explora em detalhes as origens dessas duas abordagens bá sicas da


morte, que sã o a científica e a religiosa, em seu livro Psyche and Death . Sua tese é que o
confronto do homem com o fato da morte física forneceu o primeiro impulso para toda
ciência e toda religiã o. Segundo Herzog, a capacidade de sentir horror pela morte do outro
é uma das características mais significativas que distinguem o homem do animal. Esse
horror, diz ele, é muito diferente do medo específico da pró pria morte que opera como um
instinto de autopreservação tanto nos homens quanto nos animais. As pesquisas indicam
que a primeira reaçã o, tanto do homem primitivo quanto do primitivo em nó s mesmos, é
fugir ao ver um cadá ver, reaçã o que nã o é característica dos animais. Poderíamos
caricaturar essa reaçã o como " terror do incompreensível " em contraste com " medo do
específico ". Herzog nos oferece a hipó tese de que essa sensaçã o de terror é provavelmente
a primeira experiência humana do " totalmente inatingível ", a ú nica experiência que
Rudolph Otto descreveu como " tremendum ".
Herzog insiste em demonstrar como a compreensã o desse " tremendum " é a base para
o desenvolvimento de uma visã o de mundo que ampliará a consciência do homem em duas
direçõ es: para a religiã o, que ajudará o homem a interiorizar a morte e o destino por meio
de uma aceitaçã o maior, abrangendo inclusive ambos; e também para a ciência, que
abordará os fatos da morte e do destino tentando controlá -los. Herzog conclui sua
apresentaçã o da seguinte forma:

Não deveria ser necessário dizer que essas duas tendências agem simultaneamente
na psique e influenciam o comportamento humano, pois o desenvolvimento humano
sempre parece levar a um ponto em que um se sente mais claramente diferenciado e
ganha domínio sobre o outro. A segunda tendência (de defesa contra a morte) sugere
uma afirmação do ego em sua adaptação à realidade externa, a primeira (a
aceitação do destino) sugere uma autossubordinação em relação à realidade interna.
Conduz-se pela magia ao domínio da ordem psíquica, fazendo-o pelas ciências
naturais; o outro leva à religião e à percepção do Eu.» 80

Ao longo de nossa recente " idade das trevas ", com sua abordagem científica estéril da
morte e sua adoraçã o doentia à juventude e à longevidade, os poetas mantiveram a fé nos
valores religiosos. Eles capturaram em palavras a conexã o numinosa entre a morte e o
renascimento espiritual, trazendo-a para mais perto de todos nó s. O poema de TS Elliot «
Journey of the Wizards » nos fala sobre a relaçã o entre nascimento e morte. Nesse poema,
um dos três Sá bios fala o seguinte:

Tudo isso aconteceu há muito tempo, eu me lembro,


Eu faria de novo, mas escreva, escreva isso, isso:
nós fomos levados todo o caminho para
nascimento ou morte? Foi um parto, certamente,
era óbvio, sem dúvida; Eu vi nascimento e morte
mas eu pensei que eles eram diferentes; este nascimento foi
dura e amarga agonia para nós, como a morte, nossa morte.
Voltamos aos nossos lugares, esses Reinos,
mas não confortável, aqui, à moda antiga,
com um povo desconhecido, agarrado a seus deuses.
Eu ficaria feliz por outra morte. 81
Depois deste confronto com o treze do Tarot, o heró i da nossa saga também terá dado
um passo irrevogá vel para aquele lugar de onde nenhum viajante volta pelo mesmo
caminho por onde entrou. Como o Sá bio, ele nã o se sentirá mais bem entre os costumes
antigos. Ele terá se tornado um estranho para sua pró pria família e antigos amigos, um
exilado em seu pró prio país. Mas nã o há como voltar atrá s. Como o Louco e o Sá bio, ele é
forçado a partir novamente em busca de " outra morte ". Vamos segui-lo!

17. TEMPERANÇA:
ALQUIMIA CELESTIAL

Fig. 61 Temperança (Tarô Marselhesa)


Cada folha de grama tem seu Anjo que
ele se inclina sobre ela e sussurra: "cresça, cresça".

talmude

O décimo quarto Arcano, um anjo de cabelos azuis que usa uma flor vermelha na testa,
despeja o líquido de uma jarra azul em uma vermelha (fig. 61). O tema desta carta conecta a
temperança com Aquário , o portador da á gua, o décimo primeiro signo do Zodíaco. Aquá rio
rege a circulação do sangue e está relacionado com a circulação das ideias .
Tradicionalmente simboliza a dissolução dos antigos costumes e a perda de laços rígidos
que anunciam uma libertaçã o do mundo dos fenô menos.
Aquá rio é geralmente representado com um ú nico jarro. Paul Huson, em seu livro The
Devil's Album faz alguns comentá rios interessantes sobre os dois vasos aqui mostrados,
lembrando que, no Zodíaco egípcio de Denderah , Aquá rio era identificado com Hapi , o deus
do Nilo cujas á guas eram a fonte da vida. para a agricultura e para a espiritualidade. Como
sua contraparte egípcia, o Anjo da Temperança exibe dois aspectos opostos ou essências
que produzem energia vivificante. Huson também aponta que uma ideia semelhante foi
exposta no século II pelo gnóstico Marcos , que celebrava a Eucaristia com dois cá lices em
vez de um. Diz assim:

«Despejando o conteúdo de um no outro, misture a água e o vinho, comparando neste


diagrama a água com a Sophia (sabedoria divina) que, caída ao chão, se trança nos
vazios escuros, e o vinho com o espírito de fogo de Cristo Salvador". 82

O Anjo da Temperança é uma figura crucial na sequência do Tarô , inspirando muitas


das açõ es que se seguirã o. Podemos pensar em um grande nú mero de opostos nos pares
representados pelo vermelho e pelo azul que se misturam simbolizando, por exemplo, o
espírito e a carne , o masculino e o feminino , o yang e o yin , o consciente e o inconsciente , ou
o que essa interaçã o simboliza: o casamento entre Cristo e Sophia, a uniã o do fogo e da
á gua. A á gua que corre entre esses dois jarros nã o é vermelha nem azul, mas de um branco
puro, sugerindo a representaçã o de pura essência, talvez energia.

Claro, dois elementos opostos, como fogo e á gua, nã o podem ser confrontados
diretamente; Seria catastró fico, sem dú vida. Poderia terminar em uma açã o violenta dos
elementos descontrolados do fogo, ou em uma açã o igualmente desastrosa, como extinguir
a chama espiritual com uma onda de frio do inconsciente. Antes que os elementos
vermelho e azul possam se encontrar livremente à luz do dia, uma preparaçã o deve ocorrer
no retiro escuro da psique. Esta é a cerimô nia presidida pelo Anjo.

Como em qualquer situaçã o de conflito, um primeiro passo criativo em direçã o à


resoluçã o é encontrar um á rbitro, alguém cuja sabedoria e compreensã o possam abranger
ambos os aspectos. A Temperança alada, segurando o vermelho e o azul com igual
interesse, é esta figura. Suas asas nos dizem que ela é mais que humana, ela é capaz de se
elevar acima das coisas do mundo. Ele habita um reino que está além do alcance dos
mortais. Nesta carta nã o está representada nenhuma figura humana, indicando assim que o
que aqui se passa está a acontecer no inconsciente do heró i, embora sem o conhecimento
ou participaçã o do ego.

Os anjos sempre foram vistos como mensageiros alados do céu, o que significa
psicologicamente que eles representam a experiência interior de uma natureza numinosa
que conecta o homem com o mundo arquetípico do inconsciente. Essas visõ es aladas
aparecem em nossas vidas mundanas em um momento crucial, fornecendo-nos
repentinamente novas visõ es, revelando novas dimensõ es de experiência.

Nas histó rias bíblicas, os anjos tradicionalmente aparecem para fazer algum anú ncio
ou revelaçã o de importâ ncia transcendental. Geralmente, a mensagem de um anjo importa
nã o só para o indivíduo que tem essa missã o, mas também para a comunidade, o grupo.
Essas experiências visioná rias marcam dramaticamente mudanças cruciais, tanto pessoais
quanto culturais. À s vezes, eles anunciam nascimentos milagrosos (a Anunciação a Maria )
ou trombetas de renascimento (como no Juízo Final , tema que aparecerá mais adiante em
nossa série de Tarot).

O Anjo da Temperança nã o se anuncia com luzes ofuscantes ou tambores estrondosos.


Em vez disso, ele está diante de nó s com uma presença permanente. Ao contrá rio do Anjo
do Juízo que vemos representado na carta nú mero vinte, atravessando a barreira que
separa o celeste do terrestre para aparecer no céu rodeado de uma auréola de gló ria, o Anjo
da Temperança, como o seu nome indica, aparece-nos mostra em uma forma pouco
dramá tica. Nã o mostra nenhum. Ele está simplesmente ali, absorvido em seu trabalho de
transferência. Sente-se que esse ser alado nã o desceu do céu novamente, mas sempre
esteve ali, de pé, esperando que o heró i notasse sua presença.

De acordo com uma crença antiga, toda pessoa viva, animal e planta tem seu pró prio
anjo da guarda. Talvez este seja o bom anjo do nosso heró i. Se lhe traz uma mensagem,
parece que vem acompanhada de sua açã o, que diz:

«Paciência-fé. Existem poderes em ação no universo e em você que estão além da


experiência cotidiana. Acredite nessas correntes profundas da vida e deixe-se levar
por elas.

Para Meister Eckhart, os anjos representavam as « idéias de Deus ». Segundo Jung, o


anjo personifica o acesso ao consciente de algo que está surgindo das profundezas do
inconsciente. Certa vez, ele definiu os anjos como " a personificação dos transmissores dos
conteúdos do inconsciente quando anunciam que querem falar ". 83 O Anjo da Temperança,
como podemos ver, ainda nã o se pronunciou. Se o heró i quiser ouvir a mensagem do Anjo,
provavelmente poderá iniciar um diá logo com ele. Este diá logo estabelece uma relaçã o viva
para a resposta do “ outro ” que vive em nó s.
Esse método de encenar a conexã o de si mesmo com a figura interior, que também era
usado pelos alquimistas, Jung chamou de "a imaginaçã o ativa". Os alquimistas a chamavam
de meditatio, e Ruland, o lexicó grafo, define a meditatio como "um diá logo interior com
alguém invisível, também com Deus ou consigo mesmo, ou com o pró prio anjo bom".
Depois de citar Ruland, Alan McGlashan acrescenta estas palavras: « Também com o anjo
negro que temos dentro ». 84 Esta é uma observaçã o muito pertinente, pois, como Jung
apontou, os anjos, como arquétipos, sã o criaturas de moralidade duvidosa. Na carta do
Tarot que se segue a esta, o Diabo , veremos face a face o mais duvidoso e sombrio de todos,
o Príncipe Lúcifer , o anjo caído.

Podemos confiar plenamente no Anjo da Temperança, pois ele traz na testa uma flor
cujo formato circular formado por cinco pétalas sugere uma mandala , símbolo da
quintessência . Esta mandala viva situa-se no local do terceiro olho , tradicionalmente a á rea
da consciência suprema e, em termos junguianos, o local da individuação . As está tuas de
Buda sempre mostram alguma marca na testa; é o sinal da consciência desperta , o símbolo
do duplo nascimento .

Embora o despertar do herói ainda esteja enterrado profundamente demais para que
sua mente consciente o alcance, ele intuitivamente começa a entender que também está
marcado . Ele acaba de sair de seu confronto com a morte por um duplo nascimento ; ele
sente seu pró prio despertar florescer em uma nova vida. Tendo visto esse ser angelical, ele
se sente separado da multidã o.

Ser visitado por este anjo é uma experiência marcante. O poeta Rilke expressa sua
experiência com esse ser arquetípico nas seguintes palavras:

Quem, tendo podido viver sua vida na solidão,


não se maravilhou que o anjo
visitá-lo de vez em quando, deixando-o compartilhar
o que não pode ser dado à multidão,
a todos os assustados e desnorteados
que entre as lamentações eles deixaram suas vozes se perderem? 85

Essa mensagem compensató ria de cura e unidade descrita por Rilke geralmente chega
até nó s quando estamos mais sozinhos , quando nossas vidas ( internas e externas ) parecem
mais distantes.
É nesses momentos, quando o ego se sente inseguro , que as figuras do inconsciente
mais profundo podem atingir nosso nível de consciência.

O heró i está agora nesta situaçã o. Esse momento marca uma virada psicoló gica, como
mostra o fato de a Temperança ser a ú ltima carta dessa linha horizontal de nosso mapa,
indicando que uma mudança dinâmica está prestes a ocorrer no fluxo da libido .

Os medos e visõ es interiores que experimentou em seu confronto com o esqueleto na


carta anterior deixaram o heró i com sentimentos de solidão e tremores, desorientação e
separação . Ele nã o pode mais voltar aos seus velhos há bitos, aos seus há bitos; a vida que
ele viveu até agora está em ruínas. Sua personalidade consciente é destruída; embora o
antigo escudo protetor esteja irreparavelmente danificado, através de suas vá rias
rachaduras você pode vislumbrar uma nova luz, uma visã o nebulosa do todo potencial que
existe .

Em meio aos gritos clamorosos de idéias conflitantes, de sentimentos e opiniõ es


confusas dentro dele, um centro de silêncio oculto começa a se manifestar. À s vezes,
quando você olha com seu olho interior , pode captar os contornos externos de seu Anjo da
Guarda, conforme representado no Tarô . À s vezes, quando você escuta atentamente, pode
ouvir o suave estrondo de sua á gua subterrâ nea fluindo novamente e sentir suas energias
se movendo e surgindo em uma nova vida. O domínio da morte acabou; Agora você pode
obter uma nova libido .

É hora de essa nova libido ser derramada em um novo recipiente. Essa mudança nã o
pode ser conscientemente desejada ou dirigida. Jung diz:

“A energia psíquica é uma coisa muito chata que insiste em cumprir sua própria
condição. No entanto, qualquer quantidade de energia que surja em nosso caminho,
não podemos torná-la útil até encontrarmos com sucesso seu próprio nível." 86

As energias criativas da vida nã o podem ser direcionadas por pura vontade para
qualquer canal consciente que o ego possa escolher, por mais razoá vel, ló gico e apropriado
que pareça à mente. « A vida só pode fluir através da irregularidade natural », como diz Jung.
Equilibrar o fluxo dos opostos, de modo que as energias encontrem sua pró pria inclinaçã o,
requer paciência e perspicá cia de um anjo. Como esse tipo de transformaçã o está fora do
nosso controle consciente, é aconselhá vel que o heró i se retire dessa representaçã o,
confiando que é seu Anjo quem faz essa parte da Grande Obra para ele e em seu nome .
Em qualquer nível, a reconciliação dos opostos não é uma questão de lógica ou razão .
Geraçõ es de homens têm lutado, sem sucesso, para conciliar a busca de significado,
exemplificada na religiã o, com a busca de açã o incorporada na ciência.

A suposta dicotomia entre essas duas necessidades humanas bá sicas nã o pode ser
conciliada através do intelecto. Como todos os opostos, eles nã o podem ser reconciliados
logicamente, eles só podem se unir no ponto da " experiência ". Essa verdade foi ilustrada
com muita eloquência por Jung, em uma entrevista filmada na qual lhe perguntaram:

« Você acredita em Deus? », ao que respondeu: « Não acredito, eu sei ».

O Anjo da Temperança pode personificar esse tipo de conhecimento interior que


substituirá cada vez mais " crenças " e " opiniões " nas respostas do heró i à vida. Podemos
ver nesta carta o início da era aquariana na psique, que leva à redescoberta do homem e de
seu mundo como um todo. Originalmente, a palavra “ totalidade ” ( todo ) era sinô nimo de “
cheio ” e o verbo “ curar ” ( curar ) significava trazer à plenitude . Jung concluiu que a
neurose representa uma perda da capacidade de plenitude e santidade da experiência
religiosa. Na Temperança, o contato com o numinoso é restabelecido . Aqui encontramos
dois vasos, iguais aos cá lices da comunhão e ao Santo Graal ; eles têm poderes má gicos para
reunir, conter, preservar e curar . O pró prio personagem alado nos lembra uma espécie de
arcanjo, ajudante e guia do heró i em sua jornada. Ele permanecerá ao seu lado como um
lembrete constante de que seus pensamentos, suas energias e seus planos nã o estã o
totalmente sob o controle da consciência.

O líquido contido nos vasos do Anjo parece brotar por sua pró pria vitalidade de
alguma fonte eterna, como as míticas á guas dos vasos milagrosos. A trajetó ria que os
líquidos seguem forma a figura desdobrada de um signo de infinito. A mais pró xima
aparece no chapéu do mago no primeiro arcano e sugere um sistema unitá rio de energia
criativa anterior à separaçã o dos opostos, o movimento do Ouroboros , mordendo sua
cauda. Na Temperança, o sinal do infinito é exibido de forma que os opostos sejam
separados e claramente definidos como dois recipientes com o líquido sendo transferido do
superior para o inferior, gerando assim um novo tipo de energia.

A libido, depois de reavivada, começa a fluir em outra direçã o. Apó s a imobilidade


forçada do Enforcado e o cruel desmembramento da Morte, a energia do heró i flui, como
corrente elétrica, de alta para baixa tensã o. Uma nova conexã o é estabelecida entre a
claridade azul celeste do espírito e o vermelho sangue da realidade humana. Aquá rio é o
signo do relacionamento ideal e trata da conexã o entre o princípio perfeito e a forma
perfeita. Como o Anjo dá e recebe no mesmo gesto, ele cria uma nova relaçã o entre a
energia yang positiva e a receptividade yin calma . Desta forma, ele une a magia do Mago
com sua parte feminina oposta, a Força.

Tanto no Mago quanto na Força, o sinal do infinito é representado por um chapéu. Este
chapéu é uma espécie de marca registrada ou insígnia de um comércio. Diz-nos que aqueles
que o usam sã o os guardiõ es dos poderes má gicos e dos talentos divinos que simbolizam. O
Anjo da Temperança nã o usa chapéu. Seus poderes divinos estã o imersos em si mesmo.

Uma boa maneira de entender o drama desta carta é contrastá -la com o tema da
interaçã o dos opostos representado em outros arcanos. Por exemplo, na Carruagem, que é
a carta logo acima da Temperança em nosso grá fico, os opostos vermelho e azul
apareceram como dois burros de carga atrelados um ao outro. Embora parecessem um
casal absurdo, suas rédeas, misteriosa e invisivelmente, eram seguradas por uma mã o
divina. Na Temperança, essa orientaçã o divina vem diretamente do anjo alado, a figura
central e ú nica.

O simbolismo da Temperança é mais impessoal e abstrato do que o da Carruagem.


Oferece-nos uma visã o da situaçã o do ponto de vista da eternidade , colocando-nos em
contato com o reino de Aquá rio, um reino de conhecimento total , que existe além deste
mundo de aparências . Sua energia, anteriormente experimentada como dois animais
separados, agora se revela a nó s como uma corrente vital. No Carro, a funçã o da libido era
impulsionar o heró i em sua jornada; na Temperança, é a própria libido que se transforma .
Os opostos, que sã o representados no início do Reino do Equilíbrio pelas duas balanças da
Justiça mantidas separadas pela barra fixa, agora nos aparecem como dois receptá culos,
vermelho e azul, para o ú nico fluido do Ser. Eles têm tornam-se formas alternativas que
moldam e contêm o impulso vital.

No capítulo anterior, a Morte, empunhando as armas do tempo, ameaçou cortar a


existência mortal do heró i. O esqueleto zombeteiro representava o tempo em sua forma
mais ameaçadora. Diante dessa realidade desagradá vel, o heró i começou a se sentir
elevado a um reino além do tempo, fora da prisã o da limitaçã o terrena e no mundo do
eterno. O Anjo estabelece uma conexã o entre o mundo de cada dia, do tempo histó rico, do
"tempo sagrado", para usar uma expressã o de Mircea Eliade. Eliade descreve esse reino
como "uma espécie de presente eterno e mítico que é periodicamente reintegrado por meio
de mitos". 87

Em Temperance, o ritual de transferência reconecta o heró i ao mundo sagrado que ele


vislumbrou anteriormente como o Enforcado, mas que acabou de perder. No futuro, sem
dú vida, haverá momentos em que você se sentirá novamente conectado ao seu Anjo e ao
mundo das verdades imortais. Você nunca mais se sentirá totalmente desolado, pois
experimentou o som de suas á guas profundas e batizou suas preocupaçõ es na fonte de sua
energia criativa .

Este ritual nã o é de forma alguma um simples conceito filosó fico. A ajuda que o Anjo
oferece é inteiramente prá tica, vital tanto para a realidade exterior quanto para a jornada
interior. Se tomarmos os dois vasos para representar o exterior e o interior , o consciente e o
inconsciente , o Anjo, com seu ritual de transferência , ajuda o heró i a conciliar esses dois
aspectos da vida. Como enfatiza Jung, todos os dias surge a necessidade de conciliar o
mundo dos nossos sonhos com o da nossa vida diá ria. Caso contrá rio, esses dois mundos
poderiam explodir um no outro da maneira mais confusa. Quando o inconsciente irrompe
em nossa vida externa, apropriando-se, por meio de símbolos de sonhos, eventos, pessoas e
objetos de nossa experiência cotidiana, ele ameaça a ordem estabelecida de nossa vida
cotidiana. Da mesma forma, o ego racional , a mente , pode invadir o mundo imaginá rio do
inconsciente, dificultando e interrompendo seu trabalho de cura.

Quando esses dois mundos se misturam inconscientemente, sem um anjo da guarda


presidindo, nossas vidas se tornam confusas e turvas, muitas vezes com resultados
desastrosos. Se tentarmos viver exteriormente um drama que pertence propriamente ao
interior, o fim pode terminar em tragédia. Poderíamos, por exemplo, projetar o Anjo da
Temperança para outra pessoa conhecida, confiando-lhe o cuidado de nó s, bem como
atender aos nossos conflitos, problemas, esperanças e sonhos, confiando a este suposto ser
superior a zelar e regular o fluxo de nossas vidas. Se o fizermos, nem é preciso dizer que o
Anjo da décima quarta carta pode se transformar e aparecer em nossa mesa como a décima
quinta carta: o Diabo .

Da mesma forma, é inú til trazer para o nosso mundo interior eventos que pertencem
propriamente à realidade externa. Assim, por exemplo, se temos um problema com nosso
cô njuge ou vizinho, é inú til tratá -lo apenas em nível simbó lico, passando longas horas
anotando diá logos imaginá rios com essa pessoa ou inventando teorias sobre possíveis
razõ es para o comportamento do outro a partir de nossa ponto de vista isolado. Embora
alguma introspecçã o seja vá lida, chega um momento em que é preciso voltar à realidade e
iniciar um diá logo real, na vida real, com a pessoa em questã o. Muitas vezes, quando
criamos coragem para fazê-lo, descobrimos que a realidade externa é muito menos terrível
do que supú nhamos em nosso drama interior. Pode até acontecer que o que apareceu em
nossa imaginaçã o como uma tragédia de antagonismos, na verdade se torne uma comédia
de erros.

Assim, como o Anjo, devemos procurar e encontrar dois recipientes que contenham
nossos dois mundos, para que nã o se misturem por engano e assim, como ele, os
mantenham firmemente separados. Quando e como misturar o conteú do desses recipientes
é algo que só pode ser aprendido por tentativa e erro.

Esta décima quarta carta também foi chamada de O Alquimista . A teoria da alquimia
era que toda matéria poderia ser reduzida a uma substâ ncia da qual, por meio de um
processo prévio, o vil e o corruptível poderiam ser destilados e separados, para que
pudesse surgir o puro e o incorruptível, o ouro filosó fico. Talvez algo semelhante esteja
começando a acontecer no fundo da psique do heró i. É como se a floresta de preconceitos e
padrõ es de comportamento da Morte (simbolizada pelas cabeças, pés e mã os espalhados
no chã o na décima terceira carta) tivesse sido reduzida a uma substâ ncia da qual um novo
ser físico está tomando forma.

O Anjo que realiza esta alquimia sutil é justamente chamado de Temperança.


Temperar significa " levar a um estado desejável por adição ou mistura ". Nó s temperamos o
aço para torná -lo mais forte e elá stico. Em princípio, temperamos a justiça com a
misericó rdia pela mesma razã o. A Justiça apareceu como o primeiro arcano no Reino do
Equilíbrio em nosso mapa. É muito ú til comparar esta carta com a carta da Temperança, a
ú ltima carta desta mesma linha. Em Justice, a figura central sentava-se em um trono, tã o
rígido e inflexível quanto a lâ mina de sua espada, os pratos opostos de sua balança
separados por uma barra igualmente inflexível. Como já vimos, ela nos mostrou a lei dos
opostos e como eles agiam juntos de forma complementar. O instrumento que a Justiça
possuía foi fabricado pelo homem para discriminar e medir. Embora ela presidisse todas as
consideraçõ es morais, ela estava acima delas e se sentia totalmente alheia. Ele apareceu
como uma figura alegórica , nem humana nem divina.

A Temperança, embora seja um ser celestial, parece-nos mais humana do que a Justiça.
É um ser alado, embora permaneça solidamente em nossa realidade, participando dos dois
reinos, o celestial e o terrestre, conectando-os entre si. Ao contrá rio da Justiça, parece estar
muito mais comprometida e afetada pelo processo em questã o. Em contraste com a rigidez
tipificada pela Justiça e suas escalas, tudo relacionado à Temperança parece tã o fluido
quanto um líquido má gico fluindo. O corpo do anjo balança e flui em uma dança rítmica que
combina com a ondulaçã o das á guas. A saia, composta por duas peças, uma azul e outra
vermelha, cores que se situam significativamente em oposiçã o à s dos vasos, sugerem que a
transferência da libido aqui representada faz parte de um processo contínuo, uma corrente
alternada infinita. É um evento natural que acontece ao ar livre, num lugar selvagem cujas
plantas verdes lembram a vitalidade contida nas jarras gêmeas. O jogo das á guas aqui
representado nã o pode ser controlado ou medido pelo mais refinado instrumento da
civilizaçã o. A atuaçã o da Temperança acontece somente pela graça de Deus e pela
administraçã o dos anjos.
Tendo chegado ao fim do Reino do Equilíbrio , talvez valha a pena rever os modelos que
propõ e. Tomado em sua totalidade, a linha do meio dos Arcanos do Tarô nos mostra o que
poderia ser chamado de problemas morais na filosofia medieval. A temperança era uma das
três virtudes cardeais: todas aparecem nos Arcanos do Tarô . Embora a conotaçã o
psicoló gica desta carta do Tarô nos tenha levado muito além de seu significado literal de
temperança (que é simplesmente moderaçã o), esse significado está implícito em tudo o que
foi dito. A segunda virtude cardeal, Fortitude, representada na Dama e no Leã o da décima
primeira carta, demonstrava a coragem paciente, fortaleza moral e perseverança
geralmente associadas à Fortitude. A terceira virtude cardeal, a Prudência, nã o está
especificamente representada no Tarô de Marselha, mas, segundo Moakely 88 , em algumas
cartas uma dançarina chamada Prudência substitui o Enforcado em alguns baralhos. A
prudência, ao que parece, nã o foi esquecida, foi simplesmente (imprudentemente?)
pendurada de cabeça para baixo.

Outra ideia que se repete na fileira central dos Arcanos do Tarô é a do equilíbrio, ou
seja, a compensaçã o dos contrá rios. Ao longo de toda esta linha, podemos ver
continuamente a relaçã o entre a energia masculina e a feminina. A Justiça nos mostra uma
mulher, embora empunhando uma espada, que simboliza o Logos masculino. O Eremita nos
apresenta o arquétipo do Sá bio e do Velho, mas, no entanto, ele está vestido com os há bitos
da Mã e Igreja. A Roda da Fortuna representa a interaçã o cíclica de todos os opostos, e a
Força segue esta carta, na qual uma dama e um leã o misturam suas diferentes energias,
alcançando uma simbiose harmoniosa. A seguir, o Enforcado nos mostra alguém suspenso
entre o céu e a terra. Na Morte, outros opostos, como rei e artesã o, homem e mulher, foram
cortados em pedaços e semeados em preparaçã o para a reorganizaçã o e reassimilaçã o, um
processo que começa na ú ltima carta desta linha: Temperança.

Nã o surpreendentemente, quase toda a açã o empreendida nesta segunda fila é


presidida e iniciada por uma figura feminina; Justiça, a esfinge da Roda da Fortuna, Força e
Temperança, todas decididamente femininas, dominam a açã o. O Enforcado está em atitude
passiva, incapaz de agir. Imobilizado numa espécie de caixã o formado pelas á rvores da
Natureza e pela terra, ele é cativo do feminino. Apenas o Eremita e a Morte (ambos
andró ginos) representam o princípio masculino em açã o. O simpá tico Eremita, armado
apenas com sua pequena lamparina, nã o inicia nenhuma açã o, apenas compartilha sua luz
com o que quer que aconteça. A morte é desenhada em uma atitude muito ativa, mas ela
nã o é dona de si mesma; sua foice, em forma de meia-lua, pertence à deusa Astarte, a Lua,
senhora do tempo, das marés e das mudanças.

Outro princípio a descobrir neste Reino do Equilíbrio é a forma como as cartas


alternam temas gerais e específicos. Primeiro o problema geral nos é apresentado, depois é
expandido e ilustrado com exemplos específicos e sua aplicaçã o em modelos que alteram
seu ritmo. Em primeiro lugar, a Justiça representa o dilema moral universal, o problema de
determinar e medir a culpa e a inocência. Depois vem o Eremita, cuja lâ mpada ilumina uma
abordagem mais humana do problema. A carta nú mero dez, a Roda da Fortuna, nos leva de
volta ao universal, apresentando-nos a eterna questã o do destino versus livre arbítrio:
somos nó s, como os animais, seres presos em um incessante carrossel de comportamentos
instintivos? Como resposta, os pró ximos dois Arcanos nos mostram as duas alternativas:
primeiro, a dama com o leã o, que nos ensina como a natureza selvagem pode ser domada, e
depois, o Enforcado, cujo corpo nos parece tã o completamente indefeso quanto o animais
da Roda da Fortuna, mas cujo espírito é livre para encontrar um sentido para o sofrimento,
coisa que esses animais nã o podem fazer. A décima terceira carta nos devolve ao universal,
lembrando-nos que o homem e os animais sã o igualmente incapazes de evitar o encontro
com o esqueleto: a morte. Entã o a Temperança limpa nossas percepçõ es culpadas,
conectando-nos de maneira divina, mas humana, com o mundo imutá vel além do alcance
do tempo da foice. Ao fazer isso, ele faz uma transiçã o graciosa do mundo dos problemas
morais para o mundo da iluminação divina , que será o tema expresso nas ú ltimas sete
cartas da série do Tarô . Mesmo para um anjo, o processo será lento. O trabalho que aqui se
inicia só será concluído no final da jornada do Tarot.

Visto que a Temperança é comparada ao " Alquimista " é importante sublinhar algo do
que já foi dito sobre a antiga linguagem dos alquimistas. Ao fazê-lo, observaremos com que
precisã o este Arcano do Tarô e as cartas que se seguem refletem a linguagem simbó lica
daqueles pioneiros que encontraram os caminhos que levariam à individuaçã o.

Em linguagem alquímica, o « glúten da águia » e o « sangue do leão » eram misturados


no alambique ou « ovo filosofal », depois expostos ao calor. Na Temperança somos atraídos
ao início desta Grande Obra à qual o Anjo compassivo fornece o calor necessário para que se
inicie o processo de “ cozimento ” . Nas pró ximas duas cartas (o Diabo e a Torre da
Destruiçã o) veremos como outros tipos de calor sã o aplicados (falando em termos
alquímicos e psicoló gicos).

A açã o do Anjo da Temperança ao trabalhar com as á guas da psique do heró i (de


natureza alquímica) é semelhante à açã o do sol. A natureza é a alquimista com as á guas da
nossa terra. O sol faz do nosso planeta uma retorta alquímica, na qual as á guas do oceano
sobem em direçã o ao céu e, de lá , uma vez destiladas as impurezas, elas retornam à terra
em forma de chuva. Este processo contínuo e circular exemplifica a inter-relaçã o natural
entre o céu e a terra, entre as figuras arquetípicas do inconsciente coletivo e a realidade do
ego do homem.

A temperança introduz pela primeira vez esse tipo de discurso fluido entre os reinos
do céu e da terra ou, psicologicamente falando, entre o eu e o ego ; um diá logo que será o
tema central de todas as cartas da pró xima fileira. Mais significativamente, a Temperança é
o ú nico ser alado no Tarô que desce à terra para encontrar o homem face a face. O Eros
alado que apareceu na carta nú mero seis só o fez do céu, espreitando do invisível para
disparar sua poderosa flecha e desaparecer. O fato de o anjo da guarda do heró i o ter
precedido em sua realidade terrena nos diz que ele agora experimenta a realidade do
inconsciente de uma maneira totalmente nova. Nunca mais você negligenciará as figuras do
mundo interior como criaturas de sua imaginaçã o. Embora você ainda possa pensar que "
interior " e " exterior " sã o dois mundos diferentes, você dará ao seu mundo interior a
mesma validade que dá ao mundo exterior. Talvez, ao ganhar confiança, você seja capaz de
entrar em seu mundo interior e interagir mais livremente com seus habitantes.

A esse respeito, é interessante estudar o desenvolvimento do movimento corporal


representado pelas cartas do Tarô . A linha superior nã o mostrava nenhum movimento
recíproco entre o céu e a terra, e mesmo o movimento no plano horizontal era restrito. A
maioria das figuras está sentada ou ereta em uma postura rígida. Apenas as mã os do Mago
e o sinal do infinito em seu chapéu, assim como os cavalos da Carruagem, nos dã o uma
ideia da açã o. Na segunda fila, o movimento em todas as direçõ es torna-se o tema principal;
isso é demonstrado pela carta central, a Roda da Fortuna. Embora esta fileira comece com
uma figura rígida, a Justiça, e o movimento mecâ nico da balança, a atividade torna-se mais
humana no Eremita e na Força, cujos movimentos sugerem um certo tipo de dança. A morte
também está envolvida em uma dança. Apenas o Enforcado permanece imó vel, mas (como
sabemos) ele está realmente dançando.

O motivo da dança é muito importante no Tarot. A dança é uma forma de arte em que o
corpo e a alma atuam de forma individual e expressiva. Um dançarino estende a mã o para
objetos e outros seres humanos expressando o relacionamento em um nível terreno e,
erguendo os braços para o céu, invoca os deuses. Encontramos algumas figuras que dançam
no Tarô . O Louco, é claro, faz isso inconscientemente ao iniciar sua jornada feliz. O
Enforcado, cuja dança é igualmente inconsciente, pode nos fazer pensar no Louco
impulsivo que fracassou diante das realidades da vida. À dança do esqueleto da Morte
segue-se a dança ritual que a Temperança faz com as á guas vivas. Podemos pensar que as
duas danças sã o um ú nico evento. Se olharmos por um momento para a Morte e a
Temperança, veremos como seus corpos se inclinam um para o outro, formando uma
elipse.

Esta elipse é um símbolo para o tipo de troca alquímica entre o céu e a terra que
descrevemos. Como veremos nos capítulos seguintes, este é um tema receptivo nas fileiras
dos Arcanos que culminarã o no Mundo, que representa verdadeiramente um Dançarino. Se
olharmos para a carta vinte e um, podemos ver como o movimento fluido desta figura final
é quase exatamente igual ao iniciado pelos movimentos do corpo da Temperança.
Atentemos também para como a elipse formada pelos corpos mó veis da Temperança e da
Morte aparece no Mundo como uma coroa elíptica que envolve a Dançarina.
Mas a transição da dança da Temperança para aquela retratada na última carta não
ocorre de forma ordenada. Como sabemos, a coreografia da vida não segue passos lógicos,
mas segue um curso em espiral, alternando curvas altas e descidas rápidas .

Começamos há muito tempo com o Anjo Bom , é hora de olharmos o Diabo nos olhos.
Ele está esperando para se juntar a nó s na pró xima carta.

18. O DIABO:
ANJO DAS TREVAS

Fig. 62 O Diabo (Marseillaise Tarot)


Você desprezou o diabo e não pode esquecer isso
um assunto tão odiado deve ser alguma coisa.

goethe

Chegou a hora de enfrentar o Diabo . Como ele é uma figura arquetípica, ele pertence
ao céu, a linha superior do nosso mapa; mas caiu... lembra? Ele diz que largou o emprego e
renunciou ao céu. Disse que merecia uma oportunidade melhor, achava que merecia um
tratamento melhor e mais autoridade.

Mas nã o é assim que os outros contam a histó ria. De acordo com a maioria dos relatos,
Satanás foi demitido. Seu pecado, dizem, foi orgulho e arrogâ ncia. Ele tinha uma natureza
autoritá ria, muita ambiçã o e um senso exagerado de seu pró prio valor. No entanto, ele
tinha muito charme e influência considerá vel. Seus modos eram sutis: ele organizou os
anjos para a rebeliã o pelas costas do Chefe, enquanto implorava o favor do Mestre.

Ele sentia ciú mes de todos, especialmente da humanidade. Ele gostava de pensar que
era o filho favorito. Ele odiava Adã o e estava aborrecido por ser ele quem governava o
ordeiro jardim do Paraíso. Segurança complacente era (e ainda é) um aná tema para ele. A
perfeiçã o o deixava louco. A inocência o fez se contorcer. Como ele gostou de tentar Eva e
conduzi-la para fora do Paraíso! A tentaçã o era (e ainda é) sua especialidade . Alguns dizem
que foi ele quem tentou o Senhor para testar Jó . Uma vez que Deus é bom, dizem-nos, ele
nunca poderia ter planejado esses truques demoníacos, se nã o tivesse sido inspirado por
Satanás . Outros argumentam que, uma vez que o Senhor é onisciente e onipotente, Ele tem
total responsabilidade por colocar Jó no terceiro grau. A discussã o sobre quem é o
responsá vel final pelo sofrimento de Jó durou muitos séculos. Ainda nã o foi definido e pode
nunca ser definido. A razã o é simples: o Diabo confunde , pois ele mesmo está confuso. Se
olharmos para o retrato que o Tarot nos oferece (fig. 62) veremos porquê. Apresenta-se
como um conglomerado absurdo de partes. Ele usa chifres de veado enquanto tem os pés
de um pá ssaro predató rio e as asas de um morcego. Refere-se a si mesmo como homem,
mas tem peito de mulher, ou melhor, usa-o, pois parece algo colado ou pintado sobre ele.
Esse escudo ridículo nã o vai adiantar muito. Talvez ele o use como um distintivo que
esconde de nó s a crueldade do portador, talvez ele queira indicar simbolicamente que Satã
usa modos femininos de inocência e engenhosidade para entrar em nosso jardim, para,
como esclarece a histó ria do Paraíso, trabalhar através do mesma ingenuidade inocente em
nó s (como aconteceu com Eva).

O fato desse escudo ser rígido e falso pode indicar que o aspecto feminino do Diabo é
mecâ nico e descontrolado, de modo que nem sempre está sob seu controle.
Significativamente, seu capacete dourado pertence a Wotan , um deus que também era
sujeito a acessos de raiva femininos e buscava vingança sempre que sua autoridade era
ameaçada.

O Diabo carrega uma espada, mas segura-a descuidadamente pela lâ mina e com a mã o
esquerda. É ó bvio que seu relacionamento com sua arma é tã o inconsciente que ela seria
incapaz de usá -la de maneira ú til, o que significa simbolicamente que seu relacionamento
com o Logos masculino é igualmente ineficaz. Nesta versã o do Tarô , a arma de Satanás
parece ferir apenas a ele. Sua lâ mina, no entanto, é muito perigosa, pois nã o é controlada. O
crime organizado age de forma ló gica, é possível investigá -lo e trabalhá -lo de forma
sistemá tica. Mesmo os crimes passionais têm uma certa ló gica emocional que os torna
humanamente compreensíveis e à s vezes até previsíveis. Mas na destruiçã o indiscriminada,
no assassinato de rua injustificá vel, dos atiradores enfurecidos e sem propó sito, contra eles
nã o temos defesa. Sentimos que essas forças operam das trevas, além da compreensã o
humana.
O Diabo é uma figura arquetípica cuja linhagem, direta ou indiretamente, vem de
tempos remotos. Lá ele apareceu como uma besta demoníaca mais poderosa e menos
humana do que a figura retratada no Tarô . Como Set, o deus egípcio do mal, ele
freqü entemente assumia a forma de uma serpente ou crocodilo. Na antiga Mesopotâ mia,
Pazazu (o rei dos espíritos malignos do ar, um demô nio portador da malá ria que habitava o
vento sudoeste) incorporava algumas das qualidades que agora atribuímos a Satanás .
Nosso Demô nio pode ter herdado algumas das qualidades de Tiamat , a deusa babilô nica do
caos, que assumiu a forma de um morcego com garras e chifres. Somente quando Satanás
apareceu em nossa cultura judaico-cristã , ele começou a assumir características mais
humanas e a conduzir suas atividades nefastas de maneiras mais compreensíveis para nó s
humanos.

Na obra de Blake intitulada Satan Exulting over Eve (fig. 63), por exemplo, Satanás
perdeu seus chifres e cascos. Ele se ergue galantemente acima da astuta serpente enrolada
em Eva, com quem parece nã o ter nenhuma ligaçã o. Em contraste com a figura demoníaca
retratada em nosso Tarô , o Satã de Blake é um guerreiro habilidoso equipado com um
escudo e uma lança, ambos os quais ele carrega com aparente autoridade. Claramente,
séculos de prá tica deram a ele um domínio sobre seu objetivo e determinaçã o. Em todo
caso, ele continua a carregar a lança em sua mã o esquerda, ou " sinistra ", já que suas
energias continuam a ser devotadas ao conflito ao invés da paz, e ao poder ao invés do amor.

O fato de a imagem do diabo ter se humanizado ao longo dos séculos significa,


simbolicamente, que estamos mais preparados para vê-lo como um aspecto sombrio de nó s
mesmos do que como um deus sobrenatural ou demô nio infernal. Talvez isso signifique
que estamos prontos para enfrentar nosso lado oculto e satâ nico. Humano e até belo, como
nos mostra a pintura de Blake, ele ainda nã o abandonou suas enormes asas de morcego.
Além do mais, eles cresceram e escureceram muito mais do que os mostrados pelo Diabo
do Tarô de Marselha . Isso parece nos indicar que o relacionamento de Satanás com o
morcego é particularmente importante e exige que prestemos atençã o especial a ele.

O morcego é um ser noturno. Ele evita a luz do dia, retirando-se todas as manhã s para
sua caverna escura, onde fica pendurado de cabeça para baixo, reunindo energia para suas
escapadas noturnas. Ele é um vampiro, suga sangue, sua mordida exala pestilência e seus
humores envenenam o ambiente. Ele tropeça no escuro e, segundo a crença popular, tem
uma tendência a se enroscar no cabelo, causando histeria e confusã o.

O Diabo também voa à noite, quando as luzes da civilizaçã o se apagam e a mente


racional está adormecida. É nesse momento que o ser humano jaz inconsciente,
desamparado, aberto à sugestã o. Nas horas de sol, quando a consciência humana está
desperta e a capacidade de discernimento do homem está alerta, o Diabo se retira para a
zona escura da psique, onde também fica pendurado de cabeça para baixo, escondendo
suas oposiçõ es e recarregando suas energias na espera do seu momento. Falando
metaforicamente, o Diabo suga nosso sangue, sugando nossa substâ ncia. Os efeitos de sua
picada sã o contagiosos, infectando comunidades inteiras e até países. Assim como um
morcego pode causar pâ nico irracional em um teatro ao esvoaçar entre os espectadores, o
Diabo pode voar em um grupo e se enredar em suas cabeças, desordenando os
pensamentos ló gicos e, finalmente, produzindo histeria em massa.

O terror que o morcego produz em nó s supera toda ló gica, assim como nosso medo do
Diabo . O morcego nos parece uma monstruosa aberraçã o da natureza: um rato com asas.
Como o diabo, tem membros malucos que desafiam as leis da natureza . Tendemos a pensar
que essas malformaçõ es sã o produto de algum poder sinistro e irracional do qual essa
criatura pode ter sido vítima ou mesmo instrumento: o anã o, o corcunda ou o bode de duas
cabeças. A propriedade que o morcego e o Diabo compartilham é a capacidade de navegar
cegamente no escuro. Intuitivamente, tememos essa magia negra .

Os cientistas encontraram maneiras de se proteger contra os há bitos perigosos e


repugnantes do morcego que lhes permitem entrar na toca do animal e examiná -lo de
forma mais racional. Como resultado, a forma peculiar e o comportamento repulsivo do
morcego nos parecem menos assustadores do que antes. Acabou de ser descoberto que seu
misterioso sistema de radar opera de acordo com leis compreensíveis. A tecnologia
moderna decodificou sua magia negra para criar um sistema semelhante para que o
homem também possa voar à s cegas.

Fig. 63 Satanás exultante sobre Eva (William Blake)

Diabo a um exame objetivo, aprenderíamos a nos proteger contra ele e, descobrindo


dentro de nó s o poder contra sua magia negra satâ nica, aprenderíamos a vencer esses
medos irracionais que paralisam a vontade e tornam impossível enfrentar e lidar com o
Diabo.diabo . Talvez depois da horrível iluminação de Hiroshima , com seus destroços restos
da humanidade, possamos finalmente ver a forma monstruosa de nossa própria sombra
diabólica .

A cada guerra parece mais evidente que compartilhamos muitas características com o
Diabo . Alguns dizem que é precisamente a funçã o da guerra que revela à humanidade a sua
enorme capacidade para o mal de uma forma tã o inesquecível que cada um de nó s pode vir
a conhecer a sua pró pria sombra, e assim entrar em contacto com forças inconscientes da
sua natureza interior. . Alan McGlashan pensa que a guerra é especificamente " o castigo da
descrença do homem sobre as forças que existem dentro dele mesmo ". 89

Paradoxalmente, à medida que a vida consciente do homem se torna mais " civilizada ",
sua natureza animal pagã entra em guerra, tornando-se cada vez mais selvagem. Sobre isso,
Jung diz:

«As forças pulsionais condenadas no homem civilizado são muito mais destrutivas e,
portanto, mais perigosas do que os instintos do homem primitivo, que em grau
modesto vive constantemente instintos negativos. Consequentemente, nenhuma
guerra do passado histórico pode competir com uma guerra entre nações civilizadas
em sua colossal escalada de horrores." 90

Jung continua dizendo que a clá ssica reproduçã o do Diabo como meio homem e meio
besta

"descreve exatamente o aspecto grotesco e sinistro de nosso inconsciente, com o qual


nunca entramos em contato real e que, consequentemente, permanece em seu estado
original e selvagem." 91

Se examinarmos esse " homem bestial " tal como nos aparece no Tarô , veremos que
nã o há nenhuma parte que se destaque entre as demais. O que torna sua figura tã o
desagradá vel é a aglomeraçã o sem sentido de suas vá rias partes. Esse aglomerado
irracional ameaça a ordem das coisas, minando o esquema có smico sobre o qual repousa
toda a vida. Enfrentar aquela sombra pode significar ver a face do medo que assola tanto
nó s humanos quanto a pró pria Natureza.
Aquela estranha besta dentro de nó s que projetamos no Diabo é, afinal, Lúcifer, o
Portador da Luz . Ele é um anjo, embora caído, e tem esta mensagem de Deus. Cabe a nó s
fazer contato com ele.

Seu rosto ainda é atraente. Sua estranha aparência nos lembra de Pan , um ser ligado
ao pânico e ao pandemônio .

Hoje, a palavra " pandemônio " foi cunhada por Milton especialmente para descrever as
atividades de Lúcifer e seus companheiros . Permaneceu em nossa linguagem e continua a
definir perfeitamente a confusã o destrutiva que o Diabo pode causar em nosso mundo e em
nó s.

Embora a figura do Tarô esteja equipada para se mover no escuro, ela possui um
equipamento especial: um par de chifres dourados. Os chifres sã o, desde os tempos antigos,
um símbolo de nova vida e regeneraçã o espiritual. Chifres de ouro sã o símbolos específicos
do fogo divino. As que aparecem aqui nos lembram línguas ou chamas que brotam de cada
um dos lados da cabeça dessa criatura.

Como vimos antes, esses chifres má gicos nã o pertencem à pessoa do Diabo , eles fazem
parte do capacete dourado que lembra Wotan . O fogo dourado nã o é, portanto,
propriedade de Sataná s, mas pertence ao ofício divino do mensageiro. Quando você se
lembra desse fato, seu fogo pode iluminar e purificar; mas quando ele rouba o fogo do céu
para seu pró prio engrandecimento, suas atividades podem causar um trovã o celestial.

Como Adã o e Eva já descobriram, o papel do Diabo é tã o ambíguo que muitas vezes é
impossível saber qual é. Por um lado, tenta-nos à desobediência, convidando-nos a provar o
fruto proibido, bem como a engolir o bem e o mal. Por outro lado, se nã o fosse esse
estímulo à açã o e ao conhecimento, seríamos hoje ainda como crianças aprisionadas no
idílico e seguro, mas limitado, jardim do Paraíso. Sem a encruzilhada demoníaca entre o
bem e o mal, nã o teríamos consciência do ego , civilizaçã o e possibilidade de transcender o
ego por meio da auto- realização . Como os animais, estaríamos para sempre aprisionados
na rígida fó rmula do comportamento automático . Foi graças à s atividades de Satanás ,
aparentemente, que os humanos foram expulsos do É den da obediência instintiva e da
ordem natural, para que pudessem cumprir o destino específico da natureza humana.
Agora, tendo provado o bem e o mal, estamos sempre diante da responsabilidade da
escolha moral. Nã o somos mais capazes, como eram as crianças obedientes, de permanecer
seguros dentro dos limites de um có digo de ética imposto. Estamos, como bem disse Jean
Paul Sartre, " condenados a ser livres ".
Sem liberdade de escolha, não há verdadeira moralidade . O fato é que a maioria de nó s
hoje tem mais livre-arbítrio do que imagina; muitos, inconscientemente prisioneiros de
costumes morais, recusam-se a aceitar a responsabilidade pela escolha moral. A maioria de
nó s simplesmente nã o tem ideia do que seria capaz de fazer se nos libertá ssemos das
limitaçõ es impostas, tanto reais quanto imaginá rias. Enquanto nossa obediência ao có digo
moral for automá tica, nã o seremos livres. Enquanto nos recusarmos a enfrentar nossos
pró prios demô nios interiores, qualquer que seja a forma que eles assumam, nã o seremos
humanos.

Esta é exatamente a situaçã o do curioso casal sorteado na décima quinta carta do Tarô .
Eles nã o sã o totalmente humanos e nem totalmente livres. Os rostos que ambos mostram
ao mundo parecem bastante humanos, mas seus corpos sã o equipados com orelhas, chifres,
cascos e caudas de animais. As duas figuras sã o amarradas com cordas à plataforma em que
está o Diabo ; Eles nã o parecem perceber isso completamente. Eles também parecem
inconscientes de seus pés de animais e de suas caudas. Essas criaturas de Sataná s
incorporam um aspecto familiar da condiçã o humana que Jung expandiu da seguinte forma:

«... sempre nos esquecemos de que nossa consciência é apenas uma superfície, nossa
consciência é o projeto de nossa existência psicológica. Nossa cabeça é apenas o fim,
atrás de nossa consciência existe um longo “rabo” de dúvidas, fraquezas e complexos,
preconceitos e heranças, e sempre ponderamos nossas decisões sem contar com elas.”
92

Os dois escravos do Tarô lembram os assistentes do má gico que colaboram com ele, de
pé, sorrindo, um de cada lado enquanto ele faz sua exibiçã o. Eles nunca se movem para ver
o que está acontecendo, eles o levantam para que ele execute a dança ritual, totalmente
desconectado do procedimento. Mais tarde, voltam-se recuperando a sua habitual atitude
de inocência para um lado e para o outro da ribalta.

Enquanto esses lacaios permanecerem inconscientes do papel que o Diabo lhes


concede em suas maquinaçõ es, eles podem continuar realizando seu pequeno ritual sem
problemas ou conflitos, e também sem crescimento. Notemos como diminuídas suas figuras
aparecem aqui. Sã o ridiculamente pequenos, pois suas energias, ligadas à s suas partes
animais, nã o foram conscientemente reconhecidas, assimiladas e utilizadas para torná -las
ú teis ao crescimento. Esses goblins trazem em seus rostos a expressã o, ou careta, daqueles
que presumem ter total controle de suas açõ es. Quando alguma emoçã o repentina,
esquecimento inexplicá vel ou outro lapso de consciência ameaça destruir a imagem
complacente que essas pessoas têm de si mesmas, elas nunca olham para trá s para ver a
longa cauda que as une a seu ancestral animal. Eles estã o sempre apontando para outra
pessoa para zombar. Eles nos lembram aquela criança que, ao ser repreendida por bater
em outra, respondeu:

«Mãe, ele me devolveu primeiro...».

A filosofia de quem aponta o dedo dessa forma se materializa de forma sofisticada na


linguagem de André Gide:

"O mal é algo que fazemos para retribuir."

Levará algum tempo até que os dois escravos da carta do Tarô assumam a
responsabilidade pelos atos que cometeram. Um verdadeiro cataclismo tem que ocorrer,
como o da carta abaixo, antes que um raio de luz permita que eles vejam suas longas
caudas, interrompendo assim sua autoindulgência .

Que qualidade específica o Diabo representa? É uma mistura tã o grande de partes que é
difícil categorizá -la. É o que deveria ser, pois, segundo Jung, qualquer tipo de funçã o
psíquica que se destaque do grupo, agindo de forma autô noma, é demoníaca. Tornar-se um
escravo incondicionalmente ligado ao có digo mais altruísta é o caminho para se tornar uma
criatura do Diabo , uma vítima de seus pró prios apetites animais. Aqui, o importante é a
inconsciência e a autonomia . Com o estudo de Jung como guia, consideremos alguns dos
aspectos da autonomia inconsciente que esta carta pode representar.

O desenho desta carta (uma figura central elevada com dois pequenos acó litos a seus
pés) mostra algumas diferenças importantes em relaçã o à do Papa. O Diabo trabalha pelas
costas de seus assistentes, enquanto o Papa o faz pela frente. O Papa, com a mã o direita
levantada, parecia abençoar; os dois dedos juntos lembraram aos filhos que o conflito
moral deve ser combatido; os três dedos ocultos simbolizavam o mistério da Santíssima
Trindade. Em contraste com isso, na carta nú mero quinze, a mã o do Diabo , mais parecida
com um casco, indica que ele está interessado apenas na dimensã o limitada do poder
terreno. Sua mã o parece rígida, acenando com arrogâ ncia; Nã o difere muito da maneira
como você cumprimentou, respondendo automaticamente Heil Hitler!

O Papa estava sentado em um trono, como lhe convém; o Diabo está de pé sobre algo
que parece um braseiro cujas cinzas já foram apagadas. Ele quer que pensemos que é ele
quem possui o fogo do céu. Nã o contente com seu papel de Portador da Luz, ele também se
representa como a Luz. O Papa segura seu cajado de maneira ritual, com a mã o enluvada
que mostra o patê cruzado bordado, indicando assim que seu poder vem da Igreja. O Diabo ,
porém, segura sua espada descuidadamente, com aquela garra nua que indica um uso
inconsciente e egocêntrico do poder.

A espada é um instrumento que nos fala de um alto grau de civilizaçã o. Esta arma,
muitas vezes de origem sobrenatural, é um símbolo de honra cavalheiresca, bem como açã o
a serviço de um ideal. Na oitava carta que está imediatamente acima da que vemos agora,
podemos ver como a Justiça segura sua espada com um gesto ritual que funciona como um
fio de prumo ligando o que está em cima com o que está embaixo. Podemos ver sua espada
como o raio de luz através do qual o fogo divino desce para iluminar nossa cega confusã o.
No Diabo , a figura central parece zombar de tudo o que a espada da Justiça simbolizava.
Quando criança, ele exibe com orgulho sua invulnerabilidade pessoal e despreocupaçã o
com qualquer poder que nã o seja o seu. Nó s, se nos sentarmos em frente a ele, onde
possamos encontrar seus olhos, podemos ver através de suas pretensõ es, mas seus dois
escravos nem percebem que ele existe.

Segundo Baudelaire, que teve muito contato com o assunto, " a principal astúcia do
Diabo é nos convencer de que ele não existe ". Para nã o perder o Diabo de vista , os navajos o
colocaram entre seus deuses, onde pudessem vê-lo constantemente. Todas as religiõ es
orientais consideravam o aspecto demoníaco como parte da divindade. Na iconografia
hindu-budista, até as figuras mais malévolas sã o representadas com uma mã o erguida que
parece dizer " não tema ", entã o a ideia dessa apariçã o é outra forma de maya, uma das mil
faces de Deus .

No Antigo Testamento, o mal também era visto como um aspecto de Deus. Citando
Jeová : “Eu sou o Senhor, nã o há outro. Eu formo a luz e crio a escuridã o. Eu faço a paz e crio
o mal. Eu, o Senhor, faço todas as coisas» 93 ; os primeiros cristã os colocaram a capacidade
do bem e do mal nas mã os de Deus. O bispo de Roma, Clemente, no primeiro século,
pensava que Deus governava o mundo com a mão direita , que era Cristo , e com a esquerda ,
que era Satanás . Mais tarde, o cristianismo amputou a mã o esquerda de Deus, relegando
Satanás à s regiõ es escuras, reservando para Deus o reinado total no céu. Hoje estamos tã o
apaixonados pela luz, o aspecto brilhante do poder criativo, que nos esquecemos de olhar
para o Diabo , aparentemente pensando que quando ele foi expulso do céu ficou sem
emprego, e ainda mais , um trabalho que nos preocupa. .

Muitos psicó logos concordam que esse esquecimento de nosso aspecto demoníaco é a
principal causa de muitas das perdas pandemoníacas no mundo contemporâ neo. Nossa
própria emotividade, violência, vingança, fanatismo e confusão (que nã o reconhecemos
como tendo nada a ver com nossas vidas pessoais) aparecem repentinamente e em grande
escala como problemas destrutivos, conflagraçõ es e escaramuças. É um axioma da vida que,
quando os aspectos negativos de nó s mesmos nã o sã o reconhecidos como pertencentes a
nó s, eles parecem agir contra nó s de fora.

Nos acontecimentos de nosso mundo cotidiano parece cada vez mais necessá rio que
façamos as pazes com essas forças satâ nicas. A palavra hebraica para diabo também
significa “ adversário ”, “ oponente ” e “ hostil ”. No Webster's Dictionary (ediçã o de 1914), o
diabo é descrito como " o adversário de Deus, apesar de... subserviente a Ele e capaz de agir
com Sua tolerância ." Em outras palavras, o Diabo é um ser ambivalente e sombrio; por um
lado, é hostil a Deus, embora esteja sujeito à sua autoridade, agindo apenas com a
permissã o tá cita da Divindade. Essa parece ser a essência do conflito com o qual muitas
geraçõ es lutaram: ou o Senhor não é onipotente ou o Diabo pertence à sua criação . Achamos
difícil aceitar ambas as ideias. Se abraçarmos o monoteísmo, é ó bvio que Deus criou o
Diabo como parte de seu esquema divino.

Podemos achar difícil aceitar conscientemente essa ideia, mas inconscientemente a


maioria de nó s viveu com ela a vida inteira. Entrou em nosso sangue como parte de nossa
herança cultural. " Não nos deixes cair em tentação ", assim rezamos. A quem elevamos esta
oraçã o? Para o Diabo ? O fato de dirigirmos nossa sú plica a Deus pode significar que
experimentamos inconscientemente a tentaçã o da desobediência como parte da divindade.

A ambivalência da divindade está claramente implícita na histó ria do É den contada no


Gênesis. Nessa histó ria, o Senhor criou a á rvore do conhecimento do bem e do mal, colocou-
a no jardim e entã o deliberadamente chamou a atençã o de suas criaturas para proibi-las de
comer os frutos dessa á rvore. Na histó ria de Epimonandas conta-se-nos um facto
psicoló gico semelhante: a mã e cozinhou uma massa que tirou para se refrescar no pá tio. Ao
sair de casa, advertiu o filho, dizendo: " Agora, Epimonandas, cuidado ao pisar na minha
massa ", e Epimonandas foi cuidadoso: pisou com muito cuidado no centro de cada uma das
referidas massas.

Na histó ria de Jó , o pró prio Senhor foi tentado por Sataná s para atormentar Jó . Em seu
livro Answer to Job, Jung aponta que mesmo a divindade tem um aspecto inconsciente e
sombrio, um alter ego ou sombra demoníaca. Já é difícil aceitar nossa sombra pessoal,
assim como a de nossos amigos, mas aceitar a ideia de que o pró prio Deus pode parecer
sombrio parece ir contra os ensinamentos bá sicos de nossa cultura cristã . A maioria de nó s
foi apresentada a um Cristianismo em que um Deus-Pai benevolente, envolto em nuvens de
algodã o rosa, sorri protetoramente para seus filhos enquanto expulsa o Diabo negro e
maligno na rua. A ideia de que a divindade pode abranger opostos, incluindo a á rea do
inconsciente escuro, bem como que o Diabo , por sua vez, pode possuir qualidades
luminosas e redentoras, é surpreendente.
Na maioria dos baralhos de Tarô , faz-se uma grande diferença entre o Mago Bom, ou
arcano nú mero um, que é representado como leve, brilhante e positivo, e o Mago Mau, carta
nú mero quinze, que é o portador de todas as qualidades negativas. Isso nã o é verdade para
o baralho Marselhesa, cujas figuras sempre apresentam os dois elementos de luz e
escuridã o. Acabamos de observar como o Mago de Marselha, com seu chapéu e traje
curioso, encontra-se por acaso em uma encruzilhada, contrastando com o Mago sacerdotal
de Waite, que está sob uma pérgula de rosas e lírios. Como seria de esperar, existem
diferenças semelhantes entre os Diablos representados nesses dois baralhos. No Tarô de
Waite, esse sujeito desagradá vel de pernas peludas, garras no lugar dos pés e expressã o
repulsiva (fig. 64) apresenta como símbolo o pentagrama invertido, símbolo da magia negra
. Se o Diabo fosse tã o repulsivo quanto esse cara, o pecado nã o seria um problema. Pelo
contrá rio, o Diabo do Tarô de Marselha (como o Má gico) incorpora as duas qualidades ao
mesmo tempo: o atraente e o desagradá vel. Podemos facilmente imaginar um
relacionamento com qualquer um desses personagens do Tarô de Marselha, tanto de ó dio
quanto de amor.

Na arte cristã , essa figura arquetípica é à s vezes representada como a sombra de Jesus.
Na famosa pintura de Duccio intitulada A Tentaçã o de Cristo na Montanha, sua sombra
aparece longa e negra (fig. 65). Psicologicamente e fisicamente falando, é verdade que
quanto maior a luz, maior a escuridã o. Traduzido para a experiência prá tica, significa que
quanto mais conscientes nos tornamos de nosso potencial criativo, mais alertas devemos
estar para as armadilhas que nosso lado sombrio nos prepara e mais responsá veis
devemos nos sentir a respeito disso. À medida que a consciência se amplia, ela se torna
mais refinada, de modo que a pessoa se torna cada vez mais consciente do potencial de
dano em cada palavra ou açã o casual. Como todo ato humano é essencialmente amoral, o
que torna uma açã o instintiva imoral é simplesmente sua inconsciência. Qualquer ato que
se manifeste inconscientemente é primitivo, descontrolado, compulsivo e, por tudo isso,
potencialmente nocivo .

Como podemos verificar por experiência pró pria, a expansã o do conhecimento, longe
de nos transformar em plá cidos vegetais, nos mergulha mais fundo no conflito moral,
exigindo cada vez uma penetraçã o maior e mais aguda nos mistérios do bem e do mal.
cristo disse:

«Não vim trazer a paz, mas a espada».

Erguer a espada da discriminaçã o moral perturba nossos sentimentos pacíficos e


inocentes, fazendo-nos sentir culpados e transgressores. Assim como Eva, cuja primeira
mordida na maçã prejudicou para sempre a simetria de sua natureza inconsciente, nossa
consciência intensificada cutuca nossa identidade infantil por toda a vida e nos leva a
experimentá -la como uma violaçã o da natureza.

Fig. 64 Tarô de Waite

Em grande escala, os heró is da cultura - homens e mulheres de consciência superior,


grande visão e energia - também feriram sua ordem sagrada, assim como Prometeu ,
quando ele roubou o fogo do céu para o benefício da humanidade.

Fig. 65 A Tentação de Cristo na Montanha


(Duccio di Buoninsegna, copyright The Frick Collection, 1937. Reproduzido com permissã o.)

Segundo mitos e lendas, esses atos de desobediência e ousadia sã o sempre punidos


pelos deuses. Adã o e Eva, apó s a mordida fatal, perceberam sua nudez (o que significa
simbolicamente que haviam perdido sua inocência cega, sendo forçados a um novo
autoconhecimento ); como resultado, eles foram expulsos em busca de sua auto-realização .
Eles nunca mais encontrariam o alimento certo para expandir seus pró prios
conhecimentos, de forma natural e sem esforço. A partir deste momento, a consciência
humana teve que ganhar seu sustento por seus pró prios esforços.
Prometeu também foi punido por invadir o territó rio celestial da consciência e da
criatividade , e sendo acorrentado no Monte Cáucaso , foi forçado a passar pela dor diá ria
de ter seu fígado comido por um abutre, rebrotando todas as noites. Simbolicamente, isso
poderia indicar que pessoas de gênio devem necessariamente sofrer isolamento, vivendo
em lugares elevados do espírito, fora do alcance de seus contemporâ neos. Acorrentados ao
seu ú nico trabalho como portadores de luz , essas figuras heró icas sã o forçadas dia e noite
a sacrificar o sangue de suas vidas pela demanda de seu gênio.

Sentimentos de transgressã o, culpa e puniçã o sã o inerentes à busca da consciência.


Cada vez que rompemos com a imagem preconcebida de como as coisas “ devem ” ser ou “
devem ” ser feitas, nos sentimos culpados. Esses sentimentos estã o encarnados no
inconsciente de maneira tã o profunda que açõ es sem consequência moral frequentemente
despertam sentimentos de culpa se essas açõ es ofendem a propriedade daquele "pai
interior" inconsciente , uma criatura cujos vestígios podem permanecer intactos por toda
uma vida. vida. Da mesma forma, qualquer ruptura com os costumes estabelecidos na
ordem social, mesmo que nã o tenha consequências, pode ser vivida como uma ofensa ao
todo e muitas vezes é acompanhada de sentimentos de culpa. Se " todo mundo faz " pode-se
fazer, dizer ou vestir as coisas mais estranhas, até praticar atos ilegais ou criminosos sem
se sentir culpado.

Levando algumas dessas ideias para a linguagem psicoló gica mais ampla, qualquer
ruptura da identidade inconsciente original com o self traz consigo sentimentos de culpa.
Portanto, se quisermos entrar em um relacionamento mais consciente com o eu , teremos
que chegar a esse ponto e assumir a culpa. Paradoxalmente, a pessoa é levada pelo self a
afastar-se de sua identidade original para estabelecer uma uniã o com o self em um nível
diferente de consciência.

O peso da culpa nã o é apenas pessoal, pois cada um de nó s carrega uma culpa


inconsciente pela criminalidade e falta de solidariedade da humanidade, como se lê
diariamente nos jornais.

“Embora estejamos livres da culpa desse crime”, diz Jung, “sempre temos a
possibilidade de ser criminosos por causa de nossa natureza humana. Simplesmente
perdemos a chance de sermos arrastados para a confusão infernal. Ninguém é
deixado de fora da sombra negra coletiva da humanidade. 94

Por esta razão, continua Jung, nenhum de nós “se sente confortável quando ele se
comporta perfeitamente; nos sentimos muito melhor quando agimos um pouco
errado. Isso porque não somos perfeitos. Os hindus, ao construir um templo, sempre
deixam um canto inacabado; somente os deuses tornam as coisas perfeitas, o homem
nunca o faz. É muito melhor saber que não se é perfeito; a pessoa se sente muito
melhor então ». 95

No entanto, a imagem da perfeiçã o está tã o arraigada em nossa cultura que nos


sentimos culpados quando nã o conseguimos alcançá -la. Será que alguma vez precisamos de
um bode expiató rio para nos ajudar a carregar o peso de todas as nossas imperfeiçõ es
humanas. Caso contrá rio, os projetaríamos em direçã o a nossos amigos e parentes para nã o
sermos esmagados sob seu peso.

"O Diabo me obrigou a fazer isso!", às vezes dizemos meio brincando quando fazemos
algo imperfeito; ou "Não sei quem diabos me meteu nisso!" O Diabo é um bode
expiatório muito útil.

Comentando sobre a funçã o psicoló gica do bode expiató rio, Jung faz esta declaraçã o
profunda:

Este é o significado mais profundo do fato de que Cristo, como Salvador, foi
crucificado entre dois ladrões. Esses dois ladrões, à sua maneira, também foram
redentores da humanidade, foram os bodes expiatórios. 96

De tudo o que foi dito até agora, pode-se ver que o Diabo é um ser complexo e
ambivalente. Segundo a descriçã o de Goethe de Mefistófeles , é " aquele poder que só faria o
mal, mas engendra o bem ". É ele quem nos trai levando-nos à criminalidade inconsciente,
mas ao mesmo tempo nos introduz na consciência. Como Lúcifer , ele pode nos oferecer o
fogo do céu para nossa salvaçã o ou pode nos jogar no fogo do inferno para nossa
destruiçã o. Ele é sempre mais esperto do que nó s e aparece diante de nó s em tantas formas
diferentes que nã o podemos seguir seus rastros.

O Diabo Cristão , cujo epíteto era " A Grande Besta ", era uma caricatura de Pã e
Dionísio , que eram adorados em rituais de massa de natureza orgiá stica. Hoje esta Grande
Besta ressurge em meio à histeria das massas, como diz Jung, na crescente coletividade de
nossa cultura contemporâ nea:

"Uma grande multidão composta de pessoas admiráveis tem a moral e a inteligência


de um animal selvagem, estúpido e violento. Quanto maior a organização, mais
imprevisível sua imoralidade e mais cega sua estupidez. (Senatus bestia, senatores
boni viri.) A sociedade, ao enfatizar automaticamente todas as qualidades coletivas
de seus representantes individuais, recompensa a mediocridade em tudo o que se
estabelece para vegetar fácil e irresponsavelmente. A individualidade será
inevitavelmente colocada contra a parede. 97

O nome do Diabo é legião , e quando somos " possuídos por ele " nosso nome também é
legiã o. Cheios entã o de idéias, interesses, emoçõ es e propó sitos, perdemos contato com
nosso centro, conosco mesmos. Discordar de si mesmo é estar em pecado. Expulsos do
Paraíso como Adã o e Eva, temos que pagar por nossa transgressã o vagando pelo mundo em
busca de uma nova conexã o com nosso centro. O Diabo faz de tudo para evitá -lo, tentando-
nos a adiá -lo. Ele usa deliberadamente esse atraso como uma de suas armas mais eficazes,
como atesta o seguinte relato:

Certa vez, o Diabo, insatisfeito com o andamento de seu trabalho na Terra, convocou
seus companheiros para o capítulo, pedindo voluntários para uma missão na Terra;
Ele também pediu idéias e sugestões sobre o que poderia ser dito à humanidade para
acelerar o trabalho. Um espírito maligno sugeriu que os homens pudessem ser
informados de que Deus não existia. Outro sugeriu espalhar o boato de que o que não
existia era a alma, mas nada disso agradou ao Diabo. Finalmente, um diabinho se
apresentou pedindo que recebesse a missão; o Diabo perguntou-lhe o que ia dizer aos
homens e o diabinho respondeu: "Vou dizer-lhes que não há pressa." Ele rapidamente
conseguiu o emprego e os corredores do inferno se encheram de aplausos.

À s vezes, o Diabo foi representado como um esqueleto, relacionando-o com os sete


pecados capitais da teologia medieval; a saber: orgulho, luxúria, inveja, raiva, preguiça, gula
e avareza . Uma das coisas que tornam esses pecados tã o mortais é que eles nem sempre
podem ser reconhecidos com base em açõ es conhecidas. Muitas vezes esses pecados podem
vir a parecer virtudes . Identificá -los, entã o, e combatê-los em si mesmo é difícil. Como
costuma acontecer em problemas morais, a questã o nã o é tanto o que está sendo feito, mas
de onde está sendo feito.

Por exemplo, quando Satanás apareceu a Jesus na montanha e o tentou sugerindo que
ele transformasse pedras em pã es, o ato sugerido nã o era errado em si mesmo. Do ponto de
vista puramente material, teria até sido benéfico. Para Jesus, porém, realizar o milagre
apenas para demonstrar seu poder teria sido um desperdício de seu dom de criatividade . O
problema que Ele enfrentou neste encontro foi o eterno problema dos fins e meios, cuja
resoluçã o faz a diferença entre um verdadeiro milagre e um truque grosseiro.
Felizmente para a maioria de nó s, a tentaçã o de fazer milagres nã o é um problema,
mas a tentaçã o de imaginar que podemos fazê-lo está sempre presente. No momento em
que uma força arquetípica irrompe na consciência, sentimos o influxo de energia e
iluminaçã o de uma dimensã o tã o extraordiná ria que é possível que nos sintamos
orgulhosos de nosso pró prio poder, que percamos o contato com as limitaçõ es de nossa
condiçã o humana.

A má scara que o Diabo usa , assim como as tentaçõ es que ele nos oferece, mudam com
as diferentes culturas. Para nossos ancestrais, o Diabo era representado como a
personificaçã o da carne, maximizada como paixã o sexual. Hoje, o sexo e o corpo nã o sã o
mais considerados pecaminosos. Na verdade, a liberdade sexual é tã o comum que é uma
restriçã o pudica que usa chifres.

Qualquer funçã o da psique que opere inconscientemente é demoníaca. O Mefistófeles


de Goethe é a personificaçã o típica desse tipo de atividade autô noma. Jung diz:

«Mefistófeles é o aspecto diabólico de cada função psíquica que age livremente e


desvinculado da hierarquia da totalidade da psique, alcançando independência e
poder absoluto. Este aspecto só pode ser percebido quando a função se torna uma
entidade separada, sendo objetivada ou personificada...». 98

O retrato de Mefistófeles feito por Delacroix é uma objetivaçã o do Diabo (fig. 66). Aqui
somos mostrados como um " espírito aéreo e como um intelecto maligno ". Observe como
ele voa amplamente no céu noturno, bem acima da humanidade adormecida, a salvo até
mesmo das pontas mais altas dos cata-ventos da igreja. Ele nã o é um sujeito malcriado; à s
vezes até tem uma aparência distinta. Afinal, ele tem que ser atraente, senã o como poderia
nos atrair, obrigando-nos a usar nossas energias a seu favor? Uma das mais belas
representaçõ es, e seguramente a mais arrogante, é a do Diabo , que já podia ser vista na
pintura de Blake, Satã exultante sobre Eva (fig. 63). Nã o é de admirar que a pobre Eva, " sem
mãe ", para usar a expressã o clá ssica de Ralph Hodgson, tenha caído em sua armadilha.

Como representaríamos o Diabo hoje? Em nossa cultura mecanizada, um aspecto do


diabo é o efeito desumanizador de nossa psicologia computadorizada. Poderíamos pensar
no Diabo como um robô monstruoso com movimentos mecâ nicos que atravessa a terra,
esmagando toda a humanidade e toda a natureza sob seu imenso peso metá lico.

Depois de observarmos melhor o arquétipo do Diabo , vamos comparar brevemente


seu retrato com o retrato do Mago que aparece logo acima dele, na primeira linha
horizontal do nosso mapa de jornada. O Mago está em terra firme; o Diabo está acima de
nó s. O Mago concentra sua atençã o em alguns objetos específicos que estã o na mesa à sua
frente, a açã o de suas duas mã os é coordenada em um ú nico propó sito. Este nã o é o caso do
Diabo ; uma de suas mã os está erguida rígida, num gesto zombeteiro, enquanto a outra
segura a espada de forma perigosa. Obviamente, sua mã o direita nã o sabe o que está
acontecendo com a esquerda. Ele é tã o irresponsá vel quanto uma criança pequena; a
infantilidade o trai em seu sorriso zombeteiro, bem como em sua ostentaçã o vociferante.
Esta é, sem dú vida, uma atitude histriô nica para mascarar sua inaptidã o com a espada.
Como nossa cultura judaico-cristã o ignorou, nã o amadureceu ao longo dos anos; ou seja,
permaneceu imaturo e, como as crianças (e como nó s), exige reconhecimento. Se
continuarmos a ignorá -lo, ele cometerá deliberadamente atos destinados a atrair nossa
atençã o.

Figo. 66 Mefistófeles (Delacroix)

Um Tarô italiano nos mostra o Diabo e seus diabinhos ajudantes mostrando a língua
como crianças rudes (fig. 67). Nas representaçõ es medievais do inferno, a língua do Diabo é
freqü entemente retratada como um falo saindo de uma boca que lembra a á rea genital,
ressaltando assim sua propensã o à aberraçã o sexual e apontando que o uso indevido da
palavra falada é tã o demoníaco quanto a promiscuidade sexual . . Uma vez que o falo pode
simbolizar a necessidade criativa em qualquer nível de expressã o, essa representaçã o do
Diabo também pode ridicularizar a ideia de que o gênio, o amor e outros chamados
atributos espirituais descem apenas das nuvens brancas acima. Aparentemente, ainda
precisamos ser lembrados. Nã o muito tempo atrá s, o poema de Yeats " Crazy Jane "
surpreendeu o bispo (e muitos leitores) com a seguinte frase:

«O amor tinha entrado na sua casa/no lugar dos excrementos...».


Entre o Mago e o Diabo está a Justiça, com a balança vazia, prestes a pesar e avaliar os
potenciais tanto da magia da luz quanto da magia das trevas. Ela se preocupa com
harmonia e equilíbrio. Se sobrecarregarmos sua balança com doçura e luz, com o poder de
pensamentos positivos e outras imagens semelhantes de perfeiçã o, deixando vazia a
segunda panela, já sabemos o que acontecerá : o Diabo carregará nessa panela todas as
dívidas de nossa negligência: crimes de rua, motins e excessos. A natureza odeia o vácuo .

Fig. 67 O Demônio (Tarot Italiano)

Temos falado sobre a Majestade Satâ nica em grande escala. Antes de abandoná -lo,
entremos em contato mais diretamente com nossa experiência pessoal; é, afinal, onde
lidamos com isso no dia a dia. Se alguém nã o foi " possuído pelo Diabo ", a ideia de tal
possessã o é fantá stica demais para nossa credibilidade. Para os nã o iniciados, a palavra "
possessão " é apenas uma metá fora que descreve um estado psicoló gico de algumas
personalidades perturbadas. Gostamos de pensar que isso nã o pode acontecer conosco, que
a ciência moderna, com seus conhecimentos de psicologia preventiva, endocrinologia e
seus balanços vitamínicos, elimina essa possibilidade. Mas é algo que pode acontecer a
qualquer um se houver condiçõ es específicas de tensã o suficiente... e de fato acontece com
mais frequência do que pensamos.

No retrato de Paul Klee, Possessed Girl (fig. 68), podemos ver de fora o que a invasã o da
psique produz . Talvez olhando para esse rosto possamos nos lembrar de um amigo quando
ele lança seu bordã o político para nó s; talvez estudando este retrato pudéssemos nos
conectar com o que sentimos quando todas as nossas energias foram direcionadas para um
ú nico projeto, com exclusã o de todos os outros. O pensamento sutil sobre essa forma de
possessã o é o que tem sugado nossos cérebros, pode ser uma questã o digna: paz mundial,
ecologia ou algo semelhante. É a possessã o pelo inconsciente que parece tã o demoníaca.
Jung comenta esta virtude atroz dizendo:
“Esquecemos facilmente que podemos ser miseravelmente dominados tanto por uma
virtude quanto por um vício; e a virtude orgiástica e frenética pode ser tão infame
quanto um vício, levando-nos tanto à injustiça quanto à violência». 99

Fig. 68 Garota possuída (Paul Klee)

Nã o há dú vida de que todos nó s já tivemos a experiência de encontrar um estranho na


rua ou na porta que, como o Velho Marinheiro , nos olha fixamente, exortando-nos a viver
com limpeza e amor fraterno. Nosso primeiro gesto é recuar, nã o porque somos a favor do
pecado e contra o amor, mas porque instintivamente tememos a posse. Cheira a Diablo .
Para confirmar este ponto, um bom teste pelo qual podemos dizer se estamos possuídos
por uma força arquetípica é o olhar de pâ nico nos olhos dos outros quando nos envolvemos
em nossos "pensamentos" excluindo qualquer outro valor importante .

O Diabo é repulsivo, mas, como vimos até agora, também é atraente. Oscilando entre
seus dois poderes alternativos de atraçã o e repulsã o, traçamos nossa espiral rumo ao
autoconhecimento . Até sentimos como crianças essas forças gêmeas que atuam dentro de
nó s. Hermann Hesse, em seu romance Demian , nos conta uma experiência reveladora e
bela. Esta histó ria conecta o leitor pessoalmente e emocionalmente com o papel duvidoso
que o Diabo tem em nossas vidas.

A literatura está repleta de personificaçõ es do Diabo , tã o variadas quanto reveladoras.


Um deles é Iago , talvez o personagem shakespeariano mais conhecido. Na histó ria de
Stephen Vincent Benet, The Devil and Daniel Wester , o Diabo aparece como um cidadã o
contemporâ neo de grande poder de persuasã o e atratividade. Como a histó ria se passa na
Nova Inglaterra, a virtude triunfa no final. Em Mario and the Magician , de Thomas Mann , o
Diabo é retratado como um má gico profissional que usa seus sinistros poderes hipnó ticos
de maneiras destrutivas e rudes. Nas polêmicas religiosas, Satanás aparece como o autor de
todos os vícios. Quando jogamos cartas ainda dizemos « O livro das representações do Diabo
». Nã o há dú vida de que Satã ajudou a criar os Arcanos do Tarô e ele observa com diversã o
enquanto entramos em seus mistérios.

Sem dú vida, nenhum estudo sobre Sua Majestade Satâ nica estaria completo se
deixá ssemos de mencionar o papel desempenhado pelas duas vítimas subumanas
retratadas na carta nú mero 15. É bem fá cil ver como o Diabo colabora com sua
delinqü ência, impedindo seu crescimento e desenvolvimento, mas também é fá cil imaginar
como essas duas criaturas indefesas podem colaborar com a delinqü ência do Diabo ,
impedindo seu amadurecimento para a consciência. Em nossas vidas particulares, muitas
vezes pensamos em "travessuras" como uma açã o clara, esquecendo a verdade nã o menos
ó bvia de que a aquiescência passiva e a cegueira ingênua podem ser igualmente
demoníacas.

Por exemplo, é fá cil reconhecer que manipular a nó s mesmos ou aos outros é obra do
Diabo . Podemos ver a escultura do Diabo com Garras de Richter abaixo (fig. 69). Olhando
para ela, podemos perceber as qualidades do manipulador com que constró i uma rede para
apanhar alguma vítima desavisada. Nos momentos de busca espiritual, procuramos
sinceramente nos libertar dessas qualidades monstruosas presentes em nó s e afastar a
tentaçã o de envolver os outros em nosso propó sito. Quando nos encontramos enredados
nesta teia de aranha, presos e feridos pelas maquinaçõ es dos outros, a busca espiritual
cessa e começa a busca pelo culpado. Nó s nos imaginamos totalmente vítimas e totalmente
inocentes. Protestamos ruidosamente nossa inocência, agitando-a orgulhosamente como
uma bandeira enquanto nos perguntamos se essa ingenuidade inocente é necessariamente
uma virtude. Gerald Hard, o filó sofo inglês, costumava dizer que todo assassinato, "
psicologicamente falando ", requer dois conspiradores igualmente culpados: o assassino e o
assassinado. É difícil acreditar que se permitir ser uma vítima é tã o demoníaco quanto ser
um valentã o. Outro olhar para a escultura de Richter nos mostra a verdade da tese de Hard.
O Diabo nã o nos assusta, ele parece totalmente absorto em construir sua armadilha. Para
ser pego entre suas cordas, temos que dar pelo menos um passo inocente à frente .
Fig. 69 Diabo com garras
(Germaine Richter, 1952, bronze, 87,5 x 94,5 cm. Coleçã o do Museu de Arte Moderna de Nova York, Fundaçã o
Wildenstein.)

O Diabo , cujas formas sã o certamente uma legiã o, apresenta muitos problemas e


muito sérios: nã o devemos levá -lo levianamente. Porém, ao lidar com ele poderíamos
aprender a rir um pouco, já que o humor pode atuar como uma ponte que liga o mundo
dele ao nosso, humanizando a ambos. No uso que os orientais fazem do humor, sã o mestres
dessa aproximaçã o possível com o Diabo .

Seus demô nios, embora feios, sempre permitem um lugar para o humor. Sua má scara
mais grotesca torna-se tã o absurda que as faz parecer acessíveis. Podemos terminar este
capítulo com um ditado da sabedoria chinesa, nã o tirado de Confú cio, mas copiado de um
sinal de trâ nsito atual: " Pare em terreno escorregadio, pois o diabo escorregadio espreita lá
".

19. A TORRE DA DESTRUIÇÃO:


O GREVE DE LIBERTAÇÃO
Fig. 70 A Torre da Destruição (Marseillaise Tarot)
Eu sou o Senhor e não há outro.
Eu formo a luz e crio a escuridão.
Eu faço a paz e crio o mal.
Eu, o Senhor, faço todas essas coisas.

Isaías

Triunfo dezesseis representa duas figuras humanas lançadas violentamente da torre


de um farol (fig. 70). Eles parecem chocados, mas ilesos. A torre em si nã o foi demolida,
mas uma chama de luz, uma língua de fogo, colidiu com a coroa de ouro que lhe servia de
teto.

Talvez a primeira imagem a que esta carta esteja associada seja a da Torre de Babel ,
um edifício construído por Nimrod para invadir o céu. Segundo o relato bíblico, esse ato
ímpio de Nimrod provocou a ira e a vingança de Deus. A confusã o de línguas na terra foi o
resultado que ela produziu. A ligaçã o entre esta torre do Tarô e a de Babel é possível, pois
as duas figuras humanas aqui representadas tentaram a ira do céu, sendo lançadas de sua
posiçã o de alta segurança para outra de perigo e confusã o.

O que tornou o ato de Nimrod duplamente ímpio foi que as torres da antiga
Mesopotâmia , longe de serem construídas como fortalezas que desafiavam o céu, eram
geralmente construídas como templos de adoraçã o. Sua funçã o era elevar a mente e o
coraçã o do homem e proporcionar os caminhos pelos quais os bens desciam do céu,
garantindo a intercomunicaçã o entre os reinos celeste e terrestre. De acordo com um
antigo mito, uma ruptura entre os Pais do Mundo (céu e terra) ocorreu no início dos tempos
e pensou-se que construindo estas torres a ruptura poderia ser consertada, e restaurando o
contato frutífero entre estes dois poderes poderia ser restaurada a interaçã o entre os dois
poderes primá rios.

Simbolicamente, entã o, uma torre foi concebida como um veículo para conectar
espírito e matéria. Ao fornecer uma escada pela qual os deuses podiam descer e os homens
subir, eles evidenciaram a ideia da correspondência entre as ordens terrestre e celestial. A
antiga ideia suméria de ordem có smica é expandida por Alfred Jeremiah da seguinte forma:

«Todo o cosmos é considerado permeado por uma única vida, de modo que se
reconhece a harmonia existente entre o que está acima e o que está abaixo, entre o
ser e o devir. O pensamento informativo do mundo sumério pode ser resumido em: "o
que está em cima está embaixo", e desta forma as duas direções do movimento
espiritual são projetadas: o que está em cima desce, o que está em baixo sobe...

"Além disso, a totalidade de Acima e Abaixo é considerada preenchida com uma


presença espiritual divina que passa como 'energia celestial' de Acima para Abaixo."
100

A Torre do Tarot nã o foi construída como uma escada para « energias celestiais ».
Parece ser uma pequena torre habitada por duas pessoas. Este convés superior nã o
permite a entrada de visitantes do céu, bem como calor e luz. Os dois que construíram este
edifício o coroaram rei, indicando assim que nã o reconheciam nenhuma autoridade acima
de sua pró pria criaçã o. Nã o vemos portas nesta estrutura por onde possam entrar e sair ou
receber visitantes, e suas janelas sã o muito pequenas.

Podemos facilmente imaginar o quã o isolada e escura era a vida dos dois habitantes
desta torre, construída sobre a mã e terra, mas isolada de qualquer ser humano e protegida
das divindades. Eles devem ter vivido lá como prisioneiros. Sem dú vida, suas cabeças e
coraçõ es eram tã o frios e escuros quanto seus arredores, e também estavam fechados a
qualquer possibilidade de intervençã o milagrosa. Para conseguir tal coisa, os deuses
tiveram que encontrar uma maneira de entrar, mesmo que à força. Os antigos já diziam
sobre isso: « vocatus atque non vocatus, deus aderit » (chamado ou nã o chamado, Deus está
aí).

O título francês é La Maison Dieu (A Casa de Deus). Alguns autores comentam que esse
título surgiu acidentalmente ao transcrever incorretamente o nome original da carta, La
Maison de Feu (A Casa do Fogo). Se assim for, foi um feliz acidente, pois, como tantas vezes
acontece com os lapsos da língua ou da caneta, que carregam significados ocultos, parece
nos lembrar que a verdadeira funçã o da torre é como um local de culto, bem como um local
de culto. lugar de adoraçã o, uma habitaçã o terrena para os deuses. Todas as " casas dos
deuses " (templos, igrejas, mosteiros, conventos) oferecem tradicionalmente um porto
seguro para os doentes do corpo ou da alma. Mesmo os criminosos que buscam abrigo na
Casa de Deus têm asilo garantido. Por esta razã o a Casa de Deus inclui o significado de “
hospício ”, “ hospital ” e “ asilo ”. Visto neste contexto, podemos pensar que as duas almas
doentes neste desenho foram libertadas de sua prisã o forçada, em vez de expulsas de sua
pró pria casa. Em retrospecto, o efeito desse raio em suas vidas parece má gico. Os poderes
má gicos deste raio sã o-nos mostrados na chuva de bolas multicoloridas que desprende e
que nos lembram as utilizadas por má gicos ou malabaristas. Eles indicam que, aconteça o
que acontecer, é um evento milagroso e organizado por um grande má gico. O arco-íris de
cores dessas bolas sugere a aliança entre Deus e o homem no Antigo Testamento. Eles
parecem indicar que, apesar das aparências, a Divindade está comprometida com o bem-
estar desses dois desgraçados do desenho.

A iluminaçã o sempre foi experimentada como um símbolo da energia divina, uma


força numinosa de Deus. Representa um poder nu e a iluminaçã o é sua forma mais
primitiva e imediata. Vem do céu para tocar a vida desses dois mortais do Tarô
diretamente, sem a mediaçã o do Mago e sua varinha, ou do Imperador e seu cetro, ou do
Papa e seu cajado.

Os heró is gregos, assim como os deuses menores, temiam os raios, pois vinham de
Zeus; nos antigos diagramas da Árvore da Vida Cabalística , o raio também é representado
como uma força divina que conecta as sefirot juntas . Na arte cristã , o Espírito Santo
também é à s vezes representado como uma língua de fogo celestial. Ser atingido por um
raio significa, simbolicamente, ser tocado pela mã o de Deus, e marca para sempre o
escolhido como alguém merecedor de atençã o especial. Esculá pio, atingido pelo raio de
Zeus , mais tarde ficou conhecido como o deus da medicina. Falando desse fato, Artemidoro
disse:

«Nenhum daqueles que foram tocados por um raio fica sem fama. Às vezes ele é até
honrado como um deus." 101

Os dois mortais de nossa carta podem nã o ter sido destinados a serem deuses, mas é
certo que nã o permaneceram anô nimos, pois vá rias geraçõ es estudaram esta antiga carta
em busca de seu significado oculto. Devido a um leve traço, parece que a personalidade
desses dois sujeitos se tornará conhecida por nó s e possivelmente também por eles
mesmos, na forma de iluminaçã o.
De acordo com Plutarco , o raio foi a origem da vida. Ele o via como um falo celestial
que fertilizava as á guas da nascente com sua energia primitiva. Essa intuiçã o foi confirmada
por alguns cientistas atuais, que dizem que a primeira vida surgiu da á gua ao entrar em
contato com um raio. A ideia do raio como poder vivificante está refletida nesta carta do
Tarô , onde a torre de tijolos, como a casca dura de uma noz, é golpeada para liberar os dois
"ossos" que nela viviam, fazendo-os cair para o chão . Será lá onde possivelmente criarã o
raízes, iniciando uma nova vida.

Na maioria das cartas de Tarô , o raio é desenhado como um zigue-zague irregular, um


raio que atravessa furiosamente o céu, espalhando a destruiçã o sobre tudo o que toca. O
baralho de Marselha mostra o raio em seu aspecto criativo mais benigno. Parece aqui ter
penas, uma qualidade espiritual nã o muito diferente daquela expressa pelo pró prio raio na
fotografia que podemos ver na figura 71. Uma pena é macia ao toque, mas também
surpreendentemente forte e durá vel. « Você poderia ter me acertado com uma pena »,
dizemos quando a imagem que temos da realidade é muito diferente da atual. Cada vez que
usamos essa metá fora revelamos ao mundo (nã o necessariamente a nó s mesmos) que
está vamos em um estado precá rio de desequilíbrio psíquico antes que a caneta nos tocasse:
que está vamos maduros para a queda.

Isso também é verdade para os dois habitantes da Torre, cuja prisã o recente
obviamente indica um estado de desequilíbrio psíquico. Parece evidente que se esse
espírito emplumado nã o viesse tocar suas vidas, seu destino teria sido uma queda mais
drá stica do que a retratada aqui. É fá cil reconhecer que essa evacuaçã o forçada de sua
fortaleza é uma graça salvadora, e nã o uma puniçã o merecida. Podemos entender que,
como Phaethon , eles foram escolhidos para evitar a destruiçã o de seu universo. Essas
figuras podem dizer que seu universo está sendo destruído, mas no fundo de seu
inconsciente existe uma sabedoria além de seu alcance. A linguagem corporal deles nos diz
que eles estã o dando uma cambalhota. Isso nos lembra que ao ver o Enforcado, carta
nú mero doze, sob o aspecto da eternidade, ele estava " realmente " dançando uma jiga.
Fig. 71 Fotografia de um raio (Fotografia de M. Brassai)

Se pudéssemos perguntar aos habitantes da torre por que eles estavam dando essa
cambalhota, eles provavelmente negariam que estavam fazendo isso. Esse tipo de pessoa
vive muito alto em suas mentes para perceber e entender sua linguagem corporal. Mas nó s,
como se estivéssemos sentados no palco, olhando para esta figura de balé, podemos
observar a coreografia desta cambalhota. Expressa a liberdade e a alegria da primavera:
seu movimento circular sugere a energia do Louco e o poder da plenitude. Mais importante,
indica que eles ainda sã o capazes de lidar com alguma coisa. Os acrobatas que executam
esses saltos olham para a frente em uma nova direção .

Algumas das ideias aqui expressas estã o sublinhadas na Torre da Destruiçã o, nú mero
dezesseis, que (assim como quatro, sete, dez e treze) é um desses nú meros má gicos que se
reduzem a um, marcando o fim de uma fase de desenvolvimento. e o advento de um novo. A
fase psicoló gica que termina aqui de forma tã o espetacular é simbolizada pela torre.

Uma torre é uma estrutura construída pelo homem. É alto, rígido, durá vel e à prova de
intempéries. É ú til para defesa, proteçã o, observaçã o e retirada. A referida torre também
pode ser usada como um farol que protege do perigo, uma plataforma que chama à oraçã o
ou um pedestal para discursar para a multidã o. Hoje, discursos políticos e outras formas de
propaganda sã o transmitidos de torres que constantemente enviam sons, notícias e
imagens que nos enganam .

As torres têm sido usadas como prisõ es, à s vezes de forma muito consciente e outras
vezes de forma mais sutil. Atualmente, por exemplo, em nossas cidades, milhõ es de seres
humanos estã o literalmente presos no concreto. É incrível pensar na quantidade de
funcioná rios pú blicos cujos pés nunca tocam a grama verde e nunca estã o em contato com
o calor e a umidade da terra. Essas pessoas descem todas as manhã s de seus apartamentos
(de suas torres) para uma garagem subterrâ nea de onde dirigem seu carro para outra
garagem, pegando o elevador até uma nova torre, onde fica seu escritó rio e onde passam
seus dias. Ao cair da noite, o esquema se inverte e, como ratos aprisionados em uma jaula
de concreto, cada um encontra na escuridã o o caminho que o levará de volta ao seu pró prio
círculo.

Podemos imaginar o efeito que essa rotina diá ria tem sobre um organismo vivo, pois
quem vive exclusivamente no alto perde contato com seus companheiros e,
inevitavelmente, com seus aspectos instintivos e terrenos. isola-se A visã o panorâ mica,
estatística e intelectualmente, tende a evitar o calor pessoal e o contato com a vida
cotidiana. Sem dú vida, os solitá rios habitantes destas torres inscrevem-se à s centenas em
encontros de grupo, em aulas de sensibilidade, onde mediante pagamento poderã o andar
descalços no relvado e serã o instruídos na arte de tocar e comunicar com os outros. .

Psicologicamente falando, muitos de nó s vivemos " lá em cima ", prisioneiros em torres


ideoló gicas de nossa pró pria construçã o; porque a torre pode simbolizar qualquer
construçã o mental, seja ela política, filosó fica, ideoló gica ou psicoló gica, que nó s humanos
construímos, tijolo por tijolo, à força de palavras e ideias. Como seus oponentes físicos,
essas torres sã o ú teis para afastar o caos, para retiros ocasionais e como locais apropriados
para meditar sobre atitudes diferentes e mais amplas. Eles sã o ú teis, desde que nos deixem
espaço suficiente para uma pequena reforma de vez em quando, e desde que mantenham
as portas abertas para que possamos entrar e sair quando quisermos. Mas se construímos
um sistema rígido de qualquer tipo e o coroamos rei, entã o nos tornamos seus prisioneiros.
Nã o somos livres, portanto, para nos mover ou mudar com o tempo, assim como nã o somos
livres para estabelecer contato com a terra ou ser " tocados " pelas diferentes estaçõ es do
ano.

Algo assim deve ter acontecido com os dois habitantes dessa figura, pois seu prédio
nã o tinha porta. Eles haviam se trancado. Nesses casos, somente um ato divino poderia
libertá -los. Esta libertaçã o pode assumir a forma de uma doença grave, física ou espiritual,
de uma violenta mudança de fortuna ou de outro cataclismo que os faça " descer à terra ".

Qualquer grande mudança física é experimentada como um ato de violência.


Resistimos à mudança. Se mantivermos uma atitude rígida, é aí que o cataclismo pode
acontecer. Os dois homens retratados aqui ainda estã o em estado de choque. Ainda nã o
sabem o que aconteceu, mas reparem como, como animais doentes, procuram
instintivamente as duas plantas verdes ao pé da torre. Observe também que a torre nã o foi
destruída, apenas foi despojada de sua coroa. Como Nimrod , talvez esses dois seres tenham
programado sua torre para alcançar o céu. Agora, finalmente, eles conhecem suas
limitaçõ es. A torre de Nimrod foi reduzida a uma louca " babel " sem sentido. Sua torre nã o
foi destruída, mas ele nã o é mais soberano. Agora está aberto para uma iluminaçã o mais
alta, vinda de cima.

Para os seres humanos representados nesta carta, o que aconteceu parece uma
catá strofe. Eles apenas experimentam o golpe e ainda nã o conseguem ver a iluminaçã o,
ainda está atrá s deles (no inconsciente). Como Phaethon , filho de Apolo , que foi atingido
pelo raio de Zeus por dirigir a carruagem solar, esses dois seres vivenciam esse evento
catastró fico como um castigo infligido a eles por uma divindade irada. Este pode nã o ser o
caso. De acordo com Ovídio , Phaethon foi punido nã o por raiva ou como puniçã o, mas para
salvar o mundo da destruiçã o.

Olhando para esta carta de nosso ponto de vista, podemos ver que esses dois seres
mortais sã o igualmente salvos da destruiçã o psicoló gica e libertados da prisã o de seu
orgulhoso egocentrismo. Simbolicamente falando, eles construíram para si uma torre de
pensamento racional através da qual pretendiam escalar mais alto que o mundo. Temendo
as responsabilidades individuais e as complexidades caó ticas envolvidas na escolha moral,
eles se refugiaram em um rígido sistema de filosofia, graças a cujas leis gerais todas as
decisõ es eram tomadas automaticamente.

Na carta anterior pudemos ver duas criaturas subumanas ligadas inconscientemente


ao Diabo . Lá , o link pode ser adivinhado como um instinto animal demoníaco (simbolizado
por asas de morcego, cascos, chifres e cauda). Embora essas criaturas desconheciam suas
partes animais, bem como as maquinaçõ es do Diabo , isso estava claramente representado
na carta, significando simbolicamente que estavam perto da consciência. Eles só
precisavam se virar ou se olhar no espelho para vê-lo. Eles aparentemente nã o estavam
preparados para isso; no entanto, eles construíram para si mesmos ou talvez tomaram
emprestada uma filosofia semelhante a uma torre, uma construçã o de ideias rígidas como
tijolos e unidas de forma permanente e imutá vel; eles se trancaram nesse sistema,
preferindo viver dentro de seus limites limitados a se expor aos problemas morais e à s
diversas escolhas que teriam encontrado. Dentro deste edifício, estes dois perderam todo o
contacto com as suas características animais (por mais inconscientes que fossem), uma vez
que nã o aparecem no desenho.

Na carta anterior as duas figuras estavam nuas, significando psicologicamente que elas
mostram sua natureza primitiva. Na Torre da Destruiçã o, eles cobriram sua verdadeira
identidade com o uniforme da civilizaçã o. Onde antes os víamos como escravos de seus
instintos demoníacos, na Torre eles se tornaram prisioneiros de seu intelecto igualmente
demoníaco. Como Satanás , seu orgulho intelectual os levou muito alto e, como ele, eles
devem inevitavelmente cair. Talvez, como ele também, tragam consigo uma nova luz.
É claro que esses seres caídos parecem muito envolvidos em seu problema imediato
para ver a luz, eles dã o as costas a ela. Quando finalmente chegarem ao chã o, certamente
passarã o muito tempo curando suas feridas e reclamando de seu destino. Como Jó , sem
dú vida passarã o muitas horas lamentando a injustiça de Deus e clamando por sua proteçã o.
Pode até levar anos até que vejam a luz de um raio. Quando isso acontecer, sua experiência
do Divino, como a de Jó , transcenderá toda ló gica humana e toda discussã o. No fundo do
inconsciente, a semente é lançada. Como explica Jung, iluminaçã o significa " uma mudança
repentina, inesperada e irresistível da condição psíquica ". 102 Esperemos ver os frutos desta
experiência nas pró ximas cartas, três das quais (a Estrela, a Lua e o Sol) nos mostram
formas de iluminaçã o celeste.

Um dos possíveis sucessos resultantes de nossa meditaçã o na Torre da Destruiçã o


pode ser uma maior compreensã o das á reas de nossas pró prias vidas onde corremos o
risco de aprisionamento psíquico; terras, ideias ou atitudes que coroamos reis. Onde eles
limitam nossa liberdade? Como usamos os sistemas religiosos, psicoló gicos e filosó ficos
para nos elevar acima do resto da massa humana? As Torres, o externo e o psicoló gico, à s
vezes se unem de maneiras interessantes. William Butler Yeats literalmente retirou-se para
uma torre no final de sua vida; lá , em absoluta solidã o, ele examinou sua alma e escreveu
belos poemas. Ele também passou muito tempo lembrando os anos passados; pode-se dizer
que psicologicamente ele era um prisioneiro na adoraçã o da juventude. Em seu poema
intitulado " A Torre " ele diz:

O que eu faço com esse absurdo, ó coração, coração triste! esta idade caricata e
decrépita que me foi amarrada como um rabo de cão?... Encosto-me nas ameias e
observo... 103

Em nossa cultura ocidental, muitos se encontram igualmente presos na adulaçã o da


juventude. Ouvimos pessoas mais velhas dizerem: " Bem, eu vivi uma vida boa ", no passado.
Eles falam como se suas vidas já tivessem acabado, o que é verdade se eles se sentirem
assim. Com um pouco de sorte, uma iluminaçã o pode um dia livrá -los de " observar da
ameia " para que possam esquecer sua juventude para sempre.

De alguma forma, a pessoa pode se sentir momentaneamente aprisionada em uma


construçã o mental que a impede de aproveitar a vida livremente; Por exemplo, quando
você está esperando o ô nibus ou o metrô , você se sente aprisionado pela ideia de que nada
mais é do que " uma pessoa que espera "? Você fica rígido, como uma torre, olhando para
longe, sem prestar atençã o ao que está acontecendo ao seu redor? Ou você está relaxado,
aberto à s imagens e sons ao seu redor e interessado em quem passa?
À s vezes, quando nos encontramos envolvidos por uma espessa nuvem que
temporariamente nos priva de qualquer comunicaçã o, somos repentinamente
arremessados fora de nossos cuidados, nã o por um raio, mas por uma pequena descarga
elétrica, algo semelhante a um pequeno choque elétrico. forte o suficiente para quebrar
nossa casca e entrar em contato com a realidade novamente. Há alguns anos aconteceu algo
comigo que ampliou a dimensã o do significado deste Arcano do Tarô e me ensinou uma
aplicaçã o prá tica para utilizá -lo.

Esse incidente ocorreu em uma conferência de fim de semana da qual participei


principalmente porque um dos palestrantes era uma mulher, a Dra. X, a quem eu conhecia
pouco e admirava muito. Na segunda manhã do curso, um pequeno grupo de nó s, incluindo
o Dr. X, começou uma discussã o animada sobre novas técnicas no tratamento do câ ncer. Eu
estava particularmente interessado neste assunto e, claro, também o médico, que tinha
muito a nos contar sobre as pesquisas realizadas neste campo. Infelizmente, seu discurso
foi interrompido pelo sino anunciando a refeiçã o.

Mais tarde, quando me vi sentado perto dela na mesa da sala de jantar, voltei ao
assunto da conversa anterior, sabendo que isso interessava a nó s dois. Dr. X virou-se para
mim dizendo rapidamente: " Por favor, prefiro não falar sobre isso agora, minha mente está
totalmente livre ." A Dra. X explicou-me mais tarde, quando quis acrescentar uma explicaçã o
à sua sú bita mudança de humor, que o tinha querido fazer antes sem ter tido oportunidade,
pois no momento mesmo de me responder alguém chamou o seu nome no final da mesa e
ela se viu imersa em uma lembrança vívida de uma viagem pela Itá lia. Como a pessoa do
outro lado da mesa também estava no meio de uma discussã o, fiquei sozinho e tive
bastante tempo para explorar meus sentimentos feridos.

Fiquei atordoado e assustado, como se tivesse levado um choque elétrico. Senti como
se tivesse levado um soco, um pontapé e estivesse girando no ar, como fazem os habitantes
da Torre do Tarô ; e assim como eles imaginaram ser uma vítima. Eu me senti como " uma
pessoa inocente " escolhida para ser punida e humilhada. Rezei para que a refeiçã o
terminasse logo e eu pudesse me retirar para um canto para " lambendo minhas feridas ".

Quando isso aconteceu, descobri que havia uma conferência logo apó s o almoço, entã o
adiei minha orgia de autopiedade e segui com os outros para a sala de conferência.
Felizmente sim, porque quando me sentei pude ver o Dr. X no palco, que seria apresentado
para nos dar a palestra. Entã o entendi em um instante o que havia acontecido na hora do
almoço. Claro, pouco antes de dar uma palestra, ela queria estar " totalmente livre de
espírito ", voando sobre a ensolarada Itá lia, em vez de se aprofundar em uma conversa
sobre um assunto tã o deprimente. Quando a vi diante de nó s, conversando por mais de uma
hora e respondendo à s perguntas difíceis que eram feitas dos assentos, fiquei muito grato
por ela ter tido o bom senso de se proteger da minha estupidez, mantendo o equilíbrio
contra o meu egoísmo. Doutor X e eu conversamos depois e fui eu quem pediu desculpas
pela minha grosseria, ao contrá rio do que eu havia pensado antes.

Você pode pensar que este é o fim da minha histó ria, e muitas vezes esse tipo de
histó ria termina neste ponto. Afinal, o que mais há para dizer? Quando ocorre uma
confusã o e esta é imediatamente resolvida, estabelece-se uma comunicaçã o que torna o
incidente facilmente esquecido, como se nunca tivesse acontecido. Mas algo aconteceu
durante aquela refeiçã o e eu quero sentir o que aconteceu naquela ocasiã o enquanto ainda
está fresco em minha memó ria. É por isso que minha histó ria continua.

Chegando ao meu quarto, peguei a carta da Torre da Destruiçã o e comecei a estudá -la.
Deliberadamente, forcei-me a reviver a sensaçã o que tive na sala de jantar quando fui
atingido por um raio. Experimentei novamente e tive a sensaçã o de estar desorientado,
como se estivesse caindo. Eu penso em como me senti pessoalmente, isolado de todos os
outros. Estudando a carta do Tarô , percebi que o raio nã o era direcionado à s pessoas
representadas na cena, mas em direçã o à torre.

As torres atraem raios. Talvez eu tenha me trancado em uma torre durante o almoço?
Simbolicamente usamos a palavra " cast " ou outras semelhantes para denotar algo cujas
proporçõ es estã o além da escala humana. Estamos a falar de alguém “ castelo ” na sua
ambiçã o, alguém com um “ ego monumental ”. Ao pensar nisso, percebi como minha "
preocupação " com esse assunto havia trancado e aprisionado todo o meu ser. De dentro da
formidá vel fortaleza de minha preocupaçã o, sentei-me olhando pelas pequenas fendas, ou
melhor, manipulando-as, procurando um raio de luz para minha preocupaçã o. Como uma
lanterna, minha mente inquisitiva podia ver apenas alguns fatores ao meu redor, deixando
todo o resto no escuro. Se minha mente estivesse mais aberta, eu poderia ter passado
alguns minutos curtindo o sol no pá tio enquanto está vamos sentados, apreciando o humor
de meu companheiro e estudando no bolso as atas do programa, nas quais ele explicava
claramente quem iria para ser o pró ximo orador.

Depois de expor o drama do meu ponto de vista, tentei imaginar como seria a situaçã o
para a Dra. X. Como ela poderia se comunicar com alguém enclausurado em uma " torre "?
Ela provavelmente teria que gritar muito para que ele a ouvisse.

Ao usar as cartas para sentir o significado do que está acontecendo, achei ú til estudar a
carta em questã o e sua relaçã o vertical com as outras. No caso da Torre da Destruiçã o, eles
sã o o Eremita e a Papisa. Acho essa técnica particularmente ú til para meditar sobre minha
desventura com o Dr. X. Estudando o Eremita, fiquei impressionado com a mobilidade
fluida do frade, bem como com seu olhar abertamente questionador. Quã o vivo ele parecia
para tudo o que é ouvido e visto ao seu redor. Percebi que sua luz nã o era a de uma
lanterna com um feixe de luz pungente, mas a de uma pequena lanterna que emite uma luz
difusa em todas as direçõ es ao mesmo tempo. Também notei que sua lanterna tinha telas
para proteger os outros da luz quando ela nã o é necessá ria.

Olhei entã o para a Papisa, a primeira desta segunda fila vertical. Este é um símbolo de
paciência, receptividade e obediência ao verdadeiro espírito. Ela está sentada
pacientemente, absorvendo a atmosfera ao seu redor. Nã o será ela quem iniciará uma
conversa e, se o fizer, será apenas depois de verificar o humor do vizinho.

Desde que aconteceu meu caso com o Dr. X, tive algumas conversas com a Papisa,
semelhantes à s que escrevi no quinto capítulo deste livro. Ela é mais introvertida do que
eu, entã o está me ajudando a entrar em contato com minha pró pria introversã o. Com ela
estou aprendendo a sentar pacientemente ao sol com alguém, mesmo um novo amigo, sem
ter que me sentir compelido a falar. Também me ensinou que, mesmo em um comitê ou
reuniã o de negó cios, onde o tempo é essencial (talvez especialmente lá ), é importante
compartilhar alguns momentos de " sinta-se à vontade " juntos, antes de mergulhar no
assunto.

À s vezes também converso com o Eremita. Dele aprendi a distinguir a autêntica


introversã o criativa que nos dá uma luz especial, do negrume estéril da fria torre de pedra.
Antes de aprender a imitar o Eremita, o inconsciente me obrigava a compensar minha
extroversã o unilateral, enviando-me continuamente resfriados ou pequenas doenças que
me davam tempo para a introversã o necessá ria e essencial para a saú de e a harmonia
interior. Ultimamente, por meio de conversas com o Eremita, aprendi a manter um
equilíbrio mais consciente e voluntá rio entre meu lado introvertido e meu lado
extrovertido.

Com os dois habitantes da Torre ainda nã o conversei . Talvez seja porque eles ainda
estã o muito imersos em seu infortú nio para poderem falar. Talvez mais tarde, quando
tiverem digerido o maná colorido que cai do céu sobre eles, possam falar dessa experiência.
Podemos ser tentados a oferecer a você as teologias daqueles que afirmam confortar Jó .
Olhemos mais uma vez para essas pobres almas, tentando nos colocar na situaçã o delas.
Todos nó s já nos encontramos nele alguma vez, e cada vez há um choque quando somos
jogados para fora de nossa segurança imaginá ria. À s vezes ficamos tã o maravilhados que
nem reagimos; outras vezes, reagimos de forma inadequada e muitas vezes caprichosa.

Sirva como exemplo desta ú ltima frase o que me contaram como uma histó ria verídica:
uma mulher que estava na Califó rnia no dia do grande terremoto, nã o parava de gritar:
Por favor, salve-me primeiro; Eu sou de Nova York e não estou acostumada com essas
coisas!

20. A ESTRELA:
UM RAIO DE ESPERANÇA

Fig. 72 A Estrela (Marseillaise Tarot)


céu acima,
Céu abaixo,
estrelas acima,
Estrelas abaixo. Tudo o que está em cima também está embaixo,
Pegue e seja feliz!

texto alquímico

Na carta anterior pudemos ver duas figuras humanas atiradas para fora da torre.
Embora tivessem perdido seu antigo ponto de observaçã o e suas muralhas defensivas, eles
ainda tinham um ao outro e ainda usavam as roupas que demonstravam sua identidade
social. Na Estrela vemos pela primeira vez uma pessoa nua (fig. 72). Despojado de toda
identificaçã o e despojado de qualquer pretensã o, seu ser essencial é exposto aos elementos.
Ele nã o usa má scara ou disfarce social; revela sua natureza bá sica.

A mulher está ajoelhada perto de um riacho despejando ritualmente á gua de duas


urnas vermelhas, de modo que o conteú do de uma delas volte para o rio e a outra caia no
chã o. Aparece no ponto onde as águas vivas do inconsciente coletivo tocam a terra da
realidade humana individual. Ela está envolvida em ambos e através de seu trabalho os
dois interagem criativamente. A á gua que cai na terra nutre alguma semente que nela jaz
adormecida. A á gua do outro jarro agora é aerada e purificada, fluindo de volta para o
riacho para revitalizá -lo e reabastecê-lo.

Psicologicamente falando, a figura ajoelhada pode estar dividindo e trazendo novas


visõ es à consciência, separando o pessoal do transpessoal. Talvez você esteja meditando
sobre o evento catastró fico retratado na Torre da Destruiçã o. Meditar sobre seu
significado, tanto humana quanto simbolicamente, relaciona o evento externo à
correspondente situaçã o psíquica interna.

A partir deste ponto, nossa série do Tarô , como veremos, entra em uma nova
dimensã o de compreensã o, dentro da qual as vicissitudes da vida serã o observadas
segundo um aspecto eterno. Eles nã o serã o mais vistos das aberturas estreitas da Torre; o
mundo se expandirá diante de nossos olhos, oferecendo amplas vistas de horizontes claros.
Aspectos da psique, antes aprisionados dentro das paredes de pedra, agora libertos,
retornarã o à terra, onde poderã o começar a agir de forma mais realista.

Na Estrela, uma sacerdotisa da natureza inicia a tarefa de descobrir nos


acontecimentos da existência terrena um modelo que corresponda ao desígnio celeste.
Sente-se que o ritmo de sua transferência está em sintonia com a dança cósmica .

Seus dois jarros nos lembram de alguma forma o Anjo da Temperança , conectando-o
com os poderes arquetípicos. No entanto, é uma figura humana, nã o tem asas e os seus dois
câ ntaros sã o vermelhos, símbolo da natureza física e do sentimento humano. Ela está
ajoelhada na beira do riacho, brincando com suas á guas com a concentraçã o típica de uma
criança. Por estar nua, seu contato com a natureza é imediato e direto. Essa luz da carta
anterior pode ajudar a trazer a realidade para baixo, conectando-a com as á guas da
nascente e com a terra bá sica da existência.

A sua postura e gesto sugerem humildade, uma forma de ser muito diferente da das
duas pessoas que se sentem humilhadas pela queda causada pelo raio contra a torre;
aquela humilhaçã o que todos nó s experimentamos quando nossa pró pria e querida
imagem é vista caída do pedestal. Como todos sabemos, a laboriosa transformaçã o que esta
dolorosa humilhaçã o produz leva a uma humilde aceitaçã o de si mesmo, é um trabalho
á rduo que à s vezes requer ajuda sobrenatural.
Atrá s e acima da figura ajoelhada podemos ver sete estrelas multicoloridas girando em
torno de uma estrela dupla central. Sã o todos diferentes, cada um parece ter uma
personalidade ú nica; sã o desenhados de forma vigorosa e livre, sugerindo os clarõ es das
estrelas que aparecem no céu. As cores se alternam entre si, dando a impressã o de que
giram em torno da estrela central. Em contraste, a estrela dupla é desenhada com precisã o
geométrica, criada pela sobreposiçã o de uma estrela amarela de oito pontas no topo de
uma estrela vermelha de oito pontas, de modo que as duas parecem emitir raios
alternadamente. Linhas pretas conectam a estrela central ao centro, onde convergem como
os raios de uma roda. O ponto central dessa estrela parece querer indicar que ela está
perfurada no céu, onde permanece fixa, alternando as cores de suas dezesseis pontas e
indicando assim que se trata de uma roda gigante que gira em torno de seu pró prio eixo.
Em suma, esta estrela representa uma estrela solar ou uma mandala .

Uma imagem de realizaçã o ou um centro estabilizador como o descrito acima


freqü entemente aparece em sonhos e visõ es durante os períodos de caos e confusã o que
quase sempre seguem eventos catastró ficos como os retratados na carta acima. O
aparecimento de uma grande estrela no céu sugere uma grande visã o de realizaçã o que
surge das profundezas e que logo pode aparecer na consciência. Representa um centro fixo
que une o amarelo do espírito, intuição e luz com o vermelho do corpo, emoção e carne . Em
torno desse ponto central, as luzes menores, os vá rios fragmentos da personalidade, podem
começar a girar.

Configuraçõ es como essa frequentemente aparecem em textos alquímicos, mostrando


uma estrela gigante (representando o processo de iluminaçã o) ao redor da qual giram sete
planetas (representando os sete estados do processo alquímico). Os alquimistas chamavam
esse processo de Grande Obra , pois acreditavam que o inestimá vel “ ouro filosofal ” só
poderia ser alcançado pela obra do homem, em contraste com a ideia cristã de salvaçã o
pela graça de Deus. A ideia central dos alquimistas era que nã o só toda a humanidade, mas
toda a natureza, estava repleta do espírito divino e que cabia ao homem libertar o espírito
que estava aprisionado na matéria. Somente comprometendo-se com esta Grande Obra
poderia o homem libertar seu pró prio espírito. Os alquimistas viam a redençã o do homem
como um subproduto do trabalho de toda uma vida, e nã o como o objetivo desta vida. Seu
trabalho deveria ser feito sozinho ou, no má ximo, em um casal de indivíduos do sexo
oposto. Eles pensaram que o encontro com a divindade nã o poderia ser alcançado em
multidõ es; só poderia acontecer dentro de cada indivíduo como resultado de sua dedicaçã o
e esforço.

O conceito de individuação de Jung , como o pró prio nome sugere, é semelhante ao


objetivo alquímico . Jung propõ e que a salvaçã o do homem está no fundo de sua psique e
que cada um deve trabalhar individualmente para descobrir e liberar a essência dourada
que está enterrada em nossa natureza psicofísica. Para os alquimistas, o mundo interior
ainda era um mistério. Eles projetavam os elementos de sua psique nos elementos da
natureza externa com os quais trabalhavam constantemente. Coube, entã o, a Jung e aos
psicó logos que o seguiram, descobrir as formas de recuperar as projeçõ es feitas para os
objetos externos, bem como para as pessoas, e confrontá -las como elementos psíquicos
arquetípicos.

Vista neste contexto, a Estrela representa um passo importante para uma participaçã o
mais consciente e ativa no processo de individuação . Na Torre, a iluminaçã o era ofuscante,
e era um cataclismo grande demais para enfrentar de frente, muito menos absorver. Em
outras cartas, a açã o era realizada por personagens alados ou celestiais. Na Estrela, a figura
central é representada como uma pessoa nua, humildemente ajoelhada. Em seu modo de
sentar quieto, nã o há espaço para contemplaçã o nem para crescimento silencioso.

Ao fundo da cena estã o duas á rvores verdes, em uma das quais pousa um pá ssaro
preto. No escudo do Imperador e da Imperatriz também vimos uma á guia; mas esta ave é
uma criatura viva, indicando-nos que a conexã o entre o céu e a terra tornou-se uma
realidade viva. Estas á rvores também estã o vivas e em flor. As á rvores truncadas que vimos
anteriormente que sustentavam o Enforcado produziram novos brotos, liberando-o para
seu desenvolvimento e conhecimento.

Simbolicamente, as á rvores expressam o transpessoal e o individual de uma forma


muito bonita. Enraizados nas profundezas da terra e alcançando o céu, eles conectam vocês
dois. A estrutura de uma á rvore, desde as profundezas do seu sistema radicular, passando
pelo tronco e ramos até à s folhas, apresenta um diagrama paradigmá tico como se fosse a
interligaçã o e interdependência inerentes a toda a natureza. As á rvores carregam consigo
os quatro elementos, sintetizando-os e transformando-os para seu crescimento vital; É por
isso que sã o símbolos do Ser universal e transpessoal, pois a forma e a imagem de cada
á rvore particular diferem de qualquer outra. Dessa forma, entã o, as á rvores podem
representar a ú nica forma pela qual o Ser transpessoal se manifesta em cada indivíduo.

As duas á rvores da Estrela também poderiam nos lembrar as á rvores gêmeas do


Paraíso: a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal . Talvez, como as
á rvores do Paraíso, os dois aqui representados estejam enraizados na psique humana como
impulsos gêmeos que nos movem à açã o: um nos lança a viver a vida e o outro nos motiva a
conhecer a vida.

Quando um símbolo aparece duas vezes em sonhos ou em outro material inconsciente,


muitas vezes indica que um novo aspecto da psique, isto é, o inconsciente, está se movendo
para a consciência. No inconsciente os opostos nã o estã o separados, todas as qualidades e
essências estã o misturadas. Mas quando tomamos conhecimento de um novo conteú do, ele
começa a se diferenciar, muitas vezes aparecendo como gêmeos, um de cada tipo. Mais
tarde, à medida que o conteú do arquetípico se torna mais consciente, as duas figuras que
incorporam sua essência podem aparecer como entidades semelhantes, mas nã o idênticas.

Na quinta carta do Tarô , o Papa, por exemplo, o espírito inquisitivo do homem foi
representado pelos dois sacerdotes. Essas figuras gêmeas ajoelhadas vestidas de forma
idêntica indicavam que suas características como seres humanos individuais ainda estavam
escondidas do inconsciente. Na carta seguinte, o Amante, vimos duas mulheres. As
mulheres nã o se vestiam da mesma forma nem eram da mesma idade ou aparência. Isso
indicava uma diferença entre os vá rios aspectos do princípio feminino ali representados.
Simplificando, eles representavam os aspectos da " virgem " (anteriormente encarnada na
Papisa) e os aspectos da " mãe " (anteriormente retratada na Imperatriz).

Da mesma forma, no Carro a libido animal foi representada como dois cavalos. Embora
esses cavalos fossem iguais em tamanho e aparência e amarrados como uma equipe, suas
cores opostas (vermelho e azul) nos revelavam a grande diferença entre os dois tipos de
libido que eles simbolizavam: o cavalo vermelho representava o impulso para a atividade
física e o instinto de viver a vida, e o azul representava uma tendência mais espiritual (o
igualmente poderoso instinto de conhecer a vida). Na Estrela podemos agora ver esses dois
impulsos representados como duas á rvores. Aqui eles nã o sã o mostrados para nó s como
um par de cavalos inquietos puxando um contra o outro. Embora as duas á rvores estejam
distantes, ambas estã o enraizadas na mesma Mã e Terra e o pá ssaro preto voa de uma para
a outra, unindo-as.

O tema dos " gémeos " também se repete nos dois jarros, que se assemelham em
tamanho, forma e cor. Embora sejam quase idênticos, suas funçõ es sã o diferentes. Como
pudemos ver, um despeja a á gua no rio e o outro na terra. A açã o da Mulher Estrela pode
representar a ideia de Jung sobre os dois tipos de libido: a espiritual e a física , que sã o
realmente uma ú nica essência, embora cada uma adaptada a um propó sito diferente.

Significativamente, esta carta é chamada de Estrela, que parece querer direcionar


nossa atençã o para o céu, estabelecendo assim uma conexã o entre os corpos celestes e tudo
o que acontece abaixo deles. As estrelas geralmente simbolizam as forças que nos guiam. Os
navegadores usam as estrelas para encontrar o caminho através dos mares. Os astró logos
usam as estrelas para prever o futuro, na tentativa de ajudar os seres humanos a guiar suas
vidas de acordo com o ritmo dos planetas em sua evoluçã o. A estrela de Belém guiou os
Magos até a manjedoura. Tanto prá tica quanto simbolicamente, parece que o mapa repleto
de estrelas que vemos no céu corresponde à nossa constelaçã o interior. Este mapa celestial
está vivo e vibra com energia. Quer o estudemos conscientemente, quer lhe voltemos as
costas, o que a Mulher-Estrela parece estar fazendo enquanto trabalha, suas emanaçõ es
continuarã o a influenciar nossas vidas.
As estrelas sã o pontos de iluminaçã o em escala humana. Ao contrá rio do raio da carta
anterior, a luz da estrela nã o pode cegar ou destruir o homem; ao contrá rio da luz solar,
nã o pode queimar ou queimar. Como a lâ mpada do Eremita, cada estrela nos oferece uma
iluminaçã o limitada e controlada, fragmentada em pequenas partes adequadas à
assimilaçã o humana, à introspecçã o espiritual. Sua forma predestinada, em constante
mudança, compartilha a luz apenas em um momento de nosso tempo, mas a luz que chega
até nó s hoje das estrelas começou sua jornada para a Terra há muitos milhõ es de anos.
Desta forma, as estrelas conectam cada momento individual com o tempo transcendental.
Eles compartilham a sabedoria do conhecimento antigo com nossos dilemas.

As estrelas também nos relacionam com a imortalidade. Uma antiga lenda explica que
no momento da morte cada alma é levada para o céu, de onde brilhará eternamente como
uma estrela. Figuras heró icas ou deuses foram imortalizados como planetas ou
constelaçõ es, que ainda hoje sã o homenageados com seus nomes. Outra crença popular é
que, no momento do nascimento, cada ser humano recebe sua pró pria estrela pessoal,
representando assim a estrela que serve como seu guia transcendental. Acreditava-se que
esta estrela cuidava dos problemas terrenos, guiando o destino e protegendo de todo mal.
Essa ideia ecoa hoje na superstiçã o de que, se fizermos um desejo enquanto vemos uma
estrela passar, ele se tornará realidade e, quando isso acontecer, agradeceremos à nossa "
estrela da sorte ".

Outra lenda antiga nos fala mais especificamente sobre a correspondência entre o
reino de cima e o reino de baixo; ou, para usar termos psicoló gicos, entre o ego e o self .
Acreditava-se que ao nascer a alma descia à terra, percorrendo as esferas planetá rias,
tirando de cada uma as características que pertenciam a cada um dos planetas. No
momento da morte, o movimento era invertido, para que essas características voltassem ao
respectivo planeta para serem novamente utilizadas pela pró xima geraçã o de almas recém-
nascidas. Em um processo circular contínuo e rítmico, como a estrela derramando á gua,
nó s, humanos, emprestamos a iluminaçã o, a energia e os talentos das estrelas para
completar nosso eu terreno, devolvendo-o aos céus (talvez repleto ou esgotado). realizada.

A ideia de que as estrelas estã o intimamente relacionadas com o destino humano é


anterior à astrologia. Quando o homem descobriu que o movimento das estrelas podia ser
previsto, percebeu que talvez o destino do homem também pudesse ser guiado por alguma
ordem divina. Sentia assim que nã o era mais um brinquedo dos deuses, pois para ele, afinal,
as estrelas brilhavam proclamando que cada vida individual estava relacionada a um
modelo divino, oferecendo-lhe a esperança de que os acontecimentos da vida cotidiana
(aparentemente fortuita ) faziam parte de um esquema universal cheio de significado.
Através da empatia com as estrelas, o homem deixou de se sentir um brinquedo do destino
e passou a sentir a inspiraçã o do seu pró prio destino. É como se as estrelas brilhantes
fossem pequenas janelas ou olhos através dos quais o homem pudesse olhar para a
eternidade.

Mestre Eckhart disse:

"O olho com o qual vejo Deus é o olho com o qual Ele me vê."

As estrelas costumam ser consideradas os olhos do céu, através dos quais os deuses
observam nosso trabalho. Em termos junguianos, eles simbolizam os arquétipos, que sã o as
imagens que influenciam nossas vidas e por meio das quais vivenciamos os diversos
aspectos da divindade. À medida que percorremos o caminho da individuaçã o, esses
pequenos pontos de luz tendem a se fundir para formar uma luz gigante, cujo brilho é mais
constante. Podemos imaginar que esta grande luz se esconde atrá s de uma cortina celeste
através da qual chega até nó s, graças a pequenas perfuraçõ es feitas nela, até que finalmente
a cortina cai e podemos experimentar a luz diretamente em sua fonte.

A estrela do nosso Tarô nã o é desenhada em uma noite negra, como pareceria


naturalmente, mas delineada sobre um fundo branco. Assim como o raio na carta anterior,
isso sugere que esses fenô menos devem ser vistos simbolicamente como manifestaçõ es
que ocorrem na psique, e nã o como eventos na natureza. A Mulher das Estrelas nã o vira a
cabeça para o céu, talvez veja seu reflexo nas á guas. Em todo caso, é reflexivo, e podemos
imaginar que tenha consciência dos planetas como presenças interiores que influenciam
suas açõ es.

Mais significativamente, o heró i nã o aparece nessa figura: ele está perdido no


momento, para si mesmo e para nó s. A estreita e rígida torre em que se trancou nã o o
abriga mais. A construçã o de palavras, má ximas e conceitos que ele construiu tijolo apó s
tijolo para se defender, nã o o protege mais. Ontem, sentado orgulhosamente no alto de sua
torre, sentia-se um ser superior, só lido e seguro: alguém. Agora ele acaba de descobrir que
nã o é ninguém. Ele acaba de perder contato com seu intelecto, com seu ego. A imagem de si
mesmo acaba de ser derrubada. Acaba de quebrar o reló gio com que mediu e rotulou os
acontecimentos de sua vida, acaba de perder também a bú ssola que o guiou em sua
caminhada. Até a Carruagem, aquele veículo dourado com o qual ele contava para voltar
para casa, também se perdeu. Sua consciência de ego, assim como sua mobilidade, jaz
impotente. Só pode ser salvo por meio da atuaçã o da Mulher Estrela.

Essa mulher é uma criatura arquetípica das profundezas, vivendo e se movendo no


mundo atemporal dos planetas, um mundo que existe há milhares de anos, muito antes da
chegada do homem e de seus reló gios. O conceito que temos do tempo está tã o
subordinado à s necessidades do homem que é difícil lembrar que todas essas medidas de
tempo sã o de invençã o recente. Por muitos séculos, o homem, junto com todas as outras
criaturas, viveu e se moveu exclusivamente no tempo sideral. Dentro de cada um de nó s,
enterrada nas profundezas do inconsciente, ainda vive a primitiva Mulher-Estrela cujo
retrato aqui se mostra. Ele se move além do tempo, amarrado apenas ao ritmo da natureza.
Como a mulher deste desenho, nossa mulher interior mede seu ritmo pelo movimento das
estrelas. Essa figura arquetípica é uma parte importante da psique, mas quando o ego está
hiperativo, muitas vezes perdemos contato com ele: quando o ego diminui, como na
Estrela, podemos reencontrá -lo.

Na psicologia do homem, essa figura feminina representa sua anima ou seu aspecto
feminino inconsciente . Na mulher, essa figura, sendo do mesmo sexo, simboliza o aspecto
sombrio e sombrio da personalidade. Como a Mulher Estrela é pintada em grande escala,
ainda maior que a vida, ela poderia incorporar uma qualidade além da sombra pessoal e
mais parecida com o eu , aquele arquétipo catalítico que é a estrela central de nossa
constelaçã o psíquica. De qualquer forma, a figura ajoelhada representa um aspecto
inacessível da psique, que, como a princesa dos contos de fadas, foi mantida prisioneira na
torre do castelo, mantida cativa por um cruel Rei Logos , governante de nosso eu masculino.
.

No Tarot Force encontramos antes uma figura feminina semelhante a esta que
dominava a cena. Ali pudemos vê-la vestida de acordo com a moda do momento,
representando um aspecto mais pessoal do arquétipo, uma influência humanizadora.
Medindo sua força com o leã o, ele ajudou o viajante solitá rio a reconhecer e avaliar suas
emoçõ es para que nã o se manifestassem de forma destrutiva. Agora, como Mulher Estrela,
ela nos mostra como usar essas energias reconquistadas de forma mais criativa. As
emoçõ es que antes surgiam, explodindo como relâ mpagos em rajadas contra o destino,
agora podem ser conduzidas e transferidas para formar um bá lsamo nutritivo e benéfico.

Uma parte dessa energia transmutada cai no rio, pertence à s profundezas do


inconsciente e nunca será totalmente compreendida ou assimilada. A outra parte da á gua
cai no solo fértil da realidade cotidiana. Ele trabalha com esses dois opostos
simultaneamente, conectando seus dois mundos por meio da atividade de seu corpo e da
devoçã o de seu espírito.

Na psicologia de uma mulher do século 20, isolada do contato com a natureza, bem
como de seus sentimentos inatos de interesse religioso, o aparecimento dessa Sacerdotisa
da Natureza pode anunciar uma nova conexã o com a parte transcendental de si mesma . A
Sacerdotisa está ajoelhada em atitude de oraçã o; a posiçã o de suas pernas sugere a suástica
, uma forma primitiva de cruz.
A suástica , também chamada de “ martelo da criação ”, simboliza o movimento
contínuo do cosmos, conectando mais uma vez o fluxo circular da mulher com a circulaçã o
dos planetas acima de sua cabeça. Sua atmosfera é profundamente religiosa.

Como Jung apontou, a origem latina da palavra " religioso " significa " considerar
cuidadosamente ". A Mulher das Estrelas parece perdida na consideraçã o dos
imponderá veis e, enquanto medita, derrama as á guas de forma ritual, como se estivesse
fazendo um sacrifício aos deuses. Pode ser sua tarefa iniciar o ego nos campos inorgâ nicos
da psique. Sua consciência se tornará mais consciente das regiõ es interiores, mais distantes
e misteriosas do que as simbolizadas pelo leã o, e daquelas mais profundas e elementares
do que as habitadas pelos insetos e vermes encontrados pelo Enforcado.

A importâ ncia psicoló gica da Mulher Estrela pode ser vista comparando esta figura do
Tarô com a pintura Noite Estrelada de Van Gogh (fig. 73). Esta pintura foi pintada em 1900
em Saint Rémy, um hospital psiquiá trico onde o artista esteve internado em seus ú ltimos
anos. Retirado à força da vida cotidiana do mundo, Van Gogh, como o heró i de nosso Tarô ,
encontrou-se neste lugar solitá rio e perigoso. Na pintura de Van Gogh nã o há figura que o
ajude a lidar com a sú bita incursã o de conteú dos elementares das profundezas do
inconsciente. Nem nos céus encontramos uma estrela que brilha para guiar os planetas em
suas ó rbitas. Aqui, as estrelas aparecem como massas de fogo girando em um céu
turbulento, cada uma em seu pró prio ritmo. Uma estrela cadente semelhante a um cometa
explodiu pela manhã para riscar os céus, causando terror, pois parecia que invadiria o
reino terrestre inferior.

Em primeiro plano, um cipreste escuro tremendo em sua agonia nos lembra uma
chama contra o céu. Parece que as fronteiras naturais entre o céu e a terra desapareceram e
toda a criaçã o enlouqueceu. A ú nica imagem de unidade e harmonia nesta pintura caó tica
aparece no canto superior direito, onde o sol e a lua estã o juntos, casados em uma uniã o
simbó lica de opostos. Essa imagem, porém, nã o é central, parece distante e inatingível. Sem
a intervençã o da imaginaçã o humana, como a simbolizada pela Mulher Estrela, os
elementos do ser psíquico de Van Gogh parecem ter retornado ao caos primordial do
inconsciente profundo, em um tempo anterior à criaçã o, quando "a terra era sem forma e
vazio. " e a escuridão estava na superfície da profundidade ».

Em contraste, a Estrela representa um mundo ordenado e harmonioso. Podemos ver


representados pela primeira vez os quatro elementos da criaçã o: terra, á gua, ar e fogo.
Ajoelhada no chã o, a mulher trabalha com á gua enquanto atrá s dela, no céu, brilham as
estrelas de fogo. Através do contato com esses elementos da natureza externa, podemos
experimentar a natureza elementar que carregamos dentro de nó s. Em termos junguianos,
os quatro elementos naturais poderiam simbolizar as quatro funçõ es da psique humana.
Nem todos os psicó logos analíticos concordam com o elemento que melhor simboliza cada
funçã o. Na minha opiniã o, ar e á gua podem representar pensamento e sentimento,
enquanto fogo e terra simbolizam intuiçã o e sensaçã o. Nã o há dú vida de que, dependendo
do tipo de funçã o que você possui, você poderá experimentar e classificar as diferentes
funçõ es. Pode ser ú til para o leitor parar aqui e pensar sobre qual classificaçã o ele faria.
Embora essa atividade nã o revele nada de novo sobre os quatro elementos da natureza, ela
pode produzir novos insights sobre as quatro funçõ es de nossa natureza interior.

No carro, essas quatro funçõ es eram representadas como postes ou conceitos fixos que
sustentavam o toldo que protegia o motorista das intempéries. Na Estrela, a figura central
nã o tem mais essa proteçã o; Está exposto a toda a natureza. Os quatro elementos da psique
nã o sã o mais vivenciados como conceitos rígidos, eles se tornaram vivos, vibrantes de
energia, revelando sua verdadeira natureza, tã o completamente quanto a Mulher-Estrela.

Como Aquá rio, o provedor de á gua, esta mulher está ajoelhada no chã o despejando a
á gua das duas urnas. Como ele, presta atençã o ao inconsciente e à natureza. Seu
aparecimento pode significar uma nova fase no desenvolvimento do heró i, seu aná logo da
Era de Aquá rio em que nos encontramos agora. Nesta fase, o heró i, como muitos
buscadores de hoje, emergirá do fascínio da natureza exterior para explorar a natureza
interior, o ego e as questõ es de relacionamento, finalmente misturando e unificando a
experiência interna e externa para criar um novo mundo.

Fig. 73 Noite estrelada


(Vincent van Gogh, 1889, ó leo sobre tela. 72,5 x 90 cm. Coleçã o do Museu de Arte Moderna de Nova York. Adquirido
por meio do espó lio de Lillie P. Bliss.)

Por fim, a Mulher Estrela parece já ter iniciado esse trabalho, pois embora concentre
sua atividade na á gua e na terra, a estrela e o amplo céu estã o representados de forma
importante na imagem. Pode-se sentir que, com sua ajuda, as quatro funçõ es da psique se
moverã o para a integraçã o. Apesar do fato de que o ego está " fora de cena ", talvez até por
causa disso, ele agora pode se tornar passivamente consciente de um universo que se
expande para dimensõ es até entã o inimaginá veis. Desde a sua retirada, o ego nã o pode
participar da atividade humana diá ria, permanece inerte em uma depressã o profunda.
Quando o ego está imobilizado, podem surgir intuiçõ es. Nesse ponto, o ego começa a ser
preenchido com um novo senso de destino e também começa a experimentar seu destino
individual como parte de uma representaçã o universal. Ambiçõ es puramente egocêntricas
agora se perdem na observaçã o das estrelas e a vida começa a se mover em torno de um
novo centro.

Somente através das imagens internas do inconsciente essa consciência pode


aparecer. A fantasia da luz noturna, mais do que o feixe de luz da busca consciente, nos
conecta novamente com a sabedoria eterna de nossa constelaçã o interior. Esses olhos
interiores nunca dormem, eles brilham dentro de nó s o tempo todo, mas à s vezes
perdemos o contato com eles. Somente através de nosso lado eros natural podemos fazer
contato com nossa psique celestial. Esta forma de ligaçã o, « fluida em vez de estática,
contemplativa em vez de racional », é o que aqui se representa como transferência.

Em Temperance vimos um anjo despejar uma essência branca de um jarro azul em um


vermelho, para determinar um novo ingrediente de energia psíquica. A Mulher Estrela está
fazendo algo muito diferente: ela está derramando á gua azul de dois recipientes igualmente
vermelhos. Era tarefa de Temperance coletar e misturar as partes dispersas da psique que
a Morte havia espalhado, direcionando essas essências recém-descobertas para novos
canais. O trabalho da Mulher Estrela é antes separar e redistribuir. Talvez seja separar os
elementos arquetípicos do inconsciente dos conteú dos mais pessoais, de modo que a
consciência do ego nã o seja inundada com materiais com os quais nã o está pronta para
lidar no momento. Parece despejar os conteú dos arquetípicos de volta nos riachos coletivos
compartilhados pela humanidade; o mais pessoal o traz de volta à terra seca da realidade
cotidiana para lhe dar nova vida e força. Assim que o chã o seco sob seus pés fica ú mido, ele
se torna maleá vel, como o gesso. Com essa nova substâ ncia, um mundo novo e mais seguro
baseado na realidade natural pode ser moldado, já que a Torre de Tijolos construída pelo
intelecto atraiu raios dos céus.

Essa mulher age sendo acionada, ela se move com uma graça especial, como se
estivesse em transe; ela está extasiada como uma criança, criando um novo mundo com
á gua e lama. Sua intensa dedicaçã o, bem como sua total participaçã o nesse ato criativo, nã o
difere muito da pró pria Divindade, conforme apresentado por Ovídio na Metamorfose (fig.
14). Ali pudemos ver Deus evocando o mundo para sair do caos. O Criador, como nos conta
Ovídio, nã o formou o mundo diretamente do caos, ele primeiro separou os quatro
elementos uns dos outros; só entã o ele poderia combiná -los de tal forma que o universo
completo da realidade absoluta emergisse.

Da mesma forma, Star Woman agora separa as á guas elementais para criar uma nova
realidade. O ritmo da dança da criaçã o, conforme apresentado pela gravura de Golzius , é
ativo, forte e masculino; o ritmo da Mulher Estrela é calmo, introspectivo e feminino. A
serenidade saudá vel desta mulher sente-se aqui, assim como a tranquilidade da natureza
silenciosa. Segundo um velho ditado:

"O silêncio é o espaço interior de que precisamos para crescer."

Este momento de crescimento interno nã o é para apresentaçõ es externas; sua essência


é a visã o interior.

Um estudioso do Tarot, meditando sobre esta carta, escreveu o seguinte verso:

A estrela atingiu a mulher no riacho enquanto ela despejava água em um sonho...

Nossos sonhos mais profundos precisam ser regados, cultivados e plantados na


realidade exterior. Cada vez que trabalhamos com o inconsciente através da imaginação
ativa ou da meditaçã o , “ regamos nossos sonhos ”. Nó s os alimentamos e os conectamos com
a consciência, resgatando por este ato poderes que permaneceriam ocultos para que
possamos utilizá -los em nossas vidas. Colocando nossas fantasias inconscientes em contato
com nossas intençõ es conscientes, libertamos o espírito aprisionado na matéria, liberando
também novas intuiçõ es e visõ es que havíamos encerrado nas profundezas de nosso
inconsciente, para que ele possa desabrochar em realidade. Damos vida aqui e agora a
ideias e sonhos cativos nas « torres da razão ». Ao fazer isso, transformamos nã o apenas
nossa pessoa, mas também a natureza. Em outras palavras, mudamos ambos: a qualidade
de nossas vidas pessoais e o cará ter do inconsciente coletivo. Neste lugar sagrado onde as
á guas e a terra se encontram, tanto o pessoal quanto o universal sã o " tocados " e
transformados.

É evidente que as á guas com as quais a mulher trabalha sofrem uma mudança por este
ato. Contidas nas duas urnas, elas parecem ter sido tocadas por uma nova vida, de modo
que a corrente flui com nova energia. Pelo fato de serem transferidas, as á guas foram
purificadas e aeradas. Agora, ar, á gua, fogo e terra se misturam de uma forma nova e
diferente. Psicologicamente falando, os quatro elementos da psique foram recarregados e
revigorados pelo contato com eros, isto é, com o sentimento. Parece apropriado que o
elemento mais marcante agora seja a á gua, pois a á gua, segundo Jung,

«Ocupa uma posição intermédia entre o volátil (ar e fogo) e o sólido (terra), pois
pode aparecer em ambas as formas, líquida e gasosa, assim como na forma sólida de
gelo». 104
A Mulher Estrela parece triste, talvez ela acrescente algumas de suas lá grimas à s á guas
que manuseia: as lá grimas limpam e purificam. Eles limpam a poeira que a vida deposita
em nossos olhos, para que possamos ver o mundo com mais clareza. À s vezes dizemos que
nos encontramos " quebrados " ou " quebrados " pela emoçã o. Quando choramos, nossas
preocupaçõ es superficiais desaparecem para que possamos ver novamente o brilho do
nosso verdadeiro valor. Os aspectos rígidos de nossa personalidade se desfazem ,
deixando-nos mais receptivos e maleá veis. Quando nos sentimos dominados pela emoçã o, a
escuridã o entre o consciente e o inconsciente desaparece e podemos ver novas imagens
emergirem do inconsciente. Alguns deles sã o terríveis, outros sã o portadores de luz, mas
ambos trazem nova energia e poder.

A princípio, nos sentimos afogados pela enchente. A Mulher Estrela, por ser também
uma criatura das profundezas, entende isso, e por isso separa e mistura as á guas com tanto
cuidado e amor. Por natureza é inconsciente. Muito em breve ela mesma desaparecerá na
á gua, que é seu elemento, deixando o heró i sem sua ajuda, totalmente sozinho, no mundo
silencioso dos seres elementais para enfrentar as profundezas monstruosas da melhor
maneira que puder. O heró i será mergulhado na maior escuridã o, onde terá que lutar
contra as á guas antes de poder emergir à luz de um novo dia, renascido e batizado.

Talvez o pá ssaro preto que podemos ver no fundo do lençol nos traga uma premoniçã o
de que esse é o seu destino, já que os pá ssaros , simbolicamente, sã o mensageiros dos
deuses . Enquanto o pá ssaro permanecer nesta folha, podemos saber que os deuses existem
e que se preocupam com a nova vida neste planeta. Como o corvo de Elias , este pá ssaro
pode fornecer comida e sustento ao heró i atormentado. Como a pomba de Noé , também é
portadora de esperança na terra prometida.

Parece que o pá ssaro está abrindo as asas para erguer o corpo acima do solo. Nã o vai
deixar a terra para sempre, pois é uma criatura do jardim que também se alimenta de seus
frutos e de suas á guas. Por mais que voe em direçã o à luz, como o faz, sempre é forçado a
retornar ao seu humilde ninho; e seja qual for a regiã o celeste que alcance, deve sempre
carregar consigo sua pró pria escuridã o. Pertencem-lhe as asas que o transportam de corpo
e alma para regiõ es desconhecidas; ao contrá rio dos de Ícaro, eles nã o sã o um apêndice
artificial preso com cera, predestinado a se fundir com o sol. As penas da ave sã o parte
integrante de sua pró pria natureza; Eles sã o especialmente projetados para enfrentar os
elementos. Logo o pá ssaro, elevando-se acima da terra e permanecendo sem esforço no ar,
alcançará cada vez mais alto, até parecer alcançar as estrelas. Enquanto o heró i pensa nisso,
ele reza para que um dia também ele possa aprender a se entregar à s asas do espírito, tã o
simples e naturalmente como o faz o pá ssaro.
Espera poder explorar as regiõ es do ar e da luz, sem perder o contato com sua morada
terrena e, como o pá ssaro, mover-se facilmente entre o céu e a terra. Por enquanto, porém,
ainda há muito trabalho a fazer.

Parece significativo que os alquimistas se referissem a seus trabalhos como a Grande


Obra . Hoje também falamos sobre “ trabalhar com um analista ” ou “ trabalhar nossos
sonhos ”; Cada vez que fazemos um trabalho como esse com o inconsciente, destilamos sua
essência . Este trabalho é um tipo de meditação ativa ; nã o há guia ou dogma escrito, nem
fó rmulas proscritas. Como podemos ver, a Mulher Estrela nã o consulta nenhum livro; ele
simplesmente trabalha com os materiais que a natureza lhe oferece. Os alquimistas diziam
que " a imaginação é a estrela do homem, o corpo celeste ou superceleste ". Jung também
acreditava que a pró pria imaginaçã o poderia ser a estrela-guia em nosso trabalho com o
subconsciente. Ele nã o deixou regras escritas para a meditaçã o criativa, nem sugeriu
imagens específicas para as quais se deveria direcionar o pensamento. Jung sentia que o
ritmo de cada psique individual era ú nico e que cada um tinha que trabalhar com as
imagens apresentadas pelo subconsciente, seguindo os ritmos de cada natureza.

Os métodos da imaginação ativa , assim como o trabalho de Jung sobre os sonhos, nã o


sã o " associação livre ". Em associaçã o livre, como o nome sugere, utiliza-se as imagens
originais como plataformas de lançamento para voos fantá sticos que podem nos levar para
longe da ideia central. Por exemplo: podemos começar com a imagem de “ estrela ” e isso
nos leva a “ estrela de cinema ”; daí saltamos para « Hollywood », « celulóide » e assim por
diante numa trajetó ria sem fim. Ao contrá rio, o método de ampliaçã o proposto por Jung
segue um percurso circular: mantendo a imagem central original, ele a contorna por sua
periferia, expandindo seu significado por analogia e contraste, utilizando as associaçõ es
que dela provêm e que permanecem ligadas. para ela, como os raios de uma roda. No
método de Jung, as imagens secundá rias giram em torno da imagem principal, assim como
os planetas desenhados na Estrela: eles giram em torno de seu sol central. O movimento
circular da Mulher Estrela, que mistura e derrama repetidamente, ilustra com eloquência a
maneira de trabalhar com materiais inconscientes sugerida por Jung.

A Mulher Estrela ressalta a natureza autô noma da psique. Nem mesmo essa deusa da
natureza tem o poder de controlar o livre fluxo das á guas, que é um fenô meno natural que
opera de forma independente e cujo movimento e direçã o sã o dominados pela gravidade.
Mais significativamente, ela nã o faz nenhum esforço para direcionar o curso do riacho,
aceitando as á guas como elas vêm, lidando apenas com o que ela pode levar em suas duas
pequenas embarcaçõ es. Por meio de sua açã o, ele produz uma mudança, por menor que
seja, no cará ter e na qualidade dessa corrente. A técnica de imaginaçã o ativa de Jung afeta a
corrente do inconsciente da mesma maneira.
Como a Mulher Estrela nos mostra, essa forma de meditaçã o nã o é de forma alguma
um processo passivo. Embora ela nã o opere nenhum controle sobre a direçã o e o fluxo do
riacho, ela também nã o está sentada ali, deixando-se hipnotizar por sua mú sica. Como
sugere o termo “ imaginação ativa ” de Jung , ela interage imaginativamente com as á guas,
relacionando-as com seu ponto de vista terreno.

Jung também sugere que nunca devemos aceitar passivamente o que uma figura do
inconsciente pode dizer ou fazer como um evangelho entregue de cima. Como acabamos de
ver, as figuras arquetípicas, como os seres humanos, têm características positivas e
negativas. À s vezes eles nos oferecem seus conselhos, à s vezes falam bobagens, outras
vezes podem até sugerir travessuras. A intençã o de Jung é que lidemos com esses tipos
arquetípicos ativa e diretamente, fazendo perguntas ou levantando objeçõ es, assim como
faríamos com um estranho que aparece de repente oferecendo conselhos e sugestõ es.
Somente através de um diá logo rá pido em que tanto o consciente quanto o inconsciente
encontram uma forma de se expressar, podemos esperar resolver nossos conflitos e
problemas de forma prá tica e humana. Ao fazer esta intençã o é importante que atuemos,
pois a funçã o deste tipo de meditaçã o é nos ajudar a encontrar um caminho criativo na vida
diá ria, ao invés de usar uma meditaçã o como uma fuga soporífera dela.

À s vezes, porém, o problema que enfrentamos parece insolú vel, inatingível por meio
de qualquer açã o. Nesses casos, é surpreendente ver como, ao atingirmos a harmonia
interior, resolvemos automaticamente nossos problemas externos. Assim como a Mulher-
Estrela, por meio de sua açã o, provoca grandes mudanças no cará ter e na qualidade da
corrente, também a imaginaçã o ativa traz mudanças milagrosas na corrente principal do
inconsciente. Ou, para usar outra analogia, o inconsciente coletivo é como um grande mar
cheio de peixes arquetípicos, no qual cada peixe trazido à luz ajuda a clarear a densidade
das á guas escuras abaixo. Nã o é tanto o nú mero de pescadores que conta (e em todo o caso
sã o relativamente poucos), o que importa mesmo é que cada habitante do fundo se torne
conhecido e identificado e que maiores á reas do mar sem fundo sejam exploradas e
conhecidas. A imaginaçã o ativa de Jung é uma mudança que leva a essa exploraçã o.

Como esclarece a Mulher Estrela, esta nã o é uma técnica de grupo, mas sim algo que
deve ser feito em solidã o, pois, afinal, é somente através do indivíduo que novas ideias
surgem. Essas ideias podem entã o ser adotadas pelo pú blico em geral e sua influência se
espalhar por todo o mundo. Como testemunharam artistas, mú sicos, escritores e cientistas,
a " expedição inicial de pesca " é melhor na solidã o. É uma cerimô nia privada cujos
mistérios só podem ser verificados nos reinos secretos da psique.

Os comentá rios de Jung sobre o significado desse mistério no desenvolvimento do


homem, tanto cultural quanto individual, parecem bastante apropriados:
"À medida que aumenta a importância da vida interior, diminui o valor do
significado dos mistérios públicos da antiguidade. Possuir um mistério dá estatura,
dá identidade e garante que ninguém ficará submerso na multidão... O mistério é
essencial para a experiência de si mesmo como uma personalidade única, distinta das
outras, e para o crescimento através dos conflitos repetidos. 105

Os mistérios representados na Estrela nã o podem ser compartilhados com ninguém,


nem mesmo com nosso pró prio intelecto crítico. Neste ponto da jornada, o heró i regido
pelo intelecto teve pouco contato com seu lado imaginativo. Por isso a Mulher Estrela
brilha para ele agora. Existe uma má xima cabalística que diz:

"Quando você encontrar o começo do caminho, a estrela da sua alma mostrará sua
luz."

Finalmente parece que nosso heró i encontrou o começo do caminho.

Antes de deixar a Estrela, parece ú til contrastá -la com a carta anterior, sublinhando
algumas coisas comuns a ambas, para que possamos relacioná -las. Na Torre da Destruiçã o,
vimos duas figuras humanas jogadas à força para fora de seu prédio. Eles estavam
atordoados, manipulados e passivos. Toda a açã o na carta veio do céu (tradicionalmente o
reino do espírito, Logos e energia yang). A forma fá lica da torre ressalta o princípio
masculino, indicando que os dois habitantes eram prisioneiros de suas aspiraçõ es
intelectuais e sede de poder, viviam muito acima das sensaçõ es de sua natureza animal e
terrena, haviam perdido contato com o fundo de seu ser , bem como com as á guas
correntes de sua natureza interior. A luz da visã o intuitiva foi bloqueada em suas vidas pela
enorme coroa que encimava sua morada. Vestiam-se à moda tradicional, símbolo da sua
personalidade ou do seu estatuto social, mas estes vestidos só serviam para mostrar o quã o
ridículos eram, sublinhando a inadequaçã o da pretensã o humana face aos poderes
elementais da natureza. Os trajes das duas figuras eram quase idênticos, sugerindo que
nenhum deles tinha um forte senso de sua natureza ú nica; nem mesmo sua identidade
sexual era clara.

Em Star Woman, todas as vestimentas e pretensõ es feitas pelo homem foram


retiradas, revelando uma mulher individual, nua e exposta aos elementos. Embora ela
possa estar desatenta ao destino das estrelas acima de sua cabeça, ela nã o é de forma
alguma passiva. Como já observamos, ele está agindo. Seu é o reino da terra e da á gua,
símbolo do princípio feminino de eros. Ao contrá rio do relâ mpago que explode
violentamente para quebrar, explodir e destruir, a Estrela esbanja uma luz suave e passiva
cuja influência acalma e cura.

Na Torre, as duas figuras ficaram tã o atordoadas com o trovã o vindo do céu e tã o


preocupadas que nã o puderam observar o que estava acontecendo com elas. Porém, apó s a
tempestade, o heró i, despojado e inativo, abre-se para novos conhecimentos. Observando a
Mulher Estrela, ele se maravilha com sua nudez proposital e consciente. Exposta a si
mesma e a toda a humanidade, ela nã o faz nenhum esforço para esconder suas
imperfeiçõ es ou acentuar seu lado positivo. Sem vergonha ou orgulho, ela aceita a si mesma
e as circunstâ ncias em que se encontra. Ela nã o se esforça para subir, parece absorta em
seu trabalho, nã o como algo que leva a um fim, mas como algo ú til e interessante em si
mesmo. Oferece-se e dedica-se totalmente à situaçã o que a vida lhe apresenta.

Enquanto o heró i a observa, ele começa a aceitar a si mesmo e a desesperança da


situaçã o. Ele começa a perceber que essa aceitaçã o é necessá ria para a mudança, que é, de
fato, a ú nica motivaçã o para toda mudança. Agora ele entende como antes, vestido como
pessoa e prisioneiro na torre de racionalizaçõ es e defesas, ele nã o apenas escondia sua
pró pria natureza dos outros, mas também de si mesmo. Encerrado como um morador de
torre, ele nã o podia saber quem realmente era ou como se posicionava em relaçã o aos fatos
elementares da vida. Agora, toda a energia que antes era dedicada a se defender e aparecer,
está liberada para observar o universo de forma mais objetiva e assim encontrar nele o seu
verdadeiro lugar.

Ao contemplar a Mulher Estrela em sua transferência cíclica, ele começa a entender


que a jornada em direçã o à consciência é em si um processo contínuo e circular. Assim que
descobrimos, reconhecemos e integramos um aspecto que estava escondido no lado escuro,
outro, também desconhecido, surge, irrompendo na luz. Cada vez que um raio de luz nos
atinge repentinamente, como aconteceu tragicamente na carta anterior, traz consigo um
novo conteú do arquetípico para sua assimilaçã o e integraçã o. O heró i agora começa a ver
sua jornada como uma série de tais descobertas, seguidas de períodos de relativa calma
para a integraçã o. Ele nã o vê mais o raio como um ato irracional dos deuses, um castigo
imerecido do céu como vingança por seus muitos pecados. Em vez disso, aceite a situaçã o
atual como parte de um projeto significativo, uma necessidade, uma mudança, uma
oportunidade. No fundo do seu coraçã o brilha um raio de luz que iluminará os seus
sofrimentos tornando-os aceitá veis.

Seu sofrimento é agudo, ele nã o pode negá -lo e nã o lutará mais para fazê-lo. Ele
começa a entender que somente por meio dessa angú stia, dessa ferida, seu ego fraco e
satisfeito pode ser impulsionado na jornada em direçã o a si mesmo . Ele nã o se sente mais
alienado; sente-se, finalmente, incluído nos modelos da pró pria vida. Jung descreve esse
tipo de experiência da seguinte maneira:
«Não nos sentimos mais como um ponto isolado na periferia, mas como o Um no
centro. Apenas a consciência subjetiva permanece isolada; assim que se relaciona
com o seu centro, integra-se na plenitude, encontrando no sofrimento um lugar
tranquilo para além de todas as complicações». 106

Olhando para os eventos desta jornada, para onde estamos agora, o heró i começa a
descobrir muitos temas recorrentes nos eventos aparentemente aleató rios. Você pode
observar como seu pró prio pêndulo físico oscila constantemente entre os opostos,
tentando encontrar o equilíbrio, e como sua humanidade impotente pede ajuda inesperada
do inconsciente. Por exemplo, quando o Amante se deparou com seu lado feminino, ele foi
inspirado por Eros para se tornar o rei que conduzia a Carruagem. Quando se deparou com
o enigma da Justiça e seus pires e sua espada, encontrou ajuda em uma entrevista mais
pessoal com o amá vel Eremita. Desanimado com o giro sem fim da Roda da Fortuna, ele
conseguiu encontrar novas reservas de energia com a Força. Da mesma forma, quando ele
foi enforcado e depois desarticulado pelo anjo negro da Morte, ele foi posteriormente
ajudado pelo anjo da Temperança. Agora ele sente que as humilhaçõ es sofridas no Diabo e
na Torre sã o aliviadas pelas á guas curativas da Estrela.

Se o Destino tivesse lhe dado o mapa da viagem que usamos, neste momento você
poderia conectar a Estrela com as duas cartas imediatamente acima dela: na primeira linha,
a Imperatriz, que representa a Grande Mã e em seu positivo aspecto da Mã e Natureza, cuja
imaginaçã o criativa trouxe toda a vida à realidade, e abaixo dela, na Roda da Fortuna, a
Esfinge, representando a Grande Mã e em sua fase mais negativa, retendo toda a vida. libido
acorrentado à sua vontade. Agora, na Estrela, podemos ver como essa libido é liberada do
círculo repetitivo da Roda para que ela possa agir livre e criativamente.

Enquanto na Roda os animais estã o acorrentados e disfarçados, de uma forma que


melhor poderia ser chamada de travesti humano, a Mulher Estrela é um ser independente,
capaz de tratar seu destino de forma especificamente humana. A Estrela nos ensina através
de nossa imaginaçã o criativa como podemos nos libertar daquilo que nos prende a um
padrã o cíclico, para que possamos viver nossas vidas individualmente. Como os planetas,
somos mantidos em ó rbitas específicas por um poder além de nosso controle; mas dentro
de nossas fronteiras, cada um de nó s deve brilhar de uma maneira ú nica.

Segundo o velho ditado, « o que a alma imagina... acontece apenas em pensamento; o


que Deus imagina, acontece na realidade », ao ajudar o heró i a harmonizar as imagens da
sua alma com a natureza, a Estrela dá -lhe uma nova realidade; Ao conectar o heró i à
imaginaçã o criativa do mundo, propriedade de Deus, ele preenche sua vida com um novo
significado e propó sito.

21. A LUA:
DONZELA OU AMEAÇA?

Fig. 74 A Lua (Marseillaise Tarot)


Um lugar selvagem, tão sagrado e encantado como sempre!
antes sob a lua minguante, visitará uma mulher,
lamentando por seu amante demoníaco!

Coleridge

A carta dezoito apresenta-nos uma paisagem desolada, aterradora, aterradora vista à


luz escura da lua (fig. 74). À nossa frente, nas á guas turvas, um lagostim com as pinças
estendidas parece bloquear-nos o caminho. Fora da á gua (talvez um lago) dois cachorros
ladram furiosamente, guardando o acesso à s duas torres douradas que marcam a entrada
da Cidade Eterna , destino do heró i.

Como na Estrela, o heró i nã o aparece na folha. Seu ego intelectual ainda está submerso
e, se isso é possível, ele caiu ainda mais na depressã o, pois nenhuma figura humana aparece
para ajudá -lo a sair da escuridã o. Psicologicamente, isso significa que você perdeu contato
com qualquer aspecto de seu pró prio ser humano. Submerso agora nos níveis do reino
animal, ele está tã o imerso no inconsciente aquá tico quanto o lagostim pré-histó rico
aprisionado na lagoa. Nenhuma mã o se estende para ajudá -lo, nenhuma estrela ilumina seu
céu. Este é o momento mais sombrio da sua viagem.

Parece que ele está perdido no vasto deserto cujas areias amarelas se estendem em
todas as direçõ es, onde nem mesmo á rvores ou arbustos podem viver. Para confirmar o
que foi dito, duas plantas douradas muito pequenas aparecem desenhadas ao longe, mas
nã o sã o verdes como apareceriam na natureza, talvez indicando que devem ser vistas mais
simbolicamente do que literalmente. Sua cor dourada lembra as flores douradas da
imortalidade, aquele precioso prêmio tradicionalmente oferecido aos heró is das antigas
mitologias. O fato de essas duas plantas existirem na realidade ou serem apenas uma visã o
é inacessível para nó s no momento. Nosso heró i nã o os alcançará até que tenha
atravessado a á gua e passado entre os dois cachorros latindo.

Ver dois andares, dois cachorros e duas torres reitera a "paridade" que, como já
observamos, marca o advento de novos conteú dos que emergem pela primeira vez do
inconsciente. A terra além da á gua é uma terra desconhecida, um país até entã o
inexplorado. Caminhar por este lugar de terrores abismais e promessas sem fim requer
muita coragem. Essa transiçã o que o heró i deve enfrentar agora deve passar nua e sozinha.
Deixando para trá s o mundo familiar, ele deve se aventurar à s cegas e sem nenhuma
segurança para alcançar as torres que o acenam ao longe.

O heró i nã o pode voltar atrá s. Expulso da torre mundana das ideias convencionais,
despojado da Estrela, ele se encontra entre dois mundos, numa espécie de terra de
ninguém, sem nenhuma ponte à vista para facilitar sua jornada. Ele é um refugo da
civilizaçã o, isto é, de toda a humanidade. Como um animal, você pode se submeter ao seu
destino, confiando que seus instintos animais o ajudarã o.

É preciso coragem e fé para agir como Abraã o: afaste-se "do seu povo, dos seus entes
queridos, da sua casa, em busca da terra à qual eu o conduzirei" (Gn 12-1). Nosso heró i
precisa de ainda mais fé, pois nã o consegue ouvir a voz do Senhor. Sua ú nica esperança está
no confronto com a lua negra cercada por um arco-íris, símbolo da esperança. Como faz a
lua quando renasce da escuridã o para brilhar novamente, ele se transformará para
renascer da noite do terror. Encontramos outros acidentes no céu que nã o sã o propícios,
pois as gotas multicoloridas que aparecem (ao contrá rio do maná que caiu do céu na terra
para alimentar os habitantes da torre) sã o direcionadas da terra para o céu. É como se a
Deusa da Lua , como uma mã e devoradora, chamasse para si toda a energia criativa da
terra, deixando-a desolada e vazia. O heró i sente-se despojado, hipnotizado pelo caranguejo
que espreita nas á guas pantanosas do fosso.
Para o heró i, este é o momento da verdade, um momento de terror e medo. A
experiência deste momento é conhecida por todos aqueles que fizeram a jornada de auto-
realizaçã o. Os místicos a chamavam de " a noite negra da alma ". Nos mitos e lendas
aparece como « a viagem pelo mar escuro ». É lá que tradicionalmente o heró i, como Jonas
no ventre da baleia, tem que sobreviver ao monstro que pode devorar sua consciência e
mantê-lo cativo. Em termos psicoló gicos, isso simboliza sua vitó ria sobre os aspectos
consumistas do inconsciente, que absorveriam sua consciência, resultando em psicose.

Na Lua, a atraçã o regressiva da Mã e Natureza é simbolizada pelo lagostim que vive nas
profundezas e anda de costas, pelo uivo dos cachorros e pela pró pria lua, que parecem
sugar as energias do heró i, deixando-o totalmente enfraquecido para qualquer açã o que ele
propõ e.

A Deusa da Lua é uma bruxa e, por sua vez, enfeitiça. Como Luna pode tornar um ser "
lunático ". Como Circe , sua magia pode transformar homens em porcos, e como Medusa ,
seu olhar hipnó tico pode paralisar a vontade.

Nã o devemos esquecer que Ártemis , a benigna deusa da lua, é prima e companheira de


Hécate , a bruxa negra das estradas cujos cã es selvagens podem, depois de despedaçar o
heró i, mandá -lo furioso e espumando pela boca para a noite perpétua. Tal confronto pode
significar a morte espiritual ou anunciar o renascimento. Somente nas regiõ es de maior
terror o tesouro dourado pode ser encontrado.

O motivo dos cã es como guardiõ es do mundo inferior sempre foi conhecido. A entrada
para o mundo védico , para o reino de Yama , era guardada por dois cã es. Também na
mitologia grega, a entrada para as regiõ es infernais era guardada pelo Cérbero , o cã o de
três cabeças. Tradicionalmente, o heró i nã o deve matar o animal, ele tem que encontrar
outras formas de entrar em acordo com seu lado instintivo para continuar sua busca. Orfeu
conseguiu colocar o Cerberus para dormir com a ajuda de sua lira. A Sibila que conduziu
Enéias pelo inferno colocou o cachorro para dormir com um biscoito misturado com mel e
papoula. Hércules subjugou a besta com as pró prias mã os e, segundo a lenda, levou o
Cerberus de volta com ele para o mundo superior. Psicologicamente, esse mito parece nos
dizer que o heró i (em busca de individuação ) nã o pode passar do mundo dirigido pelo ego
para o mundo do eu imortal , até que tenha conquistado seu lado instintivo , trazendo-o
para a consciência. A natureza animal do heró i, ignorada ou reprimida, pode se voltar
contra ele, destruindo sua consciência de seu crescimento. Ele nã o deve destruir a besta,
pois vai precisar de sua energia e ajuda para seguir em frente, em direçã o à Cidade Eterna ,
cujos portõ es ele guarda com tanto ciú me. Ele sabe que deve fazer mais do que domar as
feras; Você deve se tornar amigo deles. Os cã es de guarda de Deus nã o podem ser
enganados. Talvez se ele pudesse encontrar uma maneira de se aproximar deles, seus olhos
brilhantes o guiariam pela noite escura até as torres douradas.
Enquanto o nosso heró i do Tarot se deixa atrair pelo encanto da paisagem lunar, o
uivo dos cã es parece menos temível. Talvez eles estejam apenas latindo para a lua. Ele
começa a sentir simpatia por esses dois cachorros, presos, como ele, sob o feitiço da Deusa
da Noite. Agora seus latidos nã o parecem assustá -lo, mas começam a soar em seus ouvidos
como pedidos de ajuda. O que acontece com ele: assim como ele precisa da ajuda de seu
lado instintivo para atingir a meta, eles parecem carecer da ajuda de sua consciência
superior para serem livres.

Descer à s profundezas significa estar desprovido da orientaçã o diurna do tempo.


Nesta condiçã o, descrita por algumas culturas primitivas como " perda da alma ", a pessoa
pode ser guiada e finalmente salva apenas por meio do conhecimento instintivo; encontra-
se degradado à sabedoria primitiva do corpo. Como " o melhor amigo do homem ", o
cachorro simboliza essa sabedoria instintiva de uma forma que agrada ao homem.

A ideia de que o cã o e o homem têm uma simpatia subconsciente é conhecida desde os


tempos antigos. Em A Odisséia nos é dito que Ulisses tinha um cachorro chamado Argos ,
que foi o ú nico ser no mundo que o reconheceu quando voltou de sua longa jornada.
Embora Ulises tenha chegado disfarçado e envelhecido, seu cã o conseguiu, através do
olfato, detectar a verdadeira essência de seu mestre. O cachorro nã o pode ser enganado por
uma pessoa se passando por outra; ao farejar tudo o que nã o pertence à nossa natureza,
torna-nos fiéis a nó s pró prios, pelo que, com gratidã o, damos um novo sentido à sua " vida
canina ".

Como vimos, os alquimistas acreditavam que era tarefa do homem redimir a natureza.
Eles sentiram que a Criação estava incompleta e que o homem deveria terminar o trabalho
que a natureza havia deixado pela metade. Eles também sentiram que deveriam liberar nã o
apenas a natureza bestial interna, mas também os animais que estavam na realidade
externa e que aguardavam sua redençã o. Para os alquimistas, até os objetos inanimados
clamavam ao homem para reconhecê-los e salvá -los. Nas Elegias de Duino , Rilke expressou
uma ideia semelhante:

«Estas coisas que vivem partindo, compreendem quando as elogiamos: voando,


procuram ser resgatadas através de algo que está em nós, o mais fugaz de tudo.
Eles querem que nós os mudemos totalmente, dentro de nossos corações invisíveis
para – finalmente! – nós mesmos, quem quer que sejamos. “Terra: é isso que você
quer, um renascimento invisível em nós? Não é seu sonho se tornar invisível um dia?
Terra invisível! Qual é a tua vontade mais imperiosa senão a transformação?» 107
Agora o heró i olha para o caranguejo com mais calma, vendo-o com os novos olhos de
seu eu primitivo e noturno. Esta criatura a está impedindo de continuar em seu caminho,
ou ela também está buscando redençã o? Ao contrá rio da Mãe Caranguejo que um dia quis
lançar Hércules nas á guas, este lagostim parece estar chegando à margem oposta. O heró i
vê essa criatura como um ser viajante que busca, como ele mesmo, sair da á gua e da lama.
Ele sente que o lagostim, cuja armadura o protegeu de qualquer mudança ao longo dos
séculos, pode estar pronto para se livrar de sua incô moda casca e subir a escada da
evoluçã o, como outras criaturas fizeram.

Mas ao contemplá -lo, o heró i percebe que isso é impossível. O peso dos séculos é
demais para esta pequena criatura. O tempo e também sua carapaça pesada o mandam de
volta, rumo à s á guas. Suas pinças nã o encontrarã o lugar para pousar na areia. Observando
a luta incansá vel do caranguejo, o heró i começará a sentir simpatia por essa pobre criatura,
que, como ele, é ambivalente: tem antenas e braços, que ergue em direçã o à Cidade Eterna,
mas ao mesmo tempo tem armadura . que resiste a qualquer mudança.

Ao contrá rio do homem, cujo corpo está exposto à s intempéries, sujeito a mudanças, o
caranguejo protege sua carne tenra com uma armadura tã o forte que sua forma permanece
intacta desde os tempos pré-histó ricos. Parece até exibir orgulhosamente seu esqueleto,
como se em testemunho mudo quisesse nos contar sobre a estrutura duradoura subjacente
a toda a vida. Observando esse fato, o heró i sente que talvez seja o destino ú nico do
caranguejo permanecer para sempre preso nos golfos para testemunhar aos caminhantes
como ele que existe uma estabilidade bá sica por trá s de toda a vida, sem a qual a inovaçã o
criativa seria impossível.

Como se em resposta à s reflexõ es silenciosas do heró i, a pequena criatura parece


começar a emitir um brilho incandescente. Aprisionada e com suas cores brilhantes contra
o azul da á gua, ela brilha como um símbolo de transcendência. O caranguejo, fiel a si
mesmo através dos séculos, agora aparece diante do heró i como um símbolo de sua pró pria
essência indestrutível. Por meio da empatia com o caranguejo, ele passa a se sentir ligado
ao seu sangue-frio pré-histó rico e ao seu futuro, que se manifestará nas geraçõ es futuras.
Através desta criatura das profundezas, o heró i se sentirá ligado aos imortais. Ele deve
reunir coragem para continuar em sua busca, sabendo que nunca mais caminhará sozinho:
a partir de agora, os deuses estarã o com ele.

Para os povos primitivos, as criaturas de sangue frio muitas vezes simbolizavam a


imortalidade e eram adoradas como deuses. O escaravelho egípcio é um símbolo disso.
Outro exemplo foi a lagosta dourada, amuleto da Costa Rica, que vemos na figura 75. Parece
carregada da mesma intensidade numinosa evocada pelo caranguejo no Tarô .
O caranguejo, longe de impedir o caminho do heró i, parece agora uma rocha está vel
que pode sustentar sua fé, um suporte que pode ajudá -lo a atravessar essas á guas
perigosas. Veja sua pesquisa sob uma nova luz. Já nã o se preocupa apenas com a sua
pró pria salvaçã o, mas vive o seu caminho como uma missã o sagrada, uma obra que lhe foi
confiada pela natureza. Ele vê a evoluçã o do homem em direçã o à consciência como um
aspecto inacabado da criaçã o; algo que a natureza deixou para ele completar. Sua jornada e
seus medos agora assumem um novo significado.

Fig. 75 Lagosta dourada (Banco Central da Costa Rica, San José, Costa Rica)

Enquanto o heró i medita, o caranguejo sobe à superfície da á gua; rígido e imó vel,
oferece abertamente as costas para ele pisar, incitando-o a continuar avançando. O heró i
começa a se sentir de alguma forma confirmado. Ele está confiante de que com a ajuda
deste velho amigo reencontrado ele pode chegar à outra margem, levando em seu coraçã o
o " desejo invisível de renascer " que esta criatura e toda a natureza anseiam.

Agora nem a lua escura a assusta, pois ela se lembra de uma lenda que diz que todas as
noites a Lua reú ne ao seu redor todas as memó rias desencarnadas e sonhos esquecidos da
humanidade, guardando-os em sua taça de prata até o amanhecer. A histó ria continua
dizendo que, ao raiar do dia, todos esses sonhos esquecidos e memó rias perdidas sã o
devolvidos à terra na forma de orvalho. Misturado com as lacrimae lunae , " as lágrimas da
lua ", este orvalho nutre e refresca toda a vida na terra. Com a ajuda compassiva da Deusa
da Lua , nada de valor é perdido para o homem.
Vistas sob essa luz, as gotas multicoloridas nã o sugam sua energia, mas oferecem a
esperança de um novo alimento. O colar iridescente que emoldura a Lua lembra-lhe o
Louco, cujo rosto pensativo parece revelar-se escondido na escuridã o do seu disco. Parece-
lhe que até o bobo da corte, aquele amiguinho de Deus, o observa. Com a ajuda das costas
duras do caranguejo, ele está prestes a dar o salto em direçã o à nova costa desconhecida.

Nosso heró i levou muito tempo para se preparar para essa transiçã o. Quando nos
deparamos com esta carta, todos nó s temos a mesma dificuldade em encontrar o caminho
que nos leva a fazê-lo. A princípio, a pessoa se sente assustada, hipnotizada e imó vel. Ele
nã o consegue se conectar com nenhuma dessas figuras e nã o consegue ver nenhuma
maneira de atravessar a á gua. Como o heró i, a pessoa se sente deprimida e tentada a
recuar. As torres douradas sã o muito atraentes, dá vontade de avançar para descobrir o
que está por trá s delas. Nã o há retorno possível. O caminho leva claramente para a frente.

Fig. 76 A Lua

Em alguns baralhos de Tarô esse caminho é traçado de forma mais clara, definida e
limpa, dando a impressã o de que outros já o cruzaram (fig. 76). Até o caranguejo é menos
assustador, nã o aparece mais à espreita do fundo da á gua com alguma intençã o sombria,
mas já está ganhando a margem oposta. Esta carta também tem outras diferenças
significativas: os dois animais que podemos ver nas cartas de Marselha sã o dois cachorros,
enquanto no Tarô de Hall um é um lobo preto e o outro é um cachorro de pelo claro; este
ú ltimo ainda usa coleira, indicando que foi cuidadosamente domesticado. Parece estar nos
dizendo que nosso caminho está entre essas duas margens instintivas e que devemos
manter contato com a fera dentro de nó s, assim como com o animal domesticado, sem nos
identificarmos com nenhum deles. Regredir ao nível do lobo uivante leva à loucura, mas,
por outro lado, tornar-se totalmente domesticado, acorrentado e com coleira pode
significar distorcer e violar nosso lado instintivo. Somente mantendo contato com ambas as
tendências animais podemos avançar no caminho.

O motivo da distinçã o entre os opostos também se reflete nas duas torres, pois aqui a
da esquerda é levemente colorida e a da direita é escura. Talvez isso simbolize a
relatividade de todas as oposiçõ es quando se conseguiu atravessar a á gua e enfrentar os
instintos uivantes. Além do caminho, Hall desenha uma pequena figura: parece que o heró i
conseguiu atravessar, lidar com os cã es com sucesso e já está no caminho. Com muita
intençã o, Hall nos mostra as lá grimas da lua caindo em direçã o à terra, porque a noite
escura já passou. A aurora se aproxima e, no canto superior direito da carta, a taça da lua
aparece sobre um escudo.

Poderíamos dizer que a carta de Marselha e a carta de Hall se complementam. Na de


Marselha estamos à beira da " Noite Negra da Alma ", e na carta de Hall a escuridã o ficou
para trá s: já atravessamos. No grá fico de Hall, o caranguejo é colorido de vermelho, de
forma bastante realista. Apesar de sua armadura antiga, ele nos parece alguém familiar,
cuja forma estranha nã o teme nossa faca e cuja carne inocente muitas vezes ilumina nossas
mesas. A lua de Hall, por sua vez, nã o lembra mais Hécate , parece mansa, até benevolente.

Em contraste, o caranguejo na carta de Marselha surge ameaçadoramente fora da á gua


como um animal mitoló gico, tã o antigo quanto o tempo. Sua casa é a á gua suja onde
continuará a se multiplicar sob a lua escura durante as horas assombradas da noite. Apenas
o baralho de Marselha nos oferece a desesperança da depressã o e, ao mesmo tempo, seu
cará ter numinoso.

Como Ártemis , a Lua de Marselha nã o compartilha seus segredos. Na verdade, ela


estava tã o relutante em que seu retrato aparecesse na carta que ele começou a desaparecer
antes que o artista pudesse terminar de pintá -lo. Acho muito difícil lidar com ela. Quando
me deparei com esta carta pela primeira vez, fiquei maravilhado. Nenhuma pesquisa sobre
caranguejos, cachorros, torres ou luas me colocou em contato com ela. Um dia, finalmente,
ignorando as anotaçõ es e notas que havia coletado sobre eles, simplesmente deixei minha
imaginaçã o brincar com esses símbolos e saiu o seguinte poema:

É a escuridão da lua. Tempo de mistério, maravilha e terror. É a hora assombrada


em que Hecate assusta os caminhantes e seus cães vigiam uivando. Nenhum deus é
visto, nenhum ser humano. Estamos perdidos até nós mesmos. No fundo da água
espreita o caranguejo com os anzóis abertos. Ousamos cruzar, ou essa criatura
monstruosa nos alcançará e nos puxará de volta? A lua nos observa lá de cima,
silenciosa. Que máscara ele está usando? Talvez seja o do Louco, já que ele usa um
colar com as cores do arco-íris igual ao do nosso bobo da corte, lembrando-nos assim
que a lua está relacionada ao bem-estar do homem. Ao amanhecer, ela chorará suas
lágrimas, que, com seus poderes mágicos, irão nutrir e curar. A Deusa da Lua da
Noite Terrível também é a doadora de sonhos, a reveladora de mistérios ocultos.

O caranguejo é realmente nosso inimigo? Talvez ele também esteja lutando para
alcançar as torres distantes. Quanto se parece com aquele esqueleto da Morte! Ele veste os
ossos por fora, como uma armadura que protege sua carne interna de qualquer mudança. E
com que sucesso! Este caranguejo, como o besouro egípcio, é uma criatura exatamente
como seu avô , seu bisavô , seu bisavô , seu ancestral de dez mil anos atrá s.

Como o besouro, é imortal. Você pode ver como ele brilha sob a fosforescência da lua.
Uma revelaçã o... Agora, o terror se dissolve na dor, a criatura nã o nos ameaça mais. Como
uma mosca imobilizada no â mbar, jaz embutida na á gua azul, como a á guia do escudo real,
lembrando o escorpiã o desenfreado. Seus ganchos se erguem para abraçar a lua, o sempre
mutá vel, o imutá vel. De pé, cumprimente o homem na lua. O Louco, l'ami de Dieu , o amigo
de Deus e nosso amigo.

Agora, finalmente, os cã es parecem calmos. Sua sede de sangue será aplacada pelas
lá grimas da lua. O caranguejo oferece as costas para que nos apoiemos nele para dar o
passo. Venham, amigos, vamos dar as mã os, vamos ser encorajados. É agora ou nunca.
Avançar! Ouse ou morra!

O Louco agora sorri de fora da imagem; tem feito o seu trabalho. Na escuridã o da lua, o
sol se prepara para nascer.

Cito essa imaginaçã o ativa como ela veio à mente; todo o capítulo saiu disso. Assim
como o intelecto é inú til ao lidar com a depressã o na vida real, também é inú til ao enfrentar
a escuridã o desta carta. Somente com a visã o interior intuitiva pode-se descobrir a
iluminaçã o nas profundezas. Como Jung tã o apropriadamente disse:

"A iluminação não é alcançada imaginando figuras de luz, mas tornando a escuridão
consciente."

Tendo atravessado as á guas da Lua, façamos uma pausa para relacioná -la com o
Imperador e a Força, que sã o as cartas colocadas acima dela, em nosso Mapa de Viagem.
Como já dissemos, o Imperador representa a civilizaçã o, a ordem do logos que o homem
consegue impor à natureza primitiva. A Força representa a cultura, uma forma mais
individual e feminina de lidar com a natureza. A Lua representa a pró pria Natureza, em
cujo aparente caos existe uma ordem muito diferente daquela imposta pelo padrã o
masculino de categorias conscientes. Sua iluminaçã o difusa nos revela muitos aspectos da
realidade que nã o sã o visíveis à luz do sol, da consciência.

Ao contrá rio do sol, que é brilhante, seguro e quente, a lua é pá lida, inconstante e fria.
Portanto, com a ajuda de sua luz podemos ver sombras até entã o desconhecidas. Enquanto
à luz do sol os objetos aparecem nitidamente delineados como entidades separadas e
margens nítidas, sob o brilho pá lido da lua essas classificaçõ es feitas pelo homem
desaparecem, oferecendo-nos uma nova experiência de nó s mesmos, bem como de nosso
mundo. Transformado pela magia da lua, um arbusto pode se tornar um urso, um tigre,
uma pedra, uma casa ou até mesmo um ser humano. É assustador ver nosso mundo
compartimentado se dissolver e desaparecer sob a influência do luar; mas assim que
nossos olhos se acostumam com sua luz, esse medo se transforma em admiraçã o e
admiraçã o.

Simbolicamente, assim como na realidade mais crua, a Lua nã o se revela à curiosidade


intelectual do homem: mantém sempre uma face oculta à visã o da terra. Geraçõ es de
homens ficaram intrigados com sua modéstia virginal. A Figura 77 nos mostra uma versã o
da Lua do século XV. Uma figura moná stica, talvez um alquimista, com a ajuda de uma
mulher, tenta em vã o captar o mistério da lua com a ajuda de uma bú ssola e algumas
equaçõ es, mas a lua o escapa. Ele ainda flutua serenamente acima das nuvens, longe do
alcance de seu instrumento afiado e de seu intelecto.

Hoje, o homem moderno disparou suas naves espaciais através das nuvens para
pousar no outro lado da lua impunemente. Tentativa vã , pois o segredo de seu brilho
interno ainda está oculto. Os homens do espaço nã o trouxeram de lá nenhum raio má gico
para iluminar nossos sonhos e maravilhar nossos filhos. Eles nã o estabeleceram uma nova
colô nia para os filhos da lua. Abandonaram-no, trazendo consigo apenas um saco cheio de
pedras, deixando para trá s, na superfície virginal, a marca do homem moderno... um parque
de estacionamento.

Nã o é à toa que a Lua oferece ao homem apenas sua má scara de bruxa esburacada e
lhe oferece um lugar inó spito. Você tem motivos para recusar qualquer abordagem; Ele
teme, com razã o, que o homem envenene sua natureza, como sempre fez com a Mã e Terra,
explorando-a e maltratando-a.

A Lua Virgem nã o é dada a nenhum homem. Sua essência é a reflexã o. É importante


pensar que o ú nico presente de valor que o astronauta trouxe de volta à Terra foi a incrível
nova imagem da pró pria Terra, uma fotografia deslumbrante do nosso planeta, flutuando
como um grande balã o nos céus (fig. 78). Um poeta italiano, Guiseppe Ungaretti , registrou
brevemente esta experiência:

O que você está fazendo, Terra, no céu?


Diga-me, o que você está fazendo, Silent Land? 108

Fig. 78 A Terra (Fotografia da NASA)

É como se a lua, em sua linguagem serena, desafiasse a temeridade do homem no céu


tempestuoso e, ao mesmo tempo, o orientasse a buscar o céu em seu próprio planeta, até
dentro de si mesmo. « Procura na tua própria terra a resposta a esta pergunta inquieta »,
parece dizer-nos. « Por que o homem aspiraria conquistar as regiões superiores, quando
ainda não resolveu os problemas ecológicos da terra? Por que o homem ousa revelar os
mistérios do céu, quando ainda não descobriu os segredos de sua própria geografia interior?
».

Parece que essas cartas do Tarô também nos faziam essas perguntas, já que a carta
que está entre o Imperador e a Lua é a Força, que vimos se movendo em harmonia com seu
leã o. Sugere que o véu que esconde a natureza nã o pode ser perfurado por navios de aço,
nem seu coraçã o perfurado por lanças. Os segredos da natureza, parece-nos dizer, só nos
serã o revelados através do contacto íntimo de mã os suaves e de um coraçã o compreensivo.
A mensagem da Força foi lindamente ilustrada na fotografia do astronauta de nossa Terra.
Ao refletir sobre ela, podemos nos reconectar com os valores perdidos que a Deusa da Lua
guardou fielmente para nó s por tanto tempo.

Em nosso Mapa de Viagem, o Louco, posicionado livremente no topo da linha vertical,


na Lua, parece observá -la. Ele e seu cachorrinho já fizeram amizade com os cachorros
uivantes e aprenderam os segredos da Lua, pois o Louco é o pró prio filho da Lua, uma
criatura ambígua com todas as possibilidades do arco-íris e certa tendência à loucura.
Alguns até dizem que o Louco é o amante da Lua. Aquele homem indescritível da Lua!
22. O SOL:
CENTRO RADIANTE

Fig. 79 O Sol (Marseillaise Tarot)


Nem confuso nem vermelho, como a cabeça de
Deus, o glorioso sol nasceu.

Coleridge

Eis o sol! A depressã o negra da carta anterior já havia desaparecido. O caranguejo


ameaçador e os cachorros uivantes também desapareceram. Agora o Sol aparece em toda a
sua gló ria, protegendo e abençoando as duas crianças que brincam (fig. 79). Ele tem um
rosto humano benevolente, semelhante ao retratado nos manuscritos alquimistas, onde
personificava a " compreensão dourada ". O Sol do Tarô possui algumas características
humanas, com as quais o homem pode estabelecer uma relaçã o consciente. A razã o dessa
relaçã o humana é sublinhada pelas duas crianças brincando juntas amigavelmente.

Já nos afastamos da obscura complexidade da paisagem impessoal da lua, em direçã o


ao mundo simples da infâ ncia solar, onde a vida nã o é mais um desafio, mas sim uma
experiência a ser desfrutada. É um mundo de brincadeiras inocentes, onde podemos
recuperar a espontaneidade perdida que nos é inerente. Podemos redescobrir a harmonia
interior que sentíamos quando crianças diante das diferenças que nos assustavam e nos
separavam de nó s mesmos e dos outros. Este é o mundo de Songs of Innocence de Blake,
onde o cordeiro e o tigre se moviam em harmonia e onde podíamos ver o mundo com olhos
novos e curiosos.

Alan McGlashan, em seu livro The Wild and Beautiful Country , chama essa á rea de
vivência de " clima de encantamento ". Na seguinte passagem ele explica como entrar neste
jardim ensolarado:

«O encanto é um segredo e o segredo é este: crescer devagar e ouvir; pare de pensar,


pare de se mover, quase pare de respirar; criar uma quietude interior na qual, como
um rato em uma casa desabitada, aptidões e alertas possam facilmente emergir para
o uso diário. Vamos acolhê-los como filhos perdidos da raça humana. Demos-lhes
carinho e atenção, pois foram enfraquecidos por séculos de abandono. Em
compensação, abrir-nos-ão os olhos para um mundo novo, dentro do mundo
conhecido, darão-nos a mão, como fazem as crianças, para nos conduzir para onde
sempre nasce a vida, onde sempre amanhece o dia.» 109

McGlashan descreve perfeitamente o estado interior representado pelo Sol,


lembrando-nos, assim como o pró prio Tarô , que esse "clima de encantamento" nã o é de
algum país distante que encontraremos nos céus, mas simplesmente uma nova maneira de
vivenciar o mundo conhecido. . Chegamos a esse jardim secreto, nã o por intelectualismo
estéril, mas por brincadeiras imaginativas. Quando este novo sol nasce dentro de nó s, ele
faz com que todo o espectro da realidade externa brilhe para nó s como nunca antes. Na
Lua, o heró i do Tarô que começou a se conectar com sua " criança " interior, aqui ele o faz
de forma mais consciente.

No Processo Criativo mencionado acima , muitos cientistas, escritores e artistas,


incluindo Einstein, Jung, Yeats e Henry Moore , contam como chegaram a seus insights mais
profundos por meio de simples trocadilhos, ideias ou imagens. Como agradecimento pela
colaboraçã o no aprofundamento da criatividade, atualmente os psicó logos utilizam os
jogos como técnica de terapia analítica. Dora Kalff, analista junguiana, descreve esse
método em seu livro Sand Games 110 Nele, ela explica que dá ao sujeito analisado uma caixa
cheia de areia, á gua e uma dezena de bonecos (miniaturas de pessoas, casas, animais,
pá ssaros , e veículos), com os quais você pode criar um novo mundo. Um elemento
importante nesse tratamento é o tamanho da caixa de areia, que define uma á rea limitada,
mas livre, dentro da qual o analisando pode deixar que aspectos nã o desenvolvidos de sua
infâ ncia brinquem livremente, sem medo de danos ou censura. O jardim cercado do Sol cria
um tipo semelhante de recinto — um temenos sagrado — um lugar sagrado onde tudo o
que é escuro e oculto pode ser trazido à luz. Somente dentro de um lugar sagrado como
este os instintos opostos (anteriormente representados como animais uivantes) podem vir
à tona, transformados em crianças nuas.
As crianças geralmente representam a funçã o inferior, infantil e subdesenvolvida mais
pró xima da natureza. Por meio dessa funçã o inferior que permaneceu espontâ nea, natural
e pró xima do inconsciente, essa renovaçã o pode chegar até nó s. Uma boa maneira de se
relacionar com esse lado inferior é por meio da brincadeira. Marie Louise von Franz
comenta sobre isso da seguinte forma:

«Você não pode organizar a função inferior. É extremamente caro e demorado. Por
isso é uma cruz em nossas vidas, sendo tão ineficaz se tentarmos agir por meio dela.
Temos que dar muitos domingos e muitas tardes da nossa vida, e pode não aparecer
nada, mas a função inferior ganha vida... Acredito que ninguém pode realmente
desenvolver a função inferior, antes de criar o temenos, ou seja, o lugar sagrado, o
lugar escondido onde posso agir.» 111

As crianças simbolizam algo recém-nascido, vital, experimental, primitivo e completo.


As crianças nã o têm consciência de si mesmas; quando alguém está consciente de si
mesmo, está cheio de dú vidas, dividido. Você também sente que cada açã o que realiza está
sendo observada e avaliada por um crítico severo e, embora tenha a tendência de projetar
essa voz crítica nas pessoas ao seu redor, o fato é que ela reside, pelo menos em parte,
dentro de si. É o censor interno que examina cada açã o e palavra, matando toda a
criatividade espontâ nea.

As crianças desta carta do Tarô jogam umas com as outras de forma livre e natural.
Cada um deles está em harmonia consigo mesmo, move-se em harmonia com seu parceiro
e com toda a natureza. Cada um se aproxima do outro sem medo de ser rejeitado e, como
cada gesto surge espontaneamente do coraçã o, nã o é rejeitado nem mal interpretado.
Poderíamos contrastar, por exemplo, essas duas figuras humanas com as subumanas
representadas na décima quinta carta como discípulos do Diabo. Ali, os dois perpetuamente
borrados se distanciam, assumindo uma postura rígida. Nã o se atrevem a fazer o menor
movimento espontâ neo para nã o quebrar a imagem, mostrando as longas caudas que
decidiram ignorar. Os filhos do Sol nã o têm nada a esconder, brincam livremente entre si
como dois cachorrinhos.

Somos instintivamente atraídos por crianças, pois elas simbolizam a pró pria natureza.
Quando você olha nos olhos de uma criança, você se reconecta com a inocência e a pureza
de sua pró pria natureza bá sica. A criança simboliza o arquétipo do eu, a força motriz
central da psique humana com a qual estamos sintonizados quando crianças. À medida que
o ego se desenvolve, optamos por nos afastar dessa identificaçã o com a natureza
inconsciente, muitas vezes perdendo contato com ela ao fazê-lo. A primeira metade da vida
é geralmente uma jornada do ego, um está gio necessá rio de desenvolvimento em nossa
cultura ocidental. Quando finalmente deixamos nossa marca no mundo e nosso sol está no
zênite, podemos nos voltar para dentro para reencontrar a criança que perdemos e
reencontrá -la de maneira mais consciente, curando-nos assim do estado de alienaçã o
interna imposto pela civilizaçã o . O Sol representa a reconexã o do heró i com o lado perdido
de si mesmo, o que lhe dará a experiência direta da iluminaçã o celestial e da vida
transcendente.

Em seu ensaio « A Psicologia do Arquétipo da Criança », Jung fala da « Criança Eterna »


da seguinte forma:

«É ambos ao mesmo tempo: começo e fim, uma criatura inicial e uma criatura
terminal. Existia antes que o homem existisse, e a criatura terminal existirá quando o
homem não existir mais. Psicologicamente falando, isso significa que a "criança"
simboliza a essência pré-consciente e pós-consciente do homem. A essência pré-
consciente é o estado inconsciente da primeira infância; a essência pós-consciente é
uma antecipação por analogia da vida após a morte. Nessa ideia, expressa-se a
natureza que abrange a totalidade da psique. ... A "criança eterna" é no homem uma
experiência indescritível, uma incoerência, uma deficiência e uma prerrogativa
divina...» 112

Como Jung indica claramente, a " criança eterna ", sendo uma imagem arquetípica,
abrange muitos opostos. A sua apariçã o no nosso Tarot poderia simbolizar uma regressã o
ao « estado inconsciente da primeira infância », onde o ego está contido, imaturo e
dependente; ou também pode representar a " natureza de amplo alcance da psique " de um
ego maduro que se relaciona naturalmente com o self . Em primeiro lugar, poderíamos
representar o estado psicoló gico do heró i como " infantil " e depois o veríamos " como uma
criança ". Mas essa figura do Tarô nos oferece algumas pistas de que o heró i nã o corre o
risco de regredir ao comportamento infantil. As crianças brincam em uma á rea cercada,
garantindo assim que quaisquer visõ es que possam ter nã o se espalhem ou sejam abafadas
por qualquer invasã o do inconsciente. Aos pés das crianças jazem duas pepitas de ouro que
nos lembram a pedra filosofal , aquela essência indestrutível que foi a mais desejada na
Grande Obra dos alquimistas. (Na carta anterior, essa preciosa substâ ncia foi representada
como duas plantas gêmeas douradas que se derreteram sob o calor do sol.) Por fim, o
arquétipo da criança é apresentado como dois filhos: um menino e uma menina, símbolo de
opostos harmônicos , de interação criativa .

O menino mais forte à nossa esquerda, assim como a figura esguia à nossa direita, sã o
de sexos opostos; isso é sublinhado pelo fato de que seus sexos estã o escondidos por uma
tela. Acontece como com Adã o e Eva, cujos sexos foram igualmente escondidos sob as
folhas da videira. Essas telas nã o estã o ali por vergonha ou falsa modéstia, mas pela
descoberta de sua natureza individual e pelo reconhecimento da oposiçã o criativa como
mistérios sagrados, cuja essência deve ser protegida e preservada. Assim como Adã o e Eva,
esses gêmeos, já separados e saídos do É den que os abrigava, criarã o juntos um novo
mundo.

Em nossa série de Tarô , vimos as oposiçõ es representadas muitas vezes. Traçamos sua
evoluçã o a partir das colunas gêmeas dos dois padres, vimos mais tarde como dois cavalos,
os dois pratos da balança da Justiça, os dois animais da Roda da Fortuna, os jarros gêmeos
da Temperança e da Estrela. etc... Nunca antes os vimos representados como seres
humanos de sexos opostos, nus e frontais. Nunca antes observamos esses impulsos gêmeos
interagirem diretamente, em vez de por meio de outra figura (por exemplo, o papa ou anjo)
ou por meio de um objeto mecâ nico (um carrinho, roda ou balança). No Sol, pela primeira
vez, todos os opostos podem interagir diretamente e de forma humana (feminino-
masculino, espírito-carne, alma-corpo, etc...).

O motivo dos filhos gêmeos é familiar em mitos e lendas e frequentemente aparece em


nossos sonhos. Geralmente simboliza um potencial criativo de proporçõ es incomuns. Por
exemplo, Rômulo e Remo , irmã os gêmeos que foram os fundadores de Roma. Nos mitos
americanos, duas figuras gêmeas, uma representando os poderes celestiais e a outra as
forças do mundo inferior, aparecem como criadores conjuntos do mundo. Outro par de
gêmeos famosos da mitologia grega, Castor e Pólux , ainda pode ser visto em nossas noites,
pois foram imortalizados ao dar seus nomes a duas estrelas. Um desses irmã os representa
o homem e o outro seu oposto celestial. Cada vez que olhamos para eles, eles nos lembram
que cada um de nó s também é um " gêmeo ". Cada um tem um ego e cada um tem uma
figura que o acompanha, uma parte imortal, como costuma dizer a terminologia junguiana.
A consciência do outro aparece sempre com a força de uma revelaçã o. Em nosso Tarô esta
consciência aparece repentinamente, como um raio de sol.

Apesar de esta carta representar um momento de grande luz espiritual, é muito


significativo que seu significado se concretize em dois corpos físicos, representados de
forma terrena. Como diz um epigrama alquímico: « a mente deve aprender a ter um amor
compassivo pelo corpo ». Aqui, corpo e alma sã o representados como iguais, cada um
mostrando amor compassivo pelo outro com um gesto.

Sentir corpo e alma iguais e agir harmoniosamente um com o outro nã o é fá cil. Como já
vimos, nosso heró i só chegou a esse ponto depois de muitas voltas e reviravoltas. Em sua
jornada pelo Tarô , ele recapitulou o desenvolvimento psicoló gico do homem em nossa
cultura ocidental, desde a infâ ncia até a maturidade. Ao nascer, o espírito é identificado
com o corpo, enterrado como estava na carne. Para entender melhor, quando criança, é o
seu corpo; as necessidades da carne (fome, etc...) predominam, mas, à medida que a criança
cresce, as necessidades espirituais (de posses, identidade, significado) começam a aparecer.
Muitas vezes essas necessidades estã o em conflito com os instintos do corpo, entã o é
preciso separá -los para reconhecê-los e fazer uma escolha consciente. (Os santos, por
exemplo, jejuavam e negavam suas necessidades sexuais para " separar o espírito de seu
corpo ".) Toda vez que trabalhamos nossos sonhos, podemos pegar o espírito que jaz oculto
no inconsciente e destilar sua essência. Somente quando o espírito foi separado,
esclarecido e purificado, ele pode se juntar ao corpo de maneira mais consciente. Entã o, as
necessidades tanto do espírito quanto da carne, do Logos e do Eros , conscientes e
inconscientes , podem ser reconhecidas e relacionadas de forma a devolver a cada um o que
lhe pertence.

O motivo do hierosgamos , ou casamento místico dos opostos , é um simbolismo


alquímico bem conhecido. Muitas vezes é representado como duas crianças gêmeas, um par
de irmã os, abraçados nas á guas do inconsciente, como podemos ver na figura 80. Nessa
figura, o lugar sagrado ou temenos nã o é um jardim, como em nossa carta, mas um
recipiente alquímico que contém e protege a experiência, impedindo-a de transbordar para
a vida exterior. O fato de a hierosgâmica ser um evento interno, e nã o uma aliança sexual
externa, é enfatizado por sua natureza incestuosa. Psicologicamente, o incesto simboliza a
relaçã o da pessoa consigo mesma. Ocorre dentro da família psíquica da pessoa, por assim
dizer.

Naturalmente, tal experiência interior de unidade também transformará a relaçã o do


heró i com o mundo exterior. Se o hierosgamos for vivenciado e assimilado, você sairá dele
com um renovado senso de integridade, capaz de se relacionar de forma mais consciente e
criativa com sua mulher ou com seu amante. Mas se você projetar sua metade perdida em
outro ser humano, ela permanecerá incompleta para sempre.

A iluminaçã o quente do sol pode ser perigosa para os seres humanos. O criador dessas
cartas de Tarô usou cada uma das cores disponíveis para criar os raios multicoloridos do
Sol. Os raios sã o descritos como formas alternadas de á gua, lanças e ondas sinuosas que
representam o Criador nã o como inteiramente benéfico, mas também como a
personificaçã o dos opostos. Uma ideia semelhante também é expressa no Antigo
Testamento, onde o primeiro nome de Deus era "Elohim", um nome plural em
reconhecimento ao fato de que a divindade deve conter tanto o masculino quanto o
feminino. Em nosso Tarot, por trá s da aura multicolorida do sol vemos um colar de linhas
pretas que nos dã o uma ideia do calor energético das queimaduras solares. (Compare o
colar está tico usado pela Lua na carta anterior.) Como o preto é obtido pela combinaçã o de
todas as cores, essas listras pretas simbolizam a uniã o final de todas as forças opostas para
criar energia pura.
O sol é a fonte de toda a vida neste planeta. Recebemos sua energia diretamente por
meio de seus raios e indiretamente do carvã o e do gá s natural, que absorveram e
acumularam seu poder há milhares de séculos. Toda a energia do vento também vem
indiretamente do sol, pois é causada pelo aquecimento da superfície terrestre, quando o
calor do sol é derramado sobre ela.

Ao contrá rio do brilho da luz das estrelas, o sol parece cheio e constante; ao contrá rio
da lua, o sol nos mostra totalmente sua face. Sua influência em nossa vida terrena está
sempre presente. Assim como o eu é o centro de nosso céu interior, o sol é o centro em
torno do qual gira nosso sistema planetá rio. Todas as noites fechamos os olhos,
convencidos de que, enquanto nossa consciência dorme, o sol manterá nosso mundo
seguro em sua ó rbita. Nem mesmo na escuridã o da noite nos sentimos abandonados,
consolando-nos com a convicçã o de que, a partir deste momento, o sol começa a subir em
direçã o ao nosso horizonte, trazendo consigo um novo dia.

Muitos povos, principalmente os egípcios, os astecas e os incas, adoravam o sol como o


criador supremo. Nas culturas matriarcais, o sol é visto como feminino, um símbolo do
princípio protetor da mã e. Nas culturas patriarcais, o sol recebe atributos masculinos, mas
em todas as culturas o sol carrega o valor de um Ser central, com quem os humanos se
sentem intimamente conectados e por quem sentimos algo semelhante à responsabilidade
divina. Jung explica como os índios Pueblo, por exemplo, levantam-se todas as manhã s ao
raiar do dia para adorar o sol e ajudá -lo a nascer, nã o apenas para si mesmos, mas para o
mundo inteiro.

«Aquele que anda por aí (explicaram apontando para o sol) é o nosso Pai. Temos que
ajudar a cada dia a subir acima do horizonte para caminhar pelo Céu. Não estamos
fazendo isso apenas por nós mesmos, estamos fazendo isso pela América, pelo mundo
inteiro também. E se esses americanos interferirem em nossa religião, em seus
missionários, eles verão o que acontece. Em dez anos, o Pai Sol não nascerá mais, pois
não poderemos ajudá-lo a fazê-lo.» 113
Fig. 80 Gêmeos alquímicos em um recipiente

Esses índios perceberam que o homem ocidental havia destruído sua ligação íntima
com a natureza, em detrimento de ambos; humanidade e natureza. Quando a relação
do homem com a natureza é rompida, o mundo se torna tão estéril, escuro, frio e
desolado como se o sol realmente não tivesse nascido. Como disse Jung, "apenas a
vida simbólica pode expressar a necessidade da alma, a necessidade diária da alma,
tenha isso em mente". 114

Em nossa civilizaçã o judaico-cristã , rapidamente perdemos contato com a vida


simbó lica. Apenas uma vez por ano, no Domingo de Pá scoa, alguns crentes se reú nem no
topo de uma montanha para saudar o amanhecer, celebrando o nascer do sol como símbolo
da ressurreiçã o de Cristo.

Muitos de nó s, com ou sem referências religiosas ou científicas, privada ou


inconscientemente experimentamos o momento do nascer do sol como um mistério, uma
maravilha e uma promessa. Cada amanhecer o sol traz, com o novo dia, novo calor, nova luz
e novas oportunidades. Quando, fiel à sua promessa, o sol retorna todas as manhã s de sua
jornada pelo Oceano Negro, ele renova nossa fé em um cosmos ordenado. Quando o sol,
nascendo no céu, lança seus raios como os raios de uma roda, torna-se uma gigantesca
mandala, símbolo da ordem radial existente no inconsciente e na natureza. Observar a
grande roda do sol mover-se solenemente pelos céus transcende brevemente o tempo
linear de nossa existência cotidiana, com suas categorias de causa e efeito, e nos coloca em
contato com o mundo acausal dos arquétipos . Lá , os eventos nã o aparecem em sequências
consecutivas no “tempo”, eles parecem agrupados em torno de um centro, como os raios do
sol. Em momentos de intensa iluminaçã o é possível perceber um princípio de ordem, cujos
motivos nã o sã o lineares como os trilhos de um trem, mas radiais como os raios de uma
roda. Nesses momentos de conhecimento intenso, pensa-se que é uma coincidência
significativa e nã o a causa de algum efeito que atrai esse grupo de eventos, mantendo-os
unidos.

Apesar de o materialismo científico ter feito o possível para matar nossas conexõ es
espontâ neas com a roda do sol e de a névoa e a fumaça nos impedirem de vê-la, ainda assim
o sol, grande e redondo, caminha pelos céus. , permanecendo alto como um símbolo através
que podemos conectar com o nosso sol interior. A sua preocupaçã o com o bem-estar do
nosso planeta desperta em nó s um sentimento recíproco de responsabilidade e dedicaçã o à
parte transcendente de si mesmo que, para o homem, o sol simboliza desde o início dos
tempos.

Pode parecer estranho que uma entidade tã o presente e deslumbrante como o sol seja
um dos ú ltimos símbolos do eu a aparecer em nossa série de Tarot. Nas representaçõ es
alquímicas, também o splendor solis (como era chamado o sol) aparece como uma das
ú ltimas figuras da sequência pictó rica. Talvez uma explicaçã o seja que, para experimentar
plenamente o esplendor desse tipo de iluminaçã o, a pessoa deve ter previamente
construído um jardim murado ou temenos sagrado em sua psique para receber a luz. Caso
contrá rio, os raios do sol podem ser enfraquecidos, destruídos. Mas de todas as razõ es que
podem ser dadas para o " insight dourado " chegando ao nosso heró i tã o tarde em sua
jornada, a mais consistente é o ditado atribuído ao Buda, a saber:

"Todos os seres nascem iluminados, mas leva uma vida inteira para descobri-lo."

Como podemos esperar, o Sol, cujo nú mero dezenove pode ser reduzido a um, é uma
carta " semente " que marca o fim de uma fase de desenvolvimento, iniciando uma nova.
Assim como o Imperador, a Carruagem, a Roda da Fortuna, a Morte e a Torre, o Sol nos
anuncia uma nova etapa de iluminaçã o e nutriçã o, as gotas multicoloridas que caem do céu
no-lo indicam. Agora, as memó rias e energias coletadas e armazenadas pela Lua sã o
liberadas para revitalizar a Terra. É um tempo de realizaçã o. As duas cartas anteriores (a
Estrela e a Lua) representavam um período de profunda depressã o. Aqui, agora, o Sol
anuncia um ressurgimento em direçã o à luz. Tradicionalmente, " o terceiro " marca um
renascimento para um novo conhecimento: no terceiro dia, Jonas saiu do ventre da baleia;
também ao terceiro dia Jesus saiu do sepulcro.

A razã o da fila vertical também parece clara: no alto, o Papa, porta-voz de Deus na
terra, senta-se em seu trono, enquanto a seus pés os dois padres ajoelhados o
homenageiam como símbolo externo do sim. Sob esta carta, o Enforcado, de cabeça para
baixo em relaçã o à religiã o codificada, encontra-se pendurado precariamente sobre o
abismo do absurdo, suspenso apenas por seu pró prio entendimento humano limitado,
cortado de toda a humanidade. Mas agora, tendo suportado esta provaçã o e esta solidã o,
ele descobre que "o outro" é seu companheiro interior e eles ressurgem como gêmeos para
se divertir na gló ria do sol.

Ao contrá rio dos dois padres ajoelhados, as duas crianças nã o dependem da fé ou do


testemunho de outras pessoas para acreditar na existência do Criador; eles experimentam
diretamente a iluminaçã o da divindade. De fato, todos os trunfos da ú ltima linha nos
mostram os vá rios e diferentes graus de iluminaçã o direta. Primeiro Lú cifer, a estrela caída
que apareceu no É den do heró i como o Diabo, e depois disso, relâ mpagos, estrelas e lua
revelaram sua pró pria luz. Agora, no Sol, essa iluminaçã o atinge um crescendo. O Sol
representa aquele momento em que o heró i, tendo deixado o mundo das opiniõ es estéreis e
dos dogmas formais, avança para o mundo ensolarado da experiência direta e do
conhecimento puro.

23. O JULGAMENTO:
UMA CHAMADA

Fig. 81 O Julgamento (Marseillaise Tarot)


Vou revelar-vos um mistério: nem todos dormiremos, mas
Todos seremos transformados em um instante, em um piscar de olhos.
piscar de olhos, ao último toque da trombeta.
A trombeta soará e os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos
transformado. Pois é necessário que esta natureza
perecível colocado em incorrupção e esta natureza
mortal veste a imortalidade.
I Coríntios 15.51

Na vigésima carta, um grande anjo com uma trombeta de ouro aparece no céu nos
mostrando um estandarte contendo uma cruz de ouro. Abaixo dele estã o três figuras
humanas nuas, uma das quais emerge da sepultura (fig. 81). O título desta carta,
Julgamento, nos coloca em contato com a narrativa bíblica do Juízo Final quando, ao som da
trombeta de Miguel, os justos serã o chamados à vida celestial, enquanto os condenados
serã o enviados para o inferno para todo o sempre. O objetivo dessa ressurreiçã o nã o é,
claro, que os justos recebam a imortalidade em algum lugar no céu, mas que despertem
para uma nova vida " celestial " na terra. Psicologicamente falando: eles serã o chamados a
uma nova dimensã o de conhecimento, até entã o desconhecida.

No Juízo este momento de ressurreiçã o espiritual é representado de vá rias maneiras.


Aqui, pela primeira vez, uma figura humana (aquela que sai do tú mulo) enfrenta a fonte de
iluminaçã o. Nã o foi o caso do Amante, da Torre da Destruiçã o, da Estrela, da Lua ou do Sol,
onde a atividade no plano arquetípico acontecia acima e atrá s das figuras terrenas; Eles
sentiram os efeitos, mas apenas indiretamente, através do inconsciente. No Julgamento, a
figura central percebe e ouve conscientemente esse chamado. O imediatismo dessa
conexã o é sublinhado pelo tamanho do anjo, pelos raios de sua auréola que quase parecem
perfurar a terra, bem como por sua enorme trombeta cujo som ameaça perfurar os
tímpanos dos que estã o abaixo.

O som é uma forma primitiva de comunicaçã o muito mais direta e envolvente do que a
iluminaçã o, como podemos atestar por experiência pró pria. Uma preguiça sonolenta pode
se afastar dos raios do sol e continuar com seus sonhos, mas o som persistente de um
despertador nã o pode ser facilmente ignorado. Nos sonhos, o som tem um efeito
eletrizante, chega até nó s de uma forma mais visceral, arrebatando-nos mais do que uma
imagem. Ouvir algum som em sonho, seja mú sica, o sussurro de uma palavra, um gongo ou
um grito, é uma experiência inesquecível. O que é que foi isso? Quem está ligando?Nos
sentimos instantaneamente mobilizados para agir; Nã o podemos acreditar que foi um
sonho, sentimos que fomos questionados por um poder do além.

A mú sica, de qualquer tipo, conecta o mundo interior e exterior de uma forma


misteriosa. Pode nos estimular à açã o ou acalmar o coraçã o. Pode colocar o espírito
desordenado em harmonia com o universo ou atuar como uma estufa, que pode estimular
as plantas a crescer ou murchar.

Portanto, é significativo que em ambas as narrativas da Criaçã o Bíblica o som


desempenhe um papel tã o importante. Em Gênesis, Deus disse: " Haja luz ". Joã o nos diz
que no princípio era o Verbo. Em ambos os relatos, o som da palavra precede a criaçã o.
Além de seu significado, a palavra falada é sonora; cria vibraçõ es à s quais responde toda a
nossa natureza. No Julgamento, o som da trombeta de Michael, bem como os raios de sua
auréola, permearam a terra abaixo dele e reagem levantando grandes ondas ondulantes. É
como se a Mã e Terra, tendo dado à luz a figura que emerge de seu ventre, ainda rugisse
convulsivamente com outro nascimento por vir.

De pé nas laterais do tú mulo aberto, um homem e uma mulher recebem o recém-


chegado, em atitude de oraçã o de açã o de graças. Eles dã o as boas-vindas à quele que estava
morto (enterrado inconsciente) de volta a uma nova vida. Percebe-se que é um parente
pró ximo dos dois. Agora a trindade terrestre está unida novamente. A figura angelical
completa o quarteto unindo céu e terra para formar uma nova realidade. Este tema repete-
se na bandeira com a cruz dourada, para a qual o anjo parece apontar de forma
significativa.

O motivo da descida à sepultura e a subseqü ente ressurreiçã o dos " nascidos duas
vezes " é familiar na tradiçã o judaico-cristã , bem como em outras culturas.
(Psicologicamente falando: a morte do velho Adã o e o nascimento do novo.) Nos mistérios
de Elêusis , por exemplo, o enterro e a ressurreiçã o eram realizados simbolicamente. Na
fase final da iniciaçã o, o candidato era baixado para uma caverna onde permanecia em
estado de animaçã o suspensa, vigiado por um sacerdote e uma sacerdotisa. Depois de três
dias, ele foi acordado de seu transe por um arauto, apenas para renascer como um novo
membro da sociedade. Em nossa série de Tarot, o Julgamento anuncia o início de uma nova
ordem, uma nova interaçã o entre o consciente e o inconsciente que se manifestará na
ú ltima carta: o Mundo.

A figura central desta carta é obviamente o nosso heró i. Quando o vimos pela ú ltima
vez, ele e seu companheiro caíram no chã o de sua torre inexpugná vel, sacudidos por um
raio de luz; nas pró ximas três cartas, a Estrela, a Lua e o Sol, ele desapareceu de nossa vista.
Podemos imaginá -lo no pâ ntano de uma depressã o profunda. Agora ele parece se levantar
de sua longa noite, para se juntar à s duas figuras que aguardam vigilantes em seu tú mulo.

Um encontro, seja qual for o seu tipo, sempre dá origem a um novo começo; nunca
pode haver uma restauraçã o de um status quo anterior. Quer o andarilho tenha feito uma
viagem ao exterior ou ao interior, ele retorna dela muito diferente de como partiu. O
mesmo vale para aqueles que você deixou para trá s. Todos eles mudaram ao longo do
tempo. A vida dos que guardaram a fé sofrerá mudanças futuras com o contato daquele que
partiu em viagem para reinos desconhecidos. Isso é abundantemente ilustrado nos relatos
de pessoas que, clinicamente mortas, foram revividas e cujas visõ es de uma realidade
maior acrescentaram novas dimensõ es à vida daqueles com quem entraram em contato.
Quando alguém renasce, todos ao seu redor despertam para uma nova vida.
A vitalidade da figura que sai do tú mulo é evidente. Ele é desenhado como um jovem
musculoso e só lido, cuja carne brilha com saú de. Porém, do ponto de vista da consciência
cotidiana, aquele que nos parecia " perdido " e " morto " retorna renovado de corpo e
espírito, revitalizado pelo contato com a terra e pelas aventuras nas profundezas
subterrâneas.

Como há quatro figuras, é tentador explorá -las à luz das quatro funçõ es da psique que
Jung chamou de sensação, intuição, pensamento e sentimento . Gostaria de arriscar a
hipó tese de que nosso heró i (o homem que ressurge da sepultura) se identificou com sua
funçã o superior e que essa funçã o provavelmente foi pensada, já que seu aspecto
sentimental parece subdesenvolvido. Parece-me que este jovem representa tanto o ego
consciente quanto a funçã o do pensamento e vejo os dois ressurgirem para uma nova vida,
apó s seu longo sono oculto. Antes de prosseguir com o desenvolvimento de minha tese,
parece oportuno recapitular a teoria das quatro funçõ es de Jung.

Como visto acima, eles representam as quatro formas características pelas quais o ser
humano percebe e lida com a realidade. A sensação (o testemunho dos cinco sentidos) e a
intuição (a informaçã o que vem de um sexto sentido) sã o as duas funçõ es pelas quais nos
tornamos conscientes do mundo das experiências internas e externas. Jung as chamou de
funções irracionais , pois nos fornecem informaçõ es que nã o têm relaçã o com a ló gica, por
exemplo: apesar de um especialista em mecâ nica confirmar que minha má quina de
escrever está em perfeitas condiçõ es, minha funçã o de sensaçã o me diz que uma tecla ainda
está presa . Talvez, também, apesar do Sr. X ter acabado de fornecer cartas de
recomendaçã o elogiosas, minha intuiçã o me diz que ele nã o é um homem confiá vel. Nã o há
razã o para nenhuma dessas duas conclusõ es, elas simplesmente sã o. Seria difícil para mim
confirmá -los através da ló gica.

Em contraste, as informaçõ es derivadas do pensamento e do sentimento sã o racionais.


Estas sã o as duas funçõ es pelas quais raciocinamos sobre os materiais que nos sã o
apresentados pela sensaçã o e pela intuiçã o. Elas sã o classificadas como funções racionais ,
uma vez que se preocupam com a discriminaçã o racional. No caso do pensamento, fazemos
avaliaçõ es com base no pensamento ló gico e, no caso do sentimento, fazemos escolhas de
acordo com uma hierarquia igualmente racional de valores de sentimento. Voltando ao
exemplo da má quina de escrever citado acima, uma pessoa do tipo " Pensamento " diante
de tal problema procuraria imediatamente a oficina mais famosa da cidade e levaria sua
má quina para conserto, já que o primeiro mecâ nico falhou em sua tentativa, enquanto a
pessoa do tipo " sentimento " estaria mais inclinada a devolvê-lo ao mecâ nico anterior,
dando-lhe assim uma chance de corrigir sua falha.
De acordo com Jung, esse tipo de decisão de sentimento consciente nã o deve ser
confundido com emoção inconsciente ; pelo contrá rio, é uma avaliaçã o muito precisa que se
baseia mais em como se pode sentir sobre um fato do que no que se pode pensar dele. A
conclusã o alcançada por meio da funçã o racional (ao contrá rio daquelas derivadas da
sensaçã o e da intuiçã o) pode ser descrita e sustentada racionalmente. Por exemplo: diante
da má quina de escrever danificada, uma pessoa “ pensante ” pode dizer: “ Considerando isso
e isso e isso, finalmente cheguei à conclusão de que o mais lógico a fazer era procurar no
jornal o melhor anúncio de conserto. "; a pessoa " sensível " dirá , ao contrá rio: " Achei que
deveria dar outra chance àquele mecânico. Eu gostaria de receber uma nova oportunidade
para corrigir meus erros. Não me sentiria em paz fazendo outra coisa ."

Jung fez outra observaçã o sobre funçõ es de grande importâ ncia aqui e agora: ele
descobriu que as duas funções racionais (pensamento e sentimento) sã o mutuamente
exclusivas , e o mesmo vale para as duas funções irracionais (sensaçã o e intuiçã o). Quando
estamos ocupados pensando em algo, nã o podemos senti-lo ao mesmo tempo; Da mesma
forma, se estamos focados em observar algo com nossos sentidos, nã o podemos ao mesmo
tempo permanecer receptivos à mensagem que chega até nó s através do sexto sentido.
Ocorre, entã o, que se a funçã o superior de uma for uma das funçõ es racionais, a inferior
será necessariamente a racional oposta, ou que se a funçã o superior for uma das
irracionais, a funçã o inferior será necessariamente a permanecendo irracional.

Visto que tendemos a usar nossa funçã o superior com muita frequência, ela melhora
constantemente com a prá tica, enquanto sua funçã o incompatível sofre cada vez mais com
nossa negligência. Em alguns casos, a funçã o superior (aquele braço direito da
personalidade) torna-se tã o forte e poderosa que parece dominar todo o corpo psíquico.
Como resultado, os outros três membros (especialmente os inferiores) atrofiam devido ao
uso consciente. Depois de alguns anos de feliz associaçã o com a funçã o superior, o ego pode
tornar-se virtualmente identificado com ela.

Identificar-se com a funçã o superior é algo muito comum. Em nossa cultura, isso é
particularmente verdadeiro quando a funçã o superior é a do pensamento. Hoje
supervalorizamos o pensamento ló gico (muitas vezes ignorando sua funçã o oposta, o
sentimento). Como consequência, a pessoa " pensante " tende a confiar totalmente em seu
pensamento, deixando de lado seus sentimentos, assim como outros aspectos de si mesmo
que permanecem relativamente subdesenvolvidos. Desde muito cedo, a família e os amigos
descrevem essa pessoa como " aquela que vai muito bem na escola ". As tarefas relativas ao
pensamento sã o automaticamente confiadas a ele, encorajando-o a continuar
desenvolvendo-o por meio de estudos especializados, como a física ou a filosofia. Essa
pessoa provavelmente acabará em uma profissã o ou trabalho que exige o uso constante de
sua mente racional, deixando-a com poucas oportunidades de desenvolver seus outros
talentos. Com o tempo, ela atingirá a meia-idade e será identificada pelos outros (e, mais
importante, até por ela mesma) como a " pensadora ". Ela começará a se ver como a pessoa
cuja ú nica missã o na vida é pensar. Muitas vezes encontramos o pensador no clichê clá ssico
do professor sem noçã o que consegue resolver equaçõ es complicadas, mas nã o consegue se
lembrar do aniversá rio de sua esposa.

Se esse professor for bem-sucedido em seu trabalho, a identificaçã o com seu ego pode
continuar por toda a vida. Com a ajuda de uma funçã o auxiliar, você pode se sair bem; Sua
calma estó ica raramente será perturbada pelo choque dos sentimentos reprimidos, ou
pelos mal-entendidos causados pelas ofensas derivadas de sua falta de sensibilidade.

À s vezes, a torre de marfim da ló gica, na qual esse professor se trancou, é atingida por
um raio do céu e, como as figuras da Torre do Tarô , ele mesmo se liberta de sua segurança
isolada para ser chafurdado e desamparado na lama. . Normalmente, o raio iluminante
aparece inesperadamente, como uma mudança em sua vida externa: ele é
inexplicavelmente dispensado de um emprego que exerce há muitos anos; Ou seu
casamento " feliz " é arruinado com um bilhete em seu travesseiro que diz: " Caro Juan... "
ou ele pró prio cai de joelhos diante de uma loira deslumbrante... Seja como for que o
destino o atinja, este professor se encontrará indefeso, arrancado da estrutura só lida de sua
antiga vida e incapaz de ordenar seus pensamentos e sua vontade de embarcar em uma
nova.

Se o golpe foi muito forte, você permanecerá por muito tempo em estado de confusã o e
depressã o; se nã o, com um pouco de sorte e talvez com ajuda profissional, seu afastamento
forçado da vida ativa deixará de ser um período de estagnaçã o e se tornará um intervalo de
renovaçã o criativa. Se sua jornada nas profundezas for frutífera, o pensador despossuído
retornará à vida renascido. A partir de agora ele agirá nã o apenas com o pensamento, mas
também com outros aspectos de si mesmo que agora se mostram usados conscientemente.
O pensamento continuará sendo sua funçã o superior, mas também terá sido transformado,
revitalizado pelo contato com a fonte original de onde flui toda a criatividade. Entã o, sua
personalidade egó ica e todas as funçõ es da psique experimentarã o o tipo de uniã o
retratada no Julgamento. Quando isso acontecer, o que antes era experimentado como uma
punhalada nas costas ou um raio destrutivo, agora será visto como um anjo maravilhoso e
glorioso.

A teoria da tipologia psicoló gica de Jung é tã o complexa que ele dedicou livros inteiros
ao assunto. Obviamente, o que foi resumido acima nã o lhe faz justiça, mas pode servir como
plataforma de partida para a observaçã o do Juízo. Se quisermos relacionar esse jovem
retratado na carta com uma das quatro funçõ es, parece que ele deve representar a funçã o
mais elevada do heró i, aquela com a qual ele esteve mais intimamente associado durante a
vida. Pela forma como foi representado, deduzimos esta hipó tese: a figura que emerge do
tú mulo nã o é um recém-nascido, mas um homem adulto, ressuscitou, indicando assim que
antes estava vivo e ativo no mundo exterior. Devido à sua idade e altura, ele lembra tanto o
heró i que nã o podemos esquecê-lo, o que indicaria o quanto eles se identificam. Em uma
situaçã o como essa, é fá cil entender que quando a funçã o superior foi nocauteada, o ego
também sofreu um duro golpe.

Isso é o que parece ter acontecido com o heró i. De fato, a histó ria do professor
distraído poderia ser sua pró pria histó ria, pois é evidente que, assim como o professor,
nosso heró i é um tipo em que domina o pensamento. Podemos observar isso em primeiro
lugar nos Enamorados. Ali, diante de uma escolha em relaçã o a uma á rea de sentimento, ele
ficou totalmente desamparado e seu raciocínio ló gico nã o lhe serviu de nada. Incapaz de
alcançar seus sentimentos submersos, ele ficou paralisado, parecendo tristemente
inconsciente do anjo alado que se preparava para lançar os dardos eró ticos para feri-lo por
trá s.

Claro que nem é preciso dizer que uma pessoa do tipo "pensante" frequentemente se
encontra nessa situaçã o, mas esse jovem amante parecia realmente inconsciente do Eros-
inconsciente; pode-se até dizer que ele nã o sabia de sua existência real. A maioria de nó s,
com alguma sorte, dá uma olhada nele antes que ele nos atinja com sua flecha. De qualquer
forma, a tolerâ ncia do heró i para esse tipo de lesã o era muito pequena. Como já vimos, ele
nã o escolheu nenhuma das duas mulheres que exigiam sua atençã o; em vez disso, ele
partiu sozinho em uma carruagem. Ali podíamos vê-lo cercado por quatro postes que
seguravam o toldo acima de sua cabeça, galopando acima de seus instintos, da terra e de
toda a humanidade.

Este tema será repetido mais tarde na Torre da Destruiçã o. Aqui, a sua carroça,
relativamente mó vel e frá gil, transformou-se numa fortificaçã o de tijolos maciços, dentro
da qual se enclausurou acima da natureza, isolando-se da vida. Para sua segurança, ele
havia adquirido uma companheira, mas ela também era prisioneira dessa construçã o feita
pelo homem.

Sem dú vida, todos nó s temos a tendência de nos identificar primeiro com nossa funçã o
superior, mas se a prisã o nã o for tã o alta e nem tã o só lida, o raio nã o precisa ser tã o
violento e a depressã o nã o tã o profunda. A psique tem um sistema de auto-regulaçã o. Ele
constantemente se desvia para corrigir e equilibrar seus vá rios aspectos. Se o desequilíbrio
for menos pronunciado, a força necessá ria para restaurá -lo nã o deve ser tã o extraordiná ria.
À s vezes, por exemplo, a correçã o necessá ria nã o vem de um acontecimento externo, mas
da pró pria funçã o superior que, exausta pelo uso constante que dela fazemos,
simplesmente abandona seu papel negando-nos sua ajuda. Minha pró pria experiência é um
bom exemplo disso. Como mencionei antes, sou uma pessoa intuitiva, com os sentimentos
em segundo lugar, e o sentimento é minha funçã o fundamental. Depois de algumas aná lises,
consegui alcançar meus sentimentos com facilidade e até entrei em contato com minha
funçã o de pensamento. Mas minha sensaçã o, minha capacidade de perceber e me conectar
com a realidade por meio dos cinco sentidos, permaneceu inconsciente e subdesenvolvida.
Encontrei a forma de lidar amplamente com o mundo e com as pessoas através do sexto
sentido, minha intuiçã o superior, auxiliada pelos sentimentos.

Eu vinha organizando seminá rios para adultos em literatura e humanidades, primeiro


sob os auspícios de uma universidade e depois por conta pró pria. Eu realmente gostei
desses seminá rios, e meus alunos também. Tínhamos embarcado no estudo do drama
shakespeariano, e eu construí uma biblioteca substancial sobre o assunto, em preparaçã o
para o que prometia ser uma carreira repleta de oportunidades e inspiraçõ es infinitas.

À primeira vista, tudo parecia estar indo bem, está vamos terminando nosso estudo do
Rei Lear e votamos para continuar com A Tempestade . Todos neste grupo estavam ansiosos
para continuar e alguns amigos de cursos anteriores se inscreveram para participar. Foi
quando de repente acordei certa manhã com uma sensaçã o pesada: " Não posso continuar
com isso ." Estava tudo acabado para mim. Nã o que o material tenha se tornado monó tono
com a repetiçã o, eu nunca havia pensado em The Tempest antes e estava animado com a
nova experiência diante de mim, mas nã o conseguia encontrar forças para continuar. Minha
libido simplesmente desapareceu, submergiu, levando consigo muito de mim, mas
felizmente nã o todo o meu ego consciente. Eu poderia continuar funcionando no mundo,
mas a alegria de viver se foi da minha vida.

Eu me senti como um zumbi passando pela vida " esperando Godot ". De vez em
quando eu fazia um esforço para comprometer minha libido perdida, interessando-me por
algum empreendimento digno, sem sucesso. Certa vez, fiz uma tentativa malsucedida de
estudar as obras de Marcel Proust , que chamaram minha atençã o por um breve período,
mas isso também se desvaneceu. Em outra ocasiã o resolvi fazer um curso de letras para me
formar, mas desembarquei logo em seguida, porque achei o professor pedante e a matéria
sem interesse.

Um dia, de repente, um amigo me deu um baralho de Tarô que despertou minha


imaginaçã o com suas curiosas figuras; esses personagens do Tarô pareciam "pertencer" a
mim, mas eu nã o conseguia identificá -los especificamente ou abordá -los intelectualmente.
Para isso, eu teria que usar minha funçã o inferior, a sensaçã o, para estudar sua realidade
em detalhes, e meu pensamento para organizar esse material. Como eu era uma pessoa
intuitiva, nã o estava interessado na realidade objetiva e os detalhes me entediavam
profundamente. Se minha intuiçã o nã o pudesse se conectar imediatamente com algo, ela
perderia o interesse. Afinal, eu estava lidando com imagens e palavras; Gosto das palavras,
do som das palavras, das imagens por elas evocadas, assim como da reverberaçã o de
sentido inerente à s suas origens; Isso é o que eu gostei! Mas essas figuras mudas,
representadas nas cartas? nã o, obrigado! Eu os apreciei porque me foram dados por um
amigo e minha intuiçã o me dizia que havia uma chave para acessar seu significado, mas eu
precisava encontrá -la.

Alguns anos depois, participei de uma conferência onde foi mencionado que Jung havia
dito que o Tarô era a representaçã o pictó rica dos arquétipos. Lá estava a chave! Depois
disso, minha libido despertou e o sabor e a energia da vida voltaram a fluir por novos
canais. Minha intuiçã o ressurgiu do tú mulo, revitalizada em um novo corpo saudá vel.
Comecei a estudar os desenhos em detalhes para encontrar seu significado. Mais tarde,
ganhei confiança suficiente para começar a dar seminá rios sobre esse assunto, bem como
disciplinar meu sentimento e pensamento para fazer os estudos necessá rios para escrever
este livro.

A sensaçã o ainda é minha funçã o inferior. Por exemplo: embora eu tenha examinado o
Julgamento muitas vezes, com muitos grupos diferentes, é somente hoje, enquanto escrevo
este capítulo, que percebo que a terra amarela ao fundo nã o é lisa e plana, mas parece ser
movida por movimentos convulsivos. ondas.

Na discussã o anterior sobre a experiência do heró i e a minha, fizemos um longo desvio


ao redor da carta à nossa frente (esse tipo de desvio ou desvio é típico de pessoas
intuitivas, tendemos a usar a realidade presente como uma plataforma daquela que
lançamento a voos mais altos, a outros mundos). Se você é psicó logo, ou mesmo se nã o é,
pode nã o concordar com minha curiosa hipó tese sobre a identificaçã o do heró i com sua
funçã o superior, mas o que todos concordamos é que na carta do Juízo ele experimenta um
renascimento. Tal momento de libertaçã o é sempre vivido como uma redençã o.

Quando resgatá vamos um item da casa de penhores, recomprá vamos algo de valor que
nos pertencera, mas havia sido penhorado. A individuaçã o é, em ú ltima instâ ncia, um
processo redentor. Sua intençã o nã o é criar algo totalmente novo, (algo que está além e
desconhecido para nó s mesmos), mas, sim, é simplesmente resgatar e liberar os aspectos
que nos pertenciam por direito, mas que havíamos deixado como penhores no inconsciente
. Em alemã o, o verbo redimir, erlösen , significa literalmente " libertar da escravidão ". A
liberdade de fixaçõ es nã o implica a liberdade de todos os cuidados e problemas; toda vez
que resgatamos algo, temos que pagar um preço por isso.

Apesar de nosso heró i parecer redimido, sua vida nã o deve ser vista como cheia de paz
perpétua e harmonia sem fim; ele também tem que pagar um preço. O aumento de seus
conhecimentos inevitavelmente lhe trará um aumento de responsabilidade. Seu longo
julgamento nas profundezas escuras acabou, mas agora ele deve enfrentar o desafio de uma
nova luz.
No final de um julgamento, uma sentença deve ser proferida; isso marca o fim da
atuaçã o do defensor. Se a sentença for favorá vel, o preso é solto; Ele nã o é livre para fazer o
que quer, mas livre de culpa. Embora agora ele seja capaz de se mover pelo mundo como
quiser, ele descobrirá que sua escala de prioridades mudou durante o confinamento. O
aumento do conhecimento traz consigo nã o só um alargamento das á reas de escolha como
também um aguçamento do sentido de responsabilidade.

Isso se reflete claramente no Juízo, onde aquele que é libertado de seu confinamento
solitá rio nã o está mais sozinho; Agora você tem dois companheiros humanos, bem como
uma presença celestial cujas necessidades e desejos você deve levar em consideraçã o. Se
ele deixasse de cumprir essas novas obrigaçõ es, poderia voltar à prisã o. Ser redimido é
uma honra, significa submeter-se a uma nova vocaçã o.

«Quem tem vocação, ouve a voz do homem interior; é chamado", diz Jung. 115

A gravidade deste momento é claramente mostrada na atmosfera emocional do


Julgamento. O casal que está junto à sepultura nã o dá as boas-vindas ao parceiro com
aplausos; sua atitude é bastante solene e orante. Seus rostos refletem gratidã o por este feliz
retorno, mas também gravidade na entrada em um mundo de conhecimento mais amplo.
Olham para o jovem, que é o centro da família, procurando nele um guia. Ele, por sua vez,
olha para o anjo. O heró i, que antes havia sobrevivido a tudo em seu caminho, agora está na
sepultura, buscando sua orientaçã o no céu. Ele, que antes se considerava um ser superior,
agora escuta a voz que o chama para servir ao poder que está acima e além dele.

Se ele for capaz de responder ao toque da trombeta, será capaz de se mover em


direçã o a uma vida que se abre diante dele e está além de qualquer coisa que ele já
conheceu ou imaginou. Se ele se recusar a enfrentar esse desafio, cairá de volta na
masmorra, da qual pode nunca mais sair. A gravidade dessa situaçã o foi ampliada por Jung
na seguinte passagem:

«Quando a libido abandona o mundo superior da luz, seja por decisão do indivíduo,
seja por perda de energia vital, ela afunda de volta em seu próprio fundo, na fonte de
onde surgiu, retornando ao ponto de cisão, para o umbigo, por onde uma vez entrou
em nosso corpo. Esse ponto de cisão é chamado de "a mãe", pois é dela que nos veio a
fonte da libido. Assim, quando há uma grande tarefa a ser realizada, diante da qual o
ser humano duvida de suas próprias forças, o fluxo de sua libido volta à sua fonte; e
este é o momento perigoso, o momento da decisão entre a destruição e a nova vida.
Se a libido permanece prisioneira no assombroso mundo interior, o ser humano
torna-se uma mera sombra no mundo superior: não passa de um morto ou de um
doente grave. Mas se a libido consegue libertar-se e, lutando, atinge novamente o
mundo superior, então o milagre acontece, pois esta descida aos mundos inferiores
rejuvenesceu a libido e, de sua morte aparente, ela desperta cheia de desejo de
sucesso. » 116

No Julgamento, um anjo aparece repentinamente do nada para pronunciar uma


sentença desafiadora. O advento deste mensageiro é de dimensõ es catastró ficas e Jung o
descreve da seguinte forma:

«O nascimento deste mensageiro equivale a uma situação excepcional, pois nasce


uma nova e poderosa vida onde já não havia força nem vida, nem a mais remota
possibilidade dela. Ela surge do inconsciente, daquela parte da psique que, gostemos
ou não, nos é desconhecida e por isso a tratamos de forma irracional. Desta região
desacreditada e rejeitada virá a nova energia com a qual podemos dar um novo
sentido às nossas vidas.» 117

Com tudo o que foi dito até agora sobre o Julgamento, é fá cil fazer a conexã o entre esta
carta e as duas acima dela no eixo vertical (o Amante e a Morte). Pode-se dizer que é sobre
o tema da morte e renascimento: a morte do velho ego e sua ressurreiçã o em uma nova
forma. O que isso significa principalmente é o sacrifício de uma vontade do ego e a
aceitaçã o de um poder que está além de si mesmo.

Em O Amante, o jovem heró i recebe seu primeiro ferimento, mas a flecha de Eros foi
apenas um alfinete. Como vimos, ele conseguiu coroar-se rei e partiu sozinho para
conquistar o mundo. Na Morte, apareceu uma lesã o mais profunda do ego, que foi
substituída por outro aspecto psíquico; O heró i também emergiu intacto desse ataque.
Agora ele nã o estava mais sozinho, ele já tinha a contraparte feminina com ele. Eles
apareceram pela primeira vez nus na carta do diabo e rejeitando sua parte demoníaca
luciferiana. Vimos como eles esconderam o rabo e os cascos com a desculpa de que " todo
mundo os tem ", e conseguiram escapar do Diabo aprisionando-se na Torre.

Agora, finalmente, no Juízo, o heró i e seus dois companheiros nos aparecem nus,
expondo-se à influência mú tua e à dos poderes celestiais. É como se os corpos partidos com
os quais a Morte fecundou a terra tivessem surgido de uma forma nova e mais humana. A
figura angelical que aparece no céu também foi humanizada. Embora ela tenha cabelos
dourados e um par de asas douradas, sua expressã o mostra sentimentos mais humanos e
intensos do que poderíamos ver nos rostos das figuras celestes que apareceram nas cartas
anteriores e, significativamente, ela se comunica diretamente com as figuras que tem
abaixo. .

O fato de as figuras do Juízo aparecerem mais humanizadas e se comunicando entre si


marca um avanço importante no despertar psíquico do heró i. Ela nos promete que as
qualidades de cada um podem ser completadas e consolidadas até formar um ser humano.
A terra também ecoa a promessa de um novo nascimento. Talvez a terra argilosa em que o
heró i foi enterrado também renasça para uma nova vida através do fogo do anjo, e uma
nova criaçã o surgirá na pró xima e ú ltima carta: o Mundo.

24. O MUNDO:
UMA JANELA PARA A ETERNIDADE

Fig. 82 O Mundo (Tarô Marselhesa)


No ponto imóvel do mundo que gira.
Não era carne, nem era sem ela; nem veio nem foi para...
no ponto parado, há a dança, mas nem parada nem
em movimento.

TS Elliot

Chegamos ao ponto culminante de nossa longa jornada. Nesta imagem final vemos
uma bailarina emoldurada por uma coroa de ramos vivos e entrelaçados (fig. 82). Nos
cantos podemos ver um leã o, um boi, uma á guia e uma figura angelical com sua aura. Esta
carta é chamada de Mundo.

A dançarina tem rosto, cabelo e peito de mulher, mas seus quadris esguios e pernas
robustas sugerem que ela é um ser andró gino, no qual o masculino e o feminino se
combinam e se integram. Os opostos, cujo desenvolvimento estamos promovendo, já se
combinaram em uma entidade. Seu sexo neutro o separa do mundo do pessoal, para levá -lo
ao reino do transcendental, pois a cor de sua carne nos fala de um ser humano. A bailarina
movimenta-se na á rea do conhecimento que muitas vezes tem sido descrita como: « tu és
isso » e « eu sou o que sou ». O véu que ela usa em volta do pescoço sugere a presença do
espírito, sempre em movimento. A dançarina segura duas varinhas, uma em cada mã o, que
representam os pó los positivo e negativo da energia; Ao se moverem, esses dois se movem
de forma que se compensam, simbolizando o jogo constante e dinâ mico dos opostos.

A guirlanda natural na qual a bailarina está enquadrada indica a interaçã o de todos os


aspectos da natureza, conscientes e inconscientes, para formar um mundo contínuo e
integrado. A guirlanda cria aquele temenos sagrado dentro do qual o dançarino se sente
enquadrado e protegido. No Sol, os gêmeos foram parcialmente fechados dentro de uma
parede semicircular de tijolos de ouro; aqui, o temenos é vivo, natural e total. Isso separa o
dançarino de tudo o que é sem sentido e insubstancial, de tudo o que nã o lhe pertence. Ele
tem bastante espaço para se mover, seu pró prio espaço, dentro do qual ele é livre para se
expressar sem esforço. Em termos junguianos, isso pode simbolizar o eu , o centro da
totalidade psíquica.

Pode parecer curioso que, nu, o dançarino se exiba livremente, sem vergonha ou
pudor, mas seu sexo permaneça oculto. Simbolicamente, isso pode significar que a
necessidade criativa no cerne de toda a vida nã o pode ser revelada. E isso nã o é no sentido
(como disse a rainha sobre o sexo) de que é " bom demais para qualquer um ", mas porque é
um segredo sagrado e nã o deve ser totalmente revelado. Parece importante sublinhar que
os dois gêmeos que apareceram no Sol também mantiveram o sexo oculto. Essa modéstia é
um sentimento arquetípico instintivo que surge do centro do eu , nã o uma falsa modéstia
causada por repressõ es culturais. Para confirmar isso, podemos dizer que, mesmo na
sociedade permissiva de hoje, as crianças também têm vergonha de se mostrar nuas. Se,
forçando sua modéstia e modéstia inatas, os convencemos a se mostrar, poderíamos com
esse ato forçar e violar sua conexã o natural com as profundezas de si mesmos. A bailarina
que se apresenta no Mundo pode estar nos dizendo que, embora estar nu seja natural,
expor-se assim ao mundo nã o é necessariamente assim. Há momentos em que o eu precisa
ser protegido e abrigado.

O eu é o centro de nosso equilíbrio psíquico . Quando perdemos contato com o


dançarino dentro de nó s, perdemos o equilíbrio. Cada vez que perdemos contato com a
natureza (com nossa natureza interior) experimentamos, no fundo de nó s, um sentimento
de inferioridade. Estar em contato com o eu natural , Jung nos diz, é nã o se sentir nem
inferior nem superior. Idéia semelhante é expressa no seguinte poema:

Na paisagem primaveril, não há melhor nem pior.


Os ramos floridos crescem naturalmente, alguns longos e outros curtos.

A guirlanda que envolve a dançarina cria abrigo para o pró prio recém-nascido, de
modo que sua unidade nã o seja perturbada pela invasã o externa. Também cria uma
fronteira para conter suas energias e protegê-los de qualquer dissipaçã o. Essa proteçã o é
refletida como natural, indicando que ocorre espontaneamente nesse estado de
desenvolvimento psicoló gico. Simbolicamente, isso significa que o eu é plenamente
realizado e é uma entidade incorruptível; nã o há regressã o possível. Por esta razã o, os
alquimistas chamavam a fase final de seu processo de fixaçã o. Aqui o consciente e o
inconsciente estã o unidos e o instinto e o espírito voam juntos como um ser cujo
conhecimento compreende e inclui ambos.

A guirlanda nã o é a serpente que morde a cauda, o Ouroboros do caos primordial . Sua


forma é elíptica. Um círculo fechado sugere o ú tero dentro do qual o feto está contido no
líquido amnió tico. Uma elipse lembra a vulva ou os lá bios da vagina, entre os quais, com o
nascimento de um novo ser, agora completo, surge um novo mundo de luz e ar. Enquanto
um círculo é uma curva contínua, com um centro onde se fixa, a elipse tem dois focos, um
acima e outro abaixo, sugerindo que sã o duas metades que vã o se encontrar para formar
um todo. Em nosso Tarô , essa ideia é indicada pelo fato de que as duas metades da elipse
parecem estar ligadas no ponto focal. Tal elipse é chamada de mandorla . Nos lembra uma
semente, um ovo e o movimento dos planetas em suas ó rbitas. Ao contrá rio do Ouroboros e
da roda, que se repetem infinitamente, a mandorla traz consigo a possibilidade de
desenvolvimento futuro. Simboliza a interpenetraçã o criativa das duas esferas do céu e da
terra. Também se conecta com o Ovo do Mundo , que segundo uma crença mitraica foi
formado pelo Criador. Também se conecta ao ovo filosofal , dentro do qual o ouro foi
incubado e revelado. Sua forma segue os padrõ es da circulaçã o da luz, sempre se
renovando, como descreve a filosofia chinesa. Dentro da guirlanda, a circulaçã o continua
sugerida pelo véu esvoaçante. Um novo espírito entra em contato com a figura e a figura
dança conforme o espírito se move. A figura está contida no espaço sagrado, onde a
realidade entra em contato com a eternidade.

Este estado de conhecimento é representado aqui como uma dança. Quando dançamos
movemo-nos pelo espaço ao ritmo que o tempo marca, conseguindo fazê-lo de forma
harmoniosa com a ajuda da mú sica, símbolo do sentimento. A dança aparece como uma
arte sagrada, uma forma de oraçã o com a qual o homem está em sintonia com toda a
natureza e com os deuses. Através da dança rítmica, o homem alcança uma ideia, entre o
tempo mortal e o tempo transcendental, e se experimenta como parte do processo em
constante mudança. Por meio da dança ritual, o xamã se conecta com o universo para
restabelecer o equilíbrio da natureza, para que possa invocar a chuva ou praticar a cura.
Através da dança extá tica, os dervixes retrocedem no tempo mortal, combinando seu ritmo
com o giro das estrelas.

A dança simboliza o ato da criaçã o. Na doutrina grega ortodoxa, Sophia , a Beleza


Divina , dança. A filosofia zen vê toda a vida como uma dança agradá vel, cuja arte se move
pela vida cotidiana de maneira natural, espontâ nea e inclusiva. Os físicos nos explicam que
nosso mundo, assim como nó s mesmos, nada mais sã o do que uma dança de partículas. No
nível microscó pico, qualquer dicotomia (interior e exterior, meu e seu, subjetivo e objetivo)
nã o tem sentido. O dançarino do nosso Tarô é o Mundo. O poeta Yeats colocou a mesma
ideia desta forma:

Ó grande castanheiro, de raízes profundas, florescente


Você é a folha, a flor ou a castanha?
Oh corpo embalado pela música, oh flash brilhante
Como podemos distinguir o dançarino da dança? 118

A dança era um símbolo frequente nessas cartas. Tudo começou com a dança do Bobo
no seu jeito alegre, quando cheio de energia, ele caçoava de nó s. Mas sua dança nã o tinha
propó sito ou direçã o. Ele nã o estava atento ao que fazia e seguia em frente, olhando para
trá s, sem saber de si mesmo ou da realidade do momento presente. O Enforcado também
era uma espécie de dançarino e, embora seus pés parecessem dançar uma dança antiga,
eles nã o estavam firmemente ancorados na realidade, e o resto de seu corpo estava imó vel.
Confinado e pendurado nos galhos truncados, ficava suspenso como uma marionete onde
só podia executar um gabarito mecâ nico. Os movimentos da Força com seu leã o e os da
Temperança com seus dois jarros também sugeriam uma dança, mas de forma mais
alegó rica. Nã o eram figuras humanas, o movimento de cada um deles era limitado pelas
limitaçõ es de uma tarefa específica à qual deviam dedicar todas as suas energias. Na
décima terceira carta vimos a dança da Morte, outro poder alegó rico que, como Shiva ,
realizava a eterna dança da criaçã o e destruiçã o.

A bailarina que vemos representada no Mundo é bem diferente das anteriores; ele
aparece como um ser humano nu que nã o pretende ou propõ e nada além de ser ele mesmo.
Nã o é fixado nem pelo passado nem pelo futuro, movendo-se ao ritmo do presente mutá vel.
Como o pró prio título indica, nã o está confinado por restriçõ es de qualquer tipo que o
limitem alegoricamente, como foi o caso de Força, Morte e Temperança. Ele é capaz de
combinar todos eles e muitos mais. Ao contrá rio do Enforcado, que vimos executar
desajeitadamente um gabarito como um fantoche do destino , nosso dançarino se move
livremente com um pé sempre em contato com o chã o. Embora esteja em constante
movimento, ele permanece em contato com o fundo de seu ser, dourado e indestrutível.

Von Franz descreve esse momento dizendo: "A experiência do eu traz consigo a
sensação de estar firmemente fixado dentro de si mesmo, em um pedacinho de
eternidade interior, que não pode ser tocado nem mesmo pela morte física." 119

Até agora, o heró i teve intuiçõ es desse eu, como a força central que conduz sua
jornada. Agora, no Mundo, o eu se revela completamente e o faz de forma inesquecível.
Quando alguém tem essa revelaçã o, mudanças profundas e permanentes ocorrem nele. O
resultado nã o é uma simples ampliaçã o da personalidade anterior, é como se ela fosse
criada de novo, ou seja, recriada como um ser novo e total. A partir deste ponto, o self
torna-se consciente, uma realidade sempre presente, que Jung descreveu da seguinte
forma:

“Experimentar o eu significa estar sempre consciente de sua própria identidade.


Então, sabe-se que nunca se pode ser diferente do que se é, que nunca se perderá e
que nunca se separará de si mesmo. E isso porque a pessoa sabe que a si mesmo é
indestrutível, que é sempre um e o mesmo e que não pode ser dissolvido ou mudado
por qualquer outra coisa. O eu permite que a pessoa permaneça ela mesma em todas
as condições de sua vida." 120

Como enfatiza Jung, manter contato consigo mesmo nã o significa estar separado do
mundo, nem desinteressado por ele. A pessoa continua a reagir emocionalmente, mas o faz
em um nível mais profundo. Jung descreve as dimensõ es do eu da seguinte forma:

«A consciência alargada já não é aquele amontoado de desejos, medos, esperanças e


ambições pessoais que sempre teve de compensar e corrigir as tendências contrárias
do inconsciente; ao contrário, há uma relação com o mundo dos objetos que levará o
indivíduo ao absoluto, ligando-o numa comunhão indissolúvel com o mundo em toda
a sua amplitude. As complicações que surgem neste estado não serão mais conflitos
de desejo egoísta, mas dificuldades que dizem respeito aos outros tanto quanto a si
mesmo. Nesse estágio, há basicamente um interesse pelos problemas coletivos que
ativaram o inconsciente coletivo, pois exigem uma compensação coletiva e não
pessoal. Agora podemos ver que o inconsciente produz conteúdos que são válidos,
não só para a pessoa em questão, mas também para os outros, pois, de fato, são
válidos para a grande maioria e possivelmente para o mundo inteiro.» 121
A maioria dessas ideias está representada no Mundo do Tarot. Pela primeira vez
vemos a totalidade da criaçã o representada simbolicamente: a terra, as plantas, os animais,
as aves, o homem e o anjo. A figura central nã o é nada disso, pois, sendo um andró gino, ele
abrange mais do que isso e transcende a humanidade vulgar. Nã o é simplesmente a soma
de todos os seus aspectos, mas sim a quintessência, um estado de ser além das quatro
dimensõ es da realidade comum. Ao mesmo tempo, a figura é representada em termos
humanos, nã o é desenhada como algo abstrato, um tubo vazio, um instrumento através do
qual o Divino flui sem mudança: ela se revela como um indivíduo, seu corpo, e se expressa
em seu pró pria maneira individual.

As quatro figuras que podemos ver nos cantos montam guarda em eterna vigília; eles
simbolizam o estado de desenvolvimento que Jung descreve acima, onde uma amplitude
maior de conhecimento se abriu para problemas coletivos, ao invés daqueles que dizem
respeito apenas ao ego. Como os quatro pontos cardeais, eles marcam a nova dimensã o
deste mundo maior. Embora firmemente instalados, eles estã o vivos e a dançarina está em
constante movimento em relaçã o a eles. Ele nã o está preso a nenhuma norma de
comportamento imposta, nã o é marionete de nenhum " ismo " ou culto, ele é livre para se
mover em seu pró prio ritmo individual, dentro dos limites do espaço que lhe pertence e
que é definido como dele pela mandorla que te protege.

Esse dançarino nã o precisa se preocupar em ser consistente, nã o precisa pensar no


que poderia ter dito ou feito ontem para agir de acordo hoje. Enquanto você mantiver
contato com todos os quatro cantos, você se moverá espontaneamente para o presente,
seguro de que sua reaçã o de hoje está em harmonia com a de ontem, pois ambas vêm de
seu â mago mais profundo. Como o Tarô tã o belamente mostra, ele está em constante
movimento em relaçã o ao seu entorno e ao seu ambiente (as figuras dos quatro cantos e a
guirlanda), pois, estando vivo, ele também atua como parte de um modelo que os engloba
por toda parte. . Sua reaçã o hoje nã o será a mesma de ontem, pois os acontecimentos que a
produziram nã o serã o idênticos aos que você terá que enfrentar hoje.

A figura do Tarot conjuntamente nos oferece essa ideia de espontaneidade e


estabilidade e o faz de uma forma muito bonita. A dançarina nã o é retratada com os dois
pés firmemente plantados no chã o; apenas um está em contato com ela, o outro está a meia
altura, para permitir que esteja em contato com o ar, oferecendo a ela a possibilidade de
colocá -lo novamente de acordo com cada evento. Podemos observar como, à medida que a
dança se desenrola, passo a passo, ele nunca perderá o contato com a pedra dourada ou se
tornará uma figura rígida e intransigente. Sua abertura à mudança é representada pelo
fluxo de seu véu, indicando assim que o espaço interior da mandorla nã o é vazio, nã o é um
espaço com ar morto. Por dentro, um espírito gentil se move, trazendo consigo frescor,
novas ideias e com elas novas dimensõ es de conflito, dando ao dançarino a oportunidade
de buscar uma soluçã o em um nível mais profundo.

Esta dançarina nã o é uma figura de pedra, imune ao conflito. Assim como é livre para
se mover, também é livre para ser movido. Ela segura em suas mã os os bastõ es de energia
positiva e negativa e sua dança diz respeito nã o apenas à criaçã o, mas à destruiçã o, sem a
qual nenhuma nova criaçã o seria possível. Uma vez que está livre do conflito neuró tico, ele
é, se assim se pode dizer, mais aberto a experiências fundamentais de opostos. Jung
chamou esse estado de tensã o de " o conflito divino ", descrevendo-o da seguinte forma:

«Todos os opostos são de Deus; para isso, porque o homem deve se curvar diante
dessa carga. Ao fazê-lo, descobre que Deus, na sua "oposição", tomou posse dele,
encarnando-se nele. Desta forma, ele se torna um vaso cheio de conflito divino." 122

Como Jung enfatizou tantas vezes e como nosso Tarô representa, ser um vaso cheio de
conflito divino é um privilégio e um fardo especificamente humanos. Nã o oferece fuga para
"outro mundo", mas nos desafia a viver neste mundo, de forma significativa. Satisfeito com
o quadro natural que o envolve, o dançarino do Tarot nã o sonha com nenhum tesouro a ser
buscado além de um arco-íris imaginativo. Para usar uma expressã o da linguagem dos
alquimistas, ele se ocupa em transformar as bases metá licas de sua existência diá ria em
experiências de ouro de valor perpétuo.

O eu pode ser representado de vá rias maneiras: como uma flor, uma pedra, uma
á rvore, uma criança, um desenho abstrato e um rei ou deus. No livro do Apocalipse, o
objetivo final nos é apresentado como a Cidade Celestial, a Nova Jerusalém, na qual, apó s o
Juízo Final, os crentes ressuscitarã o para a vida e a luz eternas. Na Lua, as torres douradas
dessa cidade celeste pareciam metas distantes, guardadas por dois animais. Nesta carta do
Tarô italiano do século XV, o Mundo aparece como uma cidade totalmente revelada (fig.
83). É sustentado e apresentado pelos dois gêmeos alquímicos do Sol, cuja uniã o torna
possível tal revelaçã o.

Parece significativo que a versão marselhesa desta carta tenha abandonado o


simbolismo tradicional e coletivo da Jerusalém Celestial, em favor de uma
abordagem mais individual e humana. Se, como alguns acreditam, os albigenses
criaram o Tarô, como um protesto velado contra o domínio da Igreja e suas regras
coletivas, parece provável que eles o tenham escolhido para representar a revelação
como a única experiência individual, representada na versão de Marselha. . Hoje,
como protesto contra a sociedade coletiva, Jung também enfatiza a importância do
ser humano como o único portador da consciência, o único instrumento dentro do
qual e com a ajuda do qual o eu pode se manifestar. Jung diz que "somente o
indivíduo faz a história, essa unidade infinitesimal da qual o mundo depende e na
qual, se entendermos corretamente a mensagem cristã, até Deus busca seu objetivo".
123

Na arte, Cristo aparece com muita frequência como o símbolo do próprio Ser . Nas
Escrituras, Cristo aparece como duas coisas ao mesmo tempo: como o Filho de Deus e como
o Filho do Homem , revelando a ideia de que o deus interior só pode ser trazido à luz por
meio da vida de seres individuais.

O dançarino do Tarô nã o tem um histó rico específico atrá s dele. Sua iluminaçã o nã o
vem de uma estrela, nem de um sol, nem de uma lua, nem de uma presença angelical.
Simbolicamente, seu fundo está em toda parte e sua luz é universal. Tudo nesta carta é
visto desde a eternidade, no sempre presente agora. Ao revelar-se, o heró i, como o poeta,
nã o vê com os olhos, mas através dos olhos. A guirlanda nos lembra desse formato de olho
através do qual o homem pode ter uma visã o do milagroso. Citando Fausset:

«Só existe um milagre no mundo e este é o renascimento da parte para o todo».

Individuaçã o significa ser totalmente revelado como uma pessoa completa, nã o


perfeita , mas completa. Como um ser eterno, esse dançarino existia antes do homem,
representando a essência do homem, nã o um objetivo vindo de fora, mas uma emanaçã o
que se desdobrava de dentro. Nele, o espírito é encarnado em carne espiritualizada, para
que os dois possam agir em uníssono como um. Sua presença se manifesta, nã o pela morte
do ego, mas pela humanizaçã o do eu arquetípico. Os dois pó los da bailarina sugerem a
autofecundaçã o, um diá logo constante entre os opostos, com o ego e o self relacionando-se
entre si, num equilíbrio dinâ mico.

Embora a figura do Tarô seja andró gina, ela é representada predominantemente


feminina. Isso pressupõ e uma verdade psicoló gica, já que o lado feminino, tanto no homem
quanto na mulher, está ligado à experiência de si. No homem, sua iniciaçã o vem através da
anima , na mulher, o eu é personificado, em sonhos e outros materiais inconscientes,
sempre como uma figura feminina. Como mulher, o Mundo contém em si a semente de um
novo nascimento, pois a auto-realizaçã o é um processo de movimento contínuo, tanto no
indivíduo quanto na humanidade. Esta dançarina está destinada a continuar se movendo e
crescendo o tempo todo. Assim como a imagem de si se encarnou de vá rias formas ao longo
da histó ria, este símbolo também sofrerá , sem dú vida, vá rios renascimentos e
metamorfoses nas geraçõ es futuras. Por ser uma figura arquetípica, a forma que assume à
medida que evolui compensará sempre o contraponto consciente do meio cultural em que
se move. Talvez o atual renascimento dessa figura feminina seja uma reaçã o compensató ria
à difamaçã o do elemento feminino em nossa cultura ocidental.

Os alquimistas frequentemente representavam uma figura feminina dentro de uma


mandorla, como resposta a uma açã o cultural semelhante. Chamava-se anima mundi, ou
seja, a alma do mundo. Eles a concebiam como uma força oculta na matéria, que animava
todos os corpos, desde as estrelas do céu até os animais, plantas e elementos da terra. Foi a
tarefa vitalícia de um alquimista libertar a anima mundi de seu aprisionamento na prima
materia da natureza inconsciente. No comentá rio a seguir, Jung nos mostra que possui
qualidades iguais à s do Mundo do Tarô :

«A ideia da anima mundi coincide com a do inconsciente coletivo, cujo centro é o self.
É o guia da humanidade, que, por sua vez, é guiada por Deus.

Fig.83 O Mundo (Sforza Tarot)

Apesar da grande ênfase que Jung deu ao indivíduo, como ú nico portador da
consciência, ele enfatizou os efeitos dessa consciência individual na comunidade:
individuação não é isolamento. A auto-realização de um indivíduo invariavelmente
muda aqueles com quem ele vive, e isso afetará a comunidade, resultando em
mudanças na sociedade. Isso não significa que a pessoa auto-realizada tente criar
uma nova sociedade, mas sua iluminação interior inevitavelmente aparecerá de tal
forma que ela levará os outros para sua órbita. Uma nova realização de si mesmo em
um indivíduo fará brilhar sua reencarnação no ambiente coletivo.
"O aprofundamento e a ampliação da consciência produzem esse tipo de efeito, que
os primitivos chamavam de 'mana'", diz Jung. Ou seja, uma influência indesejada no
inconsciente alheio, uma espécie de prestígio inconsciente; e seus efeitos durarão
enquanto não forem perturbados por nenhuma intenção consciente." 124

Jung reforça a ideia de que para que a influência do indivíduo seja efetiva, nã o deve
haver intençã o, mas isso, claro, nã o significa que ela seja caó tica ou desorganizada, pois ele
entã o acrescenta:
"A resistência à massa organizada só pode ser feita pelo homem que é tão bem
organizado em sua individualidade quanto a própria massa." 125

Tanto a espontaneidade quanto a solidez desse tipo de influência sã o representadas no


conceito de anima mundi , que é desenhado como uma mulher nua em pé dentro de uma
elipse, cujos raios partem em todas as direçõ es como os raios energéticos de uma fonte de
calor ( fig. 84). Idéia semelhante é representada na arte cristã , onde o Cristo é enquadrado
dentro de uma mandorla de raios dourados, apresentando-se como uma revelaçã o
luminosa para todos contemplarem. A figura central nã o cria sua auréola em nenhum caso,
parece até nã o saber de sua existência. À s vezes, o Cristo aparece dentro de uma elipse
formada pela Árvore da Vida . Talvez as duas metades da guirlanda de mandorla do mundo
possam simbolizar os ramos da Árvore da Vida e da Árvore do Conhecimento , firmemente
entrelaçados para criar uma figura unida. Na Estrela vimos essas duas á rvores conectadas
diretamente por seu enraizamento na mesma terra e, indiretamente, pelo pá ssaro preto
que podia voar de uma á rvore para outra. No Mundo, os galhos dessas duas á rvores
aparentemente opostas formam, unidos, a guirlanda, símbolo de uma relaçã o duradoura
entre corpo e espírito, entre a felicidade de seu corpo físico como homem e seu desejo
natural de alcançar o sentido da vida. vida.

Fig. 84 Anima Mundi


A ideia de que o espírito e a carne, o céu e a terra pertencem juntos, como partes
iguais, a um todo unido, repete-se nos quatro cantos do mundo. Nos cantos superiores há
dois seres alados e nos cantos inferiores dois animais terrestres. As mandorlas de Cristo
também têm essas quatro figuras em seus cantos: sã o os quatro " animais " do Apocalipse.
Eles podem simbolizar muitas coisas, entre as quais podemos citar: as quatro direçõ es, os
quatro elementos, os quatro fluidos, as quatro funçõ es junguianas, os quatro signos fixos,
cardinais e mutá veis do zodíaco, os quatro profetas e os quatro evangelistas. A seguir,
adicionaremos seu significado para enriquecer essas figuras:

O TOURO representa a terra, Touro, estabilidade, paciência, perseverança e


substâ ncia pura. Está relacionado com o evangelho de Sã o Lucas, pois
destaca a obra que Cristo realizou na terra.

O LEÃO representa o fogo, Leã o, a criaçã o, o espírito encarnado e a


ressurreiçã o. Está relacionado com Sã o Marcos.

O ANJO representa o ar, Aquá rio, o relacionamento ideal, a busca da


verdade, a fraternidade universal e a inter-relaçã o do conhecimento
perfeito e da forma perfeita. Está relacionado com Sã o Mateus, e aparece
em forma humana, pois é Sã o Mateus quem nos oferece a genealogia de
Cristo.

A ÁGUIA representa a á gua e o Escorpiã o (já que é o escorpiã o


ressuscitado). Representa poder emocional, morte e regeneraçã o; e está
relacionado com Sã o Joã o, já que sua principal preocupaçã o era a
inspiraçã o e a natureza divina de Cristo.

Os quatro ficam de guarda e testemunham a dança da vida. Juntos, eles formam um


retâ ngulo que contém em si a mandorla. Em todas as suas representaçõ es, esta carta
aparece como um círculo inserido num rectâ ngulo que une as realidades do céu e da terra,
apresentando de uma forma muito bela o seu desenvolvimento presente e o seu potencial
futuro. Nas palavras de Walt Whitman:

Eu sou o ápice das coisas alcançadas


e eu sou a margem das coisas que hão de ser. 126
Na alquimia, o milagre da auto-realizaçã o, da uniã o harmoniosa da verdade terrena e
celestial, era chamado de " quadratura do círculo ". Representava a ideia de que o
impossível, pela graça de Deus, foi realizado, que o misterioso poderia (de fato) ser "
enquadrado " dentro da realidade física. A Figura 85 nos mostra uma representaçã o
alquímica da quadratura do círculo. Aqui um homem e uma mulher aparecem dentro do
círculo, e a ideia era que, ao quadrar o círculo, o alquimista uniu esses dois em um só .
Podemos ver algo semelhante na carta francesa do mundo (fig. 86). Atualmente, a filosofia
e a ciência modernas também buscam a quadratura do círculo, caminhando para uma
síntese entre o mundo milagrosamente intuído pelos místicos e o mundo científico da
observaçã o.

Fig. 85 Quadratura do círculo

O Princípio da Incerteza de Heisenberg destruiu muitas limitaçõ es determinadas, com


as quais o homem apontou vá rios aspectos da realidade, e essa incerteza se reflete na
linguagem da ciência de forma surpreendente. Uma vez que aceitamos que as partículas
subatô micas nã o podem ser adequadamente definidas no tempo e no espaço, os físicos hoje
falam delas como dizendo " elas têm uma tendência a existir ". Seguindo esse raciocínio até
sua conclusã o ló gica, chegamos à terrível afirmaçã o de que nó s também temos apenas "
uma tendência a existir ". As minú sculas partículas que compõ em nossos corpos estã o em
constante interaçã o com aquelas que compõ em as pessoas e objetos ao nosso redor. Assim
como interagimos constantemente com nosso ambiente através da respiraçã o, eliminaçã o,
nossos corpos aparentemente só lidos estã o em constante interaçã o com tudo ao nosso
redor. Nossas açõ es como entidades individuais tornaram-se, na melhor das hipó teses,
meras probabilidades estatísticas.

Além disso, os físicos nos explicam que esse doloroso estado de coisas continuará
assim. Já que pelo simples fato de observar a matéria o homem a modifica e a distorce, nã o
sabemos, nem jamais saberemos, se existe algo " lá fora ". Consequentemente, mesmo o
conceito de um mundo externo “ real ”, como estímulo que “ causa ” a maneira como vemos
o mundo, é tã o místico e abstrato quanto qualquer outra forma de ver a realidade.
Hoje todas as nossas distinçõ es entre dentro e fora, meu e seu, passado e presente,
desapareceram. A física moderna tornou-se cada vez mais mística; portanto, sonhos, visõ es
e outras chamadas experiências místicas tornaram-se cada vez mais aceitas como fatores
importantes em nossa realidade. Toda a experiência humana se funde, ao que parece, para
se tornar um mundo.

Fig.86 O Mundo (Tarô Francês Antigo)

Este mundo ú nico é agora entendido como um estado contínuo de transformaçã o, um


processo de evoluçã o constante, do qual cada identidade aparentemente separada (rocha,
planta, animal ou ser humano) faz parte. E isso, nã o no sentido de que o universo seja um
quebra-cabeça gigante, do qual cada um de nó s representa um pequeno segmento, mas de
que cada entidade definida é, na verdade, o mundo todo. Assim como através da técnica da
holografia pode-se recriar uma imagem completa a partir de um pequeno segmento,
também o universo inteiro está contido dentro de cada um de nó s.

Muito antes do advento da física subatô mica, místicos, poetas, artistas e filó sofos de
vá rias culturas se conectaram intuitivamente com o unus mundus subjacente à s " dez mil
coisas " de nossa experiência cotidiana. Nos escritos cabalísticos foi lindamente expresso
que cada indivíduo é este mundo em microcosmo. É interessante notar como, na tentativa
de capturar essa experiência numinosa, escritores de vá rias origens culturais parecem usar
metá foras semelhantes para capturar a essência indescritível que está no cerne de toda a
vida. Também é surpreendente (e compreensível) que os escritores de uma disciplina
frequentemente usem a linguagem de outra disciplina distante para conciliar os opostos.
Isso é particularmente evidente nos escritos contemporâ neos, onde os físicos que
chegaram à sua experiência através da observaçã o do mundo externo escrevem sobre isso
em linguagem mística, enquanto os psicó logos analíticos (especialmente Jung), que
chegaram à s suas conclusõ es através da observaçã o do mundo interior, eles
freqü entemente usam a metá fora da ciência física para descrever suas descobertas.

À s vezes, tanto o físico quanto o psicó logo escrevem como poetas, enquanto os
pró prios poetas tentam igualar o retâ ngulo ao círculo na linguagem da geometria. O
denominador comum de todos eles, como mostra o nosso Tarô , é a imagem: Um Mundo.

No nível mais profundo do ser existe um mundo. Aqui estã o alguns exemplos dessa
linguagem universal. O primeiro foi escrito por Erwin Schrö dinger, um físico ganhador do
Prêmio Nobel por sua pesquisa neste campo:

«... por mais inconcebível que pareça à razão, você e todos os outros seres conscientes
como tais, estão todos em tudo. Portanto, esta sua vida que você está vivendo não é
apenas uma parte da existência total, mas é, em certo sentido, o todo; embora esse
todo seja constituído de tal maneira que não possa ser apreendido em um simples
olhar. Isso, como sabemos, é o que os brâmanes expressam em sua sagrada fórmula
mística, que é realmente tão simples e tão clara: Tat tvam asi , este é você. Ou
também em outras palavras como "estou no leste e no oeste, estou acima e abaixo,
sou todo este mundo". 127

Abandonando para sempre o conceito de uma realidade física externa, materializada


pela observaçã o objetiva, Schrö dinger opta pelo mundo físico. Diz assim:

"Se decidirmos ter apenas uma esfera, tem que ser física, pois esta existe como um
dom para todas as experiências."

E ele expande sua definiçã o na seguinte passagem:

«...se, em vez de nos enredarmos em disparates, somos capazes de pensar de forma


natural sobre o que se passa num ser vivo, pensante e sensível... então, a condição da
nossa maneira de agir é que pensemos que tudo o que acontece, o faz em nossa
experiência do mundo, sem atribuí-lo a um substrato material objetivo do qual é uma
experiência; um substrato que seria de fato total e inteiramente supérfluo. 128
Ouça agora CG Jung, que muitas vezes foi chamado de místico (e isso quando o
misticismo era considerado um pecado mortal por alguns):

"A originalidade da psique é de tal magnitude que nunca pode ser totalmente
compreendida, podemos apenas percebê-la grosseiramente, embora ainda
permaneça a base absoluta de toda a consciência. Os "fundamentos" mais profundos
da psique perdem sua singularidade individual à medida que retrocedem cada vez
mais para a escuridão. "Mais abaixo" é como dizer que eles se aproximam do sistema
de funcionamento autônomo, tornam-se cada vez mais coletivos, até que se
universalizam e se extinguem na materialidade do corpo; por exemplo, em corpos
químicos. O carbono no corpo é carbono simples. Portanto: “no fundo”, a psique é
simplesmente “mundo”.» 129

Ao contrá rio do pensamento de Schrö dinger, Jung nã o abandonou um aspecto do


mundo em favor de outro. Caracteristicamente, ele conseguiu encontrar o tertium non
datur no nível mais profundo da psique do ser, onde os dois mundos poderiam ser
reconciliados. Diz assim:

"É claro que há pouca esperança, se é que há alguma, de que o Ser unitário possa ser
concebido, uma vez que nossos poderes de pensamento e linguagem permitem
apenas demonstrações antinomianas. Mas sabemos de tudo isso, sem sombra de
dúvida, que a realidade empírica tem um pano de fundo transcendental, um fato que,
como demonstrou Sir James Jeans, pode ser expresso pela parábola da caverna de
Platão. O pano de fundo comum da microfísica e da psicologia profunda é tanto físico
quanto psíquico e, portanto, nenhuma das duas coisas, mas uma terceira, uma
natureza neutra que pode ser intuída na melhor das hipóteses, pois é essencialmente
transcendental.» 130

Geraçõ es de homens e mulheres tentaram conciliar o quadrado fixo da realidade


terrestre com o movimento circular do infinito. Aqui Dante descreve sua luta com o enigma
do universo. Como a maioria de nó s, ele tentou abordá -lo em primeiro lugar por meio do
raciocínio da mente:

Como o geômetra aplica sua mente


quadratura do círculo, e nem mesmo com toda a sua engenhosidade
encontre a fórmula certa, mesmo que tente;
É assim que eu tento, com esse espanto, encaixar
a imagem na esfera; e assim tentar ver
como manter o pé nele.

E como a maioria de nó s, eu estava procurando uma oportunidade. Entã o, quando ele


desistiu de toda a esperança, a iluminaçã o apareceu de repente, pela graça de Deus. Ele
descobriu que o amor de Deus era a chave para o mistério da vida:

Mas as asas para tal voo não eram minhas


pois, como eu desejava, a verdade desejada apareceu
sulcando minha mente em um grande flash de luz.

Aqui meus poderes descansaram dessa alta fantasia


Mas de repente eu pude sentir meu corpo virar
instinto e intelecto igualmente equilibrados.

Como numa roda, cujo movimento não incomoda


pelo Amor que move o Sol e as demais estrelas. 131

A quadratura do círculo é o problema universal de toda a humanidade. Vimos como


poetas, filó sofos, cientistas, artistas e psicó logos lutaram com ela, e sabemos que cada um
de nó s também deve encontrar sua pró pria chave para a geometria da vida. Observamos
como as cartas do Tarô apresentaram os confrontos do heró i com esse enigma eterno.
Descrevemos os motivos das oposiçõ es à medida que surgiram nas diferentes etapas de sua
jornada, até chegar a uma soluçã o no Mundo.

Si miramos el Mapa del Viaje (fig. 3), podemos ver có mo la carta final de cada una de
las tres filas horizontales representa un estadio específico en el progreso del héroe y có mo
las tres cartas de su eje vertical se conectan entre sí y con as demais. No topo desta linha
vertical encontramos a Carruagem. A figura central ali nã o era uma figura humana nua, mas
um rei, vestido com todo o seu esplendor; ele era representado de pé no chã o, apesar de
toda a oposiçã o do instinto natural (representado pela parelha de cavalos), com o qual nã o
tinha contato direto. Os quatro pontos cardeais eram representados por quatro postes
rígidos que o confinavam em um pequeno espaço retangular. O dossel que o protegia o
separava da iluminaçã o de cima. Parecia ó bvio que, embora nosso heró i estivesse em uma
jornada, era, a essa altura, uma viagem do ego. Se ele se imaginasse o verdadeiro motorista,
ainda assim experimentaria muita humilhaçã o ao longo do caminho.
Vimos alguns deles representados no Enforcado e na Morte; mas em Temperance, a
carta diretamente abaixo da Carruagem, tudo o que havia sido invertido, desmembrado e
estagnado parecia fluir junto novamente na figura de um anjo derramando essência líquida
de um recipiente para outro. Nesse ponto, as energias do heró i, antes dedicadas ao
desenvolvimento do ego e à conquista do mundo exterior, começaram a se voltar para o
desenvolvimento interior. A figura que presidiu essa mudança nã o era um ser humano, era
um anjo, uma figura arquetípica que simbolizava um movimento que acontecia no
inconsciente profundo. Antes que pudesse tomar consciência da presença divina dentro de
si, o heró i teve que passar pela depressã o e obscurecimento, até mesmo pelo perigo de
psicose, como vimos na Lua, cujo nome nos lembra a palavra "luná tico".

A linha inferior do nosso mapa representa os vá rios níveis de iluminaçã o, desde a


confusã o luciferiana até a explosã o solar do insight dourado. Agora o heró i emerge em um
novo mundo cujo brilho agradá vel reflete elementos de tudo o que aconteceu antes. Uma
vez que esta carta fecha a série, parece curioso que o seu nú mero, vinte e um, nã o a marque
como uma daquelas cartas-semente cuja reduçã o numérica levou a dez, encerrando assim
uma fase específica de desenvolvimento. Pensar assim seria nã o contar com a influência do
Louco, cujo nú mero zero lhe conferia poderes e privilégios especiais. Ele nos iniciou na
jornada e, como vimos, de vez em quando quebrava outras cartas, ora para provocar o
heró i, ora para apoiá -lo. Sem dú vida, agora também está esperando, invisível, para
conduzir o viajante de volta a um novo confronto com o Mago e a um novo começo no
labirinto sem fim da individuaçã o.

Observamos como o Louco conseguiu estar presente nos momentos importantes da


jornada do Tarô . É fá cil, entã o, imaginá -lo por perto, fora do alcance da câ mera, esperando
para testemunhar o nascimento de si mesmo. Em algumas pinturas que representam o
nascimento de Jesus, muitas vezes aparece um louco, vestido de diferentes maneiras, em
atitude de adoraçã o diante da manjedoura. Na Adoração da Manjedoura, de Ferrari (fig. 87),
vemos o Louco em pé, olhando atô nito para o Presépio. Curiosamente, esse momento de
iluminaçã o espiritual nã o ocorre no topo de uma montanha estéril, mas nasce em uma
manjedoura. Nesta coincidência é importante notar que o cachorro do Louco também
participa desta experiência. Em certo nível de conhecimento, isso parece muito apropriado,
pois, sem a proteçã o e orientaçã o de seu animal correspondente, o Jester nunca teria
encontrado o caminho para o está bulo. A pintura de Ferrari também nos oferece outras
visõ es possíveis: se o Louco tivesse rejeitado a parte "animal" de si mesmo , neste momento
supremo ele teria permanecido incompleto e esperando. O artista pode querer nos dizer
que somente aqueles que sã o puros de espírito e puros de coraçã o podem entrar no Reino
dos Céus com o Sá bio Anciã o.
Mas, como sabemos, o Louco nã o fica muito tempo no mesmo lugar. Em breve a nossa
pequena mascote, L'ami de Dieu, o amiguinho de Deus (e nosso) estará impaciente por
estar lá fora, convidando-nos a partilhar com ele uma viagem rumo a novas dimensõ es do
conhecimento. Como o Tarô nos mostrou, a vida é um processo, a vida é movimento;
serenidade nã o é estar livre da tempestade, mas manter o equilíbrio no centro dela. Assim,
o Mundo nã o pode ser o ponto final da jornada do heró i; é antes a imagem que o inspirou a
empreendê-lo. Jung resume assim:

Fig. 87 Adoração diante da Manjedoura (Gaudenzio Ferrari, 1545-6)

"A redenção total dos sofrimentos deste mundo é, e deve permanecer assim, uma
ilusão. A vida de Cristo na terra terminou, não com uma bênção indulgente, mas na
cruz. A meta é importante apenas como uma ideia; o essencial é o trabalho que
conduz à meta: esta é a meta de uma vida”. 132

25. SOBRE COMO JOGAR CARTAS

Nos capítulos anteriores, discutimos o simbolismo do Tarô e sugerimos algumas


técnicas de uso das cartas para nos ajudar em nossa vida diá ria. Outra forma de usar o Tarô
para nossa visã o e crescimento pessoal é dispor e " ler " as cartas. Quando lemos as cartas,
fazemos uma pergunta, depois distribuímos um nú mero específico de cartas de uma
determinada maneira e estudamos seu simbolismo e relacionamento para encontrar uma
resposta para nossa pergunta. Aqui vamos discutir as implicações filosóficas de lidar,
algumas técnicas para interpretar suas respostas e sugerir um método de lidar com esse
propó sito.
Isso é adivinhação?

Sua primeira associaçã o de ideias com "jogar ou ler" as cartas provavelmente foi
prever sorte. Pelo menos este era o meu. Mas nunca usei as cartas para prever
especificamente eventos futuros para mim ou para outras pessoas. Eu senti que fazer isso
geralmente nã o era ú til e poderia ser prejudicial. Em vez disso, vejo as cartas como
representaçõ es simbó licas das forças arquetípicas em açã o em todos os aspectos da vida ao
mesmo tempo, forças que chamam nossa atençã o agora, no momento presente. Na pá gina
286 podemos ver o esquema do rolo que utilizo. Você verá posiçõ es marcadas como
passado recente, presente, futuro imediato e pró ximo ano. Qualquer que seja a carta que
caia no passado recente, considero que simboliza uma força arquetípica que dominou
durante alguns dos ú ltimos meses. Vejo o Presente como a força ativada no momento e a
carta indicada como Futuro Imediato como uma influência que começa a aparecer no
horizonte. Essa imagem futura, oportunamente, começará a crescer, dando origem à carta
designada como Ano que vem, que fala de uma influência mais consistente, que brilhará
como pano de fundo ao longo do pró ximo ano. Localizada no centro, entre essas quatro
cartas, está uma marcada como Sua Carta. Isso representa a situaçã o psíquica do
consulente, em relaçã o à vida em geral no momento presente. Está no centro, por sua
importâ ncia especial e porque sua relaçã o com as outras cartas é central para toda a
leitura. Essas cinco cartas basicamente falam sobre a situaçã o geral do buscador em todos
os aspectos de sua vida, incluindo, é claro, a pergunta feita, mas nã o a respondem
especificamente.

As quatro cartas marcadas como Orá culo estã o relacionadas à pergunta feita. A carta
marcada neste grupo como o Significador é a que responde à pergunta. As outras três
cartas modificam, estendem e expandem esta resposta.

Quando digo que nã o uso as cartas para prever eventos futuros, isso nã o significa que
uma interpretaçã o simbó lica nã o carregue consigo uma relaçã o com eventos externos que
possam ocorrer no futuro. Naturalmente, qualquer técnica que expanda a autoconsciência
no presente terá profundas implicaçõ es para o futuro. Quando saímos de um encontro
esclarecedor com o inconsciente, nã o somos literalmente a mesma pessoa que éramos uma
hora antes. À s vezes damos um passo à frente com um grande ah...! com luzes que acendem
e sinos que tocam. Mais frequentemente, experimentamos uma reaçã o retardada quando
voltamos à nossa vida diá ria com uma série de pequenas visõ es, pequenas ideias recém-
semeadas que amadurecerã o gradualmente nos dias e semanas seguintes. Mas quaisquer
que sejam as ideias e as intuiçõ es que nos cheguem, e como nos cheguem, certamente
produzirã o uma mudança na nossa imagem interna e no nosso comportamento externo, e
estas novas formas de ser e de agir produzirã o novas reacçõ es nas pessoas e nas situaçõ es
que nos cercam. Mais importante, à medida que evoluímos e mudamos, novos caminhos de
interesse, novos contatos e novas escolhas se abrirã o diante de nó s, de modo que nã o
apenas nã o retornaremos à nossa antiga vida de uma nova maneira, mas também
começaremos a atrair um vida totalmente nova, nova de muitas maneiras diferentes. Visto
desta forma, pode-se dizer que a leitura simbó lica do Tarô , mais do que a leitura literal, nã o
prevê um futuro certo, mas nos oferece a oportunidade de participar da criaçã o de um
futuro novo e imprevisível.

Interpretações: Previsão vs. Simbolismo

É claro que existem muitos exemplos em que podemos olhar para trá s, em retrospecto,
como uma interpretaçã o preditiva das cartas teria sido absolutamente correta e em que o
evento " previsto " realmente aconteceu. No entanto, acredito que a interpretaçã o preditiva,
por mais verdadeira que pareça em um nível ó bvio, carece da verdade interior que
buscamos em uma leitura de Tarô e serve para desviar nossa atençã o da compreensã o
autêntica de nó s mesmos.

Vou ilustrar isso por meio de um exemplo tirado de minha experiência pessoal como
leitor de Tarô . Está relacionado com a série Oros o Dinero, que ambos incentivam a prever "
boa sorte " em um nível literal. Volto à leitura em que as moedas apareciam três vezes: a
primeira vez no lugar da Fortuna Imediata, novamente no Ano Seguinte e a terceira vez
como o Significador.

Embora a tentaçã o de fazê-lo fosse quase irresistível, nem meu cliente nem eu
contestá vamos que as moedas previam enriquecimento monetá rio futuro. Vimos nessas
moedas de ouro uma representaçã o simbó lica da energia que antes estava escondida sob a
terra escura do inconsciente, mas agora, retirada da mina, cunhada e polida, estava pronta
para ser utilizada.

Meu cliente tomou a mandala desenhada pelas moedas de ouro como um símbolo das
profundezas de si mesmo. Ele observou que o Á s de Ouros tinha duas " alças " e pensou que
essas alças poderiam ajudá -lo a obter um novo " entendimento de ouro " e usá -lo de forma
criativa. Ele notou que esse par de alças estava localizado em cada lado das moedas,
sugerindo que esse novo entendimento poderia ser alcançado e mantido com outra pessoa.
Ele pensou naquele momento em alguém específico que encontrava de vez em quando.
Como o relacionamento com essa pessoa tratava, entre outras coisas, de questõ es
financeiras, discutimos entã o se as moedas representavam dinheiro; ainda nã o
pensá vamos neles como anunciando uma futura colheita de dinheiro. Entendemos que isso
significa que o Tarot apresentou moedas como uma forma de chamar a atençã o para a
necessidade de ser mais consciente do dinheiro. Uma carta em particular, o Valete de
Ouros, sugeriu à minha cliente que eu estava mostrando a ela uma moeda para ela fazer
uma introspecçã o, perguntando a si mesma:

O que você pensa sobre o dinheiro, você o quer, você o despreza, você tenta guardá-lo ou
o quê?

Enquanto procurava respostas para essas perguntas, ela descobriu que nunca havia
explorado seus pensamentos ou sentimentos sobre dinheiro antes. Embora nunca tenha
sido rica, financeiramente sempre foi bem, sem medo da pobreza e sem desejo de riqueza
no futuro. Ela nunca parou para contemplar o que poderia significar ser verdadeiramente
pobre, nem considerou as oportunidades que uma grande riqueza poderia lhe oferecer,
bem como as responsabilidades que isso traria.

Assim que começou a tecer fantasias sobre essas coisas, chegou à conclusã o de que, de
alguma forma, se via mais capaz de lidar com a pobreza do que com uma riqueza
extraordiná ria. Embora em algumas á reas de sua vida ele tivesse se beneficiado da
oportunidade de aumentar sua liberdade e ampliar suas escolhas que a riqueza oferecia, ele
também percebeu que acharia esses vastos horizontes terrivelmente confusos e
assustadores. Ela percebeu que ser capaz de dizer sim a todas as oportunidades que se
apresentavam iria destruí-la. Explicou-me, por exemplo, que gostava muito de viajar e tinha
a certeza de que, se tivesse meios para o fazer, sentir-se-ia tentada a dedicar a sua vida a
cruzeiros sem fim, em detrimento da sua viagem interior, que era naquele momento o
objetivo de sua vida. Ela também percebeu que nã o poderia aproveitar esses cruzeiros, pois
sempre se sentiria culpada por gastar todo o dinheiro consigo mesma, enquanto " milhões
de pessoas passavam fome ".

Passamos alguns minutos de sua hora discutindo essa culpa. Seria porque ela se sentia
culpada pelos " milhões de pessoas que passavam fome " e pelas quais ela podia fazer
relativamente pouco. Ou era mais o sentimento de culpa por sua negligência nas
profundezas de si mesma (sobre a qual ela tinha muito o que fazer)? Ambos nos vimos tã o
absortos nessa discussã o que nosso tempo juntos passou sem um olhar para aquela "
herança inesperada ", que é o que todos os adivinhos ciganos realmente querem dizer.

É muito interessante pensar que, neste caso, tal previsã o cigana teria sido verdadeira.
Alguns meses depois de nossa leitura de Tarô , meu cliente de fato recebeu uma quantia
significativa de dinheiro, nã o por herança, mas de uma fonte totalmente inesperada.
Quando ele me ligou para dar a notícia de sua boa sorte, ele também me fez uma pergunta:
por que você nã o me contou? A resposta é ó bvia e simples. Primeiro, eu nã o sabia. Acontece
como nos sonhos preditivos, apenas os flashbacks oferecem 100% de visã o. Mais
importante, mesmo que tivéssemos certeza absoluta do que iria acontecer, como essa
previsã o poderia ter sido ú til?

Buscando uma resposta para essa pergunta, revisamos juntos as cartas do Tarô que ele
havia desenhado em sua distribuiçã o e nossa subseqü ente discussã o sobre elas. Você o
teria achado ú til em relaçã o à sua riqueza recém-adquirida?, perguntei. Nã o seria possível
que uma interpretaçã o preditiva pudesse ter um efeito negativo? por exemplo: ele poderia
ter sonhado dias e dias com a pilha de dinheiro que cairia do céu como resultado de iniciar
a situaçã o que Jung chama de « a vida provisória », em vez de fazer o que ele realmente fez:
voltar à s suas atividades diá rias com um pouco mais de percepçã o.

Embora minha amiga pensasse que nossa conversa anterior havia sido uma excelente
preparaçã o para sua sorte inesperada, ela nã o conseguia acreditar que uma leitura
preditiva fosse prejudicial. Havia um ponto, porém, em que ambos concordamos: se eu
tivesse previsto a chegada da riqueza no futuro e ela nã o tivesse acontecido, entã o eu teria
razã o em reclamar.

Existem muitas situaçõ es em que uma interpretaçã o literal pode causar mais danos do
que a anterior. Um deles é o spread em que, ao mostrar uma carta, logo vem à mente
alguém que possui aquelas características, comportando-se de tal forma que nos faz tomá -
las como reais. Se interpretarmos esta carta como significando que a pessoa em questã o
está agindo ou vai agir como o desenho parece indicar, teremos problemas. Por uma razã o,
e é que esse falso entendimento alterará nossa maneira de agir em relaçã o a ele e isso
iniciará uma reaçã o em cadeia que pode destruir o relacionamento.

Por " falsa compreensão " nã o quero dizer necessariamente que a pessoa em questã o
nã o se comporte, em algumas ocasiõ es, da maneira que pensou que a carta do Tarô sugeria.
Isso pode ou nã o ser o motivo, mas em qualquer caso nã o é o problema central. Por " falsa
compreensão " quero dizer a noçã o equivocada de que a carta à sua frente tem uma relaçã o
direta com uma pessoa real na vida exterior. Obviamente, nã o é um ser humano, nem
mesmo uma fotografia dele. O que vemos refletido ali é sua pró pria experiência subjetiva, a
imagem que ele tem dessa pessoa, baseada em suas pró prias reaçõ es, obtidas de
experiências passadas com ela. Quando somos tentados a olhar para uma carta muito
literalmente, é importante lembrar que nem nó s nem o Tarô temos o poder de prever o
comportamento futuro. Nã o podemos ver antecipadamente as açõ es dos outros; nã o
podemos alterar diretamente seu curso nem podemos nos preparar especificamente com
antecedência para combatê-los, mas podemos mudar a nó s mesmos. Podemos modificar as
imagens que temos dos outros e, ao fazê-lo, modificar nosso comportamento em relaçã o a
eles. : Isso afeta a atitude que eles têm conosco. O exemplo a seguir, uma hipó tese, ilustrará
alguns dos problemas que surgem ao confundir um personagem do Tarô com um ser
humano específico, e exploraremos algumas técnicas para modificar as imagens internas
que as cartas deram origem.

Vamos imaginar que o Cavaleiro de Espadas apareça em nossa pá gina. Já conhecemos


o significado simbó lico do Cavaleiro em questã o, tal como aparece no Cavaleiro de Ouros;
Ainda no capítulo sobre o Imperador, a Justiça e o Carro, estudamos o simbolismo das
espadas e dos cavalos. Embora já tenhamos uma excelente plataforma para ver
simbolicamente o Cavaleiro de Espadas, podemos achar difícil fazê-lo agora, pois suponha
que essa figura do Tarô apareça repentinamente como uma pessoa com quem está
relacionado. Poderíamos dizer que o Cavaleiro do Tarô se apresenta a ele como um homem
agressivo que irrompe violentamente com a espada na mã o e cujo temperamento e
comportamento lembram muito os de uma determinada pessoa em particular, que o atacou
e feriu em vá rias ocasiõ es. Em seguida, imagine que o Cavaleiro de Espadas pousou na
posiçã o marcada como Futuro Imediato, logo à direita de Seu Grá fico, de modo que o
cavaleiro apareça com a lança apontando diretamente para você. Em tal situaçã o, a
tentaçã o de pensar na letra literalmente é irresistível. Parece tã o convincente como se fosse
uma fotografia atual da pessoa em questã o se comportando exatamente como vemos na
imagem, ou se preparando para isso.

A pessoa diz a si mesma: " Vamos voltar aos velhos tempos? », e conclui-se que o Tarô
prevê novos ataques e passamos a reviver ocasiõ es passadas em que essa pessoa feriu
nosso ego, feriu nosso orgulho, feriu nossos sentimentos e etc, etc. Enquanto alguém fica
lambendo as feridas, cheio de raiva, hostilidade e desejo de vingança, emoçõ es desse tipo
sobem à nossa garganta. Com esse espírito, começa a se preparar para o pró ximo ataque (o
que parece uma conclusã o precipitada).

Como alguém se prepara para esse ataque dependerá , é claro, do estado de espírito do
momento e do pró prio temperamento. Alguém poderia se preparar, por exemplo, pulando
do cavalo com a lança nas mã os e fogo nos olhos pronto para procurar aquele vilã o e
esmagá -lo em “legítima defesa”. É claro que, se alguém embarcar nessa carreira, acabará se
assemelhando a esse "inimigo implacá vel" que, como já deve ter observado, está pronto
para fazer mal, nã o a si mesmo, mas a si mesmo.

Se você é uma pessoa de temperamento calmo, provavelmente se preparará para o


ataque do cavaleiro de outra maneira. Por exemplo, em vez de mobilizar energias
preparando-se para um ataque, decide-se retirar-se de tudo, de toda a disputa. Com isso em
mente, começa-se a pensar e fazer planos para evitar a todo custo enfrentar o adversá rio.
Se alguém seguir tal procedimento, o custo será alto de qualquer maneira. Você
provavelmente acabará desperdiçando muitas oportunidades criativas, fazendo sua vida
dançar, geralmente sem sentido ou propó sito. No final, a pessoa está inclinada a conhecer o
Cavaleiro das Espadas ou alguém que se pareça muito com ele. As florestas estã o cheias
deles. Eles vivem em cada um, em todos os lugares, até, oh, espanto! em você e em mim. É
exatamente por isso que essa imagem é tã o atraente.

É ó bvio que esta carta do Tarô nã o tem nenhuma relaçã o com um ser humano
específico. Representa uma forma de comportamento instintivo, típico de todos os seres
humanos em geral, entre os quais nã o há dú vida de que se encontram o adversá rio e a si
mesmo. Este Cavaleiro representa, assim, uma imagem arquetípica, que, neste caso, se
projetou para uma pessoa específica.

Quando vimos o mecanismo de projeçã o nos capítulos anteriores, percebemos que era
automá tico e inconsciente, e que as qualidades projetadas eram geralmente aquelas que
existem em nó s mesmos, das quais desconhecemos relativamente. Um bom primeiro passo
para lidar com o Cavaleiro de Espadas é parar por um momento para tomar consciência
dessas qualidades latentes dentro de si. Todos nó s nos sentimos agressivos e hostis em
algum momento. Você se sente assim agora? Se nã o, você poderia tentar se lembrar de
momentos em que se sentiu assim? Se você conseguir entrar em contato com qualquer um
desses sentimentos dentro de si, seus sentimentos em relaçã o à pessoa com quem você
associou esta carta podem mudar. Ao carregar qualquer um desses sentimentos negativos
nas costas dele, você aliviará o fardo que ele carrega por você, mudando assim a imagem
dele. Se você fizer isso, verá seu oponente sob uma luz diferente; agora você descobrirá que
nã o pensa mais nele como "o inimigo", mas como "o amigo sofredor" ou mesmo "irmã o".

Outra técnica para lidar com essa situaçã o de forma criativa é estudar o Cavaleiro de
Espadas cuidadosamente em cada detalhe. Se sua associaçã o entre ele e seu adversá rio foi
instantâ nea, é possível que tenha chegado a suas conclusõ es esquecendo-se de muitos
detalhes importantes. Por exemplo, se você imaginou que o Cavaleiro estava levantando a
lança em sua direçã o, olhe para si mesmo novamente. Isto é certo? Olhando para ele com
menos emoçã o, agora parece que ele está segurando a arma na mã o esquerda
(inconsciente), de maneira casual. Seus olhos nã o parecem fixos em você, como se você
fosse um alvo, mas sim perscrutando o horizonte distante. Ele é, afinal, um Cavaleiro que se
propõ e a conquistar. Talvez você esteja tã o preocupado com um objetivo distante que
ainda nã o percebeu que sua situaçã o atual é Sua Carta. Talvez, também, ele seja tã o
dedicado ao seu objetivo final que, enquanto nã o tem consciência da existência de qualquer
coisa na cena atual, ele a vê apenas como um minú sculo objeto a caminho de sua "guerra
santa".

Uma maneira de explorar ainda mais algumas dessas ideias pode ser escrever uma
peça curta sobre essa imagem. O que você imagina que seja sua busca? A figura central
retratada em Sua Carta percebe que está no caminho do Cavaleiro? Você poderia sair do
caminho do Cavaleiro? Se nã o, nã o seria melhor se ela gritasse para avisar o Cavaleiro de
sua existência, antes de ser pisoteada até a morte pelos cascos de seu cavalo? Se o fizesse, o
Cavaleiro prestaria atençã o nele? Como o cavalo se comportaria se alguém em seu caminho
gritasse por socorro? Pode-se parar neste ponto e escrever um diá logo dramá tico,
incluindo os três personagens, Você, o Cavaleiro e o Cavalo.

Tendo refrescado seu espírito com um pouco de fantasia, ele agora pode voltar sua
atençã o para o problema que tem com o «Cavaleiro de Espadas» externo. Essa pessoa
também está em algum tipo de pesquisa? Em caso afirmativo, qual você imagina que
poderia ser seu objetivo? Você consegue pensar em alguma maneira de passar
despercebido no seu caminho? Você já "montou a cavalo" com tanta intensidade que teve
uma "visã o de tú nel" que só percebe o que está diretamente à sua frente? Você consegue se
lembrar de algum caso de ferir inadvertidamente alguém em seu caminho?

Claro, ser ferido por uma lança afiada dó i, mesmo que a ofensa tenha ocorrido sem
intençã o. Mas se você tomar o tempo para agir em qualquer uma das técnicas descritas
acima, provavelmente acabará com a sensaçã o de que há uma grande quantidade de
inconsciência em ambos os lados desta questã o. Se o relacionamento é valorizado por você,
e é porque o aparecimento desta carta do Tarô nã o teria produzido uma emoçã o tã o forte
de outra forma, entã o o pró ximo passo pode ser encontrarmos a pessoa em questã o e
compartilhar alguns dos sentimentos que isso despertou. em você.

Se você seguir qualquer uma das técnicas descritas aqui, descobrirá por si mesmo
como abordar as cartas de maneira simbó lica, em vez de literal, pode provocar mudanças
prá ticas na vida cotidiana. Quando projetamos uma qualidade arquetípica em outra pessoa
e/ou reagimos a uma situaçã o de forma inconsciente, arquetípica, o Tarô nos oferece uma
técnica para separar a forma arquetípica da pessoal, ajudando assim todos aqueles que
estã o comprometidos com sua pró pria humanidade .

Como sabemos agora, as figuras do Tarô podem conter todos os tipos de projeçõ es; à s
vezes eles parecem incorporar qualidades demoníacas; outras vezes parecem estar
imbuídos de atributos divinos. Em ambos os casos é importante separar o humano do
arquetípico. No caso hipotético anterior, o Cavaleiro de Espadas apareceu combinando
algumas qualidades negativas, como agressividade, hostilidade, falta de consideraçã o e
outras afins. No entanto, para algumas pessoas, esse mesmo Cavaleiro de Espadas pode ser
um ser ou figura muito ú til. Para esta pessoa, o Cavaleiro pode ser uma figura salvadora,
um bravo cavaleiro que galopa em direçã o à Sua Carta para resgatar o consulente de uma
situaçã o estranha e temerosa.

Talvez seja você quem vê o Cavaleiro de Espadas sob esta luz positiva. Você pode
imaginar que isso "significa" que algum "cavaleiro" de seu ambiente externo está prestes a
resgatá -lo de qualquer problema em que você esteja atualmente. Imaginar que isso é assim
nã o leva a lugar nenhum. Primeiro, porque as suas esperanças podem nã o se realizar e,
segundo, porque quando confiamos a nossa salvaçã o a alguém, automaticamente nos
colocamos no papel de "vítimas das circunstâ ncias", como quem procura ser salvo pelos
outros em vez de procurar a nossa pró prias soluçõ es para nossos pró prios problemas.

Aqui, novamente, uma interpretaçã o simbó lica seria mais ú til do que literal. Suponha
que alguém tome este Cavaleiro de Espadas como uma figura salvadora; Simbolicamente,
entã o, isso representaria uma qualidade ou potencial arquetípico de si mesmo. O fato de
você ter a tendência de projetá -la nos outros provavelmente indica que essa qualidade está
adormecida e nã o reconhecida dentro de você. O fato desta carta surgir neste momento
pode significar que você já está maduro para começar a reconhecer e desenvolver esta
qualidade inata em você. Como você imagina que esse "salvador" interior pode salvá -lo na
situaçã o atual? Ela poderia usar sua coragem agora e jogar sua segurança pessoal nas
costas, correndo para frente? Você está tã o envolvido na rotina irracional da vida cotidiana
que perdeu contato com seu espírito de conquista? Como o seu Cavaleiro de Espadas
interior poderia ajudá -lo especificamente agora?

Para obter respostas a essas perguntas, volte à carta e estude-a cuidadosamente,


conforme descrito acima. Veja as conexõ es com Sua Carta. A figura central da carta precisa
de ajuda? Se sim, o que o Cavaleiro pode fazer para ajudar? Você pode imaginar um diá logo
entre essas duas figuras, olhando para esses dois personagens como poderes existentes em
sua psique. Você também pode tentar desenhar um retrato do seu Cavaleiro interior.
Parece com o que aparece no Tarot ou nã o? Se nã o, como é diferente?

À s vezes, quando tentamos representar a situaçã o que aparece no Tarô , nos


deparamos com dificuldades, pois o personagem central de determinada carta nã o é
representado como um ser humano. Por exemplo, na Roda da Fortuna o personagem
central é a Roda, enquanto os outros personagens parecem ser animais. Nã o importa,
selecione um desses animais ou a pró pria Roda e ensine-os a falar. O Tarot representa um
mundo má gico e quando entramos neste mundo, nos tornamos má gicos e quando voltamos
à nossa realidade diá ria, permanecemos em contato com muitos dos poderes má gicos que
estã o ao nosso alcance na psique humana. Apó s essa jornada interior, geralmente
percebemos que nã o somos mais vítimas das circunstâ ncias que pensá vamos ser antes.
Tendo entrado em contato com nosso salvador interior, nã o nos sentimos mais como seres
indefesos esperando a salvaçã o de fora. Talvez nosso Cavaleiro interior, cheio de recursos,
tenha nos ensinado o caminho para escapar de nosso problema, ou se nosso problema for
insolú vel, tenha nos dado coragem para enfrentar nosso destino.

E a carta da morte?
Cada vez que a Morte aparece em uma propagaçã o do Tarô , tendemos a nos sentir
desconfortá veis. É a carta que mais tememos tomar no sentido literal, pois é a que mais nos
tenta a fazê-lo. Se isso acontecer com você e você tiver medo desta carta, deixe-me ajudá -lo
a relaxar sua mente citando minha experiência com ela. Eu li profissionalmente o Tarô para
clientes de todas as idades por muitos anos e tenho um arquivo com cada leitura, e em
todas as leituras em que a Morte surgiu, ninguém para quem esta carta apareceu jamais
encontrou a morte física. Os ú nicos dois que realmente conheciam essa transiçã o nã o
haviam rolado Morte em suas rolagens. As duas consultoras eram mulheres maduras, com
sabedoria e perspicá cia excepcionais. Um deles tinha noventa anos quando ela fez sua
pergunta; ao ver as cartas que havia sacado, expressou sua surpresa por nã o ter visto a
Morte, pois eram obviamente "suas cartas". Depois de pensar no significado desse fato,
chegamos à conclusã o de que foi por ela estar tã o preparada para enfrentar a morte, tã o
aberta a todas as formas de transiçã o em sua vida, que o Tarô nã o propô s o Tarô para sua
consideraçã o. Carta.

Como resultado dessas experiências (assim como uma em que a Morte apareceu no
Passado Recente, sem conexã o correspondente na realidade externa) parece que o Tarô
nã o pretende que tomemos esta carta literalmente, mas sim a apresente simbolicamente
em contexto da transformaçã o de nossas vidas neste planeta. No entanto, como a morte
física é um fato da vida que todos devemos enfrentar mais cedo ou mais tarde, parece
apropriado usar esta carta como uma plataforma para explorar nossos sentimentos sobre a
morte. Há uma grande diferença entre se preparar para o fato da morte em geral e ter
medo da morte por previsõ es assustadoras de destruiçã o iminente que nã o têm conexã o
imediata com a realidade.

Predestinação ou livre arbítrio?

Se continuá ssemos nossa discussã o sobre leituras divinató rias até sua conclusã o final,
nos encontraríamos atolados na eterna questã o entre o fatalismo e o livre-arbítrio. As
limitaçõ es deste livro impossibilitam tal discussã o; mas gostaria de oferecer aqui algumas
perguntas para sua consideraçã o e compartilhar algumas de minhas tentativas de
respondê-las. Essas perguntas surgiram do breve encontro com um estranho e o fizeram da
seguinte maneira:

Certa noite, durante o jantar, encontrei-me sentado ao lado de um jovem afável e


extrovertido que parecia estar se sentindo muito bem consigo mesmo e com a vida
em geral. Fiquei muito surpreso quando ele me pediu uma leitura de Tarô. Era tão
difícil para mim imaginá-lo consultando as cartas que lhe perguntei de que maneira
ele achava que o Tarô poderia ajudá-lo.
- Oh! Ele respondeu: "é muito simples." Sou corretor da bolsa e gostaria que o Tarô
me dissesse quais ações comprar.
Respondi mordazmente que meu Tarot não fazia previsões desse tipo, porque se
fizesse, certamente eu não estaria sentado ao lado dele; Ele provavelmente estava
navegando em um dos meus iates. O resto da noite transcorreu agradavelmente, sem
mais menção ao encontro marcado para uma leitura de Tarô.

Mais tarde, quando cheguei em casa, estava refletindo sobre essa conversa trivial. O
que havia de errado em meu companheiro de jantar esperar que o Tarô previsse as jogadas
do mercado de açõ es? Claro, havia um certo perigo de lermos a mensagem das cartas
incorretamente, mas supondo que pudéssemos sintonizar corretamente os conselhos do
Tarô , o que haveria de errado com a ideia de consultar o Orá culo sobre os movimentos das
cartas • a bolsa que pode deixá -lo rico da noite para o dia?

Enquanto pensava nisso, ficou clara para mim a ideia de que se as atividades futuras
do mercado de açõ es pudessem ser pré-estabelecidas e informaçõ es precisas sobre os
movimentos do dia seguinte pudessem ser obtidas através do Tarô , entã o nossas açõ es
individuais em relaçã o à bolsa (e com tudo mais) devem ser programados e predefinidos da
mesma maneira. Nesse caso, seria inú til uma prévia da bolsa oferecida pelo Tarô , pois nã o
se teria a liberdade de escolha necessá ria para agir de acordo com os conselhos dados pelas
cartas.

Vou ilustrar esse exemplo com a seguinte hipó tese: suponha que meu companheiro de
jantar, a quem chamaremos de Jim, fez uma leitura de tarô e recebeu a mensagem clara de
que os valores de X quadruplicariam de valor no dia seguinte. Ele ligaria imediatamente
para a corretora, com a firme intençã o de investir suas economias nesse título. De acordo
com a presente hipó tese, Jim só poderia realizar sua intençã o na suposiçã o de que estava
predestinado a fazê-lo. Se nã o fosse o destino (predestinado) de Jim comprar a açã o X, ele
nã o o teria feito, embora o Tarô o tivesse aconselhado e essa fosse sua intençã o. Algo teria
acontecido "por acaso" em seu caminho, o que o teria impedido de realizar essa "livre
escolha" em tal assunto; ou da mesma forma, se fosse seu destino comprar os valores X,
certamente o teria feito, consultando ou nã o o Tarô .

É claro que, de qualquer maneira, Jim manteria sua ilusã o de "livre-arbítrio" segura.
Suponhamos que ele nã o tenha comprado as açõ es X. Questionado posteriormente, ele sem
dú vida teria respondido que havia "mudado de ideia" e "escolhido outro tipo de açã o",
fazendo-o de livre e espontâ nea vontade e com excelentes razõ es para fazê-lo. entã o. Esses
"excelentes motivos", com certeza, ele começaria a enumerá -los da forma mais convincente.
Parece-me que a dificuldade na explicaçã o racional de Jim é que, se quisermos permitir
a ele sua preciosa "liberdade", também devemos conceder um privilégio semelhante ao
mercado de açõ es de "mudar de ideia" no ú ltimo momento, favorecendo um valor diferente
daquele que o Tarô previu que aumentaria. Certamente nã o podemos esperar que o
mercado de açõ es fique parado para Jim, enquanto ele tem total liberdade para se
movimentar livremente pelo país, deixando-o livre para fazer novas escolhas conforme
ditar a "ló gica" ou o "intelecto". Se por um momento olharmos para o outro lado da moeda,
se as atividades futuras do mercado de açõ es percebermos que podem ser
predeterminadas (e podemos contar com a promessa que o Orá culo do Tarô nos dá ), entã o
certamente teremos que imaginar que as atividades do nosso amigo, em relaçã o ao
mercado de açõ es, serã o igualmente predestinadas. Nã o sei como podemos ter os dois ao
mesmo tempo.

Chega de supostos casos. Estou certo de que cada um de nó s pode se lembrar de


escolhas que, por mais racionais que nos parecessem na época, em retrospectiva parecem
ter surgido de uma teia de aranha tecida por coincidências. Normalmente, nã o conseguimos
"pensar sobre isso" até muito mais tarde.

A eterna questã o sobre destino versus livre arbítrio existe há muito tempo.
Obviamente nã o seremos capazes de resolvê-lo aqui e agora, nem talvez um ser humano
jamais o seja. Enquanto o assunto nã o se deixar examinar sob condiçõ es controladas,
parece que cada vez que o olhamos, surge uma nova hipó tese insolú vel. Estamos, entã o,
destinados (ou predestinados?) a escolher o que mais gostamos.

Pessoalmente, eu nã o poderia viver criativamente com a noçã o de um universo


predestinado no qual toda açã o (macroscó pica ou microscó pica) seria fixada a priori para
sempre. Eu nã o poderia prosperar se nã o sentisse que havia uma á rea, por menor que
fosse, onde eu era livre para mudar, crescer e me mover de uma maneira nova e
imprevisível. E se eu imagino eventos em um nível macroscó pico como cú mplices e
apoiados por uma Força Criativa Central ou Inteligência, entã o certamente nã o posso
imaginar as açõ es de tal Criador irrevogavelmente estabelecidas e fechadas para todo o
sempre para outros atos de sua pró pria criatividade.

Seja como for que imaginemos e rotulemos esta Energia do Nú cleo Criativo, parece
evidente que nã o podemos mais pensar em nosso universo como criado por Quem quer
que seja, nunca. A la luz de la física moderna, debemos ver ahora a toda la humanidad y lo
que la rodea como parte de un sistema de energía siempre cambiante, má s que como un
producto acabado dado a la luz de una vez por todas, miles de millones de anos atrá s. Se
nó s, humanos, podemos nos permitir a amplitude de visã o necessá ria para criar novas
invençõ es (descartando as antigas e produzindo as novas por geraçã o espontâ nea),
também devemos considerar nosso universo como um universo de expansã o contínua,
destruiçã o contínua e criaçã o contínua. Parece evidente que devemos permitir à Energia
Criativa a mesma amplitude de visã o que permitimos a nó s mesmos, nem que seja pela
razã o egoísta de que esta Energia Central (Atman) é a ú nica fonte de nossa pró pria
criatividade.

Dizer que se considera a ideia de predestinaçã o inaceitá vel nã o significa


necessariamente que se opte por uma filosofia que poderia ser adequadamente descrita
como “livre arbítrio”. Como Jung deixa claro vá rias vezes e como este livro tentou
demonstrar, nó s, seres humanos, nã o somos livres para escolher nosso destino, nem a
criatividade pode se manifestar conscientemente pela força de vontade. Além do fato ó bvio
de que o nú mero de escolhas oferecidas a um determinado indivíduo durante sua vida é
necessariamente limitado, também está se tornando cada vez mais evidente que o
raciocínio de nosso intelecto e o poder de nossa vontade desempenham um papel mínimo
no domínio sobre qualquer escolha que fazemos. pode ter que fazer.

Si hemos de rechazar la teoría de la predestinació n y también la idea de que nuestras


vidas pueden ser guiadas por la razó n, ¿debemos asumir entonces que vivimos a merced de
que sucedan los acontecimientos donde, citando a Einstein, «Dios juega una partida de
dados con el universo», o bien, como sugiere Jung, podemos aceptar el hecho de que
nuestra mente racional no es perfecta y encontrar formas de actuar con el mundo
irracional del inconsciente, el cual, como nos damos cuenta ahora, tiene un papel tan
importante em nossas vidas?

Esto no quiere decir que, por establecer contacto con el inconsciente a través del
aná lisis de los sueñ os, del I Ching, de la Astrología, el Tarot o de otros expedientes,
podamos evitarnos toda enfermedad, pena y conflicto, así como los problemas inherentes a
a carne. É evidente que temos mais liberdade do que costumamos selecionar, atrair e
compreender os acontecimentos que nos cercam e que, à medida que vamos crescendo no
conhecimento de quem somos, podemos também começar a escolher com mais sabedoria e
aceitar as situaçõ es. em que, aparentemente, nã o há escolha possível.

Voltando mais uma vez, a ú ltima, ao nosso amigo Jim: agora lamento tê-lo dissuadido
de sua consulta de Tarô . Para maior segurança, se tivesse feito a consulta, poderia ter se
decepcionado ao descobrir que as cartas nã o trazem a figura do Executivo, nã o estando,
portanto, preparado para lhe dar a segurança de "apostar no vencedor", como ele havia
desejado. É possível que, consultando as cartas, ele tenha se conectado com o que desejava
no mais profundo de seu ser. Também é possível que você tenha saído da leitura do Tarô
com mais perguntas e estas por sua vez foram mais importantes para sua vida do que
aquelas com as quais você começou. No mínimo, minha experiência é que, mesmo que o
consulente ache a resposta decepcionante ou inexistente, nos termos em que a pergunta foi
feita, ele acaba descobrindo (e geralmente é muito cedo) que a pergunta que fez ao O tarô
nã o era mais relevante, vital.

A conversa já descrita com Jim durante o jantar aconteceu há muitos anos. Como
resultado disso e dos pensamentos que despertou, nunca desencorajei ninguém a olhar
para os grá ficos. Deixe-os fazer isso, por mais frívolas que suas razõ es possam parecer para
mim. À s vezes há problemas em nossas vidas que só podemos enfrentar na ponta dos pés e
com um sorriso nervoso. Existem também algumas decisõ es importantes que só podem ser
vistas de lado, decisõ es sobre as quais ambos os lados têm muito a dizer, se é para tomar a
decisã o de lançar ou lançar. Nessas ocasiõ es, lembro-me da ideia estudada em conexã o com
a imagem do Amante, na sexta carta: o que se faz é menos importante do que de onde se
faz. Parece-me que a ajuda oferecida pelo Tarot é mais eficaz quando nos aproximamos
dele, nã o tanto em busca de conselhos para uma escolha, mas mais com a ideia de
aprofundar as razõ es que impulsionam essa escolha.

Depois de ter mostrado a minha filosofia pessoal sobre o potencial de adivinhaçã o do


Tarot, vamos agora apresentar o nosso método de tirar as cartas. O Orá culo das Nove
Cartas é o que eu uso, nunca experimentei outro, me veio por acaso no livro de instruçõ es
que vinha com um baralho de Tarô que anunciava um certo tipo de jornal de arte.
Experimentei esta pasta, gostei na hora e pronto! Claro, como nosso amigo Jim, posso citar
"razõ es" ló gicas para essa escolha, a principal delas é que, para fazer essa distribuiçã o,
removo algumas cartas (de 2 a 10) de todos os quatro naipes, deixando apenas com 42 no
convés. Parecia-me importante encontrar um spread para o qual fossem necessá rias tã o
poucas cartas. A razã o pela qual removi essas cartas é porque, como aparecem no baralho
de Marselha, sã o relativamente desinteressantes. Eles só podem nos oferecer o simbolismo
dos nú meros, que também é alcançado por meio dos vinte e dois Arcanos.

Se você nunca negociou antes, pode começar a fazê-lo agora com o Nine Card Oracle.
Se isso nã o parecer certo para você, sugiro que consulte outros livros de Tarô até encontrar
um spread de que goste. Existem, ao que parece, tantos sistemas para jogar cartas quanto
livros sobre o assunto. A meu ver, a escolha que você faz é tã o importante (ou
insignificante) quanto a decisã o sobre o vestido que você usará para consultar as cartas. O
importante é encontrar algo que caiba bem e seja confortá vel para você.

O oráculo do tarô de nove cartas

Método 1: rolo descoberto


( Nota : Este spread é ú til se você for novo no Tarô . Se você já conhece o simbolismo
das cartas, achará o método 2 mais ú til.)

Coloque as cartas viradas para cima em uma superfície lisa. Se você nã o conseguir
encontrar uma mesa grande o suficiente, use o chã o.

Escolha as nove cartas que mais lhe interessam ou que mais chamam a sua atençã o.
Escolha-os com cuidado, mas nã o intelectualmente. Nã o tente decifrar o título da carta ou
interpretar seu simbolismo. Responda espontâ nea e emocionalmente. A imagem te intriga?
Isso atinge um acorde sensível?

Ao escolher essas nove cartas, é importante lembrar que nã o existem cartas "ruins".
Assim como os sessenta e quatro hexagramas do I Ching, cada um pertence ao seu tempo e
estaçã o. Tal como acontece com o I Ching, seu significado é mais simbó lico do que literal,
entã o pode-se escolher a Morte ou o Enforcado sem medo de que isso literalmente
“signifique” morte, tortura física, suicídio, etc.

Depois de escolher suas nove cartas, separe-as das demais, deixando as nove cartas à
sua frente. Agora estude as cartas cuidadosamente, escolhendo entre elas aquela que
parece mais pró xima de você no momento presente. Daremos a isto doravante o nome de
Sua Carta (posiçã o 1 do diagrama). Ao escolhê-la, lembre-se que esta carta representa a sua
pró pria imagem neste momento. Você nã o está preso a essa escolha para sempre; no
pró ximo mês ou talvez na pró xima semana ele poderia escolher outro cartã o.

Depois de escolher a sua carta, coloque-a virada para cima na mesa e recolha as oito
restantes. Mantendo-os de cabeça para baixo, misture-os. Enquanto os embaralha, faça um
desejo ou faça uma pergunta ao Tarô (de preferência sobre um assunto pendente). No
momento em que você encontrar o desejo ou a pergunta, pare de mexer. Corte as cartas e
finalize o corte. Separe quatro dessas oito cartas, colocando-as de lado, viradas para baixo.
Estas sã o as Cartas Orá culo que atendem especificamente ao seu desejo ou dú vida.
Falaremos sobre eles mais tarde.
Como a verbalizaçã o de seu desejo ou pergunta é importante, é uma boa ideia parar
aqui e anotar exatamente como você o verbalizou. Lembre-se de que o Tarô , ao contrá rio
do Tabuleiro Ouija, nã o responde inequivocamente "sim" ou "nã o". Por isso, é melhor
expressar a pergunta ou desejo por escrito, para que nã o exija uma resposta definitiva. É
ú til se você puder introduzir sua pergunta em uma frase como: "o que você pode me dizer
sobre...?" ou "o que eu espero desta situaçã o?" ou "você pode expandir para mim...?"

Agora você tem Sua Carta à sua frente, virada para cima no centro da mesa, as quatro
Cartas Orá culo voltadas para baixo em uma pilha ao lado e as quatro cartas restantes ainda
em sua mã o. Quando você tiver escrito o desejo ou a pergunta, usaremos esses quatro
cartõ es. Coloque-os virados para cima e girando no sentido horá rio conforme mostrado no
diagrama da pá gina anterior, começando pela 6ª carta à esquerda de Your Card.

Agora você tem diante de si uma histó ria com Sua Carta emoldurada pela sexta, sétima,
oitava e nona, conforme indicado no diagrama.

Estude a imagem primeiro para obter uma impressã o geral. Favorá vel, desfavorá vel,
agradá vel, desagradá vel?

Anote qualquer sugestã o que lhe impressione pelo seu significado: repetiçã o de
símbolos, alternâ ncia de ritmos yin-yang, ênfase em algumas cores, formas ou movimentos
corporais...

Depois disso, estude cada letra em ordem, separadamente, começando com Sua Carta.
Faça a si mesmo este tipo de perguntas sobre cada uma delas: O que primeiro me atraiu a
esta carta? De que maneira ela "pertence" a mim? Ela me lembra um evento em minha vida,
uma pessoa ou uma situaçã o? Anote as conclusõ es para referência futura.

À medida que você se move no sentido horá rio da carta seis (passado recente) para a
carta sete (presente), para a carta oito (futuro imediato) e a carta nove (pró ximo ano),
compare cada carta com a anterior. Que semelhanças ou diferenças você encontra? O tom, o
sabor, a cor, o ambiente e a açã o. Qual carta é oposta à outra? Eles se rejeitam ou parecem
fugir um do outro? Você consegue identificar qualquer enredo ou progresso nas cartas
conforme elas aparecem na sequência numérica?

Concentre sua atençã o especialmente na carta nove (no pró ximo ano): esta açã o
parece o á pice dos eventos refletidos nas anteriores ou parece algo muito diferente? Se sim,
como eles sã o diferentes?

As cinco cartas estudadas até agora falam de sua situaçã o de vida em geral. Claro, eles
também iluminarã o sua pergunta ou desejo de alguma forma, mas o farã o de forma menos
direta do que as quatro Cartas Orá culo. Estes falarã o especificamente sobre suas
esperanças e desejos.

Chegou a hora de consultar o Orá culo. Vire face a face a carta do topo, a 5, que é
chamada de Significador, pois é aquela que dá o maior significado das quatro. Ele lida
diretamente com o seu desejo ou problema. Qual é a sua primeira reaçã o ao vê-lo?
Favorá vel, desfavorá vel... Em seguida, vire as outras três Cartas Orá culo. Estes representam
as influências que atuam em relaçã o ao seu desejo ou questã o. Neste ponto, pare para
observar sua primeira reaçã o a essas Cartas de Influência.

Se você fez um desejo e o Significador parece fortemente positivo para você, entã o seu
desejo provavelmente tem uma boa chance de ser realizado (se você também levar em
consideraçã o as influências, personalidades e outras tendências internas representadas nas
três Cartas de Influência). Se, pelo contrá rio, o Significador parece fortemente negativo,
entonces quizá su deseo nã o está maduro na realidade, em cuyo caso las Cartas de
Influencia pueden ofrecerle la clave sobre las fuerzas internas y externas que hay que
descobrir o usar en primer lugar en esta situaçã o.

Se você fez uma pergunta e o Significador fornece uma resposta direta e uma pista
oculta, e as Cartas de Influência adicionam detalhes extras ou mais pistas, ao decidir o
significado das cartas, sua pró pria intuiçã o será a melhor pista.
Agora estude as nove letras juntas, como partes de uma peça. Que conexã o você
encontra entre os dois conjuntos de letras? Preste atençã o especial à sua carta e à carta que
representa o pró ximo ano. Eles estã o voltados para o Oracle Card ou ambos estã o voltados
para outra direçã o? Como a postura, açã o ou atmosfera dessas duas cartas pode afetar
qualquer resposta que o Orá culo possa ter dado a você?

Método 2: Teste oculto

Neste spread, as cartas sã o distribuídas exatamente da mesma forma que no spread


anterior, sendo também colocadas na mesma ordem indicada no diagrama. A ú nica
diferença entre os dois spreads é que neste você nã o escolhe as cartas para o seu spread.

Depois de embaralhar o baralho que você usa, coloque as cartas viradas para baixo em
uma pilha à sua frente e escreva seu desejo ou pergunta. Agora corte as cartas, descubra a
carta do topo da pilha e coloque-a no centro da mesa, na posiçã o 1, virada para cima como
antes. Depois de escolher as quatro cartas do Orá culo e colocá -las em uma pilha, ainda
escondidas, as pró ximas cartas serã o colocadas viradas para cima nas casas 6,7,8 e 9
conforme o diagrama.

Continue estudando as cartas conforme descrito acima, anotando suas ideias ou


associaçõ es para referência futura.

Sugestões:

Qualquer que seja o spread que você escolher, certifique-se de anotar o mapa de como
foi, para que talvez em uma ou duas semanas você possa fazer um novo spread seguindo o
mesmo padrã o. Enquanto isso, tente se lembrar das imagens e da histó ria para meditar
sobre elas de vez em quando.

Esteja atento a fotos, personalidades, recortes, reaçõ es emocionais ou qualquer outra


coisa que o conecte aos cartõ es que apareceram em sua distribuiçã o. Você ficará surpreso
com os flashes e visõ es interiores que aparecerã o nos momentos mais estranhos, quando o
Tarô estiver aparentemente distante de seus pensamentos conscientes.

Se você escrever seus sonhos, fique de olho neles em busca de personagens ou


incidentes que o conectem com as cartas "deles". Anote a menor conexã o aparente:
coloque-os juntos, muitas vezes eles podem criar um roteiro muito significativo. Mantenha
um esboço do pró ximo lançamento que fizer e tente encontrar uma conexã o entre o
anterior e este. Alguma carta foi repetida neste segundo spread? Caiu no mesmo lugar de
antes? Se sim, que conclusõ es você tira do que apareceu?

Enquanto escrevo estas palavras, o Orá culo do Tarô sussurra para mim que este livro
que escrevemos juntos chegou ao fim. Desejamos boa sorte ao leitor em sua jornada no
Tarot. Que as cartas lhe tragam boa sorte!

notas

notas de rodapé

O aspecto energizante do Louco foi originalmente desenhado em An Encyclopedia


Outline of Masonic, Cabalistic and Rosacrucian Symbolic Philosophy, de Manley Hall , editado
por The Philosophical Research Society, 1968, placa CXXIX. Ali o Louco em tamanho natural
parece sair da pá gina carregando, como um imã atrá s de si, todos os outros Arcanos do
Tarô que aparecem pintados em miniatura.

º Em inglês, errors (erros, falhas), ao invés de setas (flechas). N do T

* Por exemplo, meu Louco interior me levou há vinte anos a iniciar uma aná lise
junguiana (" só uma hora para ver do que se tratava ") e ainda estou lá , pois essa jornada
nunca acaba.

[1] James Kirsch, Shakespeare's Royal Self , Nueva York, CG Jung Foundation for
Analytical Psychology, Inc., 1966.

[2] Charles Williams, The Greater Trumps , Grand Rapids, Michigan, William B.
Erdman's Publishing Company, 1976.

[3] William Willeford, The Fool and His Scepter , Evanston, Illinois, Northwestern
University Press, 1969, lâ mina 12, p. 39.
[4] E. Tietze Conrat, Dwarfs and Jesters in Art , Londres, The Phaidon Press, 1957,
lâ mina 65, p. 59.

[5] Willeford, op. cit., pá g. 11.

[6] Williams, op. cit., pá g. 227.

[7] Alan McGlashan, The Savage and Beautiful Country , Boston, Houghton Mifflin
Company, 1967.

[8] Joseph L. Henderson, Thresholds of Initation , Middletown, Connecticut, Wesleyan


University Press, 1967, p. 36.

[9] Marie Louise von Franz, An Introduction to the Psychology of Fairy Tales , Nueva
York, Spring Publications, 1970, cap. 19, pá g. 10.

[10] James Hillman e Marie Louise von Franz, Lectures on Jung's Typology , Nueva York,
Spring Publications, 1971, Parte I, pp. 6, 7.

[11] McGlashan, op. cit., pá g. 39.

[12] CG Jung, Civilization in Transition, Obras Completas de CG Jung , Princeton, New


Jersey, Princeton University Press, vol. 10, par. 723.

[13] Sã o Boaventura, Itinerarium, (trans, de James), citado por Jung, Mysterium


Coniunctionis , OC Vol. 14, par. 41.

[14] CG Jung, Psicologia e Religião: Ocidente e Oriente , OC Vol. 11, par. 391.

[15] WB Yeats, The Queen and the Fool , Mythologies, New York, The Macmillan
Company, 1959, p. 112.113.
Notas capítulo 4

[16] CG Jung, citado por Ira Progoff em Jung, Synchronicity, and Human Destiny , Nova
York, The Julian Press, Inc., 1973, pp. 107-111. 104.105..

[17] Aniela Jaffé, O Mito do Significado , Nova York, Fundaçã o CG Jung, 1971, p. 32.

[18] Aniela Jaffé, “ The Influence of Alchemy on the Work of CG Jung ”, Spring, 1967,
Irving Texas, Spring Publications, University of Dallas, pp. 21.22.

[19] Aniela Jaffé, O Mito do Significado , Nova York, Fundaçã o CG Jung, 1971, p. 152.

[20] CG Jung, Psicologia e Religião: Ocidente e Oriente , OC Vol. 11, par. 554.
[21] McGlashan, op. cit., pá g. 147.
Notas capítulo 5

[22] Alan Watts, The Two Hands of God , Nova York, Collier Books, 1969.

[23] M. Esther Harding, Woman's Mysteries , Nova York, Longmans, Green and Co.,
1935.
Notas capítulo 6

[24] Erich Neumann, The Great Mother , Princeton, New Jersey, Princeton University
Press, 1955, p. 331.

[25] Brewster Ghiselin, ed., The Creative Process , Nova York, The New American
Library, 1952.ii.
Notas capítulo 7

[26] John Weir Perry, The Far Side of Madness , Englewood Cliffs, Nova Jersey, Prentice
Hall, Inc., 1974, p. 43.

[27] CG Jung, (Citado por) Mysterium Coniunctionis , OC Vol. 14, par. 552.

[28] James Hillman e Marie Louise von Franz, Palestras sobre a tipologia de Jung .
Notas capítulo 8

[29] CG Jung, Psicologia e Religião: Ocidente e Oriente , OC Vol. 11.

[30] Emma Jung, Animus and Anima , Nova York, Spring Publications, 1969, pp. 100-
111. 3.5.
Notas capítulo 9

[31] Paul Huson, The Devil's Picturebook , Nova York, GP Putnam's Sons, 1971, p. 160.

[32] Hillman e von Franz, Lectures on Jung's Typology , cap. II, pá g. 87.

[33] Alma Paulsen, “ The Spirit Mercury as Related to the Individuation Process ”, Spring,
1966, p. 119.

[34] CG Jung, Alchemical Studies , OC Vol. 13, par. 239.

[35] CG Jung, Dois ensaios sobre psicologia analítica , OC Vol. 7, par. 32.
capítulo de notas

[36] Papus (Gerard Encausse), The Tarot of the Bohemians , Nova York, Samuel Weiser,
Inc., 1978, p. 136.
[37] CG Jung, O Desenvolvimento da Personalidade , OC Vol. 17, par. 290.

[38] CG Jung, Mysterium Conjunctionis , OC Vol. 14, par. 264.

[39] Marie Louise von Franz, Interpretation of Fairy Tales , Nova York, Spring
Publications, 1970, Parte IV, p. 13.

[40] CG Jung, Mysterium Conjunctionis , OC Vol. 14, par. 265.


Notas capítulo 11

[41] Watts, As Duas Mã os de Deus, p. 28

[42] CG Jung, Dois ensaios sobre psicologia analítica, OC Vol. 7, par. 30

[43] Hillman e von Franz, Palestras sobre a tipologia de Jung, cap. doente, pá g. 98.

[44] Ovid, Metamorphosis, citado no Metropolitan Museum of Art Calendar, Nova York,
1961.

[45] Gerard Manley Hopkins, “Tu és de fato justo, Senhor,” The Pocket Book of Modern
Verse, ediçã o revisada, Oscar Williams, ed. Nova York, Washington Square Press, Inc., 1960,
p. 144.
Notas capítulo 12

[46] CG Jung, Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, OC Vol. 9, Parte 1, par. 74.

[47] WB Yeats, “The Second Coming”, The Collected Poems of WB Yeats, ediçã o
revisada, Nova York, The Macmillan Co., 1956, pp. 184-1

[48] WA Auden, The Age of Anxiety, Nova York, Random House, 1947, p. 42.

[49] Walter de la Mare, “Os Ouvintes”, The Pocket Book of Modern Verse, p. 220.

[50] Edward F. Edinger, Ego and Archetype, Nova York, Fundaçã o CG Jung, 1972. p.
172.

[51] CG Jung, Psychological Reflections, Jolande Jacobi, ed., Princeton, New Jersey,
Princeton University Press, 1970, p. 28.

[52] CG Jung, Civilizaçã o em Transiçã o, OC Vol. 10, par. 525, 526.

[53] Ibidem. par. 622.

[54] Ibidem. par. 723.


Notas capítulo 13
[55] Marie Louise von Franz, O Problema do Puer Aeternus, Nova York, Spring
Publications, 1970, Parte VIII, pp. 100-111. 12,1

[56] Eric Neumann, A Grande Mã e, placas 98.99.

[57] Mayananda, The Tarot for Today, Londres, The Zeus Press, 1963, p. 16.

[58] CG Jung, Psicologia e Alquimia, OC Vol. 12, Fig. 88.

[59] Ibid., par. 34.


Notas capítulo 14

[60] CG Jung, Civilizaçã o em Transiçã o, OC Vol. 10, par. 530.

[61] CG Jung, Psicologia e Alquimia, OC Vol. 12, par. 277.

[62] WB Yeats, “Leda and the Swan”, The Collected Poems of WB Yeats, ediçã o
revisada, Nova York, The Macmillan Co., 1956, p.212.

[63] Aniela Jaffé, “Simbolismo nas Artes Visuais,” Man and His Symbols, CG Jung, ed.
239.
Notas capítulo 15

[64] Henderson, (citado em Eliade), Thresholds of Initation, p. 93.

[65] Mircea Eliade, The Forge and the Crucible, Nova York, Harper and Row, 1962, p.
117.

[66] William Blake, “The Gates of Paradise”, The Portable Blake, Nova York, The Viking
Press, 1946, p. 276.

[67] CG Jung, Psicologia e Alquimia, OC Vol. 12, par. 32.

[68] CG Jung, "A Interpretaçã o das Visõ es", Primavera, 1962, p. 154.

[69] Perry, The Far Side of Madness, p. 8.9.

[70] Mary Renault, The King Must Die, Nova York, Pantheon Books, 1958, p. 17.
Notas capítulo 16

[71] Edinger, Ego e Arquétipo, p. 140.

[72] CG Jung, Mysterium Coniunctionis, OC Vol. 14, par. 674.


[73] CG Jung, "Interpretaçã o de Visõ es", Primavera, 1962, p. 156.

[74] CG Jung, Reflexõ es Psicoló gicas, p. 287.

[75] CG Jung, citado por Kristine Mann em "The Shadow of Death", Primavera, 1962, p.
95.

[76] Gerard Manley Hopkins, "Spring and Fall: To a Young Child," The Poems of Gerard
Manley Hopkins, Oxford University Press, 1967.

[77] CG Jung, Mysterium Coniunctionis, OC Vol. 14, par. 675.

[78] Dylan Thomas, «Nã o seja gentil nessa boa noite», The Pocket Book of Modern
Verse, p. 574.

[79] WB Yeats, «Morte», The Collected Poems of WB Yeats, p. 230.

[80] Edgar Herzog, Psyche and Death, Nueva York, Fundaçã o CG Jung, 1967, p. 27.

[81] TS Eliot, «Journey of the Magic», Collected Poems 1909-1935, Nueva York,
Harcourt, Brace and Company, Inc., p. 126.
Notas capítulo 17

[82] Paul Huson, The Devil's Picturebook, pp. 183-184.

[83] CG Jung, citado por Amy I. Allenbuy, «Angels as Archetype and Symbol», Spring
1963, p. 48.

[84] McGlashan, op. cit., pá g. 29.

[85] Rainer Maria Rilke, Poems 1906-26, Norfolk, Connecticut, New Directions, 1959,
p. 73.

[86] CG Jung, Dois ensaios sobre psicologia analítica, OC Vol. 7, par. 76.

[87] Mircea Eliade, O Sagrado e o Profano, Nova York, Harcourt, Brace, Javonovich, Inc.,
1959, p. 20.

[88] Gertrude Moakley, The Tarot Cards Painted by Boniface Bembo, New York, New
York Public Library, 1966, p. 95.
Notas capítulo 18

[89] James Kirsch, Shakespeare's Royal Self, New York, CG Jung Foundation for
Analytical Psychology, Inc., 1966.
[90] Charles Williams, The Greater Trumps, Grand Rapids, Michigan, William B.
Erdman's Publishing Company, 1976.

[91] William Willeford, The Fool and His Scepter, Evanston, Illinois, Northwestern
University Press, 1969, placa 12, p. 39.

[92] E. Tietze Conrat, Dwarfs and Jesters in Art, Londres, The Phaidon Press, 1957,
placa 65, p. 59.

[93] Willeford, op. cit., pá g. 11.

[94] Williams, op. cit., pá g. 227.

[95] Alan McGlashan, The Savage and Beautiful Country, Boston, Houghton Mifflin
Company, 1967.

[96] Joseph L. Henderson, Thresholds of Initation, Middletown, Connecticut, Wesleyan


University Press, 1967, p. 36.

[97] Marie Louise von Franz, An Introduction to the Psychology of Fairy Tales, Nova
York, Spring Publications, 1970, cap. 19, pá g. 10.

[98] James Hillman e Marie Louise von Franz, Lectures on Jung's Typology, Nova York,
Spring Publications, 1971, Parte I, p. 6,

[99] McGlashan, op. cit., pá g. 39.


Notas capítulo 19

[100] Joseph Campbell, (citando Jeremiah), The Mythic Image, Princeton, New Jersey,
Princeton University Press, 1974, Parte II, p. 87.

[101] CA Meier, (citando Artemidorus), Ancient and Modern Psychotherapy, Evanston,


Illinois, Northwestern University Press, 1967, p. 30.

[102] CG Jung, Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, OC Vol. 9, Parte 1, par. 533.

[103] WB Yeats, “A Torre”, The Collected Poems of WB Yeats, p. 192.


Notas capítulo 20

[104] CG Jung, Mysterium Coniunctionis, OC Vol. 14, par. 717.

[105] CG Jung, de Conversations with CG Jung, Margaret Ostrowski-Sachs, Zurique,


Juris Druck e Verlag, 1971, p. 30.

[106] CG Jung, Psicologia e Religiã o: Ocidente e Oriente, OC Vol. 11, par. 427-428.
Notas capítulo 21

[107] Rainer Maria Rilke, Duino Elegies, Nova York, WW Norton and Co., Inc., 1939, p.
77,11.63-71.

[108] Campbell (citando Ungaretti), The Mythic Image, Parte VI, p. 498.
Notas capítulo 22

[109] Paul Huson, The Devil's Picturebook, p. 183-1

[110] CG Jung, citado por Amy I. Allenbuy, "Angels as Archetype and Symbol",
Primavera de 1963, p. 48.

[111] McGlashan, op. cit., pá g. 29.

[112] Rainer Maria Rilke, Poems 1906-26, Norfolk, Connecticut, New Directions, 1959,
p. 73.

[113] CG Jung, Dois ensaios sobre psicologia analítica, OC Vol. 7, par. 76.

[114] Mircea Eliade, O Sagrado e o Profano, Nova York, Harcourt, Brace, Javonovich,
Inc., 1959, p. 20.
Notas capítulo 23

[115] CG Jung, Reflexõ es Psicoló gicas, p. 283.

[116] Ibidem, pá g. 293.

[117] Ibidem, pá g. 293.


Notas capítulo 24

[118] WB Yeats, “Among School Children”, Os Poemas Coletados de WB Yeats, p. 214.

[119] Marie-Louise von Franz, CG Jung, His Myth in Our Time, Nova York, CG Jung
Foundation, 1975, p. 74.

[120] CG Jung, “A Interpretaçã o das Visõ es”, Primavera de 1969, p. 72.

[121] CG Jung, Dois ensaios sobre psicologia analítica, OC Vol. 7, par. 5.

[122] CG Jung, Psicologia e Religiã o: Ocidente e Oriente, OC Vol. 11, par. 659.

[123] CG Jung, Bibliografia Geral dos Escritos de Jung, OC Vol. 19.

[124] CG Jung, Civilizaçã o em Transiçã o, OC Vol. 10, par. 583.


[125] Ibid., par. 540.

[126] Walt Whitman, citado por Ira Progoff em Depth Psychology and Modern Man,
Nova York, The Julian Press, Inc., 1959, p. 90.

[127] Erwin Schrö dinger, My View of the World, Cambridge University Press, 1964, p.
21-2

[128] Ibidem. 66,67.

[129] CG Jung, Reflexõ es Psicoló gicas, p. 39.

[130] CG Jung, Mysterium Coniunctionis, OC Vol. 14, par. 768.

[131] Dante, “Paradise,” The Divine Comedy, Nova York, WW Norton Co., Inc., 1977,
11s. 139-1

[132] CG Jung, A Prá tica da Psicoterapia, OC Vol. 16, par. 400.

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