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O pedido de desculpas, de Eve Ensler. Tradução de Gilson César Cardoso de Sousa.

Publicado
pela editora @cultrix, este ano. 128 p.

Eve Ensler é uma dramaturga norte-americana, escritora, atriz e ativista. Conhecida por sua
famosa peça Os diálogos da vagina (que super recomendo), Eve decidiu, aos 66 anos, publicar
sua história de abuso sexual sofrido na infância, pelo próprio pai.

Já pelo tema, vocês podem imaginar o quão difícil é falar deste livro.

A começar pela narrativa, em que Eve dá voz a seu pai, e nos relata toda a história pelo olhar
dele, como se fosse uma carta de pedido de desculpas a ela. Por óbvio, trata-se de um
exercício de abstração da autora, que, sendo uma das protagonistas daqueles acontecimentos,
possui legitimidade para nos contar o que acreditava se passar na mente daquele abusador
que lhe deu a vida.

Os abusos se iniciaram quando a garotinha possuía 5 anos de idade. Ao nos contar exatamente
o que se passava naquelas ocasiões, tanto subjetiva quando objetivamente, o pai de Eve se
despe de moralidades, constrangimentos e receios, descrevendo exatamente o que sentia e o
que fazia, além das reações da filha.

É doloroso ler e imaginar que a mesma cena se passa cotidianamente em lares que
desconhecemos (ou, pior ainda, que conhecemos). É doloroso ver a infância de uma criança
ser roubada, ao mesmo tempo em que seu prazer é deturpado e uma vida inteira abalada.

O Pedido de Desculpas nos confirma a alegação já levantada pelo movimento feminista de que
toda relação de abuso nunca é “unidimensional”. Geralmente, os tipos de violência -
patrimonial, psicológica, moral, sexual -, se combinam e se misturam, sendo que a violência
psicológica, particularmente, estará sempre presente, seja qual for o abuso sofrido.

Além disso, o livro é muito didático em demonstrar, implicitamente, as raízes da violência


contra a mulher, que podemos extrair das palavras do pai de Eve quando relata
acontecimentos de sua socialização masculina na infância. A construção do sujeito homem
gendrificado resultou no chamado “homem-sombra”, como se autodenomina o próprio pai.

É um livro de uma mulher muito forte, que vale a pena ser lido, principalmente por pessoas
que desconhecem essas realidades. Aliás, eu diria que para este grupo, relatos como esse são
imprescindíveis.

Já para aquelas que já sofreram algum tipo de abuso, seja ele qual for, peço cuidado, pois o
livro traz com riqueza de detalhes todos os tipos de violência. O autoconhecimento de cada
uma é quem poderá dizer se deve ou não lê-lo.

Finalmente, penso, agora, que ao invés de ter apresentado Eve a vocês elencando suas
atividades/profissões, melhor seria, talvez, simplesmente descrevê-la como Sobrevivente. Sim,
Eve teve todas as condições para não mais estar aqui, seja por atitudes suas ou de terceiros,
mas, sabe-se lá como, por sorte, ou destino, àqueles que creem, ela se manteve firme -
testemunhou, sentiu, recalcou... não superou, mas relatou, sobreviveu. Viva Eve e todas as
sobreviventes.

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