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a tragédia mais

insignificante
do mundo
Organização: Heloísa Sousa
DOSSIÊ
A Tragédia Mais Insignificante do Mundo
Teatro das Cabras
Organização: Heloísa Sousa
UMA CABRA
TEM DOIS
CHIFRES,
DUAS TETAS
E SUPORTA
AMBIENTES
EXTREMOS.

fernanda cunha
FICHA TÉCNICA
Direção
Heloísa Sousa
Dramaturgia
Fernanda Cunha
Elenco
Fernanda Cunha e Thuyza Fagundes
Iluminação
Cléo Morais
Trilha Sonora
Bex
Figurino e Cenário
Fernanda Cunha e Heloísa Sousa
Cabras Cenográficas
Luiza Saad
Assistente de Palco
Gabriela Marinho
Registro Fotográfico
Carol Macedo
Material gráfico
Carol Macedo e IlustraLu
Projeto gráfico do Dossiê
Luiza Saad
Colaboradores do Dossiê
Ana Claudia Albano, Eduardo Pellejero e Victor Cecílio
@teatrodascabras
teatrodascabras@gmail.com
Eis aqui uma dissecação do processo de construção d’A Tragédia
Mais Insignificante do Mundo. Cada uma das artistas colabo-
radoras no processo criativo da obra, expõe parte do seu universo
criativo engendrado para tornar possível a concretização do espe-
táculo. Os textos aqui expostos abordam sobre a feitura dramatúr-
gica, o processo de encenação, atuação, criação da iluminação e da
cenografia e figurino. Além de textos escritos por três convidados a
ver nossos ensaios abertos e que nos presentearam com palavras-im-
pressões sobre a nossa obra.
Este dossiê é uma maneira de tornar mais democrático o conheci-
mento sobre as maneiras possíveis de se realizar um espetáculo. Para
nós, é também uma valorosa forma de registro. É de fundamental
importância para o grupo tirar a áurea mágica que recai sobre o fa-
zer teatral, desmistificando todo o processo de criação e construção,
expondo os materiais e as ideias.
Apresentamos aqui nossas veias, nosso sangue e as mãos que abri-
ram caminho para colocar no mundo essa obra.
algumas
considerações
dramatúrgicas
ou
o que
penso sobre
“a tragédia...”
Escrevo como quem tenta tirar sangue de um papel. Sinto que O primeiro texto sugerido para este trabalho com Moisés eram
a página em branco esconde uma forma: a palavra há de chegar trechos da minha dissertação, mas em suma, o trabalho se susten-
ali como que puxada à fórceps do cérebro. Não acredito em inspi- tava muito mais pelo corpo do que pelo verbo. Depois de apresen-
ração como algo divino e mágico que chega num jorro de ideias. tá-lo, percebi que, neste momento em que me encontrava (e ainda
Não acredito numa criação de sorte. Não. Para mim criatividade na atual situação que me encontro), a palavra me é muito cara e o
é repertório e inspiração é trabalho. Escrever uma obra, escrever discurso deveria ser melhor elaborado. Além do mais, comecei a re-
“A Tragédia Mais Insignificante do Mundo” foi, para mim, algo pensar a figura da mulher violada posta em cena, pois, em alguma
semelhante a espremer meu cérebro com uma caneta. instância [e isto é o que eu acredito] mostrar uma mulher decrépita
De onde surge uma obra? Por que escolher os elementos que escolhi? acabaria reforçando a imagem da mulher fraca, da mulher morta.
O que os signos escolhidos revelam? O que se abandona no processo Em janeiro de 2019, mandei uma mensagem para Heloísa convi-
da escrita? Por que se abandonam as coisas que se deixam para trás? dando-a para me dirigir em um processo que falasse sobre o femi-
Em 2017 iniciei meu mestrado, tendo como objetivo estudar nino. Eis a mensagem que mandei:
a representação feminina na dramaturgia de William Shakespeare.
Partindo disto, minha pesquisa desembocou em um estudo sobre
a possibilidade de existência feminina, para tanto estudei três perso-
nagens Shakespearianas: Ofélia, Desdêmona e Lavínia.
A cada uma delas atribui uma problemática da existência feminina
no mundo. À Lavínia relacionei os altos índices de estupro e a questão
do silenciamento feminino, pois ela é estuprada na mata por Chiron
e Demetrius, que lhe cortam a língua e as mãos para que ela não
releve o que lhe aconteceu e quem a violou. Relacionei a Desdêmona
a grande recorrência dos crimes passionais, visto que Otelo a mata por
ciúmes. E à Ofélia atribuí a fetichizaçao da mulher morta, o culto
a invalidez. Deste estudo, surgiu a necessidade de pensar o que moti-
va a violência e a obrigação imperiosa de fazer disto uma peça.
A primeira ideia era um texto-corpo que partisse da imagem da mulher
morta, violada. Trabalhei durante cerca de um mês com o bailarino,
ator e performer Moisés Ferreira, e deste trabalho surgiu uma partitura
de quinze minutos apresentada no CEU de Felipe Camarão, no final
de 2018. Durante este trabalho com Moisés eu comecei a descobrir
as potencialidades do meu corpo, pois a cada ensaio, Moisés fazia com
que eu ficasse tão fisicamente esgotada que era impossível elaborar,
antes da ação, o que meu corpo sugeriria enquanto movimento.

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No mesmo mês começamos a ensaiar o que seria “A Tragédia Mais Pensamos: a violência e seu alto índice entre os homens, precisa ser
Insignificante do Mundo”. O primeiro texto que mandei pra Helo- uma construção social. Se a violência for inata, for biológica, a única
ísa eram fragmentos mais ou menos desconexos, sendo um deles uma solução seria a castração química, a dizimação de metade da po-
descrição de como fazer a sangria de uma cabra e ele começava assim: pulação mundial. A violência precisava ser uma construção social
passível de ser investigada. Isto tornou-se imperativo em nossa
ATRIZ: Me tornei mulher porque não podia ser outra coisa. E obra: investigar o despertar da violência.
desde que me tornei mulher, me tornei morta. Eu sou um bicho No dia treze de fevereiro já tínhamos grande parte do que é hoje o
de duas bocas mudas. Uma sorri e a outra não tem língua, mas primeiro ato da peça. Composto por uma descrição, quase técnica,
engole à força todo tipo de lixo. Quando me tornei esse animal do que é uma cabra e da cena de crime onde um homem teria ma-
doméstico e feroz, eu ganhei dez pares de mãos em cima de mim
tado três desses animais. A descrição era técnica e influenciada pelos
que me tateiam em busca do botão que abre minhas pernas. Me
relatórios criminalísticos que havíamos estudado durante janeiro. Até
grudaram meninos nas tetas. Eles me sugam até sair sangue.
Meu sangue é de um vermelho muito bonito, por isso os outros o dia treze de fevereiro estes eram os títulos sugeridos para a obra:
aplaudem quando me machucam. Eles me fazem bela enquanto
sofro. E por um instante quase acredito que a dor me faz mais O HOMEM QUE NUNCA ERROU
bonita. Eu lhe pareço bonita? Isso é tudo que importa.
TRÊS TESTEMUNHAS DE UM HOME VIRIL
Do texto inicial aproveitamos apenas o trecho do abate e ainda assim
o modificamos ao longo do processo. Este foi nosso ponto de parti- A TRAGÉDIA MAIS INSIGNIFICANTE DO MUNDO
da, porque aí era onde morava a possibilidade de abrir significações,
de criar simbologias e depositar uma carga fantásmica na linguagem. Optamos pelo título de “A Tragédia Mais Insignificante do Mundo”
Durante todo o mês de janeiro e fevereiro, Heloísa e eu estudamos porque nos pareceu o mais adequado para refletir sobre a forma com a
exaustivamente casos e mais casos de violência. Estudamos os índi- qual estamos lidando com a violência nos dias atuais.
ces do Atlas da Violência 2018, estudamos como se matar animais, A dramaturgia foi escrita ao longo do processo. Compreendo, en-
vimos notícias de homens estuprando cabras, de homens matando quanto dramaturga, que fechar um texto no início do processo criativo
suas parceiras, até mesmo o caso dos dois meninos britânicos que pode encerrar possibilidades discursivas surpreendentes. A versão que
mataram de forma brutal uma criança em 1993. Ao nos deparar- estamos apresentando atualmente é a quinta ou sexta que eu reescrevo
mos com este último caso, Heloísa sinalizou que era urgente refle- e modifico. O texto foi posto à prova em cena diversas vezes nos labo-
tirmos sobre como o ser humano se torna violento, entendendo ratórios de criação. Muitas das coisas que hoje se configuram na obra
também que talvez estivéssemos criando os homens, nossos irmãos, surgiram a partir de improvisos.
filhos para serem violentos: a grande maioria dos casos que estudá- Partindo do texto ou da ideia nos primeiros textos, improvisamos
vamos tinham como agressor-assassino uma figura masculina. tendo como princípio a repetição, estados corporais distintos ou
Lembro que estávamos num café, eu e Heloísa, quando nos demos realizando ações a partir do ritmo de uma música. Escrevi todas as
conta da necessidade imperativa de nossa obrar tratar este assunto. primeiras versões sem rubrica alguma, deixando espaço livre para

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a criação e proposição da diretora, que muitas vezes me propunha Muito bem, mas e se os humanos superassem os animais em sua
coisas que eu não tinha enxergado como possibilidade. capacidade de violência precisamente porque falam? Como Hegel
já sabia, há algo de violento no próprio ato de simbolização de uma
O texto também estava a mercê do esquecimento. coisa, equivalendo à sua mortificação. É uma violência que opera em
múltiplos níveis. A linguagem simplifica a coisa designada, reduzin-
do-a a um simples traço. Difere da coisa, destruindo sua unidade
Durante um dos ensaios, eu não lembrava o texto escrito para
orgânica, tratando suas partes e propriedades como se fossem autôno-
a cena central do segundo ato e comecei a improvisar dizendo “ago- mas. Insere a coisa num campo de significação que lhe é, em última
ra eu falo isso, e você me responde isso”, dando várias sugestões de instância, exterior. Quando chamamos o ouro de “ouro”, extraímos
cena, descrevendo o que eu deveria saber falar. Então, Cléo, nossa violentamente um metal de sua textura natural, investindo nele nos-
iluminadora, me disse que achou isso interessante e a ideia acabou sos sonhos de riqueza, poder, pureza espiritual etc., ao mesmo tempo
sendo incorporada ao texto. Por coisas como esta, o texto acabou que nada disso tem relação com a realidade imediata do ouro.¹
revelando sua própria estrutura e o encaminhamento narrativo é
uma condução ao desvelamento da metalinguagem teatral. Quando a linguagem apresenta o corpo de uma mulher violada ou
Passadas as apresentações iniciais, as narrativas de como iniciamos morta em cena, no texto, este corpo vem atrelado a um campo de
esta obra, creio ser de alguma valia relatar as causas que me levaram significações exteriores a esta mulher em si: a ideia de fraqueza, su-
a escrever “A Tragédia Mais Insignificante do Mundo” da forma jeição, submissão... estas ideias reafirmam uma articulação social do
como está posta. Eis então, algumas perguntas. que é ser mulher, que é extremamente contrária à minha necessida-
de de articulação que possibilite um discurso mais emancipador.
POR QUE OPTAR POR CABRAS E NÃO SERES HUMA-
NOS, OU ESPECIFICAMENTE MULHERES, PARA SEREM
AS VÍTIMAS DO CRIME?

Há em mim uma extrema necessidade de avaliação do discurso.


Fui tomada por este fantasma, que ronda minha escrita, tornan-
do-me quase paranoica com as letras que ponho no mundo, desde
que comecei a aprofundar minha pesquisa de mestrado. Estudando
o que Shakespeare escrevia sobre as mulheres, analisando como ele
as descrevia, pude ter noção que a escrita, a linguagem criam reali-
dades, pois estão inseridas na cultura. E a cultura gera tradição.
Há uma carga fantásmica na linguagem: a palavra “mulher” é carre-
gada de significados que superam a realidade da mulher em si.
O filósofo esloveno Slavoj Žižek já apontava a carga violenta conti- ¹ŽIŽEK, 2014, p. 59-60
da na linguagem:

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A cabra, tal qual uma mulher, é um animal que suporta as adver-
sidades, que suporta ambientes extremos. Além do mais, a cabra,
feminino do bode, acaba também retomando às origens da tragédia
grega, onde a cabra era a hecatombe.
Levada ao tímele, a cabra é o sacrifício. Com seu sangue, os ho-
mens escreverão sua odisseia. Vitoriosos, levarão a pena ao líquido
carmim para historiarem seus triunfos. Mas não hoje. Ergue-se
a cabra diante da hecatombe. Hoje a carne da cabra não é sagrada.
Seu sangue não purifica nada. É um animal profano, cuja voz res-
soa a voz humana. Insurgem todas a cabras do mundo, onde quer
que se olhe, vê-se cabras.

A escolha então, fez-se para expandir o campo de possibilidades


de significações.

Além disso, há algo essencial nesta escolha. A necessidade de poder


ser ouvida sem os muros erguidos de um pré-conceito de que
a peça trataria de homens matando mulheres. Há sempre uma
esquiva quando diz-se “é uma peça sobre feminicídio”, pois mui-
tos homens podem dizer “mas isto não me toca, eu jamais mataria
uma mulher”. Então são cabras. Animais, que, sobretudo aqui no
nordeste brasileiro, são comumente abatidos.
Escolher a cabra como signo, faz com que o público projete sobre
elas seus fantasmas.

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Foto: Carol Macedo
Foto: Carol Macedo
POR QUE O ASSASSINO É UM HOMEM?

Segundo um estudo feito em 2014 pelo Escritório das Nações Unidas


sobre Drogas e Crime (UNODC), 95% dos assassinos no mundo
“Eu gostei do cheiro doce, rude e
são homens. Este é um dado alarmante. A escolha pelo assassino ser
um homem na nossa obra, é um sinal de alerta para a forma como espesso de homicídio em lugar fe-
estamos incentivando, culturalmente, os homens a serem violentos.
Violência e masculinidade parecem atreladas numa relação chado. Gostei de ouvir o som dos
ontológica e natural, como se não fosse uma relação socialmente
estimulada, desde muitos séculos. ossos se quebrando sob minhas
A ideia do “macho”, desde os primórdios, tece uma relação entre
sangue e esperma para definir os contornos da honra masculina. mãos. Gostei de vê-las se contor-
No livro A história da violência, Robert Muchembled aponta
que essa é uma história essencialmente masculina. O autor analisa cerem assim tão indefesas. Gostei
a violência na Europa entre os séculos XIII e XXI, e ainda as-
sim relata em seu livro que são sempre os homens que têm uma porque me senti muito poderoso. É
“agressividade destrutiva”.
Escolher o agressor enquanto homem, como um signo, também é como chutar um gato, gritar com
minha forma de, dramaturgicamente, questionar os papeis sociais
que atribuímos ao sexo masculino, este outro sexo. uma criança, imobilizar alguém
Por que damos aos meninos, desde a mais tenra idade, brinque-
dos de matar?
numa briga. É sobre se sentir po-
Este homem também jamais aparece, porque a sua ausência faz com
deroso. Eu não sou o único. Esta-
que o público possa se projetar no espaço deixado por ele. Não só os
homens ocupam esse lugar, também as mulheres, os não binários, etc.
mos por todos os lados, na rua ou
Creio que a ausência se faz sentida desde a primeira cena, que já
mostra o pós-crime, contaminada pela presença, agressividade e a
na escola de seu filho, sempre ha-
forte ausência desse homem-fantásmico, que só profere uma fala
(que sai da boca feminina da atriz): verá alguém disposto a matar”.

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Foto: Carol Macedo
Esta é minha primeira peça, é a primeira vez que eu me ponho no REFERÊNCIAS
mundo nesse lugar (fora dos muros da universidade).
Tenho paixão pelas palavras, preciso de experiência para melhor LIDDELL, Angélica. Cachorro morto na lavanderia: os fortes.Trad.
articulá-las, mas sinto que este é um lugar que posso ocupar de Beatriz Sayad. Rio de Janeiro: Cobogo, 2015.
forma honesta. MUCHEMBLED, R. História da Violência: do fim da Idade Média
Sinto que achei uma utilidade para tantos livros lidos e tantas horas aos nossos dias. Trad. Abner Chiqueri. Rio de Janeiro: Forence
de divagações mentais sobre temas absurdos. Universitária, 2012.
Meus textos, e esta obra, contém poucas rubricas, porque acredi- ŽIŽEK, Slavoj. Violência. Trad. Miguel Serras Pereira. São Paulo:
to que ainda precise aprender muito, então cedo espaço para que Boitempo, 2014.
quem se aproprie dela, reinvente-a.
Assim é com o público.
A todos que tomarem para si “A Tragédia Mais Insignificante do
Mundo”, eu a ofereço como um presente e um sacrifício, em uma
relação paradoxalmente complementar.
Deixo por fim o questionamento da dramaturga Angélica Liddell:

A questão é, depois da matança,/


que faz o homem para continuar demonstrando,/
demonstrando a si mesmo,/
que continua sendo um homem?

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FERNANDA CUNHA
Dramaturga, atriz e mestre em artes cênicas pela Universida-
de Federal do Rio Grande do Norte. Integra o Teatro das ca-
bras (Natal/RN) onde tenta dar forma em palavras para suas
aflições e travesti-las de aflições universais. Gosta do teatro
porque a precariedade obriga à criação (e criatividade).
imagem
cena
Uma peça, dita por atores maquiados e com figurinos sobre um a maneira, as escolhas são mais importantes do que o ponto em si.
palco, não se torna necessariamente um espetáculo. Essas pretensas É nessa tensão profissional-existencial que se encontram artistas que
‘encenações’ devem ser relacionadas à arte da declamação, não à permanecem em estado de alerta e disponibilidade para o devir-ce-
do espetáculo. Um espetáculo é, antes de tudo, algo para ser olha- na.
do. E o teatro é, antes de mais nada, uma arte figurativa. A própria
O meu primeiro encontro com “A Tragédia Mais Insignificante
palavra espetáculo vem do latim spectare, que significa olhar. E,
do Mundo” [quando ainda não era esse título] foi com o texto-
embora o vocabulário teatral possua um certo número de termos
que caracterizam a especificidade da arte cênica, é raro que a ideia -convite da dramaturga Fernanda Cunha no início de 2019. Após
que o sustenta encontre uma encarnação concreta. A começar algumas tentativas de criações interrompidas de happenings [que
pela expressão pôr em cena. Monta-se uma peça. O cartaz exibe o ainda se tornarão presentes por teimosia], me surge a possibilidade
nome do autor da encenação. Entretanto, na maior parte das vezes, de dirigir um anseio de solo da autora como parte, também, da
sobre o palco, nós ouvimos uma peça, mas a encenação dela, quer conclusão de sua pesquisa acadêmica. Em uma primeira leitura
dizer, sua configuração composicional e imagética, nós não vemos. destaco no texto, a descrição de como se mata e se prepara cabras
(TARABUKIN in PICON-VALLIN, 2006). para comer. Em uma alusão ao feminicídio e as trágicas mortes de
figuras shakespearianas, a dramaturga traz ao texto uma figura ani-
A relação entre a encenação e o texto dramatúrgico é uma cons- malesca que faz emergir uma série de urgências estéticas e pessoais.
tante experimentação. Entre as possibilidades de seguir o texto, de A coincidência da aparição da cabra no texto de Fernanda e no
fazê-lo surgir durante o processo de criação das cenas, de torná-lo projeto que eu idealizara [Teatro das Cabras] tornou-se um ponto
etéreo e inexistente no campo material das palavras digitadas, de de conexão e de partida para o processo criativo. Durante quase seis
se tornar roteiro ou ainda de queimá-lo vivo e permitir-se heresias, meses, entre o happening inexistente e “A Tragédia [...]”, foram
existe uma busca por compreender as fissuras e conexões existentes dias de ensaios, pesquisas e diálogos entre apenas duas mulheres.
entre a dramaturgia e a encenação. Movidas pelo pragmatismo, pelo cansaço, pela confiança e pela
A variação estética das abordagens cênicas de diversas diretoras desobediência esboçamos cenas, partituras, textos, cenário, figuri-
e diretores ao longo dos anos vem enfatizando um universo de nos, luzes, sombras e playlists. A existência de limitações corporais
expressões criativas afetados pelos contextos políticos, sociais, e criativas, que nos impediam de atender as necessidades dos nossos
culturais, arquitetônicos e subjetivos. Teatro é fronteira, cruzamen- impulsos, nos levaram a encontrar outras mulheres que pudessem
to de corpos, trincheira criativa. Se esta é a arte do encontro, como agregar a obra. E aos poucos, aproximam-se outras sete mulheres
ressaltou Jerzy Grotowski, ela não é pacífica. Encontro também (Cléo, Thuyza, Bex, duas Luizas, Carol e Gabriela).
permite combate, enfrentamento, provocação, questionamento A presença de uma diretora em uma obra teatral é sinônimo de cer-
e talvez, abraços. A sala de ensaio é local de trabalho. Trabalho é tas escolhas estéticas e éticas. Há um modo de criar, de agrupar e de
deslocamento de energia, produção, desejo de um determinado fim provocar, que é peculiar a cada indivíduo e que constrói o discurso
ou objetivo. No entanto, ao invés de seguir a lógica capitalista [que e a apresentação da cena. Esse modo é processual e vai se cons-
busca atingir objetivos com o mínimo de esforço e o máximo de truindo na própria experiência de encenar. “A Tragédia [...]” é o
lucro/aproveitamento], a arte o teatro tenta encontrar o caminho terceiro espetáculo completo que dirijo e a décima obra em que me
mais complexo para alcançar determinado ponto, pois o processo,
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envolvo criativamente, entretanto mesmo ocupando outros lugares sentação quase como em uma criação site specific.
da cena sempre houve um modo de se posicionar que caracteriza- Nosso local de trabalho e estreia foi o Espaço A3 no bairro da
va essa minha necessidade de “olhar de fora”. Portanto, já existem Ribeira, e as dimensões espaciais e características físicas desse lugar
algumas escolhas e características que me são importantes, algumas também determinaram a criação do espaço cênico, embora haja
áreas de pesquisa que me interessam e escolhas materiais que são uma permissividade para transmutações e experimentações em
recorrentes em meu trabalho. outros lugares de apresentação.
Sendo filha de uma mulher que pinta, irmã de uma mulher que
costura, neta de mulheres viúvas e dona de um útero invertido te- Ocupando o Espaço A3 começamos a desenvolver a obra.
nho fetiches por cores, linhas, silhuetas e música clássica. Com um
referencial estético baseado em diretora e diretores de cinema como
Sofia Coppola, Lars von Trier, Stanley Kubrick e Darren Arono-
fsky; e em criadores que cruzam com a arte da performance como
Joseph Beuys, Marina Abramovic, Flávio de Carvalho, Tadeusz
Kantor e Jerzy Grotowski, fui construindo um arsenal de livros,
artigos, vídeos e imagens de artistas que provocavam o material
textual, se posicionam politicamente e utilizam a imagem como
disparadora de realidades utópicas e distópicas.
Penso a criação teatral como uma composição de imagens cênicas
que evocam narrativas, políticas ou espaços imaginários de existên-
cias expressivas. Nos detalhes das cores, formas, linhas e texturas
delineiam-se fotografias em movimento, [aspiro os tableaux vi-
vants], onde as relações entre corpo, objeto, composição espacial e
materialidade vestível se baseiam em um jogo não-hierárquico de
simbolismos.
Sempre vou ao teatro buscando ver boas imagens e tenho dificuldades
de me concentrar na fala das atrizes e dos atores, a não ser que a cons-
trução e aparência corporal delas e deles desenvolvam uma presença
cênica que me atraia muito. Para mim, encenar significa enxergar, no
processo de criação, as imagens potentes que surgem de improviso;
criar laboratórios que estimulem o corpo em cena a ocupar espaços,
relacionar-se com o outro, criar desenhos no ar; elaborar mentalmente
(des)organizações de elementos cênicos de modo que se configurem
como gatilhos para a atriz e estar atenta para o lugar de ensaio/apre-

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ATO I

A partir da leitura da primeira versão do texto, destacamos o espaço


de um assassinato e uma personagem que o descreve. Entendemos es-
sas pistas como uma perita criminal que adentra a cena de um crime,
encontrando três cabras assassinadas. Um abate. Em poucos dias de
ensaio já tínhamos um espaço definido [ideia de cenário], um esboço
da personagem e uma partitura corporal que incluía toda a descrição
verbal que a perita faz da cena. A velocidade da criação e estruturação
do que nomeamos como primeiro ato veio da nossa imaginação efer-
vescente. Objetos de casa, de lojas e do local de ensaio permitiram a
feitura de esboços cenográficos (não usamos desenhos ou maquetes,
mas experimentações em tamanho real com coisas que remetessem às
nossas ideias enquanto cores, formatos e tamanhos). A cena nasceu
juntamente com o espaço e dependia da materialidade do mesmo
para se desenvolver. Essa escolha provoca uma apropriação corporal
maior da atriz em relação ao cenário e seu uso.
Para estruturação do espaço, dos movimentos da personagem e dos
objetivos da cena, partimos para uma pesquisa que rondava o uni-
verso simbólico e prático da violência, perpassando de seriados como
“Hannibal” a casos reais como os assassinatos cometidos por Ted
Bundy, Charles Manson, Suzane Von Richthofen e o casal Nardoni;
complementados pelos estudos sobre as etapas da perícia criminal,
técnicas para interrogatórios e julgamentos de suspeitos. Atrelado a
essas questões, existiu uma pesquisa imagética sobre espaços de abate
de animais, açougues e o cruzamento simbólico entre esses locais e
uma cozinha doméstica ou delegacia.
A criação dos deslocamentos feitos pela atriz durante o primeiro ato
enquanto descreve a cena do crime seguem uma lógica narrativa,
uma postura corporal que revela a seriedade da figura, mas também
apresenta uma distribuição exata do corpo no espaço fazendo-o per-
correr, apontar e justificar quase todos os objetos dispostos. A preci-
são da cena se dá enquanto linguagem e imagem.

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Foto: Carol Macedo

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ATO II

Em um laboratório de improvisação de movimentos e falas, que


revelavam outras personalidades possíveis e contrastantes para a fi-
gura da perita, surge a ideia do segundo ato. Descobrimos, além da
facilidade da atriz em improvisar textos por um tempo considerável
quando estimulada corporalmente, uma figura que não apenas des-
crevia a cena do crime, mas zombava dela ao mesmo tempo em que
estabelecia um jogo de identificação-afastamento das cabras. Essa
figura seria uma outra faceta da perita. Noto que a personagem
poderia sair de cena, trocar sua aparência e retornar ao espaço do
crime, agora em um estado alucinado que remeteria a um encontro
entre a perita e o suspeito através de um interrogatório-questioná-
rio-jantar-memóriasdeinfância.
Para a criação da partitura coreográfica onde a perita revive as
memórias de infância do suspeito utilizamos imagens de homens e
meninos em relação a brinquedos, bebidas e/ou armas para recriar
as fotografias com o corpo, selecionar algumas para pôr em ordem
e a partir daí “dançá-las”.
Começar ou terminar algo são sempre as etapas mais difíceis ao
mesmo tempo em que são cruciais para a experiência de recepção
do espectador. Como nosso início fluiu com rapidez e exatidão,
nos restou a crise do fim.

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ATO III

Tínhamos algumas possibilidades. Poderíamos pensar sobre o turga-atriz que Fernanda vinha carregando em si durante todo
que aconteceria com a perita, qual seria o fim do julgamento, o processo. A repartição dessa figura artística nos dois corpos
como as cabras seriam enterradas, qual o destino do suspeito. em questão na cena cria camadas de significação que transitam
Para onde desencadearia a narrativa era uma incógnita que entre a narrativa construída e a exposição dos procedimentos,
possibilitaria a criação e a abordagem estética da cena final. É pensamentos e intenções elaboradas.
importante ressaltar que nessa obra, estávamos diante de uma
dramaturgia in process, portanto, as cenas não estavam todas
previamente escritas, em alguns momentos a dramaturga trazia
uma versão escrita das ideias que haviam sido debatidas no en-
saio anterior. Como não se tratava de um processo hierárquico
e fechado, a ideia do discurso da cena se transformava em uma
proposta textual e provocada pelo texto, eu podia propor uma
organização cênica que atravessada pela atriz se tornava parte da
obra. Esse jogo dialógico de criação mantinha a dinamicidade
do processo.
A ideia de construir um ato final onde a figura da dramaturga
ganha voz e a personagem experimenta outro corpo de atriz,
em um metateatro que revela as intencionalidades da obra e o
destino da figura central, veio após assistir ao curta-metragem
“Ulysse” (1982) da cineasta francesa Agnes Vardá. Afetadas pela
obra fílmica, a presença das cabras, a narrativa sobre os homens
que cruzaram as fotografias da francesa em uma autoanálise
subversiva, elaboramos um laboratório de improvisação com a
criação de novas imagens [quadros] a partir de palavras e frases
emergentes do filme.
Thuyza, que havia entrado no processo de criação como produ-
tora, acaba se envolvendo nas práticas laboratoriais como suges-
tão minha para minimizar as experiências solitárias de criação
que Fernanda vinha vivenciando. Em uma tentativa de termos
apenas um estímulo criativo, acabamos por criar um jogo de
“manipulação” entre os corpos que evidenciava o duplo drama-

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CONSIDERAÇÕES FINAIS AVULSAS COMPLEMENTARES

Em “A Tragédia [...]” a figura do assassino nunca aparece de fato; Duas semanas após a criação do terceiro ato, abrimos o processo
em todas as cenas estamos diante da perita criminal agindo, lem- para algumas convidadas e alguns convidados. Durante três dias
brando, descrevendo e por vezes, até revivendo o suspeito, mas expomos o trabalho com cenário emprestado, roupas de ensaio,
nunca assumindo-o totalmente como personagem. Nessa obra, o cenas esboçadas mas não amadurecidas. A ideia era ouvir devolu-
corpo da mulher não ocupa nem o lugar da agressora nem da víti- tivas sobre a criação antes de fecharmos os corpos para mudanças
ma, mas daquela que analisa, que tem voz e que expõe sua intelec- dramáticas. Reestruturamos algumas cenas e tornamos a obra
tualidade sobre a cena. Justamente por isso sua aparência corporal aberta ao público.
em cena é variável e contrastante. Existe um momento de desconexão entre a encenadora e a obra.
A realidade de termos apenas uma atriz em cena [quando Thuyza é Um momento onde a encenação torna-se independente de mim e
convocada para o espaço, Fernanda deixa de ser a atriz], e do espa- completamente dependente das artistas em cena. O que vocês veem
ço cênico passar por poucas transformações, exige que a encenação no palco é Fernanda, Thuyza, Cléo e Bex jogando com tudo o que
crie algum mecanismo de dinamicidade que não provoque tédio foi criado, não a nada a se fazer para uma encenadora em uma
imagético no público [a não ser que esta fosse a intenção]. Por apresentação além de assistir. Torno-me parte do público e vejo a
esse motivo, há uma elaboração de sombras e cores na iluminação mim mesma nas mãos de outras.
cênica; além das cores, texturas e estampas dos figurinos. As vesti- A confiança na obra e nas atrizes-encenadoras. O tédio da repetição
mentas apesar de estarem em cores complementares as do cenário, dos ensaios. O desejo de começar outros processos.
apresentam estampas e modelagens que se distanciam dos referen- Em uma tarde, antes do último ensaio aberto, nós nas cadeiras do
ciais comuns de harmonização, ferem o minimalismo do espaço, Espaço A3. Tudo montado, esperando o tempo passar. Esboçamos
ao mesmo tempo, que remetem, quase de modo realista, à moda o roteiro dos próximos dois espetáculos. Quem sabe uma trilogia
da década de 1970 e 1980 que foi usada como referência para essa da violência. Assassinato, guerra e instituições.
obra. A escolha por essa década veio de uma sugestão de Fernanda Ou não.
em se criar uma playlist com artistas desse período, o que gerou
uma sequência de músicas de cantoras e bandas como Blondie,
Joy Division, Marina Lima, entre outros, além da trilha do filme
“Flashdance”.
Em processo, discussões sobre arte, dramaturgia, teatro de grupo,
violência, mulheres. Elaboração de pensamentos. Enquanto se cria
arte, filosofamos. Nossos animais se unem a outras emergências
artísticas como os lobos de Carolina Bianchi, os cavalos de Angélica
Lidell, as girafas de Ana Claudia Albano e Daniel Torres, os antílo-
pes de Flávia Pinheiro.

32
REFERÊNCIAS

PICON-VALLIN, Beatrice. A arte do teatro: entre tradição e van-


guarda. Rio de Janeiro, 2006.

33
HELOÍSA SOUSA
Encenadora e criadora de imagens no Teatro das Cabras.
Licenciada em Teatro, mestre em artes cênicas e escritora
de textos (in)úteis sobre arte. Potiguar virginiana, filha e
neta de nordestinos. Tem uma gata, um vício em listas e
uma paixão por café.
planejamento
de figurinos
e cenário
Cenário
figurinos
cabras,
mulheres,
cadáveres
“A Tragédia Mais Insignificante do Mundo” é uma reflexão confortável, até enojado, com isso. Essa experiência se inicia desde
sobre a violência, a agressividade e até que ponto pode chegar o antes do início da peça em si. O começo se dá com a preparação do
animal mais feroz do mundo, o homem. Mas, antes de sermos palco: o sangue sendo despejado no chão branco e as cabras sendo
bombardeados com pensamentos e dúvidas sobre a bondade posicionadas em seus devidos lugares.
alheia, e até a integridade do nosso próprio caráter, nos depara- Apesar desta atmosfera de tensão permeando os cadáveres, eles não
mos, inicialmente, com um crime. são intocáveis e inertes na cena. Muito pelo contrário, são tocados,
Uma investigadora forense adentra uma cena de assassinato a ser envolvidos, manipulados. A sensação de volume deveria ser acom-
analisada em busca de evidências. Lá, ela se depara com três cadá- panhada de uma maleabilidade, mas não de uma fragilidade, por
veres, cada qual em um certo estado de degradação, mas todos tra- partes das cabras cenográficas.
zendo marcas de terem sofrido uma profunda violência. A situação O conceito inicial que guiou o processo criativo foi algo que surgiu
é repugnante e não há dúvidas de que o que vemos se confere em durante essa conversa inicial antes do ensaio aberto, a expressão
um crime hediondo, não fosse um pequeno detalhe… as vítimas amontoado de carne. Com isso em mente, o processo criativo passou
não são humanas. Os corpos que vemos se tratam, nada mais, nada a contemplar as cabras, não como corpos sólidos, mas como vários
menos, do que três cabras assassinadas a sangue frio. elementos visualmente anatômicos: ossos, músculos, tendões, ór-
Mas, para que tudo isso acontecesse, três corpos-cadáveres-cabras gãos, tripas. E foi isso que guiou a fase dos rascunhos e pesquisas.
tiveram de ser pensados e criados, e tive a sorte de ser a escolhida
para essa tarefa.
O processo começou, obviamente, com um convite, mas ninguém
liga para essa parte. Então seguimos para a primeira parte impor-
tante de fato: a visita ao espaço de ensaios. Com essa visita, pude
conversar com as meninas do Teatro das Cabras e compreender o
que elas esperavam dos corpos cenográficos. Pude analisar o cená-
rio e seus componentes, cores, texturas, e ainda pude assistir a um
ensaio aberto da peça, para poder compreender como se dava a
interação das cabras com a atriz, com o espaço cênico e entre si.
A partir dessa visita, pude compreender alguns requisitos e parâme-
tros para a criação das cabras cenográficas. Elas não precisavam ser
naturalistas; na verdade, quanto menos as figuras retratassem ca-
bras, mais interessante se tornava a interpretação do público sobre
os cadáveres e a peça no geral.
Não precisavam se parecer com cabras, mas era necessário que se
assemelhassem a cadáveres. O público deveria compreender de ime-
diato que se deparava com uma cena de assassinato, e se sentir des-

42
43
Após análise das referências, dos rascunhos e de uma pesquisa
de materiais, optou-se pelo uso de espuma expansiva para criar
as cabras. Esse material, também conhecido como espuma de
poliuretano, é muito utilizado no setor da construção para fixar
janelas e portas, e como revestimento, sendo um bom isolante
térmico e acústico. Ao ser aplicada, a espuma expande e, quando
seca, se assemelha ao isopor.
Pelo fato de a espuma ser um material muito leve, houve uma pre-
ocupação dos corpos talvez se mexerem ou que fossem derrubados
com uma mínima interferência humana ou natural. Por isso, foram
colocados pesos nas duas cabras que ficam no chão, para que a base
se tornasse mais sólida e elas mais estáveis.
Na aplicação inicial das espumas, foram feitos pedaços separados
que, após secos e pintados, seriam colados para formar as cabras.
A pintura da espuma foi feita com tinta spray vermelha e preta,
que conferiu às cabras um aspecto orgânico e repulsivo. Depois da
pintura, os pedaços foram colados juntos, formando a versão inicial
das cabras.

44
Esta versão inicial das cabras cenográficas foi apresentada às meninas
do Teatro das Cabras e elas tiveram a chance de avaliar os corpos no
cenário, ensaiar com eles e analisá-los com a iluminação adequada.
De início, pensamos em cobrir as cabras com algum tecido com
uma certa transparência e flexibilidade, que passasse a ideia de
pele, mas que permitisse que as espumas-órgãos-tripas dentro pu-
dessem ser vistas. Porém, quando foi feito o ensaio com as cabras,
notou-se que elas combinavam perfeitamente com o cenário da
forma que estavam. Decidimos, então, desistir do tecido invólu-
cro, e apenas tornar as cabras maiores, para que sua presença na
cena fosse ainda mais impactante.
Para finalizar as cabras realmente, papel filme foi colado em suas
bases, para que elas não mofassem ou manchassem em contato
contínuo com o sangue, um composto de gel e corante elaborado
pelas meninas do coletivo. O resultado final foi mais do que eu
poderia imaginar. Foi asqueroso, parecendo podre, estranho…
e as meninas amaram, assim como eu.

45
LUIZA SAAD
Nascida em São Paulo, criada em Natal. Escorpiana teimosa
com bastante capricórnio no mapa. Se interessa pelas áreas de
direção de arte no teatro e no audiovisual. Formada técnica
em Controle Ambiental pelo IFRN, bacharel em Design pela
UFRN. Atualmente estuda Cenografia e Figurino na SP Escola
de Teatro. Gosta de viajar, ouvir música, beber cerveja e qual-
quer coisa artística que envolva sujar as mãos e fazer bagunça.
colaboração
do processo
criativo no
teatro das
cabras
Começo esse texto pensando em como explicar a minha entrada Um teatro engajado, mas menos na demagogia e mais na prática,
no Teatro das Cabras, mas sem a menor ideia de como ele irá uma poética específica de um contexto, realizado por ele e em prol
terminar. Permito que meus dedos passeiem pelas teclas do celu- dele, Nascimento reforça quando perguntada sobre a influência do
lar a fim de que saia do objeto algo de produtivo. Escrever sobre trabalho feito no teatro na vida de cada atriz e a importância do
feminismo na construção do pensamento do grupo: “Ao assumir o
o processo de criação e pensar sobre teatro me fez rememorar o
compromisso e transformar o mundo nos transformamos a nós mes-
convite que recebi de Fernanda no dia 30 de abril de 2019 para
mas (seja nas nossas relações afetivas, seja no cotidiano das relações
contribuir, de alguma forma, na gestação do seu primeiro espe- de trabalho e nas nossas interações com amigas, amigos, família).”
táculo intitulado “A Tragédia Mais Insignificante do Mundo”. (e-mail recebido em 12/04/2008 p. 1). (MATOS, 2019. p. 11)
Bem, ao menos já sei por onde começar!
Há exatos nove anos escolhi o teatro como parte relevante do meu Antes de dar início ao progresso junto das cabras, fui convidada
desenvolvimento humano e psicológico, consequentemente sempre por Fernanda e por Heloísa para assistir pela primeira vez as cenas
tensionei existir em trabalhos que representassem algo para mim e construídas para “A Tragédia [...]” até aquele momento e a partir
que me desafiassem de alguma forma tirando-me do meu bálsamo. disso saber como eu poderia colaborar ao longo do processo.
A partir dessas experiências em grupo, confesso que eu não ima- Assisti então pela primeira vez à apresentação do que seria essa
ginava como eram complexas as relações interpessoais e/ou pesso- história narrada e pontuada pela dramaturga, e também atriz, Fer-
ais dentro de um grupo de teatro. Essas experiências me fizeram nanda Cunha sob o olhar sensível e dialógico da direção de Heloísa
repensar o meu fazer artístico e me colocaram de frente com o que Sousa. Sentada no chão de uma das salas do Departamento de
eu não queria, e assim me fazendo ponderar nas próximas escolhas Artes da UFRN (Universidade federal do Rio grande do Norte) e
feitas a partir dessas práticas. em silêncio adentrei imageticamente naquela história que me estava
sendo contada. Imediatamente me vi carregada do lugar que estava
A carência de espaços profissionais obriga a constituição de alterna-
para vivências que me pareciam antigas, porém atuais e reais. Na-
tivas de trabalho de autogestão. Como a hipótese de rentabilidade
a partir da tradicional temporada parece não se materializar para os
quele momento eu lembrei de toda a minha construção e trajetória,
grupos que funcionam fora do sistema da fama televisiva, a busca do lembrei da minha mãe e das dificuldades que passou por ser quem
ambiente dos festivais, dos projetos sociais e das práticas pedagógicas é, mulher e negra, lembrei das minhas avós que são símbolos de
parece um caminho inevitável. (OLIVEIRA, 2004, p. 01) fortaleza e determinação e de tantas outras mulheres que me atra-
vessaram ao longo dos anos com suas histórias e conhecimentos.
O Teatro das Cabras surge como um divisor de águas nessa nova fase Aquele momento onde eu ouvia atentamente a narração me mos-
da minha trajetória teatral, me fazendo acreditar que é possível fazer trou não apenas as mulheres da minha vida, mas os homens tam-
arte e dialogar, que é possível ter um lugar de fala e de fato ser ouvida. bém, principalmente eles. Lembrei dos meus tios desencarnados
Trabalhar com mulheres é deveras potente, é bonito e poético, até pela violência da falta do diálogo que não existe em muitas famílias
mesmo quando os ciclos estão todos alinhados e a TPM nos maltrata. até os dias de hoje. Lembrei do meu pai e dos seus momentos de
agressividade onde dialogar parecia algo muito distante, e toda a
construção que o moldou até o presente.

48
A violência é um problema social grave que atinge toda a população REFERÊNCIAS
e precisa ser estudada de diferentes maneiras. A importância do tema
não pode ser solapada pela cotidianidade. Existem várias definições MALDONADO, Daniela. WILLIAMS, Lúcia. O comportamento
de violência, mas, como comenta Koller (1999), todo ato de violên- agressivo de crianças do sexo masculino na escola e sua relação com
cia tem em comum o fato de ser caracterizado por “ações e, ou omis-
a violência doméstica. São Paulo, 30 de jun. de 2005.
sões que podem cessar, impedir, deter ou retardar o desenvolvimento
MATOS, Lara. Teatro femista no Brasil: Loucas de pedra lilás.
pleno dos seres humanos” (p. 33). (MALDONADO. 2005, p. 1)
Disponível em:>http://www1.udesc.br/arquivos/portal_antigo/
Seminario18/18SIC/PDF/025_Maria_Brigida_de_Miranda.pdf<.
Ao terminar as cenas do primeiro e do segundo ato, me vi imersa
Acesso em 25 de ago. 2019.
em pensamentos e reflexões, mas não precisei pensar muito para
OLIVEIRA, Valéria. CARREIRA, André. Teatro de grupo: Modelo
afirmar o meu interesse em participar do grupo, e foi então que
de organização e geração de poética. Revista FURB, 2004.
assumi naquele momento a função de produtora, mesmo nunca
Disponível em: <http://files.discutindoaeticanoteatro.webnode.
tendo estado nessa função antes. Comecei a participar dos ensaios
com/200000061-3758138524/TEATRO%20DE%20GRUPO.
e quando me dei conta estava dentro da cena. Passei de produtora
pdf>. Acesso em 25 de ago. de 2019.
a produtora-performer contribuindo agora para a construção do
terceiro ato (o espetáculo é dividido em três atos).
O Teatro das Cabras é, sem sombra de dúvidas, algo latente,
potente e necessário aos dias atuais. Um lugar de fala que nos foi
negado durante séculos é hoje reivindicado. Sigo acreditando que
juntas somos mais fortes, e que juntas contaremos sobre as nossas
percepções de mundo reescrevendo e sendo protagonistas da nossa
própria história.

49
THUYZA FAGUNDES
Thuyza Fagundes (1992), Potiguar, Atriz, Musicista, pro-
dutora performer, graduada em licenciatura em teatro pela
Universidade federal do rio grande do norte e entusiasta da
arte em todas as suas vertentes.
diário
iluminado
Processo de
criação da luz
“A BELEZA ESTÁ
NO CONTRASTE!”

Fonte: Google 52
A frase anterior foi citada inúmeras vezes em aulas ou cursos
que fiz com quem eu digo ser meu mestre na iluminação cênica,
Ronaldo Costa.
Foi na busca da beleza pelo contraste que me encontrei com o
Teatro das Cabras e “A Tragédia Mais Insignificante do Mundo”.
Depois de muito ouvir “sua luz tem muita sombra”, encontrei
Heloísa Sousa, diretora desse trabalho, que me disse “eu amo som-
bras”. Então, embarcamos juntas para construir essa tragédia.
Em nossos primeiros encontros, antes mesmo de assistir alguma
coisa do que as meninas estavam criando, conversamos sobre do
que se tratava a peça, quais os assuntos abordados, as imagens
possíveis, as ideias gerais... Falamos sobre cabras, como se matam
cabras. Então, cheguei a uma primeira imagem de ambiente para
pensar a luz desse espetáculo: o frigorífico. Saber como é esse am-
biente, que luz há nele, onde se matam as cabras convencionalmen-
te, de que forma elas são colocadas.
Fonte: Google
Ao lado, imagens que talvez possam ser desagradáveis.
A imagem que mais observei eram de carnes penduradas, com luzes
fluorescentes que se projetavam sobre elas e formavam sombras no
chão. De um modo geral, ambientes muito brancos, mas sempre
com a cor vermelha presente na carne e no sangue que é derramado
após o abatimento.
Com essas imagens segui para assistir o primeiro ensaio de “A Tra-
gédia [...]”.
A cada ensaio era me apresentado um esboço do que seriam os atos
da peça e a partir disso eu fazia desenhos de luz diferentes.

OBS: Para melhor compreender esse texto, tudo que está em verme-
lho foram coisas que escrevi no meu diário de luz durante os ensaios.

53
Fonte: Google
ENSAIO 1 – ATO 1

Descrição: Atriz sentada em uma cadeira ao fundo do palco, uma Uma luz acima da atriz que revelava somente ela e seus objetos.
cortina de plástico transparente na sua frente e uma música que me
remetia a filmes. “Um ambiente outro, que não o das cabras. A casa da perita? Espa-
ço de transição entre cenas? Uma cor? Azul?”
Dessa cena descrita desenhei no meu caderno de anotações:
Fiz os questionamentos acima para mim mesma, buscando enten-
der melhor o que significava aquele espaço, que estava “separado de
todo resto” pela cortina de plástico. Queria junto da iluminação,
aguçar a percepção para aquele local como “um lugar outro”, além
de querer saber o que estava na cabeça da diretora e da atriz en-
quanto construíam a cena.

“Cena da Loucura – Estrobo?”

Foi me mostrada uma cena que, naquele instante, chamei de “cena


da loucura” para me situar no momento do espetáculo. Enquanto
a atriz falava muito rápido seu texto e realizava várias ações, eu
piscava o olho rapidamente tentado imaginar como seria aquela
cena iluminada por um estrobo. Eu gostaria de fazer um contra-
ponto visual, uma luz que piscava na mesma velocidade das ações e
palavras, mas que tornava tudo aquilo lento, permitindo ao público
talvez atentar para as palavras ditas, que no meu ponto de vista era
o momento clímax daquele ato, além de transformar a imagem que
o público estava observando.

“Terceiro Ato - Áurea Dourada “

“Áurea dourada” foi como Heloísa descreveu como seria o terceiro


ato (que eu não havia assistido ainda), mas já anotei a frase que me
soou como um forte indicador de luz.

54
ENSAIO 2 – ATO 2

No segundo ato da peça, a perita e o assassino em um jantar. No Uma mesa iluminada por uma fita de LED em todo comprimento
foco da cena uma mesa e uma cadeira, a perita prepara o jantar, a da mesa, um refletor iluminando lateralmente a cadeira vazia.
cadeira está vazia. No meu caderno o seguinte desenho: Nesse momento da construção do espetáculo, eu esperava conseguir
fazer com que Fernanda pudesse manusear alguns dos equipamentos
de luz na cena. A primeira ideia era que ela pudesse operar a luz na
mesa do jantar na medida em que a cena fosse acontecendo.
A cena apresenta a perita em diálogo com o assassino, a atriz dá
voz aos dois personagens, mas apenas um de fato está sendo vis-
to (a perita). Então, pensei que poderia dar vida ao assassino por
meio da luz na medida em que ele é apresentado enquanto texto.
Eu o apresentaria como luz, iluminando a cadeira que antes ficaria
vazia e agora estaria preenchida. Estabeleceria um jogo em que eu e
Fernanda precisaríamos descobrir o tempo necessário de cada fala,
para assim buscarmos os melhores momentos de mudanças de luz,
tendo em vista que a luz da cadeira acenderia sempre que ela desse
o texto do assassino.
A cena segue e a perita se dirige a plateia fazendo perguntas. Mais
um desenho no meu caderno:

55
O que eu chamo de “bem iluminada” posso explicar melhor trazen-
do um trecho da dissertação de mestrado do Ronaldo Costa, citado
no início do texto.

Os focos posicionados frontalmente a 45º no sentido de cima para


baixo são perfeitos para iluminar o rosto do ator mesmo quando ele
está com a cabeça baixa, por isso que nos teatros à italiana, pelo menos
nos bem planejados, existe uma vara de plateia que nos dá a possibili-
dade de ajustar os refletores nessa inclinação (COSTA, 2010, p.128).

Luz frontal a 45º e outra luz abriria também na plateia.

“A luz da plateia pode falhar enquanto as perguntas vão ficando


mais incisivas, até que se apague completamente”.

Acendendo a luz da plateia, eu permitiria, pela primeira vez, que


ela também estivesse junto na cena, como se tudo se tornasse palco
por alguns minutos. O texto já buscava a plateia para participar
da cena, iluminá-la seria mais um elemento disparador para essa
participação efetiva.
A luz frontal a 45º foi uma escolha pela forma que esse ângulo dá
as sombras. Nesse momento a atriz estaria falando diretamente com
a plateia, por isso gostaria que ela ficasse “bem iluminada”.

56
Durante os ensaios não utilizávamos nenhum recurso de ilumina-
ção, porém tínhamos em cena uma televisão que é ligada em um
momento específico. Nesse momento, a atriz ligava o aparelho e
ficava olhando fixamente para ele. Decidi apagar as luzes de servi-
ço da sala para poder ver como aquela imagem ficaria apenas com
a luz emitida pela TV. SUPIMPA! Tínhamos uma bela imagem, e
decidimos mantê-la.

“Luz do estrobo ou movimentos de luz com o revólver próximo


à área”.

Essa anotação foi feita porque, pela primeira vez, eu vi Fernanda


transformar o pedestal usado na cena em uma arma, então eu gosta-
ria de dar vida aquela imagem fazendo surgir de algum modo a luz
que é emitida pela arma quando se dá um tiro.

57
58
Foto: Carol Macedo
ENSAIO 3

Vale ressaltar que essa foi a última vez que numerei o ensaio. E a Todo espaço da cena por trás está escuro, enquanto o que está
partir daqui não sei mais se o que escreverei vai ter uma sequência iluminado é o que atriz observa. Pode-se perceber que a intensidade
cronológica de criação. da luz está baixa, isso também faz parte de nossos acordos enquan-
to estética para o espetáculo, optamos por não usar em nenhum
“Iluminação quebrada momento a intensidade dos refletores a 100%.
Iluminação lateral“

Começo o diário desse dia com frases que foram ditas por Heloísa,
ela falou que gostaria que a luz pudesse ter possibilidades outras
que não as convencionais dos refletores no teto, que talvez pudésse-
mos experimentar a luz vindo de outros ângulos, formando som-
bras maiores, criando outras imagens.
Sobre a iluminação quebrada, as meninas haviam me enviado um ví-
deo de Peter Greenaway em nosso grupo de WhatsApp como referên-
cia para o que elas estavam pensando como proposta para iluminação.
O vídeo¹ mostra uma imagem da “Santa Ceia” e na medida em que
vai passando, o jogo de sombras do vídeo vai mudando e elas vão
revelando detalhes, partes específicas da imagem, modificando sua
forma. A partir disso, comecei a pensar como os movimentos de
luz de “A Tragédia [...]” poderiam ser revelados através do olhar da
atriz, em especial na primeira cena do primeiro ato em que ela entra
e sua ação é a de observar o espaço, então na medida em que ela vai
analisando-o vamos “dando luz” aquele ambiente. Usarei a imagem
da próxima página para que se perceba melhor o que eu estou ten-
tando explicar.

¹Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=CFTs_6C919g&fea-


ture=youtu.be

59
60
Foto: Carol Macedo
Atriz de cabeça para baixo na escada. “Se Fernanda pudesse manipular o refletor”.
A ideia da luz que ilumina essa cena era a mesma das fotos dos
frigoríficos com as carnes penduradas e uma luz sobre elas.

Aqui eu não estava tratando de nenhuma cena específica, mas ainda


estava pensando nas possibilidades de iluminação lateral e de como
tornar possível a operação da luz na cena pela atriz.
Foto: Carol Macedo

61
Para seguir: Ao contrário do que me vinha sendo apresentado, em um dado
momento mais um corpo entra em cena, agora me apresentam a
Aqui, antes de seguir com as últimas anotações do meu diário, abro entrada de Thuyza Fagundes que é nomeada nesse trabalho como
um espaço para explicar algumas das coisas que ainda não falei. produtora-performer, então alguns dos meus desenhos foram refei-
Talvez você já tenha observado nas imagens, que a luz do nosso tos com a entrada desse outro corpo (comparar figura da página 55
espetáculo é todo “corrigida”, desde o primeiro ensaio que Heloísa com a figura desta página).
me falou da vontade que essa luz não fosse amarelada como comu-
mente é a luz emitida pelos refletores, trazendo um lugar diferente “Luz da sopa
do que é comum ver no palco. Agora você me diz, “mas Cléo eu já Cena do interrogatório, iluminar ela como?
vi vários trabalhos assim com a luz branca” e eu respondo “eu sei”. Loucura – Estrobo (‘não é uma mulher’ parar de piscar)
Pensando nessa luz branca, uma das referências de imagens que Luz em Thuyza “
Heloísa me pediu para pesquisar foram os trabalhos de um artista
grego chamado Dimitris Papaioannou. Então, fui pesquisar as Agora, diferente da primeira imagem, a ideia do recorte de luz já
imagens dos seus trabalhos que estão disponíveis no Instagram. havia mudado. Enquanto na primeira imagem que eu fiz dessa cena
Olhando essas imagens consegui perceber a diferença que a luz eu colocava uma luz sob a cabeça da atriz que se propagava em
branca trazia para o palco. linha reta (figura da pág. 55), agora podemos observar um recorte
Novos elementos chegam, então. diferente para a luz. A ideia dessa luz resultou de dois momentos;
em um deles, da varanda da minha casa, eu observava a rua e achei
interessante a propagação da luz que saía do poste e que era possí-
vel observar devido à noite chuvosa. Recordei do meu professor de
iluminação falando em suas aulas sobre o seguinte:

Todas as luzes e efeitos estão à mostra para o olho educado. Os


efeitos dos filtros, os contrastes das luzes, as densidades das cores,
tudo e todos estão na natureza, à vista, para quem quiser ver
(COSTA apud MOURA, p. 58, 2010).

Alguns dias depois, chegando na sala de ensaio, tinha uma lâmpada


de um espetáculo que havia sido apresentada no final de semana
anterior e ao ver a lâmpada acesa percebi que a luz se propagava de
forma muito parecida com a imagem que eu havia visto. Mas, para
simular realmente o que eu gostaria, precisaria de um suporte para a
lâmpada. Essa foi a imagem que troquei com Heloísa por WhatsApp
para exemplificar o que eu estava querendo propor.
62
Luz da mesa - branca
Luz do assassino - amarela
Cena do interrogatório

A cena do interrogatório agora estava diferente do momento ante-


rior que desenhei (figura da pág. 56), logo precisaria pensar uma
outra forma de iluminá-la. Optei ainda por mostrar o assassino por
meio da luz, então decidi manter a luz lateral que me permitiria
metade do rosto da atriz com sombra, desconfigurando a figura da
perita, e sugerindo outras leituras para esse corpo. A cada resposta
do assassino, uma luz acende lateralmente, enquanto se apaga a luz
direcionada para a mesa, como pode ser visto nas fotos ao lado.

63
Fotos: Carol Macedo
Foto: Carol Macedo

Agora, observe que uma luz amarela incide sobre a atriz na segunda
foto da página anterior. Essa foi a primeira cor luz a entrar na nossa
peça, ao fim do primeiro ensaio aberto sentimos a necessidade de
que essa luz do interrogatório ficasse mais evidente, que não levasse
atenção aos objetos da mesa, portanto, colocar uma cor traria uni-
dade a tudo, permitindo que se atente para o que se diz e não mais
para as cores e formas dos objetos, já que esses são essenciais apenas
enquanto a perita cozinha e não quando se dá voz ao assassino. O
refletor que usei era um set ligth de 500w, que não estava corrigido
no primeiro ensaio, então a única luz amarelada vinha dele, dessa
forma, decidimos embarcar mesmo nessa tonalidade, já no dia em
que essas fotos foram tiradas colocamos uma gelatina amarela.
Continuando a falar de cor luz, a cena da loucura que citei lá no
início, depois de experimentar de fato o estrobo decidimos man-
tê-lo, mas ainda era necessário algo. E se o estrobo tivesse cor? Daí
veio nossa segunda cor luz vermelha, foi uma proposição de Helo-
ísa utilizar essa cor, que se harmonizou muito com a proposta de
cena feita por Fernanda.

64
Hora de montar o mapa

Então chegamos no momento de descobrir se tudo que havia sido


pensado para a encenação poderia ser possível, tendo em vista as
condições de estrutura do espaço de apresentação. Sabendo que
cada espaço vai nos disponibilizar estruturas diversas decidimos por
fazer dois tipos de mapa de luz um “ideal” e outro “possível”.

Espero que você tenha curtido embarcar um pouco no que é


essa viagem de tentar encontrar significados e imagens através
da iluminação cênica.

65
CLÉO MORAIS
Atriz, bailarina, preparadora vocal e iluminadora cênica.
Graduada no curso de Licenciatura em Teatro na Universi-
dade Federal do Rio Grande do Norte e aluno do curso de
Licenciatura em Dança na mesma instituição.
o sangue
derramado
teatro,
justiça,
democracia
Vozes sem corpo combatem para contar a fábula. e a luz sob a qual têm lugar as suas evoluções, a digressão como
Michel Foucault método e a experimentação como princípio, a dor e a revolta - tudo
está a serviço da simples exposição dos fatos: voltou a acontecer,
A relação das cabras com o teatro remonta às suas origens gregas. acontece desde sempre, não deixa de acontecer.
O seu sangue era derramado em sacrifício ritual, nos altares con- Jean-Pierre Vernant via na tragédia grega o suplemento fundamen-
sagrados a Dionísio que ocupavam o centro da orquestra, antes tal da democracia ateniense. Nascem juntas, quando o primeiro
da representação. Sobre esse fundo trágico se elevavam e caiam as ator se destaca da comunidade cantando ao uníssono os hinos
fugazes figuras que davam corpo às mesmas histórias de sempre. tradicionais e o dissenso se instala na praça como princípio anár-
A entrada das mulheres em cena é mais recente. Durante muito quico da organização do comum. Morrem juntas, quando o teatro
tempo o palco lhes foi vetado. Concebidas e interpretadas por esquece que o objeto do teatro é o mundo, não o próprio teatro, e
homens, as mulheres do teatro foram durante séculos fantasmas de as pessoas deixam a praça para tratar dos seus assuntos, confiadas
si mesmas. Fedra, Medeia, Desdémona, Ofélia, todas essas mulhe- de que o comum pode ser administrado por especialistas.
res estão fora de si - literalmente, porque não são outra coisa que Quiçá não seja possível expiar o teatro das suas culpas, e segura-
o duplo invertido do desejo masculino perante a estranheza dessas mente em nome da democracia cometeram-se crimes imperdoáveis,
consciências estranhas. mas para aqueles de nós que somos incapazes de renunciar a essas
O teatro não é inocente. As imagens da mulher que contribuiu a palavras, a esses nomes, voltar a dar um sentido ao teatro e à demo-
levantar sempre justificaram, e continuam a justificar ainda hoje, cracia são tarefas incontornáveis, imperativas, urgentes.
a violência à qual as mulheres se encontram submetidas. “Nada Alargando a polifonia que define a cena dramática desde suas ori-
de excepcional”, apenas mais uma morte, a morte de mais uma, gens, fazendo ressoar a voz de tantas mulheres silenciadas, dando-
de três, de dez, cada dia, todos os dias. Não se trata em verdade -lhes corpo, “A Tragédia Mais Insignificante do Mundo” comove.
de uma tragédia insignificante, ainda quando se tenha tornado a Não apenas os seus espectadores. Comove, também, as próprias
coisa mais banal. fundações do teatro, que mais uma vez parece tornar-se um espaço
Em todo o caso, não é questão de abrir mão do teatro, mas de to- essencial para a vida em comum.
mar posições (porque é uma guerra, como diz Rita Segato). Cinco
mulheres conspiram nas suas proximidades. Projetam ocupar o
palco, tomar a palavra, e inclusive voltam a pôr as cabras em cena.
Como antigamente, o sangue cobre em parte, ainda fresco, o
cenário onde se desenvolverá a história. Mas desta vez esse sangue
derramado não será ignorado, porque se trata de outra história. Se
a tragédia sempre esteve assombrada pelos espectros de mulheres
violentadas, é hora de fazer-lhes justiça.
A sobriedade da palavra transbordada pela intensidade da voz e o
ruído sobre o que tenta elevar-se, a presença soberana dos corpos

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EDUARDO PELLEJERO
Eduardo Pellejero é graduado em Filosofia na Faculdade de
Filosofia da Universidade do Salvador (Argentina, 2000)
e doutor em Filosofia Contemporânea pela Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa (Portugal, 2006). Desde
2009 é professor de Estética na Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (Brasil) e faz parte dos Programas de
Pós-Graduação em Estudos da Linguagem e em Filosofia na
mesma instituição. Atualmente, desenvolve uma pesquisa no
domínio da estética, da filosofia da arte e da literatura.
no encalço
do sujeito
“A Tragédia Mais Insignificante do Mundo” apresenta-se inicial- não deixa de ser seu. Antes de tudo, devemos recuperá-lo e, para
mente no formato de um romance policial, no qual a protagonista isso, devemos dotá-lo de significado.
está no encalço da violência. A peça, portanto, faz dialogar sua O que essa tragédia significa para mim? Mais que um jogo de pala-
forma e conteúdo de maneira crítica. Coloca na centralidade do vras com o título, essa foi a questão que me moveu do momento em
enredo o próprio objeto que o estrutura, a violência. que assisti “A Tragédia Mais Insignificante do Mundo” até agora.
A partir disso, a crítica interna que se configura por meio de uma Ao longo da investigação do assassinato das três cabras, aprendo que
série de deslocamentos implode o formato, levando-o além de seus as mortas realmente não importam, a matéria da investigação sou eu
limites, quais sejam: a glorificação da violência subsumida no hor- ou, mais precisamente, minha violência. Estranho chamar de minha,
ror do assassinato e a metafórica vitória da razão (o triunfo do ego como se fosse algo que me habita ou que tenho no armário de casa.
do investigador) pela derrocada da desrazão (a supressão daquele O que faz essa violência genuinamente masculina ser minha é o fato
que é puro Id, o psicopata). Oposições como essas, que negam a si de eu tê-la praticado. Nunca tinha admitido até então que pode-
mesmas ou a outra parte do todo que as integra, são contradições. ria ser violento. Em defesa, me reprimo, protesto e me culpo. Mas
Resolver uma contradição do âmbito psíquico é no que consiste a diante da mediação da arte, me admiro da estética, da potência e da
desalienação mental. ambiguidade da ação hedionda. Em alguns momentos, me questiono
Alienar é fazer o sujeito perder contato com aquilo que lhe é se me incomoda ver mulheres falando de vivências tão pessoais da
próprio. O teatro, desde seu surgimento, é reconhecido como uma masculinidade. Às vezes chega a soar superficial ou incompleto o ato
prática desalienante, pois coloca o humano em contato com suas hermenêutico, mas acredito que nenhum homem poderia admitir
emoções. Contudo, isso não era visto com bons olhos, pois acredi- ou me fazer admitir o que era encenado naquela noite. O maior ato
tava-se que os sentimentos competiam com a razão, impedindo o de filosofia e autodescoberta é tomar consciência das coisas óbvias e,
humano de refletir com clareza. Está é outra contradição, visto que com grande espanto, chega a mim pela primeira vez, logo após assis-
razão e emoção são inseparáveis no todo que as integra. tir à peça, a percepção de que sou homem. Não me tornei homem
O teatro dialético produz, nos deslocamentos que realiza, o estra- até os 19 anos e, no turbilhão de processos neuróticos que percorri
nhamento. Voltamos a sentir, depois de muito tempo anestesiados, desde então, só agora me percebi como tal.
ao perceber o estímulo longe do local que o sistema lhe designou. Acredito que todo homem tem uma explicação mais ou menos
Mas perceber dialeticamente é ir além daqueles limites dos quais edipiana para ser como é. A minha foi quando, aos 19 anos, me
eu falava, viver a contradição, ir além da repetição, superar a crise defendi da violência masculina que sofria em casa na mesma moeda.
e adentrar no devir. Caso contrário, corremos o risco de vivenciar- De imediato, saí de casa. Praticamente um ritual de passagem para a
mos hipocrisia e recalcamento disfarçados de catarse. vida adulta, que remete ao assassinato primordial freudiano. Depois,
Não há cura para o incômodo. Peço licença para ser autoritário era com estranhamento que performava a masculinidade, vendo
e afirmar que a peça não é sobre feminicídio, psicopatia, investi- que ter raiva me fazia ser respeitado ou que segurar a mão da minha
gação, nem mesmo sobre cabras, é sobre você. E não importa o namorada na rua cessava os comentários de outros homens sobre ela.
quanto você chore, se arrependa, se culpe, se aflija, nada disso pode Desempenhar o papel de macho foi necessário socialmente, foi uma
expurgar esse mal que te habita. Aquilo do qual você foi alienado forma de lidar com o sofrimento psíquico. Foi como se tornar-se

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homem fosse uma condição para ser visto como uma pessoa adulta,
responsável e merecedora da própria felicidade. Minha mãe me en-
sinou a cuidar, a perdoar e a dar a outra face. Vi a vida que ela tinha
conseguido com aquilo e não quis ser igual. Por ironia, me tornei o
que mais odiava para me libertar do objeto do meu ódio e defender
o que amava. Apenas uma tragédia tão insignificante quanto a das
cabras pode suscitar uma reflexão insignificante como esta.
Esse mergulho egocêntrico é paulatinamente substituído por outras
duas questões: o que significa ter essa revelação mediada por essas mu-
lheres e, finalmente, o que essas mulheres sentem ao representar essa
tragédia? Naturalmente do egocentrismo extremo a alguma empatia.
A cena da cozinheira funciona, para mim, como transição entre
esses polos transfigurados na dualidade feminina: ativa e receptiva,
forte e fraca, autoritária e servil.
Por fim, chama atenção como o desespero ao final do espetáculo
não são súplicas. A mulher não se humilha ou lamenta-se da sua
condição. Tampouco, ressurge como uma fênix empoderada. Aqui,
novamente, não sinto culpa ou remorso. Apenas vontade de me
juntar a detetive em seu esforço arqueológico e entender o que isso
tudo significa para nós.

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VICTOR CECÍLIO
Aluno do curso de graduação em Psicologia da Universida-
de Federal do Rio Grande do Norte, possui experiência em
cinema e teatro.
os ouvidos
para as
cabras e
as girafas
Ao refletir o corpo, em “A Tragédia Mais Insignificante do Mun- de conversa que já desencadeia o próximo encontro. Alguns cansa-
do”, remeto-me ao exercício da escuta, exercício esse meditativo dos, outros eufóricos, outros chateados, pois o que procura parece
até, no sentido da religação com uma unidade que encerramos no relutar em vir, como criança que reluta para dormir, mesmo com o
corpo: a unidade do refletido e do irrefletido. Do que para nós parece sono presente no corpo, nos olhos.
ciente, com o que, em nós, desconserta essa ciência e nos dá a possi- Nesse cotidiano de ir ao chão, cair, levantar-se, alongar-se, redesco-
bilidade de transformar o que nos parece pronto, em algo novo. Os brir as espirais presentes no corpo, as diagonais, os espaços interver-
elementos até podem ser os mesmos, mas, organizam-se num arranjo tebrais, as extremidades, a centralidade, os limites e as dificuldades
outro que engendra olhares antes pouco possíveis, até inimagináveis. articulares, a espacialidade da sala e dessa na relação com os corpos
Renova o essencial, dá-lhe novas dobraduras, uma existência outra. - o corpo coletivo e cênico, os corpos das cabras e das girafas, e
Lembro-me que os corpos de “A Tragédia Mais Insignificante do dessas com os textos ditos e dançados, os textos falados pela dança
Mundo” respiram o mesmo ar que o corpo de “Pelo Pescoço”¹: e pelas ações mínimas, procuramos dar voz ao nosso silêncio e ao
ensaiamos, poetizamos na mesma sala. Além disso, sou um corpo silêncio de tantas outras cabras e girafas, algumas perdidas, outras
com ascendente em Capricórnio, uma cabra do sertão. mortas, outras que gritam e outras que sussurram.
O corpo que fala, o corpo que dança, o corpo que narra, o corpo Nesse ir e vir processual, que envolve diversas ideias e ações, nos
que suspende o tempo, o corpo que atua, o corpo que canta, o desapegamos de tantas, para, um tempo depois, apropriarmo-nos
corpo que dilata, o corpo que reverbera, o corpo que diz, o corpo de sutilezas e caminhos outros que, penso, talvez não nos aprofun-
que espera para dizer, o corpo que dialoga, o corpo que assiste, o dássemos sem um segundo a mais de respiração. Outras, desejamos
corpo que dirige, o corpo que não compreende, o corpo que cansa, e arregimentamos trajetórias de realização, e, para elas, estávamos
o corpo que morre... de morte matada! prontos, como se essas ideias e ações estivessem ali, há tempos, so-
O corpo que atua na cena, a cena que o provoca a novos significa- mente esperando nossa prontidão e interesse claros. Esse tatear nos
dos e o desafia a cada instante, a cada apresentação, sempre outras levou a por na roda de trabalho as nossas intuições e técnicas estu-
apresentações, nada igual, um público que dialoga junto, um que dadas, e ao desafio de experimentarmos caminhos pouco visitados e
participa disperso, outro que se emociona junto, que joga e realiza com esses vivenciarmos a superação de antigos medos e frustrações.
sua própria poética. Ao refletir sobre cabras e girafas, percebo que também reflito tantos
Na sala de ensaio: um estudo constante de falas, textos ditos, textos outros encontros vividos, de mesma natureza. Encontros esses pro-
dançados, textos cenográficos e textos cênicos, num jogo desafiador fícuos e fecundos. Recordo-me de aprender com eles. Recordo-me
e provocativo, onde o erro pode vir a ser o grande acerto, onde o desse aprendizado reverberar em meu corpo por muito tempo; até
cotidiano das colaborações, das discussões, das risadas e desafios se que, essa reverberação vai se tornando uma memória presente nas
lançam para a construção das cenas. No final de cada dia, uma roda articulações, na alma, nos músculos, nos pensamentos, nas vísceras,
nas ideias, no irrefletido e nas escolhas futuras.
Escrevo esse texto como uma tentativa de, em sinergia, revolver
¹“Pelo Pescoço” é uma obra cênica criada por Ana Claudia Albano e para um lugar reflexivo, o vivido na construção artística, na minha
Daniel Torres, estreada em 2018 na cidade do Natal/RN. carne e na carne do outro, constituídas dos mesmos elementos, mas

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com arranjos diversos, distintos e surpreendentes.
Trago para o meio da roda o desejo de continuidade e per-
manência do exercício artístico como um espaço de escuta da
minha carne e da carne do outro, das nossas fragilidades, da hu-
manidade contida nelas, do que pode favorecer o encontro, do
que pode atenuar as nossas violências e possibilitar um abrir-se
aos tantos perdões que podemos pronunciar, um abrir-se ao
que estar à margem, e que pode ser o fundamental.
Escrevo esse texto com alguns lapsos de memória, sem uma crono-
logia ou uma elaboração mais precisa. Dei-me o presente de não
pensar muito, ou talvez menos do que o habitual...
Termino esse texto agradecida pelo convite de, em minhas palavras,
reencontrar as cabras e as girafas que me habitam.
Até breve.

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ANA CLAUDIA ALBANO
Ana Claudia Albano é graduada em Educação Física pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1998),
mestre em Artes Cênicas (2010), e atualmente cursa o Dou-
torado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação pela
mesma instituição. Tem experiência na área de Artes, com
ênfase em Dança, atuando principalmente nos seguintes
temas: condição humana, dança e processos de criação. Foi
dançarina da Gaya Dança Contemporânea por dezoito anos,
atuando em todos os espetáculos da Companhia, além de
exercer o cargo de Assistente de Direção. Foi artista-educa-
dora do Projeto ArteAção entre 2009 e 2013, projeto desen-
volvido nas escolas públicas tendo a arte como ferramenta de
desenvolvimento humano, e assistente de direção do Grupo
de Teatro Casa da Ribeira, de 2010 a 2012.
O Teatro das Cabras é um projeto idealizado pela encenadora
Heloísa Sousa em 2018 a partir do desejo de criar cenas alucinadas,
prioritariamente com mulheres. Nesse mesmo ano, o encontro
com a dramaturga e atriz Fernanda Cunha possibilitou o início
do processo de criação do primeiro espetáculo do grupo. A partir
daí, outras artistas mulheres se aproximaram e compuseram dife-
rentes partes dessa obra. Para além da equipe técnica envolvida em
“A Tragédia Mais Insignificante do Mundo”, são várias outras
pessoas que contribuíram para que essa obrase realizasse, para que o
grupo estreasse e a vontade de permanecer criando e arriscando se
estabelecesse. Desde empréstimos de materiais, a doações, auxílios
na divulgação, devolutivas sensíveis, entre outras coisas que mate-
rializaram nossa arte e nos fizeram pensar sobre a força da coletivi-
dade, do encontro, da confiança e da criatividade. Esse espetáculo
só foi possível graças ao trabalho de artistas competentes e compro-
missadas com o teatro, juntamente com outras pessoas que contri-
buíram diretamente, através da nossa campanha de financiamento
coletivo, e indiretamente através de trocas singelas e verdadeiras
conosco. A todas essas pessoas, gratidão!

As imagens que compõe os títulos dos textos desse dossiê foram


fotografadas pela artista e designer Caroline Macedo durante nosso
ensaio aberto em julho de 2019. Outras fotos foram retiradas do
acervo pessoal das artistas e fotografadas pela encenadora Heloísa
Sousa, pela cenógrafa Luiza Saad e pela iluminadora Cléo Morais
durante os processos de criação entre os meses de janeiro e julho de
2019; outra foram retiradas do banco de imagens da internet.
Teatro das Cabras
Natal/RN
@teatrodascabras
teatrodascabras@gmail.com

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