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O Principe Martins Fontes Deatre of textos que so tidoe come “imortais", ent Hivinho ocupa um lugar 4 parte © acedito que nico, Nada im- ppede que sea epetido como um "ensaio ‘mau’, inspirado por um esirito de cinis ‘mo ou de exindalo, Nada obriga a ver ‘ele um doe textos mines da iercura polkica, O que é imposive, tanto hoje ‘quanto no primeir dia, largélo antes de télo ido até 0 fim, & plo de lado com indiferengs. ( Principe no conservou sua javentude = muitas obras mereceriam este eogio banal — 0 Principe conservou seu poder de faeinio, Sei disso, mas no extou certo de saber por qué. (correu-me uma primeira resposts. O Princip & wm lvro caja aparene claeza deslumbra e cujo mistério os eraicos € ‘os simples letorestentam em vio esare- ‘ex. O que queria dizer Maquivel? A ‘quem queria dar aulas, os ris ou aos [povor? De que lado ele se calocara? Do Tado dos tranos ou do lado dos republi- ‘anos? Ou de nenhum dos dois? R Avon pe Kt Hi Ks O PRINCIPE O PRINCIPE Nicolau Maquiavel mnogo aa sou cuDmaSSER Martins Fontes irtins Fi Indice Preficio, Cronologia ‘Nota desta edicao. © PRINCIPE... I. De quantos tipos so 0s principados e de que modo se adquizem 1, Dos prineipades hereditrios. 1M Dos principados mistos. 1. Por que razio 0 reino de Dario, ocupado por Alexandre, n20 se rebelou contra 08 si- ‘cessores deste apés a Sua MOE \, De que modo se devem governar as cida- des ou principados que, antes de serem ‘ocupads,viviam sob suas propria leis VI. Dos principados novos que se conguistam, ‘com armas proprias € com vir Vil, Dos principados novos que se conguistam ‘com as armas e a fortuna de outrem, ‘VII, Dos que chegaram 20 principado por atos xvi v 2 23 n a IX. Do principade civil X. De que forma se devem avalia as Forgas de todos os principados. XI. Dos principades ecesisticos XIl. De quantos géneros hi de milicia e de sol- dados mercendcos XIll, Dos exérctos ausiliares, mists © proprios. XIV, Do que compete a um principe acerca da silica. XV. Das coisas pelas quais os homens, € espe- cialmemte os principes, sto louvados ou vi tuperados. XVI. Da liberlidade © da parciménia XVIL Da crueldade e da piedade e se € melhor ser amado que temido ou melhor ser temi- do que amado. XVII De que modo devem os prncipes manter 8 palavra dada XIX. Como se deve evitar ser desprezado © codiado. XX Se as fortalezas © multas outras coisas que ‘os principesfazem dlariamente sio Gteis ou 201, © que conrém aun principe par ser XXII, Dos sectetrios que 0s principes mantém junto de s. XXIII, Como evitar 08 aduladores. XXIV, Por que rizdes 0s principes da Ita perde- ram seus Estados : XXV. De quanto pode a foruna nas coisas hum nas € de que modo se pode resstirthe, 2 % 3 105, am 3 47 9 XVI Exortacio a tomar a Ilia € liberia das ‘mis dos barbaros ‘Ao magnifico Lorenzo de Medici Apéndice ~ Maguiavel e Mars. Notas 23 129 BI 137 Prefacio Dentre 0s textos que sio tidos como “imoras", este livrinho ocupa um lugar a parte e acredito que dnico. [Nada impede que seja repelide como um “ensaio mau", {nspirado por um espirito de cinismo ou de escindalo. Nada obriga a ver nele um dos textos maiores da ltera- ‘ura politica. O que & impossivel, tanto hoje quanto no primeiro dia, ¢ largé-o antes de té-o ldo atéo fim, € pO lo de lado com indiferenca. O principe nao conservou sua juventude - muitas obras mereceriam este elogio ba- ral -, O principe conservou sew poder de fascinio. Sei disso, mas nao estou certo de saber por que. ‘Ocorre-me uma primelra resposta. O principe & um livro caja aparente clareza deslumbra e cujo mistério os enuditos © os simples leitores tentam em vio esclarecer, Que queria dizer Maquiavel? A quem queria dar aulas, 4305 rei ou aos povos? De que lado ele se colocava? Do ldo dos tiranos ou do lado dos republieanos? Ou de ne ‘nhum dos dois? Hoje nto estamos em situago de conservar a inter~ pretacio falsamente original de Jean-Jacques Rousseau, Numa nota de O conirato soci, ele diz que Maquiavel ‘er um homem honesto e um bom cidadio, mas, estan- =~ once o ligado a casa dos Medici, ra obrigado, em meio 3 lopressio de sua patria, a disfargar 0 seu amor 3 iberda- de. 56 2 escolha de seu execrivel herbi, Cesate Borgia, | € suficente para mostrar sua secreta intengio, ¢a opo- siglo das méximas de seu livro sobre O principe as de seu Discurso sobre Tio Livio © da Histrta de Florenca demonstra que este profundo politico $6 teve até agora leitores superficiais © corrompidos. A cone de Roma proibiu severamente o livro;entende-se, i que é ela que ‘livro descreve mais claramente, Mas n2o € isso, Nio ha contraigio entre O principe e o Discurso. Maquiavel ama- vaaliberdade e nem mesmo disfarcava seu amor. Mas, para fundar um principada novo ou livrar & tia dos birbaros,alberdade de um povo corrompid teria sido Jmpotente. Quem analisa, 4 maneira de Aristételes, os ‘meios necessrios para manter a tania, nem por isso a aprova, e menos ainda aprova a degradagao dos costu- ‘mes que a tornou possivel ou inevtivel Essa busca da verdadera significacio de 0 principe 0 da intengo tikima de Maqulavel ndo se detém tio rpidamente. Ela € propriamente dialtica. Toda respos- 1a a uma questo suscita novas quesides e talver nos leve de volta 20 ponto de partida, a interogagio inical, formulada com mais sutleza. A anttese da liberdade € do despotismo, de © principe e do Discurso € facticia. Maquiavel, como todo homem bem nascido, prefere a liberdade e odeia 0 despotismo, Mas ele tem a experién- ‘ia tanto da historia como da agdo. Ele conhece a mar- ‘cha das coisas humanas, a inconstincia das massas, 2 fragllidade dos Estados. Sem ilusdes nem preconceitos, ele observa os diversos tipos de Estados, classifica-os por eneros, esabelece as leis - les cienifcas e no morais aes Price = segundo as quais cada Principado deve ser conquista- ‘do ou governado. Se & verdade que sua atencio se dir- ‘ge com mais facildade para os principados novos out degradados, se parece admirar Cesare Borgia © seus pro- ‘cedimentos, estariamos errados em censui-lo por isso ‘Também © médico consagra mais tempo ao estudo das doengas do que ao da satide: aquelas so, em certo sen tid, mais interessantes do que esta. Mais interessantes porque solicitam a intervencao do médico. Mais interes- ‘antes porque revelam 0 funcionamento do organismo, [Ninguém, no entanto, acusari 0 médico de preferir a doenca a sade. Ademais, seria culpa de Maqulavel se ‘mperavam na Ilia os costumes que ele descreve? ‘Neste ponto da dialética, o intéprete experimenta ‘um sentimento de seguranga. Nao tem mais necessidade de atribuir ao nosso autor uma capacidade de dissimula- ‘fo, abjeta ou sublime. Maquiavel tornou-se cintista € para nosso século ébvio de ciéncia este adjeivosatistaz a nudo, Maquiavel € 0 Fundador da ciéncia politica e Os- car Morgenstern deplora que 0s especialistas modemos fem cigncia politica nao tenham submetido os preceitos de Maquiavel a uma aniliserigorosa a fim de discernir (0 que talvez tenham um valor operacional Releia 0 leitor 0 Capitulo VI, em que sto contadas as faganhas de Cesare Borgia. Apés a ocupacio da Roma: nha, o duque descobriu que ela estava "sob o comando {de pequenos senhores sem poder, que mais espoliavam ‘5 seus siditos do que os governavam e Ines davam motives mais para desunito do que para uniio, tanto ‘que a provincia esava coberta de latrocinis, tumultos ¢ todas as formas possiveis de insoléncia,julgou 0 duque necessirio, para pacfici-la e reduzila 2 obediéncia 20 onincpe brago régi, darthe um bom governo. Colocou ali, en- ‘Wo, messerRemiero de Orco, homem cruel e expedito, 2 ‘quem confer plenos poderes. Fm pouco tempo, Oreo 4 pacificoue univ, granjeando grande reputagio". Qual foi a recompensa reservada por Cesare Borgia a este bom servidor:*..quis mostrar que, se ocorrera alguma ‘rueldade, ela no se originava dele, mas da natureza dura do ministr para apaziguar os nimos do povo & atraJo para si. Aproveitando-se da ocasio, uma cera ‘manhi mandou que o conassem a0 meio em praga pblica, tendo ao lado um bastao de madeira e uma faca censangUentada. A ferocidade daquele espeticulo fez 0 [Povo ficar, a0 mesmo tempo, stisfeito e estarecido" ‘Todo 0 mistéro da clareza de Maquiavel est af Na- «da mais simples, mais logico, mais operacional do que a ligto deste telat. Nao hesitemos, sob 0 risco de pe+ ddantsmo, em taduzi-la para linguagem abstrata, Para trazer de volta a paz e fundar uma ordem numa regio entregue ao banditismo, 0 chefe cruel e eficazsatsfaz 3s. necessidades, Numa fase posterior, com a paz jf de volta, © sibio presidente de um Tribunal civil substiui ‘com vantagem 0 homem cruel eeficaz E, como este tti= mo nao pode ter deixado de ter feito inimizades, © melhor & sactifci-lo a eélera do povo ingrato, de modo {que © principe, Cesare Borgia no caso, parega inocente das crueldades cometidas em seu nome. Como se opor a razdes to convincentes? Talve2, de fato, sea impossivel ‘oporsse a elas. Mas tampouco € fécil subscrevé-las. A técnica do bode expiatério nio era desconhecida nas sociedides arcaicas. Incontestavelmente, ela pode ser vanijost para os principes. Basta que ela tenha €xto ra maior parte dos casos para que o médico do compo oe fet aoe social tenha 0 direto de recomendé-k? “Afirmo, portan- to, que os estados que, depois de conguistados, s40 ane- sxados a um antigo estado de quem o conquistou ov 50 dda mesma provincia € lingua deste ou no o sio. Se forem, sera ficil conservé-os, principalmente se no estverem habituados a viver livres. Para possut-los com. seguranca, basta extinguir a dinastia do principe que os dominava.” Chamaremos de "preceito operscional” 0 conselho dado ao principe novo de mandar matar todos fos membros da antiga familia reinante? O conselho € 20 bom a custo prazo ¢ no plano da eficcia quanto 0 de rmandar mata o lal servidor que a0 mesmo tempo res {abeleceu a ordem por meios eficazes e suscitou dis, “Sendo os homens 0 que sto", os precetos que a expe: riéncia do mundo sugere no coincidem com 0s que os moralistas ensinam, Imediatamente, a interrogagio surge. Maquiavel nao se compraz em suger que os meios poiticamenteefica- ‘20s contradizem 0 ensinamento da Igreje? Pela escolha de seu her6i ndo atrai ele uma adesto, menos hesitante do que seria de desefar, 20 que foi chamado de “gover- 1no @ florentina? £ bem verdade que todos os Estados nnasceram da violencia e, por conseguinte, os fundadores de Estados, 05 que exguem ou reemguem esses frigels ‘monumentos ~ as cilades humanas ~ esto condenados 4 violéncia. Mas pela maneira com que ele defende e ‘tusra esses arquitetos da histria, Maquiavel incita 20, Vicio ov virude, a0 maquiavelismo ou a Republica? Refere-se de quando em quando 3 Igreja para camuflar © cinismo de seu ensinamento ov para dar livre curso a seus sentimentos recalcados pelas obrigagoes da verda- de cienific? Enfim, Maqulavel tinha intengdes maquia~ ovine vélicas,dssimulando pela metade uma politica decidida- ‘mente ‘amoral, apresentandova as vezes como baseada fem constatagdes objetvas, as vezes como culpada mas. fneviive? ‘final de contas, os observadores podem intexpretar 2 experiéncia histrica de modo totalmente diferente de Maquiavel, sem, no entanto, estarem cegos ao éxito da ‘cuekdade © do crime. Jacques Maritain utiliza contra 0 ‘maquiavelismo a consideragio da duragio histrica. *O bem temporal em que frutfica a justga do estado, © mal temporal em que frutfica sua inighidade, podem ser e na verdade Sio inteiramente diferentes dos resultados imediatos que o espinto humano podia prever e que 0s ‘olhos humanos contemplam. £ to dificil destringar as ‘agdes causaisafastadas quanto discern, na embocadurs ‘de um rio, de que geleiras ou de que afluentes provém ‘esta ou aquela porgdo de suas Aguas.” Maritain também ‘no me convence, Apenas me faz lembrar que a leitura ‘maquiavélica da histéria no € a Gnica possivel e que sa letura deriva de cera intengo, Qual Eis-nos numa encruzihada, pois vias respostas sio possives. A leiti- ‘a Ihe era imposta pelascrcunstincias, pelo projtoclen- tific, pelas buscas das origens ou pela atengio as situa- es extremas, pelo pessimismo quanto a natureza hu- ‘mana, pelo ardor republicano e pela vontade de unir uma Tdlia live dos birbaros? Todas estas respostas fo- ram dadas por um ou outro estico. E, qualquer que sea 2 resposta, 0 debate continua, banal ¢ indefinido: a poli- tica € ago ea agdo tende a0 éxito, Se 0 Exitoexige 0 em prego de meios moralmente repreensiveis, deve o prin- ‘ipe renunciar ao sucesso? Sujar as mos? Sacrfcar a sal- vvagao de sua alma pela salvagao da cidade? Onde se sas page deterd no caminho que ndo pode dear de tomar? Que mentifa recusar, se precipita sua queda confessando a verdad? Escrevo no més de marco de 1962. Ha ués anos & meio uma Repablica cata porque er incapaz de conser ‘vara Agélia para a Pranga. Os Fundadores da Repoblica seguinte prosseguiram obsinadamente 4 politica gavam 0 principe um documento desinado a tensinar aos ricos como tiar a liberdade dos po- bres; 0s chordes (os seguidores de Savonarola) tinham Maquiavel como herétic; os bons o con- sideravam um desonesto; os wistes © achavam ‘mais triste ou mais valente do que eles; assim, t0- dos 0 odiavam Seeeeeee ong 21 de junho, Despojado de todos os seus cargos ‘da nova Repiblica, morte pobre em Florenga, ‘chorado apenas por poucos amigos do cendculo {dos Ort Orielle, No dia seguinte, & enterndo ‘em Santa Croce. Nota desta Edigao A presente edigio baseia-se no texto € no aparelho extico estabelecidos por Bruna Cordati para a Fd. Loes: ‘cher, Torino. ‘AS notas foram selecionadas e traduzidas por Maria Jslia Goldwasser e Roberto Leal Ferreira 0 BAitor O PRINCIPE cartruvo 1 De Quantos Tipos Sao os Principados de que Modo se Adquirem' ‘Todos os estados, todos os dominios que tiveram \ém poder sobre os homens foram e si0 ou replicas 1 principados®. Os principados ou so hereditirios ~ ‘nos quals o sangue de seu senhor vem governando hi longo tempo - ou so novos, Os novos ou sio inten ‘mente novos, como Milio sob Francesco Sforza’, ou sio ‘como membros anexos ao estado hereditiio do princ- e que os adquire, como € 0 caso do reino de Napoles fem relagio ao rei da Espanhat. Os dominios’ assim for- ‘mados esto habituados ou a viver sob um principe ou 2 ser lives. E se adquirem o com armas de outrem, ou com as propria, gragas & fortuna ou a vit cartruvo Dos Principados Hereditarios Nao trstarei aqui das repablicas porque, em outa ‘casio, discorr longamente sobre 0 assunto!. Ocupar- ‘me-ei somente dos principados e, retomando 0 racioc nio anterior, discutire! de que forma podem ser governa- dos e mantidos. Digo assim que, nos estados hereditiros e acostu- rmadlos a dinastia de seus principes, sio bem menores as dificuldades para se governar do que nos novos, pols basta nao descuidae da ordem instituida pelos seus antepassados e, depois, saber contemporizar os aciden- tes, para que um principe de capacidade mediana man- tenha-se em sua posicao, desde que nao seja privado ela por alguma forca excessva e extraordinaria Fai da que o seja, a reconquistaré 20 menor reves do sue pador. 1H na Ilia, por exemplo, o duque de Ferrara’, que 6 resist aos ataques dos venezianos em 1484 e a0s do papa Jolio em 1510 por ser antigo 0 seu poder naquele dominio. Ora, o principe naturaP tem menos motives & ‘menos necessidade de ofender, dai resulta que seja mais. mado; e, se viios excepcionais nao o tornarem odio 50, € compreensivel que seja naturalmente benquisto onancpe pelos seus. Com a antiguidade e a continuidade do po- ‘der, apagamse as lembrangas e as razdes das altera- ‘g0es; pois sempre uma mudanca deixa preparadas a5 Fundagoes da outa captruto u Dos Principados Mistos Mas € no prineipado novo que estio as difculdades. Em primeiro lugar, se nio € completamente novo, mas ‘membro anexo a outro! (podendo-se chamar 0 conjunto de principado misto), as alteragdes nascem principal- ‘mente de uma dificuldade natural a todos os principados ‘novos, que consiste no fato de os homens gostarem de ‘mudar de senhor, aevedtando com isso melhorar. Ea renga os faz tomar armas contra o senor atual. $6 mais. tarde percebem 0 engano, pela propria experiéncia de ter piorado. to decorre de uma outra necessidade natu ral e ordiniria, a qual sempre impde ofender aqueles a {quem se passa a governar, tanto com homens em armas {quanto com outras infinits injrias que cada nova con- Auista acareta, Assim, tens como inimigos todos os que ofendeste 20 ocupar aquele principado, além de nao poderes continuar amigo dos que te apoiaram, devido & impossiblidade tanto de atendé-los conforme espers- vam como de usar contra eles um remédio fore, uma ver que thes deves obrigagbes. Pois, por mais que al- ‘auém disponha de exércitos fortes, sempre precisa do apoio dos habitantes para penetrar numa provincia. Foi por essa razio que o rei de Franca, Las XM, rapidamen- —__opnepe = te ocupou Mio e rapidamente a perdeu', bastando, da primeira vez, a6 prOprias forcas de Lodovico para reto- !mu-la, pois © mesmo povo que lhe havia aberto as por- tas, a0 perceber que se equivocara em sua opini2o sobre ele e sobre 0s fururos beneficios esperados, nao pode ‘suportar 0s aborrecimentos provocados pelo novo prin cipe. E bem vertade que, adquitidos pela segunda vez, os paises rebelados se perdem com mais dificuldade, pois, diante de uma rebelito, 0 senhor agi com menos timi- dex para determinar a punicio dos taidores, identifica (0 suspeitos © reforcar seus pontos mais fracos. Desse ‘modo, se da primeira vez bastara um duque Lodovico fazer barulho nas fronteiras para que a Franca perdesse Milo, da segunda vez foi preciso que todo o mundo se Uunisse contra ea, € que seus exércitos fossem aniquila- dos ou expulsos da Ilia, o que decorre das razdes acima mencionadas. Todavia, a primeira e a segunda ver ‘Milo the fot dada, ‘AS razdes universais da primeira perda jf foram apontadas;resta agora discutr as da segunda e verificar de que remédios ele dispunha e de quais pode dispor alguém na mesma posicio da Franga, para poder conser- var suas conquistas melhor do que ela 0 fez. Afirmo, pporanto, que 0s estados que, depois de conquistados, Slo anexados a um antigo estado de quem o conquistou fu sio da mesma provincia e lingua deste’ ou nlo 0 si. Se forem, seri ficl conservi-los, principalmente se nto cesverem habiuados a viver lives, Para possulos com, seguranga, basta extinguir a dinastia do principe que os cdominava, porgue, quanto as demais coisas, mantendo- se suas antgas condigdes e ndo havendo disparidade de SS ‘costumes, podem os homens viver tranqoilamente, co- mo fizeram de fato 2 Borgonha', a Bretanha’, a Gas- conha' e a Normandie’, que hi tanto tempo pertencer & Franga e, tendo costumes semelhantes, conquanto haja lguma diferenga de lingua, podem facilmente se ajustar. (Quem deseja conservar suas conquistas deve ter em mente duas precaupbes: uma é extinguir o sangue do antigo principe; outra € no alterar suas leis e impostos Desse modo, em tempo muito breve elas se integrari0 10 principado antigo, formando um tnico corpo. ‘Mas € na conquista de dominios em regides total mente diferentes quanto lingua, costumes e insttugoes {que se encontram as dificuldades, sendo necessiio ser ‘muito aforunado e ter muita habilidade para conserve los. Um dos maiores e eficazes recursos para este fim & ‘que o conquisador v4 resiir no lugar. Isto torna 2 pos sesso mais segura e durdvel; assim fez o grioturco na Grécia", que, mesmo observando todas 2s outras medi- das para assegurar aquele dominio, nao o teria mando se nio se tivesse ransferido para Ii, Estando presente, ‘vé nascerem as desordens, ¢ logo pode contornélas, en- ‘quanto, estndo ausente, dela 56 tem noxicias quando ja festdo grandes e inremediiveis. Além disso, a provincia ‘io seré espoliada pelos funcionicios, podendo os sidi- tos recorrer de perio 20 principe, tendo por isso mais. razbes, se forem bons, para ami-lo ou, do contro, para temé-lo, Também os estangeiros que pretenderem. Invadie aquele estado serio mais prudentes, porque, ai hhabitando, s6 com imensa dificuldade o principe poders perdéto (© segundo melhor meio € fundar col6nias em um ‘0 dois lugares que atuem como entraves aquele estado, omnes Porque € necessirio ou fazer isto ou manter bastante ‘gente em armas e infantaria, Nas coldnias, no se gasta ‘muito; com pouca ou nenhuma despesa es sto envia~ ‘das ou mantidas, prejudicando somente 2 minora cujos ‘campos e casas Sio confiscados para serem dados aos ‘novos habitantes. Como os prejudicados fica dispersos « pobres, nto podem incomodar,e todos os demals, nto fofendidos, devem com isso inquietars, além de temer {que Ihes acontega 0 mesmo que se dev com os que fo ‘am espoliados. Concluo, enfim, que essas colOnias nada ‘custam, S40 mais fieise menos ofensivas;e os espoliados no podem fazer nad, visto que estio pobres e disper- 08, como foi dito, Dai se ha de observar que os homens ddevem ou Ser mimados ou aniquilados, porque, se é ver- dade que podem vingarse das ofensas leves, das gran- {des nto 0 podem; por iso, a ofensa que se fizer a umm hhomem deverd ser de tal ordem que nio se tema a vin- sganca. Mantenco-se tropas em vez de coldnias, despen- esse muito mais, gastando-se com elas todas as recetas do estado, € a conguista se transforma em prejuizo ‘Além do mais, sso descontenta muito mais os habiantes Porque a transeréncia do exército com os alojamentos ‘causa danos a todo 0 estado, Todos se ressentem desse Jncdmodo, tornado-se cada qual um inimigo; sio ini- ‘migos que podem incomodar, pois, embora demotados, permanecem em sua casa. De todas as maneiras, poran- {o, essa mica € tao indil quanto sto proveitosas as co- lenis. ‘Quem domina uma provincia diferente, como disse- ‘0s, por lingua, costumes ¢ leis, deve ainda fazer-se chefe e defensor dos vizinhos mais fricos, empenhar-se fem enfraquecer os poderosos de sua provincia e cuidar ero m para que em hipStese alguma entre ali um forasteiro to poderoso quanto ele. Pois sempre aconteceri de alguém. set chamado por aqueles que se sentem descontentes, ‘quer devido & exagerada ambiclo, quer por medo, como se viu os etlios chamarem a Grécia 05 romanos", que, alls, em todos os lugares onde entraram foram chama {dos pelos naturas da provincia. A ordem das coisas ¢ ta ‘que, tio logo um forastiro poderoso entre em uma pro- ia, todos 08 que nela sto menos poderasos aderem- se a ele, movidos pela inveja que sentem dos que sio mais poderasos do que eles. Quanto a esses menos poderosos, nao teri principe dificuldade alguma em tras, pois logo todos juntos se unirao ao estado con- ‘quistidor& preciso somente atentar para que nio alean- ‘cem excessva forea e autoridade, assim, com suas pr6- prias armas ¢ 0 apoio deles,faclmente poders o princi- pe rebaixar os mais fortes, icando como drbitco de todas 4 coisas naqucla provincia, Quem nao governa bem ‘quanto a esse aspecto rapidamente perder aquilo que {iver conquistado e, enquanto o mantiver, enfentar ini nitas dficuldades ¢ inconvenientes [Nas provincias conquistadas, os romanos observa- ‘rim perfeitamente esses aspectos: formaram colSnias, apolaram os menos poderosos sem aumentar seu poder, rebaixaram os poderasos e alo deixaram que esteangei- 10s fortes alcangassem reputagto. Quero citar apenas um. exemplo”, 0 da provincia da Grécia: os romanos apoia- ‘Fam 0s aqueus € 0s e6lios, abateram o reino dos mace «nics, rechagaram Antioco;jamals 0s méritos dos aqueus (04 dos etoliosfizeram com que Ihes permitissem obter {qualquer estado, nem tampouco os argumentos de Filipe 6 induziram a serem seus amigos sem 0 enfraquecer, & opine nem mesmo todo o poder de Antioco péile fazer com que Ihe consentissem que tivesse naquela provincia esta- do algum. Pois 0s romanos fizeram nestes casos aquilo {que todos os principes sibios devem fazer: precaverse rio somente contra as discérdias atusis, como também ‘contra as furuas, ¢ evit-las com toda a pericia porque, prevendo-as com ampla antecedéncia, podem facile te remedii-las, mas esperando que se avizinhem no hhaverd tempo para trat-as, pois a doenca jf se terétor- ‘ado incurivel. Acontece, neste caso, © mesmo que dlizem os médicos dos tsicos: no principio © mal & fic de curare dificil de diagnosticar, mas, com o passar do tempo, nto tendo sido nem reconhecide nem medicado, toma-se mais facil de diagnosticar e mais dificil de cure, (© mesmo acontece nas coisas de estado, é que, quando se conhecem com antecedéncia (o que s6 ocore quan- do se € prudente) os males que surgem, eles se curam facilmente; mas, quando por no terem sido identifiea- dos deixa-se que crescam 2 ponto de todos passarem conhecé-s, nao hi mais remédio. Por isso, 0s romanos, prevendo com longa antece- encia as perturbacdes, contornaram-nas sempre e nun- cca as deixaram se desenvolver para evitar uma guerra, pois sabiam que as guerras no se evitam e, quando Adiadas, razem vantagem 20 inimigo. Quiseram, assim, {guerrear contra Felipe e contra Antioco na Grécia, a fim de no ter que fazé-o na Ilia Podiam, naquele mo- ‘mento, ter evitado tanto uma guerra como a outra, mas ‘do 0 quiseram, Nao Ihes agradou jamais aquilo que esta 1a boca de todos 0s sibios dos nossos tempos ~ gozar (0 beneficios do tempo" -, mas sim os beneficios de sua vir € prudéncia, porque 0 tempo leva adiante todas as capo is ‘coisas e pode trazer consigo tanto 0 bem como o mal, © tanto © mal como o bem. ‘Mas voltemos Franga ¢ examinemos se ela fez alguma das coisas indicadas. Falarei,ndo de Carlos, mas de Luis, por ser aquele cujos procedimentos podem ser melhor examinados, visto ter tido um dominio mais fongo na Ilia". Veremos que ele fez 0 contririo do que se deve fazer para manter o dominio sobre uma provin- cia de lingua e costumes diferentes. ‘© rei Luis foi chamado Iulia pela ambicio dos venezianos, que quesiam ganhar a metade do estado da Lombardia com a sua vinda. Nao pretendo crticar esta decisio tomada pelo rei porque, desejando comecar a ‘por um pe na Ita e nao tendo amigos nessa provincia jf que lhe estavam fechadas todas as poras, devido 2 ‘conduta do rei Carios®, foi compelido a fazer as amiza- ‘des que podia¢ tera sido bem-sucedido se, nas demais rmanobyras, no tivesse feito erro algum. Conguistada 2 Lombardia, logo recuperou a reputaglo que Carlos The bavia tolhido: Genova caiu, os lorentinos se tornaram seus amigos”, 0 marques de Mantua, o duque de Ferrara, entivogl, « senhora de Furl”, 0 senhor de Faenza", e Pesaro", de Rimino®, de Camerino®, de Piombino, 0: Tuqueses,pisdes¢ sieneses, todos foram a0 seu encontro procurar sua amizade. Puderam entio os venezianos fvaliar a temeridade do partido que haviam tomado, pois, para conseguir duas terra na Lombardia, tornaram frei de Franga senhor de um tego da Ilia ‘ejamos agora como poderia 0 rei, com menos clifi- culdade, er garantido a sua reputacio na Ita se tives- se observado as regras acima e assegurado e protegido todos os seus amigos que, por serem em grande parte 7 orange fracos ¢ temerosos, uns da Igreja e outros dos venezia- ‘hos, precisavam sempre estar a0 seu lado; por meio dles poderia se resguardar dos que permaneciam for- tes, Mal chegado a Mio, porém, 0 ret fez © contrivo, ajudando o papa Alexandre® a ocupar a Romanha. Nio se deu conta sequer de que, com essa decisio, enfra- {quecia 4 si proprio eliminando os amigos e aqueles que se haviam langado 20s seus bracos, ¢foralecia a Igeja, sacrescentando ao poder espritual, que tanta autoridade Ihe da, um to grande poder temporal. Cometido o pri meiro ero, foi compelido a fazer outros, tanto que, para por fim 2 ambigio de Alexandre e para que este no se Tomasse senhor de Toscana, 0 rei foi obrigado a vir Iulia, Nao Ihe bastou ter foralecido a Tgrefa e ter perd- o seus proprios amigos; por querer 0 reino de Na- poles, dvidiv-o com o rei de Espanha®,e, de 4bitro da lela que era, arrumou um parceiro, para que os ambi- iosos daquela provincia, descontentes com ele, tives- sem a quem recor, e, em vex de deixar um rei que Ihe fosse caudatirio% tirou-o dal, para por em seu lugar lum outro capaz de expuls-lo. E, de fato, muito natural e comum 0 desejo de con- uistar. Quando, podendo, os homens 0 realizam, mere ccem ser louvados e no eriticades: mas, quando mio podem e querem realiz-lo de qualquer modo, neste ca- so estio errados e devem ser recriminados. Se a Franga, pportanto, tinha condigdes de invadir Napoles com as suas forgas, devia fazé-o; se nao tinha, nao devia tela dividido. Se era desculpavel a divisto que fez dx Lom Daria com os venezianos, pois foi por meio dela que POs um pé na tla, de Nipoles entretanto merece cen ‘ura, pois nio tem a justifieativa da necessidade. pid Luis cometeu, portanto, estes cinco erros:aniquilou ‘0s menos poderosos; introduziu ali um estrangeio po- ‘derosissimo; no velo habtar no lugar, no instalou co- Tonias, Contudo, enquanto viveu, podria no se ter pre= judicado com esses erros se no tvesse cometido um sexto: 0 de apoderar-se de terit6rios venezianos®. Se cle no ivesse fortalecido a Igreja, nem posto a Espanha na Ilia, seria bem razodvel © necessirio enfraquecer os venezianos; mas, tendo tomado antes estas decisdes, nio everia mais consentir na ruina dos venezianos, porque, fenquanto estes continuassem poderosos, teriam sempre ‘mantido os demais afastados da Lombardia, € no con- senliiam que a atacassem caso se tornassem senhores dela; 0s outros também nao isiam tr-la da Franga para feniregila a Veneza, nem terlam disposicio para lutar ‘contra ambas. Se alguém disser que o rel Luis cedeu a Romanha a Alexandre e o reino de Napoles a Espanha para evitar uma guerra, responderei com as razdes dias cima; ndo se deve jamais deixar uma desordem prospe- far para evitar uma guerra, porque uma guerra no se ‘eit, somente se postenga com desvantagem para si mes- mo. E se outros alegazem a promessa que 0 rel devia 20, papa - de realizar aquela empresa em troca da dissoli- lo de seu casamento” e da nomeagio do cardeal de Ruio* ~ responderei que adiante falarel sobre as pro- messas dos principes e de como devem ser observads. Portanto, 0 ei Luls perdeu a Lombardia por no ter ‘cumprido nenhum dos terms observados por outros {que tomaram provincias e as conservaram. Nao & mila- {re isto, mas coisa normal e razodvel. Sobre esse assun- to, converse longamente com o cardeal de Rulo, em Nantes, quando o Valentino (como era chamado popt~ 5 —___ ominte. larmente Cesare Borgia, iho do papa Alexandre) ocupa vva a Romanha. Dizendo-me o cardeal que of italianos ro entendiam de guerra, respondi-lhe que 0s france: ses nio entendiam de estido porque, se entendessem, rio teriam permitido que a Igret aleangasse tanta gran ddeza. Por experiéncia, viu-se que 0 fortalecimento da Jgreja e da Espanha na Itilia fot causado pela Franga, © (que a ruina da Franga foi causado por els, De onde se extra uma regra, que nunca ou raramente faa: arin se quem € insirumento para que outro se ome podero- so, porque esse poder & dado ou pela asticia ov pela forca © ambas sd0 suspeitas a quem se torna poderoso, ccaviruto w Por que Razao 0 Reino de Dario, Ocupado por Alexandre, ndo se Rebelou contra os Sucessores deste @pds a sua Morte Consideradas as dificuldades que exisem para a conservagio de um estado recémconquistado, podesia parecer surpreendente que Alexandre Magno se tvesse tornado senhor da Asia em poucos anos', morresse mal acabara de ocupi-la e, embora fosse razodvel que todo aquele estado se rebelasse, que os seus sucessores 0 te- ‘sham conservado, sem mais dificuldades do que as sur- sidas entre eles mesmos, de sua propria ambig20, A ito espondio que os principados dos quais se em meméria ‘Slo governados de dois modos diversos: ou por um pl cipe de quem sio servidores) todos 0s outros, que, na qualidade de ministros por sua graga ou concessio, 0 ajudam 2 governar aquele reino, ou por um principe © bbardes que detém a sua posigio no pela graga do se- ‘shor, mas pela antigtidade do sangue. Esses barbies pos- suem estados e stiitos proprios que os reconhecem co- ‘mo senhores © nutrem por eles natural afeiglo. Nos esta- dos governados por principe e seus servidores, 0 pring pe fem maior autoridade, porque em toda a provincia ‘no hi ninguém que se reconhega como superiora cle , caso obedegam 2 qualquer out, fazem-no apenas pela sua condigio de ministro ou funcionitio, no The dedi- cando panicular afeiga0, 0 rinepe Exemplos destas duas modalidades de governo sao, €em nossos tempos, 0 gro-turco eo fei de Franca. A mo. rarquia turcaintera € gavernada por um s6 senhor, sen- do 0s demais seus vassalos; ¢ esse senhor, dividindo 0 seu reino em sandjaques', para li envia administradores diversos, que substitu ov demite como bem Ihe apraz. O rel de Franga, 0 contri, est cereado de uma quarii- dade de antigas familias de senhores, reconhecidas amadas por seus siltos em seus proprios estados, ‘detentoras de privlégios que o rei nao Ihes pode arreba- ‘ar sem perigo, Assim, quem considerar esses dois est dos encontraré dificuldade em conquistar 0 estado do ‘grioturco, porém, vencendo-o, teri grande faclidade fem conservi-lo, Ao contririo, sob todos os aspectos en- ‘contra também maior faclidade em ocupar a Franca, pporém grande dificuldade em manté-la {As razdes das dificuldades para se ocuparo reino do ‘grdo-turco resultam de nio se poder ser chamado pelos principes daquele reino, nem esperar que, das rebelides dos que esto proximos a ele, surjam faciidades para esse intento, Isto decorre dos motivos referidos acim, pois, sendo todos servidores e dependentes,diliclmen” te podem ser corrompidose, ainda que o fossem, pouco se poderia esperar de dil da parte deles, pois, pelas razbes ciadas, nfo atraitam povo. Assim, quem atacar © grio-turco devers ter em mente que encontraré todos ‘nidos, convindo-the contar mais com suas propria for- as do que com as desordens deles. Mas, uma vez ven- ‘ido e derrotado numa batalha campal, a ponto de nao poder reorganizar os seus exéritos, nada mais se deve temer, salvo o sangue do principe. Extinto est, ndo res- ‘ard ninguém a temer, pois os demais no terdo crédito eon ope — junto a0 povo. E, assim como o vencedor antes da vito Fia do podia contar com nada da parte dos siditos, nada também teri a temer deles depois da vitor. (© contririo acontece nos reinos que se governam como o de Franca. Com facilidade podes entrar nels, conguistando a alianga de algum barto do reino, pois sempre se encontram descontentes © pessoas com dese- jo de inovar, que, pelas razdes ctadas, poderio abrirte ‘caminho para dentro do estado e facta a tua vitéria, Porém, para conservé-o enfrentaris infinitas dificulda- des, tanto em relagio aos que te sjudaram na empresa como diante dos que oprimiste. Nao bastari extinguires © sangue do principe, porque restario outros senhores para se fazerem chefes de novas mudancas e, nlo po- ‘dendo nem contenti-los nem elimind-los, perderis 0 ‘estado na primeira ocasilo, (Ora, se considerarmos de que natureza era gover no de Daric, veremos que era semelhante ao reino do _do-turco e, po sso, foi necessério a Alexandre primei- 10 derrotélo completamente em batalha campal. Depois ddaquela vitria, porém, morto Dario, Alexandre consoli- dou-se naquele esado pelas rzdes expostas. $e os Seus sucessores tivessem permanecido unidos, poderiam ter desfrutdo tranquilamente © dominio, pois no nasce- am naquele reino outros tumultos sendo os que eles proprios suscitaram. Nos estados organizados como a Franga, porém, & impossivel mantet a conquista com tanta faclidade. Assim se explicam as freqjientes rebe- lides da Espanha, Franga © Grécia contra 0s romanos ‘com 0s indmeros principados que existem naqueles es- tados: os remanos viveram inseguros de suas possessbes enquanto perdurou a lembranga deles e s6 depois que onincpe cles foram esquecidos, gragas a poténcia e continuidade do império, € que se tomnaram proprieirios seguros. E depois conseguiram ainda, combatendo entre si, tomar ‘cada qual uma parte daquelas provincias, segundo a au- toridade que tivessem aleancado dentro delas; pois, de- saparecido 0 sangue de seus antigos senhores, 38 pro- vincias 66 reconheciam a autoridade dos romanos. CConsideradas, portato, todas essas coisas, nao € de supreender a facilidade com que Alexandre conguistou 2 Asia, nem as dlficuldades que tiveram outros para man ter suas conguisas, como Piro € muitos mais, © que mio nasce da muita o0 poucs vir do vencedor, mas ds di- versidade do sujit™ cariruio v De que Modo se Devem Governar as Cidades ou Principados que, antes de Serem Ocupados, Viviam sob suas Préprias Leis Quando os estados conquistados, como dissemos, cestdo habituados a viver sob suas prépras leis e em lic berdade’, existem trés maneiras de conservi-los: a pri- meira & destrut-los, a outa é ir pessoalmente resdir ne- les, a tereeira € deix-los viver sob suas préprias leis, impondbo-Ihes um tibuto e eriando dentro deles um go- vverno de poucos, que se conserve teu amigo. Um go- ‘verno criado por um determinado principe saberi que & impossivel dispensar sua amizade e poder, e tudo fari pra manté-o, Mais faclmente se conserva uma cidade hhabituada a viver livre mobilizando seus proprios cida- dios do que por qualquer outro meio, se quiseres con- servic ‘Temos 0 exemplo dos espartanos e dos romanos. Os espartanos tomaram Atenas e Tebas’, criando ali um go: vemo de poucos; todavia, perderam-nas. Os romanos, ara manter Cipua, Cartago © Numancia’, destruiam- ras, mas no as perderam. Pretenderam conservar 2 Gré- ‘ia como haviam feito os espartanos, deixandova livre € ‘com suas leis, € ndo tveram sucesso; assim, foram obri- ‘dos a destruir muitas cidades daquela provincia a fim de conservila, Na verdade, nfo existe modo seguro de omincbe possut-las exceto a ruins’. Quem se torra Senor de uma cidade habituada a vive live, © n20 2 dest6i, seri des- truido por ela, porgue ela sempre invocard, na rebeli2o, ‘0 nome de sua liberdade e de sua antiga ordem’, as ‘quais nem o passar do tempo nem os beneficis jamais farko esquecer. Nao importa 0 que se fizer ou as precau- ses que se tomarem, se mo se dispersarem os habitan- tes, eles nio esquecerio aquele nome e aquela ordem; a0 menor incidente 0s recordarl0, como aconteceu em Pisa? apés cem anos de submisst0 20s floreninos. Mas, ‘quando as cidades ov as provincias estdo habituadas 2 viver sob o governo de um principe e seu sangue desa- parece, estndo de um lado acostumados a obedecer e, de outro, nao tendo mais esse antigo principe, nto che- ‘gam a um acordo para eleger outro € no sabem viver fem liberdade: por sso sto mais lentos em tomar armas © ‘com mais faciidade poder um principe conquistvlas © ‘conservi-las em seu poder. Mas nas repdblicas hi mais vida, mais Odio, mais desejo de vinganga. Ali, a recorda- ‘¢lo da antiga liberdade nlo as deiea, nio as pode deixar ‘em paz e, por iss0, 0 meio seguro para possublas € ou 6 00 ir habit-es. capiruto vt Dos Principados Novos que se Conquistam com Armas Préprias e com Visti (Que ninguém se espante se, a0 falar dos princi dos interamente novos quanto 20 principe e a0 gover ro, eu recorrer a exemplos muito grandes, (Os homens trilham quase sempre caminhos abertos ‘por outros e pautam suas agées sobre essas imitagdes, ‘embora nao possam repetir tudo na vida dos imitados nem igualar sua vir. Um homem prudente deve sem- Dre seguir os caminhos abertos pelos grandes homens espelhar-se nos que foram excelentes. Mesmo nao alcan- ‘gando sua virtd, deve pelo menos mostrar algum indicio ‘dela e fazer como os arqueiros prudentes que, julgando ‘muito distantes os alvos que pretendem alcancat e co: thecendo bem o grau de exatidao de seu arco, orientam mira para bem mais alto que o lugar destinado, ndo pra ating tl altura com fecha, mas para poder, por melo de mira to elevada, chegar 20 objetivo. Digo, portanto, que nos principados completamente novos, onde hi um novo principe, existe maior ou me- nor dificuldade para mant@-lo conforme seja maiot ou ‘menor a viral de quem o conquistou. E, como a passt- gem de simples cidadao a principe supe vir ou forta- ra, parece que uma ov Outra dessas duas coisas ameni- 8 Co ae ae ‘za, em parte, muitas das dificuldades. Contudo, aquele ‘que depende menes da fortuna consegue melhores re- sultados, Também cria failidades 0 fato de o principe ser obrigado a it pessoalmente habitar um novo estado por nao dispor de outro, Quanto aos que, pela propria birtie no pela fortuna, se tornaram principes, digo que (0s melhores foram Moisés, Ciro, REmulo, Teseu etc E, ainda que nao se deva discutr sobre Moisés, uma vez ique foi um mero executor de coisas ordenadas por Deus, ele deve ser admirado a0 menos pela graga que toxnou digno de falar com Deus. Consideremos porém Ciro ¢ 0 demais conquistadores ou fundadores de rei- ‘nos: acharemos todos admiriveis e, se observarmos suas ages e modos pecullares de proceder, nJo nes parece- Fo discrepantes dos de Moisés, que teve tio grande pre- ceptor. Examinando suas agdes ¢ suas Vidas, veremas ‘que nio receberam da fortuna mais do que a casi, due thes deu a matéria para inroduzirem a forma que Thes aprouvesse. E sem ocasito a vi de sew dnimo se teria perdido, assim como, sem a vir, a casio teria seguido em vao. Era necessério, portanto, que Moisés encontrasse no gito © povo de Israel escravizado e que este se dispu- sesse a seguio. Em preciso que Romulo nao se conten- tasse com Alba e tvesse sido abandonado a0 nascer, para que se tornasse rei de Roma ¢ fundador daquels pétria. Era preciso que Ciro encontrasse os persis des- ‘contentes com o império dos medas e estes debilitados € aferinados pela longa paz, Nao poderia Teseu demons- tear sua tif se nio tivesse encontrado os atenienses dispersos. Essas ocasides, poranto, tornaram aqueles homens afomunados; enquanto sua excelente vit fez 2 cents eee com que reconhecessem a ocasido. Com isso, rouxeram honra e Felicidade a suas patras Aqueles que, por caminhos valorosos como estes, se tomam princes, conquistam o principado com dificu- ‘dade, mas 0 conservam com facildade. As dificuldades ‘que tém para conguistilo nascem em pane da nova ‘ordem ¢ dos novos métodos que st0 obrigados a intro- ‘mente Ihe arrebatar © governo, quer atacando-o quer nao Ihe prestando obediéncia. O principe nio ter tem po de recobrar a autoridade absoluta em meio a0 peri- -B0, porque os cidadaos e sito, acostumados a receber fordens dos magistados, nto acatario as suas nessa ‘emergéncia; além disso, em tempos adversos, hd sempre cescassez de gente em quem o principe possa confi, pois ele nao pode basearse no que vé nos tempos de paz, quando 0s cidadios tm necessidade do estado, porque entdo todos corem a0 seu encantro, todos pro ‘metem © nio hi quem no queira morter por ele, en quanto a monte est distante; mas em tempos adversos, « _ capi quando 0 estado tem necessidade dos cidados, encon- tsam-se poucos. Esta experigncia € ainda mais perigosa por se poder tenti-la uma s6 vez, Por isto, um principe sibio deve encontrar um modo pelo qual seus cdadaos, sempre e em qualquer tempo, tenham necessklade do estado e dele; asim, eles sempre Ihe serao fis, cantruno x De que Forma se Devem Avaliar as Forcas de todos os Principados ‘Ao avallar as qualidades destes principados convérm ‘observar uma outra questo: se um principe dispOe de terrtério suficente' para poder governar por si mesmo fu se precisa sempre ser defendido por outros. Para melhor esclarecer este ponto,direi que defn os princi- pes que podem governar-se por si mesmos como os ue, por abundancia de homens ou de dinheiro, s40.ca- ppazes de formar um exércto bem proporcionado e tra- ‘var batalha com quem quer que 0s ataque. E defino os que tém sempre necessidade de outrem como 0s que rio podem enfrentar 0 inimigo em campanha, mas pre- ‘cisam refugiarse atris dos muros e defende-los. Do pri- mito caso ji falamos e, futuramente, mostrremos 0 ‘que mais for necessirio. Sobre o segundo caso, nada se pode dizer além de exortar esses principes a fortifica- rem e armarem suas proprias cidades sem se preocupa- ‘tem com 0 resto do teri6rio. Quem forificar bem a sua cidade e se componar em relagio 20s seus siditos do ‘modo como foi dito acima, ¢ como mais se dir a segui, somente com muito temor serd atacado, porque os ho- ‘mens sio inimigos de empreendimentos em que véem difculdades e nao se pode ver facilidade em atacar a » 0 inp _guém que tenha suas terras fortficadas e ndo sea odia- do pelo povo. {As cidades da Alemanha! sto muito livres, tém terri: ‘rio pequeno, obedecem quando querem a0 imperador fe nio temem nem a ele nem a outros poderosos que es- {ejam 20 redor, pois slo de tal maneia fortifieadas, que todos percebem como deve ser extenuante e dificil ex- pugné-las. Todas possuem fossos e muros adequados ‘tém anilharia sufciente; tem sempre bebidas, alimentos € combustveis nos depésitos pablicos para 0 prazo de ‘um ano. além disso, para manter a plebe alimentada sem prejuizo para a coletividade, tm sempre na comuna tr balhos para Ihes dar durante um ano, naquelas atvida- des que sto 0 nervo e a vida da cidade, e com os quais a plebe subsite. Mantém ainda em grande conta os exer- cicios militares, havendo varios ordenamentas sobre a sua pritica ‘Um principe, portanto, que tem uma cidade forte © ro se faz odlar nlo pode ser atacado. Contudo, se alguém 0 atacar, teri de partir com vergonha, pois as. coisas do mundo sto to mutivets que quase impos vel que alguém possa ficar ocioso durante um ano com ‘seus exércitos @ assedié-lo, A quem replicar que, caso 0 ovo tenha propriedades do lado de fora eas ejaincen- diando-se, perderé a paciéncia, e que o longo assédio ssomado 20 amor proprio farto com que se esquega do principe, respondo que umm principe forte e corajoso sem pre superar todas estas dficuldades, dando a seus sii- tos ora esperanga de que o mal nao seri longo, ora 0 temor a crueldade do inimigo, precavendo-se com des- tweza contra 0s que parecerem exageradamente ousados Além disso, o inimigo deve, presumivelmente, incendiar 0 ‘pea x ‘e arrasar 0 teritério no momento de sua chegada, quan 0 0s animos dos homens ainda estio quentes e empe- rhados na defesa. Depo's, 0 principe terd cada vez ‘menos a temer, porque os fnimos terdo arrefecido, 0s. danos jf teo sido feitos © os males recebidos nio teri0 ‘mais remédio. Nesse momento, mais ainda se unitio 20 principe, pois julgam que Ihe devem ser gratos por terem tide suas casas incendiadas e suas propriedades aruinadas em sua defesa, da natureza dos homens ‘eixar-se catvar tanto pelos beneficios fitos como pelos. recebidos. Em conclusto, tudo bem analsado, no seré dlfell a um principe pridente manter firme o imo de seus cidados antes e depois do assédio, desde que no The fate alimentos nem meios de defesa s cariruto x1 Dos Principados Eclestasticos Agora, rest-nos somente discorter sobre os princi- ppados ecesidstics, cujas dficuldades sio todas anterio- res A sua posse, porque se conquistam ou por vit ou por fortuna e sem uma nem outra se mantém, pois tém ‘por base antigas instuigdes religosas, de tamanho po- dere natureza tal, que conservam seus principes no po- der, qualquer que seja 0 modo como procedam e vivam. Somente eles possuem estadlos e n20 os defendemn sid 0s, € ado as governam: e os estacos, por nto serem de- fendidos, no Ines sdo tomados; e os siditos, por nao serem governados, nao cuidam, nem podem separar-se eles. Logo, s6 estes principados sto seguros e feizes. Mas, sendo eles regidos por razées superiores, que & ‘mente humana nao pode alcancar, nao falarel sobre eles, pois, sendo erguidos e mantidos por Deus, seria homem presungotoe temeririo se discoresse a seu respeit, Con tudo, se alguém me perguntasse como a Igrejaalcangou ‘amanha grandeza temporal, que, antes de Alexandre, ‘05 potentados italianas (e no somente os potentados, mas qualquer bario ou senhor, por minimo que fosse) ‘pouco a valorizavam no que se refere ao dominio tem- poral € agora um rei de Franga treme diante dela, que 8 - orange ee conseguiu expulsi-lo da tla e arruinar os venezianos, no me parecera supérfivo recordar ests cosas, embo- 1a sejam conhecidas, Antes que Carios’, rel de Prana, entrasse na Iti, es: tava esta provincia sob 0 governo do papa, dos venezia- nos, do rei de Napoles, do duque de Milao e dos floren- tines. sses potentados tinham dois cuidados principais a ‘observar: primeiro, que estrangeifo algum entrasse na Ilia com exército; segundo, que nenhum dentre eles alargasse seus dominios. Os que inspiravam maior peo ‘cupagdes eram 0 papa e os veneaianos. Para conter 08 Ve nezianos, era necessirio a unio de todos os outros, ‘como se'deu na defesa de Ferm’, e, para controlar 0 papa, usavam os barbes de Roma, 0s quais, endo dividi- {dos em das facgoes, Orsini e Colonna, sempre tinham ‘motives de discordia, assim, estando com as armas na mao € os olhos no papa, mantinham 0 pontificado fraco « inseguro, Ainda que por vezes surgise um papa cora- jso, como Sisto’, sua fortuna ou saber jamais 0 livearam, esses distirbios. A brevidade de suas vidas era uma das razbes; porque, durante os dez anos que, em média, vvia ‘um papa, dficimente podia subjugar uma das facgoes, or exemplo, se um papa tivesse quase acabadlo com os Colonna, sugiria um outro papa inimigo dos Orsini, que fariaressurgrem os Colonna, sem chegar ater tempo si ficient para eliminar 0s Orsini IsCofazia com que as forgas temporais do papa fos- ‘sem pouco respeitadas na Ila. Surgiu entdo Alexandre V1, que de todos os pontifices que jéexisiram foi quem ais mostrou quanto um papa, pelo dinheiro e pela for- ‘2, poderiaimpor-se: usando como instrumento 0 duque Valentino e como ocasio a invasio dos franceses, ele fez ey ‘ip todas as coisas que descrevi acima acerca das agbes do dugue. F, ainda que seu intento fosse foralecer nao a Igrea, mas sim o duque, tudo o que fez reverteu para a srandeza da Igrej, a qual, apés a sua mone ¢ a do ‘dugue, fol herdeira de seus esforgos. Sucedeu-o o Papa Jolio, que encontrou a Igrea forte, na posse de toda a FRomanha, liquidados os bardes de Roma e anuladas aque- las facgBes gracas 3s investidas de Alexandre. Encontro ainda 6 caminho abero para uma forma de acumulac0 ‘de dinhelro jamais usada antes de Alexandre. A tudo. isso, Jlio nao somente deu prosseguimento como ainda acelerou, pensando em conguisar Bolonha’, detrotar 0s ‘venezlanos e expulsar os francesest da Itilia.Teve suces- + em todos esses empreendimentos, e ainda com mais. louvor por ts feito para engrandecimento da Igrea, € nao de algum particular. Conservou, ainda, 0s partidos dos Orsini ¢ Colonna nos termos em que 0s havia en- contrado e, embora ene eles 2s veres se insinuasse al- ‘gum chefe propenso as mudangas, das coisas os manti- Veram nos limites: uma, a grandeza da Igreja, que os assustava;e outra, 0 fato de no terem seus cardeais, & sto 05 cardeais @ origem dos tumultos entre eles. Jamas estas facges estardo pacifcadas enquanto tiverem seus cardeais, porque slo estes que alimentam, dentro e fora ‘de Roma, 0s paridos que os bardes so forgados a ‘defender. Assim, da ambicto dos prelados nascem as dis. crdias e 08 tumults entre 0s bardes. Portanto, Sua Sa tidade 0 papa Leto encontrou este pontificado potents- ‘Simo e, Se outros © engrandeceram com as armas, dele se espera que 0 torne imenso e venerando com sua bon dade e suas outras infinitas vir ccavfruio x01 De Quantos Géneros Hd de Milicias e de Soldados Mercendrios ‘Tendo discorido especficamente acerca de todas as caracteristicas daqueles principados sobre os quais me propus de inicio a refletis, tendo considerado as rzbes a sua prosperidade ou ruina e depois mostrado os modos através dos quais procuraram conquisti-los e conservérlos, estisme agora falar de uma maneiza geral sobre 0s meios ofensivos e defensives de que possam cesar. Dissemosacima como € necessério um prin- ‘pe ter bons fundamentos, caso contritio, necessaria- mente se arruinari. Os principals fundamentos de todos (0s estadas, tanto dos noves como dos velhos ou dos mistos, io boas leis e boas armas, Como nio se podem ter boas leis onde nao existem boas armas, ¢ onde so boas as armas costumam ser boas as leis, deixarel de ‘efletir sobee as leis efalarei das armas, igo, portanto, que as armas com que um principe defende seu estado ou sto proprias, ou mercensrias ou auxiliares* ou mistas. AS mercendriase auxliares S20 ini teis e perigosas. Quem tem o seu estado baseado em armas mercenarias jamais estar seguro e tranquilo, por- {ue elas sio desunidas, ambiciosas,indisciplinadas, in- fies, valentes entre amigos © covardes entre inimigos, opincpe ‘sem temor a Deus nem probidade para com os homens ( principe apenas ters adiada a sua derrota pelo tempo que for adiado © ataque, sendo espoliado por eles na ‘paz e pelos inimigos na guerra. A razio dito & que no ‘ém outra paixio nem razio que as mantenha em campo ‘endo um pequeno soldo, que todavia nao € sufciente para motivélas a morrer por t. Querem muito ser teus soldados enquanto ndo ha guerra; mas, durante a guer- ‘a, querem fugir ou ir embora. Isso teret poucadificula- de para demonstra, visto que a ruina atval da Ilia nio tem outa razio sendo estar hi mutes ans apoiada em armas mercendrias. Estas |é prestaram alguns bons serv 05 a alguns © parecem valentes quando comparadas lumas s outras, mas, diante do forasteio!, mestraram. aquilo que slo; dat ter sido possivel a Carlos, rl de Fran- 6, tomar a tilia com um giz’. Quem disse que a razio disso eram 05 nossos pecados disse a verdide, porém rio aqueles que imaginava mas os que acabo de expor. E, visto serem pecados dos principes, também foram eles {que sofreram a punigao. ‘Quero demonstrar melhor a ineficicia destas armas, 0s capities mercenirios ou so homens excelentes nis armas ou nao 0 sto. Se 0 forem, no poderis confi ne- les, porque sempre aspirarto a uma grandeza propria, ‘quer aeruinando a ti, seu patrio, quer oprimindo @ ou ‘00s, conta a tua vontade; e, se io forem capites valo- 1080s, por iss0 mesmo te aruinario. Se alguém argu: rmentar que qualquer um que tenha um exército nas Imdos far 0 mesmo, sendo ou no mercendrio, respan- derei que os exércitos devem ser comandados ou por lum principe ou por uma repablica. © principe deve de~ sempenhar em pessoa a fungio de capitio. A repabiica ey cap x . deve enviar seus proprios cidadios e, quando enviar lalguém que no se mostre valente, deverd substitu; ‘se for valente, deveri enquadré-lo na lel para que mio tlrapasse os limites. Por experiéncia vé-se que somente (0s principes e as repablicas armadas fazem progressos Jimensos, enquanto os exérctos mercendrios tazem ape- ras danos, Uma repablica que dispoe de exéreito pro prio submete-se mais dificilmente a um cidado' do que ‘uta que disponha de exércitos externos ‘Viveram Roma e Esparta durante muitos séculos ar ‘madas e livres. Os suig0s S20 muito armados € muito li- ‘tes, Os caragineses s40 um exemplo antigo de empre- ‘50 de armas mercendrias, tendo sido por isso destruos por seus soldados mercenirios apés 2 primeira guerra om os romanos’,emborativessem como chefes us pro Dios cidadios. Apés a morte de Epaminondas, Filipe da ‘Macedénia® foi nomeado pelos tebanos capitao de suas twopas, mas, depois da vitria,tiroulhes a liberdade [Apos a morte do duque Filippo, os milaneses contrata- ram Francesco Sforza” para lutar contra os venezianos, 0 ‘ual, depois de vencer 08 inimigos em Caravaggio, unit sea eles para subjugar os seus patroes milaneses, Sforza, seu pai, que fora soldado da rainha Giovanna de Ni poles, deixou-a de repente desarmada', obrigandora a Tangar-se nos bragos do rei de Aragio’ para no perder 0 seu reino, Ese, pelo contririo, 0s venezianos e florenti= ‘nos ampliaram sex imperio com estas armas, e 90s seus. ‘apities nio se fizeram principes mas, a0 contri defenderam, respondo que, neste c3s0, 0s Morentinos foram favorecidos pela sone porque, dentre os capities valorosos que poderiam temer, alguns ndo venceram fuetra nenbiuma, outtos encontraram vais e outros ain- a omnes = dda voltram suas ambigGes para outros lugares. O que no venceu foi Giovanni Aucut", cuja dsposigio no se pode conhecer, visto ndo ter vencido. Deve-se reconhe- cer, porém, que, se tvesse sido vitoroso, 0 floentinas teriam ficado a sua mere®. Sforza" teve sempre contea si ( partidirios de Braccio, controlando-se mutwamente, Francesco canalizou sua ambigio para @ Lombardia, Braccio, conta a Igreja e 0 reino de Napoles. Mas vote- :mos ao que aconteceu hi pouco. Os lorentinos nomea- ram Paolo Vitel seu capitio, um homem muito pri dente que, como cidadio particular, havia aleangado Jmensa reputacdo. Se ele dvesse derrotado Pisa, nao ha vida de que os florentinos teriam de conservé-o, pos, se ele passasse para o lado de seus inimigos, estaram. perdidos; conservando-o, porém, teriam que Ihe obede- cer. Quanto aos venezianos, se examinarmos seus avan- ‘908, veremos que se portaram segura e gloriosamente ‘enquanto fizeram a guerra por si proprio (sto é, antes de orientarem seus empreendimentos para a terra firme), {quando agiram muito valorosamente, com 0 auxiio dos ‘gentschomens e da plebe. Porém quando comecaram a Combater em terra, perderam esta v¥tt ¢ seguiram os costumes belicos da Iti. No inicio de sua expansio, rio tendo muito tert6rio"” mas uma grande reputacio, ppouco tinham a temer de seus capties. Porém, quando se expandiram, 0 que ocorreu sob Carmignuola", tive- ram uma prova desse ero porque, sabendo que ele era valoroso, jé que sob seu comand tinhaem derrotado 0 ‘duque de Milio, mas vendo, por outro lado, como ele hhavia se tornado fio em relaglo 3 guerra, julgaram m0 ppoder mais vencer com ele, pois Ihe fatava animo, Mas também nao podiam dispensé-lo, sob pena de tornarem. « apie xt 1 perder 0 que haviam conguistdo; por isso tiveram de ‘maté-lo para se garantirem. Tiveram depois como capitio. Bartolommeo da Bergamo", Rubeno da San Severino”, conde di Pitigliano” e outros similares dos quais tinham {que temer as derotas e no as vit6rias*, como aconteceu. mais tarde em Vali, onde, numa batalha, perderam 0 que ‘em otocentos anos e com tanta fadiga haviam conquista do®. Porque dessas armas nascem somente conquistas lentas,tardiase débeis, ¢ perdas sGbitas e miraculosa. E como cheguel, com estes exemplos, 2 tila, que durante ‘muitos anos foi governada pelas armas ‘mercensria, ‘quero discorrer mais genericamente sobre 0 assunto, p= ra que, conhecendo suas origens e desenvolvimento, me thor se possa comiit 0 erro de usilas. ‘Temos de entender, portanto, como nestes dltimos tempos”, desde que o Império comecou a ser repelido da Ttiia e © papa adquiru maior reputagdo na esfera temporal, dividiise a Iii em maior ntimero de esta- dos. Isto ocorteu porque muitas das grandes cidades to- ‘maram armas contra seus nobres, 0s quals,favorecidos pelos imperadores, antes as mantinham oprimidas, = Tereja as ajudava para aumentar sua reputagio ra esfera temporal, 20 mesmo tempo, em muitas outras cidades, certos cidadios se fizeram principes. A panir dat, tendo ‘a Tdlia caido quase inteiramente em maos da Igreja e de algumas replicas, e sendo os padres e aqueles outros. ‘idadios pouco habituados 40 manejo de armas, come ‘u-se a contratar estringeitos a soldo. O primeiro que ranjeou reputacio nessas milcias foi Alberigo da Co- rio, da Romanha. Da sua disciplina descendem, entre ‘outros, Braccioe Sforza, que, no seu tempo, foram irbi- {nos ds Ilia, Depois destes, vieram todos os outros que a omine. até nossos dias t8m comandado essas armas, O resulta: do de sua vir foi a Ilia ter sido invadida por Carls, pillhada por Luis, violentada por Femando e vlipendiada pelos suigos®. Seu sistema tem sido primeito diminuie a feputagio da infantaria, para dar prestigio a si proprios. Fizeram isto porgue, nio tendo patria e vivendo de sua ‘cupacio, pouca infantaria no bastaria para Ihes dar reputagio , se fosse muita, nto poderam aliments, Por iss, restringiram-se 4 cavalaria, onde com um ni- mero razodvel eram sustentados e honrados. Chegaram as coisis a tal ponto que, num exércto de vinte mil sol- ddados, no se encontravam sequer dois mil infantes. Alem disso, usaram todo 0 engenho para afastar de si € dos soldados a fadiga e © medo, ndo se matando nos ‘combates, mas fazendo-se uns aos outros prisioneiros sem resgate, No atacavam & noite a cidades, asim co- mo os que defendiam as cidades azo atacavam os do acampamento. Em torno do acampamento, 0 cons- ttuiam fossos nem paligadas, nem batalhavam n0 inver- ‘no. Todas estas coisas estavam incluidas em seus cdi 208 militares e foram concebidas, como foi dito, para ‘escaparem a fadiga aos perigos. Assim, levaram a 2 ser escravizada e vilipendiada a ccavtruto xm Dos Exércitos Auxitiares, Mistos e Proprios (Os exércitos auxiiares, que sto outra arma ini, io as tropas de um poderoso chamadas para te auxilat defender. Poi o que fer recentemente o papa Jelio que, tendo comprovado, na campanha de Ferran, triste de sempenho de seus exércitos mercendrios, voliou-se para (0s auxlares, combinando com Femando, rei de Es- panha, que sua gente ¢ exéreito fossem ajudi-lo. Esses texércitos podem ser Utels e bons para si mesmos, mas, para quem os chama, sio quase sempre nocivos; quando, perdem, és derrotado junto com eles e, quando vencem, fe aprisionam, Embora as antgas historias estejam reple- tas de exemplos a este respeito, quero deter-me no caso recente do papa Jilio I, cua decisto de se lancar por inteiro nas mos de um forasteir’, pelo desejo de con- uistar Ferrara, nto poderia ser menos recomendivel. Mas sua boa fortuna fez com que suisse uma teres coisa e, assim, no colhesse os frutos de sua mé escolha, porque, tendo sido derroudas seus auxiliares em Ra- ‘enna’ surgindo os suigos para expulsar os vencedores, fora de qualquer expecativa do papa ou de outrs, no velo ele a cai prisioneito dos inimigos, pois estes ug ‘rim, nem de seus auxiires, fl que Vencera com ours 6 os onmepe forgas que nio as destes, Os florentinos, estando inteira- mente desarmados,levaram dez mil franceses a Pisa para tom’, deisio pela qual enfentaram mais perigos do ‘que em qualquer €poca de adversidade. © imperador de CConstantinopla’, para se contrapor aos seus vizinhos, pos ra Grécia dez mil turcos, 0s quais, finda a guerra, nio

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