Você está na página 1de 8

Pedro António Janeiro

Arquiteto formado pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Mestre em Cultura Arquitectónica
Contemporânea e Construção da Sociedade Moderna. Doutor em Arquitectura, na especialidade de Teoria da Arquitectura
pela FAUTL. Autor de diversos ensaios e livros, entre os quais: Perspectivas e Outras Imagens da Arquitectura I e II, Linha
do Horizonte (orgs.), Arquitectura e Cosmologia (org.).
E-mail: pajaneiro@gmail.com

ÀS PORTAS DE SHAMBHALA
O DESENHO COMO ENTRADA EM UM MUNDO-FICCIONADO

R ESUMO
Era uma vez quatro irmãos, Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia Pevensie. Era uma vez Londres: onde estas
quatro crianças viviam alguns metros abaixo dos raids aéreos que ameaçavam diariamente a cidade com bombas
de angústia, de medo, de incerteza, de morte e de solidão. Era a Segunda Guerra Mundial. Pedro, Susana, Edmun-
do e Lúcia foram enviados para longe da cidade. Foram para a casa do Prof. Digory Kirke que vivia no campo,
um lugar longe da cidade dos homens. É assim que começa o conto fantástico de C. S. Lewis, O Leão, a Feiticeira
e o Guarda-Roupa (1950), o primeiro das Crónicas de Nárnia. Entre árvores e rebanhos, entre relvas e lagos, estas
quatro crianças – a salvo da injustiça dos homens da guerra – descobrem, num quarto da casa do Prof. Kirke, num
dia de chuva, um misterioso guarda-roupa. Entram. A porta do guarda-roupa fecha-se atrás de si e, à sua frente,
abre-se um outro-mundo: NÁRNIA! Nárnia é um outro-mundo, um mundo para-lá: habitado por faunos, gigantes,
animais que podem falar, criaturas mitológicas; um mundo com outras cores, outros ceús, outras ordens. Do outro
lado do guarda-roupa, nesse tal mundo para-lá, encontram o mundo de Nárnia à 100 anos submetido, pela maldade
da Feiticeira Branca (Jadis), a um Inverno contínuo e rigoroso. Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia tornam-se reis e
rainhas de Nárnia e, com a ajuda de Aslam, um leão falante, derrotam Jadis. O seu reinado durará vários anos, mas
acaba quando, durante uma caçada, encontram o caminho de volta para o nosso-mundo (?) e regressam como se
nada tivesse acontecido, voltando com a mesma idade que tinham e quase no mesmo instante em que eles entraram
juntos no guarda-roupa.

Palavras-chave: Desenho. Ficção. Arquitectura. Fenomenologia.

VEREDAS FAVIP - Revista Eletrônica de Ciências - v. 3, n. 2 - julho a dezembro de 2010


A BSTRACT

Once there were four brothers, Peter, Susan, Edmund and Lucy Pevensie. Once upon a time in London: where
these children lived some four meters below the daily air raids that threatened the city with bombs of anguish, fear,
uncertainty, death and loneliness. It was the Second World War. Peter, Susan, Edmund and Lucy are sent away from
the city. Went to the home of Prof. Digory Kirke who lived in the countryside, a place far from the city of men.
Thus begins the fantastic tale of CS Lewis, The Lion, the Witch and the Wardrobe (1950), the first of the Chroni-
cles of Narnia. Between trees and livestock, among grass and lakes, these four children - safe from the wickedness
of men of war - find out in a bedroom of the house of Prof. Kirke, on a rainy day, a mysterious wardrobe. Enter.
The wardrobe door closes behind him and, before him, opens up an other-world: Narnia! Narnia is an other-world,
a world-there, populated by fauns, giants, animals can talk, mythical creatures, a world with other colors, other skies,
other orders. On the other side of the wardrobe, in this world, there are the world of Narnia for 100 years submit-
ted by the evil White Witch (Jadis), a continuous and rigorous winter. Peter, Susan, Edmund and Lucy become kings
and queens of Narnia and, with the help of Aslan, a lion speaker defeat Jadis. His reign will last several years, but
just when, during a hunt, they find their way back to our-world (?) And return as if nothing had happened, returning
with the same age and had almost the same instant that they came together in the wardrobe.

Keywords: Design. Fiction. Architecture. Phenomenology.

VEREDAS FAVIP - Revista Eletrônica de Ciências - v. 3, n. 2 - julho a dezembro de 2010


Às Portas de Shambhala - O Desenho como Entrada em um Mundo-Ficcionado
1 INTRODUÇÃO Fechar os olhos, tê-los por detrás das pálpebras,
é a possibilidade de entrar num mundo diverso daquele
Os olhos vêem. que temos diante quando os olhos estão abertos.
Mas, o que vêem os olhos? Enquanto os olhos estão abertos vejo umas coisas;
Os olhos vêem espontaneamente enquanto os mas, quando os fecho, vejo outras-coisas – como numa
temos abertos: involuntariamente, talvez, vêem coisas1. espécie de viagem por mundos encantados, inteiramente
Mas, que coisas vêem os olhos? meus, impartilháveis quem sabe. Porém, meus, num tão
Os olhos vêem as coisas do mundo, vêem as coisas perto do sonho.
que compõem o mundo: o meu mundo.
Os meus olhos são negros; e os teus? Uma revelação? Uma epifania? Eu?
Não sei.
Os olhos vêem o mundo sujeito à Luz; é a Luz Eu não sei.
que oferece aos olhos o mundo das coisas visíveis.
Acerca da Luz, o que me merece dizer é que: Ela – a Depois de Sócrates, o que eu sei é que, com
Luz – é aquilo que separa a Terra do Céu, o onde habitam os olhos fechados, eu sou mais eu: Solus Ipse(?), em um
os mortais de Heidegger2, os mortais que vêem nesse onde(?); num, de facto, lugar, onde o meu-mundo não
entretanto. entra em confronto aberto com o mundo-do-outro, meu
semelhante muito embora, porém, um para mim para
Os olhos fecham e abrem involuntariamente: sempre outro – quase-estranho(?). Um lugar imaginado,
as pálpebras, como viseiras de elmos, escondem-me o uma cidade de ouro, um El Dourado, uma outra cidade;
mundo e, intermitentemente, revelam-me-o. Mas, isto, ou, mundo-outro:
involuntariamente como desígnio da minha humanidade,
porque possuo – como o meu semelhante, um para-mim In Xanadu did Kubla Khan
para-sempre outro – uma fileira de cílios que servem para A stately pleasure-dome decree:
proteger os meus olhos da poeira e das outras violências Where Alph, the sacred river, ran
de um mundo que, só aparentemente, me é exterior. Só, Through caverns measureless to man
aparentemente. Down to a sunless sea.
So twice five miles of fertile ground
Em querendo, fecho os olhos: amputo o With walls and towers were girdled round:
mundo-diante, e entro, voluntariamente – desejando And there were gardens bright with sinuous rills,
– num mundo-outro, num para sempre imaginado, Where blossomed many an incense-bearing tree;
obrigatoriamente para mim melhor. Fecho os olhos, And here were forests ancient as the hills,
enclausuro-me – como nos desenhos das entranhas das Enfolding sunny spots of greenery.
cidades de Piranesi – em-mim. O mundo ficou lá atrás.
E se, em querendo, fecho os olhos: imagino, ficciono, But oh ! that deep romantic chasm which
sou. slanted
Down the green hill athwart a cedarn cover!

1
MERLEAU-PONTY, 2007, p. 15.
2
HEIDEGGER, 1954, pp. 145-162.

VEREDAS FAVIP - Revista Eletrônica de Ciências - v. 3, n. 2 - julho a dezembro de 2010

86
Pedro António Janeiro

A savage place ! as holy and enchanted His flashing eyes, his floating hair!
As e’er beneath a waning moon was haunted Weave a circle round him thrice,
By woman wailing for her demon-lover! And close your eyes with holy dread,
And from this chasm, with ceaseless turmoil For he on honey-dew hath fed,
seething, And drunk the milk of Paradise.”
As if this earth in fast thick pants were
breathing, Kublai Khan ou A Vision in a Dream, Samuel Taylor
A mighty fountain momently was forced : Coleridge.
Amid whose swift half-intermitted burst
Huge fragments vaulted like rebounding hail, O desenho, enquanto estrutura fetal da arte e
Or chaffy grain beneath the thresher’s flail : da arquitectura (e, neste contexto, “arquitectura” como
And ‘mid these dancing rocks at once and ever não menos do que isso: arte), é isso mesmo: é uma
It flung up momently the sacred river. visão – como em Xanadu –, é uma entrada num mundo
Five miles meandering with a mazy motion imaginário, melhor: ficcionado, que pode ser traduzido
Through wood and dale the sacred river ran, através de marcas sobre uma superfície – um primeiro
Then reached the caverns measureless to man, sintoma da visibilidade do imaginário no real.
And sank in tumult to a lifeless ocean: Desenhar é, só por isso, imaginar: Xanadu ou
And ‘mid this tumult Kubla heard from far mundos-outros.
Ancestral voices prophesying war!
Desenhar é entrar pela opacidade do suporte
The shadow of the dome of pleasure a-dentro e conquistar um mundo para-lá dela: uma, de
Floated midway on the waves; facto, janela – como a de Alberti; mais do que isso até:
Where was heard the mingled measure sonhar, sonhá-la para lá da pressuposta transparência do
From the fountain and the caves. vidro. É ir habitar um mundo longe deste, contudo tão
It was a miracle of rare device, perto – à distância da mão –, tão tangível pelos olhos
A sunny pleasure-dome with caves of ice! abertos, num quase-tacto.
A damsel with a dulcimer
In a vision once I saw: Em arquitectura, por exemplo, o desenho, é isso
It was an Abyssinian maid, que permite: um habitar, mas em mente; um inaugurar
And on her dulcimer she played, um novo mundo a partir do presente; em arquitectura,
Singing of Mount Abora. desenhar é ir buscar ao futuro um instante (de espaço)
Could I revive within me prestes a acontecer, ou um para sempre impossível(?), ou
Her symphony and song, um para sempre utópico(?) como a Xanadu de Coleridge.
To such a deep delight ‘twould win me, Vimo-lo.
That with music loud and long, Como tão bem observa uma minha tão querida
I would build that dome in air, amiga – Ana Leonor –, “A primeira cidade ideal, a primeira
That sunny dome ! those caves of ice! utopia desenhada, é Sforzinda, a cidade imaginada por
And all who heard should see them there, Averlino.3” – e é bem verdade. Averlino, Filarete (1400-
And all should cry, Beware ! Beware! 1469) – que do grego, “o amante por excelência” –,

VEREDAS FAVIP - Revista Eletrônica de Ciências - v. 3, n. 2 - julho a dezembro de 2010

87
Às Portas de Shambhala - O Desenho como Entrada em um Mundo-Ficcionado

é quem, por intermédio de riscos, traça uma cidade efectivamente, por-vir, um “ainda-não”, porém no agora:
futura onde, apesar de tudo e paradoxalmente, “as (dasein?7 – “aqui e agora”? Ou, “aqui e depois”?). Um
características originais, próprias da Idade Média, são futuro, é certo: uma, de facto, projecção, quer dizer: uma
transportadas para uma cidade que se deseja ao espírito esperança ou uma visão hipotética, tão querida.
clássico de Roma antiga e [e aqui reside o paradoxo:] Tão querida como, por palavras, Xanadu,
para um príncipe moderno como Sforza [il Moro da Coleridge a disse?
Gallerani]4.” Narra-se, com riscos, um espaço. Num Tão querida como a Sforzinda de Filarete?
desenho, uma realidade pronta a nascer – digamos: Tão querida como, a de James Hilton, Shangri-
“prestes a vir à Luz” (Sforzinda nunca a viu, afinal). La?
Tão querida como Shambhala?8 Onde, “por
O desenho está para a arquitectura como a porta exemplo, certa ribeira, pura e simplesmente a mesma,
do guarda-roupa de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa5 pode ser vista pelos deuses como um rio de néctar, como
de C. S. Lewis, está para Nárnia – esse mundo habitado um rio de água pelos homens, como uma mistura de
por faunos e por outras formas e seres sonhados. Ele, o pus e sangue pelos fantasmas esfomeados, e por outras
desenho, como a porta desse guarda-roupa, dá acesso a criaturas como um elemento no qual se vive.”?9
um mundo-para-lá – Nárnia, ou outro –, mas, a todo o Tão querida como a Hypnerotomachia de Francesco
momento, um mundo para além do aqui, do palpável e de Colona?
do tido como certo. Tão querida como a imaginária Nárnia de Lewis?
Ou como em Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, no conto
O desenho, como gesto, é a porta visível da de J. L. Borges?
imaginação; é uma espécie de fechar de olhos posto Cidades felizes ou outras atmosferas cintilantes?
em forma: “As-tu déjà aimé pour la beauté du geste?”; é uma Isso, eu não sei.
imagem, usando uma expressão de Merleau-Ponty, do É que: sabem?
“por-vir6”, uma fixação de algo, (n)um cristal; uma espécie O desenho é uma viagem ficcionada – é certo –
de resina fluídica, que transmutada em âmbar, conserva mas de olhos bem abertos: um pouco mais do que um
insectos e gotas de água desde o Terciário até hoje; mas ego à procura de um-outro.
que, no caso da arquitectura, (entendendo, neste caso, o Os meus olhos são negros; e os teus?
desenho enquanto “projecto”) um Terciário-futuro, um, Os teus têm, mesmo, todas as cores do mundo?

3
MADEIRA RODRIGUES, 2000, p. 137.
4
MADEIRA RODRIGUES, op. cit., p. 137.
5
LEWIS, 1950.
6
MERLEAU-PONTY, 1999, pp. 551 e 552: tb. p.563.
7
HEIDEGGER,1988, pp. 21 e 22.
8
Ver a este propósito: FIC, 2003, p. 49.
Ver também:
BERZIN, 2003.
DEAN, 1999, pp. 125-153.
BEMBAUM, 1980-1989.
JASON, (maio-junho 2002).
CHOGYAM, Shambhala Publications.
ALLEN, 1999-2000.
SYMMES, 1979, pp. 148-187.
9
ANDREW, 1979, p. 52-213.

VEREDAS FAVIP - Revista Eletrônica de Ciências - v. 3, n. 2 - julho a dezembro de 2010

88
Pedro António Janeiro

REFERÊNCIAS

ALLEN, Charles. The Search for Shangri-La: A _______. Vortrage und Aufsatze. Gunther Neske
Journey into Tibetan History. Little, Brown & Co. Pfullingen, 1954, pp. 145-162, trad. do alemão por
Reimpresso por Abacus, Londres, 1999-2000. Carlos Botelho. Conferência dada a 5 de Agosto de 1951
no âmbito do Colóquio de Darmstadt II sobre Homem
ANDREW, Tomas. Shambhala. A misteriosa e Espaço. Impresso na publicação deste Colóquio, Neue
civilização tibetana. Lisboa: Bertrand, 1979. Darmstadter Verlagsanstalt, 1952, p. 72ff.

BEMBAUM, Edwin. The Way to Shambhala: A Search JASON, Jeffrey. Mystery of Shambhala. In: New Dawn,
for the Mythical Kingdom Beyond the Himalayas. Nova No. 72 (maio-junho 2002).
Iorque: St. Martin’s Press, 1980-1989.
LEWIS, C. S. As Crónicas de Nárnia, O Leão, A
BERZIN, Alexander. The Berzin Archives - Mistaken Feiticeira e o Guarda-Roupa, 1950.
Foreign Myths about Shambhala, 2003.
MADEIRA RODRIGUES, Ana Leonor M. O
CHOGYAM, Trungpa. Shambhala: The Sacred Path Desenho, Ordem do Pensamento Arquitectónico.
of the Warrior. Shambhala Publications. Lisboa: Editorial Estampa, 2000.

DEAN, Martin. Ol-mo-lung-ring, the Original Holy MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da


Place. in: Toni Huber (ed.). Sacred Spaces and Percepção. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Powerful Places In Tibetan Culture: A Collection of
Essays. Dharamsala. The Library of Tibetan Works and _______. O Visível e o Invisível. 4.ª ed., São Paulo,
Archives, 1999. 2007.

FIC, Victor. The Tantra. Abhinav Publications, 2003. SYMMES, Patrick. The Kingdom of the Lotus. In:
Outside. Edição especial de 30 anos, s.d.
HEIDEGGER, Martin. A Essência do Fundamento.
Lisboa: Edições 70, 1988.

VEREDAS FAVIP - Revista Eletrônica de Ciências - v. 3, n. 2 - julho a dezembro de 2010

89
Às Portas de Shambhala - O Desenho como Entrada em um Mundo-Ficcionado

ANEXO

À Xanadou, Koubla Khan fit batir10 Des voix ancestrales prophétisant la guerre !
Un palais majestueux à son plaisir,
Où par des grottes pour l’homme démesurées, L’ombre du palais de plaisance
L’Alphée, fleuve sacré, allait courir Flottait sur les vagues à mi-distance,
Dans une mer dessoleillée. Où s`entendait le mélange des notes
Ainsi, de murs et tours, deux fois cinq milles Depuis la fontaine et les grottes.
Y furent enclos de terrain fertile : C’était un miracle de rare audace :
C’étaient des jardins brillants aux ruisseaux sinueux, Un palais au soleil sur des grottes de glace !
Où les arbres à encens fleurissaient nombreux,
Et c’étaient des forêts vieilles comme les monts Une damoiselle à son dulcimer11
Entourant des coins ensoleillés de gazon. M’apparut un jour en vision :
C`était une fille d`Abyssinie,
Oh ! cependant, cet abîme romantique taillé Et sur son dulcimer elle jouait
De par une cédraie sur le mont verdoyant ! En chantant le mont Abora.
Un lieu sauvage ! tant saint et enchanté Pussé-je ranimer en moi
Que sous la lune à son déclin toujours hanté Sa symphonie et sa chanson,
De plaintes d’une femme à son démon-amant ! J’y gagnerais un bonheur si profond
Et de cet abîme, en un continuel désordre liquide, Que par une musique longue et claire,
Comme de cette terre une haleine épaisse et rapide, Je bâtirais ce palais dans les airs,
Une puissante fontaine jaillissait par moments. Ce palais au soleil ! et ces grottes de glace !
Au milieu de son flot intermittent, Et tous ceux qui entendraient le verraient en place,
D’énormes fragments rebondissaient comme des Et tous crieraient : — Gardez-vous ! Gardez-vous !
grêlons, Ses yeux étincelants, ses cheveux fous !
Ou sous le fléau du batteur le grain garni de son ; Tissez un triple cercle autour de lui,
Et parmi la danse perpétuelle de ces rochers, Et fermez les yeux de terreur sacrée :
Il s’échappait par moments le fleuve sacré. Car il s’est nourri de miellée,
Cinq milles serpentant dans ses méandres en dédale, Et a bu le lait du Paradis.
Le fleuve sacré courait bois et val,
Puis atteignait les grottes pour l’homme démesurées
Et se jetait en tumulte en un océan inanimé :
Et dans ce tumulte Koubla ouït de loin dans l’air

10
Traduction de Bertrand Bellet. © Éditions Skiophoros, Pour la traduction et les illustrations. Em http://www.skiophoros.org/extraits/koubla.htm.
Tradução do francês para a língua portuguesa de Ricardo Leon Lopes, como uma pequena contribuição das possibilidades de compreensão
da poesia Kublai Khan ou A Vision in a Dream de Samuel Taylor Coleridge, pelo leitor.
11
“[...] Au Moyen Âge, instrument à cordes de métal tendues sur une caisse qu’on frappait avec deux petits maillets de bois”, conforme http://
www.cnrtl.fr/definition/dulcimer.
(Instrumento da Idade Média, com cordas esticadas, sobre uma caixa de metal, que são tocadas com duas pequenas baquetas de madeira).
Tradução dos editores.

VEREDAS FAVIP - Revista Eletrônica de Ciências - v. 3, n. 2 - julho a dezembro de 2010

90
Pedro António Janeiro

Enormes fragmentos saltavam como granizos,


Ou sob o flagelo da batedeira o grão reforça o farelo;
E entre a dança perpétua dessas rochas,
Ele se escapa de vez em quando o rio sagrado.
Cinco milhas serpenteando nos seus meandros no
labirinto,
O rio sagrado corria por bosques e vale,
Em seguida, atingia as grutas desmedidas para o
homem
E atirou-se em tumulto num oceano inanimado:
E nesse tumulto Kublai ouvia de longe, no ar
Vozes ancestrais profetizando a guerra!

A sombra do palácio do prazer


Flutuava sobre as ondas à meia-distância,
Onde se escutava a mistura das notas
Desde a fonte e as grutas.
Em Xanadou, Kublai Khan havia construído Foi um milagre de rara audácia:
Um palácio majestoso para seu prazer, Um palácio ao sol sobre as grutas de gelo!
Onde por grutas desmedidas para o homem,
O Alfeu, o rio sagrado, corria Uma moça com sua caixa de metal com cordas
Para debaixo de um mar sem-sol. Apareceu-me um dia em uma visão:
Assim, muralhas e torres, duas vezes cinco milhas Ela era uma filha da Abissínia,
Foram recintos de terreno fértil: E, sobre sua caixa de tocar música desfrutava
De jardins iluminados nos riachos sinuosos, Em cantando o monte Abora.
Onde árvores de incenso floresciam numerosas, Pude reavivar em mim
E havia florestas tão velhas quanto às montanhas Sua sinfonia e sua canção,
Em torno dos cantos ensolarados do gramado. Dela ganharei uma felicidade tão profunda
Que através de uma música longa e clara,
Oh! No entanto, esse abismo romântico esculpido Eu construirei este palácio nos ares,
Por causa de um cedro sobre o monte verdejante! Este palácio no sol! e essas grutas de gelo!
Um lugar selvagem! tão santo e encantado E todos aqueles que ouviram o veriam no lugar,
Que sob a lua em declínio sempre encantada E todos gritariam: - Cuidado! Cuidado!
Queixas de uma mulher ao seu amante-demônio! Seus olhos brilhantes, seus cabelos selvagens!
E a partir desse abismo, em contínua perturbação Tecer um círculo ao redor dele três vezes,
líquida, E fechar os olhos de espanto sagrado:
Como desta terra uma respiração densa e rápida, Porque ele se alimentou de mel,
Uma fonte jorrava forte, de vez em quando.
No meio de seu fluxo intermitente, E bebeu o leite do Paraíso.

VEREDAS FAVIP - Revista Eletrônica de Ciências - v. 3, n. 2 - julho a dezembro de 2010

91

Você também pode gostar