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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA


INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SANTA CATARINA.
CAMPUS JOINVILLE
DEPARTAMENTO DE DESENVOLVIMENTO DE ENSINO
LÍNGUA PORTUGUESA – MODERNISMO (2ª FASE)
PROFESSOR: Samuel Ivan Kühn

MURILO MENDES 
(1901 ‐ 1975) 
 
Canção do exílio   Minha filha é também Gilda, 
  Pro costume não perder 
Minha terra tem macieiras da Califórnia  É casada com o espelho 
onde cantam gaturamos de Veneza.  E amigada com o José. 
Os poetas da minha terra  Qualquer dia Gilda foge 
são pretos que vivem em torres de ametista,  Ou se mata em Paquetá 
os sargentos do exército são monistas, cubistas,  Com José ou sem José. 
os filósofos são polacos vendendo a prestações.  Já comprei lenço de renda 
A gente não pode dormir  Pra chorar com mais apuro 
com os oradores e os pernilongos.  E aos jornais telefonei. 
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.  Se Gilda enfim não morrer, 
Eu morro sufocado  Se Gilda tiver uma filha 
em terra estrangeira.  Não põe o nome de Gilda, 
Nossas flores são mais bonitas  Na menina, que não deixo. 
nossas frutas mais gostosas  Quem ganha o nome de Gilda 
mas custam cem mil réis a dúzia.  Vira Gilda sem querer. 
   Não ponha o nome de Gilda 
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade  No corpo de uma mulher. 
e ouvir um sabiá com certidão de idade!   
 
 
O utopista 
 
 
Reflexão n°.1 
Ele acredita que o chão é duro 
 
Que todos os homens estão presos 
Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho 
Que há limites para a poesia 
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio 
Que não há sorrisos nas crianças 
Nem ama duas vezes a mesma mulher. 
Nem amor nas mulheres 
Deus de onde tudo deriva 
Que só de pão vive o homem 
E a circulação e o movimento infinito. 
Que não há um outro mundo. 
 
 
Ainda não estamos habituados com o mundo 
 
Nascer é muito comprido. 
A mãe do primeiro filho 
 
 
 
Carmem fica matutando  
Gilda 
no seu corpo já passado. 
 
 
Não ponha o nome de Gilda  
— Até à volta, meu seio 
na sua filha, coitada, 
De mil novecentos e doze. 
Se tem filha pra nascer  
Adeus, minha perna linda 
Ou filha pra batisar. 
De mil novecentos e quinze. 
Minha mãe se chama Gilda, 
Quando eu estava no colégio 
Não se casou com meu pai. 
Meu corpo era bem diferente. 
Sempre lhe sobra desgraça, 
Quando acabei o namoro 
Não tem tempo de escolher. 
Meu corpo era bem diferente. 
Também eu me chamo Gilda, 
Quando um dia me casei 
E, pra dizer a verdade 
Meu corpo era bem diferente. 
Sou pouco mais infeliz. 
Nunca mais eu hei de ver 
Sou menos do que mulher, 
Meus quadris do ano passado... 
Sou uma mulher qualquer. 
 
Ando à‐toa pelo mundo. 
A tarde já madurou 
Sem força pra me matar. 
E Carmem fica pensando. 
O filho do século  Cartão postal  
   
Nunca mais andarei de bicicleta  Domingo no jardim público pensativo. 
Nem conversarei no portão  Consciências corando ao sol nos bancos, 
Com meninas de cabelos cacheados  bebês arquivados em carrinhos alemães 
Adeus valsa ʺDanúbio Azulʺ  esperam pacientemente o dia em que poderão ler o Guarani. 
Adeus tardes preguiçosas  Passam braços e seios com um jeitão 
Adeus cheiros do mundo sambas  que se Lenine visse não fazia o Soviete. 
Adeus puro amor  Marinheiros americanos bêbedos 
Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem  fazem pipi na estátua de Barroso, 
Não tenho forças para gritar um grande grito  portugueses de bigode e corrente de relógio 
Cairei no chão do século vinte  abocanham mulatas. 
Aguardem‐me lá fora    
As multidões famintas justiceiras  O sol afunda‐se no ocaso 
Sujeitos com gases venenosos  como a cabeça daquela menina sardenta 
É a hora das barricadas  na almofada de ramagens bordadas por Dona Cocota Pereira. 
É a hora da fuzilamento, da raiva maior   
Os vivos pedem vingança   
Os mortos minerais vegetais pedem vingança   
É a hora do protesto geral  Corte transversal do poema  
É a hora dos vôos destruidores   
É a hora das barricadas, dos fuzilamentos  A música do espaço pára, a noite se divide em dois pedaços. 
Fomes desejos ânsias sonhos perdidos,   Uma menina grande, morena, que andava na minha cabeça, 
Misérias de todos os países uni‐vos  fica com um braço de fora. 
Fogem a galope os anjos‐aviões  Alguém anda a construir uma escada pros meus sonhos. 
Carregando o cálice da esperança  Um anjo cinzento bate as asas 
Tempo espaço firmes porque me abandonastes.  em torno da lâmpada. 
  Meu pensamento desloca uma perna, 
  o ouvido esquerdo do céu não ouve a queixa dos namorados. 
Modinha do empregado de banco  Eu sou o olho dum marinheiro morto na Índia, 
  um olho andando, com duas pernas. 
Eu sou triste como um prático de farmácia,  O sexo da vizinha espera a noite se dilatar, a força do homem. 
sou quase tão triste como um homem que usa costeletas.  A outra metade da noite foge do mundo, empinando os seios. 
Passo o dia inteiro pensando nuns carinhos de mulher  Só tenho o outro lado da energia, 
mas só ouço o tectec das máquinas de escrever.  me dissolvem no tempo que virá, não me lembro mais quem sou. 
   
Lá fora chove e a estátua de Floriano fica linda.   
Quantas meninas pela vida afora! 
Guernica  
E eu alinhando no papel as fortunas dos outros. 
 
Se eu tivesse estes contos punha a andar 
Subsiste, Guernica, o exemplo macho, 
a roda da imaginação nos caminhos do mundo. 
Subsiste para sempre a honra castiça, 
E os fregueses do Banco 
A jovem e antiga tradição do carvalho 
que não fazem nada com estes contos! 
Que descerra o pálio de diamante. 
Chocam outros contos para não fazerem nada com eles. 
  
 
 
Também se o diretor tivesse a minha imaginação 
A força do teu coração desencadeado 
o Banco já não existiria mais 
Contactou os subterrâneos de Espanha. 
e eu estaria noutro lugar. 
E o mundo da lucidez a recebeu: 
 
O ar voa incorporando‐se teu nome. 
 
Pré‐história   
   
Mamãe vestida de rendas   
Tocava piano no caos.   
Uma noite abriu as asas 
Cansada de tanto som, 
Equilibrou‐se no azul, 
De tonta não mais olhou 
Para mim, para ninguém! 
Cai no álbum de retratos. 
 
 

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